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DIDATISMO NA CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS

Didactics in the presentation of histories

Lazara da Piedade Rodrigues Regatieri1

RESUMO: Este artigo objetiva refletir sobre os limites da utilização da contação de histórias na
Educação Infantil e suas possibilidades como recurso lúdico e prazeroso na condução das crianças
em seus primeiros passos com a literatura. Apresenta também algumas sugestões e
posicionamentos que podem auxiliar o professor em seu trabalho escolar. Trata-se de uma reflexão
desenvolvida a partir da observação realizada durante a execução de um projeto de literatura,
com oficinas de contação de histórias para crianças de dois a seis anos da Educação Infantil da
Rede Municipal de Uberlândia, quando um olhar mais cuidadoso sugeriu que é preciso ter certa
cautela na utilização dessa estratégia como formadora de leitores para toda a vida. Levantamos
algumas questões como: o caráter pedagógico e moralizante que ainda vigora na utilização da
literatura nas escolas, a que chamamos didatismo; as limitações das práticas vigentes e o
condicionamento histórico do professor que prioriza os conteúdos; a importância de valorizar os
momentos de contação de história, tornando-os realmente especiais, e, por último, mas não
menos importante, o papel da literatura na escola e em nossas vidas.

UNITERMOS: Didatismo. Literatura. Contação de Histórias. Leitores. Educação Infantil.

ABSTRACT: This article aims to reflect on the limits of the use of presentation of stories in the
Children’s Education and its possibilities as an enjoyable and playful in the conduct of children
in its infancy with the literature. It also offers some suggestions and views that can help the
teacher in his school work. This is a reflection, developed from the observation during the
implementation of a project of literature, with workshops on presentation of stories for children
from two to six years Children’s Network of Education Hall of Uberlândia, when a more careful
look suggests that you must have some caution in using this strategy as trainer of readers for life.
We raise some questions as: the teaching character and of moral that still exists in the use of
literature in schools, we call didactics; the limitations of practice and conditioning professor of
history that prioritizes the content, the importance of valuing the moments of presentation of
history, making them really special, and last but not least, the role of literature in school and in
our lives.

KEYWORDS: Didactics. Literature. Presentation of Stories. Readers. Child Education.

Nos últimos anos, temos presenciado o despertar para a contação de histórias: discussões,
encontros, oficinas e artigos sobre literatura infantil e sua importância na formação de leitores.
Que a literatura infantil tanto oral como escrita tem um papel fundamental no incentivo ao
primeiro contato com os livros, não resta dúvida, sem falar também de sua contribuição no
desenvolvimento afetivo, cognitivo, social e cultural da criança. Porém, o que se tem observado
é que, apesar do empenho dos educadores e de sua luta em formar crianças e jovens que gostem
1
Pedagoga; educadora infantil da rede municipal de ensino de Uberlândia; cursista do Programa de Formação Continuada para Docentes do
Ensino Básico (Universidade Federal de Uberlândia) – Eixo 1: Linguagens e Culturas.
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de ler e tenham uma relação prazerosa com os livros, os resultados não têm sido satisfatórios.
Talvez a questão esteja na relação dos próprios educadores com os livros e, conseqüentemente,
com a literatura, seja ela oral ou escrita.

A intenção deste artigo é discutir as experiências observadas durante a realização de um projeto


de literatura, quando foram oferecidas oficinas de contação de histórias para crianças na faixa
etária de dois a seis anos da Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino de Uberlândia.
Essas oficinas aconteceram quinzenalmente numa Unidade de Desenvolvimento Infantil - UDI.
E, de vez em quando, em outras Instituições da rede municipal, num período de três anos. Nestas
ocasiões, o contato com os professores permitiu detectar uma tendência acentuada de associar a
contação de história ao ensino de determinados conteúdos de outras áreas ou utilizá-la para
ensinamento de preceitos morais ou de comportamentos desejáveis. Notou-se uma preocupação
pedagógica ainda voltada para uma postura normativa e formativa, ou seja, o didatismo na contação
de histórias.

Frente a essa constatação, partimos do pressuposto de que é relevante trabalhar a literatura na


Educação Infantil de uma forma lúdica e prazerosa, especialmente quando apresentada aos alunos
em uma sessão de contação de histórias. Além de ser um recurso muito atrativo para os pequenos,
a literatura infantil, como os contos de fadas, age como elemento de formação psicológica
importante no desenvolvimento de recursos interiores, do intelecto e das emoções das crianças.
Esta fala é reforçada por Bettelheim (1980), quando diz que “o conto de fadas cria uma ponte
com o inconsciente e seu impacto psicológico sobre a criança tem poder regenerador,
proporcionando-lhes conforto e consolo emocional”.

Consideramos de grande relevância estudar melhor a relação: sala de aula versus contação de
histórias, e nos orientamos pelo seguinte questionamento: porque os educadores têm tanta
dificuldade em trabalhar a contação de histórias pelo encantamento para estimular o imaginário
ou instaurar um espaço lúdico?

Ao observarmos o quanto os professores reforçam a idéia do hábito obrigatório de apresentar o


livro literário como apenas “historinhas”, optamos pela técnica de contação de histórias
influenciados pela questão da faixa etária (Educação Infantil – crianças entre dois e seis anos), e
porque esta técnica, por ser mais agradável ao espírito infantil, envolve mais facilmente as crianças,
evitando que estas se dispersem na hora das sessões. Acreditamos que se o professor gostar de
ler e se apoiar numa metodologia apropriada, sem imposições ou cobranças, sem transformar
esses momentos em aulas didáticas, com certeza estará contribuindo para que o primeiro contato
das crianças com os livros seja prazeroso e agradável.

A literatura infantil

Antes de nos enveredarmos pelas vias do imaginário e do lúdico da contação de histórias e de sua
importância como recurso para uma formação prazerosa de leitores, faremos uma retrospectiva
sobre o surgimento da literatura infantil e do papel dos contos nesse contexto.

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No início do século XVIII, quando a criança começa a ser considerada não mais um adulto em
miniatura, mas um ser com características e necessidades próprias, inicia-se o delinear da literatura
infantil, que deveria separar as vivências das crianças das vivências do adulto e oferecer uma
educação especial para a sua formação. A escola e a família assumem, então, o papel de mediadores
entre o indivíduo e a leitura. Porém, há uma distinção quanto ao acesso à literatura: os grandes
clássicos para a classe mais privilegiada; as histórias de cavalaria, de aventuras, as lendas e
contos folclóricos para as camadas populares. Por outro lado, escola e família fortalecem a
ligação da literatura infantil com a pedagogia, postura reforçada também por grandes educadores
europeus da época como Comenius, Basedow, Campe, Fénélon e outros, que evidenciaram em
suas obras a tendência de uma literatura formativa e informativa.

A nova valorização da infância gerou maior união familiar, mas


igualmente os meios de controle do desenvolvimento intelectual da
criança e de manipulação de suas emoções. Literatura infantil e escola,
inventada a primeira e reformada a segunda, são convocadas para cumprir
esta missão (ZILBERMAN, 1981, p.15).

Com o passar do tempo, a necessidade e a procura de adequação de uma literatura para a infância
fez com que dos clássicos se fizessem adaptações; e do folclore houve a apropriação dos contos
de fadas, voltados, então, para atender a criança, mas mantenedores de seu teor moralizante e
doutrinário. Perrault, Andersen, Carlo Collodi, Charles Dickens e os irmãos Grimm, entre outros
autores, são conhecidos representantes da gênese da literatura infantil.

No Brasil, a literatura infantil teve início também com obras pedagógicas, predominando as
tendências européias, com representações bastante diferentes das vivências do leitor nacional.
Monteiro Lobato inicia então uma produção para a infância focada nas raízes locais e no
contemporâneo. Cria obras didáticas, de exploração do folclore e de pura imaginação. No Brasil
dos anos 30, inventa um núcleo ativo de personagens infantis liderados pela boneca Emília. No
Sítio do Pica-pau Amarelo vive também Dona Benta e Tia Nastácia, que “orientam” as crianças
Narizinho e Pedrinho, além dos personagens Visconde de Sabugosa, Quindim e Rabicó. Além
de suas criações, foi adaptador de contos de fadas e das obras de Peter Pan e Pinóquio. Sua
inquietação intelectual e sua preocupação com as questões nacionais ficam expressas numa
língua marcada pelo aproveitamento do dialeto brasileiro.

Seu sucesso foi um incentivo para que a produção para a infância, com raízes nacionais, se
ampliasse através das obras de Viriato Correia, José Lins do Rego, Érico Veríssimo e Graciliano
Ramos, autores que também se utilizaram da literatura e da fantasia para discutir os problemas
sociais e a exploração do folclore e dos fatos históricos.

Podemos dizer então que, de um modo geral, a literatura infantil assumiu, em sua origem, uma
postura pedagógica ao invés de lúdica, com a função de transmitir para as crianças as normas e
os valores que os adultos consideravam adequados. O lúdico foi renegado às obras de menor
importância que circulavam nas camadas populares. Por serem baratas e de conteúdo mais
gratificante, expandiram-se e se consagraram, mesmo sendo consideradas vulgares pelas instituições
pedagógicas. Mas o que valiam para as escolas eram as obras didáticas ou as obras literárias

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encomendadas, que formavam e informavam verdadeiramente o cidadão para a vida, com
tendências voltadas para o realismo, deixando pouco espaço para a fantasia.

De acordo com Cunha (2006), uma questão até então não era levada em consideração, “a
conscientização ou discussão da realidade não se faz obrigatoriamente via realismo: a imaginação
e a fantasia podem fazer o mesmo, por caminhos subterrâneos da trama e, talvez até por isso
mesmo, com mais agudeza e profundidade”.

Desde então houve grandes avanços, mas, ainda hoje, há um considerável número de produções
literárias que trazem em seu bojo um discurso pedagógico e moralizante. A propagação dessas
obras se dá através das escolas, que as adquirem por intermédio de divulgadores das editoras,
empurrando-as à instituição através de venda direta. Os próprios pais, muitas vezes, com a falta
de atenção ou tempo para estar com seus filhos, transferem para este tipo de livro a função de
ensinamento dos valores e modelos ideais constituídos historicamente.

Em contrapartida, temos autores como Ana Maria Machado, Silvio Romero, Luis de Câmera
Cascudo, Lygia Bojunga Nunes, Tatiana Belinky, Ruth Rocha e muitos outros que escrevem
uma literatura variada, rica e altamente criativa que estão à disposição do professor para contribuir
para a formação de seus alunos. Entretanto, o crescente interesse pelo assunto não tem resultado
em mudanças equivalentes de atitudes ou de hábitos dos que lidam com a literatura infantil,
embora muitos professores já despertaram para o fato de que é preciso modificar o
condicionamento da literatura a uma prática vinculada a ensinamentos morais ou conteudistas,
que ainda vigora, ou seja, o trabalho em sala de aula continua se caracterizando pelo “didatismo”.
“Estruturando-se como gênero literário enquanto se sujeitava a interesses diversos, mas todos de
índole pragmática, a literatura infantil aceitou a condição de colônia da pedagogia tradicional e
a função de agente da escola” (ZILBERMAN,1981, p. 113).

Os resultados de uma pesquisa feita em 1993, pela professora Raquel Villardi, da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro, com professores da rede municipal, apontaram que a freqüência com
que o livro de literatura ou os projetos de leitura apareciam associados a outro tipo de trabalho
era preocupante. A conclusão que se chegou, então, foi que a metodologia usada poderia ser a
causa do fracasso na condução do processo de desenvolvimento do “gosto” pela leitura.

Todos os professores entrevistados disseram achar importante trabalhar


a literatura infanto-juvenil na escola. Dentre os que trabalhavam de dois
a seis livros literários por ano, 52% desenvolviam atividades integradas
a outras áreas, 32% trabalhavam sob a forma de comentários orais, e
apenas 16% estavam centrados exclusivamente no texto (VILLARDI,
1997, p. 29).

Embora a literatura sirva também para a informação e a apreensão do conhecimento, sua função
primordial é divertir e entreter com prazer. O ideal é que, ao trabalharmos com literatura, a
aprendizagem se dê primeiro na área “apreciativa”2, para depois desenvolver as áreas cognitiva e
motora.
2
Segundo Maria Antonieta Antunes Cunha, a área apreciativa é aquela que estabelece gosto, opções, atitudes, crenças, ideais, cuja aprendizagem se
faz através da discriminação orientada pelo prazer e desprazer. Nesse sentido, o processo de aprendizagem deve ser o acúmulo de experiências
acompanhadas de sensação agradável.
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Impor o livro literário a uma criança, mesmo que seja com a melhor das intenções, é a mesma
coisa que oferecer a ela um remédio amargo: ela irá tomar, mas de modo forçado e o mínimo
possível, principalmente se o assunto abordado não tiver significados para ela. Ao trabalharmos a
literatura com os pequenos, é importante que fiquemos atentos para não lidarmos da mesma
forma com que trabalhamos a Matemática, a História, a Ciências etc. Temos que fazer uma
distinção entre o livro didático e o livro de literatura, os objetivos a serem alcançados são diferentes
e também as estratégias, que devem ser, se possível, as mais agradáveis e eficazes, para estarmos
influenciando de forma positiva a formação de futuros leitores.

Este trabalho vem comprovar o quanto o professor tem se confundido quanto à importância e à
utilidade da literatura. Temos que questionar acerca do “para que serve a literatura” para não
cometermos erros com nossos alunos. Villardi (1997, p.110), responde a esta indagação dizendo
que “a literatura serve para tornar o homem mais sensível, mais crítico, mais humano e, certamente,
mais feliz”.

Contação de histórias

A contação de histórias é uma excelente estratégia para o professor colocar as crianças em contato
com boas histórias. Histórias que, além de proporcionar o primeiro contato com os livros de
forma agradável, irão distraí-las, levá-las a lugares distantes, onde, através do imaginário e da
fantasia, viverão situações, experiências e aventuras das mais variadas possíveis. Experiências
que podem “recrear, informar, transformar, curar, apaziguar e integrar” (SISTO, 2005, p. 88).

Ao professor caberá buscar técnicas e estratégias variadas de narração para que o aluno se
familiarize com os livros. Sendo as crianças irrequietas por natureza, e difíceis em manter a
atenção numa mesma atividade por muito tempo, o uso de uma boa técnica narrativa poderá
evitar longas descrições e, conseqüentemente, divagações quando o educador for trabalhar com
a literatura. Por isso, acreditamos que o ideal ao trabalhar com os pequenos é utilizar primeiro a
técnica de contar histórias ao invés de ler. A contação se torna mais agradável ao espírito infantil
por predominar o discurso direto, portanto, envolve mais facilmente as crianças, tornando os
fatos e as cenas mais atuais e reais. No entanto, ressaltamos que é importante mostrar o livro
para as crianças após uma contação, ou intercalar momentos em que as histórias são lidas, para
que elas percebam de onde vieram as histórias, o que estará estimulando e despertando seu
interesse para buscar novas histórias e novos livros.

Retomando a importância da contação, ressaltamos que contar histórias é diferente de ler histórias.
Quando lemos, temos que seguir as normas da língua escrita, que tem especificidades próprias,
que a distingue da linguagem falada. Já contar história é outra técnica, que nos dá a idéia de uma
figura ancestral, de uma memória preservada através da oralidade. Implica uma capacidade de
apresentar ou sugerir oralmente para os ouvintes as imagens e situações contidas no texto. “O
elemento oral permite uma variedade de opções, possíveis somente na comunicação de viva voz”
(ZILBERMAN, 1990, p. 111).

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Nesse sentido, também Villardi (1997) defende que, quando se conta uma história, utilizamos
uma linguagem própria da fala. Ajustamos o enredo a um registro lingüístico que se aproxima
melhor da realidade e compreensão da criança. Porém, quando se lê, temos duas opções: ou
alteramos o texto escrito, adaptando-o à realidade lingüística da criança, ou lemos o texto como
se encontra. A primeira opção facilitará a compreensão do texto pelos ouvintes. Mas, para ambas
as técnicas é importante o preparo, a forma de ler ou de contar é que vai estimular ou não o
desejo e o prazer das crianças, além do enriquecimento de suas experiências.

O papel do professor (contador) neste contexto é primordial; o principal para o desenvolvimento


de um bom trabalho com a literatura é que ele goste de ler e goste, é claro, de literatura. Ao
escolher uma história para contar, o ideal é que ele defina previamente critérios, metodologias e
objetivos que irão orientá-lo. Além disso, para facilitar seu trabalho, ele poderá se beneficiar de
normas e técnicas artísticas, sem se transformar num ator. De acordo com Sisto (2005), o contador
de histórias é um todo orgânico que se expressa pela voz, pelo corpo e pelas expressões faciais,
estimulado pelo texto a ser narrado. Ele faz com que a arte da oralidade seja construída em cena,
o texto acontece ali.

A narrativa para crianças requer certos cuidados que devem ser observados. A adequação da
obra à faixa etária do público pode ser feita, embora, devemos respeitar sempre a idéia central do
autor. Vale lembrar que cada criança, de acordo com a Psicologia, possui características e limites
definidos por inúmeros fatores sociais, afetivos e cognitivos. É necessário um maior envolvimento
do professor com as crianças para conhecer um pouco da sua história de vida, suas experiências
e seus interesses.

Para a Psicologia e de acordo com Cunha (2006), a criança passa por transformações que
estabelecem diferentes fases de desenvolvimento, das quais três são consideradas importantes
para a literatura infantil: a do mito, a do conhecimento da realidade e a do pensamento racional.
Ressaltamos, contudo, que as características e limites apresentados em cada fase são relativos,
não devem ser generalizados.

Como o estudo apresentado neste artigo focaliza a Educação Infantil, com crianças em idade
entre dois e seis anos, destacamos a “fase do mito que compreende crianças de três a oito anos”
(CUNHA, 2006, p. 100). Nesta fase predominam o fantasioso e o animismo. A criança não faz
diferença entre a realidade e a fantasia, distinção que também não fazemos durante as narrativas
quando damos vida aos objetos e voz às plantas e aos animais. Os contos de fadas, as lendas, os
mitos e as fábulas, por serem um campo fértil para a imaginação, são especialmente adequados
e indicados para essa idade.

Ouvir e contar histórias compete hoje com os meios de comunicação de massa, indústria que
alimenta a ansiedade da atualidade, do ter e não do ser. Por isso, a necessidade de proporcionar
às nossas crianças, principalmente na educação infantil, imagens significativas que alimentam o
espírito com vivências que serão experimentadas no decorrer de sua vida. Daí a importância dos
contos, que possuem uma linguagem simbólica “universal e atemporal” (BUSATTO, 2003, p.
35) e contribuem para a formação das crianças, criando uma ponte com o inconsciente,
desenvolvendo-lhes internamente recursos para que, quando se depararem com situações difíceis

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e inevitáveis, estejam mais fortalecidas e preparadas.

Enquanto diverte a criança, o conto de fadas a esclarece sobre si mesma,


e favorece o desenvolvimento de sua personalidade. Oferece significado
em tantos níveis diferentes, e enriquece a existência da criança de tantos
modos que nenhum livro pode fazer justiça à multidão e diversidade de
contribuições que esses contos dão à vida da criança (BETTELHEIM,
1980, p. 20).

Mesmo com o crescimento de movimentos de resgate desses momentos, as práticas observadas


nos alertam do quanto a preocupação didática se sobrepõe à arte e ao improviso e as cobranças
tomam lugar do que deveria ser preparado e gratificante. Esse tipo de prática acaba por tornar a
atividade de contação, que deveria ser um momento de prazer, em atividade rotineira e enfadonha.
Muitas vezes não há nem a devida preparação do ambiente e nem do professor para esses
momentos.

Observamos que alguns professores ficam preocupados em mostrar que desenvolveram o tema
gerador da história e que a criança assimilou o que foi apresentado. Cobram dos alunos atividades
em folhas de papel, reprodução dos fatos, construção com sucatas, moral da história, enfim,
explicam tanto o conto que este não diz mais nada, quem diz é o professor.

Visitas encantadas

Propomos à escola em que atuamos a realização de um projeto de contação de histórias, para que
houvesse uma revitalização e diversificação desses momentos, que até então eram realizados
pelo professor regente de cada sala. Sugerimos o projeto “Visitas Encantadas” porque não havia
na época um professor específico para trabalhar com a literatura. Observamos que na dinâmica
do cotidiano escolar falta tempo para o professor se dedicar e se preparar especificamente para
esses momentos. Um dos motivos pode estar ligado a um programa que historicamente dá
“prioridade aos conteúdos, às cobranças da família, da escola e do próprio professor”, que querem
ver ou mostrar resultados mais imediatos, um bom desempenho visível, palpável, do aluno no
final do ano letivo (VILLARDI, 1997, p. 109).

As oficinas foram realizadas de quinze em quinze dias. Um dia antes da data prevista para ínicio
do projeto os alunos foram avisados que receberiam uma visita surpresa. O uso dessa estratégia
visou gerar expectativas nas crianças e fazer com que esses momentos pudessem ser especiais. A
cada visita, o contador se caracterizava de uma forma diferente. Também usava diversos recursos
e adereços para enriquecer a contação e o ambiente, como fantoches, dedoches, sucatas, maquetes,
chapéus, fitas, flores, caixas, músicas, tapetes, almofadas etc. As histórias eram preparadas
previamente, respeitando a faixa etária de cada turma visitada. As crianças fizeram a maior
festa, no início ficaram surpresas e felizes, mas não entendiam muito, com o passar do tempo
começaram a cobrar novas visitas, perguntando quando seria e quem viria da próxima vez.

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Numa certa ocasião em que o espaço de tempo para a visita foi maior, uma criança de quatro
anos nos interpelou: “ - Porque você não visita mais a gente? - Mas eu estou te visitando!
Respondeu a educadora. - Não! Não é assim não, é com roupa de visita, pra contar história.”

Foi interessante também observar como algumas crianças associavam o nome da personagem
do dia ao contador de histórias, chamando a contadora de girafinha, fada ou bruxa; outras ficavam
em dúvida se era a educadora ou a personagem.

Os professores contribuíram na execução do projeto e no controle da disciplina durante a contação


de histórias. Porém, o que se seguiu não correspondeu com o objetivo principal proposto, que
era de proporcionar aos alunos momentos diversificados de fantasia e prazer, um primeiro contato
com os livros como se estivessem brincando, de forma a propiciar o desenvolvimento do
imaginário e conseqüentemente da linguagem oral e escrita. Outro ponto importante foi
conscientizar os educadores quanto à importância do lúdico, que deveria ser prioridade na
Educação Infantil, e que os mesmos não precisariam necessariamente cobrar tantas atividades
relacionadas ao texto após as oficinas, a não ser que as crianças estivessem propensas a desenvolvê-
las. Alguns professores estavam tão acostumados a desenvolver, obrigatoriamente, atividades
após as histórias ou a relacioná-las a algum conteúdo, que deixavam de explorar o texto
propriamente dito, já entrando direto na atividade. Outros não discutiam mais o assunto com as
crianças, mas houve professores, embora em número reduzido, que, além de ouvir e conversar
com as crianças sobre as histórias contadas, buscaram aprofundar e apresentar novos livros em
suas aulas. Às vezes perguntar se a criança gostou da história ou cobrar um desenho ou até
mesmo oferecê-lo pronto para colorir não terá significado algum a ela. Pior ainda é quando, ao
término de uma história, seguem-se questionamentos moralizantes como: “Viu? Se você não
obedecer ou mentir seu nariz vai crescer” (no caso, referindo-se à história do Pinóquio).

Todo este processo mantém-se à margem do texto e acarreta graves


conseqüências. A primeira delas, de aspecto mais geral, diz respeito ao
fato de que tais procedimentos não permitem ao professor determinar
exatamente o que o aluno compreendeu ou não. Assim, como o professor
“passa por cima” daquilo que o aluno não entende. Como o fato de não
entender não lhe traz qualquer conseqüência, o aluno termina por
condicionar-se a desconsiderar sua falta de compreensão, e a não atribuir
valor a esse tipo de acontecimento (VILLARDI 1997, p. 19).

Com base nessas observações foi constatado que na Unidade Educacional, e também em outras
unidades e instituições onde foram realizadas as oficinas, a contação de histórias ainda está
ligada a uma tendência determinante de conteúdos, normativa e moralizante, o que podemos
chamar de didatismo. A grande preocupação dos professores em orientar eficientemente seus
alunos os leva a utilizar estratégias inadequadas para a contação de história e até mesmo para a
literatura infantil escrita, e a principal conseqüência tem sido exatamente o fato de nossos alunos
não gostarem de ler.

A contação de histórias enquanto arte não pode ser realizada de qualquer jeito, ou em qualquer
lugar. Observar técnicas e utilizar-se de recursos materiais e humanos é imprescindível para que

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se realize um trabalho de qualidade e se alcance bons resultados, mesmo que estes sejam a longo
prazo e internos. É necessário que o professor leia muito, que escolha com cuidado as histórias,
respeitando as características e limites de cada fase de desenvolvimento da criança. Se possível,
preparar também o ambiente, ou seja, criar um clima de expectativa para que o momento seja de
surpresa, prazer e encantamento.

É importante não se perder em explicações do conto ou transformar esse momento em aula com
desenvolvimento didático, pois assim, cair-se-á no didatismo. Sem impor ou criar um
comportamento moralizante, deve-se deixar que a criança, segundo seus referenciais, chegue às
suas próprias conclusões e construa o seu mundo imaginário. O professor, na função de narrador,
criará todo o referencial necessário para que a imaginação da criança se encarregue do resto, não
precisa ficar explicando os mínimos detalhes, cada um retira do conto o que necessita. Muitas
vezes o significado maior das histórias está nas entrelinhas, “são pequenos segredos”, como
sugere Busatto (2003, p. 43).

Porém, para que o professor alcance tais resultados, a narrativa precisa estar viva e contagiar o
ouvinte. Portanto, se ele escolhe uma história exclusivamente com a intenção de utilizá-la enquanto
recurso auxiliar na aplicação de um conteúdo didático, data comemorativa etc., poderá, com
essa atitude, favorecer o desaparecimento de todo o encantamento contido no conto e
conseqüentemente não contribuirá em nada com o despertar das crianças para o prazer que é a
literatura.

Sabemos que não é tarefa fácil para o educador estar sempre inovando, buscando trabalhar de
forma criativa e dinâmica para que o aluno tenha sempre novidades. Fazer com que os recursos
sejam sempre variados; as atividades e o tempo direcionado para a literatura sejam valorizados;
ou que o número de crianças nas salas seja o ideal para se desenvolver um bom trabalho é um
sonho. O professor quase sempre enfrenta inúmeros obstáculos no cotidiano escolar ou fora dele
que dificultam essa prática: obstáculos relacionados a tempos e espaços da escola, falta de recursos
materiais e, o mais importante e grave, o papel secundário reservado à literatura na escola e em
nossa vida.

Não se trata em momento algum de falar o que é certo ou errado, ou atestar contra o valor dos
contos, enquanto recurso auxiliar na abordagem das diferentes áreas do conhecimento formal,
como História, Ciências, Geografia etc. De acordo com Villardi (1997, p. 20), “a
interdisciplinaridade é importante e pode partir de um texto literário, mas não substitui o trabalho
com o texto”. Trata-se sim de ressaltar a questão da importância de resgatar esse traço da oralidade,
mas sem transformar a hora do conto em aulas impositivas e moralizantes. Práticas que impedem
a criança de ampliar seu repertório de conhecimento sobre o mundo e de vivenciar momentos de
fantasia e prazer, objetivo principal desse estudo.

Inicialmente um conto existe para ser ouvido e fruído. Só isso já lhe


confere vida e permanência. Se o conto de literatura oral se presta às
tantas áreas do conhecimento formal aqui apontadas, ele deverá ser
apresentado antes de tudo como uma alternativa para inspirar e insuflar
o espírito, como um afago ao coração, um alento aos sentidos, pois o

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que se aprende por estas vias não se perderá jamais (BUSATTO, 2003,
p. 41).

Quando se conta uma história, muita coisa é deixada com o outro, com quem ouve; portanto, é
importante ressaltar que, embora as histórias transmitam valores éticos, sedimentam conhecimento
e aconselham, e tudo isso só funciona se não for feito de maneira impositiva. Não funciona
contar uma história para ensinar que é feio bater ou morder o coleguinha, fugir da sala, sujar a
escola etc. É preciso fazer com que a criança pense, e não ditar regras por meio da literatura.
Acreditamos em uma solução para que esses momentos possam ser esperados com ansiedade
pelas crianças e, também, pelo professor. A escola poderia deixar de investir no “hábito” de ler e
investir no “gosto”, no prazer que a própria criança a cada leitura acrescentaria mais e mais
(VILLARDI, 1997, p. 9). A literatura infantil como uma forma agradável e ativa de lazer tem um
papel relevante na formação de um indivíduo crítico e criativo. Daí a importância da nossa
atuação como educadores na formação dessas crianças. Devemos nos empenhar ao máximo
para que o primeiro contato da criança com os livros seja de prazer, uma relação agradável que
estimule sua criatividade, enriquecendo sua imaginação e conseqüentemente contribuindo em
sua formação como leitor para a vida toda.

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