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Resumo: Este artigo destina-se a mapear e refletir brevemente sobre as formas de ações
da censura durante o período da ditadura civil-militar instaurada no Brasil na década de
1960, principalmente no que tange à Música Popular Brasileira (MPB) criada no referido
período histórico.
1 Professora do Departamento de História do Colégio Pedro II – Campus Engenho Novo II. Integrante do
Curso de Especialização em Ensino de História da África do Departamento de História em parceria com a
PROPGPEC do Colégio Pedro II. Mestre em Sociologia pelo PPCIS da UERJ. Graduação em História pelo
IFCS-UFRJ.
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ENCONTROS – ANO 13 – Número 25 – 2º semestre de 2015
“Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir
Deus lhe pague
Pelo prazer de chorar e pelo estamos aí
Pela piada no bar e futebol pra aplaudir
Um crime pra comentar e um samba pra distrair
Deus lhe pague.”
(Chico Buarque. Deus lhe pague. 1971).
Entende-se por MPB, um segmento dentro do campo de produção musical mais amplo no
Brasil que privilegia, sobretudo neste período, letras de canções com forte cunho de
crítica ou crônica social, bem como parcela significativa das canções tendem a traduzir a
principalmente por setores jovens de classe média urbana intelectualizada que dialogam
diretamente com as canções, fazendo delas suas trilhas sonoras, seja para a luta política,
Antes de uma análise específica das ações da censura à música popular brasileira,
estabelecida durante o período militar a partir dos anos 1960. O histórico de ações de
instrumentos impostos pelo Estado, mas instituições legitimadas por setores significativos
da sociedade brasileira que consideram o ato de vigiar o que é dito em livros, jornais,
período atuava em toda a produção cultural brasileira, seja ela audiovisual, teatral,
televisiva, cinematográfica ou musical. Nada que fosse produzido poderia ser difundido ao
público sem o crivo violento da censura e neste caso, não tratamos somente da violência
simbólica, mas por muitas vezes física. Entender as formas e mecanismos de ação do
Estado repressor é um trabalho fundamental e infinito. Estas reflexões são uma breve e
pequena contribuição.
anos 1960, não criou mecanismos da censura, mas os adequou aos seus interesses. Em
Lei n.5.2502. Estes dispositivos ficaram conhecidos como Lei de Imprensa e esta foi a
objeto de numerosos estudos3, se estabelecia como uma censura prévia aos textos,
sobretudo, de jornais e revistas. Aliás, é válido relembrar que a censura prévia era uma
aumenta a área de atuação da censura para a radiodifusão, o que foi ratificado pela
por exemplo, teve seu período de maior crescimento e junto à televisão marcou presença
2 BRASIL. Presidência da República. Lei no 5.250, de 9 de fevereiro de 1967. Lei que regula a liberdade de
manifestação do pensamento e de informação. Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5250.htm
3 Temos trabalhos importantes sobre a censura à imprensa podemos destacar: KUSHNIR, Beatriz. Cães de
guarda: jornalistas e censores, do AI-5 a constituição de 1988. São Paulo. Bomtempo. 2004. SOARES,
Gláucio Ary Dillon. A censura durante o regime autoritário. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 4,
n º 10, 1989.
constante na vida dos habitantes das grandes cidades. Neste sentido, a produção artística
Vargas, no âmbito da qual o intuito de construir uma hegemonia através do consenso era
“Brasil ame-o ou deixe-o” e “Eu te amo meu Brasil, eu te amo...”, o que vigorava durante o
ilegítimo. A “revolução vitoriosa”, como o golpe de 1964 era intitulado pelos governos
esse caráter legitimador do Estado, à medida que este só pode ter legitimação quando
mas com caráter regional. Grupos de censores em cada Estado do país eram contratados
para análise da produção para “diversões públicas”, ou seja, canções, peças de teatros,
tendência foi mantida pelo Decreto nº. 43, de 19666, que estabeleceu a exclusividade da
união para a execução de censura. Mas foi a partir de 1972 que o SCDP foi transformado
análise e censura dos produtos de diversões públicas. Desta forma, a produção cultural
Polícia Federal (DPF) com sede em Brasília. O caso das canções e peças de teatro, de
acordo com a região, o DCDP redirecionava o produto cultural para os setores regionais
Públicas (SCDP). O SCDP cuidava da produção cultural dos Estados sob o comando
central de Brasília. No caso das peças de teatro, por exemplo, o texto era censurado
Estadual que acompanhava os ensaios gerais e também davam seus pareceres, podendo
federal.
5 BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 50.518, de 2 de maio de 1961. Diário Oficial da União,
seção 1 - 2/5/1961, página 4020 (Publicação Original).
6 BRASIL. Presidência da República. Decreto-Lei nº 43, de 18 de novembro de 1966. Fonte:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0043.htm
56.510 de 19657, que unificava os critérios para liberação das letras de músicas que
SCDP faziam o serviço de censura, através de seus técnicos, mas enviavam dossiês de
artistas mais visados e censurados que passavam a ser vigiados pelos DOPS (Delegacia
alguns casos, os artistas eram intimados pelos DOPS para dar explicações sobre suas
canções. Chico Buarque recebeu diversas intimações do DOPS, tendo que prestar
tenso, depois acostumei, reservava sempre algum tempo, caso viesse a ser chamado.”8
ações da censura começaram a ser mais rígida, assumindo o seu auge a partir de 1968,
com o governo de Médici, representante da chamada linha dura das Forças Armadas, foi
7 BRASIL. Presidência da República. Decreto Lei que aprovou o Regulamento Geral do Departamento
Federal de Segurança Pública. Diário Oficial da União, seção 1, 30/7/1965, Página 7470 (Retificação).
8
Entrevista de Chico Buarque em 1971. In: BAHIANA, Ana Maria. Nada será como antes: a MPB nos anos
70. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. p.33.
Acabou-se o último sopro de liberdade que ainda se podia ter. Através dessa
medida, os militares poderiam invadir casas, prender suspeitos, torturar para conseguir
imposto pela “revolução”. Iniciou-se uma caça aos elementos considerados subversivos e
a possíveis suspeitos. Todo e qualquer ato subversivo deveria ser reprimido para o bem-
estar da nação e para que se desse continuidade a obra revolucionária iniciada com o
Tudo deve passar por uma censura prévia tanto no meio artístico como na própria
democráticas e violação de direitos humanos devem ser vetadas. Proíbe-se ainda que se
criar e difundir pelos meios de comunicação era um país cujo regime não se esgota, com
um mercado sempre próspero, sem problemas sociais maiores, sem homossexuais nem
Não se deve supor simplesmente que a censura era formada por ordens ridículas
ideia difundida pelo senso comum durante e após o período da repressão política se
mostra na maioria dos casos infundada. Por trás dos policiais havia pessoas competentes
que se orientavam pela ideologia do regime. É nesse sentido que vemos documentos
que vetar. Tais notas eram enviadas ora em nome da Polícia Federal, ora com os próprios
nomes de militares como foi o caso de General Antônio Bandeira, Coronel Moacir Coelho
Governo e Igreja e agitações nos meios sindicais e estudantis; publicidade sobre nações
sabia exatamente o que queria censura. O que devia ser calado, silenciado, para que um
competentes e muito bem orientados para que nada que interferisse nos preceitos
que, apesar de como vimos, os órgãos responsáveis pela censura serem bastante
visto como pertencente a todo o aparato de repressão. Neste sentido, apesar das
censores sofriam com grande falta de critérios já que estavam também sujeitos a
Além disso, o número de censores não era tão grande ou suficiente para abarcar
censores, chegando aos 59 em 1981. Neste mesmo ano, somados os censores da DCDP
com todos os outros técnicos de censura dos Serviços de Censuras regionais formavam
um total de 221. As dificuldades técnicas eram tantas que em 1974, a Academia Nacional
censores.
Odette Martins Lanziotti foi técnica de censura durante quase toda a década de
interessantes para pensar nesta dimensão mais subjetiva das ações da censura.
algumas canções serem censuradas por técnicos regionais que trabalhavam para o
SCDP, a vigilância sobre eles em Brasília através do DCDP era rigorosa. Em muitos
casos o clima de hierarquia e vigilância gerava um excesso de zelo que acabava vetando
além do necessário estabelecido pelo próprio regime. Eram comuns também os conflitos
entre os órgãos de censura, sobretudo o SCDP de São Paulo e do Rio de Janeiro, onde a
produção cultural era mais intensa e suas relações com o DCDP com sede em Brasília.
para o Estado de São Paulo, quando ouvia por telefone trechos dos pareceres que
Não tem aí uma música chamada Dois homens? Sou louca para encontrar
essa música. Era uma letra muito inteligente, bem elaborada, mas eu
sentia algo que não podia aprovar. Li de cima para baixo, de baixo para
cima e demorei muito a descobrir o que era. Não me lembro dos versos,
mas fazia apologia a dois homens juntos. Nunca mais vi esta música.
(LANZIOTTI, 2005)
A partir de 1968, tendo sido decretado em dezembro deste ano o Ato Institucional
nº 5 em que a linha dura militar golpeia o governo, a repressão chegou ao seu clímax. A
censura se acirrou, a tortura entrou na ordem do dia, e o que ocorreu no campo artístico
silêncio e a paz dos cemitérios. Dessa forma, maior força de protesto, maior repressão.
Como declarou Gilberto Gil em entrevista ao Pasquim de março de 1970: “As aves daqui
sociais, na medida em que atinge a todo um público dos meios de comunicação. Diferente
assaltante e a sua família. A censura produz cultura. Deixa de ser meramente policial
Informação e cultura que demonstram a visão que o governo tem do país. Tal
concepção vai ao encontro de nossa ideia sobre a censura como co-autora imposta no
processo de produção artística. A censura não só silencia, mas exige que a produção
das estruturas sociais, ainda que desiguais. Da mesma forma, este conceito abre espaço
para um aspecto produtivo da censura que obriga os autores a consumir essa produção e
seu trabalho não é suficiente para sobrepor-se aos critérios repressivos. Além disso, o
censor não pode se separar de sua condição de brasileiro e, assim sendo, se vê retratado
também é sua). É preciso que a censura faça essa proteção, assim, não só uma
Um fato que a própria censura evidencia é sobre a utilidade social da arte e sobre a
importância da arte no período de ditadura. Ou seja, não se censuraria tanto aquilo que
Cabe ressaltar, ainda, que muitos compositores, ainda que tendo produzido com
status e locais diferentes dentro do campo musical, como Gonzaguinha (Luís Gonzaga
Jr.) Tayguara, Milton Nascimento, Jards Macalé, Ivan Lins, Caetano, Gilberto Gil, dentre
outros, tiveram que aprender o jogo da censura para aí sim conseguir produzir em tempos
de repressão. Ou seja, para transgredir a ordem é preciso conhecê-la. Seria preciso, pois
reconhecer o jogo da censura e entrar nele para poder driblá-lo. Desta forma, se
autoria se insere. Não que o diálogo ocorra num mesmo sentido. Produtor musical e
censores não estão do mesmo lado, não falam a mesma língua e não tem o mesmo
objetivo. Mas como o diálogo é imposto e inevitável, a voz produzida pelos censores e
perfeitamente, ou seja:
As formas de lutas variavam como nos mostra Moby (1994), mas em todas elas −
sejam as que primam pela metáfora e sutileza nas letras como é o caso das canções de
Chico, Milton Nascimento, Tayguara, Ivan Lins, sejam as que lutam de forma mais direta
Arquibaldos que era preciso mais cautela), seja pela canção marginal de Jards Macalé e
Torquato Neto − era preciso reconhecer a obviedade do período, ou seja, vivia-se numa
ditadura militar que colocava toda a forma de manifestação artística sob censura e
repressão.
música, não eram para agradar a censura, ou para pôr outra letra na mesma melodia,
mas para refazer a letra para que, mesmo tendo sido modificada, transmitisse a mesma
mensagem desejada pelo compositor. Assim, o jogo continuava sempre, a censura vetava
versos, impunha outros, e os compositores aprendiam seu jogo para na próxima canção
manter a mensagem desejada através de uma forma que satisfizesse ao gosto dos
manter o conteúdo.
Nesse trecho da entrevista que Chico fez à Revista Veja em 1971, fica claro essa
canção brasileira, não só porque interdita, porque impede e porque cala, mas porque
impõe o que tem que ser feito, o que pode ser feito e o que deve ser feito, como uma
espécie de co-autora imposta à força e aceita pelos autores muito a contragosto. Esse
trecho se torna interessante, nesse sentido, porque mostra como a censura passa a atuar
No show Phono 73, produzido para divulgar o cast MPB da gravadora Phonogram,
o microfone de Chico entrou em pane na hora em que ele tentou dizer: “Não me deixaram
cantar minha música. Não faz mal, faço outras” (MOBY, 1994, p. 136). Se referia a
canção Cálice composta em parceria com Gil e vetada pela censura. A perseguição a
Chico assim como Milton começou a se utilizar de uma linguagem metafórica, hermética,
interessante notar as táticas para expressar suas emoções, usando a voz como
instrumento musical e assim derramar todo o conteúdo emocional do que estava vivendo,
sem o auxílio da palavra, interditada por esse parceiro inesperado - a censura. A censura
vetou as letras de Hoje é dia d’el Rei; Escravos de Jó; Cadê, e Diálogo entre Pai e Filho.
Por “estar curtindo no momento exatamente essas músicas”, Milton decidiu gravar apenas
agredisse os arranjos. Milton desabafa: “Fica para outra vez. Não vamos parar de compor
por causa de todas essas dificuldades”. (SOUZA, 1973). Chico também, como veremos,
intervenção da censura.
declarou que as rádios recebiam sugestões para não tocarem suas músicas. Pedia ao
público em seus shows que divulgassem suas músicas no boca a boca como única forma
de ver sua obra divulgada. A repressão política, dessa forma, se une a indústria cultural
Tayguara, que, enquanto era cantor de canções românticas nos festivais, não fora
gravadoras. A posição desta parte industrial da cultura se tornou ambígua dado o objetivo
lucros, como no caso de Tayguara, a indústria cultural sucumbia aos desígnios das
instituições censoras.
Esta análise aponta para um aspecto importante que não pretendo aprofundar
neste momento artigo, mas é válido ressaltá-lo. As ações da censura para alguns
já que compositor de protesto era, como no caso de Chico Buarque, venda garantida aos
consumidores de MPB que viam na arte uma possibilidade de luta e incentivo para o
popular e estourou com sucessos como a banda, gerando um lucro garantido. Diante das
mudanças em sua trajetória, numa proposta de enfrentamento político maior, como vimos,
BOURDIEU, 2002) de compositor maldito era muito consumido por parte do público que
lutava contra a ditadura. Para outros compositores, como foi Tayguara, as ações de
considerada e muitas vezes usada pela ditadura, foi a visita de Caetano Veloso ao Brasil,
que estava exilado em Londres. Isso ocorreu em 1971 quando Caetano voltou do exílio
para participar das comemorações dos 40 anos de casamento dos pais. Foi pego no
artista a compor uma canção de exaltação ao governo, exigiam que ele não cortasse o
cabelo ou fizesse a barba, para aparentar normalidade e demonstrar que não houve
violência por parte do governo. Caetano teria ainda que participar de um programa de TV
para poder passar um mês no país. Esses esforços fariam de Caetano um testemunho da
normalidade do regime. Nesse episódio, mostra-se, ainda, a importância que tais artistas
tomaram não só no campo musical e artístico, mas no contexto político do país. A canção
que Caetano se negou a fazer exibiria ao público uma falsa normalidade e usaria o status
ocorreu com Chico. Apesar de tudo, ou melhor, “apesar de você”, Chico Buarque, além de
exercer enorme influência sobre o público jovem universitário dos anos 1970, era um
compositor elogiado por todos não só do meio artístico, mas pelo público em geral. A
exibiu um comercial para o alistamento militar, tendo como música fundo A Banda,
composta por Chico Buarque em 1966. Chico protestou, mas espertamente a ditadura
revolucionário e libertário que gritava das canções da MPB do período. Igualmente seriam
público jovem urbano, intelectualizado e, porque não dizer, engajado com a luta política
em que as classes médias, as mesmas que se uniram ao golpe militar dos anos 1960 e
estar atento e forte. Esclarecer aos jovens que não viveram regimes de exceção a ponto
Referências
BAHIANA, Ana Maria. Nada será como antes: a MPB nos anos 70. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1980.
BOURDIEU, Pierre. As regras da arte − gênese e estrutura do campo literário. Rio de
Janeiro: Companhia das Letras. 1996.
_______. O poder simbólico. 5 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
BUARQUE, Chico. “Eu só podia resistir”. Entrevista. Revista Veja. 27/10/1976.
________. De novo na roda viva. Entrevista. Revista Veja.15/09/1971.
DAHL, Gustavo. Censura e Cultura (I). Opinião. 21/03/1975.
________. Censura e Cultura (II). Opinião. 28/03/1975.
GASPARI, Élio. Documentos da censura. In: Jornal do Brasil, Caderno Especial,
18/06/1978.
Abstract: This article intends to map out and reflect briefly upon the forms of
institutionalised censorship practices during the civil-military dictatorship, which was
established in Brazil in the decade of the 1960s. Bearing in mind the mentioned historical
period, this study addresses censorship practices regarding the Brazilian Popular Music
(MPB).