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POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 1

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Reitor
José Arimatéia Dantas Lopes

Vice-Reitora
Nadir do Nascimento Nogueira

Superintendente de Comunicação
Jacqueline Lima Dourado

Editor
Ricardo Alaggio Ribeiro

EDUFPI - Conselho Editorial


Ricardo Alaggio Ribeiro (presidente)
Acácio Salvador Veras e Silva
Antonio Fonseca dos Santos Neto
Francisca Maria Soares Mendes
Solimar Oliveira Lima
Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz
Viriato Campelo

FICHA CATALOGRÁFICA
Serviço de Processamento Técnico da Universidade Federal do Piauí
Biblioteca Comunitária Jornalista Carlos Castello Branco

P769 Políticas educacionais e escolarização em diferentes


contextos / Fauston Negreiros, Algeless Mika Pereira
Meireles da Silva [Organizadores]. – Teresina : EDUFPI,
[2016].
368 p.

ISBN: 978-85-509-0049-0

1. Política Educacional. 2. Educação. I. Negreiros, Fauston.


II. Silva, Algeless Mika Pereira Meireles da. III. Título.

CDD: 379.2

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JORGE PEDRO RIO CARDOSO
Universidade de Lisboa – PORTUGAL

LILIAN PATRICIA RODRÍGUEZ BURGOS


Universidad de la Sabana - COLÔMBIA

MARÍA REINA GRANADOS DE HARO


Universidad de Granada – ESPANHA.

PABLO MENDEZ-BUSTOS
Universidad Católica del Maule – CHILE.

DÉBORA LÚCIA LIMA LEITE MENDES


Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira – BRASIL

ANA ALAYDE WERBA SALDANHA PICHELLI


Universidade Federal da Paraíba/UFPB – BRASIL.

AIRTON PEREIRA DO RÊGO BARROS


Universidade Federal de Uberlândia/UFU – BRASIL.

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Capítulo 1.
A modernidade e o relativismo ético: como ensinar pragmaticamente
em um ambiente permeado de contradições, Jairo de Carvalho
Guimarães e Renato José de Oliveira ............................................................... 14

Capítulo 2.
Política, Juventudes e multiculturalismo: percepções de jovens do
ensino médio sobre diversidades étnico-racial, gênero e sexual,
Samuel Pires Melo e Jullyanne Frazão Santana ......................................... 33

Capítulo 3.
Escolarização e diferença: a percepção de crianças e jovens sobre ser
negra e ser negro na escola e na comunidade, Osmar Rufino Braga,
Alessandra Sávia da Costa Masullo e Sávia Augusta Oliveira Regis
............................................................................................................................................. 59

Capítulo 4.
Bullying na sala de aula: uma análise em uma escola pública do
interior cearense, Francineuza de Assis Barboza e Elcimar Simão
Martins ............................................................................................................................ 83

Capítulo 5.
Afetividade na prática e na política de ensino: um estudo
comparativo com professores da Educação Infantil ao Ensino
Superior, Maria da Guia Duarte Matos de Abreu, Tatiane dos Santos
Costa, Algeless Milka Pereira Meireles da Silva e Fauston Negreiros
............................................................................................................................................. 98

Capítulo 6.
Timidez e política curricular de formação docente: um estudo com
estudantes de licenciatura em pedagogia e biologia, Jordaci Dias
Lopes de Lima, Monica de Araújo Damasceno, Algeless Milka Pereira
Meireles da Silva e Fauston Negreiros ............................................................. 120

Capítulo 7.

Políticas curriculares de matemática: entre estabilidades e mudanças


nas políticas oficiais para os anos iniciais do ensino fundamental,
Maria Cézar de Sousa e Luisa Xavier de Oliveira ....................................... 140

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Capítulo 8.
O curso de Pedagogia no Brasil: um olhar sobre as políticas
curriculares e suas repercussões na construção da identidade do
pedagogo, Alexsandro da Silva Souza e Luciana Matias Cavalcante
............................................................................................................................................... 161

Capítulo 9.
Reminiscências de professoras pioneiras: política de Ensino Superior
no município de Picos-Piauí, Marta Rochelly Ribeiro Gondinho, Caio
Veloso e Marília Danielly Ribeiro Gondinho .................................................. 182

Capítulo 10.
Políticas de expansão do Ensino Superior e formação
docente: histórias e memórias de um grupo de professoras do Piauí,
Libania Xavier e Elisabete Mansur ...................................................................... 199

Capítulo 11.
Hermenêutica, Educação e Política: Gadamer e a crítica da noção de
formação (Bildung), Gustavo Silvano Batista e Medianeira da Silva
Carvalho ........................................................................................................................... 214

Capítulo 12.
Políticas de Educação integral em tempo integral: práxis docente e
formação omnilateral, Jeane Karine Silva Moura e Ludgleydson
Fernandes de Araújo ................................................................................................... 225

Capítulo 13.
Tessituras plurais e políticas educativas: Olhares sobre a Escola
Pública Brasileira e o Aperfeiçoamento Docente em Anísio Teixeira,
Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro e Paulo Freire, Marta Rochelly
Ribeiro Gondinho, Caio Veloso e Marília Danielly Ribeiro Gondinho
............................................................................................................................................... 241

Capítulo 14.
Liderança e Autoridade: a relação do gestor no processo de líder
como agente transformador e político nas escolas públicas, Raylton
de Barros Miranda e Élido Santiago da Silva ................................................. 254

Capítulo 15.
Evasão e retorno escolar na política de educação de jovens e adultos:
um estudo de caso em uma escola secundária na cidade de Braga-
Portugal, Edmara de Castro Pinto ....................................................................... 269

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Capítulo 16.
Experiências de educação nas ruas de Teresina: nuances de políticas
e práticas de educação social, Marilde Chaves dos Santos ................. 284

Capítulo 17.
As redes sociais no espaço escolar: práticas que inovam, Franklin
Oliveira Silva e Andressa Gomes de Moura ................................................... 304

Capítulo 18.
Educação patrimonial e políticas de conservação: experiência
educativa no Museu Ozildo Albano da cidade de Picos/PI, Francisco
de Assis de Sousa Nascimento ............................................................................. 318

Capítulo 19.
Gerontologia e políticas educacionais: aspectos históricos e
construtos em formação, José Victor de Oliveira Santos, Ludgleydson
Fernandes de Araújo e Anna Clara de Araújo Cardoso............................. 330

Capítulo 20.
Políticas educacionais em promoção de saúde na escola: satisfação
de vida e saúde geral em adolescentes, Sandra Elisa de Assis Freire,
Thaís Oliveira Lima..................................................................................................... 343

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A presente obra representa um esforço conjunto entre os
membros do Grupo de Estudos e Pesquisa em Psicologia Educacional e
Queixa Escolar (PSIQUED) e colegas professores pesquisadores da
Universidade Federal do Piauí que gentilmente aceitaram nosso convite
para participar desse desafio.
Abordar as políticas educacionais desde as várias perspectivas e
vinculadas às mais diversas temáticas que perpassam as práticas
educativas, em especial no contexto piauiense, constituiu uma tarefa
árdua e, ao mesmo tempo, gratificante. Nesse contexto de desafios e
considerando as dimensões alcançadas pelas políticas educacionais e as
linhas de pesquisa que dela se derivam, ressaltamos que o presente
trabalho não tem a pretensão de esgotar toda a complexidade que
envolve os temas discutidos, visando apenas problematizá-los e fomentar
o debate construtivo.
Nesse aspecto, o presente livro foi pensado no intuito de poder
fomentar o debate construtivo acerca das políticas educacionais, suas
várias nuances e campos de aplicação junto ao público de estudantes
universitários, em especial, os de graduação em Psicologia e das
licenciaturas em Pedagogia e Sociologia, assim como às pessoas das
demais áreas acadêmicas e profissionais que se sintam atraídas pelo
tema.
Ao longo dos capítulos, o leitor encontrará importantes elementos
para refletir acerca da conexão direta entre as políticas educacionais e os
diversos aspectos organizativos do sistema educacional e de
funcionamento das escolas e demais instituições educativas. Em alguns
capítulos, essa conexão se reflete através do fortalecimento de serviços
de apoio à comunidade escolar e de ideias que buscam expandir as

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práticas educativas além dos contextos formais. Em outros, discute-se a
importância do apoio das referidas políticas ao considerar que a
educação extrapola os muros das escolas como contexto formal e que o
próprio ambiente virtual, mais além dos contextos físicos, possibilita às
pessoas importantes experiências de aprendizagem.
Neste continuum, um dos pontos que também consideramos
importantes desta obra consiste em que alguns capítulos fomentam o
diálogo entre as políticas educacionais e construtos teóricos de diversos
âmbitos disciplinares, como a promoção de saúde e a gerontologia, por
exemplo, o que reforça o carácter interdisciplinar do presente trabalho.
Em efeito, essa amplitude temática que é verificada entre os vários
capítulos do livro possibilitou a abrangência da discussão, envolvendo
segmentos da população das mais variadas faixas etárias, como crianças,
adolescentes, jovens, adultos e idosos.
Esperamos que o trabalho conjunto que se materializa na
presente obra possa suscitar várias reflexões acadêmicas, assim como se
estender a outras esferas da vida privada e pública, especialmente no
campo da prática profissional e da atuação dos órgãos legalmente
designados para criação e implementação de políticas públicas nas
esferas municipal, estadual e nacional.

Algeless Milka Pereira Meireles da Silva


Fauston Negreiros

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As últimas décadas marcam significativo crescimento da
Psicologia Escolar Educacional no Brasil, pelo menos no que diz respeito a
ampliar sua perspectiva de ação. No Nordeste, mais especificamente,
temos a característica salutar de perceber esta atuação além da postura
de assessoria, apresentando o/a profissional da Psicologia como aquele
que faz parte da comunidade escolar integralmente, tanto quanto
qualquer outro inserido neste cenário. Esta iniciativa que vos apresento
seria emblemática neste sentido, pois demonstra inúmeras possibilidades
de ação, todas tendo como pano de fundo a escola e a fundamental
importância desta para o desenvolvimento humano e social, direcionadas
não “simplesmente” à promoção de aprendizagem, unidade de análise da
Psicologia naquele contexto, mas evidenciando a multiplicidade de
dimensões implicadas nesse processo. Com cuidadosa organização este
manuscrito consegue relacionar o complexo campo de ação da Psicologia,
com seus limites e principalmente interfaces, neste cenário não menos
complexo, a escola.
Dessa maneira, este livro consolida pontes entre saberes e
profissões que comungam do mesmo espaço de ação e tece um discurso
que faz emergir as afinidades na abordagem teórica que suporta os
estudos apresentados, a saber, sócio histórica. Penso que o maior desafio
dos organizadores foi integrar as diferentes investigações e ensaios, mas
este foi fecundado na elaboração do título que traz a essência do
trabalho: auxiliar o/a leitora a visualizar a amplitude deste campo de ação,
além de instigar discussões que nos levam a um patamar distante
daquele equivocadamente direcionado à Psicologia quando inserida
neste contexto educacional, mostrando-a, ao contrário, navegando entre
os mares das políticas educacionais – interessada nas ferramentas e

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acessórios que possibilitam a elevação da Educação – e da escolarização,
aquela que se dá no seio da escola e nos diferentes níveis de ensino.
Ao iniciar a leitura deste livro eu tive a grata sensação de estar
degustando conhecimento. E na continuação de estar diante de um menu
que incluía interessante variedade de temas conduzidos por profissionais
inseridos mesmo no contexto educacional, apreciando complexo objeto
de estudo. Um material que pode ajudar a dilatar significativamente
reflexões, atitudes e senso crítico em torno do mundo escolar. Alguns
textos mais introdutórios, outros mais aprofundados, mas todos trazendo
contribuições para ressignificações e norte para atuações.
A abrangência demonstrada na breve descrição dos capítulos a
seguir, as características citadas acima – de dilatar reflexões, atitudes e
senso crítico – e principalmente a impressão de se está lendo um
manuscrito que embora apresente um leque de possibilidades de ações e
temas para abordagem de psicólogos/as no cenário escolar, o faz de
maneira a se fazer perceber um todo relacionado e interfaces com outras
disciplinas e profissões, atestam que o trabalho dos organizadores se
mostra como missão cumprida.
Neste sentido, o livro aborda um “pouco muito” de diferentes
temas, pouco pelos limites impostos para capítulos e muito pela
relevância do assunto, tornando-o indicado para aqueles/as que
trabalham no chamado chão da escola ou se interessam por questões
relacionadas à Educação. Tais temas contemplam desde Formação,
Atuação e Gestão; Respeito e Inclusão das diferenças; Dimensão Afetiva do
Processo; Políticas Curriculares, de Educação e Educação integral, até a
Adaptação da Escola às demandas atuais.
Em linhas bem gerais, no grupo Formação, Atuação e Gestão
poderiam ser alocados o capítulo 1, que discute a formação e qualificação
do gestor, incluindo a ética na gestão; o capítulo 8, com a formação e o
papel do pedagogo; o capítulo 13, trazendo um pouco da história da
educação pública e a formação docente no Brasil; o capítulo 14, que

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analisa o tipo de autoridade exercida em uma determinada escola
pública; e o capítulo 16, que, por sua vez, aborda práticas de educação
social e discute o papel do chamado educador social. No grupo Respeito e
Inclusão das diferenças poderiam ser incluídos o capítulo 2, o qual discute
as relações que fazem parte do cotidiano de jovens brasileiros e o que
pode significar o não respeito às diferenças, assim como a escola como
facilitadora de autonomia para a diversidade; o capítulo 3, com o direito à
expressão das diferenças; e o capítulo 4, que fala da necessidade de se
trabalhar os prejuízos do bullying na escola e o despreparo para lidar com
tais situações. Já no grupo Dimensão Afetiva do Processo poderíamos
incluir o capítulo 5, o qual aborda um tema essencial para discussão na
escola, a importância da afetividade no processo de aprendizagem,
independentemente do nível de ensino; e o capítulo 6, que traz mais
sobre o componente subjetivo como interferente nesse processo e
também na formação docente, podendo encarcerar e/ou cecear.
A maior parte dos capítulos, entretanto, estaria no grupo Políticas
de Educação e Educação integral, mesmo considerando que alguns destes
tragam conteúdos relacionados também a outro grupo entre os citados.
Aqui, em princípio, alocaríamos o capítulo 7, que traz uma análise
comparativa entre políticas curriculares de matemática, considerando
significado, importância e validação; o capitulo 9, no qual se discute o
significado contextual da universidade como projeto civilizador; o
capitulo 10, com políticas de extensão do ensino superior e a trajetória de
carreiras docentes; o capítulo 11, explicitando “a necessidade do caráter
formador e transformador do processo educativo”; o capítulo 12, pondo
em foco o programa Mais Educação, discutindo mais sobre a importância
da educação integral e a prática docente nesta; e o capítulo 15, onde se
coloca em cheque a educação de jovens e adultos e se discute a
importância desta para a sociedade.
No grupo Adaptação da Escola às demandas atuais poderíamos
alocar o capítulo 17, que discute outro tema de fundamental importância,

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a necessidade de se incluir a internet, a tecnologia no cotidiano escolar,
utilizando-as como ferramentas ou aliadas; o capítulo 18, abordando
atividades que buscam aproximar história, ensino e construção de
conhecimentos significativos; o capítulo 19, trazendo a importância da
atuação também no campo da velhice, especialmente considerando o
crescimento da população idosa; e, por fim, o capítulo 20, trazendo a
preocupação com o desenvolvimento e a saúde mental do adolescente, e
colocando a escola como promotora de saúde nesta fase.
Para finalizar, afirmo que presentar este livro foi uma tarefa
enriquecedora, além de gratificante com relação a uma amada carreira,
embora árdua por vezes, dado o contexto político de nosso país, a carreira
docente. Isso porque um dos organizadores, a organizadora, foi uma
marcante e brilhante aluna, hoje colega de quilate como prometia. O
organizador, assim como o conjunto de autores/as e coautores/as, a
princípio já traria valores especiais para tal atividade por compor uma
equipe com aquela, considerando algumas de suas características, mas
isso é atestado mesmo pelo conteúdo desse material, e mais que pela
forma.

Mônica F. B. Correia
Professora Associada da UFPB
Pós Doutora em Educação (Universidade da Califórnia, Berkeley)
Doutora e Mestre em Psicologia Cognitiva (UFPE)
Especialista em Avaliações em Medidas em Psicologia (UnB)

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INTRODUÇÃO

A rigor, o reconhecimento de que a condução de uma organização requer do


administrador um conjunto de habilidades que raramente se encontra pronto,
impondo às organizações o seu aperfeiçoamento, por meio de treinamento e
qualificação permanentes é fato que amplifica qualquer discussão. Afinal, encontrar
a pessoa certa para comandar uma organização, qualquer que seja o seu porte,
atividade exercida ou mercado inserido, é tarefa complexa, face às implicações que
há para conduzir um grupo de pessoas de forma eticamente correta.
Na atualidade, as organizações requerem que o jovem administrador –
recém-formado – chegue com um conjunto de habilidades reforçado, exatamente
em razão das limitações para investir em treinamento que muitas têm. Esta relação
entre educação e trabalho tem pautado as condições e implicações que intervém no
ensino superior brasileiro, notadamente nas IFES – Instituições Federais de Ensino
Superior. Por esta ótica, nas empresas privadas, ávidas por novas fórmulas e novos
talentos, visando ao atendimento do modelo competitivo de gestão requerido e ao
alinhamento dos interesses dos stakeholders, são exigidos comportamentos e
posturas dinâmicas – porque o mundo socioeconômico e o consumidor também o
são. Imagine, então, a responsabilidade que recai sobre as IFES para dotar este
profissional de condições necessárias para tornar exitoso o percurso profissional.
Em um ambiente de extrema competição e preocupante grau de deformação
ética, a busca pela sobrevivência da organização a qualquer preço indica um viés
repelido pelo tecido societário, especialmente sob o atual cenário político-
institucional, onde a corrupção campeia sem sobressaltos nos intramuros
partidários. A postura do administrador moderno pauta-se, assim, pelo firme
propósito de atingir os objetivos empresariais sem desvio ao comportamento
retilíneo. É o indivíduo que faz a diferença e são suas características mais valiosas
pelo mercado que identificam o rumo que sua empreitada tomará. Relações
interpessoais, fatores atitudinais e comportamento probo complementam o rol que
ancora as competências individuais requeridas pelas organizações, sejam públicas,
privadas ou do terceiro setor.

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Com sentimento fundado em uma perspectiva eminentemente liberal,
Friedman (2002, p. 119) afirma que “a essência de um mercado competitivo é o seu
caráter impessoal”, isto é, um percurso em via paralela aos aspectos pessoais.
Todavia, a garantia para uma organização competitiva e duradora é resultado do
empenho que os seus executivos sistematicamente desenvolvem, isto é, são as
características pessoais que asseguram a direção a ser perseguida e isto é
reconhecidamente pertinente a bons gestores e/ou líderes comprometidos. Afinal,
há bons ou maus gestores, mas líderes ou são ou não são. A organização deve ter
cautela – nos casos em que defina de forma clara as fronteiras éticas, deliberando o
patamar de ação de seus colaboradores – para não cair em armadilhas submersas
(ARGYRIS, 2010) ou nas diversas artimanhas corporativas tão bem exemplificadas
por Ariely (2012).
O presente trabalho representa um ensaio e constitui o desenvolvimento de
uma reflexão a partir de balizadores teóricos obtidos no campo da Educação e da
Administração, pautados na ideia central de que a modernidade não tem somente
condicionado novos comportamentos, mas também desfeito a zona de conforto de
pessoas e de instituições em geral implicando em um modelo de ensino mais
prático, porém eticamente vigiado.

A FUNCIONALIDADE DA PROFISSÃO IMPLICA ATRATIVIDADE ÉTICA

A Administração é uma ciência que implica a operatividade procedimental,


isto é, compõe um campo do conhecimento onde o funcionalismo e o pragmatismo
são o ponto de partida para mensurar o quão eficaz e eficiente são as decisões
tomadas pelos gestores. Neste sentido, as decisões são permanentemente alvo de
avaliação, isto porque nunca uma decisão tomada hoje garante, no futuro, a sua
aplicabilidade em situação similar. É o que os estrategistas (MINTZBERG, 2000)
chamam de estratégia emergente, correspondendo àquela que é utilizada em razão
de evento posto, mas apresentado em um contexto distinto, exigindo do gestor uma
tomada de decisão qualificada, isto é, diferenciada daquelas que regularmente
subsidiou anteriormente o decisor. Peter Drucker (2010) evoca a complexidade e a

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importância da Administração no contexto atual. Para ele, a Administração
corresponde a uma disciplina, a um campo de estudos, assim como uma posição
social. Neste sentido, a Ciência Administrativa se constitui em requisito fundamental
para a harmonização das diversas forças que impulsionam as relações institucionais
atuais, formulando preceitos e adotando instrumentos que delineiam as melhores
práticas para o universo socioeconômico. Para Drucker (2010, p. 46-47)

Administração são tarefas. Administração é uma disciplina. Mas


administração também são pessoas. Toda a conquista da
administração é a conquista de um gestor. Toda falha é a falha de um
gestor. São as pessoas que administram, e não as “forças” ou os
“fatos”. A visão, dedicação e integridade dos gestores determinam se
existe administração ou má gestão.

Ou seja, o sucesso de uma organização não está pautado necessariamente


nos emaranhados funcionais previstos no desenho sistêmico, mas na ação efetiva
dos gestores, normalmente forjados nas universidades, ancorada em um ensino mais
operativo, concreto. Neste aspecto, as consequências éticas das decisões tomadas
dão o entorno para a análise sistêmica que pauta a conduta empresarial. Como
apropriadamente colocam Ulrich e Smallwood (2010, p. 14) “as organizações não
são conhecidas por sua estrutura, mas por suas capacidades”. Sob esta perspectiva,
preparar adequadamente o graduando de Administração representa um passo
decisivo para inseri-lo no mercado de trabalho, credenciando-o a melhor decidir e,
por conseguinte, atuando de forma a tornar o crescimento da organização e o
desenvolvimento das pessoas os pontos mais importantes em ambientes de raras
previsões.
A ideia central abordada na pesquisa é que, mais bem preparado, o aluno de
Administração integre ao seu repertório de destrezas o conhecimento necessário
intencionando catapultá-lo a um patamar mais apropriado que justifique o
investimento realizado no ensino de 3º grau. Embora Canário (2014) afirme que “a
formação constitui uma vantagem competitiva individual na obtenção de emprego
[...]”, promove a ideia de que “a formação não cria empregos”, justificando que o
aumento da qualificação não assegura um volume total de trabalho decorrente

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desta elevação. Não se trata de generalizar a educação como alternativa única para
compor apropriadamente o arsenal cognitivo dos profissionais, caminhando a
reboque do que as revoluções corporativas determinam. Em incontáveis exemplos, a
proposta didático-pedagógica persegue o que a Ciência determinou, instigando os
docentes a operarem encaminhamentos – por meio de pesquisas – de forma a
permitir novas descobertas visando a sanar as lacunas que o aparato científico não
conseguiu preencher até então.
No caso específico do Bacharelado em Administração, o papel da
universidade não pode ser posto à margem destas transformações sob pena de
dotar o egresso de condições insuficientes para o pleno exercício dos fatores que
definem uma formação integral. Tomando a Ciência Administrativa como produto de
conciliações entre a academia e o mercado, presume-se que se as IFES não focarem
suas energias para conduzir as mudanças que o campo empresarial demanda,
tornar-se-ão meras coadjuvantes no recorrente processo de evolução
socioeconômica, por meio de um currículo desalinhado.
Como se infere, o esboço conceitual percorre um caminho distinto daquele
que se espera de um professor que atua em área que visa, sobremaneira, a três
importantes objetivos: a) preparar o sujeito – graduando – não apenas para
compreender a razão de sua existência em um espaço social permeado por
contradições; b) operar meios para reduzir qualquer possibilidade que possa
permitir fendas cognitivas de difícil correção, e c) desenvolver meios capazes de
reforçar o construto ético no percurso cognitivo do formando. Tem-se como
“competência didática” a adequada implementação de ferramentas visando a tornar
compreensível as razões pelas quais o conhecimento compõe o desenho curricular.
Com efeito, a operatividade da profissão implica numa atratividade ética incomum.
Portanto, na medida em que a aprendizagem organizacional, operada em um
ambiente de extrema complexidade e turbulência está consubstanciada em
procedimentos centralmente práticos, a adoção pelo professor de um modelo
didático-pedagógico fundado na promoção de um conhecimento mais funcionalista
(GHERARDI, 2014), visando a ser oportunamente compartilhado entre os
colaboradores da empresa como forma de disseminá-lo expressamente (TAKEUCHI;

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 18


NONAKA, 2008), é medida primordial no âmbito do ensino, da pesquisa e da
iniciativa extensionista. O portfólio ético se torna, então, vetor crucial no
desenvolvimento e na formação concomitante do gestor corporativo, visto que este
discernimento é normalmente obtido no ambiente universitário, fonte da
experiência concreta dos componentes curriculares. A conciliação entre a ética
filosófica e a ética praticada no cotidiano empresarial tende a melhor instruir os
tomadores de decisão a tornar fluido o processo.

COMPORTAMENTO ÉTICO: INFLUÊNCIA OU ORIENTAÇÃO?

Como previamente mencionado, em função da forte competição que os


procedimentos em geral – éticos e antiéticos – vêm imprimindo ao ambiente
empresarial, fatores como inovação, criatividade, atualização, obsolescência,
corrupção, cartel, negociata, suborno, qualidade, comprometimento, honestidade,
transparência, governança, etc., importam às organizações situações responsivas,
uma vez que elas detêm o arbítrio de conduzir as práticas que se revelam, para o
bem ou para o mal, necessárias para a evolução socioeconômica no (im)previsível
universo capitalista.
Neste contexto, fatores como liderança e gestão são essenciais para o êxito
empresarial, motivado pela indispensável aquiescência dos stakeholders sempre
mirando o exemplo ético como indicativo a pautar as decisões empresariais. A
institucionalização do papel do gestor perpassa, assim, pela legitimação das práticas
(SCOTT, 2008; DiMAGGIO; POWELL, 1991), como no caso da Petrobras, onde o
esquema de desvio de dinheiro público constituía conduta incorporada na estrutura
da instituição, conduzida pelo alto escalão, com aquiescência de agentes políticos,
doleiros e empreiteiros. Implicaria esta questão em determinar ao colaborador um
comportamento dissociado de sua formação? Como se desvela o papel do professor
universitário na difícil tarefa de realçar o caráter ético na gestão das organizações
tão logo o novo administrador se veja diante de situações que, não raro,
desconstroem toda a estrutura didático-pedagógica referenciada?

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 19


A proposta aqui apresentada é que entre os dois polos supostamente
desagregados para muitos especialistas – mercado e formação profissional ou
melhor, trabalho e educação – em razão dos influxos que o primeiro parece exercer
sobre o segundo, posicione-se o docente, que por intermédio de suas competências
alinhave o currículo de sorte a resguardar não apenas um possível corporativismo 1
epistemológico e ideológico – tão presente nas Universidades Públicas por meio de
ações que intencionam o controle social, político e cultural – mas principalmente a
edificação de uma estrutura curricular que permita ao egresso a elevação do nível
de empregabilidade no mercado de trabalho.
O problema reside no paradoxo ético, que bifurca as trajetórias de
construção comportamental do profissional, ora tendendo para o que o mercado
determina como fundamental para se manter competitivo, influenciando a conduta
individual, ora orientado o futuro administrador a se portar com probidade no
tratamento de todas as questões que dizem respeito às relações estabelecidas com
os stakeholders, nem que para isso contrarie alguns interesses, colocando o
profissional em permanente dilema. É possível que uma contradição passe a existir
entre a ética orientada – nos ambientes familiar, escolar, social – e aquela cuja
intervenção está consolidada no ambiente corporativo, ou seja, uma ética interposta
e concreta, reflexo das condições de competição em que vive a empresa, as quais
determinam novos enfoques comportamentais para assegurar a sobrevivência
coletiva – Pessoas Jurídica e Física – e reduto por excelência das capacidades2
necessárias para enfrentar as adversidades da globalização. O problema é que o
contágio no ambiente empresarial parece ser evidente, como atesta Ariely (2012, p.
186):

1
Para Florestan Fernandes (2010, p. 333) “toda universidade é corporativa”, no sentido da fixação de uma
parede invisível cujo objetivo é impedir intervenções externas. Esta condição bloqueia as possibilidades de
inovação, criação e rupturas de padrões superados de ações e intenções. Santos (2013) também entende que o
sistema corporativista presente nas universidades têm representado uma das razões para as crises de
hegemonia, institucional e de legitimidade que atualmente vivem tais instituições.
2
De acordo com as ideias de Ulrich e Smallwood (2010, p. 14), as capacidades que têm uma organização
“representam aquilo pelo que a organização é conhecida, o que ela faz bem e como padroniza suas atividades
para oferecer valor”, sendo isto possível por meio da ação capacitada dos seus colaboradores. Katzenbach e
Khan (2010, p. 97) seguem raciocínio semelhante ao afirmarem que “o desempenho de uma organização é
altamente dependente das pessoas cujos comportamentos e atitudes são influenciados pelo menos tanto pelos
sentimentos emocionais quanto pelo raciocínio lógico”. Sob esta condição, reputa-se o elemento ético como o
ponto de interseção para a condução equilibrada das condutas individuais e corporativas.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 20


A ideia de que a desonestidade possa ser transmitida de pessoa para
pessoa via contágio social sugere que precisamos assumir uma
abordagem diferente para coibi-la. Em geral, tendemos a ver as
pequenas infrações como triviais e inconsequentes. Os pecadilhos
podem ser relativamente insignificantes individualmente, mas,
quando se acumulam dentro de uma pessoa, em muitas pessoas e
em grupos, podem enviar uma sinalização de que não há problema
em se comportar mal em uma escala maior. A partir dessa
perspectiva, torna-se importante perceber que os efeitos das
transgressões individuais podem ir além de um ato único desonesto.

Resta evidenciado que o egresso de Administração tem o importante papel


na condução das organizações. Aliás, afirma-se aqui que ele é imprescindível,
inobstante haver outros profissionais à frente de tal posto. Para que as empresas
realizem ações exitosas é indispensável que este profissional reúna um repertório
de destrezas capazes de assegurar o domínio das práticas necessárias para
responder adequadamente aos desafios que se apresentam. Ao agrupar este
cardápio de destrezas (conhecimentos, habilidades, atitudes) o administrador se
torna o proprietário do seu conhecimento (com relevo para o conhecimento tácito).
Nestas circunstâncias, é ele quem determinará se a organização será ou não bem-
sucedida (DRUCKER, 2010), até porque “[...] as organizações são ficções legais. O que
existe de fato são pessoas” (CARAVANTES; PANNO; KLOECKNER, 2005, p. 384). Se
esta profecia restar comprovada torna-se elementar que a preparação deste
profissional é tarefa que deve ser atribuída às universidades, lócus fidedignos de
expressiva responsabilidade. Articulando adicionalmente o presente ponto de vista,
indaga-se: como pode o sujeito conduzir e orientar transformações sociais,
econômicas, culturais e políticas, se a sua formação cognitiva o amealhou dos
vínculos práticos que facilitam a compreensão dos valores que adornam a profissão,
encaminhando ações preventivas que fornecem elementos para a conquista de sua
autonomia, construto elementar na academia?
Será que a reflexão, o senso crítico, a autoestima, a autonomia, a maturidade
política, a apurada visão sociológica – entre outras características – do universitário
só são angariadas se o objetivo de sua convivência acadêmica estiver situado
distante do seu campo de ação, enquanto profissional? Não seria demasiado

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 21


arriscado o docente intervir na formação profissional do administrando buscando
cooptá-lo para vivenciar um lapso intelectual, desconfigurado, portanto, os
pormenores da profissão? Os dilemas persistem no campo sob investigação,
deixando o administrador com a complicada alternativa de exercer seu direito de
escolha entre a “ética” que influencia suas decisões enquanto gestor, e a ética cujas
orientações docentes serviram de bússola e impregnaram, em seu percurso
acadêmico, as percepções necessárias para reduzir as desigualdades que
sintomaticamente ocorrem no meio empresarial.

PROFESSOR: REFERÊNCIA ÉTICA NA FORMAÇÃO DISCENTE?

Pelo caráter processual que possui o ensino, o componente ético se torna


basilar (GÓMEZ, 1998). O professor não desenvolve seu ofício isolado, mas como um
membro neste contexto. Como tal, deixa de ser o que é, porque deve preservar o
outro, deve mirar no outro, deve intencionar a demanda do outro. Por isso, fomenta
e vivência novas experiências a cada período letivo, a cada encontro, em cada
momento diário. Esta experiência, “como aquilo que me impossibilita de ser o
mesmo” (CLARETO; OLIVEIRA, 2010, p. 85), provoca diferentes vieses, novas
abordagens, roupagens pedagógicas imprevisíveis, por isso se trata de uma ação
ética, estética, política, na medida em que desenvolve mecanismos mediadores “[...]
no confronto e na conquista do conhecimento” (PIMENTA; ANASTASIOU, 2010, p.
109). Trata-se, decerto, de uma tarefa atinente às universidades, a quem cabe a
direção de procedimentos aspirando a novos conhecimentos, como plataforma
cognitiva hábil para refugar as fissuras entre o conhecimento teorizado e o
conhecimento praticado, tão comuns no exercício da profissão, muito em razão das
disfunções pedagógicas inapropriadamente adotadas por alguns docentes, que não
acompanham o ritmo das mudanças.
Sobre o objetivo da escola como espaço apropriado para o desenvolvimento
das intenções educativas, Farias et al. (2011, p. 11) firmam o entendimento de que
“o professor delibera apoiado nas teorias e experiências que tecem seu
compromisso com sua função social, posição forjada mediante a concepção que ele

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 22


tem das relações entre escola, sociedade e conhecimento”, ou seja, a estreita
imbricação que permeia a prática docente e o papel da universidade enquanto
espaço de transformação remete à concepção comprovada de que conhecimento
válido é aquele utilizado pelo sujeito que o angaria e não aquele acondicionado em
memórias estanques, descaracterizando o sentido3 transformador da aprendizagem.
De fato, a autonomia do futuro administrador perpassa pelo vigor didático e
principalmente prático conduzido pelo professor, que tem o emblemático papel de
elaborar as condições apropriadas para postular o caráter ético da conduta
profissional como a única verdadeiramente admissível no mundo empresarial.
Seguramente há lacunas entre a ética filosófica e a operada no ambiente
corporativo. Todavia, o receituário pedagógico, longe da prescrição apregoada pelos
burocratas de plantão, deve permear o comportamento crítico e franco entre
professor e aluno, encetando modelos mentais cujas aberturas possibilitem a busca
de alternativas decisórias sem colocar em xeque o bom funcionamento da
organização.
No tocante à autonomia e a partir da formulação de Huberman (2013) é
possível inferir que a mesma tem diferentes significados se forem comparados os
espaços universitário e empresarial. No primeiro, a autonomia se impõe como
requisito para o trabalho, enquanto nas organizações a autonomia se conquista
como resultado do trabalho (desempenho), isto é, diferente das empresas, que
autonomizam seus colaboradores a partir do desempenho, na docência acontece o
inverso, visto que o docente antes de demonstrar a sua capacidade, intenta operar
estratégias para assegurar a sua autonomia.
Para Xavier (2013, p. 41), falta de autonomia equivale à “perda de controle e
de poder decisório sobre o próprio trabalho”. No campo educacional a simplificação
da definição tende a dicotimizar a compreensão do que seria “controle e poder
decisório” na ação docente, pois ao citar o termo “controle” parece indicar uma ação

3
Para Canário (2014) “cada ser humano está, desde que nasce, ‘condenado’ a aprender, ou seja, a
atribuir sentido à realidade complexa em que se insere, fazendo-o a partir da sua história cognitiva,
afectiva e social”. O pensador português invoca o significado que é verificado ao processo de
amadurecimento do indivíduo, notadamente em termos educacionais, cujo maior relevo é a
compulsória indução ao processo de aprendizagem, sem o qual os demais elementos que compõe a
razão da sua subjetividade se torna vã.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 23


instrumental, racionalizada pela conduta unilateral na relação professor-aluno,
situação esta rechaçada até pelos educadores mais progressistas. Também Cunha
(2011, p. 588), esclarecendo o conceito de campo educacional, afirma que “[...] o
campo educacional é um exemplo de autonomia pretendida, mas não realizada, pois
sofre interferências de outros campos ou, simplesmente, de outros mercados”. Dada
à importância da expressão no contexto da educação, em especial na ambiência
universitária, convém aprofundar as concepções.
Na posição conceitual de Abbagnano (2007, p. 111), autonomia designa “a
independência da vontade em relação a qualquer desejo ou objeto de desejo e a
sua capacidade de determinar-se em conformidade com uma lei própria, que é da
razão”. É importante realçar, pela pertinente conexão com o principal construto do
presente ensaio, o que diz Therrien (2010, p. 51-52) a respeito da autonomia do
educador, para quem “a autonomia relativa subjacente à competência do educador
envolve aspectos subjetivos e normativos da moral e da ética sempre presentes na
totalidade do processo educativo”. Bauman (2001, p. 24), por seu turno, afirma que
“[...] sentimo-nos livres na medida em que a imaginação não vai mais longe que
nossos desejos e que nem uma nem os outros ultrapassam nossa capacidade de
agir”.
Uma vez que o conhecimento não pode ser encomendado – não se discute a
formulação de vários autores quanto à análise recorrente de que as escolas têm
ultimamente produzido “mercadorias” a partir da referência mercantilista como
bússola intencionando promover às práticas didático-pedagógicas – quando
tomados os protagonistas do processo, visto o caráter singular que os alunos
carregam, então dilui-se a ideia de padronização da prática docente. Assim,
Christensen e Eyring (2014, p. 342) afirmam que “a expectativa de que um professor
venha a tomar delicadas decisões no sentido de ensinar valores morais e de cultivar
o caráter dos estudantes universitários não é algo ilógico”, exigindo do docente,
portanto, um “[...] delicado ato de equilíbrio” em função do caráter subjetivo que
suas decisões envidam.
O trabalho do professor apresenta, a cada dia, novas perspectivas e
“fórmulas”, por vezes inapropriadas, em razão da dinamicidade que envolve a

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 24


relação ensino-aprendizagem, notadamente face ao aspecto pragmático que o
exercício da profissão de administrador determina. A proposta ética então se mostra
sob as luzes do bom senso e da intenção positiva que o ato docente requer. E, por
que motivo, a ética é importante no contexto educacional? Conforme aposta Rios
(2010), para exatamente mediar os polos político e técnico que estão presentes no
ambiente acadêmico ou, como esboça Oliveira (2011, p. 46) tomando Aristóteles
como mentor, “o agir ético se caracteriza pela busca do meio-termo entre excessos e
faltas”, sem explorar a ideia de ética da conveniência tão presente na modernidade.
Estruturar formas de atuação com base em pressupostos éticos é essencial
para a atuação docente – e, portanto, de sua proposta em nível de competência –
pois, afinal, “nenhuma questão é tratada sem que o referencial ético se faça
presente” (LIPOVETSKY, 2005, p. 185), fundamentalmente em razão de que o
paradoxo ético se revela a partir das decisões que as pessoas tomam, as quais
tendem a afetar as outras pessoas. No espaço universitário, onde o grau de
discernimento do estudante revela-se mais apurado, maduro e autônomo, a
imposição de uma consciência centrada na conduta ética – em todos os sentidos –
denota a sua maturidade acadêmica, a qual deve considerar como ponto de partida
para a excelência profissional o seu compromisso com a ética e com os valores que
assegurem a lisura das relações que a empresa mantém com seus stakeholders.
Em Marchesi (2008, p. 126) busca-se a seguinte relação, constituída na
profissão de professor: “Razão, emoção e compromisso ético caminham juntos, e é
necessário ter a capacidade de aproveitar suas dinâmicas convergentes”. Fazendo
uma reflexão sobre a forte e indissociável relação entre competência e ética,
Guimarães (2013, p. 10) lança a seguinte indagação: “Como impulsionar o conjunto
de competências senão pelo construto ético? A ética está no centro de todos os
debates que imbricam o meio ambiente, a lógica capitalista e a motivação que os
indivíduos devem ter para enfrentar com coragem e persistência os desafios
enredados”. De fato, em incontáveis situações, o primeiro contato com as questões
éticas ocorre no ambiente acadêmico, requerendo do professor uma dose elevada
de habilidade para tratar da temática. Muitas vezes, é o professor a única referência
ética.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 25


Sem pretender sofisticar demasiadamente o raciocínio, tem-se que a ética
pauta as construções sociais no âmbito escolar – e fora dele – e, com o devido
destaque, aquelas que são elaboradas a partir do entendimento, recíproco, de que a
qualidade do ensino conduz à formação madura do egresso em Administração,
elevando o grau de empregabilidade no mercado de trabalho, permitindo ao mesmo,
enquanto agente de atuante transformação, reencaminhar ações que auxiliem o
estabelecimento de relações entre patrões e empregados mais humanas, justas,
retas e harmoniosas.
Também sob este guarda-chuva teórico, decorre que o construto ético pauta
o ato pedagógico, revestido em sua estrutura de intencionalidade e mediação,
ampliando o grau de subjetividade que orienta e determina as especificidades do
processo ensino-aprendizagem. Até mesmo para comprovar a capacidade do
professor – e, portanto, o grau de ascendência sobre os saberes que detém – a ética
se faz necessária, considerando ser ela “inseparável da intencionalidade do ato
pedagógico e das noções de competência e de autonomia relativa ao educador, sob
a égide de uma racionalidade estruturante”, como define Therrien (2010, p. 48).
Cheetham e Chivers (2005) inserem no modelo de core components de profissional
competente a competência ética.
Os interesses dos alunos aqui são entendidos como formá-los de tal maneira
que a dinâmica imposta pelo campo econômico não esteja desarticulada com a os
conteúdos e discursos discutidos na academia. Ao aproximar estas extremidades –
supostamente paralelas e problemáticas – o professor, apoiado nos elementos
político, técnico e ético, realiza com sucesso um trabalho competente, deslocando-
se ao encontro dos anseios dos graduandos. Para tanto, a possibilidade da utilização
da retórica (OLIVEIRA, 2011, p. 22) é um caminho possível, visto que sua intenção é
“tratar o discurso de outrem como problema”, cuja proposta é encontrar a solução,
aspirando-se ao consenso.
Com propriedade, Lipovetsky (2005) aponta que o comportamento antiético
é fruto da precificação antecipada dos resultados produzidos pelo individualismo4

4
Bauman (2001, p. 43) oferece a seguinte provocação, a qual merece reflexão: “[...] agora, como antes
– tanto no estágio leve e fluido da modernidade quanto no sólido e pesado –, a individualização é
uma fatalidade, não uma escolha”. Sua acepção vai de encontro ao que Lipovetsky (2005) entende a

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 26


exagerado, desproporcional, desmedido e provocativo, ou seja, tomando como
analogia um raciocínio financeiro, o impacto dos danos gerados pela falta de uma
conduta cooperativa traduzido por um cálculo comportamental já embutido nas
ações daninhas. Farias et al. (2011, p. 88) afirmam que a

atitude ética reconhece que o comportamento moral do


homem é histórico, varia no tempo e em função dos contextos
em que ele se encontra inserido. Por esta razão, apresenta-se
como um meio que nos auxilia a pensar, repensar e refazer
nosso modo de agir nas relações que estabelecemos com as
pessoas e com o mundo.

Diante desta incessante busca pela autoria de suas ações, sem pretender ser
objeto, mas ator de suas próprias decisões (PERRENOUD, 2013), o indivíduo espera
do professor uma satisfatória atuação diante dos papéis sob sua incumbência,
integrando-se de forma plena às atividades para as quais foi designado de forma a
viabilizar as pretensões do aluno. Abreu e Gonzalez (2009, p. 105-106) assinalam
que “o professor com experiência em sua área profissional consegue minimizar a
distância dos conteúdos acadêmicos dos conteúdos técnico-profissionais”,
confirmando a postura eticamente esperada do profissional. Assim, sobre o tema
abordado, o professor em muitas situações é a única referência confiável para
desenvolvê-la, daí a relevância de sua competência no campo sob sua designação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerado um dos mais importantes temas morais da atualidade, a ética


entra no contexto da formação do espírito educativo no ensino superior como eixo
principal, visto que constitui pilar de sustentação das relações estabelecidas entre
professor e aluno – condutas morais – e entre universidade e sociedade – consensos
morais – em especial no tocante à elite intelectual que se forma nas Universidades
Federais, cujos pressupostos devem permear a consolidação e/ou construção de

questão do individualismo, para quem a atual situação influi decisivamente na opção das pessoas em buscar
atender as suas necessidades materiais.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 27


princípios e valores que encaminham os movimentos observados na sociedade,
notadamente em razão das ambiguidades constatadas nos tempos modernos. Muitas
vezes recém-chegado de ambientes familiar e social carentes de exemplos válidos
de valores, os quais natural e seguramente a vida adulta lhe exigirá
incondicionalmente, o graduando tem no professor universitário a referência para
ajudá-lo a construir os fundamentos éticos capazes de albergar a sua trajetória –
pessoal e profissional.

Com efeito, a versão acadêmica não pode estar distanciada dos fatos vividos
no cotidiano das organizações, razão pela qual urge a necessidade de imbricar as
práticas docentes – fundadas em exemplos reais de atuação e resposta – com as
condutas empresariais, naturalmente orientadas pela exigência de movimentos
cristalinos impostos pelos atores do mercado – concorrentes, Governo,
consumidores, fornecedores, acionistas, ativistas, mídia – ávidos por fórmulas que
conciliem seus interesses àqueles que permitam assegurar a perenidade da
empresa, considerando esta uma entidade social.
Assim, as discussões que regularmente ocorrem em sala de aula envolvendo
a compreensão pela busca da excelência profissional do futuro administrador, a
maneira pela qual as instituições de forma geral atribuem valor a determinadas
condutas dos colaboradores em um ambiente pleno de contradições e o modelo
didático apropriado pelo professor para tornar evidentes as imbricações entre a
sensibilidade ética e a postura enquanto agente de transformação – econômica,
social, cultural, antropológica, estética – dão o entorno à transposição didática que o
tema reclama.
Como mencionado no título, enquanto a academia define fronteiras
comportamentais a partir de balizadores éticos, a modernidade tem operado a
suspensão das linhas que supostamente deveriam conter a sanha repugnante e
reprovável da improbidade, seja ela aparentemente de grau leve – não devolver o
troco que por erro foi entregue a maior; promover o furto de energia elétrica;
estacionar em vaga destinada a portadores de necessidades especiais; “colar” em
provas de desempenho; abrir embalagens de alimentos em supermercados antes do
efetivo pagamento; furtar alimentos para suprir os filhos carentes; apresentar

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 28


atestado médico de dispensa do trabalho sem possuir qualquer enfermidade, etc. –
ou de gravíssimo patamar – desvio de dinheiro público; recebimento de propina;
pagamento de serviços não realizados pelos fornecedores; formação de cartel, etc.
Este corolário tem colocado a ética como um valor relativo no composto
societário, sempre tendo em vista os recorrentes exemplos que os agentes públicos
vêm demonstrando ao longo de décadas, motivados simultaneamente pela
recorrente impunidade e pelo caráter ordeiro do povo brasileiro. O resultado é que
tal cenário acaba por contagiar negativamente muitos jovens, afetando diretamente
o seu comportamento. Da parte do professor universitário, promover um ensino de
qualidade é resgatar não apenas os valores que estão adormecidos (!) na prática de
alguns agentes – públicos ou não – mas sobretudo desenvolver estratégias que
alinhavem a abordagem prática no processo didático-pedagógico com os aspectos
que orientam as decisões empresariais.
É preciso, portanto, que o debate sobre a ética no ambiente acadêmico não
constitua apenas um mero componente curricular, devendo ser tratado e discutido
inter e transdisciplinarmente, como temática indispensável visando a reduzir as
idiossincrasias que a estatura moderna – furtiva, consumista, volátil, inconsequente
– tem direta ou indiretamente imposto às pessoas de uma forma geral. A ética não é
relativa, é absoluta, não cabendo, sob todos os aspectos, ser discutida com reservas.

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POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 33
INTRODUÇÃO

A discussão que permeia a relação entre juventudes e diversidades étnico-


racial, de gênero e diversidade sexual é central para pensar as realidades brasileiras.
Especificamente, podemos dizer que essas relações fazem parte do cotidiano dos
jovens brasileiros em seus diversos espaços de interação social, como é o caso da
escola. Ao imaginar a sociedade brasileira, é notório a grande diversidade de nossa
população. Mais do que isso, vislumbra-se uma constante interação com pessoas
pertencentes a grupos étnico-raciais, de gênero e orientação sexual variados.
No entanto, questiona-se a forma como as juventudes estão atravessando as
interações que estão ocorrendo nesses espaços sociais, particularmente o que pode
ser observado no interior das escolas, sobretudo das públicas. Salientamos isso
porque essas diversidades também se fazem presentes: tanto entre os estudantes,
quanto entre os demais membros da comunidade escolar. Na verdade, a diversidade
étnico-racial está mais presente nas escolas públicas porque são elas que, em geral,
recebem estudantes de diversos grupos sociais (Negros, Índios, Ciganos, entre
outros).
Discutir gênero e diversidade sexual na escola é admitir que há algo para
além da masculinidade e heterossexualidade normativa e, nesses termos, a ausência
desse debate no interior da escola se constitui, como diria Butler (2003), como uma
ação reguladora da sexualidade nos termos da estrutura obrigatória da
heterossexualidade reprodutora. Na verdade, a taxa (37,9%) de evasão escolar
masculina no Brasil têm sido apontadas como consequência de referenciais de
masculinidade difundidos socialmente (IBGE, 2011). Observa-se, de forma
embrionária, uma construção de masculinidade baseada na agressividade, na
indisciplina e em noções hierarquizadas do que é ser homem ou mulher.
Segundo Castro e Abramovay (2003), há uma relação direta entre gênero e
sexualidade que marcam as situações de violência e discriminação na escola. Essas
autoras apontam que essas situações motivam o abandono da escola por jovens
homossexuais. Especificamente, a pesquisa realizada revela que às experiências de
violência (física, psicológica e/ou simbólica) que alunos/as homossexuais vivenciam
dentro da escola, influenciam diretamente na evasão/exclusão dos/as mesmos do

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 34


ambiente escolar. E que têm tido pouco importância por parte do(a)s professores/as
e direção da escola.
Vale dizer, por outro lado, que embora se tenha observações para com as
juventudes por uma unidade social, vistas como pertencentes a um grupo com
interesses comuns e, de forma recorrente, acopladas às faixas de idade (PAIS, 1990),
não inviabiliza uma percepção de distintas origens raciais, regionais e de classe para
nosso entendimento. As juventudes "valem” ser tratadas no plural ao se desvincular
de uma ideia homogênea que as universaliza. A juventude é vivenciada em
diferentes contextos históricos (NOVAES, 2006).
Observamos inicialmente que a condição social juvenil é uma discussão que
veem tomando grandes proporções na contemporaneidade. Dentre elas, destaca-se
a maneira como esses jovens se veem e se posicionam nas diversas realidades
sociais. São um problema social ou um agente transformador e questionador da sua
realidade? Estudiosos como Abramo (2005) salientam que eles “vieram a público,
principalmente por meio de expressões ligadas a um estilo cultural, colocar
questões que os afetam e preocupam, diferentes daquelas colocadas pelas gerações
juvenis precedentes”. Os jovens são vistos por muitos como sendo uma “unidade
social” e tal concepção leva Pais (1990) a questionar o fato de que essa “juventude
começa por ser uma categoria socialmente manipulada e manipulável”.
Diante destas inquietações, procuramos analisar o relatório analítico final do
“projeto de estudo sobre ações discriminatórias no âmbito escolar” (FIPE/INEP,
2009), que em linhas gerais traz à tona o fato de o preconceito está efetivamente
incluso nas escolas públicas e ser apoiado, direta ou indiretamente, pelos discentes,
também nos permitiu vislumbrar inicialmente as contradições existentes entre o
discurso e ação em relação a grupos sociais que sofrem algum tipo de “preconceito”.
O relatório apresenta a discussão por vários grupos, entretanto focamos em
um deles, estudantes do ensino médio, sendo eles relacionados com questões
étnico-raciais, gênero e orientação sexual. Contudo, debruçamo-nos sobre a questão
de os jovens estarem cumprido ou não o seu papel social de transformação,
estariam eles simplesmente reproduzindo os discursos tradicionais impostos
socialmente? Esperamos responder tal questionamento a partir do confronto de
ideias baseado em análise valorativa do relatório supracitado, visando esclarecer e

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 35


despertar no leitor novos questionamentos à cerca destas temáticas tão amplas que
são as das juventudes e diversidades.
Nessa perspectiva, observa-se que a discussão sobre multiculturalismo
assume centralidade para reflexão. Segundo Hall (2003), o multiculturalismo
“refere-se às estratégias políticas adotadas para governar ou administrar problemas
de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais”. Por outro
lado, salienta Hall (2003), o Multiculturalismo Liberal deve compreender uma
política de integração de grupos culturais através da universalização de uma
cidadania individual. Postula-se que as particularidades culturais devem ficar no
âmbito privado, sem penetrar na estrutura política, dada a universalidade que é
intrínseca a esta. Como solução a este impasse, o autor sugere a inserção de uma
política de diferença articulada com a política de igual dignidade.

A perspectiva propositiva entende o multiculturalismo não


simplesmente como um dado da realidade, mas como uma maneira
de atuar, de intervir, de transformar a dinâmica social. Trata-se de um
projeto político-cultural, de modo de se trabalhar as relações
culturais numa determinada sociedade, de conceber políticas
públicas na perspectiva da radicalização da democracia, assim como
de construir estratégias nesta perspectiva. (CANDAU, 2008, p.20)

Assim, os questionamentos se ampliam quando se trata da instituição escolar,


que em linhas gerais, indagamo-nos estaria ela cumprindo sua perspectiva de
possibilitar a autonomia para diversidades? Ao tempo em que trazemos essas
inquietações, remetemo-nos à Elias (1994), para quem a relação educação–aumento
da autonomia não pode ser visto como um desenvolvimento linear, mas de fato
como um processo sujeito a percalços e involuções.

METODOLOGIA

Os aspectos metodológicos desta pesquisa estão baseados numa


perspectiva quantitativa. Esses nos possibilitarão a apreensão dos dados numéricos
relativos à pesquisa, que podem estar direta ou indiretamente envolvidos,
procurando, inclusive, delinear aspectos estruturais.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 36


A fonte dos dados consiste na pesquisa Ações Discriminatórias no Âmbito
Escolar realizada conjuntamente, em 2008, pelo Instituto Nacional de Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP), órgão vinculado ao Ministério da Educação e
Cultura (MEC), e pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade
de São Paulo (FIPE-USP). Com essa fonte, buscaremos verificar a incidência de
preconceito e discriminação - de raça, gênero e orientação sexual – entre jovens do
ensino médio das escolas públicas municipais e estaduais brasileiras. A amostra
sorteada pela FIPE e INEP foi de 501 escolas em todo o país, com probabilidade de
seleção proporcional ao número de matrículas da escola, obedecendo três
estratificações: regiões do país (N, NE, S, SE e CO), área de localização (urbana ou
rural) e modalidade de ensino (normal ou Educação de Jovens e Adultos). Em cada
escola sorteada foram entrevistados o diretor, dois professores, dois funcionários,
dois pais de alunos, e uma turma de alunos sorteada entre as existentes do público
alvo (7ª ou 8ª série do Ensino Fundamental, e/ou 3ª ou 4ª série do Ensino Médio). A
amostra contém 18599 observações distribuídas em 353 municípios.
Assim, tem-se a intenção de construir categorias sobre a relação entre
Desigualdades, juventudes e Escolas do Brasil, sistematizando dados coligidos na
fonte selecionada, dos microdados “Ações Discriminatórias no Âmbito Escolar”, do
INEP. O propósito não é produzir os dados, mas extraí-los das bases existentes,
compilá-los, organizá-los e interpretá-los por meio do software Statistical Packege
for Social Sciences (SPSS), pela equipe do projeto. Em cada um dos tópicos do
modelo descritivos serão realizados procedimentos típicos da estatística descritiva
através de distribuição de frequências e cruzamento de variáveis.
A partir da tabulação e análise das etapas, procuraremos compreender em
que medida os jovens do ensino médio estão cumprido ou não o seu papel social de
transformação, visando esclarecer e despertar no leitor novos questionamentos à
cerca desta temática tão ampla que é a das juventudes e suas relações com as
diversidades de gênero, etnia e orientação sexual.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 37


RESULTADOS E DISCUSSÃO

Segundo dados do FIPE/INEP (2009), professores e, principalmente, os


alunos do ensino fundamental apresentam maiores níveis de preconceito e
distância social do que os respondentes do nível médio, tanto do ensino regular,
quanto do EJA. Isso nos leva a indagar se os jovens do ensino médio estão mais
próximos do perfil de sociedade para as diversidades? Para situar esse debate,
discutiremos três linhas: 1) Construtos sobre os/as jovens do ensino médio; 2)
perspectivas valorativas para as diversidades, e; 3) convivência com as diversidades
sob prismas dos espaços socioculturais familiar, escolar e do trabalho.
Partiremos dessas linhas norteadoras porque os resultados da pesquisa
sugerem que a distância social dos respondentes em relação aos diversos grupos
sociais pesquisados nem sempre é consistente com relação ao preconceito ou à
atitude preconceituosa por ele percebida. Indicando assim que os respondentes, na
média, não aceitam a diversidade como parecem perceber e possuem intenções
comportamentais associadas ao nível de contato com os grupos estudados que
efetivamente denotam discriminação.

CONSTRUTOS SOBRE OS/AS JOVENS DO ENSINO MÉDIO

O perfil dos/as jovens que participaram da pesquisa sobre discriminação na


escola apresenta características que representam continuidades das discussões
salientadas em outras pesquisas. Como, por exemplo, a realizada pelo IBGE em
2008, em que os homens brasileiros com mais de 10 anos de idade declararam ter,
em média, 6,9 anos de estudo, inferior às mulheres que estudavam, em média, 7,2
anos ao longo da vida. Na tabela 1.1, observamos que o número de mulheres que
frequentam essa modalidade de ensino é superior ao de homens, sendo 18,6% a
mais. Tal dado traz para análise a discussão sobre a identidade social do homem.
Nesse sentido, os “gêneros inteligíveis são aqueles que, em certo sentido, instituem
e mantêm a relação de coerência e continuidade entre o sexo, gênero, prática sexual
e desejo” (BUTLER, 2003, p. 38).

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 38


Outra construto desse grupo social aparece na diferença entre brancos e
negros, que é de 6,9%. E entre, brancos e não brancos é de 27,5%. Tal questão
mostra-se um tanto que polêmica, pois segundo o IBGE a população está dividida
em pretos, pardos, brancos, amarelos e indígenas, entretanto muitos não se
identificam a partir da cor da pele, mas sim da “identidade social”, Petruccelli
pesquisador do instituto há vinte anos aponta que “existe diferença no
comportamento entre pretos e pardos: quanto mais escuro, mais discriminado”,
queremos com isso elucidar que as categorias de pertencimento racial podem se
apresentar imbuídas de preconceitos, muitos não se veem como negros e isso por si
só mostra que há uma grande lacuna entre o discursivo e a atuação em relação ao
preconceito. Nesse sentido, parece crer que assumir uma identidade social traz
implicações preconceituosas?
Isso tem relação com a educação dos pais? Pois o maior número de pais (65,7
%) teve a educação restrita até o ensino fundamental. E são justamente os alunos
desta modalidade de ensino os mais preconceituosos atualmente. No relatório
(FIPE/INEP, 2009) foi observado que “os alunos e seus pais, seguidos dos
funcionários das escolas apresentam valores para as dimensões latentes que
exprimem maior grau de preconceito do que o verificado entre professores e
diretores das escolas pesquisadas”, tal constatação nos permite inferir que a escola
não está cumprindo seu papel social de transformação, pois os que deveriam
disseminar e provocar a construção crítica dos educandos e seus familiares estão
agindo com passividade, visto que possuem as ferramentas (conhecimento) e não as
utilizam. A escolaridade mostra-se diretamente proporcional aos discursos e
atitudes preconceituosas.
Além disso, faz parte da realidade desses jovens a repetência escolar. Para se
ter uma ideia, o índice de repetência mostra-se alto, alguns dos possíveis fatores a
ele relacionados seriam: desestímulo por ser vítima de algum tipo de preconceito,
desinteresse por parte do discente (no caso dos homens a necessidade de perpetuar
sua heterossexualidade) ou questões trabalhistas? Já que a maioria (74,1%) dos
jovens pesquisados pretendem estudar e trabalhar ao mesmo tempo.
Também faz parte da realidade desses jovens o uso de meios de
comunicação. Uma parcela significativa tem acesso à televisão e à internet, porém
59,6 % leem revistas de notícias, este diferencial proporciona uma criticidade mais

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 39


aguçada? Segundo o relatório sobre discriminação na escola “quanto maior o nível
de acesso a meios de informação dos respondentes, menor a média para os valores
do índice de concordância com as frases expressam atitudes preconceituosas entre
os alunos pesquisados. Os resultados revelam que há diferenças de médias
estatisticamente significantes para o conhecimento de situações de bullying entre
os agrupamentos de alunos classificados de acordo com o acesso aos meios de
informação, as diferenças observadas indicam que respondentes com o nível mais
baixo de acesso aos meios de informação demostram conhecer menos a ocorrência
deste tipo de situações” (FIPE/INEP, 2009, pp.141-143).
No entanto, vale salientar que os meios de comunicação apresentam
vantagens e desvantagens, e a orientação de seu uso é de suma importância para a
finalidade que se quer atingir. Eles podem ser utilizados apenas como meios
informacionais de reprodução dominante, ou podem ser ferramentas para
construção de uma sociedade critico reflexiva.
E a religião, que faz parte do construto da vida desses/as jovens (92,4%
deles, têm religião), estaria produzindo um discurso para diversidades? Segundo o
relatório (FIPE/INEP, 2009, p.253), observou que para os respondentes (aqui são
incluídos todos os grupos, independentes de jovens) que não possuem religiões são
os que apresentam valores mais elevados para atitudes preconceituosas, enquanto
que respondentes que possuem outras religiões, que não a católica ou a evangélica,
são os que mais apresentam as percepções menos preconceituosas da pesquisa. Por
outro lado, vale salientar que a influência da religião em relação ao crescimento ou
decréscimo do preconceito é considerável e vária de acordo com os valores de cada
uma. O fato de outras religiões saberem de atitudes preconceituosas influencia
diretamente em suas percepções.
Nesse sentido, observa-se que os construtos que caracterizam o perfil dos/as
jovens do ensino médio no Brasil nos dão pistas para compreender os traços que
possibilitam escrever trajetórias de reprodução ou transformação dos processos de
discriminação sociocultural. Para vislumbrar como esses/as jovens se inserem
claramente nessas discussões, apresentaremos, a seguir, suas perspectivas
valorativas para as diversidades ou não.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 40


Tabela 1.1 – Características gerais dos/as jovens do ensino médio

Características n %

Sexo*
Masculino 1620 40,7
Feminino 2363 59,3

Cor/etnia**
Branco 1451 36,4
Moreno 1174 29,5
Pardo 902 22,7
Outro 455 11,4

Escolaridade dos pais***


Nunca frequentou a escola 21 0,5
Ensino fundamental 2319 65,7
Ensino médio 769 21,4
Ensino Superior 300 8,3

Anos estudo mesma escola*


Menos de um ano 345 8,7
De um a quatro anos 1700 42,6
Mais de quatro anos 1938 48,6

Repetiu de ano
Sim 1222 30,7
Não 2763 69,3

Perspectivas de futuro**
217 5,4
Continuar estudando
2954 74,1
Estudar e trabalhar
174 4,4
Somente trabalhar
637 16,0
Ainda não sabe

Amizade na escola****
Muita amizade 3440 86,3
Pouca amizade 530 13,3
Nenhuma amizade 11 0,3

Repetiu de ano
Sim 1222 30,7
Não 2763 69,3

* Não responderam/não sabem: 2 (0,1%) - ** Não responderam/não sabem: 3 (0,1%).


*** Não responderam/não sabem: 549 (13,6%) - **** Não responderam/não sabem: 4 (0,1%).
Fonte: FIPE/INEP, 2009. Construção dos autores.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 41


Tabela 1.2 – usos dos meios de comunicação por jovens do ensino médio

Características n %
Assiste TV*
Sim 3792 95,2
Não 189 4,7
Ouve rádio**
Sim 3559 89,3
Não 420 10,5
Lê revistas de notícias***
Sim 2374 59,6
Não 1602 40,2
Acessa a internet****
Sim 3118 92,4
Não 300 7,5

* Não responderam/não sabem: 4 (0,1%) - ** Não responderam/não sabem: 6 (0,2%).


*** Não responderam/não sabem: 9 (0,2%) - **** Não responderam/não sabem: 12 (0,3%).
Fonte: FIPE/INEP, 2009. Construção dos autores.

Tabela 1.3 – Participação dos/as jovens do ensino médio em religiões

Características n %
Tem religião*
Sim 3681 92,4
Não 300 7,5
Frequenta que religião**
Católica 2514 63,1
Evangélica 1052 26,4
Outras*** 113 2,8

* Não responderam/não sabem: 4 (0,1%) - ** Não responderam/não sabem: 306 (7,7%).


*** Budista - Candomblé/Umbanda (0,3%), espírita (1,5%), judaica - mulçumana (0,1%), outras
(0,6%).
Fonte: FIPE/INEP, 2009. Construção dos autores.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 42


PERSPECTIVAS VALORATIVAS PARA AS DIVERSIDADES

A emergência do debate sobre multiculturalismo e processos educacionais


evidenciou no seio da sociedade brasileira os temas transversais propostos pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais; o parecer nº 14/99 e na resolução nº 003/99,
que tratam das Diretrizes Nacionais para a Educação Indígena, bem como no parecer
nº 3/2004 e na resolução nº 001/2004, que tratam das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana. Entretanto, passamos a analisar como as
perspectivas valorativas dos/as jovens podem estar ou não impactando
positivamente nos processos educacionais para o marco de políticas multiculturais.

DISCRIMINAÇÃO ENTRE ESPAÇOS ESCOLARES E VALORES


CONSTRUÍDOS PELA SOCIEDADE

Estratificando as tabelas 2.1 e 2.2, no sentido de observar como os/as jovens


são sabedores e não sabedores de casos envolvendo discriminação nas escolas,
percebemos que o conhecimento de ocorrências envolvendo homossexuais é mais
frequente (49,2% dos respondentes são cientes dessas situações), o que nos
inquieta, visto que saber o que ocorre é importante, porém em que medida essas
atitudes estão sendo discutidas nas escolas? Todos são cumplices e compactuam do
preconceito? Talvez, por medo? Ou banalidade diante da problemática? Segundo
Alencar e Tailler (2007) “grande parte das pessoas que assistem a uma humilhação é
omissa em ações e/ou insensíveis”. Em seguida temos as sofridas por negros, aonde
o número de sabedores chega a 29,7%, consecutivamente o conhecimento destas
práticas sofridas por mulheres chega a 16,4%, ficando atrás apenas dos índios e
ciganos que comtemplam o percentual de 5,6%, um dos motivos deste índice, a
nosso ver, é o fato de estes serem minoria nas escolas.
Alencar e Tailler (2007) consideram que, “na maioria das vezes, as práticas de
humilhação não são tornadas públicas pelo fato de a sua prova ser de difícil
constatação ou pelo próprio desejo da vítima de esconder o seu sofrimento,
ocasionado pela vergonha sentida”, o que dobra a responsabilidade da escola de

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 43


estar atenta a todo tipo de situação e proporcionar diálogos que não intimidem ou
constranjam, mas esclareçam e incluam, visto que tais práticas acarretam
rebaixamento moral e influenciam diretamente nas trajetórias escolares dos
envolvidos. Diante desse fato, Abramovay (2015) sugere que “é importante
conhecer o que acontece no cotidiano das escolas e o trabalho a ser realizado
através de diagnósticos para a construção de projetos de intervenção e convivência
escolar, que possam servir para melhorar o ambiente da escola”.
Ainda versando os estudos de Alencar e Tailler (2007) trazemos para a
discussão a humilhação “violentadora” (apud LA TAILLE, 2000; 2002), que
“ultrapassa os limites da tolerância e não admite reciprocidade entre o agressor e a
vítima” ela se caracteriza por ir contra a honra do indivíduo, por exemplo um aluno
que é acusado injustamente e se ver exposto perante a sociedade por um delito que
não cometeu e que vai contra seus princípios, tem sua moral ferida e se sentirá
inferiorizado perante os demais, tal situação é agravada se este já for vítima de
preconceito, segundo relatório (FIPE/INEP, 2009) “um percentual relativamente alto
de respondentes, chegando a quase um quarto dos alunos para algumas situações,
declararam ter conhecimento de situações em que alunos foram acusados
injustamente, por preconceito ou discriminação” sendo que ‘as maiores vítimas de
acusações injustas são os alunos pobres, negros e homossexuais”. (p. 92)
Vale salientar que essas ações se perpetuam porque existe um discurso
enraizado sobre o lugar que esses grupos ocupam na sociedade. Mesmo com todas
as políticas e leis punitivas, ainda prevalece para alguns/ algumas ideias que
possibilitam situar hierarquicamente esses grupos excluídos. Por exemplo, 50,3%
dos/as jovens que responderam à pesquisa disseram concordar que a mulher é
melhor que o homem na cozinha, mantendo assim uma naturalização dos papeis
sociais atribuídos a homens e mulheres. Também existem resquícios de atribuições
a outros grupos sociais, como: cigano(a) não gostam de trabalhar (38,7% concordam
com esta frase); Os negro têm mais habilidade em trabalhos manuais (32,0%
concordam com esta frase); O(a)s negro(a)s costumam se exibir mais do que o(a)s
branco(a)s em ocasiões especiais (24,2% concordam com esta frase); É mais difícil
aceitar a homossexualidade masculina (32,0% concordam com esta frase).
Mediante as análises, depreendemos que 68,2% dos entrevistados tem
conhecimento de situações que envolvem pessoas apelidadas no ambiente escolar,

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 44


tal prática é considera corriqueira por ser uma cultura disseminada por um longo
período histórico, porém Abramovay (2015) classifica este “hábito” como sendo uma
microviolência que segundo ela “têm um impacto sobre o sentimento de violência
experimentado por alunos, e podem ser, (...), uma das portas de violências físicas”,
ou seja, este tipo de atitude á mais uma forma de preconceito velado e pode ser
facilmente identificado na escola.
Ainda nesse estudo, por exemplo, Abramovay (2015) nos conta que “o
racismo não é inofensivo, apesar de ser mascarado, podendo aparecer como
brincadeira, por meio de apelidos ou de linguagem corporal que causa dor e
sentimento de impotência” (p. 11), em muitos casos os apelidos tornam-se marcas
registradas dos discentes e são vinculados por todo o ambiente, chegando inclusive
aos “ouvidos” de diretores e professores, o que estes fazem à respeito?
Disseminam? Ou dialogam sobre? Mais uma vez confrontamos o caráter dos agentes
das escolas, pois estas situações seriam uma ótima oportunidade para trabalhar as
diversidades, visto que estes apelidos em sua totalidade resultam de características
pessoais derivadas da raça, cor, religião e até mesmo orientação sexual, dentre
outros. Esse é o modelo de escola de qualidade? Segundo Dourados et al (2007),

As pesquisas e os estudos sobre a Qualidade da Educação revelam,


também, que uma educação de qualidade, ou melhor, uma escola
eficaz é resultado de uma construção de sujeitos engajados
pedagógica, técnica e politicamente no processo educativo, em que
pesem, muitas vezes, as condições objetivas de ensino, as
desigualdades socioeconômicas e culturais dos alunos, a
desvalorização profissional e a possibilidade limitada de atualização
permanente dos profissionais da educação. Isso significa dizer que
não só os fatores e os insumos indispensáveis sejam determinantes,
mas que os trabalhadores em educação (juntamente com os alunos e
pais), quando participantes ativos, são de fundamental importância
para a produção de uma escola de qualidade ou que apresente
resultados positivos em termos de aprendizagem. (p.11)

Nesse sentido, apesar do papel central que a escola assume nesse processo, a
família deve estar pari passu com essa “política do reconhecimento”, principalmente
diante da realidade apresentada na tabela 2.4, de pouco envolvimento desta para o
reconhecimento das diversidades. Para se ter uma ideia, somente 25,5% dos pais
sempre conversam com os/as filhos/as sobre discriminação. Quando se pensa na

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 45


integração dos pais à escola, por meios dos seus agentes, para uma educação
multicultural, a situação fica mais longe ainda, pois apenas 14,1% dos pais sempre
conversam com colegas de seus/suas filhos/as sobre discriminação, 9,6% com os
professores e 5,7 deles com diretores. Assim esses desentendimentos vão se
mantendo, mas será possível construir escolas para diversidades, que estão
desconectadas das comunidades?

Tabela 2.1 – situação de discriminação na escola

Aluno(a) ter sido humilhado por ser N %

Negro(a)*
Vi nesta escola 595 14,9
Não vi, mas soube que aconteceu nessa escola 591 14,8
Nem vi, nem soube que aconteceu nessa escola 2795 70,1

Índio(a)**
Vi nesta escola 75 1,9
Não vi, mas soube que aconteceu nessa escola 147 3,7
Nem vi, nem soube que aconteceu nessa escola 3760 94,4

Cigano(a)***
Vi nesta escola 75 1,9
Não vi, mas soube que aconteceu nessa escola 148 3,7
Nem vi, nem soube que aconteceu nessa escola 3754 94,2

Homossexual****
Vi nesta escola 1036 26,0
Não vi, mas soube que aconteceu nessa escola 924 23,2
Nem vi, nem soube que aconteceu nessa escola 2016 50,6

Mulher****
Vi nesta escola 373 9,4
Não vi, mas soube que aconteceu nessa escola 278 7,0
Nem vi, nem soube que aconteceu nessa escola 3325 83,4
* Não responderam/não sabem: 4 (0,1%) - ** Não responderam/não sabem: 3 (0,1%).
*** Não responderam/não sabem: 8 (0,2%) - **** Não responderam/não sabem: 9 (0,2%).
Fonte: FIPE/INEP, 2009. Construção dos autores.

Tabela 2.2 – situação de discriminação na escola

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 46


Aluno(a) ter sido acusado(a) injustamente por ser n %

Negro(a)*
Vi nesta escola 503 12,6
Não vi, mas soube que aconteceu nessa escola 633 15,9
Nem vi, nem soube que aconteceu nessa escola 2846 71,4

Índio(a)**
Vi nesta escola 50 1,3
Não vi, mas soube que aconteceu nessa escola 104 2,6
Nem vi, nem soube que aconteceu nessa escola 3827 96,1

Cigano(a)***
Vi nesta escola 40 1,0
Não vi, mas soube que aconteceu nessa escola 86 2,2
Nem vi, nem soube que aconteceu nessa escola 3854 96,7

Homossexual***
Vi nesta escola 283 7,1
Não vi, mas soube que aconteceu nessa escola 401 10,1
Nem vi, nem soube que aconteceu nessa escola 3296 82,7

Mulher*
Vi nesta escola 194 4,9
Não vi, mas soube que aconteceu nessa escola 187 4,7
Nem vi, nem soube que aconteceu nessa escola 3601 90,4

Pessoas com apelidos preconceituosos****


Vi nesta escola 1854 46,5
Não vi, mas soube que aconteceu nessa escola 863 21,7
Nem vi, nem soube que aconteceu nessa escola 1258 31,6

* Não responderam/não sabem: 3 (0,1%) - ** Não responderam/não sabem: 4 (0,1%).


*** Não responderam/não sabem: 5 (0,1%) - **** Não responderam/não sabem: 6 (0,2%).
Fonte: FIPE/INEP, 2009. Construção dos autores.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 47


Tabela 2.3 – Entendimento sobre espaço sociocultural de grupos excluídos

Características n %
O(a)s branco(a)s são mais estudiosos que o(a)s
negro(a)s
Discorda 3511 88,1
Concordo 474 11,9
Pessoas homossexuais não são confiáveis*
Discorda 3331 83,6
Concorda 651 16,4
Cigano(a) não gostam de trabalhar**
Discorda 2408 60,7
Concorda 1543 38,7
A mulher é melhor que o homem na cozinha***
Discorda 1972 49,5
Concorda 2012 50,3
O(s) Índio(a)s pertencem a uma raça inferior****
Discorda 3550 89,0
Concorda 408 10,3
O(a)s negro(a)s costumam se exibir mais do que o(a)s
branco(a)s em ocasiões especiais****
Discorda 3015 75,6
Concorda 962 24,2
Existem trabalhos que só os homens podem
realizar*****
Discorda 2165 54,4
Concorda 1813 45,5
É mais difícil aceitar a homossexualidade
masculina******
Discorda 2709 68,0
Concorda 1272 32,0
Os Ciganos detestam responsabilidades*******
Discorda 2658 66,8
Concorda 1299 32,6
Os negro têm mais habilidade em trabalhos
manuais********
Discorda 2709 68,0
Concorda 1272 32,0

* Não responderam/não sabem: 3 (0,1%) - ** Não responderam/não sabem: 34 (0,9%).


*** Não responderam/não sabem: 1 (0,0%) - **** Não responderam/não sabem: 27 (0,7%).
***** Não responderam/não sabem: 7 (0,2%) - ****** Não responderam/não sabem: 4 (0,1%).
******* Não responderam/não sabem: 28 (0,7%) - ******** Não responderam/não sabem: 5 (0,1%).

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 48


Tabela 2.3 – valoração dos pais aos/as jovens do ensino médio para diversidades

Características N %
Pais conversam sobre discriminação*
Sempre 1016 25,5
De vez em quando 1967 49,4
Nunca 899 22,6
Pais conversam com colegas do(a)s filho(a)s sobre discriminação na
classe**
Sempre 562 14,1
De vez em quando 1746 43,8
Nunca 1567 39,3
Pais conversam com professores do(a)s filho(a)s sobre discriminação
na classe***
Sempre 384 9,6
De vez em quando 1414 35,5
Nunca 2075 52,1
Pais conversam com diretores do(a)s filho(a)s sobre discriminação na
classe****
Sempre 228 5,7
De vez em quando 982 24,6
Nunca 2667 66,9

* Não responderam/não sabem: 103 (2,6%) - ** Não responderam/não sabem: 110 (2,8%).
*** Não responderam/não sabem: 112 (2,8%) - **** Não responderam/não sabem: 108 (2,7%).
Fonte: FIPE/INEP, 2009. Construção dos autores.

CONVIVÊNCIA COM AS DIVERSIDADES SOB PRISMAS DOS ESPAÇOS


SOCIOCULTURAIS FAMILIAR, ESCOLAR E DO TRABALHO

Ao trazer para o centro da discussão a relação entre jovens do ensino médio


em interação com a família, escola e trabalho, buscamos analisar em que medida
essas instituições possibilitam transformações para diversidades. Para isso,
reconstruímos as frases apresentadas aos(as) jovens, durante a pesquisa, com
relação a uma pessoa negra, indígena, cigana e homossexual, são elas: aceitaria
como aluno(a) da escola, aceitaria que meu(minha) filho(a) se casasse com ele(a),
aceitaria que estudasse em minha casa com meu(minha) filho(a), aceitaria que
meu(minha) filho(a) namorasse com ele(a), aceitaria como colega de trabalho na
escola e aceitaria como aluno(a) em minha sala de aula.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 49


Nas três tabelas subsequentes, procuramos analisar a convivência com as
diversidades sob prismas do que denominamos “campos proximais”. Eles pautam-se
no critério de “distância social” que é explicitado no relatório como tendo “o
objetivo de medir o nível de proximidade com que os atores escolares se mostram
predispostos a estabelecer contatos sociais com os grupos considerados no estudo”,
mostrando assim que o discurso e as atitudes estão em planos diferenciados, e na
maioria das vezes podem e vão contradizer-se. Mediante análise podemos verificar a
perpetuação das concepções tradicionais impostas socialmente, pois inferimos que
um indivíduo que vai ao encontro das regras impostas é predominantemente aceito
apenas como “amigo”, tendo em muitos casos sua autonomia desrespeitada, o que
provocará inibição da autenticidade e a supressão do papel social. Para Taylor
(1997),

A importância do reconhecimento é, agora, universalmente admitida,


de uma forma ou de outra: no plano íntimo, estamos todos
conscientes de como a identidade pode ser formada ou deformada
no decurso de nossa relação com outros-importantes; no plano
social, temos uma política permanente de reconhecimento
igualitário. Ambos os planos sofreram a influência do ideal de
autenticidade, à medida que este foi amadurecendo, e o
reconhecimento joga um papel essencial na cultura que surgiu à
volta desse ideal (p.56)

Nesse sentido, a autenticidade, como propositora do reconhecimento das


diferenças entre os sujeitos, que não deve ser oprimida e assimilada, mas
reconhecida e respeitada, ganha proporções diferenciadas em nossas análises. Para
se ter uma ideia, foi constatado que o(a)s jovens pesquisados sentem mais à
vontade para dizer que podem ser amigo(a)s dos homossexuais (47,7%), mas
apenas 1,7% dele(a)s têm o menor índice de aceitação proximal para o campo
familiar, sendo que a diferença entre homens (2,1%) e mulheres (1,4%) é de 0,7%.
Ainda com relação ao grupo homossexuais, ao tratar do campo da tolerância, os
homens mostram-se superiores, com 71,8%. Tais dados demostram que o
preconceito existe e se dá de forma maquiada e convencional, pois você não

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 50


reconhece o outro em sua totalidade e completude, mas na parcialidade e
superficialidade, pois como nos conta Taylor (1994, p. 165):

“Na nossa tradição liberal vemos o reconhecimento largamente


como uma questão de reconhecer os indivíduos e o que chamamos
de suas identidades. Também temos a noção, que vem (...) da ética da
autenticidade, que, se outras coisas são iguais, as pessoas têm direito
de serem reconhecidas publicamente por aquilo que elas realmente
já são”.

Faz-se necessário uma ruptura com os moldes tradicionais do pensamento


conservador, o outro deveria ser percebido através da sua subjetiva como afirma
Mollar (2008), que também aponta para o “reconhecimento do outro partir de sua
subjetividade” e complementa afirmando que devemos” ampliar a visão para o
desconhecido compreendendo que esse “outro” não é só um indivíduo com o qual
alguém se relaciona socialmente, mas também um outro que habita em nós”.
Observamos também que os ciganos apresentaram o segundo menor índice
de aceitação proximal (4,7%), sendo mais aceito pelas mulheres no campo da
amizade (37,9%) e mais tolerado pelos homens (64,1%). Vale enfatizar que as
constituições sociais desse grupo são pouco estudadas ou disseminadas, sendo
assim eles estão sujeitos a julgamentos pré-concebidos.
Com relação a(o)s índios, o índice proximal familiar chega a 10,6%, sendo a
diferença entre homens (14,8%) e mulheres (7,7%). Para este campo (de 7,1%
entre os sexos) a diferença de abertura para amizade é de 10,4%, e de tolerância
chega a 4,4%. Enquanto que para os negros o nível de concordância para a
aproximação familiar chega a ser o mais “alto”, o que versa os 20,9%, em relação ao
índice proximal de amizade, onde as mulheres lideram com 40,6%, assumindo esta
posição no quesito tolerância com 44,0%.
Salientamos, por esse lado, que os índices apontam para uma diferença
relativamente baixa entre homens e mulheres no campo proximal de caráter familiar
e revelam que as mulheres tem mais propensão a estreitarem laços de amizades,
enquanto que os homens pendem para a tolerância, a mensuração destas questões

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 51


nos leva a constatar que vivemos em uma sociedade de comportamentos sociais
maleáveis, que se adequam as situações.
Segundo Molar (2008) “as necessidades impostas pela sociedade, acionam a
função da escola como produtora de conhecimento e mediadora dos conflitos,
sendo que em sua própria estrutura têm-se exemplos em pequena escala das
profundidades dessas tensões, seja entre alunos, pais e/ou professores”. Visto isso
questionamos a capacidade de formação critico-reflexiva que as escolas podem
(não)estar produzindo. Estariam elas apenas coadunando com a discriminação, e
apenas reproduzindo o pensamento conservador das desigualdades? Nesse sentido,
para Semprini (1999, p. 102),

Uma teoria intersubjetiva do indivíduo procura reconhecer a


importância das noções de enraizamento e de pertença na
construção do eu. Neste sistema, a identidade individual é
concebida como uma estrutura oca, que toma forma somente no
quotidiano do processo de educação e aprendizagem. Isto fornece
ao indivíduo um sistema de valores e de normas de conduta,
permitindo-lhe “compreender” o mundo e sua posição no interior
deste.

Observando a importância das instituições escolares no processo de


reconhecimento da identidade, é salutar que esses espaços possam adquirir, então,
uma nova dimensão a partir da noção de identidade e de autenticidade.

A importância do reconhecimento é, agora, universalmente


admitida, de uma forma ou de outra: no plano íntimo, estamos
todos conscientes de como a identidade pode ser formada ou
deformada no decurso da nossa relação com os outros-importantes;
no plano social, temos uma política permanente de
reconhecimento igualitário. Ambos os planos sofreram a influência
do ideal de autenticidade, à medida que este foi amadurecendo, e o
reconhecimento joga um papel essencial na cultura que surgiu à
volta desse ideal (TAYLOR, 1997, p. 56).

Sendo assim, essa perspectiva de Taylor (1994) é de que “na presente


situação do ocidente multicultural, vivemos em sociedades nas quais certos

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 52


indivíduos não tem sido tratados com igual dignidade porque eram, por exemplo,
mulheres, homossexuais, negros, católicos.” (p. 176), sendo assim a educação tem
papel fundamental na mudança deste quadro.

Tabela 2.6 – Interações intrafamiliares, escolares e de trabalho com as diversidades

Frase com maior concordância com relação a uma


N %
pessoa

Negro(a)*
Teria amizade 1578 39,6
Teria como familiar 836 20,9
Toleraria 1568 39,3

Índio(a)*
Teria amizade 1728 43,4
Teria como familiar 421 10,6
Toleraria 1833 46,0

Cigano(a)**
Teria amizade 1377 34,6
Teria como familiar 190 4,7
Toleraria 2416 60,6

Homossexual***
Teria amizade 1550 38,9
Teria como familiar 68 1,7
Toleraria 2363 59,4

* Não responderam/não sabem: 3 (0,1%) - ** Não responderam/não sabem: 2 (0,1%).


*** Não responderam/não sabem: 5 (0,1%).
Fonte: FIPE/INEP, 2009. Construção dos autores.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 53


Tabela 2.7 – Percepções de jovens mulheres sobre interações intrafamiliares, escolares e de
trabalho com as diversidades

Frase com maior concordância com relação a uma pessoa n %

Negro(a)*
Teria amizade 957 40,6
Teria como familiar 548 23,2
Toleraria 857 36,2

Índio(a)*
Teria amizade 1125 47,6
Teria como familiar 182 7,7
Toleraria 1055 44,7

Cigano(a)**
Teria amizade 895 37,9
Teria como familiar 90 3,8
Toleraria 1378 58,3

Homossexual***
Teria amizade 1128 47,7
Teria como familiar 33 1,4
Toleraria 1202 50,9

* Não responderam/não sabem: 3 (0,1%) - ** Não responderam/não sabem: 2 (0,1%).


*** Não responderam/não sabem: 5 (0,1%).
Fonte: FIPE/INEP, 2009. Construção dos autores.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 54


Tabela 2.8 – Percepções de jovens homens sobre interações intrafamiliares, escolares e de
trabalho com as diversidades

Frase com maior concordância com relação a uma


n %
pessoa

Negro(a)*
Teria amizade 619 38,2
Teria como familiar 170 17,8
Toleraria 711 44,0

Índio(a)*
Teria amizade 601 37,2
Aceitaria filho(a) se envolver 239 14,8
Toleraria 778 48,1

Cigano(a)**
Teria amizade 481 29,7
Teria como familiar 100 6,2
Toleraria 1037 64,1

Homossexual***
Teria amizade 412 26,0
Teria como familiar 35 2,1
Toleraria 1160 71,8

* Não responderam/não sabem: 3 (0,1%) - ** Não responderam/não sabem: 2 (0,1%).


*** Não responderam/não sabem: 5 (0,1%).
Fonte: FIPE/INEP, 2009. Construção dos autores.

CONCLUSÕES

A partir da questão central que norteou nossas indagações, que foi o de


analisar em que medida o(a)s jovens do ensino médio percebem as diversidades,
pudemos observar níveis variados de interações que (não)promovem tal construção.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 55


Mesmo tendo um papel fundamental de construção de uma sociedade mais
igualitária, democrática e justa, que possa promover a mobilidade social, a escola
pode ser também um espaço reprodutor de desigualdades e de exclusões.
(ABRAMOVAY, 2015)
A partir daí podemos inferir o caráter contraditório da educação, tendo sua
função social enviesada por práticas tradicionais e excludentes, que se mostram
alheias á realidade multiculturalista da sociedade brasileira e na maioria das vezes,
como observado no estudo, seus atores não praticam o próprio discurso, “os
respondentes na média, não aceitam a diversidade como parecem perceber e
possuem intenções comportamentais associadas ao nível de contato com os grupos
estudados que denotam efetivamente preconceito”.
A instituição em questão está passiva a reprodução posta pelo meio social,
pois não provoca diálogos que incitem a formação do sujeito critico-reflexivo e
transformador da realidade, este estará sempre à disposição da manutenção do
sistema vigente. Quanto à mobilidade social, podemos induzir prejuízos para sua
concretização, pois a efetivação do preconceito gera uma série de situações que não
perbmitem o alcance de tal finalidade, como por exemplo, a desistência da vítima de
sua trajetória escolar ou a negação de oportunidade à mesma, tendo como critério
as características disseminadas popularmente sobre seu grupo social.
Os alunos constituem o grupo mais preconceituoso, o que gera inquietações,
pois na medida em que praticam o preconceito, o sofre. Como ratificado no relatório,
“os alunos das escolas públicas não apenas têm atitudes preconceituosas e
discriminatórias, como sofrem os efeitos de comportamentos similares”. Questão
essa que nos leva a pensar o preconceito como sendo uma atitude de firmação e
reconhecimento no grupo ao qual pertence, movido por estereótipos e paradigmas
da “seleção natural” do mundo capitalista.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 56


REFERÊNCIAS

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W.; BRANCO, P. P. M. (Org.). Retratos da juventude brasileira: análise de uma
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nas escolas. Rio de Janeiro: FLACSO - Brasil, 2015.

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POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 58


POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 59
INTRODUÇÃO

O presente artigo é resultado de trabalhos de pesquisa, de cunho


sociopoético5, realizados com um grupo de crianças da Escola Municipal de Ensino
Fundamental Professor Antônio Girão Barroso, localizada no Sítio São João, bairro
Jangurussu, e com um grupo de jovens do “Projeto Jovens Diferentes por uma
Cultura de Paz”, desenvolvido por organizações não governamentais, ambos os
trabalhos na cidade de Fortaleza, no estado do Ceará. Tem como objetivo refletir e
analisar a relação entre escolarização6 e o direito à diferença7, dialogando com os
dados dos trabalhos acima citados, ou seja, com a percepção infantil sobre ser uma
criança negra na escola pública e a percepção de jovens sobre como lidam e
vivenciam a questão da diferença.
Ao discutirmos o tema em questão, não podemos deixar de alertar que o
mesmo é escorregadio, perigoso, complexo, tendo em vista que envolve a discussão
sobre dois direitos fundamentais: o direito à educação escolar da população negra e
o direito à diferença. Esclarecemos, de antemão, que a análise da relação que ora
propomos considera e está ancorada na compreensão de um direito maior, no bojo
do qual se situam os direitos acima mencionados, que é o direito à igualdade. Nesse
sentido, convém deixar claro que não comungamos da concepção que toma o
racismo e a negação do direito à escolarização de negras e negros como sendo o
resultado da rejeição da diferença8. Em última análise, negar direitos às populações
historicamente excluídas das políticas públicas – negras e negros, indígenas,

5
A Sociopoética, segundo Petit, Gauthier, Santos e Figueiredo (2005) é uma abordagem ou método de pesquisa
em ciências humanas e sociais, enfermagem e educação, voltada para a construção coletiva dos conhecimentos,
que tem como pressuposto básico que todos os saberes são iguais em direito e que é possível fazer da pesquisa
um acontecimento poiético (poieses=criação).
6
Nesta análise, tomamos a escolarização como o processo de acesso e permanência das condições para a
apropriação, socialização e a produção do conhecimento sistematizado na escola, situado social e
historicamente. Mas também, pedindo de empréstimo o conceito tecido por Veyga (2002), como o dispositivo
que configura uma rede que se estabelece diante de elementos heterogêneos que envolvem os discursos, o
espaço escolar, as ideias, o currículo, os materiais escolares, os procedimentos administrativos, dentre outros
elementos.

8
A afirmação e a luta favorável ao direito à diferença, em última análise, têm escondido ou escamoteado as
desigualdades existentes entre grupos e classes sociais no Brasil. Discute-se o tema da diferença e da
diversidade desvinculando-os das grandes e permanentes desigualdades estruturais, marcantes historicamente
em nossa sociedade.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 60


mulheres, crianças, dentre outros grupos – é não reconhecer, aceitar e assumir que
somos iguais, sem distinção de qualquer natureza, perante a vida em todos os níveis
e dimensões e perante a lei.
O direito ao saber escolar pela população negra, durante o período colonial
até a República, sempre custou muito caro a essa população, uma vez que foi algo
negado político-institucionalmente. A legislação educacional brasileira impediu
negras e negros de terem acesso à educação, pois, conforme Maria Aparecida da
Silva (2001, p. 66), a exclusão escolar, historicamente construída, “é o início da
exclusão social das crianças negras”. A escolarização de negros e índios

realizava-se apenas entre as brechas do sistema colonial e como


forma de resistência e contestação. Legalmente, no Brasil, vigorava a
determinação de se negar acesso à leitura e escrita aos escravos.
Mesmo que os senhores se propusessem a arcar com os custos, a
educação, com características escolares, era negada aos escravos
(FONSECA, 2002, p. 29).

Vários historiadores da educação nos informam que foi durante o período da


monarquia imperial (1822-1889) que ocorreu uma ampliação do apelo para a
necessidade de instruir e civilizar a população. Pautava-se essa questão como a
base para a edificação de uma nova nação. Contudo, como explica Machado (2009,
p. 19), os escravizados eram legalmente proibidos de frequentarem as escolas do
império. O regulamento de 22 de Agosto de 1887 da província do Estado de São
Paulo, no artigo 143, § 5, não admitia a matrícula de escravos, salvo nos cursos
noturnos e com a autorização de seus senhores. O artigo 143 assim rezava:

§1º As meninas nas do sexo masculino e os meninos nas do sexo


feminino, salvo quando se tratar de escolas mistas ou de professores
ambulantes. (Arts. 36, 41 e 42).
§2º Os menores de cinco anos, ficando ao prudente arbítrio dos
professores determinar a idade até a qual seja licito ao aluno
frequentá-las sem quebra da disciplina, nunca, porém, além de
dezesseis anos, salvo tratando–se de escolas em que seja permitida
a concorrência de ambos os sexos, das quais serão eliminados os
meninos logo que atingirem a idade de dez anos.
§3º Os que padecem de moléstia contagiosa.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 61


§4º Os alunos que por incorrigíveis houverem sido expulsos de
escola publica.
§5º Os escravos, salvo nos cursos noturnos e com consentimento
dos senhores.

A dificuldade e a negação da escolarização são explicadas por Machado


(2009, p. 39), quando afirma que

A legislação oficial não dava condições dignas de acesso,


permanência e aprendizagem nas escolas (dificuldade econômica em
adquirir o traje e materiais escolares, abandono da escola para
contribuir com o sustento da família), a ausência de políticas,
somava-se o difícil cotidiano de opressão social no convívio diário e
nas escolas, que contribuíam para o afastamento de grande parcela
da população negra do processo de escolarização no sistema estatal
de ensino da República Velha.

Desse modo, a exclusão, pela negação da escolarização à população negra,


vai prosseguindo, mesmo após a Abolição da Escravatura, levando negras e negros a
enfrentarem todo o tipo de discriminação e preconceito. Como vemos, o acesso e a
permanência na escola revestem-se de grandes entraves para estes segmentos da
população (ROCHA, 2007).
Porém, alguns historiadores da educação, a exemplo de estudos de Villalta
(1999), Paiva (2003), Moraes (2007), Veiga (2003), dentre outros, no que tange ao
acesso dos escravos à aprendizagem da leitura e da escrita, afirmam que, mesmo no
período imperial, apesar dos impedimentos, era possível constatar tal prática, uma
vez que, nesses estudos, foram identificadas listas de frequência de alunos em aulas
particulares com registros de meninos escravos, como a do professor José Carlos
Ferreira, de Cachoeira do Campo (província de Minas Gerais), que na sua lista de
1832 registrou Victor Máximo, 5 anos, escravo de Manoel Murta, e Antonio Manuel
da Guerra, 7 anos, escravo de Manoel Guerra (IP 3/2, caixa 01, pacotilha 33). Apesar
de muitos estudos apontarem tais constatações, muitos historiadores da educação
defendem que essa inclusão, para os ex-escravos e seus descendentes, realizou-se
de forma absolutamente marginal, pois constituiu uma dualidade do ensino,
representando as desigualdades entre dois grupos sociais: brancos e negros pobres
(ROCHA, 2007).

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 62


Finalizando essa breve contextualização histórica sobre o processo
escolarização da população negra no Brasil, outro fator determinante para entender
a situação de marginalização da negra e do negro e seus reflexos na educação,
segundo Rocha (2007), é o entendimento da visão de mundo eurocêntrica, baseada
no positivismo do século XIX e ancorada nas teorias “científicas” racistas
emergentes, incorporados pelos intelectuais brasileiros, reforçando estereótipos
sobre o segmento negro que formava parcela significativa da população do país.
Desse modo, chega-se a uma hierarquização da participação dos segmentos
construtivos da população brasileira, cabendo ao branco, na ideologia de
supremacia racial, o protagonismo do progresso e do desenvolvimento da nação, e
aos segmentos negros a posição de incapazes de pensar e de construir a sociedade
segundo seus valores, religiosidades e cosmovisão; chega-se a uma construção da
nacionalidade, com a definição marginal e excludente do lugar da negra e do negro
no Brasil, e a negação de sua cidadania, de sua cultura, saberes, valores e
identidade.
Como inferimos pela contextualização acima, o lugar social, político, cultural,
econômico e religioso determinado para a população negra pobre do país foi assim
instituído historicamente, uma vez que a implantação de escolas atribuindo a
educação como direito social foi tida como um privilégio de brancos e negada às
negras e aos negros até o limiar do século XIX e o início do século XX. O direito à
educação escolar, bem como o direito à diferença, continua sendo uma luta do povo
negro, estendendo-se por todo o século XX, chegando até os dias atuais.
Neste artigo, portanto, discutimos a relação entre a escolarização e o direito
à diferença, na percepção das crianças de uma escola pública e de jovens pobres da
periferia da cidade de Fortaleza, procurando evidenciar que a escolarização, para ser
plena, precisa ir além do acesso aos bens escolares, precisa chegar até ao respeito
ao direito de ser o que se é, ou seja, exercer e vivenciar o direito à diferença, suas
singularidades sociais, culturais e étnicas.
O artigo está organizado nas seguintes partes: na primeira, apresentamos as
representações das crianças e adolescentes sobre ser negro e ser negra na escola e

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 63


na comunidade, a partir dos confetos9 produzidos com esses sujeitos; na segunda
parte, procuramos discorrer sobre escolarização como um espaço e mecanismo que
precisam favorecer a expressão plena da diferença e da diversidade na escola. Na
última parte, tecemos nossas considerações finais, apresentando alguns elementos
ligados à relação entre a escolarização e o direito à diferença na escola, defendendo
que ela só é plena quando garante o direito à igualdade de acesso e a vivência da
diferença, culminando com a expressão, também plena, da identidade étnica na
escola, de modo especial a identidade negra, em foco no presente artigo.

AS REPRESENTAÇÕES DAS CRIANÇAS A RESPEITO DE SER NEGRO E


SER NEGRA NA ESCOLA

Nesta parte, apresentamos as representações das crianças sobre ser criança


negra na escola e como os jovens de uma comunidade da periferia lidam com a
questão da diferença. Os dados com os quais dialogamos nesta parte do artigo
referem-se a uma produção feita com crianças de uma escola pública e com jovens
pobres da periferia de Fortaleza, sendo que em ambas as produções as
pesquisadoras trabalharam a abordagem e técnicas da Sociopoética.

SER NEGRO E SER NEGRA NA ESCOLA PÚBLICA

Os dados com a quais vamos dialogar nesta seção foram produzidos através
de oficinas sociopoéticas, nas quais trabalhou-se com a construção de um boneco e
boneca, mitos, brincadeiras (maracatu), contação, dentre outras (RÉGIS, 2013). O
grupo expressou seu pensamento inicial acerca da negritude. As crianças disseram o
que é ser negro e ser negra. Fomos percebendo e identificando através dos
desenhos, narrativas, comportamentos do grupo, nos devires, nas expressões e nos

9
Confeto, segundo a abordagem sociopoética, é a mistura de conceito com afeto, produzido pelo grupo-
pesquisador. Os confetos nascem a partir do trabalho com as técnicas da sociopoética, trabalhadas e
desenvolvidas mobilizando os corpos dos sujeitos co-pesquisadores. A produção de ideias é classificada e
passam por análises até serem identificados os confetos (GAUTHIER, 2012).

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 64


sofrimentos vividos pelo grupo, os confetos produzidos, dos envolvidos e
envolvidas. Os confetos produzidos foram: ser negra capetinha, curupira e ser negra
satanás.
O confeto ser negra capetinha relaciona a negritude com aquela que possui
a cor da pele preta. Ela é capetinha, porque quebra as coisas, ou seja, uma pessoa
que causa destruição. O grupo-pesquisador associa de forma pejorativa a figura
capetinha com uma menina negra do grupo.
O confeto curupira expressa pelo grupo-pesquisador um paradoxo, pois, ao
mesmo tempo em que a curupira do confeto possui os pés para trás e o calcanhar
para frente, distanciando-se do padrão de beleza instituído, é considerada bonita. E
pelo fato de ser bonita é considerada branca, predomina a ideia que a boniteza só
pode ser branca. Por um lado, esse confeto reforça o padrão de beleza branco e
eurocêntrico, ou seja, reproduzindo o padrão de beleza hegemônico no Brasil que
associa o branco ao positivo e o negro ao negativo (PAULA, 2005), no caso aqui, está
implícita a ideia de negra feia (ou não bonita) x branca bonita, como ressaltam Petit
et all (2002, p. 3)

Na nossa sociedade, que valoriza um padrão de beleza eurocêntrico,


há uma enorme dificuldade da população negra assumir-se e
orgulhar-se de seus traços afrodescendentes, devido à enorme
desvalorização da sua aparência, chegando muitas vezes a camuflar
sua negritude na busca de conseguir características mais próximas
ao padrão branco.

Por outro lado, o reconhecimento da personagem curupira como bonito,


figura esta de conotação e matriz indígena, revela uma tendência instituinte, pois
sua característica foge ao padrão de beleza e de normalidade predominante,
valorizando elemento de origem indígena. Munanga (2005, p. 15) afirma, “[...], não
podemos esquecer que somos produtos de uma educação eurocêntrica e que
podemos, em função desta, reproduzir consciente ou inconscientemente os
preconceitos que permeiam nossa sociedade”.
O confeto ser negra satanás apresenta uma pessoa que tem a pele escura,
fuma maconha, está na faculdade, é ruim e sonha com bala pra matar. Essa pessoa,

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 65


por ser escura é ruim, fuma maconha, sonha com morte e mesmo assim está
cursando faculdade.
Percebemos que os confetos ser negra capetinha e ser negra satanás estão
diretamente ligados à figura do diabo, como se essas mulheres por serem pretas e
escuras, fossem consideradas pessoas ruins, que podem trazer um certo mal para
sociedade, a cor da pele diz quem você é. Os estereótipos vão se reproduzindo.
Também apresentam características reprováveis pela sociedade que têm conotação
de destruição.
Esses conceitos foram construídos historicamente, até hoje temos diversas
referências que expressam essas conotações pejorativas, notadamente no que se
refere à associação da cor escura às trevas e ao diabo:

Os dualismos iraniano e grego uniram-se no pensamento judaico e


cristão posterior; o resultado foi uma associação do bom Senhor com
o espírito, a luz, simbolicamente da cor branca, e do Diabo com a
matéria, as trevas, simbolicamente a cor negra. [...].
Na Bíblia fica consagrada a cor negra com conotação pejorativa,
sendo que o demônio é frequentemente retratado com a cor preta.
Em contraposição, as figuras de heróis, geralmente masculinas, têm
identificação com a cor branca, trazendo implicitamente a
supremacia do homem branco sobre os demais seres: O herói se
identificará com a dinâmica ascensional, com a cor branca, com o
masculino (fálico), procurando destruir o diferente. Este regime
imaginário será sempre excludente do negro e do feminino
(OLIVEIRA, 2007, apud PETIT et all, 2005, p.3)

Esses confetos nos ajudam a entender o que é ser negro e ser negra na
percepção das crianças, mostrando assim como elas estão construindo sua
identidade negra, carregada de preconceitos e rótulos, perpetuando o racismo na
sociedade e em especial, na infância dentro do espaço escolar. As crianças sentem
dificuldades de se identificarem negras, tendo essas referências da negritude:
capeta, satanás, diabo, destruição, pois o tempo inteiro a população é desvalorizada,
sendo sinônimo de sujeira, feiura e maldade. Em uma pesquisa realizada por Fazzi
(2004), a autora apresenta o “drama racial de crianças brasileiras”. Nela as crianças
sempre se referem ao negro como “preto é feio, preto parece diabo, ladrão preto”
(FAZZI, 2004, p. 114), existe uma “ligação de negro-preto com macaco, com diabo,

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 66


com feiura” (FAZZI, 2004, p. 32). Os significados são pejorativos, associados à
ruindade e à maldade:

O grande drama desse jogo é a negatividade associada à categoria


preto/negro, que expõe as crianças nela classificadas a um
permanente ritual de inferiorização, em que são especialmente
atingidas por gozações e xingamentos (FAZZI, 2004, p. 218).

Sendo assim, os confetos ser negra capetinha e ser negra satanás vão ao
encontro dos estereótipos que permeiam o inconsciente racista da sociedade
brasileira, onde as crianças crescem e constroem suas ideologias regadas ao
preconceito racial. Vivemos numa cultura do silenciamento e negação do racismo,
todos estamos envolvidos num processo de naturalização. Isso contribui para que as
próprias vítimas do racismo continuem reproduzindo um tratamento pejorativo
(JÚNIOR, 2008). Os xingamentos e gozações são diversos, estão presentes no
cotidiano escolar e na maioria das vezes são vistos como “coisas de crianças”, estão
ali, todo mundo vê, mas preferimos deixar invisível. É como Henrique Cunha Júnior
(2008, p. 231) comenta:

As agressões, xingamentos e abusos são diversos, eles existem, na


minha escola, na sua e em todos os lugares, não como muitos
acreditam ser apenas coisas das crianças ou atitudes isoladas. As
denúncias de atos indignos, envolvendo funcionários de escolas e
docentes, são várias. Todas são tradadas com simplicidade e descaso.
Primeiramente, porque elas não são tidas como racismo e mesmo
quando o são, têm o rótulo de “vamos esquecer, não vale apena
mexer netas coisas”. Esses xingamentos e piadas são parte da cultura
racista e tem sido difícil examiná-los criticamente, pois, em primeiro
lugar, as escolas e os sistemas educativos negam a existência de
racismo como ato sistemático. Fica aí a contradição de como tratar
uma coisa que não existe. Dá impressão que nós, uma parcela dos
afrodescendentes, é que inventamos os racismos e nos fazemos de
vítimas. A explicação é simples: a linguagem do racismo é a
linguagem do dominador, o qual produziu diversas formas de
ocultação e disfarces com que uma parcela dos educadores pactua,
consciente ou inconscientemente.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 67


Na intimidade de cada um e cada uma, no próprio eu, escondem-se os
estereótipos do que é ser negro, ser negra. Parece confuso, parece marginal, parece
feio, e o segmento feminino foi relatado aqui com bastante ênfase. Mulheres negras
são estigmatizadas, vivem o racismo a todo instante, principalmente por suas
características físicas, cabelos, corpo, boca e nariz. As crianças estão em conflito, e é
justamente nesse conflito que se revelam as realidades de preconceitos que vivem.
Ou seja, ser negra rotulada aos moldes do que a sociedade transmite para essas
crianças sobre o que é a negritude.
O corpo faz parte de uma construção histórica e cultural. Esse corpo físico,
mas que também é psicológico, é emocional, é sentimental, sofre, pois precisa
esconder e camuflar a negritude. Os corpos dessas crianças são oprimidos, tentam
esconder o que é de fato, criam estratégias para chegar o mais próximo possível do
padrão branco, tornando-se então essa negra-branca. E essa questão das
características desse corpo como herança genética, social, cultural e histórica
(FREIRE, 1996, p. 53), desse ser negro, ser negra, dialoga com outros confetos
produzidos pelo grupo: ser negro branco, ser negra morena, ser negro duas cor, ser
negro-negro. Não abordaremos esses confetos em virtude dos limites de espaço
deste artigo.

A QUESTÃO DA DIFERENÇA VIVIDA POR JOVENS POBRES DE UMA


COMUNIDADE DA PERIFERIA

Os dados a seguir também são frutos de um trabalho de pesquisa


sociopoética, realizado junto com jovens de uma comunidade da periferia de
Fortaleza. Para capturar as percepções e representações dos jovens acerca de como
lidam e vivem a questão da diferença, a pesquisa utilizou a técnica sociopoética
intitulada “travessia do jovem diferente” (MASULLO, 2006) através da qual o grupo-
pesquisador se dispôs a percorrer os caminhos da subjetividade, num “lançar-se na
estrada”, "na busca de alguma coisa", "em cima de uma rocha", "ao redor de uma
fogueira", em encontros parentais, no fluir de desejos, no sentir-se
desterritorializado, num "baque de medo". Nesta travessia foi-se percebendo e

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 68


identificando nos devires, movimentos, expressividades e sofrimentos vividos pelo
grupo, os confetos. Para efeito deste artigo, abordaremos apenas um dos confetos: o
confeto "rosa negra-destruição".
Percebemos que esse confeto encerra em si uma contradição, um paradoxo.
Ao mesmo tempo em que o jovem assume um devir-rosa negra, ou seja, associado à
beleza, à potência, à delicadeza, ao encanto, à possibilidade, ao futuro, é visto
também como monstro, coisa feia, devaneio, conflito, um devir-destruição, "vidraça
da sociedade".
Observamos também que este confeto vai de encontro às definições e
concepções fechadas, deterministas e determinantes, aquelas que enquadram os
jovens em categorias pré-estabelecidas. O confeto chama a atenção para o fato de
que dentro de nós convivem fluxos e devires contraditórios e imprevisíveis, que
fogem a categorias socialmente produzidas (PETIT, 2005). Essa ideia contesta a
concepção segundo a qual a adolescência, a juventude é uma fase marcada por
conflitos e transformações no corpo físico e psíquico, em que os indivíduos se veem
diante do desafio da construção e definição de uma imagem ou identidade que seja
compatível com a sua faixa etária e padrões sociais. Ora, os corpos infantil,
adolescente, jovem e adulto serão sempre afetados por devires, por agenciamentos
maquínicos, pontos de desterritorialização, desejos instituintes, que criarão linhas
de fuga e colocarão esses corpos diante do mundo, quebrando coerências e coesões
discursivas, culturais e sociais. É como Gauthier (1999, p. 23) comenta: “o corpo de
cada um de nós é como uma forma de vida, que por ter uma história (...) e raízes
ancestrais ainda atuantes, vivas, irradiantes, sabe muitas coisas - algumas claras,
outras escuras e outras claras-escuras (...)”.
O confeto rosa negra-destruição ajuda a entender os sentidos e significados
do "que é ser um jovem diferente", questão em análise neste trabalho. E a diferença
reside exatamente no paradoxo, na contradição presente no confeto, que aponta
dois movimentos próprios do corpo: o movimento do embotar-se, fechar-se, voltar-
se para dentro, na beleza e delicadeza do ser; e o movimento do devaneio, da
escuridão, da perdição, do contraditório, do caos. O jovem é diferente porque vive
de forma mais intensa esses dois movimentos indivisíveis e inaceitáveis pela razão e

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 69


pelos padrões estabelecidos socialmente, movimentos estes inerentes à vida e à
alma humana. Esses movimentos nos lembram da natureza anárquica e rebelde da
alma, da vida, porque fogem da ordem física, psicológica e social determinada pela
cultura hegemônica da sociedade. Então, a diferença não está na cor da pele, na
etnia, na orientação sexual, na faixa etária, na situação especial dos indivíduos, e
sim, no assumir esta natureza “rosa negra-destruição”. A sociedade e suas
instituições - a família, a igreja, a escola, principalmente - desqualificam e repugnam
toda a forma de comportamento, atitude e ação dos jovens que negue o que está
posto, fato que constitui sua diferença.
Nesse sentido, é importante observar que, quando o grupo-pesquisador se
encontrava na produção, explicitação e reflexão sobre seus próprios dados, o
confeto rosa negra-destruição sempre esteve associado ao vento, à escuridão e à
(instituição) família, fatos que nos falam das características dos movimentos acima
referidos. Isto nos faz lembrar e recorrer às ideias de Schöpke (2004, p. 49), fazendo
referência à filosofia grega:

É do puro devir que nos fala o filósofo de Éfeso; é do eterno


movimento das coisas que estão no tempo. Do eterno perecimento
e renascimento de tudo o que está no mundo e do próprio mundo. '
Não vos deixeis enganar´ - alerta Heráclito. Nossa vista é curta, diria
ele, e onde pensamos haver estabilidade só existem devir e
movimento perpétuo (...); para Heráclito o ser é devir e movimento;
ele está no mundo e se expressa no eterno jogo dos contrários.

Ora, esta referência tem tudo a ver com o confeto, pois nos remete à
questão dos devires vividos pelo grupo: o devir/movimento-rosa e o
devir/movimento-destruição. É na vivência e expressão desses devires que os jovens
mostram sua diferença. Diferença esta que ora se apresenta no fechamento,
isolamento, envolucramento, introspecção dos/das jovens, para integrarem-se a si
mesmo, ao seu complexo mundo, desnudando sua beleza e encanto, sua natureza
dionisíaca, seus desejos e fantasias, projetos individuais; ora se revela no conflito,
no caos, na insegurança dos caminhos, no questionamento de si próprio, dos
modelos sociais existentes; na imposição de regras que tolhem a liberdade do ser;
nos desejos demoníacos.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 70


Penso que esses devires são as linhas de fuga, através das quais os jovens
fogem da "subjetividade dominante", imposta pelo Capitalismo e seus padrões
sociais.
Segundo Guattari (1996), a subjetivação diz respeito a processos de
produção de sentidos, significados, representações, modelos de identidades, signos,
símbolos e desejos fabricados e impostos pelo sistema capitalístico, através da
linguagem, da família e dos equipamentos que nos rodeiam, ou seja, das máquinas
de produção da subjetividade. Essas máquinas funcionam como uma rede de
conexão que articula e interliga o sistema de produção, os sistemas de controle
social e as instâncias psíquicas que definem a maneira da sociedade perceber o
mundo. Guattari (1996, p. 31) defende que a subjetividade é produzida socialmente,
isto é, não é centrada em agentes individuais nem em agentes grupais. Implica: “o
funcionamento de máquinas de expressão que podem ser tanto de natureza
extrapessoal, extraindividual (sistemas maquínicos, econômicos, sociais,
tecnológicos, icônicos, ecológicos, etológicos, de mídia, enfim sistemas que não são
mais imediatamente antropológicas), quanto de natureza infra-humana,
infrapsíquica, infrapessoal (sistemas de percepção, de sensibilidade, de afeto, de
desejo, de representação, de imagens, de valor, modos de memorização e de
produção de ideia, sistema de inibição e de automatismo, sistemas corporais,
orgânicos, biológicos, fisiológicos, etc.)”.
Segundo Rocha (2004), na contemporaneidade, o Capitalismo Mundial
Integrado (CMI) implementa um conjunto de políticas de subjetivação como
estratégias de uma nova ordem mundial. Segundo essa autora, estamos vivendo um
processo de capitalização da vida, diferentemente de períodos anteriores do
capitalismo, marcados pela capitalização de mercadorias (bens de produção, bens
de consumos e serviços). Nesse sentido, estamos vivendo atualmente uma fase de
configuração do social, caracterizada pelo estabelecimento de novas coordenadas
nas relações de tempo-espaço, criando uma superfície lisa para a expansão ilimitada
do capital, que vai sem dúvida afetar os modos de existência em escala planetária
(SILVA, 2003).

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 71


Tomando como referência Deleuze, Foucault e Guattari, Rocha (2004) chama
essa nova configuração de “Sociedade de Controle”, que tem sua gênese na eclosão
da Segunda Guerra Mundial, despontada por uma tecnologia da regulação. Essa
regulação não é voltada somente para o corpo, mas para a vida dos seres humanos.
Trata-se, segundo a autora, de uma ingerência sobre os modos de existência, sobre o
trabalho imaterial do ser humano. Ou seja, o capitalismo hoje, na sua nova
configuração, não está interessado somente na força de trabalho do indivíduo, ele
deseja a sua própria alma, o que implica tomá-lo na sua capacidade criativa,
dinâmica, autônoma, na sua capacidade de gestar e operar informações, seu poder
de engajamento visceral em relação às metas estabelecidas pelas empresas.
A sociedade está, pois, diante de um sistema que busca uma produção de
subjetividades caracterizada por uma modelização dos indivíduos, introjetando
nestes valores, hábitos, crenças e desejos serializados. As pessoas são trabalhadas
de forma individuada, constituindo-se em meros “produtos de fabrica”, seduzidos
pelas imagens da mídia, desejantes das mesmas conquistas de seus pares; e de
forma singular, em que o sistema favorece aos indivíduos a criação de modos
próprios de relacionar-se com a vida e consigo mesmo, sem deixá-los, porém, fugir
dos modelos identitários (GUATTARI, 1996).
O que se viu até agora permite-nos deduzir que os sentidos e os significados
de ser um jovem diferente não estão somente nas definições ou conceitos que
tomam a adolescência e a juventude como fases de transição, marcadas por
determinadas características (físicas, psíquicas, socioculturais) que precisam ser
consideradas e compreendidas pela sociedade; não estão somente na visão
segundo a qual a adolescência e a juventude são um “assumir-se culturalmente
diante de contextos diferenciados”.
O confeto rosa negra-destruição, identificado pelo grupo-pesquisador, rompe
com essas visões, uma vez que ser jovem pode assumir sentidos e significados
diversos e contraditórios. Pois cada um de nós é devir, é afeto que se enfraquece ao
ter sua potência de agir diminuída, que se fortalece ao ter sua potência aumentada,
tornando-se um indivíduo mais vasto e superior (SCHÖPKE, 2004).

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 72


Os devires rosa negra-destruição vividos intensamente pelo grupo-
pesquisador, como já dissemos anteriormente, apontam para uma subjetividade que
foge das definições e padrões que querem enquadrar os jovens numa teoria ou
conceito. O sentido e o significado de ser um jovem diferente estão em poder
assumir livremente estes devires, o que nos faz lembrar o conceito de diferença,
desenvolvido por Deleuze e Guattari (1992):

(...) é o acontecimento maior do ser. Não um acontecimento qualquer


e sim o primeiro e o mais significativo de todos. A diferença está no
cerne do próprio ser, como a sua manifestação mais profunda. O ser,
na verdade, se diz da diferença. Ele não é “a” diferença em si, no
sentido platônico do termo (...). Neste sentido, ela se expressa na
multiplicidade e afirma as diferenças que o compõem, não como um
todo fechado, nem mesmo como finito ou infinito, mas como um
“acabado ilimitado”.

O que faz ser um jovem diferente, portanto, é o ser. Isto é, expressar o existir
nos devires, que implica um viver, um desdobrar as relações, as singularidades, o
múltiplo, a potência de cada um e de cada uma. E o ser, enquanto expressão,
vivência de devires, de fluxos imprevisíveis e ilimitados não pode ser enquadrado
num esquema, numa teoria, numa categoria identitária.

ESCOLARIZAÇÃO: ESPAÇO DE EXPRESSÃO DO DIREITO PLENO À


DIFERENÇA E À IDENTIDADE NEGRA?

Pelo exposto nas seções anteriores, vemos que a relação entre o acesso/
permanência na escola, em qualidade e quantidade satisfatórias, em todos os níveis
e dimensões (direito à educação), e o direito à diferença e à diversidade, constituem
desafios a serem ainda enfrentados no Brasil, sem falar na sua complexidade, apesar
do aparato legal que afirma a igualdade como princípio de cidadania. Vemos que, no
Brasil, como sustentam Meinerz e Caregnato (2011), não experimentamos essa
correlação entre construção de sistemas educacionais para todos e formação de
nação, uma vez que nos formamos em bases escravistas e em projetos de
desenvolvimento desiguais. Ou seja, passamos a ter acesso ao direito à educação,
direito esse garantido em nosso sistema normativo, mas esse direito não significou o

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 73


exercício e a vivência plena de nossa soberania como nação, como povo com toda a
sua diversidade cultural.
Chegamos a uma escolarização, cujos dados levantados pelo IPEA/2012
informam que ela é de 92,8% e 92,4% na população branca e negra,
respectivamente, mas que ela tem significado “uma multiplicidade de dolorosas
experiências cotidianas de privações, de limitações, de anulações e, também, de
inclusões enganadoras” (MARTINS, 2002, p. 21), como podemos inferir das reflexões
e análises em torno da construção e da vivência identitária de crianças e jovens na
escola e na comunidade. Se por um lado a escolarização representou e representa
integração, inclusão e redução das desigualdades sociais, por outro, ela exclui,
porque operou uma integração e uma inclusão de forma precária, patológica e
sofredora. A afirmação dos autores citados abaixo é esclarecedora dessa realidade:

O fenômeno do acesso da maioria dos jovens à escola é recente no


Brasil e vem igualmente acompanhado pelas dificuldades de
permanência e rendimento escolar. Hoje temos o acesso
consolidado, mas as experiências da evasão, do analfabetismo
funcional e da baixa qualidade da educação brasileira permanecem
instigando nossas análises (MEINERZ E CAREGNATO, 2011, p. 3).

Trata-se assim de uma escolarização que põe em movimento um conjunto


de circuitos inclusivos, fundados numa legislação nacional e internacional sobre
direitos humanos, mas que não leva a uma inclusão dos sujeitos de forma sistêmica
e estrutural, principalmente das populações historicamente excluídas e alijadas dos
direitos sociais, econômicos, culturais e políticos. Isso explica as razões pelas quais a
ampliação do acesso ao ensino fundamental por parte das crianças de 7 a 14 anos
só tenha se materializado a partir dos anos de 1990 (século XX).
Vemos então que a escolarização, enquanto processo e vagarosa produção
de referências sociais tomando a experiência escolar de socialização e transmissão
do conhecimento, como eixo articulador de seus sentidos e significados, não
significou um conjunto de consequências sociais, culturais e políticas [...], capazes de
abarcar e potencializar o direito à diferença e à diversidade dos sujeitos nos espaços
sociais e escolares (FARIA FILHO, 2004). Essa compreensão nos permite inferir ainda
que, de fato, a escolarização é um dispositivo de poder (VEYGA, 2002) na medida em

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 74


que pode universalizar o acesso ao saber escolar sem necessariamente conduzir a
uma formação emancipante e libertadora do sujeito, uma vez que aciona e põe
diferentes mecanismos de controle e mobilidade social, utilizados de forma seletiva
e segundo uma lógica majoritariamente excludente.
Entretanto, não podemos esquecer que é a partir da Constituição Federal de
1988 que se busca enfatizar e trabalhar o caráter público da educação, afirmando a
natureza universalista do direito à educação como um direito básico para a
cidadania, embora, o que temos visto predominar na história e na
contemporaneidade, seja a prática excludente e desigual.
Vários autores, a exemplo de Meinerz e Caregnato (2011), defendem que a
partir da referida carta constitucional e dos conceitos contemporâneos relativos à
noção de inclusão, passa-se a afirmar e reconhecer o direito à diversidade cultural,
bem como a necessidade de políticas voltadas para o enfrentamento dos limites de
acesso, permanência e qualidade da educação formal no Brasil. As leis posteriores à
LDB/1996 são um exemplo desse reconhecimento e ênfase nas questões das
discriminações e exclusões no campo do gênero, da raça e etnia. Assim, a partir dos
novos dispositivos legais, bem como da luta e pressão dos movimentos sociais, tem-
se buscado alterar os conteúdos e práticas escolares destinados aos povos
indígenas e aos afrodescendentes.
É por causa dessas lutas e das conquistas no campo institucional que vemos
os agentes do sistema educacional incorporarem no ensino e na ação pedagógica
princípios como os previstos no Art. 3º da LDB/1996: igualdade de condições para o
acesso e permanência; liberdade; pluralismo; respeito à liberdade e apreço à
tolerância; coexistência de instituições públicas e privadas; gratuidade do ensino
público em estabelecimentos oficiais; valorização do profissional; gestão
democrática; qualidade; valorização da experiência extraescolar; vinculação entre a
educação escolar, o trabalho e as práticas sociais, dentre outros elementos. Porém,
como destacam os autores Meinerz e Caregnato (2011, p. 12), a repercussão desses
princípios tem sido muito lenta:

O reconhecimento da diversidade de modos de vida; de histórias


culturais; étnicas; de formação etnicorreligiosa e de interesses e

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 75


características individuais têm tido repercussão lenta no cotidiano
escolar – seja no ensino superior, seja no ensino fundamental.

Muitos desses princípios desdobraram-se em leis, a fim de garantir na


prática do ensino oficial a obrigatoriedade do exercício e implementação dos
direitos vinculados às populações historicamente excluídas e discriminadas.
Destacamos aqui a Lei nº 10.639, de 09 de janeiro de 2003, na qual se estabelecem
as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede
de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. E
depois, a Lei nº 11.645, de 2008, que altera e aprimora a anterior, incluindo no
currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
Afro-Brasileira e Indígena”.
Como vemos, apesar de importantes avanços e conquistas no âmbito do
sistema educacional, aparelhado por diversas leis que configuram e amparam um
conjunto de direitos a serem assegurados pelo Estado, a escolarização precisa
significar o respeito pleno à diferença e à diversidade. E esse respeito, consiste na
inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente,
abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores,
ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais, conforme previsto no Art. 17 do
Estatuto dos Direitos da Criança e do Adolescente (1990).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, buscamos refletir e analisar a questão da relação entre a


escolarização e a questão do direito à diferença, apresentando e dialogando com os
dados de dois trabalhos sociopoéticos. Inicialmente, fizemos uma breve
contextualização histórica da escolarização voltada para a população negra no Brasil,
procurando evidenciar que o lugar social, político, cultural, econômico e religioso
determinado para essa população foi instituído histórico-socialmente e ergueu-se
sobre o signo da negação de seus direitos pela elite e pelo poder público-estatal.
Em seguida, dialogamos com os dados produzidos com crianças de uma escola
pública e com jovens de um projeto social de uma comunidade da periferia de

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 76


Fortaleza, dados esses ligados as suas percepções acerca da vivência da identidade
negra e da diferença. Na última parte do trabalho, buscamos explorar a questão da
relação entre a escolarização e o direito à diferença, defendendo, entre outras
coisas, que essa escolarização não nos levou ao conhecimento, reconhecimento e à
formação de nossa identidade e diversidade cultural, em grande medida em função
das bases escravistas e projetos de desenvolvimento desiguais imprimidos em
nossa sociedade.
O percurso analítico que fizemos neste trabalho apontam algumas
conclusões, que as apresentamos como considerações finais fruto da discussão aqui
empreendida.
A primeira conclusão que pode ser enumerada diz respeito ao fato de que a
escolarização, principalmente de negros e negras, não pode ser tomada apenas
como o processo que diz respeito ao acesso, à inclusão e à permanência de crianças
e jovens na escola, considerando que existem diferentes formas de exclusão
(exclusão da escola e na escola) e de inclusão, como nos mostrou Ferraro (1999) em
suas pesquisas, ainda nos anos de 1990.
O segundo ponto refere-se ao fato de que, apesar do Brasil apresentar
algum avanço nos últimos anos no que tange ao acesso de negras e negros à escola,
como evidenciam as estatísticas oficiais, o lugar que a negro e o negra ocupam nesta
esfera de socialização e apropriação do saber sistematizado é inferior,
extremamente precário e não lhe permite exercer e viver sua identidade de forma
livre e autônoma. Trata-se assim de uma inclusão que não alterou as marcas,
heranças, ritos e símbolos de uma escolarização que sempre foi um dispositivo de
poder nas mãos da elite e das classes dominantes, uma escolarização que não
permitiu a constituição e vivência de nossas identidades e diversidade cultural.
A terceira consideração, para efeito de conclusão deste trabalho, focaliza a
questão de que o direito à diferença (de cor, gênero, orientação sexual, etc.), dentre
outros direitos, apesar de estar formalmente garantido em várias leis, na prática não
se concretiza, o que denuncia, em última análise, algo óbvio: não somos iguais
perante a lei. O direito à educação, onde se situa o direito à escolarização, parece
não se sustentar junto com outros direitos, no bojo do direito à igualdade, o que

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 77


aponta uma contradição, pois a ênfase/defesa e afirmação da diferença e da
diversidade na sociedade, não estão produzindo relações e acessos a bens sociais,
econômicos, culturais e políticos, dentre outros, de forma igualitária e equitativa.
Será então que a diferença é uma cilada ou estratégia para negar a igualdade entre
os seres humanos? Os confetos produzidos pelas crianças e jovens são reveladores
de quão difícil é viver e assumir sua identidade etnicorracial no espaço escolar. A
cultura do silenciamento e da negação do racismo só tem contribuído para
fortalecer a indiferença, a discriminação, o preconceito e a violência.
Por último, nossa análise identifica e coloca um desafio da relação entre
escolarização e o direito à diferença: é necessário ir além do que está previsto e
garantido na legislação nacional e internacional acerca da educação, mesmo
considerando que esse fato representa um grande avanço sociopolítico-cultural e do
ponto de vista do marco legal no campo educacional; é urgente e estratégico tomar
a escolarização como um dispositivo de poder, com todo o seu aparato legal, de
controle social, de discursos, currículo, materiais didáticos oficiais, modelos de
gestão, etc., e como espaço de construção sócio-histórica do direito à educação
escolar e à cidadania.

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POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 82


POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 83
INTRODUÇÃO

Observando o contexto escolar percebemos que o bullying é um fenômeno


que tem afetado muitos estudantes desde muito cedo, pois o problema já começa
nas séries iniciais, independentemente de ser escola pública ou privada. O que
estamos chamando de bullying é um fenômeno que “compreende todas as formas
de atitudes agressivas, intencionais e repetidas, que ocorrem sem motivação
evidente, adotadas por um ou mais estudantes contra outro(s), causando dor e
angústia, e executadas dentro de uma relação desigual de poder” (MONTEIRO, 2008,
p. 1).
Optamos por realizar um trabalho com esta temática por vários motivos,
dentre os quais, a observação do comportamento de alguns alunos em sala de aula.
Outra fonte de inspiração foi o fato de que apesar de o bullying ser um fenômeno
tão comum no contexto escolar e já ter causado tantos transtornos a alunos, pais e
profissionais da educação, no nosso país, não é um assunto tão discutido. “No Brasil,
o bullying ainda é pouco estudado” (GUARESCHI, 2008, p. 16).
Diante do exposto, buscamos respostas às seguintes indagações: o bullying
é um ato de brincadeira ou violência? Quais os problemas que a escola enfrenta
e/ou pode enfrentar em virtude do fenômeno em questão? Quais as consequências
para as vítimas e autores? Portanto, estas foram as questões norteadoras do
trabalho. Sendo assim, investigamos se o bullying na sala de aula se configura como
brincadeira ou violência, verificando as causas que geram a ocorrência do bullying
no contexto escolar, identificando os efeitos causados nas vítimas e nos autores, e
analisando atitudes de bullying na escola.
Essa investigação foi dividida em dois momentos. Primeiramente, foi feita
uma revisão bibliográfica. Em seguida, realizamos uma pesquisa de campo, por meio
de observações na turma do 3º ano do ensino fundamental, da professora Maria
Sofia (fictício), na escola Arco-íris (fictício), no município de Baturité-CE.
O presente trabalho foi organizado da seguinte forma: discussão teórica
sobre o tema bullying, apresentação de casos de bullying na escola investigada,
discussão e resultados dos dados analisados.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 84


BULLYING: CONHECER PARA COMBATER

O bullying é um fenômeno sério, global e que “acontece em escala mundial”


(GUARESCHI, 2008, p. 15) e está muito além de ser apenas um ato inocente, uma
“brincadeirinha”. É um problema preocupante, que pode ter consequências
drásticas, como, por exemplo, o suicídio e o homicídio, respectivamente, para as
vítimas e autores.
A origem do termo bullying é inglesa: “bully, que, enquanto substantivo,
significa valentão, tirano e, como verbo, brutalizar, tiranizar, amedrontar”
(GUARESCHI, 2008, p. 17). De acordo com Fante (2012, p. 27): “Bullying: palavra de
origem inglesa, adotada em muitos países para definir o desejo consciente e
deliberado de maltratar uma pessoa e colocá-la sob tensão”.
Embora Fante afirme que o termo bullying é utilizado em muitos países, é
interessante registrar que também existem outros termos adotados por outros
países para designar algo igual ou parecido com o bullying: “Mobbing é um deles,
empregado na Noruega e na Dinamarca; Mobbning, na Suécia e Finlândia” (FANTE,
2012, p. 27).
Através de tais constatações, percebemos que o fenômeno circula em
muitos lugares. Fante (2012) constata que o local onde ocorrem mais manifestações
de bullying é nas escolas. Na verdade, ao afirmar isso, a autora não usa o termo
bullying, ela aplica a palavra violência, todavia, não podemos esquecer que o
bullying é um tipo de violência: “O maior índice de violência, ao contrário do que se
pensa, ocorre dentro da escola, principalmente nos locais onde a supervisão é
deficitária ou inexistente” (FANTE, 2012, p. 106).
Podemos ver o quanto o fenômeno em questão não pode ser visto ou
confundido como mera brincadeira. Pelo contrário, é preciso que os profissionais
que lidam com tal problema, o vejam como um ato de violência que, certamente,
seus efeitos não prejudicam só os alunos envolvidos (autores e vítimas), mas sim, a
família destes, a escola e a sociedade de um modo geral (GUARESCHI, 2008).
O fenômeno se manifesta de quatro formas: “verbal, físico, psicológico e
como cyberbullying” (GUARESCHI, 2008, p. 17). A manifestação verbal é quando os

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 85


autores importunam a vítima através da fala, com insultos, com palavras hostis, com
apelidos desagradáveis; enfim, ofendem, mas não agridem fisicamente. Já quando
há agressões físicas, os agressores batem, chutam, espancam, cometem várias
atitudes de espancamento. Em alguns casos, embora raro, pode ocorrer homicídio:

Na Bahia, em fevereiro de 2004, um adolescente de 17 anos, armado


com revólver, matou um colega e a secretária da escola de
informática onde estudou. O adolescente foi preso. O delegado que
investigou o caso disse que o menino sofria algumas brincadeiras
que ocasionavam rebaixamento de sua personalidade (DREYER,
2010, p. 2).

O bullying psicológico é semelhante ao verbal, uma vez que não acontecem


agressões físicas. Contudo, ele envolve muito mais o emocional da vítima, pois essa
modalidade do fenômeno se dá muito por ameaças, por desprezo (atitudes dos
autores), o que gera nas vítimas “medo, pânico, depressão, distúrbios
psicossomáticos” (GUARESCHI, 2008, p. 17).
Tudo isso é muito sério, porque além dos problemas já mencionados, ainda
de acordo com o autor citado anteriormente, as vítimas se veem envolvidas em
outras questões, como por exemplo, autoestima baixa, pouco interesse pela escola,
e em alguns casos, abandono ou mudança de colégio. O que nem sempre resolve o
problema, pois mudar “de escola seja uma solução encontrada para minimizar os
confrontos oriundos do bullying, isto pode ser apenas uma postergação do
problema. O agressor pode encontrar outro colega vulnerável e continuará com sua
atitude” (GUARESCHI, 2008, p. 17).
Por último, vem o cyberbullying que, talvez, para alguns, até seja um termo
novo. Trata-se de uma especificidade do bullying que para acontecer é necessário
utilizar-se de meios tecnológicos de comunicação, como internet, celular, dentre
outros. Assim o autor incomoda a vítima através de mensagens eletrônicas;
mensagens estas, que podem “humilhar, desprezar, ridicularizar, intimidar, excluir,
ameaçar etc. [...]. Esta violência virtual, que pode parecer inofensiva, é capaz de gerar
os mesmos tipos de consequências que outras formas de bullying” (GUARESCHI,
2008, p. 53).

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 86


Como mostramos, o bullying tem suas especificidades e suas consequências,
as quais não são poucas. As mesmas perpassam o baixo rendimento e/ou abandono
à escola, como já colocamos. Seus efeitos também, em alguns casos, resultam em
doenças. “É um fenômeno devastador, podendo vir afetar a auto-estima e a saúde
mental dos adolescentes, assim como desencadear problemas como anorexia,
bulimia, ansiedade” (GUARESCHI, 2008, p .17).
O bullying além de poder afetar a saúde física, pode acompanhar a vítima
por toda a vida, pois tal fenômeno pode acarretar diversos problemas “muito além
do período escolar. Pode trazer prejuízos em suas relações de trabalho, em sua
constituição familiar e criação de filhos, além de acarretar prejuízos para a sua saúde
física e mental” (FANTE, 2012, p. 78-79).
Até aqui abordamos os prejuízos que o bullying pode gerar às suas vítimas,
no entanto, é preciso destacar que os autores/agressores também sofrem
consequências. Ainda de acordo com as ideias de Fante (2012), muitas vezes o
agressor continua com a valorização da violência e, no futuro, acaba usando drogas,
portando armas ilegalmente, enfim, buscando tirar vantagem de todas as situações.
No contexto das situações de bullying, são muitas pessoas envolvidas e
afetadas direta ou indiretamente. Além dos agressores e das vítimas, tem ainda
aqueles que testemunham, ou seja, que presenciam cenas de bullying, os quais,
também, sofrem algumas consequências.
De acordo com Guareschi (2008), no caso da prática do bullying no âmbito
escolar, os alunos que testemunham o ato de bullying acabam vivendo situações de
conflitos internos, diríamos psicológicos, uma vez que ficam indecisos e divididos
diante da dúvida de ser a favor de quem comete tais atos, o que os tornariam
apoiadores do bullying; ou se ficam do lado das vítimas; o que também seria um
risco, pois eles (as testemunhas) “tomando as dores” pelos afetados correm um sério
risco de se tornarem as próximas vítimas.
Por outro lado, se não optarem por nenhuma das opções abordadas,
possivelmente vem o sentimento de culpa, isto é, sensação de passividade, de
covardia, o que desencadeia sentimentos negativos, de frustrações. Portanto, pensar

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 87


no bullying, é pensar em desgastes e prejuízos para muitas pessoas, visto que se
trata de um problema muito sério e que envolve muita gente.
Isso nos levar a crer que em relação ao bullying, devemos levar em
consideração, não somente as vítimas, os agressores e as testemunhas de tal
fenômeno, é preciso pensar na família destes, na escola, enfim, em todas as
instituições que lidam direta ou indiretamente com tal fenômeno.
Em relação à família, é importante quando esta consegue identificar que tem
vítimas e/ou autores de bullying e, principalmente, compreender como um problema
sério e que precisa ser considerado como tal.
Quanto à escola, não deve ser diferente, quanto mais cedo detectar a
ocorrência da prática do fenômeno, melhor. E o mais importante, tomar
providências, não deixar impunes atitudes tais. Todavia, deve buscar a melhor forma
de tratar o problema, pois não podemos esquecer que de alguma forma os
agressores podem ser vítimas também.
Pode parecer estranho apontar o autor do bullying como vítima, mas é
absolutamente possível. Primeiro, porque como já apontamos anteriormente, tem o
fato dos autores de bullying, tornarem-se altamente violentos. Depois, pela
possibilidade do bullying ser resultado dos valores que uma sociedade defende,
algo que depende da cultura de um povo, posto que “a cultura influencia todas as
cosmovisões das pessoas, que nela estão inseridas, visto que lhes são introjetados
conceitos do que é ou não aceitável” (GUARESCHI, 2008, p. 18).
Levando em consideração tal ideia, é possível compreender que quando um
adolescente e/ou uma criança exclui e ou discrimina um colega por este ser negro,
por exemplo, trata-se de uma atitude de bullying típica de uma sociedade que
defende a raça do branco, como sendo a mais bonita, como sendo a padrão. Outro
exemplo cabível e muito corriqueiro em nosso meio, a discriminação que ocorre
pelo porte físico da pessoa; muitos estudantes sofrem bullying por ser “gordinho”.
Isso tudo é consequência de uma cultura que escolhe como o mais elegante, o mais
bonito, uma pessoa magra, esbelta.
Diante de tudo isso, percebemos que para lidar com o bullying, seja para
defender os prejudicados, seja para punir os autores, se faz necessário utilizar

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 88


atitudes perspicazes, pois na realidade, todos acabam sendo vítimas, embora alguns
sofram consequências mais drásticas, ou talvez não, de repente não seja possível
precisar quem tem mais prejuízos.
Pensando na ideia do saber lidar com o fenômeno, Fante (2012) afirma que
os profissionais da educação não têm preparação suficiente para lidar com o
bullying. “Ficamos muito impressionados com a pouca conscientização da realidade
do fenômeno nos meios educacionais e com o despreparo dos profissionais desse
setor para lidarem com a violência, especialmente a velada” (FANTE, 2012, p. 51).
A constatação de tal realidade é motivo de preocupação, afinal como já
mostramos anteriormente, o espaço mais corriqueiro do fenômeno é a escola. Fante
(2012) coloca que o espaço prioritário para manifestações de bullying é a sala de
aula; em segundo lugar vêm os corredores da escola. Nesse caso, fazem-se
necessárias e urgentes intervenções educacionais que venham ajudar na preparação
dos professores para lidar com o fenômeno. Caso contrário, fica difícil, a
possibilidade de reduzir as ocorrências de bullying. Difícil e contraditório, uma vez
que a escola é o ambiente principal para a ocorrência do fenômeno.
É interessante destacar que entre a escola pública e a privada os casos de
bullying não têm redução, mesmo os alunos da escola pública vindo muitas vezes de
periferias e de contextos violentos, as manifestações do bullying não chegam a ser
mais que as do setor privado.

Ao contrário do que se pensa, o bullying não é um fenômeno próprio


de escolas públicas das zonas periféricas das grandes cidades, onde
a violência, o tráfico e o consumo de drogas se integram à vida dos
habitantes. Concretamente, os índices de sua incidência não são
menores nas escolas particulares nem nas pequenas cidades (FANTE,
2012, p. 66-67).

Diante de todos os aspectos já abordados, é interessante fazer uma reflexão


sobre que medidas podem ser tomadas como forma de prevenção ou redução do
bullying: colocar nas pautas das reuniões pedagógicas; observar a relação entre
professores e alunos; oportunizar momentos para os alunos se expressarem e,
consequentemente, levar em consideração suas opiniões (GUARESCHI, 2008).

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 89


Continuando com as possibilidades de combate ao bullying no ambiente
escolar é importante ainda “que a comunidade escolar esteja consciente da
existência do fenômeno e, sobretudo, das consequências advindas desse tipo de
comportamento” (FANTE, 2012, p. 91).
A contínua formação dos professores é apontada por Fante (2012, p. 93)
como uma das alternativas de combate ao bullying, “a fim de que saibam identificar,
distinguir e diagnosticar o fenômeno, bem como conhecer as respectivas estratégias
de intervenção e prevenção hoje disponíveis”.
A autora sugere ainda o investimento no ensino dos valores como:

[...] a tolerância e a solidariedade [...]. Ensinar a criança desde a mais


tenra idade a desenvolver essas atitudes é medida que auxiliará a
conviver pacificamente e a reconstruir um mundo melhor. Portanto, a
escola deve estimular o ensino e o desenvolvimento de atitudes que
valorizem a prática da tolerância e da solidariedade entre os alunos
(FANTE, 2012, p. 93).

Por último, Fante (2012) sugere o Programa Educar para a Paz. Tal programa
como o próprio nome já diz, trata-se de algo que objetiva em primeiro lugar,
promover uma educação que estimule a vivência da paz. O referido programa

tem como objetivo possibilitar, aos responsáveis pelo


desenvolvimento socioeducacional, a conscientização e a
identificação do fenômeno por meio de sua caracterização
específica; o diagnóstico do fenômeno por meio do conhecimento da
realidade escolar, obtido pelos instrumentos de investigação
utilizados (FANTE, 2012, p. 94).

Portanto, essas são algumas das possibilidades de combate ao bullying


apresentadas pelos autores citados. Se a escola pretender fazer um trabalho de
identificação e intervenção, pode colocá-las em prática.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 90


PERCURSO METODOLÓGICO

A pesquisa foi realizada em duas etapas. Primeiramente, foi feita a pesquisa


bibliográfica, “aquela que se efetiva tentando-se resolver um problema ou adquirir
conhecimentos a partir do emprego predominante de informações provenientes de
material gráfico, sonoro ou informatizado” (PRESTES, 2013, p. 30).
Em seguida, realizamos a segunda etapa do nosso trabalho, a qual foi a
pesquisa de campo. A referida pesquisa “é aquela em que o pesquisador, através de
questionários, entrevistas, protocolos verbais, observações, etc., coleta seus dados
investigando os pesquisados no seu meio” (PRESTES, 2013, p. 31). No caso deste
trabalho, as informações foram coletadas por meio de observações em contexto
escolar.
A pesquisa de campo aconteceu na escola Arco-íris (fictício), situada no
município de Baturité-CE, na turma do 3º ano do ensino fundamental, durante as
aulas da professora Maria Sofia (fictício). A referida escola é uma unidade pequena,
tem quatro salas de aula, onde funcionam duas turmas de 1º ano, duas de 2º ano e
três de 3º ano, distribuídas nos turnos manhã e tarde. Para dar conta dessas turmas
a escola conta com cinco professoras, todas com nível superior e pós-graduação. A
escola ainda não é nucleada, portanto tem apenas uma coordenadora pedagógica, a
professora Ana Letícia (fictício) e tem um assistente administrativo. Quanto aos
demais funcionários, a escola dispõe de um vigia (trabalha apenas no turno da
noite), uma merendeira e duas auxiliares de serviços gerais.
A turma observada, como já colocamos, foi o 3ºano, que funciona no turno
da manhã, com doze alunos, os quais são sete meninos e cinco meninas. Segundo
informações cedidas pela professora da turma, Maria Sofia, com exceção de dois
alunos, todos estão na devida faixa etária, de acordo com idade/série. Os dois que
estão fora de faixa são alunos que estão repetindo o 3º ano. Há também um aluno
com deficiência, o qual a família trouxe o laudo médico. A professora da turma é
graduada em Letras pela Faculdade de Educação Ciências e Letras do Sertão Central-
FLECLESC/UECE. Observamos a turma durante uma semana, no período da manhã,

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 91


quando pudemos observar algumas atitudes de bullying. Faremos o detalhamento
do que observamos no tópico da análise de dados.

BULLYING NA SALA DE AULA

Para observar atitudes de bullying dentro do espaço da escola Arco-íris,


realizamos, como já mencionamos antes, a pesquisa de campo. Durante a primeira
semana do mês de agosto de 2014, ficamos acompanhando a turma do 3º ano B da
professora Maria Sofia. Fazendo as observações tivemos quatro casos, os quais nos
chamaram atenção e que merecem análise. Segue abaixo a descrição dos mesmos.

Primeiro caso

Uma menina de nome Amanda (fictício) se chateia porque alguns colegas a


chamam de “quatro oi (olho)” e “testa de rapadura”. O episódio ocorreu porque ela
reclamou para a professora que seus colegas estavam com brincadeiras ao invés de
prestar atenção na aula. Então, os colegas se defenderam botando apelidos na
colega. Dizendo frases como: “não se mete não quatro oi”, outros ajudavam a piorar
a situação dizendo: “essa testa de rapadura...”.
A atitude da professora foi interromper a aula por um momento e pedir para
os colegas que estavam apelidando a garota pararem, pois a atitude deles estava
errada. Primeiro, porque estavam deixando de estudar para brincar; depois, que não
podiam botar apelidos nos colegas. Segundo ela, o que eles estavam fazendo era
uma falta de respeito com a Amanda e que eles se colocassem no lugar dela, e que
pensassem se eles gostariam que alguém colocasse tais apelidos neles. A professora
também prometeu que caso não parassem de chamar a garota de tais apelidos e não
passassem a respeitá-la iria chamar os pais deles para conversar.
Depois do ocorrido, aproveitamos uma oportunidade na sala para
questionarmos com Amanda se ela já havia recebido esses apelidos antes, ali, na
sala de aula, e ela respondeu que sim. Foi possível observar, na mesma situação, que
a Amanda era uma aluna que gostava de entregar, dedurar os colegas para a

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 92


professora sempre que ela via ou escutava algo que considerava errado, com isso,
os colegas se defendiam atacando-a com os apelidos já apresentados. O resultado
era Amanda triste e chateada.

Segundo caso

O segundo caso também ocorreu com uma garota, no caso, a Jacinta


(fictício). Ela parecia uma aluna birrenta, inquieta, gostava de chamar a atenção de
todos, da professora e dos alunos. Assim era alvo fácil para os apelidos. Como o
nome real dela também iniciava com a sílaba “Ja”, os colegas a chamavam de
“Jacaroa”. Ela ficava brava, nervosa, às vezes chorava, reclamava para a professora,
outras vezes queria bater nos causadores do problema, enfim, era uma situação
desagradável para toda a sala de aula. Percebíamos que os alunos ficavam
desconcentrados com a repercussão do problema e a professora precisava
interromper a aula para apaziguar os ânimos da vítima e dos agressores; na verdade,
a situação atrapalhava mesmo a aula.
Quanto à atitude da professora com esse caso, podemos dizer que não agiu
muito diferente em relação ao episódio anterior. Novamente, a docente interrompeu
a aula e foi reclamar com os alunos envolvidos na situação; usou o discurso de que
era uma falta de respeito com a colega e que a Jacinta precisava ser respeitada;
também reincidiu a ameaça de que caso eles não parassem iria chamar os pais dos
envolvidos, inclusive, alterou o tom de voz, quer dizer, o caso acabou interferindo
significativamente na rotina da sala de aula.

Terceiro caso

O terceiro caso teve como vítima um garoto, o Lucas (fictício). Ele era uma
criança que gostava de brincar, se relacionava bem com os colegas, era muito
inteligente, porém era um dos alunos que também gostava de colocar apelidos nos
outros, inclusive, fez parte do grupo que mexia com a Amanda e a Jacinta. Ele era um
garoto que tinha alguns quilos a mais que os demais colegas, e isso fora o suficiente

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 93


para que ele fosse chamado de “baleia”. Obviamente, ele não gostava quando isso
acontecia, ficava bravo, reclamava para a professora e ameaçava bater nos colegas,
embora em alguns casos ele fosse chamado por tal apelido, pelo fato de que o outro
colega já estava se defendendo de um apelido colocado por ele.
Quando aconteceu esse caso do Lucas, a professora demonstrou-se
bastante irritada, uma vez que esse já era o terceiro caso de bullying na sala de aula.
A fala dela foi bem rígida, alterando o tom de voz e usando o discurso que já havia
percebido que a sala inteira, de um modo geral, tinha tendência para desrespeitar os
colegas, botando apelidos ridículos, com isso, atrapalhando a aula e gerando muito
desconforto para os colegas e que, portanto, ou os alunos paravam com tais práticas
ou ela levaria o caso até a coordenação e ao mesmo tempo faria uma reunião com
todos os pais da turma, porque não tinha condição de continuar do jeito que estava.

Quarto caso

No quarto e último caso a situação foi um pouco mais delicada, uma vez que
a nosso ver, fora a mais constrangedora, pois aconteceu antes da aula começar. Os
alunos ainda estavam chegando, a professora recebendo-os, alguns chegando
acompanhado dos pais e com isso ainda tinha pais na sala de aula quando o aluno
Daniel (fictício) chegou e colocou o material na carteira e começou a chorar.
A professora logo interrogou sobre o motivo de seu choro e ele respondeu
que era porque um colega da outra turma o chamou de “negrinho” na entrada da
escola. A professora conversou com ele, pedindo para que se acalmasse, mas
preferiu tomar outra providência. Pediu para outro estudante ir até a sala do aluno
para chamá-lo para uma conversa e ele veio. Quando o mesmo chegou, a professora
pode perceber que tratava de preconceito racial, pois ele, o causador do problema
era branco e de olhos azuis, já a vítima tinha a pele de cor escura.
A professora conversou com ele, esclarecendo que ninguém é igual, uns são
brancos, outros pardos, outros negros, uns baixos, uns altos, enfim, a educadora
queria mostrar que existem as diferenças e todos precisam ser respeitados e que era
muito feio colocar apelidos no colega por ele não ser igual a nós, quem agia assim

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 94


causava dor e sofrimento nos outros; e não era para isso que os alunos vinham para
o colégio, pelo contrário, eles estavam ali para aprender o conteúdo das disciplinas
e para juntos brincarem, se divertirem e serem felizes.
Mesmo tendo essa conversa com o aluno, a educadora esperou a professora
dele chegar e levou o caso até ela. A professora de Márcio (fictício / aluno agressor)
o levou até a sala do Daniel e pediu que ele pedisse desculpas ao colega, pois ele o
havia magoado e não era para isso que eles vinham para o colégio. Daniel, por sua
vez, percebendo que a professora não havia deixado o caso impune, demonstrou
estar mais aliviado, embora ainda parecesse bastante magoado.
Refletindo sobre esses quatro casos apresentados, podemos dizer que se
tratam de bullying, pois como já discutimos na parte inicial deste trabalho, o
fenômeno se manifesta de várias formas, isto é, tem as suas especificidades. Se
lembrarmos das ideias de Guareschi (2008), vamos concluir que o tipo de bullying
que ocorreu nos casos descritos acima foi o verbal, ou seja, não houve agressão
física, houve palavras ofensivas através dos apelidos.
Nesse sentido, “[...] colocar apelidos em alguém, ofender, humilhar, insultar,
ameaçar ou acusar pessoas de que não servem para nada caracterizam uma forma
verbal de bullying, na qual os autores agridem através de palavras e, principalmente,
apelidos maldosos.” (GUARESCHI, 2008, p. 51).
Portanto, foram justamente os apelidos maldosos que ocorreram nos casos
descritos, contudo, mesmo não havendo as agressões físicas, é preciso que a
professora da turma fique bastante atenta, pois é um tipo de violência que gera
sofrimento e diversos prejuízos para os envolvidos: vítimas, autores, testemunhas,
escola etc. Outro fator importante que deve ser levado em consideração é o fato de
que embora não tenha ocorrido a agressão física no momento, ela foi mencionada e
desejada; em alguns casos as vítimas ameaçaram bater, o que talvez não ocorrera
pela rápida intervenção da professora.
Ainda há um detalhe a ser considerado, exigindo que a professora realmente
fique atenta, o fato de o bullying ser um fenômeno que pode interferir na vida
inteira de seus autores e de suas vítimas. Desse modo, se casos como os mostrados
não forem bem trabalhados e combatidos logo de início, autores e vítimas poderão

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 95


sofrer muito mais prejuízos, tais como: mais violência, autoestima baixa, abandono
do colégio, dificuldades nos relacionamentos profissionais, dificuldades de
aprendizagem, enfim, são várias as possibilidades de prejuízos. Assim, todos os
cuidados com atitudes de bullying podem ser insuficientes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscamos discutir o quanto é complexo e sério o fenômeno bullying e que


realmente está muito além da brincadeira, configurando-se de fato como um ato de
violência. Realizamos estudos para mostrar as consequências do bullying para as
vítimas e os autores, revelando com isso que quando se trata deste fenômeno a
preocupação e a atenção devem ser na mesma proporção tanto para quem causa,
quanto para quem sofre, pois como apontamos, de certo modo, todos acabam sendo
vítimas.
Analisando as consequências para as pessoas envolvidas com o fenômeno,
ficou evidente como é preciso que as autoridades competentes fiquem alertas com
este assunto, pois os traumas advindos deste problema podem interferir por toda a
vida, ou seja, os prejuízos para os envolvidos podem ser devastadores e, de certa
forma, para sempre. Sendo assim, o quanto antes a escola e os pais puderem
detectar o problema e assim tomarem as devidas resoluções, melhor será. Inferiu-se
também com esta pesquisa que os profissionais das instituições escolares não estão
suficientemente preparados para lidarem com o fenômeno, o que é sinal de
preocupação e ao mesmo tempo de alerta, afinal, a escola é o espaço com maior
ocorrência de bullying.
Sugerimos que as instituições escolares busquem ponderar sobre as
propostas de Guareschi (2008) e Fante (2012), respectivamente, quando alertam
que a escola fique alerta para detectar o quanto antes a ocorrência de bullying, bem
como investir numa cultura de paz e de ensino dos valores humanos. De acordo com
ambos, essas seriam possíveis soluções para reduzir a ocorrência do fenômeno.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 96


REFERÊNCIAS

DREYER, Diogo. A brincadeira que não tem graça. Disponível em:


http://www.educacional.com.br. Acesso em: 10 nov.2013.

FANTE, C. Fenômeno Bullying: como prevenir a violência nas escolas e


educar para a paz. Campinas: Verus, 2012.

GUARESCHI, Pedrinho A. et al. Bullying mais sério do que se imagina. Porto


Alegre: EDIPUCRS, 2008.

MONTEIRO, Lauro. Bullying – as consequências no ambiente escolar. In: Porta


Aberta: letramento e alfabetização linguística. São Paulo: FTD, 2008.

PRESTES, Maria Luci de Mesquita. A pesquisa e a construção do


conhecimento científico: do planejamento aos textos, da escola à academia.
São Paulo: Rêspel, 2013.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 97


POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 98
INTRODUÇÃO

A presente pesquisa teve a finalidade de mostrar através das concepções


dos professores das modalidades de Educação Infantil, Ensino Fundamental, Médio
e Superior como a afetividade é trabalhada dentro da sala de aula e qual a sua
contribuição dentro do processo de Ensino-aprendizagem. Percebemos que a
afetividade, principalmente no âmbito da educação infantil e nas primeiras séries do
ensino fundamental, associa-se a criança, no entanto não só a criança, mas todo ser
humano independentemente da idade necessita de carinho, atenção, ser amado e
respeitado, pois o indivíduo que tem uma boa relação seja ela, no trabalho, na
escola ou na família terá grandes chances de ser um sujeito mais criativo, e capaz de
desenvolver suas atividades com maior facilidade.
Segundo Wallon (2010), emoção e inteligência são fatores intrinsecamente
indissociáveis, e é por esse motivo que o professor deve valorizar cada vez mais o
elo existente entre ele e seus alunos, para que esta relação possa servir de ponte
entre conhecimentos, ideias, opiniões, e valores contribuindo diretamente na
formação da personalidade de ambos. Para que a relação professor-aluno seja
prazerosa, e possa contribuir para uma boa aprendizagem, é preciso resgatar o valor
da afetividade e inseri-la no cotidiano da sala de aula.
Diante do exposto o objetivo geral dessa pesquisa é compreender a
afetividade na prática pedagógica docente junto à Educação Infantil, Ensino
Fundamental, Médio e Superior. Para atingir essa finalidade foram concretizados os
seguintes objetivos específicos: descrever o lugar da afetividade no
desenvolvimento do aluno no processo de ensino-aprendizagem segundo os
professores; caracterizar o relacionamento afetivo entre professor e aluno nas
variadas modalidades ensino público; identificar como a afetividade pode contribuir
na formação integral do aluno em meio às práticas pedagógicas realizadas em sala
de aula, Tais objetivos sendo alcançados, acredita-se que pode contribuir assim com
a realidade educacional.
Nessa ótica, essa pesquisa foi crucial para compreender importância da
afetividade no processo de ensino-aprendizagem, pois a partir da visão dos

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 99


professores das referidas instituições públicas do município, pode-se fazer uma
análise de como a afetividade é trabalhada em sala de aula. Partindo dessa premissa
a relevância dessa pesquisa é conhecer a visão atual dos educadores acerca da
afetividade, e descobrir por que ela é enfatizada apenas na educação infantil e nas
demais modalidades, é extinguida.

UM POUCO SOBRE A AFETIVIDADE

De acordo com o minidicionário Luft (2010), afetividade é uma qualidade


de afetos, sentimentos, amor, quer dizer afeição profunda ao objeto dessa afeição,
zelo, cuidado. Vários estudiosos, como Jean Piaget (1896-1980), Lev Vygotsky
(1896-1934) já atribuíram grande significado a afetividade no processo evolutivo
humano. Foi o educador francês Henri Wallon (1879-1962) que mergulhou na
questão, ressaltando em seus estudos que o domínio afetivo é responsável por
revelar a maneira como somos afetados pelo mundo que nos cerca, portanto a
afetividade aliada ao ato motor constitui um elemento de socialização e de
comunicação com o meio, a mesma envolve dois componentes importantes, o
orgânico que é a emoção e o cognitivo que são os sentimentos.
Para Galvão (2012), há uma correlação dos significados de emoção e
afetividade, assim se faz necessário compreender que não são sinônimos e que
existe uma diferença, as emoções, assim como os sentimentos e os desejos se
manifestam na vida afetiva e a afetividade se insere nas mais variadas
manifestações. Percebe-se que a afetividade vai além das emoções, ela é uma a
dimensão que ocupa lugar central no processo de desenvolvimento social e
intelectual do ser humano, que muito pode contribuir no processo de ensino-
aprendizagem, trazendo excelentes resultados para o ambiente educativo, pois
sabemos que crianças que possuem um bom relacionamento afetivo, seja ele na
escola ou na família, são seguras, tem maior facilidade em compreender aquilo que
lhes são ensinados e consequentemente apresentam melhor desenvolvimento nas
tarefas escolares.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 100


Em se tratando de afetividade, podemos perceber que há muitos pontos
em comum entre as concepções de Wallon e Vygotsky, ambos defendem a
importância da afetividade para a constituição e o funcionamento da inteligência
determinando os interesses e as necessidades individuais. Muito próximo das
conclusões da teoria de Wallon, Vygotsky (2003) acredita que pensamento e afeto
são indissociáveis, segundo ele:

Quem separa o pensamento do afeto nega de antemão a


possibilidade de estudar a influência inversa do pensamento no
plano afetivo. [...] A vida emocional está conectada a outros
processos psicológicos e ao desenvolvimento da consciência de um
modo geral. (ARANTES, 2003, p.18-19).

Na sociedade em que vivemos, há uma grande cobrança sobre as crianças,


exigem delas habilidades especificas e deixam de lado a dimensão afetiva, na
maioria das vezes essas crianças estão limitadas a aprender apenas o convencional,
ou seja, aquilo que venha a satisfazer as pretensões da sociedade, e acabam sendo
privadas de participarem do cotidiano dos pais o que muito ajudaria no seu
desenvolvimento afetivo (GALVÃO, 2007).
Quando se coloca o aspecto cognitivo superior ao afetivo, isso leva o
educando a exteriorizar suas emoções na sala de aula de forma negativa, alegrias,
tristezas, ou até mesmo medo, o que pode influenciar no seu rendimento escolar já
que a criança desenvolve-se melhor quando está feliz, e utiliza como base para esse
desenvolvimento a linguagem e os conhecimentos que adquire no ambiente
familiar.
Segundo Tiba (2002, p.185) “Quando a criança sabe que poderá contar tudo
aos pais, sente-se mais forte e participativa. Depois eles não devem deixar de ouvir
o que ela quer contar, é a maneira de estar presente mesmo estando ausente”, assim
podemos inferir que, dar atenção aos filhos é de extrema importância, quando uma
criança se sente seguro para dialogar com os pais o que sente, ela se torna mais
segura e participativa, por isso cabe a família está sempre presente, apoiando e
sendo atenciosa com suas crianças, para que as mesmas possam se desenvolver
integralmente e desta maneira se tornarão pessoas equilibradas emocionalmente e

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 101


consequentemente saberão estabelecer vínculos afetivos mais seguros em suas
relações. No ambiente escolar esse papel cabe ao professor que por meio da sua
prática pode gerar possibilidades para que as mesmas desenvolvam sua afetividade,
e por meio dela tenha maiores oportunidades de aprender.

A AFETIVIDADE NO ENSINO E NA RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO

Levando em consideração os argumentos que acima foram discutidos sobre


a importância da afetividade e o quanto ela pode contribuir para a formação do ser
humano, é necessário enfatizar a grande necessidade de cultivá-la em todas as
relações, principalmente na relação professor-aluno, visto que a interação entre
ambos é uma condição que facilita o processo de ensino-aprendizagem, ela
dinamiza e dá sentido ao processo educativo.
Segundo Marques (2011, p. 38) “O professor é uma pessoa repleta de
emoções e como tal, ao desenvolver seu trabalho, irradia sentimentos, impressões e
desejos que envolvem os alunos, e provocam, nesses sujeitos efeitos que nem
sempre lhes são favoráveis.”. Desse modo, é necessário que o professor conheça
seus alunos no aspecto cognitivo e emocional, porém para que isso aconteça é
preciso que o mesmo saiba o que é emoção, seu funcionamento, para poder
controlá-la em si, e posteriormente em outras pessoas.
O mundo vive hoje grandes transformações e isso acaba afastando os seres
humanos da sua verdadeira essência, fator esse que pode interferir em suas
relações pessoais, no contexto ensino-aprendizagem e consequentemente na
relação professor-aluno. Para que a escola se torne um lugar de vivência e de
socialização, e que a mesma possa oferecer aos educandos momentos prazerosos
de aprendizagem, é necessário que haja um bom relacionamento afetivo entre
professores e alunos. Acerca de tal informação Andrade (2006) afirma que:

[...] a escola deve se ocupar com seriedade com a questão do “saber”,


do “conhecimento”. Se um professor for competente, ele, através de
seu compromisso de educar para o conhecimento, contribuirá com a

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 102


formação da pessoa podendo inclusive contribuir para a superação
de ajustes emocionais (ANDRADE, 2006, p. 14).
.

Conforme Paulo Freire (1983 p, 71), “Cabe ao professor observar a si


próprio; olhar para o mundo, olhar para si e sugerir que os alunos façam o mesmo e
não apenas ensinar regras, teorias e cálculos”. Assim sendo um mediador de
conhecimentos, utilizando a sua prática em sala de aula não apenas para situações
formais de ensino, mas para aflorar nos alunos o interesse e a curiosidade, ensiná-
los a pensar, as serem afetuosos e se tornarem atores da sua própria história e não
apenas receptores de teorias.
É importante que suas aulas sejam prazerosas para poder estimular o aluno
a querer voltar à escola no dia seguinte, nesse sentido é importante lembrar que a
responsabilidade e o respeito pelos sentimentos do outro é um dos aspectos mais
importantes na relação professor/aluno e deve sempre está presente na sala de
aula. Neste contexto, verifica- se que quando se concilia a dimensão afetiva e o
processo educacional, o ensino e a aprendizagem significativa tende a fluir, caso isto
seja desconsiderado o ambiente escolar tende a ficar desgastado e sem estímulo
(MARQUES, 2011).

DA EDUCAÇÃO BÁSICA AO ENSINO SUPERIOR

Ao percebermos a relevância da afetividade na relação professor–aluno


dentro do processo de ensino aprendizagem, é necessário entender como ela deve
ser trabalhada nas quatro modalidades de ensino da educação básica: Educação
Infantil; Ensino Fundamental, Médio e Superior. Iniciando pela Educação Infantil, que
por muito tempo foi considerada apenas como uma forma de cuidar, deixando de
lado a sua dimensão pedagógica que deve está inserida em todo contexto
educacional, porém no contexto atual essa modalidade vem sendo discutida
frequentemente.
De acordo com a LDB- Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei
Federal nº 9394/96):

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 103


A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como
finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de
idade em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social,
complementando a ação da família e da comunidade”. (LDB CAP.II;
SEÇÃOII; ART.29).

Cada um dos sujeitos situado nessa faixa etária possui um ciclo de


desenvolvimento e de aprendizagem específicas, ou seja, cada um deles são seres
singulares e necessitam de uma atenção diferenciada, por isso os sujeitos que estão
inseridos nessa etapa da educação básica devem ser acolhidos com muito amor,
para que se sintam seguros e respeitados pela escola, já que nesta fase da vida
escolar a criança vive uma mistura de emoções e expectativas, como a timidez, o
medo, a alegria, ansiedade, entre outras.
Para La Taille (1992,p.90) “a afetividade incorpora de fato as construções da
inteligência, e, por conseguinte tende-se racionalizar. As formas adultas de
afetividade, por esta razão, podem diferir enormemente das suas formas infantis”.
Assim na medida em que avançam as séries da escolarização a idade dos alunos
também tende a avançar, então esse sujeito que anteriormente frequentava a
Educação Infantil passa para outra etapa da vida escolar. Esse processo de transição
de uma etapa para outra deve ser feito de forma que as marcas singulares
antropoculturais que cada criança traz dos diversos contextos que conviveu sejam
respeitadas, os objetivos que foram traçados para a Educação Infantil devem se
prolongar no decorrer do ensino Fundamental, de maneira que os aspectos físicos,
psicológicos, intelectuais e principalmente o afetivo sejam priorizados no processo
de ensino-aprendizagem.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais da Educação Fundamental I, no item
“Interação e Cooperação”, esclarecem que:

O estabelecimento de condições adequadas para a interação não


pode estar pautado somente em questões cognitivas. Os aspectos
emocionais e afetivos são tão relevantes quanto os cognitivos,
principalmente para os alunos prejudicados por fracassos escolares
ou que não estejam interessados no que a escola pode oferecer. A
afetividade, o grau de aceitação ou rejeição, a competitividade e o

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 104


ritmo de produção estabelecidos em um grupo interferem
diretamente na produção do trabalho. (BRASIL, 1997, p. 61)

O argumento citado acima mostra um avanço quanto ao reconhecimento da


afetividade e dos aspectos emocionais no processo de aprendizagem. Segundo as
Diretrizes Curriculares Nacionais, a escola é o palco onde ocorrem as interações, por
isso a afetividade não pode ser negligenciada, o professor é o responsável por criar
dentro da sala de aula situações onde os alunos aprendam a conviver coletivamente
articulando afetividade com aprendizagem.
No Ensino médio fica visível um distanciamento dos professores e de seus
alunos, isso devido ao posto de autoridade em sala de aula que o professor procura
manter, o que acaba causando assim um afastamento entre eles, isso é preocupante,
pois se entende que uma boa relação entre ambos pode contribuir para uma boa
aprendizagem. A relação de respeito e companheirismo entre professor-aluno
jamais prejudica a autonomia em sala de aula, pelo contrário o vínculo só ajuda no
processo de ensino-aprendizagem, porém devemos entender que autonomia
autoritarismo são conceitos totalmente distintos, nesse sentido Libâneo (1994,
p.252) explica que “O professor autoritário não exerce a autoridade a serviço do
desenvolvimento da autonomia e independência dos alunos. Transforma uma
qualidade inerente à condição do profissional professor numa atitude personalista”
A autoridade do professor deve ser baseada no respeito e na amizade, que
estimule, oriente, e ajude o educando a se desenvolver, e não que pune e dificulta
relacionamentos. O PCN do Ensino Médio no Art. 5º, inciso IV defende que o
currículo da escola deve “reconhecer que as situações de aprendizagem provocam
também sentimentos e requerem trabalhar a afetividade do aluno” (BRASIL, 2000,
p.102). Essa afirmação reforça o quanto é importante a influência afetiva no
processo de ensino-aprendizagem e que a escola nunca deve desconsiderar o
aspecto afetivo.
Diante desse argumento percebe-se que ainda há muito que mudar nos
currículos em relação ao tema abordado, é necessário inserir a afetividade não
somente no currículo da Educação Básica, mas também no Ensino Superior de
maneira mais adequada, dando maior ênfase aos aspectos afetivos e emocionais,

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 105


que a mesma seja efetivada na prática e não somente na teoria, pois o ser humano
independente da idade necessita de uma relação amigável, afetuosa para poder
desenvolver suas habilidades e alcançar uma aprendizagem significativa.
O afeto é necessário para o desenvolvimento do indivíduo em qualquer
momento de sua existência, por conseguinte, em qualquer modalidade de ensino,
quer seja na Educação Básica, quer seja no Ensino Superior, ele é indispensável para
mediar o desenvolvimento do indivíduo.

MÉTODOS

O presente estudo usou da abordagem qualitativa com objetivos descritivos.


Para tanto contou com 08 instituições de ensino da rede Pública, Municipal, Estadual
e Federal localizados na cidade de Floriano-PI, tendo em vista que os objetivos
propostos. Englobou o total de 34 (trinta e quatro) professores que atuavam nas
modalidades de ensino direcionado à pesquisa, onde responderam um questionário
semiestruturado.
Todos os sujeitos da pesquisa assinaram o termo de Consentimento Livre
Esclarecido/TCLE, conforme apontam as regulamentações de ética em pesquisa com
seres humanos, de acordo com a resolução 466/2012. Com isso, os participantes
tiveram seus nomes preservados, sendo registradas apenas informações relevantes
aos interesses imediatos do objeto de estudo.
As questões foram analisados segundo a técnica de análise da Hermenêutica
de Profundidade, constituída por três etapas: Análise Sócio-Histórica – pelo qual os
relatos dos sujeitos da pesquisa foram analisados de forma relacionada ao contexto
e à realidade sócio-cultural florianense, pelo qual pertencem e fazem educação;
Análise formal ou discursiva - onde foram averiguados os conteúdos alegóricos
expressos pelos sujeitos frente suas concepções acerca da afetividade, atendendo
as singularidades de cada experiência no campo social; e, (Re) Interpretação –
desenvolvida com a análise formal, entretanto distinguindo-se dela, já que a última
procede por análise: desconstrói, quebra, divide, visando ampliar o conhecimento

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 106


sobre as formas simbólicas – o cerco epistemológico –, focando sua estrutura interna
(VERONESE; GUARESCHI, 2006).

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS

Os professores pesquisados possuem faixa etária entre 27 e 68 anos, a maioria do


sexo feminino, todos possuem graduação e o tempo de experiência varia entre 02 a 20
anos. Os 34 (trinta e quatro) participantes dessa pesquisa representam os demais
professores atuantes da rede pública Municipal de Ensino da cidade de Floriano, sendo que
a Educação Infantil é oferecida em 19 (dezenove) escolas, sendo que algumas delas atende
também o Ensino Fundamental, o Ensino Fundamental em 29 (vinte e nove), o Ensino Médio
que contém 10 (dez) e o Superior 03 (três) da cidade de Floriano-PI.
As tabelas apresentadas a seguir objetivam compreender a concepção dos
professores da Educação Infantil, Ensino Fundamental, Médio e Superior sobre a afetividade,
por meio destas, pode-se analisar as principais concepções que permeiam entre os
educadores, diante do cotidiano escolar.
A tabela 01 objetiva compreender a concepção dos professores da Educação
Infantil, Ensino Fundamental, Médio e Superior sobre a afetividade, por meio destas, pode-
se analisar as principais concepções que permeiam entre os educadores, diante do
cotidiano escolar.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 107


Tabela 01: Concepções sobre a afetividade nas modalidades de ensino.

Unidades de Análise %

Educação Infantil
Sentimentos como: amor, respeito e carinho 40%
Relações e laços criados entre pessoas 40%
Relação entre professor e aluno 20%
Ensino Fundamental
Relacionamento entre professor e aluno 55%
Sentimento de carinho e respeito pelo próximo 33%
Estado psicológico que permite demonstrar afeto 12%
Ensino Médio
Afeto entre os seres 37%
Relação professor – aluno 25%
Relação entre as pessoas 14%
Uma conversa tranquila 12%
Variedades de impulsos emocionais 12%
Ensino Superior
Expressões das sensações internas (medo, alegria) 37%
Sentimentos bons 37%
Atitudes que expressam carinho 13%
Inter-relação entre aspectos cognitivos, emocionais e afetivos 13%

Fonte: Banco de Dados do Núcleo de Pesquisas e Estudos em Desenvolvimento Humano, Psicologia


da Educação e Queixa Escolar/PSIQUED, Floriano/PI.

Mediante as respostas percebe-se que as concepções da maioria dos


educadores sobre o conceito de afetividade, são sentimentos como amor, carinho,
respeito, que é visto como um meio que facilita a convivência entre as pessoas. É
interessante enfatizar que mesmo sendo graduados em áreas distintas as respostas
dos pesquisados quase não diferem uma das outras. Como aponta Nery (2003), a
afetividade possui consigo o poder de promover a interação social, consolidando os
laços de amizade e proporcionando a qualidade dos relacionamentos que por sua
vez concede aos objetos do conhecimento um sentido afetivo e significativo.
Outro aspecto importante a ser sinalizado é o fato de que os professores
pesquisados conceituam afetividade apenas como sentimentos positivos, sendo que
Conforme Vygotsky (2003), em psicologia os afetos se dividem em positivos e
negativos. Os afetos positivos estão ligados a emoções positivas de alta energia,
como o entusiasmo e a excitação, e de baixa energia, como a calma e a

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 108


tranquilidade, já os afetos negativos, por sua vez, estão relacionados às emoções
negativas, como a ansiedade, o medo, a raiva, a culpa e a tristeza. No entanto esses
aspectos negativos podem ser superados, desde que o professor seja parceiro dos
seus alunos e lhe os ajude a superar esses aspectos negativos (LEAL, 2016).
A tabela 02 mostra a Importância da afetividade no processo de ensino-
aprendizagem nas modalidades de Ensino, assim tinha como meta identificar qual a
importância da afetividade no processo de ensino-aprendizagem, de acordo com a
os relatos dos professores de cada modalidade pesquisada, por meio destas, pode-
se analisar as principais concepções que permeiam entre os educadores, diante do
cotidiano escolar.

Tabela 02: Importância da afetividade no processo de ensino-aprendizagem nas modalidades de


Ensino.
Unidades de Análise %
Educação Infantil
Por meio do diálogo 50%
Demonstrando carinho e gentileza 50%
Ensino Fundamental
Através do diálogo 34%
Sendo gentil uns com os outros 22%
Com pouca frequência 22%
Sendo gentil uns com os outros 22%
Por meio da amizade 12%
Ensino Médio
Através do diálogo 34%
Sendo gentil uns com os outros 22%
Com pouca frequência 22%
Sendo gentil uns com os outros 22%
Por meio da amizade 12%
Ensino Superior
Através da interação 50%
De forma gradativa 25%
Através da empatia e sintonia 25%

Fonte: Banco de Dados do Núcleo de Pesquisas e Estudos em Desenvolvimento Humano, Psicologia


da Educação e Queixa Escolar/PSIQUED, Floriano/PI.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 109


Nessa questão duas categorias em modalidades de ensino diferentes
tiveram maior ênfase, dos professores da Educação Infantil 50% responderam que a
afetividade favorece a comunicação com os alunos, dos respondentes do Ensino
Superior 50% afirmam que a afetividade intermédia o processo de ensino-
aprendizagem, os participantes do Ensino fundamental relata que a mesma ajuda o
aluno a ter autoconfiança, já os do Ensino médio disseram que facilita o aprendizado
dos alunos.
Diante do exposto percebe-se que mesmo tendo apresentado opiniões
diferentes, todas as respostas mencionadas pelos professores de cada modalidade
de ensino são satisfatórias, visto que a afetividade é capaz de proporcionar todas
essas vantagens citadas por eles. Nesse sentido quando se fala que a afetividade
favorece a comunicação com os alunos, estamos querendo dizer que ela facilita a
comunicação. Aquino (1996), ressalta que a relação professor-aluno é tão
importante, a ponto de o professor aceitar que os alunos opinem sobre sua prática, à
avaliação e aos conteúdos, para melhor ajustar-se as suas dificuldades. Se a relação
entre ambos for positiva, a possibilidade de um maior aprendizado aumenta.
Quando respondem que afetividade intermédia o processo de ensino-
aprendizagem, conclui-se que ela é facilitadora da aprendizagem, como afirma
Espinosa, (2002), o afeto é fundamental na relação educativa por gerar um clima
favorável à construção dos conhecimentos pelos sujeitos em formação. Apesar da
importância, é notório que a dimensão afetiva ainda é muito negligenciada tanto na
prática da sala de aula (SIMONETTO, 2016).
A Tabela 03, mostra as respostas obtidas quando se buscou identificar quais
as estratégias pedagógicas estão sendo utilizadas em sala de aula para favorecer a
afetividade, levando em conta as sugestões dos professores de cada modalidade
pesquisada, por meio destas, pode-se analisar as principais opiniões que permeiam
entre os educadores, diante do cotidiano escolar.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 110


Tabela 03: Como trabalhar a afetividade em sala de aula

Unidades de Análise %
Educação Infantil
Promovendo atividades interativas 50%
Tratando os alunos com carinho 30%
Conhecendo melhor os alunos 20%
Ensino Fundamental
Dando atenção e carinho 44%
Com conversas e incentivos 33%
Resposta incoerente 11%
Não respondeu 12%
Ensino Médio
Tendo carinho e respeito pelo aluno 63%
Conhecendo melhor os alunos 37%
Ensino Superior
Através de atividades interativas 50%
Resposta incoerente 25%
Não respondeu 25%

Fonte: Banco de Dados do Núcleo de Pesquisas e Estudos em Desenvolvimento Humano, Psicologia


da Educação e Queixa Escolar/PSIQUED, Floriano/PI.

Mediante aos dados coletados é perceptível que nessa questão o maior


percentual de respostas estão apresentadas pelos professores do Ensino médio,
onde os mesmos afirmam que a maneira de se trabalhar a afetividade em sala de
aula é tendo carinho e respeito pelos alunos. Porém é importante sinalizar que
mesmo sendo características do afeto não é somente esses fatores que promovem a
criação de laços entre as pessoas, é necessário que o professor no papel de
mediador tome a iniciativa e crie situações que favoreça a afetividade.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), a intervenção
do professor educador precisa, então, garantir que o aluno tenha conhecimento do
objetivo da atividade, e seja capaz de se posicionar frente a ela e
consequentemente resolve-la. O educador deve fazer com que os educandos
utilizem os conhecimentos adquiridos no seu cotidiano, e para que isso aconteça, o
mesmo deve utilizar estratégias capazes de promover a interação entre eles.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 111


Segundo Pilão (1998), o aluno traz consigo uma grande bagagem de
conhecimentos, valores, inteligências, adquiridos antes da fase escolar, e isso deve
ser aproveitado em sala de aula. Quando o professor é carinhoso com seus alunos,
isso gera um laço afetivo que permite os mesmos ficar a vontade para conversar
sobre qualquer assunto, gerando assim um ambiente aconchegante, propicia
aprendizagem. As atividades lúdicas também podem ser um meio de se trabalhar a
afetividade, visto que durante as brincadeiras os educandos interagem entre si
aflorando os laços afetivos e desenvolvendo-se cognitivamente. Rogers (2008),
afirma que quando se estabelece uma Relação de Ajuda e se educa por meio da
Afetividade, mais facilmente o ser humano revela suas potencialidades criativas, sua
sensibilidade, seu poder pessoal de atualização e de auto ajustamento frente à vida.
De acordo com Dewey (1971) essa relação de afeto serve para descontrair o
ambiente de maneira que todos sejam respeitados em suas diferenças, e ao mesmo
tempo participem coletivamente das atividades propostas.
A tabela 04 tem como objetivo compreender por que a afetividade é mais
enfatizada apenas na Educação infantil e nas demais modalidades ela é
negligenciada pela maioria dos educadores. Diante das respostas obtidas é possível
conhecer a justificativa apresentada por cada docente em relação a esse
questionamento.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 112


Tabela 04: Lugar da afetividade: existe modalidade educacional ideal para sua utilização pedagógica?

Unidades de Análise %
Porque a afetividade é MAIS trabalhada na Educação Infantil?
Porque há uma maior receptividade de carinho pela criança 40%
Porque nessa fase o afeto é importante 20%
Pelo fato de ser crianças e necessitar de carinho 20%
Porque elas cativam mais os professores 20%
Porque a afetividade é MENOS trabalhada no Ensino Fundamental?
Por que os alunos são rebeldes 45%
Por que a responsabilidade do professor aumenta e falta tempo 44%
Por que o afeto não é importante nessa fase 11%
Porque a afetividade é MENOS trabalhada no Ensino Médio?
Por que a maioria dos alunos são rebeldes 50%
Por que a responsabilidade do professor aumenta 25%
Por que nessa fase a dimensão afetiva não é mais importante 25%
Porque a afetividade é MENOS trabalhada no Ensino Superior?
Falta tempo para interagir 37%
Porque alunos e professores estão menos receptivos ao afeto 26%
Porque nessa fase demonstrar afeto gera constrangimentos 25%
Por que nessa fase o vínculo afetivo não é importante 12%

Fonte: Banco de Dados do Núcleo de Pesquisas e Estudos em Desenvolvimento Humano, Psicologia


da Educação e Queixa Escolar/PSIQUED, Floriano/PI.

Diante das respostas dadas pelos pesquisados, pode-se perceber que de


modo geral, levando em conta as respostas das quatro modalidades, na educação
infantil os professores disseram que o motivo pelo qual a afetividade é mais
trabalhada é, por que nessa fase as crianças são mais receptivas ao carinho, no
entanto de acordo com Saltini (2008) a criança deseja e necessita ser amada, aceita,
acolhida e ouvida para que possa despertar para a vida da curiosidade e do
aprendizado.
A Educação Infantil é uma das mais complexas fases do desenvolvimento
humano no que diz respeito aos aspectos de desenvolvimento intelectual,
emocional, social e motor da criança. Segundo Wallon (1995), a criança na pré escola
atribui a emoção como os sentimentos, desejos e manifestações da vida afetiva,

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 113


demonstra os sentimentos como um papel fundamental no processo de
desenvolvimento humano.
No Ensino Fundamental é curioso observar que mesmo sendo uma fase
próxima a Educação infantil onde as crianças estão no ápice do desenvolvimento,
precisando de carinho e atenção, as respostas obtidas revelam uma justificativa que
não condiz com o perfil dessa modalidade, segundo os professores nessa fase a
afetividade e pouco enfatizada pelo motivo dos alunos serem rebeldes, Garcia
(1999) explica que essa rebeldia por parte dos alunos precisa ser analisada para
além do rótulo de indisciplina, e ser pensado com expressão de uma consciência
social em formação. Antes de nomear os alunos como rebeldes é primordial que o
professor entenda que se opor a uma situação não é necessariamente ser rebelde.
É importante ressaltar que nesse questionamento as justificativas dos
professores do Ensino Médio e Fundamental são as mesmas, mesmo seus alunos
tendo faixa etária diferente e estando em uma fase de desenvolvimento distintas,
(Rodrigues, 2015). Afirma que esmo percebendo que o aluno está numa fase de
desenvolvimento crítico, onde muitas vezes a rebeldia é a sua principal
característica os professores devem entender seus sentimentos, buscar ações para
as diversas dificuldades e postura que os alunos apresentam, enfim, preocupar-se
com o aluno de forma integra, buscando ações que os valorize, independente de seu
grau de desenvolvimento.
As justificativas dos professores do Ensino Superior para essa questão
divergiu totalmente das outras modalidades, a maioria deles declaram que a
afetividade é menos trabalhada devido a falta de tempo dos alunos e professores
para interagir Silva (2015) corrobora com a ideia de que não é necessário tempo
exclusivo para a afetividade, pois ela deve ocorrer naturalmente dentro do processo
de ensino-aprendizagem, Saltini (2008) explica que é através da interação afetiva
entre alunos e professores, que ocorre a troca de informações por meio do diálogo
em que o aluno vai progredir intelectualmente na interação das atividades.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 114


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho monográfico tem o propósito de saber a concepção de


professores da rede pública Municipal, Estadual e Federal sobre a afetividade,
indagando acerca do seu entendimento, e como ela é trabalhada em sala de aula. A
partir disso, surge como problema de pesquisa a seguinte questão norteadora: como
a afetividade é configurada na prática pedagógica docente junto às instituições da
rede pública da cidade de Floriano/PI? Dentro da pesquisa originou-se os seguintes
objetivos específicos, descrever o lugar da afetividade no desenvolvimento do
aluno no processo de ensino-aprendizagem segundo os professores; caracterizar o
relacionamento afetivo entre professor e aluno nas variadas modalidades ensino
público de Floriano/PI; identificar como a afetividade pode contribuir na formação
integral do aluno em meio às práticas pedagógicas realizadas em sala de aula.
Diante dos dados expostos ficou claro que embora os artigos de periódicos
e os próprios Parâmetros Curriculares Nacionais enfatizem a necessidade de se
trabalhar a afetividade dentro de aula em todas as modalidades de ensino, tornando
o ambiente escolar mais favorável a aprendizagem, a análise desta pesquisa
evidenciou que os professores mesmo possuindo formação em diversas áreas,
tendo idade diferentes possuem opiniões semelhantes, e a maioria deles mesmo
afirmando que a afetividade é importante, não sabem nem mesmo o seu verdadeiro
conceito.
As diversas fontes analisadas mostram que os professores das redes
Municipal, Estadual e Federal de Floriano/PI, ainda precisam refletir muito sobre sua
prática e se reiterar-se sobre a importância da dimensão afetiva no processo de
ensino-aprendizagem, saindo dos discursos repetitivos e colocando em prática o
que realmente é necessário para contribuir com uma boa aprendizagem. O educador
precisa criar situações dentro da sala de aula para que seus alunos possam aflorar a
afetividade e isso contribua para um a boa aprendizagem, pois sem interação um
grande o número de alunos tem seu rendimento escolar prejudicado.
Este trabalho é de suma relevância para a sociedade florianense de uma
forma geral visto que nele é enfatizado um tema de grande relevância para o

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 115


processo de ensino-aprendizagem. Vale ressaltar também a necessidade de divulgar
cada vez mais as concepções de educadores e educadoras acerca da afetividade e
de como ela é trabalhada em sala de aula, pois a mesma é a dimensão que media e
facilita a relação professor-aluno e consequentemente proporciona uma boa
aprendizagem.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 116


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POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 119


POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 120
INTRODUÇÃO

O presente trabalho teve como objetivo principal observar e discutir a


timidez enquanto componente subjetivo na formação docente e, como objetivos
específicos, identificar qualitativamente os indivíduos tímidos no ensino superior,
descrever como a timidez interfere no ambiente e aprendizado acadêmico, bem
como verificar como esse componente subjetivo pode interferir na formação
docente.
A timidez nas escolas se trata de um assunto ainda pouco abordado por
investigações no contexto brasileiro, sendo encontrado um número reduzido de
publicações nacionais acerca do tema. Entretanto, os alunos que se identificam
como tímidos podem sentir-se envergonhados, incapazes e inseguros, o que pode
gerar repercussões negativas sobre o desempenho acadêmico, dificultando a
obtenção de êxito nas atividades em geral. Nesse sentido, acreditamos que a
presente pesquisa oferece dados relevantes que podem contribuir com a
compreensão acerca da timidez no ambiente acadêmico, partindo das concepções
dos próprios estudantes que se consideram tímidos.
Assim, por meio das concepções de estudantes universitários, o trabalho
teve como foco aprofundar o conhecimento sobre o tema, tendo em vista
compreender até que ponto a experiência de timidez de estudantes de cursos de
licenciatura pode causar interferência na aprendizagem e na expectativa acerca do
exercício da profissão dos futuros professores.

REFERENCIAL TEÓRICO

Conhecendo e definindo a timidez

No cotidiano, é comum que pessoas que se queixam de timidez verbalizem


acerca do medo de serem julgadas, avaliadas, observadas e, em consequência disso,
também podem atuar deixando de se manifestar, contendo suas opiniões e ideias
acerca das discussões que são geradas naturalmente no seu entorno. Considerando

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 121


o contexto acadêmico, a experiência de timidez pode levá-las a evitar exposições,
interagir durante as aulas, fazer novas amizades, entre diversas outras atividades
que podem parecer simples, mas que para os tímidos se torna algo extremamente
difícil.
Perante as sensações que as pessoas tímidas vivenciam, podem surgir
mudanças fisiológicas, psicológicas e comportamentais, podendo erar gagueira,
tremores, mal-entendidos, esquecimentos, suores, batimentos cardíacos acelerados,
fala fora do contexto, dentre outras (MASCERENHAS, 2007). Os tímidos
frequentemente se retraem e se isolam, eles passam por muitos constrangimentos,
mas na maioria das vezes preferem se fechar e não falar sobre as angústias e
dificuldades que enfrentam. Crawford e Taylor (2000, p. 11) afirmam:

A timidez atrapalha a vida de muitas pessoas. É uma das mais


dolorosas condições com a qual um ser pode viver, e os tímidos
muitas vezes não procuram ajuda por causa do medo ou do
embaraço de expressar o que está errado e falar sobre o problema.
Assim, a timidez prende a pessoa na dor e no sofrimento emocional.
Pode se passar uma vida inteira de sub-realizações, sentindo solidão
e ataques de pânico e depressão, incapaz de pedir ajuda.

A timidez pode se reverter em um problema grave, gerando problemas em


várias esferas da vida do indivíduo, tendo em vista que o medo de ser criticado e
ridicularizado pode ocasionar um fechamento em si mesmo e em seu mundo
interior, anulando as possibilidades de socialização (ALMEIDA, 2006). É de suma
importância lembrar que a timidez não deve ser restrita apenas ao medo de se
expressar publicamente, ela ocorre de maneira distintas e de forma específica, assim
Mascarenhas (2007, p. 29) afirma:

Embora falar em público seja um dos medos mais frequentes da


maioria das pessoas, a timidez pode aparecer em situações
corriqueiras e tranquilas, como sentar-se em uma mesa de bar ou ser
apresentado a pessoas desconhecidas.

A palavra timidez tem sua origem no latim e deriva de timiditas e possui a


esma raiz de Timor que significa medo (AXIA, 2003). A autora acredita na

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 122


naturalidade da timidez e acredita que se trate de algo cultural e normal que pode
ocorrer com qualquer pessoa, para ela é errôneo associar a timidez a uma
enfermidade quando ela é, na verdade, uma qualidade da humanidade e que por ser
uma característica não é má nem boa, depende do meio e das circunstâncias em que
ela se expressa. Por outro lado, Crawford e Taylor (2000) veem de uma forma
diferente, pois enxergam a timidez como patologia paralisante e dolorosa que tem
suas raízes na emoção. Assim, de acordo com as autoras, os tímidos são hipercríticos
e tem a constante sensação de que estão sendo observados, analisados, sentem que
a atenção está sempre voltada para eles.

Aprendendo a ser tímido

Um dos embates que cercam o fenômeno da timidez é se ela pode ser


aprendida, ou seja, se as pessoas nascem ou aprendem a ser tímidas. Axia (2003)
defende que o ambiente social é crucial para caracterizar essas pessoas como
tímidas, pois as crianças podem nascer tímidas e com o passar do tempo e das
interações, deixarem de sê-lo ou, ao contrário, tornarem-se tímidas. Dessa maneira, a
origem da timidez depende de dois aspectos fundamentais: os fatores biológicos e
as relações sociais no decorrer da vida do sujeito.
Em contrapartida, Crawford e Taylor (2000) discordam da ideia de relacionar
a timidez a fatores biológicos, pois, para as autoras, sua origem se centra nas
experiências que a criança vive diariamente com a família e a sociedade. De maneira
semelhante, Mascarenhas (2007) postula que ninguém nasce tímido e, apesar de
que a expressividade seja inata e possa haver interferência de algum fator genético,
este não pode ser o causador da timidez, pois considera que suas raízes estão,
sobretudo, no ambiente social. Nesse aspecto, Crawford e Taylor (2000) ressaltam o
papel da família, tendo em vista que as relações cotidianas estabelecidas com os
pais e a forma deles se manifestarem irão refletir sobre as características
desenvolvidas pelos filhos.
Um outro aspecto que pode ser favorável ao desenvolvimento da timidez é
o modelo de sociedade capitalista vigente, caracterizado por um grande estímulo ao

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 123


individualismo e pela tendência a tornar as pessoas cada vez mais competitivas.
Mascarenhas (2007) destaca que na lógica capitalista não há espaço para que os
sujeitos sejam vistos em âmbito afetivo, emocional e compreendido como
possuidores de problemas e dificuldades. Ao contrário, é verificada a necessidade
de impor valores às pessoas para que elas assumam uma imagem e postura
diferente da sua verdadeira identidade, favorecendo assim o parecer no lugar do
ser. Almeida (2006) ainda ressalta a influência da mídia frente a essa lógica
capitalista, impondo formas de vestir, comportar-se, padrões de beleza que devem
ser seguidos, o que a população em geral aceita como real induzindo, assim, as
pessoas cada vez mais a desejarem ser algo que não são para se enquadrar no
modelo estabelecido.
Para Mascarenhas (2007), as causas da timidez são essencialmente sociais,
destacando-se o papel da família. A família exerce forte influência sobre os filhos,
em geral, ensinando comportamentos que são socialmente aceitos e, dependendo
da intensidade com que isso é realizado, pode prejudicar a criatividade e
espontaneidade das crianças. Dessa maneira, a família também pode agir em função
de uma preocupação acerca do que os outros irão pensar, mantendo assim, o que a
autora chama de “máscara social”.
A autora ainda ressalva que a timidez atrai uma grande quantidade de
sentimentos desfavoráveis ao indivíduo, como baixa autoestima, menos valia etc.,
sendo que o ambiente escolar pode constituir um importante canal de disseminação
de tais características, gerando posturas discriminatórias e preconceituosas. É
importante lembrar que, na instituição escolar, há uma grande variedade de culturas,
classes sociais, raças e, diante disso, podem surgir comparações e tratamentos
diferenciados frente à grande diversidade das pessoas em função de dialetos,
sotaques, cor, condição financeira, etc., podendo gerar sentimentos de inferioridade,
vergonha, solidão e tristeza. Com respeito a tudo isso, Mascarenhas (2007) alerta
para a necessidade de que as diferenças sejam tratadas com naturalidade e
tranquilidade e que a escola assuma um papel integrador. Assim, no contexto
escolar deve-se buscar favorecer o aprendizado coletivo, atentando para as
necessidades individuais, fornecendo um ambiente propício a manifestação dos

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 124


alunos e promovendo o sentimento de inclusão, pois as condições ambientais
escolares possuem parcela de influência para o aprendizado dos estudantes (COLL
et al., 2004).

Relação entre timidez e a formação docente

Nas escolas, universidades e demais contextos de educação formal, as


pessoas tímidas podem ser pouco notadas pelos professores em função da
tendência em falar pouco durante as aulas, apresentar dificuldades em expor sua
opinião e expressar dúvidas. Essa postura pode se dar por medo de ser motivo de
chacota para os demais alunos, assim evitam situações em que possam cometer
erros em público e, com isso, podem não se sentir cômodos respondendo a
perguntas em classes, por exemplo.
Vieira (2010) atenta para o fato de que, por não se manifestarem nas aulas,
os alunos tímidos acabam sendo esquecidos pelos outros alunos e pelos
professores. Isso pode ser decorrente do pensamento de muitos professores que
acreditam que o isolamento e afastamento da pessoa tímida não se trata de algo
negativo e aqueles que entendem a gravidade do problema ainda acreditam que tal
comportamento é normal.
Entre as dificuldades dos professores ao lidar com alunos tímidos durante as
aulas, pode ser citado o desafio que é a avaliação da aprendizagem, tendo em vista
que, em geral, é muito comum empregar exposições orais entre as atividades
avaliativas. Dessa maneira, o medo da avaliação e de cometer erros em público pode
potencializar o problema da timidez e isso pode refletir em notas ruins. Como forma
de lidar com o problema, faz-se necessário o professor conhecer bem cada aluno,
buscando a melhor forma de avaliá-los, pois a aprendizagem significativa depende
principalmente dos professores (OSTETO, 2008).
Em relação ao tratamento da timidez, autores como Cesares e Caballo
(citado por FELIX et al., 2012) apontam os resultados que podem ser alcançados
através do uso de técnicas embasadas nos programas cognitivos comportamentais.
Para Mascarenhas (2007), o manejo do tratamento deve a priori favorecer a

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 125


compreensão da timidez e, em seguida, propiciar sua superação. Por outro lado, em
contraposição às afirmações anteriores, Axia (2003) postula que a timidez deve ser
compreendida e tratada com normalidade, tendo em vista seus aspectos
circunstanciais, uma vez que a considera relacionada à cultura, ao contexto em que
as pessoas vivem. Assim, ao se estudar a timidez, deve-se evitar julgar as pessoas de
acordo com padrões impostos socialmente, que descontextualizam e anulam a
singularidade dos indivíduos.
Considerando todos os aspectos discutidos, reiteramos que a escola,
juntamente com a família, possui um papel importante na construção de boas
relações desde a infância, devendo estimular que tais habilidades sejam bem
desenvolvidas. Axia (2003) defende a importância de ambientes flexíveis e
tolerantes que sejam favoráveis ao bom convívio. O educador perante a percepção
de que há alunos tímidos em sala de aula deve ir em busca de novas práticas
pedagógicas que os insira nas atividades escolares, combatendo a exclusão e o
isolamento desses indivíduos.

A formação do “professor tímido” e o desenvolvimento da prática pedagógica

No processo de aprendizagem, o professor tem participação e valor


imensuráveis. Seu desempenho, conhecimento e postura diante dos mais diversos
desafios vivenciados diariamente no âmbito escolar são fatores determinantes no
processo de construção social e intelectual de seus alunos.
Diante disso, o processo de formação dos próprios professores é a chave
para que futuramente eles se tornem profissionais de excelência, que não tenham
medo de inovar e de buscar a transformação do ambiente escolar, visando melhorar
o ensino e ampliar as possibilidades de promover o sucesso de seus educandos. É
válido dizer que essa formação não está relacionada apenas ao conhecimento
teórico e técnico, mas também à criticidade que o professor tem sobre seu
desempenho e o desenvolvimento de uma postura reflexiva sobre sua função
(NÓVOA, 1997).

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 126


Sobre a formação de professores, autores como Tardif (2002) ressalta que o
professor, além de possuir conhecimentos teóricos e atualidades acerca de sua
disciplina, também deve dispor de conhecimento sobre as ciências da educação e
basear as atividades docentes na realidade cotidiana dos seus alunos.
Durante a formação acadêmica, a comunidade acadêmica ainda tende a
voltar-se mais para a aquisição de conteúdo em detrimento do desenvolvimento de
competências. Nesse aspecto, a instituições ainda necessitam avançar quanto à
dinamização das aulas, possibilitando aos professores não apenas repassar o
conteúdo, mas principalmente promover a interação e a diversidade, abordando
temas como afetividade, subjetividade e oralidade, conhecendo assim, pouco dos
discentes e de suas necessidades.
Os tímidos podem ter sua formação universitária prejudicada, pois, no
contexto acadêmico, a comunicação é considerada algo de extrema importância para
o desenvolvimento das habilidades necessárias ao exercício profissional no
momento de inserção no mercado de trabalho. Para Mascarenhas (2007), a
comunicação pode ser utilizada como ferramenta eficiente no que diz respeito a
motivar e influenciar as pessoas, podendo se constituir em aspecto diferencial em
relação ao desempenho laboral, favorecendo o sucesso profissional. Entretanto, os
tímidos sentem dificuldade ao se expressar e expor seus conhecimentos, tornando-
se cada vez mais fechados e angustiados, talvez esse seja um dos motivos de muitos
formandos que sofrem de timidez não seguirem a carreira docente. Não obstante,
aqueles que escolhem seguir esse caminho, mesmo perante ao temor do julgamento
e da exposição, podem superar suas dificuldades e se tornar excelentes
profissionais.

MÉTODO

Tipo de estudo e participantes

A presente pesquisa é de natureza qualitativa, tendo em vista que os


objetivos são de caráter descritivo e abordam o objeto de estudo a partir de

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 127


métodos que enfocam a perspectiva dos sujeitos (LAKATOS & MARCONI, 2009; GIL,
2009). A pesquisa contou com a participação de 40 estudantes dos cursos de
Licenciatura em Pedagogia e Ciências Biológicas diversos cursos da Universidade
Federal do Piauí, campus Almícar Sobreira Ferraz, localizado na cidade de Floriano,
situados na faixa etária de 17 a 40 anos de idade.

Instrumento e procedimento de coleta de dados

O instrumento utilizado para coletar os dados consistiu em um questionário


composto por oito perguntas, entre elas cinco semiestruturadas e três estruturadas.
As perguntas estruturadas se referem aos dados sobre o perfil sociodemográfico dos
participantes, enquanto as demais foram elaboradas com a finalidade de obter
dados relevantes em relação às concepções dos estudantes sobre a timidez e a
formação docente, enfocando os seguintes aspectos: definição de timidez;
reconhecimento de si mesmo como alguém tímido; possíveis dificuldades na
aprendizagem decorrentes da experiência de timidez; relação com os professores e
apoio à participação em classe; como percebem o acolhimento em relação à
experiência de timidez e quais as repercussões sobre a formação docente.
O contato com os participantes para a aplicação do instrumento foi feito no
próprio campus universitário. Os estudantes que aceitaram participar da pesquisa
tiveram acesso às informações acerca do estudo, tais como objetivos, finalidades e
procedimentos, a garantia do sigilo em relação ao manejo dos dados coletados, além
de seu direito de desistir a qualquer momento. Ressaltamos que o aceite dos
participantes foi formalizado através da assinatura do Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (TCLE).

Procedimentos de análise de dados

Após a coleta, os dados referentes às características sociodemográficas dos


participantes foram apresentados de forma descritiva. Os dados qualitativos
coletados foram analisados de acordo com a ferramenta teórica metodológica

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 128


hermenêutica de profundidade (HP), que de acordo com Veronese e Guareschi
(2006) possui três etapas analíticas: análise social-histórica, análise formal ou
discursiva e reinterpretação. A referida técnica foi utilizada em função de possibilitar
uma análise mais profunda do contexto histórico em que os participantes se
encontram inseridos e permitir ao pesquisador fazer suas reflexões críticas sobre o
objeto de estudo, fornecendo assim a oportunidade não apenas de descrever os
fatos, mas confrontar as teorias com a realidade observada em campo.

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Perfil dos participantes da pesquisa e categorias temáticas

A pesquisa contou com a participação de 40 universitários dos quais 29


eram mulheres e 11 homens, com idades que variaram dos 17 aos 40 anos de idade.
Para facilitar o manejo dos dados e garantir que suas identidades fossem
preservadas, aos questionários foram atribuídos códigos (de A1 a A40). A partir dos
relatos dos participantes foi feita a análise das seguintes categorias: conceito de
timidez; autoavaliação sobre ser ou não ser tímido; implicações negativas da timidez
na formação docente; avaliação da relação com os professores em geral; sentir-se à
vontade para fazer perguntas durante a aula; Acolhimento do professor aos
acadêmicos tímidos e consequência da timidez na formação docente. As categorias
foram discutidas de acordo com os procedimentos de análise de dados baseados na
hermenêutica de profundidade e tendo como base as ideias dos vários autores
mencionados ao longo do trabalho.

Conceituando a timidez

A tabela a seguir mostra a frequência das categorias que correspondem às


concepções dos discentes acerca da timidez, sendo encontradas basicamente cinco
tipos de respostas diferentes.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 129


Tabela 1. Frequência da categoria “conceituando timidez”

UNIDADES DE ANÁLISE %

Medo de se expor em público 45%


25%
Desconforto em se comunicar com as pessoas

Sentimento de incapacidade 17%

Pessoas retraídas 10%

Características que todo sujeito possui 3%

Fonte: Banco de dados do Núcleo PSIQUED, 2015.

Compreende-se que a maioria dos participantes relaciona a timidez ao


medo, o que remete ao pensamento de Axia (2003), que afirma que a timidez está
diretamente ligada a esse sentimento. Isso pode ser ilustrado pelos seguintes
relatos em que alguns participantes a definiram como: “desconforto, vergonha de se
apresentar em público, nervosismo...” (A36); “medo de se expressar em público”
(A12); “é um tipo de comportamento que nos intimida perante ao público, nos faz
sentirmos incapazes de participar de qualquer tipo de evento” (A34).
Em todas as repostas há a relação da timidez com dificuldades no âmbito
das interações sociais e o medo. Porém o medo não pode ser considerado apenas
como algo ruim, sendo que Axia (2003) e Ferreira (2010) postulam que o temor, às
vezes, deve ser visto como algo essencial para a garantia da sobrevivência humana.

Autoavaliação: ser ou não ser tímido, eis a questão

A presente categoria diz respeito às concepções dos estudantes acerca de si


mesmo como uma pessoa tímida ou não e dos motivos que os levam a essa
autoavaliação. Os dados encontrados estão na tabela 2.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 130


Tabela 2. Frequência da categoria “autoavalição sobre ser ou não ser tímido”

UNIDADES DE ANÁLISE %

Sim, pois tenho dificuldade em falar em público. 40%

Não, porque não possui dificuldade de interação. 27%

Sim, vergonha de falar com outras pessoas. 17%

Sim, mas depende da situação. 13%

Não sabe. 3%

Banco de dados do Núcleo PSIQUED, 2015.

Diante da análise, nota-se que mais da metade dos acadêmicos se


consideram tímidos, fazendo a relação da timidez com a dificuldade de se expressar
em público, como se pode perceber nos relatos de alguns participantes: “sim porque
tenho dificuldade de falar em público” (A4); “sim, porque fico com vergonha de falar
com outras pessoas, fico toda sem jeito” (A1); “um pouco principalmente na
apresentação de seminários e falar em público para muitas pessoas” (A36).
Estudos encontrados na literatura apontam que os discentes enxergam a
timidez como algo causado por diversos fatores, variando de indivíduo para
indivíduo e também de acordo com o ambiente, podendo se encaixar em diversas
categorias (ZIMBARDO apud PEREZ e DIAZ, 2011). No presente trabalho, percebe-se
também que a quantidade de pessoas que se consideram tímidas é superior as que
acreditam que não são, o que se assemelha aos estudos de Crawford e Taylor
(2000), relatando que cerca de 60% das pessoas podem ser consideradas tímidas.
Em contrapartida, isso não significa dizer que todas as pessoas que acreditam ser
tímidas realmente o sejam. Para Axia (2003), por exemplo, a sensação de medo é
comum e é possível que todos os indivíduos o vivenciem ou já tenham vivenciado
em algum momento, o que não deve ser confundido com timidez. Por isso, a autora
ressalta a importância de conhecer a timidez que pode ocorrer com o indivíduo e a
mediação entre ele e o ambiente. Considerando a formação acadêmica, a
universidade deve assumir papel importante na formação das pessoas tímidas,
criando e exercendo estratégias que busquem a interação entre eles com as
atividades do processo de ensino e aprendizagem.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 131


O tímido aprendiz: implicações negativas da timidez na formação docente

Na tabela 3, estão as respostas referentes ao questionamento sobre as


consequências da timidez durante o processo de formação universitária vivenciado
através do curso de graduação, assim sobressaíram três respostas.

Tabela 3. Frequência da categoria “implicações negativas da timidez na formação


docente”

UNIDADES DE ANÁLISE %

Sim, em atividades expositivas. 52%

Não. 38%

Sim, por ter vergonha de tirar dúvidas com professor. 10 %

Banco de dados do Núcleo PSIQUED, 2015.

A maioria dos estudantes afirmou que se sente prejudicada quando


necessita cumprir atividades que envolvem exposições orais e esse fato pode estar
relacionado ao medo de que sejam motivo de riso para as outras pessoas (ALMEIDA,
2006). Essa compreensão pode ser ilustrada pelo relato de um dos participantes:
“sim, pois às vezes o professor faz pergunta valendo ponto e eu sei responder, mas
não respondo com medo de estar errada e os outros alunos sorrirem de mim” (A1).
Para superar essas dificuldades, destacamos a importância das relações com a
família e os amigos que são construídas ao longo da vida (AXIA, 2003). A maioria dos
tímidos passam despercebidos pelos professores, por isso é importante estar
atentos, numa constante observação e elaborando estratégias didático-pedagógicas
diversas que promovam a inclusão e a participação desses alunos nas atividades
acadêmicas.

A relação com os professores

A tabela 4 evidencia as concepções dos estudantes acerca das relações com


o professor e se sua presença ou maneira como interage com os estudantes poderia

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 132


constituir um problema em relação à capacidade dos alunos em se expressar
livremente e participar das aulas, podendo afetar a aprendizagem dos alunos.

Tabela 4. Frequência da categoria “avaliação da relação com os professores em geral”

UNIDADES DE ANÁLISE %

Boa 55%

Regular 22%

Ótima 20 %

Péssima 3%

Banco de dados do Núcleo PSIQUED, 2015.

Diante das respostas obtidas, percebe-se que a maioria dos discentes


considera que possui uma boa relação com os professores, o que pode significar
que as relações sejam favoráveis ao desenvolvimento de atividades como
exposições orais e fazer perguntas em sala de aula.

Sentir-se à vontade para fazer perguntas durante as aulas

A tabela 5 se refere a pergunta que visava compreender se os alunos


sentiam-se a vontade de perguntar ao professor quando não compreendia o
assunto.

Tabela 5. Frequência da categoria “sentir-se à vontade para fazer perguntas durante as


aulas”

UNIDADES DE ANÁLISE %

Sim 39%

Às vezes 33%

Não 28%

Banco de dados do Núcleo PSIQUED, 2015.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 133


Diante das respostas, pode-se perceber que nem sempre os alunos relatam
que há interferência negativa da timidez em relação à aprendizagem. A maioria dos
participantes alegou que se sente à vontade de questionar e existem diversas
razões para que eles respondessem dessa maneira, o que se deve compreender é
que a timidez se manifesta de forma diferente em cada indivíduo e em situações
únicas, no medo de falar em público, no levantar da cadeira, perante a exposições
(Mascarenhas, 2007).

Acolhimento do professor aos acadêmicos tímidos

Nessa categoria, buscou-se conhecer se os estudantes se sentiram apoiados


pelos professores nos momentos em que passaram pela experiência de timidez e
enfrentaram dificuldades em relação ao cumprimento das atividades acadêmicas. As
unidades de análise encontradas estão na tabela 6.

Tabela 6. Frequência da categoria “acolhimento do professor aos acadêmicos tímidos”

UNIDADES DE ANÁLISE %

Não 57%

Às vezes 20%

Não responderam 13%

Sim 10%

Banco de dados do Núcleo PSIQUED, 2015.

De acordo com as respostas obtidas, percebe-se que a maioria dos discentes


não se sentiram auxiliados por parte dos professores quando seu desempenho nas
atividades foi prejudicado pela timidez. Isso pode se dever ao fato de que a timidez
não seja vista necessariamente como um problema relevante no contexto de
aprendizagem acadêmica. Crawford e Taylor (2000) acreditam que se trata de um
sentimento tão forte que pode causar doenças físicas e psicológicas. É importante
que o professor busque conhecê-la, por meio da formação continuada, pesquisando

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 134


o tema em livros, internet, na tentativa de conhecer e formular novas estratégias que
promovam a interação do aluno nas atividades e no meio social.

O lugar da timidez frente ao processo de formação docente

Nesta questão, tinha-se o interesse de conhecer a concepção dos


estudantes acerca do quanto a experiência de timidez pode ser prejudicial à
formação docente, tendo em vista que se tratam de acadêmicos de cursos de
licenciatura cujo âmbito de atuação profissional é a educação, sobretudo o exercício
da docência. As respostas encontradas estão na tabela 7.

Tabela 7. Frequência da categoria “consequência da timidez na formação docente”

UNIDADES DE ANÁLISE %

Sim, evitam se expressar 37%


De vez em quando 23%
Não afeta 20%
Não respondeu 20%

Banco de dados do Núcleo PSIQUED, 2015.

De acordo com a maioria das respostas, grande parte dos discentes admite
que a timidez pode trazer consequências negativas à sua formação como futuro
docente, inclusive alguns ressaltam que precisam superá-la para ter um aprendizado
mais sólido. As respostas da tabela são corroboradas pelos seguintes relatos: “sim,
aqui dentro da universidade na hora das apresentações de trabalho” (A4); “às vezes,
pois não fico muito à vontade quando as pessoas estão olhando para mim enquanto
apresento algum conteúdo na frente” (A1); “não, pois não me considero tímida”
(A13).
Entretanto, apesar de a grande maioria considerar a timidez como algo que
pode impedir o pleno êxito da formação docente em si, um percentual ainda maior
de estudantes considera que a timidez pode atrapalhar seu desempenho em
atividades acadêmicas, conforme a categoria discutida anteriormente. Por um lado,

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 135


isso pode indicar que muitos estudantes acreditam que a timidez lhes pode
prejudicar em tarefas acadêmicas específicas, não chegando a comprometer o êxito
da formação docente em si. Por outro lado, os participantes podem também não
haver tomado consciência de que o não cumprimento satisfatório de várias destas
atividades acadêmicas em função da timidez pode, passo a passo, comprometer o
desenvolvimento das competências que deveriam ser alcançadas ao longo dos
cursos de licenciatura para favorecer o adequado exercício da docência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa apresentada teve como intuito discutir a timidez no processo de


formação docente sob a perspectiva de discentes de cursos de licenciatura de uma
instituição pública federal. Os dados coletados e analisados levaram a uma
compreensão de que a timidez não deve ser resumida apenas ao medo diante do
público ou a questões que são geradas pelo próprio tímido, mas que se trata de algo
mais profundo e que abrange todas as instâncias da vida da pessoa tímida.
Promover a interação em sala de aula, é papel fundamental do professor, que deve
levar em consideração as particularidades e dificuldades de cada discente,
principalmente do aluno tímido.
A principal questão norteadora desse trabalho era responder como a
timidez, enquanto componente subjetivo, interfere na formação docente, segundo
universitários de Floriano/PI. A partir desse objetivo geral e através da análise dos
dados e das discussões, puderam ser constatadas diversas consequências da
timidez no processo formativo no ensino superior.
Assim, foram traçados objetivos específicos, em que a partir das respostas
dos participantes constatou-se que a maioria dos participantes relataram ser tímidos
e que os professores em geral não os apoiaram, não dando a devida atenção quando
necessitaram. Talvez essa realidade possa ser explicada por dois motivos: primeiro o
fato de muitos professores entenderem a timidez como algo irrelevante na
construção do conhecimento, e segundo, à falta de informação sólida acerca da
timidez e de suas causas e consequências. Outra interpretação possível é que os

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 136


professores podem ter oferecido apoio e que este não foi percebido pelos
estudantes, tendo em vista que a pesquisa aborda não as situações reais, mas as
concepções dos estudantes acerca de suas experiências subjetivas em relação ao
tema. Isso significa dizer, que não é suficiente que o professor ofereça apoio aos
estudantes, sendo necessário que estes também percebam como apoio
determinados elementos da atuação do professor.
Espera-se que a pesquisa contribua com o debate acerca de uma realidade
preocupante e tão pouco estudada no âmbito educativo, podendo provocar diversas
consequências na comunidade acadêmica, como falta de ânimo, sentimento de
inferioridade, dificuldades no desenvolvimento das atividades. Dessa maneira, para
somar-se às considerações apresentadas neste trabalho, sugerimos que outras
pesquisas sejam realizadas, especialmente abrangendo um número maior de
sujeitos e métodos de investigação que possam permitir uma análise mais ampla
sobre a temática, oferecendo dados relevantes desde várias perspectivas teóricas e
metodológicas.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 137


REFERÊNCIAS

ALMEIDA, M. Libertando da timidez e vergonha. Maringá: Massoni, 2006.

AXIA, G. A timidez: Um dote precioso do patrimônio genético humano. São


Paulo: Paulinas: Loyola, 2003.

COLL, C.; PALACIOS, J. & MARCHESI, A. (Orgs.). Desenvolvimento psicológico


e educação: Psicologia da Educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 2004.

CRAWFORD, L.; TAYLOR, L. Timidez, esclarecendo suas dúvidas. São Paulo:


Agora, 2000.

FELIX, T. S.; SANTOS, R. C. F.; NUNES, R. L. Uma discussão histórico-cultural


acerca do fenômeno da timidez e suas implicações no ambiente escolar
2012. Disponível em:
http://www.portalanpedsul.com.br/admin/uploads/2012/Psicologia_da_Ed
ucacao/Trabalho/06_21_11_2467-6846-1-PB.pdf. Acesso em: 10 out.
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GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2009.

FERREIRA, A. Timidez não a deixe falar por você. São Paulo: Exterior, 2010.

MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Metodologia científica. 5ed. São Paulo:


Atlas, 2009.

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Editora Leitura, 2007.

NÓVOA, A. Os professores e a sua profissão. 3 ed. Lisboa: Dom Quixote.


1997.

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experiências. In: L. E. Osteto. (Org.). Educação Infantil: saberes e fazeres da
formação do professor. Campinas, SP: Papirus, 2008. p.13-32.

PEREZ, J. B. L.; DIAS, M. A. D. Crianças tímidas: aprendizagem da criança


tímida e sua relação nos aspectos sócio afetivo. Revista de eventos

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 138


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Acesso em: 16 dezembro de 2015.

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes,


2002.

VERONESE, M. V; GUARESCHI, P. A. Hermenêutica de Profundidade na


Pesquisa Social. Revista de Ciências Sociais Unisinos. São Leopoldo – RS,
mai./ago., n. 2, v. 42, p. 85-93. Disponível em:
http://revistas.unisinos.br/index.php/ciencias_sociais/article/view/6019/3
19. Acesso em: 22 de nov. 2015.

VIEIRA, M. B. Timidez e exclusão/inclusão escolar: um estudo sobre


identidade. 2010. Dissertação (Mestrado em Psicologia da Educação)
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2010. 192p.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 139


CAPÍTULO 07

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 140


INTRODUÇÃO

Com o objetivo de discutir as concepções curriculares que influenciam,


atualmente, o ensino de Matemática nas séries iniciais do ensino fundamental,
analisamos a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) proposta para consulta
pública em 2015 no país, no diálogo com aspectos do documento curricular hoje em
vigor: os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). No diálogo com tais documentos,
percorremos o caminho das indagações no intuito de suscitar inquietações sobre um
momento tão profícuo para a temática currículo no cenário educacional brasileiro.
Interessou-nos, em especial, considerando a literatura existente, buscar respostas
nesse texto para as seguintes indagações: como são determinados os
conhecimentos de Matemática a serem trabalhados nos anos iniciais do Ensino
Fundamental nas escolas? Quem decide sobre as mudanças curriculares? Que ideias
de currículo na área de Matemática estão influenciando o documento proposto
como BNCC para o país?
Quando nos propomos a estudar a temática currículo, nos deparamos com
diferentes definições, conceitos e práticas que retratam as transformações históricas
sofridas pelo conceito ao longo de sua trajetória e expressam avanços e recuos nas
discussões educacionais, influenciados direta e indiretamente pelas dinâmicas
sociais no âmbito da tecnologia, da cultura e do mercado de trabalho. Embora não
tenhamos um consenso da sua definição, por considerá-lo um conceito complexo e
dinâmico, tomamos como base para discussão a definição de Macedo e Lopes
(2011) quando especificam o que há de comum ao que tem sido chamado de
currículo no cotidiano escolar: aquilo que faz referências à ideia de organização de
experiências, às situações de aprendizagem realizada por docentes, redes de ensino
a serem desenvolvidas no processo educativo.
Não tendo a pretensão de apresentar respostas prontas, trabalhamos na
perspectiva de provocar inquietações ,à luz da bibliografia consultada, sobre a
versão inicial do documento. A intenção foi contribuir para refletirmos sobre as
questões já inicialmente explicitadas, apontando indícios para a compreensão do
contexto histórico no qual elas emergem e levantando novos questionamentos de

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 141


forma que, ao considerarmos as evidências documentais e refletirmos sobre suas
implicações para o cenário educacional brasileiro, tenhamos mais clareza sobre as
ideias que o influenciam, tomando decisões condizentes com as nossas
possibilidades e aspirações em nível local, realçando reflexões que suscitem uma
abordagem discursiva de currículo (FOUCAULT, 2013).

CURRÍCULO: QUE DISCURSOS TÊM SUSTENTADO ESSA


CONSTRUÇÃO?

Nessa seção, não tivemos a intenção de fazer uma descrição linear da história
do currículo, mas realçamos aspectos conceituais relevantes consultados na
literatura e a influência dos mesmos no contexto educacional brasileiro, dando-nos
a perceber os aspectos da não neutralidade existente nos processos de decisão
curricular. Afinal, que concepções de currículo estão sinalizadas no desenvolvimento
da BNCC? Que atribuições são dadas à escola, ao professor e ao conhecimento?
Como o documento trata a organização do ensino? O que parece ser valorizado?
Que ausências estão sendo percebidas? Que acréscimos são colocados,
especificamente, na área de Matemática?
Ao refletirmos sobre concepções curriculares, discorreremos sobre situações
que nos remetem à compreensão de aspectos relacionados às permanências e
mudanças no âmbito do currículo. Segundo Hamilton (1992), a primeira menção do
termo currículo deu-se em 1633 referindo-se a um curso inteiro seguido pelos
estudantes. Ele emerge, portanto, no contexto universitário, nos registros da
Universidade de Glasgow. Esse termo foi também relacionado a noção de disciplina,
tendo sido atribuído às ideias de John Calvin. De acordo com Hamilton (1992 apud
GOODSON, 2013, p. 32):

[...] a ideia de disciplina, -‘essência mesma do Calvinismo’- começava


a denotar os princípios internos e o aparato externo do governo civil
e da conduta pessoal. Dentro dessa perspectiva percebe-se uma
relação homóloga entre currículo e disciplina: o currículo era para a
prática educacional calvinista o que era a disciplina para a prática
social calvinista.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 142


Nesta associação com a noção de disciplina, observa-se a presença da ideia
de currículo como prescrição, com vistas ao controle do trabalho docente. O que isso
significa? O que isso representa para o âmbito educacional? O currículo prescrito
não se limita a convenções normativas produzidas nos gabinetes das secretarias
federais, estaduais ou municipais de educação, mas relaciona-se, também, com a
nossa ação como professores que registramos as nossas aulas, anunciando as nossas
escolhas e os procedimentos de ensino e de avaliação. O fato de prescrever algo,
determinando o que seria mais adequado ao ensino, induz-nos a questionar: quem
está autorizado a produzir tal prescrição? Que critérios têm sido utilizados para
validar um ou outro conteúdo curricular? Como esse processo afeta, de modo mais
amplo, a educação? Essas questões têm nos permitido refletir acerca da construção
dos currículos e, em especial, do nosso papel como professores (e formadores de
professores) nesse processo. Elas nos possibilitam, também, refletir sobre as
decisões curriculares em meio ao processo de consulta pública e de validação da
BNCC no âmbito da educação brasileira.
Somam-se aos questionamentos anteriores outras indagações, mais
diretamente relacionadas aos mecanismos de controle social. Afinal, no documento
analisado, existe preocupação em considerar os interesses pelas experiências de
crianças e jovens no contexto da educação? A escola e o currículo foram
explicitamente considerados como importantes instrumentos de controle social? Há
indícios da volta da eficiência e eficácia como palavras-chave no processo
formativo? O que é proposto atualmente na BNCC valoriza como processo de
racionalização os resultados educacionais cuidadosamente mensurados? Como o
documento relaciona currículo e avaliação? Ele teria influências de quais teorias
e/ou autores do campo? Comparece nele o que Stephen Ball (2001) tem descrito
como o “paradigma da performatividade”? Afinal, a performatividade tem sido
concebida por Ball (2001) como uma tecnologia, um modo de regulação que serve
para incentivar a produtividade a partir de sanções e de recompensas, que podem
estar sendo utilizadas como forma de controle das ações do professor, incentivando
uma competitividade sem limites. Na visão de Moreira (2012), esta não tem
contribuído para a autonomia desse profissional no desenvolvimento de práticas

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 143


pedagógicas, afetando as subjetividades dos indivíduos em meio às incertezas e
inseguranças, sendo um empecilho enquanto mecanismos que cerceiam o ato de
pensar e responsabilizar-se pelo fazer em educação.
Silva (2013, p. 08) ressalta que o processo de fabricação do currículo não é
“um processo lógico, mas um processo social [...] [que] não é apenas o resultado de
processos “puros” de conhecimento [...] [e] não é constituído de conhecimentos
válidos, mas de conhecimentos considerados socialmente válidos”. Dessa forma,
demanda pensar a organização e hierarquização dos conteúdos no processo de
escolarização, uma vez que tais processos não sendo neutros, têm na sua
constituição mecanismos que se fazem presentes na seleção dos conteúdos
ensinados e aprendidos em sala de aula. Ressalta também que essas decisões não
acontecem sem conflitos, uma vez que “os diferentes grupos se digladiam para
impor seus pontos de vista sobre qual é o conhecimento digno de ser transmitido às
futuras gerações” (SILVA, 2013, p.09).
E sobre a participação dos diferentes sujeitos e grupos nas decisões
curriculares, Goodson (1997) também percebe esses processos sendo produzidos
em meio a comunidades disciplinares heterogêneas e plurais, o que nos faz
compreendê-la em meio a tensões, necessitando de negociações no âmbito de
disputas “em relação a status, recursos e território” (GOODSON,2001,p.101). Como
parte de tais comunidades, somos instados a nos manifestar sobre aspectos
relacionados à programas de ensino, materiais didáticos etc., sendo a consulta
pública sobre o documento da BNCC um interessante exemplo de como os
diferentes grupos vêm disputando, no âmbito da comunidade disciplinar ligada à
Educação Matemática, os currículos da Educação Básica no país.
Macedo (2014), ao discutir a constituição da BNCC no país, destaca a sua
preocupação com os agentes públicos e privados que têm atuado para a construção
de hegemonias em currículo e educação, argumentando o quanto os modelos
privados de gestão e a criação de uma forma de regulação baseada na avaliação têm
influenciado as discussões na área. Para a autora, portanto, necessitamos estar
atentos para os rumos que serão dados nesse debate, conscientes de que a
discussão sobre currículo, bem como sobre as mudanças curriculares, não estão

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 144


ilesas de interesses diversos. Lembremos Foucault (2008, p. 8-9) quando nos fala:
“[...] em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada,
selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm
por função conjurar seus poderes e perigos [...]”, portanto na elaboração de um
documento dessa natureza, não podemos esquecer os interditos.
A BNCC considera somente conhecimentos examináveis, em articulação com
o sistema de avaliação implantado no país? Ao pensarmos em conhecimentos
examináveis, devemos pensar em uma razão para torná-los comuns? Esse comum
refere-se, necessariamente, a uma igualdade de oportunidades no acesso ao
conhecimento valorizado? Ao pensar na escolha de conhecimentos comuns para
realidades tão diversificadas, tornou-se oportuno pensar sobre outros elementos
que contribuem para homogeneizar ou diferenciar os currículos. Interessou-nos,
então, refletir sobre o quanto a BNCC tem o poder de definir o currículo, na medida
em que este, embora seja o “principal identificador e mecanismo de diferenciação
social, [conferindo-lhe] posição definitiva na epistemologia da escolarização”
(GOODSON, 2013, p. 35), não é capaz de controlar totalmente as decisões e ações
curriculares. Afinal, ainda que partindo das mesmas ideias e estando no mesmo
espaço físico, dependendo do nível sócio econômico e cultural, determinados
estudantes podem absorver conhecimentos de forma diferenciada de outros
estudantes.
No documento analisado – a BNCC –, a defesa desse comum tem como
objetivo sinalizar percursos de aprendizagem e o desenvolvimento dos estudantes
ao longo da Educação Básica como vias para garantir o direito à educação. Ele realça,
entre outros aspectos, que não é a escola a única responsável pela garantia dos
direitos às condições dignas de vida, mas que ela deve, ao longo de toda a Educação
Básica, mobilizar recursos de todas as áreas do conhecimento, de forma articulada e
progressiva, para:

O desenvolvimento de múltiplas linguagens como recursos próprios;


o uso criativo e crítico dos recursos de informação e comunicação; a
vivência de uma cultura como realização prazerosa; a percepção e o
encantamento com as ciências como permanente convite à dúvida; a
compreensão da democracia, da justiça e da equidade como
resultados de contínuo envolvimento e participação (BNCC, 2015, p.
8-9).

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 145


Vale ressaltar, nesse documento, a preocupação com o uso social dos
conhecimentos como forma de capacitar os indivíduos a tomar decisões, de maneira
individual e coletiva, no enfrentamento de problemas práticos. É nesse contexto que
emerge a relevância da escola como um ambiente de vivência cultural, de
corresponsabilização, de intercâmbio de informações e promotora de situações que
oportunize aos alunos se apropriarem de diferentes linguagens, com vistas à
preparação para a vida, tomando parte da condução dos destinos sociais (BNCC,
2015, p. 8). É em meio a essa perspectiva de corresponsabilização entre escola e
comunidade no processo educativo, no intuito de promover condições para que a
primeira seja de fato protagonista social e cultural no país, que o documento
enfatiza a relevância de um ambiente acolhedor, estabelecendo vínculos afetivos na
promoção de socialização na Educação Infantil, e que “o brincar em suas diversas
manifestações seja contexto promotor do conhecimento de si, do outro e do
mundo, em interações amistosas e nas quais se cultivem o cuidado consigo mesmo
e com o outro[...]”(BNCC, 2015, p. 09). Já nas séries iniciais do ensino fundamental, a
recomendação passa por trabalhar o conhecimento em uma perspectiva
interdisciplinar, integrando as diversas áreas a partir de atividades lúdicas, centradas
no letramento e na ação alfabetizadora. E ao se referir aos anos finais do Ensino
Fundamental, o documento complementa:

Nesta etapa há a inserção de novos componentes curriculares, a


cargo de diversos professores, o que requer que sejam
compartilhados os compromissos com o processo de letramento em
suas dimensões artísticas, científicas, humanísticas, literárias e
matemáticas. Por isso, demanda-se uma articulação interdisciplinar
consistente, considerando a convergência entre temáticas
pertinentes às diferentes áreas do conhecimento [...] (BNCC, 2015,
p.9).

Nos anos finais do Ensino Fundamental, o documento coloca como uma


importante questão para os vários componentes curriculares a articulação dos
conhecimentos, bem como a adequação ao tratamento que deve ser dado à
dimensão lúdica das práticas pedagógicas, de acordo com os interesses próprios à
faixa etária dos educandos. Por fim, no Ensino Médio, o documento permanece

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 146


ressaltando a relevância dessa articulação interdisciplinar, bem como entre
formulação teórica e aplicações práticas, numa perspectiva de “tratar questões
econômicas, sociais, de obtenção e distribuição de energia e de sustentabilidade
socioambiental, envolvendo, por exemplo, sociologia, geografia e ciências naturais
(BNCC, 2015, p.9).

A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR (BNCC) E A ÁREA DA


MATEMÁTICA

O documento preliminar propõe-se a atender às recomendações das


Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica e do Plano Nacional
de Educação. Constitui-se em um documento apresentado à consulta pública e
reúne direitos e objetivos de aprendizagem relacionados às quatro áreas do
conhecimento –Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas –,
com seus respectivos componentes curriculares para todas as etapas da Educação
Básica. Ele traz, como ponto de partida, a consideração dos direitos de
aprendizagem e é constituído por conhecimentos considerados fundamentais para
todos os estudantes no país, isto é, que formarão a base comum do currículo de
todas as escolas brasileiras, devendo ser acrescidos de uma parte diversificada a ser
construída no diálogo com a realidade de cada escola, considerando a cultura local e
as “experiências e conhecimentos que devem ser oferecidos aos estudantes no
processo de escolarização”(BNCC, 2015, p. 15).
Está expresso no documento o desejo de superar a fragmentação do
currículo escolar, a partir da integração e da contextualização dos conhecimentos,
estabelecendo critérios de relevância e pertinência que são materializados em eixos
em torno dos quais são organizados os objetivos de aprendizagem. Estes têm como
objetivos articular os componentes de uma mesma área, bem como as diferentes
etapas de escolarização. Para essa integração entre os componentes de uma mesma
área do conhecimento ou em diferentes áreas, são estabelecidos os seguintes temas
integradores: “consumo e educação financeira; ética, direitos humanos e cidadania;

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 147


sustentabilidade; tecnologias digitais e culturas africanas e indígenas” (BNCC, 2015,
p.16).
Neste trabalho, escolhemos fazer referências aos anos iniciais do Ensino
Fundamental na área de Matemática e, nessa análise, situar a BNCC no que diz
respeito ao princípio quarto, que determina o currículo como promotor da
capacidade dos educandos em:

Se expressar e interagir a partir das linguagens do corpo, da fala, da


escrita, das artes, da matemática, das ciências humanas e da
natureza, assim como informar e se informar por meio dos vários
recursos de comunicação e informação (BNCC, 2015, p.7).

Neste sentido, compreendemos o acesso ao conhecimento matemático


como um direito do indivíduo e como ferramenta básica para o exercício da
cidadania, favorecendo meios de compreender e de intervir na realidade vivenciada.
Tal perspectiva nos parece confirmada na área de Matemática, uma vez que o
documento expressa o reconhecimento do papel desta no acesso à cidadania, em
uma perspectiva de trabalhá-la a partir de atribuição de significados aos
conhecimentos, bem como de compreendê-la como uma construção e não como um
conhecimento pronto e acabado. Nesse movimento, os eixos elencados para a
organização dos conteúdos são: “Geometria; Grandezas e Medidas; Estatística e
Probabilidade; Números e Operações; Álgebra e Funções”(BNCC, 2015, p. 120).
O que se percebe de diferente, inicialmente, na abordagem dos conteúdos
de Matemática quando comparado ao documento oficial ainda em vigor – os PCN
para o Ensino Fundamental – são mudanças nos termos e na organização dos
mesmos. Afinal, o que antes se denominavam blocos de conteúdos, compostos por
Números e Operações, Espaço e Forma, Grandezas e Medidas e Tratamento da
Informação, agora são tratados como eixos, sendo acrescidos de Álgebra e Funções,
e com algumas substituições como, por exemplo: de tratamento da Informação
passa a tratar por Estatística e Probabilidade; de Espaço e Forma para Geometria.
Tais mudanças vão muito além da nomenclatura, uma vez que implicam em
demandas para o ensino, a formação inicial e continuada, afetando escolas,
professores, estudantes e materiais didáticos, entre outros aspectos.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 148


Entendemos essas mudanças em meio às estabilidades que vieram
constituindo, historicamente, o currículo de Matemática para os anos Iniciais do
Ensino Fundamental no país, em um movimento no qual “a estabilidade e a mudança
nos currículos escolares não são processos excludentes, mas que, ao contrário, em
certos casos são exatamente as modificações geradas pela incorporação de certas
inovações que colaboram para a estabilidade das diferentes disciplinas escolares”
(FERREIRA, 2005, p. 6). É em meio a tal movimento que percebemos, portanto, as
inovações curriculares que emergem na BNCC.
Sobre os aspectos de uma prática pedagógica bem sucedida, o documento
sugere ações voltadas para a valorização dos conhecimentos prévios dos alunos,
bem como o estímulo à participação efetiva na construção dos conhecimentos
matemáticos. A ideia é situar e contextualizar as situações ou problemas e
oportunizar a elaboração de hipóteses, bem como a testagem das mesmas, com
vistas a facilitar a compreensão das relações que são estabelecidas entre as diversas
áreas do conhecimento, atribuindo-lhes significado. No que se refere ao processo de
compreensão de aspectos relacionados à representação simbólica, o documento em
análise recomenda a apropriação das diferentes maneiras de interpretar e aprender
Matemática e, nesse contexto, sugere a exploração de três momentos distintos e
ordenados para aprender: no primeiro momento “deve-se fazer matemática, no
segundo momento registros de representações pessoais e no terceiro [momento]
apropriar-se dos registros formais”(BNCC, 2015, p. 117). Portanto, aquilo que tem
sido considerado central nos currículos da disciplina escolar – os “registros formais”
– está sugerido como uma terceira etapa no processo de ensino-aprendizagem e
deslocado do “fazer matemática”, em meio aos seguintes objetivos:

Estabelecer conexões entre os eixos da matemática e entre essa e


outras áreas do saber; Resolver problemas, criando estratégias
próprias para a sua resolução, desenvolvendo a imaginação e
criatividade; raciocinar, fazer abstrações com base em situações
concretas, generalizar, organizar e representar; Comunicar-se
utilizando as diversas formas de linguagem empregadas em
matemática; Utilizar a argumentação matemática apoiada em vários
tipos de raciocínio (BNCC, 2015, p.118).

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 149


Tais objetivos evidenciam um modo de perceber a Matemática como um
instrumento para a aprendizagem também de outras áreas do conhecimento,
atribuindo-lhe uma maior importância nos currículos escolares, uma vez que o
“significado da Matemática para o aluno resulta das conexões que ele estabelece
entre ela e as demais disciplinas, entre ela e seu cotidiano e das conexões que ele
estabelece entre os diferentes temas matemáticos” (BRASIL, 1997,p. 15). Tal
movimento encontra sintonia com o que vem sendo historicamente defendido para
o ensino da Matemática, aspecto que se expressa em finalidades de certo modo
estáveis para os anos iniciais do ensino fundamental.
É nesse contexto que o documento da BNCC mantém os objetivos previstos
nos PCN, em um movimento no qual junta e separa conteúdos, exclui certos termos
e modifica a redação de outros, além de acrescentar eixos a serem trabalhados
desde o primeiro ano do Ensino Fundamental, como é o caso da introdução de
probabilidade e estatística e álgebra e funções. Nesse aspecto, vale observar, por
exemplo, as semelhanças entre o primeiro objetivo dos PCN e o primeiro e o
segundo objetivos para o Ensino Fundamental do documento em análise, que
acrescenta o desenvolvimento de capacidades não somente de resolver problemas,
mas de criá-los, elaborá-los, conforme se pode verificar nos trechos a seguir:

[1] identificar os conhecimentos matemáticos como meios para


compreender e transformar o mundo à sua volta e perceber o caráter
de jogo intelectual, característico da matemática, como aspecto que
estimula o interesse, a curiosidade, o espírito de investigação e o
desenvolvimento da capacidade para resolver problemas (BRASIL,
2007, p. 51).
[1]identificar os conhecimentos matemáticos como meios para
compreender o mundo à sua volta. [2] desenvolver o interesse, a
curiosidade, o espírito de investigação e a capacidade para
criar/elaborar e resolver problemas (BNCC, 2015, p.118).

O mesmo pode ser percebido entre o segundo objetivo dos PCN e o terceiro
objetivo proposto na BNCC, ainda que com algumas supressões de termos, sofrendo
algumas modificações na redação:

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 150


[2] fazer observações sistemáticas de aspectos quantitativos e
qualitativos do ponto de vista do conhecimento e estabelecer o
maior número possível de relações entre eles, utilizando para isso o
conhecimento matemático (aritmético, geométrico, métrico,
algébrico, estatístico, combinatório, probabilístico); selecionar,
organizar e produzir informações relevantes, para interpretá-las e
avaliá-las criticamente (BRASIL, 2007, p. 51).
[3]fazer observações sistemáticas de aspectos quantitativos e
qualitativos presentes nas práticas sociais e culturais, sabendo
selecionar, organizar e produzir informações relevantes, para
interpretá-las e avaliá-las criticamente (BNCC, 2015, p.118).

Como podemos observar, na redação do terceiro objetivo das BNCC foi


excluída a expressão “resolver situações-problema”, uma vez que a mesma, como já
mencionado, já se encontra presente no segundo objetivo. Tal expressão vinha
aparecendo no terceiro objetivo dos PCN, ao lado da utilização de “instrumentos
tecnológicos disponíveis”, que se transforma em “recorrer às tecnologias digitais”
para articular “conceitos matemáticos” e “práticas sociocientíficas” no sétimo
objetivo do documento analisado:

[3] resolver situações-problema, sabendo validar estratégias e


resultados, desenvolvendo formas de raciocínio e processos, como
dedução, indução, intuição, analogia, estimativa, e utilizando
conceitos e procedimentos matemáticos, bem como instrumentos
tecnológicos disponíveis (BRASIL, 2007, p. 51).
[7]recorrer às tecnologias digitais a fim de compreender e verificar
os conceitos matemáticos nas práticas sociocientíficas (BNCC, 2015,
p.118).

No documento da BNCC, o quarto objetivo proposto guarda correspondência


com o quinto objetivo expresso nos PCN, tendo sido ampliado por meio da adoção
do significante “eixo” substituindo “tema” e da explicitação de quais eixos seriam
esses: “Álgebra e Funções”; “Estatística e Probabilidade”; “Geometria”; “Grandezas e
Medidas”; “Números e Operações”.

[5] estabelecer conexões entre temas matemáticos de diferentes


campos e entre esses temas e conhecimentos de outras áreas
curriculares(BRASIL, 2007, p. 51).

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 151


[4] estabelecer relações entre conceitos matemáticos de um mesmo
eixo e entre os diferentes eixos (Geometria, Grandezas e Medidas,
Estatística e Probabilidade, Números e Operações, Álgebra e
Funções), bem como entre a Matemática e outras áreas do
conhecimento (BNCC, 2015, p. 118).

No que se refere ao quinto objetivo proposto no documento, ele encontra-


se relacionado ao quarto objetivo dos PCN, tendo sido suprimido apenas alguns
termos sem que isso alterasse o conteúdo, conforme se pode observar:

[4] comunicar-se matematicamente, ou seja, descrever, representar e


apresentar resultados com precisão e argumentar sobre suas
conjecturas, fazendo uso da linguagem oral e estabelecendo
relações entre ela e diferentes representações matemáticas (BRASIL,
2007, p. 51).
[5] comunicar-se matematicamente (interpretar, descrever,
representar e argumentar), fazendo uso de diferentes linguagens e
estabelecendo relações entre ela e diferentes representações
matemáticas (BNCC, 2015, p.118).

Tal estabilidade igualmente aparece no sexto objetivo proposto na BNCC, que


reúne aspectos do sexto e do sétimo objetivos dos PCN. Como podemos evidenciar
a seguir, as alterações na redação do documento oficial não modificam, igualmente,
o conteúdo desses objetivos anteriores:

[6] sentir-se seguro da própria capacidade de construir


conhecimentos matemáticos. Desenvolvendo a autoestima e a
perseverança na busca de soluções. [7] interagir com seus pares de
forma cooperativa, trabalhando coletivamente na busca de soluções
para problemas propostos, identificando aspectos consensuais ou
não na discussão de um assunto, respeitando o modo de pensar dos
colegas e aprendendo com eles (BRASIL, 2007, p. 51).
[6] desenvolver a autoestima e a perseverança na busca de soluções,
trabalhando coletivamente, respeitando o modo de pensar dos/as
colegas e aprendendo com eles/as(BNCC, 2015, p.118).

Ainda estabelecendo relações entre os PCN voltados para os anos iniciais do


ensino fundamental e o documento proposto como BNCC para esse nível de ensino,
observamos que, no que se refere à organização curricular, enquanto o primeiro
apresentava-se por ciclos, o segundo opera por meio de objetivos de aprendizagem

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 152


que devem ser esperados por série/ano nos respectivos eixos do primeiro ao nono
ano do Ensino Fundamental, por exemplo: No eixo Geometria no 2º ano do Ensino
Fundamental

1-Identificar e descrever deslocamentos e localização de pessoas e


objetos no espaço, considerando pontos de referência; 2-
Reconhecer as representações de figuras geométricas espaciais
(cubo, bloco retangular, pirâmide, cone, cilindro e esfera)
relacionando-as com objetos do mundo físico; 3- Descrever,
comparar, nomear e classificar figuras planas (circulo, triângulo,
quadrado, retângulo) por características comuns, apresentadas em
diferentes posições, ou seja, com e sem lados paralelos ás bordas da
folha de papel (BNCC, 2015, p. 123)

Enquanto nos Parâmetros Curriculares Nacionais comparece por ciclos,


expressando as competências que se espera que um aluno desenvolva até o final do
1º ciclo.

1-Localização de pessoas ou objetos no espaço, com base em


diferentes pontos de referência e algumas indicações de posição; 2-
Movimentação de pessoas ou objetos no espaço, com base em
diferentes pontos de referência e algumas indicações de direção e
sentido;3- Descrição da localização e movimentação de pessoas ou
objetos no espaço, usando sua própria terminologia;4-
Dimensionamento de espaços, percebendo relações de tamanho e
forma;5- Interpretação e representação de posição e de
movimentação no espaço a partir da análise de maquetes, esboços,
croquis e itinerários;6- Observação de formas geométricas presentes
em elementos naturais e nos objetos criados pelo homem e de suas
características: arredondadas ou não, simétricas ou não, etc;.7-
Estabelecimento de comparações entre objetos do espaço físico e
objetos geométricos — esféricos, cilíndricos, cônicos, cúbicos,
piramidais, prismáticos — sem uso obrigatório de nomenclatura.;8-
Percepção de semelhanças e diferenças entre cubos e quadrados,
paralelepípedos e retângulos, pirâmides e triângulos, esferas e
círculos.;9- Construção e representação de formas geométricas (
BRASIL,1997, p. 51).

Expressam assim, diferenças na abordagem dos conteúdos, uma vez que são
especificados os conteúdos conceituais e procedimentais a serem trabalhados no
primeiro ciclo e num apanhado geral em separado, os conteúdos atitudinais,
enquanto na BNCC (2015) não faz referências a essa classificação.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 153


No Brasil, temos consolidado um Sistema de Avaliação Educacional que vem
influenciando, de modo significativo, a reconfiguração do nosso sistema de ensino.
Assim, podemos inferir que tal construção vem se dando a partir do trabalho
sistematizado já iniciado na experiência avaliativa com habilidades e competências
orientadas por descritores da matriz de referência para a Prova Brasil no ensino
fundamental e o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Nessa perspectiva,
podemos perceber a BNCC como uma possibilidade de criação de um patamar de
oportunidades mais fortemente igualitárias? Considerando que nas avaliações
sistêmicas têm se verificado diferentes níveis de aprendizagem, entendemos que, a
despeito das críticas que têm sido feitas aos testes padronizados e suas relações
com o estabelecimento de políticas neoliberais para a área da educação, as
informações produzidas certamente podem subsidiar políticas públicas voltadas
para a diminuição das desigualdades sociais.
Com base no que já foi explicitado, trazemos algumas indagações: Na BNCC,
a produção e a implementação do currículo são processos integrados? Que
abordagens são predominantes? O documento defende a possibilidade de uma
escola que, mesmo trabalhando com capitais culturais diferentes, pode desenvolver
ações de equidade? Que conhecimentos são favorecidos no currículo? Nele, a
elaboração curricular é percebida como um processo social? Estas e outras
indagações constituem focos a serem observados nos rumos que serão dados ao
referido documento em um futuro próximo. Nós, como participantes da comunidade
disciplinar voltada para a Educação Matemática, temos pensado nesse movimento
como uma oportunidade para reorganizarmos as nossas certezas, aquilo que está
posto e constitui-se como verdades (FOUCAULT, 2013) almejando melhorias para o
sistema educacional do país. Afinal, o currículo não forma somente o aluno, mas o
próprio conhecimento, uma vez que seleciona e define o que é(e o que não é) objeto
de escolarização. Nessa perspectiva, cabe indagar que concepção de conhecimento
que está sendo valorizada na BNCC: “o conhecimento poderoso” ou o
“conhecimento dos poderosos” (YOUNG, 2013, p. 15)?
Pensar o conhecimento matemático no currículo escolar remete-nos,
também, a discutir sobre alguns modos de ver e conceber o ensino de Matemática

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 154


no Brasil. Dando-nos a conhecer que na forma de pensar esse ensino também estão
presentes os movimentos de estabilidade e mudanças já mencionados e que não se
pode pensar que isso é natural, mas, historicamente construído. Tomando como
referência a contribuição de Fiorentini (1995),discorremos sobre seis tendências
que resumem as concepções sobre o tema: a formalista clássica, a empírico-ativista, a
formalista moderna, a tecnicista, a construtivista e a socioetnocultural. A concepção
formalista clássica constitui-se em uma concepção inatista, “com uma visão estática,
a-histórica e dogmática das ideias matemáticas, como se existissem independentes
dos homens” (FIORENTINI, 1995, p.6). O currículo, nesse caso, se constituiria dos
conhecimentos preexistentes, que não são construídos pelo homem. Já na tendência
empírico-ativista o currículo deve ser organizado a partir dos interesses dos alunos e
deve atender ao seu desenvolvimento psicobiológico, enquanto na formalista
moderna, com o movimento da Matemática Moderna, após detectar a defasagem
entre o progresso científico-tecnológico da nova sociedade e o currículo escolar
adota-se uma abordagem internalista da Matemática, valorizando as estruturas
algébricas, teorias dos conjuntos e relações e funções.
Na tendência formalista moderna, predomina a influência do Movimento da
Matemática Moderna (MMM), no qual se tem uma preocupação em retomar o
formalismo matemático, dando prioridade ao rigor e às transformações algébricas
por meio das propriedades estruturais. A influência tecnicista que se impõe no Brasil
em meio aos acordos MEC-USAID, cuja orientação centrava-se na racionalidade,
eficiência e produtividade – valores herdados dos EUA em que se pretendia inserir a
escola nos modelos de racionalização do sistema de produção capitalista –
,repercutiu também no ensino de Matemática. Em uma espécie de associação entre
o MMM e o tecnicismo pedagógico, produzimos um ensino que trabalha a
Matemática pela Matemática, buscando formar indivíduos que dominem as regras,
fórmulas e seus aspectos estruturais em detrimento ao significado epistemológico
dos conceitos.
Nessa perspectiva, de acordo com Fiorentini (1995, p. 16), se “enfatiza o
lógico sobre o psicológico, o formal sobre o social, o sistemático – estruturado sobre
o histórico; por que trata a matemática como se ela fosse neutra e não tivesse

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 155


relação com interesses sociais e políticos ”.Foi nesse mesmo período, no entanto,
que vieram crescendo as críticas à educação oficial, surgindo importantes
discussões que estabeleceram relações entre currículo, ideologia e poder. Pensando
o currículo como um instrumento de dominação ideológica (APPLE, 1982), foram
desenvolvidas teorias críticas realçando o entendimento de que o currículo não
pode ser analisado fora da sua constituição histórica e social. Nessa perspectiva, de
cunho sociológico, o currículo passou a ser visto como “uma área contestada, é
arena política” (MOREIRA, 1995, p. 21).
As teorias críticas vão influenciar de modo crescente o campo educacional e,
no caso desse trabalho, as concepções mais contemporâneas de ensino de
Matemática. Fiorentini (1995) aponta que, na tendência construtivista, o
conhecimento matemático não resulta nem diretamente do mundo físico e nem de
mentes humanas isoladas do mundo. Ele resulta da ação-interação do homem com o
ambiente e busca na Psicologia o seu embasamento teórico. Já a tendência
socioetnocultural busca na própria instituição escolar, na cultura de sala de aula, as
explicações para o processo de fracasso escolar. Para Fiorentini (1995, p. 25),é
“frente à crítica à educação bancária e à valorização do saber trazido pelo aluno e [...]
à sua capacidade de produzir saberes sobre a realidade, é que se esboça a
tendência socioetnocultural”.
De que forma a BNCC (2015) dialoga com as tendências do ensino de
Matemática? Há perspectivas de considerar diferentes tendências? Não queremos
com isso dizer que a BNCC deve enquadrar-se numa tendência, mas relevante se
faz que tomemos conhecimento da diversidade de concepções para que possamos
compreender determinados encaminhamentos propostos e assim, trabalhar no
fortalecimento da formação docente, bem como investir em possibilidades do
professor acolher a construção da tendência que mais se adequada às suas
expectativas, enquanto profissionais comprometidos com a qualidade do ensino,
sem renegar os direitos de aprendizagens dos alunos.
Goodson (1997), ao considerar o currículo como um artefato social, dá-nos a
entender que este não é neutro, mas atende a determinadas finalidades sociais e,
por isso, não se constitui como algo imutável. No diálogo com Ferreira (2013, 2014),

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 156


compreendemos que, além de perceber os currículos como socialmente construídos,
interessa-nos investigar os próprios discursos que os constituem (e que nos
constituem) historicamente. Interessando-nos por compreender o currículo como
uma prática discursiva, no sentido proposto por Foucault (2013), considerando que
sua construção é discursivamente produzida em meio a relações produtivas e
microfísicas de poder.
Tem espaço para uma análise discursiva de currículo na BNCC? Que
contribuições seriam acrescentadas? Nessa perspectiva Moreira (2004) esclarece
que,

É indiscutível que reflexões sobre saber, poder, subjetividade, ética,


linguagem, discurso, [...] são indispensáveis para os que se dedicam
ao ofício de pensar e fazer currículos e que reconhecem o quanto as
complexas práticas e relações implicadas nessas tarefas ainda
precisam ser problematizadas e compreendidas.(p. 614).

Constituiria nesta opção de pensar o currículo uma forma de desnaturalizá-


lo? Compreendendo que são múltiplas as questões e que as indagações feitas não
esgotam em si mesmas, não tivemos essa pretensão de abordar verdades, mas de
repensar como as verdades que estão postas foram ou estão sendo construídas
portanto, estejamos atentos aos discursos produzidos, aos enunciados que temos
evidenciados, os espaços constituídos de tensão, conscientes de que as decisões,
os direcionamentos não se dão sem conflitos, que a perspectiva de conhecimento e
poder estão concomitantemente em desenvolvimento, portanto, importante se faz
uma compreensão sócio histórica do currículo para que possamos compreender a
relevância de pensar a BNCC como uma construção que está sendo feita e nos é
solicitada a participação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Refletindo sobre as concepções de ensino que permeiam o documento em


análise, podemos perceber espaços que possibilitam vivências de uma pluralidade
de concepções sobre o ensino de Matemática, conduzindo-nos a perceber as

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 157


influências das concepções da contemporaneidade norteando tal documento, sem
contudo, delimitar essa ou aquela como verdades absolutas, mas realçando as
construções, as negociações que estão sinalizadas e nessa perspectiva,
compreendemos ser o currículo uma construção histórica e social e concebemos
relevante também as considerações sobre uma abordagem discursiva (FOUCAULT,
2013) do currículo, sendo para isso, necessário desapegar-se de concepções que o
tratem como um simples documento prescrito, desconsiderando quem dele
participou, os interesses que estão em jogo, bem como as negociações necessárias
para a sua existência.
No âmbito da situação analisada verificamos os movimentos de estabilidade
e mudanças a permear os diversos aspectos tratados no documento analisado,
confirmando a literatura sobre a temática em que se verifica que as mudanças
realçadas, por vezes contribuem para fortalecer a estabilidade no currículo. Dessa
forma, consideramos também relevante as diferentes abordagens a tratar a temática.
No entanto, nesse primeiro momento tínhamos a pretensão de levantar questões
para a discussão do documento colocado para consulta pública, tendo esse escrito,
o propósito de despertar no leitor inquietações que os conduzam a uma análise do
que estar por vir no âmbito do currículo no cenário brasileiro e busque formas de
participação nessas discussões. E nessa perspectiva, tal análise não se constituirá de
apenas uma constatação, mas de buscar transformações, uma vez que se acredita
que o que está posto como verdades, pode também ser diferente, portanto, a
comunidade é chamada a aprofundar tais reflexões.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 158


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POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 160


POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 161
INTRODUÇÃO

Ao longo da história da educação no Brasil a identidade do curso de


Pedagogia constitui-se em debate permanente porque as demandas para a formação
de professores também se alteram com as transformações socioculturais, políticas e
econômicas por que tem passado o país nas suas relações globais. Procuramos
refletir nesse texto acerca dessa identidade e das escolhas frente ao vasto
panorama de eixos formativos, elencados pela legislação e pela própria diversidade
dos campos de estudos que cercam a área e que vêm se fortalecendo na
contemporaneidade. Alguns estudiosos, dentre eles destacamos Libâneo (2005),
Pimenta (2011), Brzezinski (1996), Romanowski (2007) que analisam as propostas
de formação de professores no curso de Pedagogia, vêm se debruçando sobre a
temática da identidade profissional.
Tomando por base as pesquisas e estudos já realizados nessa linha de
investigação, iniciamos nossa escrita analisando algumas contradições, posto que ao
mesmo tempo que a legislação direcionada à área propõe a ampliação das
experiências de formação (nas séries iniciais do Ensino Fundamental, na Educação
Infantil, na Gestão Educacional, em espaços escolares e não-escolares, na Educação
de Jovens e Adultos, nas comunidades indígenas, do campo e remanescentes de
quilombos, dentre outras), delimita uma carga horária mínima de 3.200 horas para a
realização do curso. Então indagamos: quais direcionamentos e quais escolhas estão
sendo feitas na formatação das propostas de formação para o licenciado em
Pedagogia? Que identidade profissional está sendo construída nesse campo de
formação e como vem dialogando com a legislação e com as demandas de formação
de professores postas pela sociedade?
Nessa perspectiva, nosso estudo tem como objetivo, analisar a proposta de
formação do licenciando do curso de Pedagogia, destacando reflexões acerca das
dimensões curriculares e pedagógicas, vez que no levam a refletir sobre as áreas de
atuação do pedagogo e sua identidade, colaborando nas discussões sobre seu papel
profissional. Para tanto, propomos analisar os aspectos curriculares e pedagógicos
constantes no Projeto Pedagógico Curricular (PPC) do Curso de Pedagogia em

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 162


estudo10, referentes à dimensão técnico-pedagógica e seus fundamentos políticos e
refletir sobre as concepções que os estudiosos da educação apresentam no debate
acerca da identidade do curso de Pedagogia. Nesse debate procuramos descrever as
possibilidades de atuação do pedagogo, abrindo campo para problematizar a
temática da identidade docente e a formação de professores, haja vista que é um
curso de referencial teórico bastante amplo, o que leva em muitos casos a uma
ênfase na docência das séries iniciais do Ensino Fundamental e Educação Infantil.
O presente trabalho justifica-se pela própria urgência de ampliação dessas
reflexões, posto que no Brasil não identificamos um consenso sobre qual seria a
principal referência para se estabelecer as bases identitárias do pedagogo. Ao
ingressar no curso de Pedagogia, muitos licenciandos não têm uma visão definida
acerca da atuação do pedagogo, considerando que muito se fala sobre o espaço em
que esse profissional pode desempenhar sua função, porém ao mesmo tempo foca-
se bastante na docência, não especificando o quê o curso de Pedagogia propõe para
este futuro profissional. Logo, buscamos pesquisar a respeito dessa temática,
essencialmente para tentar responder às diversas questões relacionadas à formação
desse profissional, refletir acerca de categorias próprias do campo teórico da
Pedagogia e que podem iluminar o problema, tais como as discussões relativas à
prática educativa como seu objeto, a relação com as demais ciências da educação, a
identidade profissional do pedagogo e seu papel diante da realidade
contemporânea e os diálogos necessários que precisa estabelecer com as urgências
sociais, no campo da cidadania e da emancipação humana.
Assim sendo, no decorrer do desenvolvimento da pesquisa questionamos:
que elementos curriculares e pedagógicos apresentam-se como indicadores no
processo de formação dos licenciandos do curso de Pedagogia analisado e que
identidade profissional passa a imprimir à formação desse pedagogo? Que aspectos
são privilegiados durante a formação do licenciando, em virtude das diversas
atribuições propostas para o futuro pedagogo nas Diretrizes Curriculares Nacionais

10
Para a realização da pesquisa optamos pelo Estudo de Caso, portanto analisamos a proposta de formação de
um Curso de Pedagogia no Estado do Piauí. A identidade do curso será resguardada para preservar seus
participantes e manter a ética.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 163


para o curso de Pedagogia? O currículo e suas ementas para o curso de Pedagogia
atendem as diferentes dimensões técnico-pedagógicas relativas à formação do
educador, contidas nas diretrizes ou é pautado numa formação de caráter mais
abstrato e pouco integrado ao contexto prático em que o futuro pedagogo poderá
atuar?

CENÁRIO POLÍTICO, ECONÔMICO E CULTURAL A PARTIR DO SÉCULO


XX E SUAS IMPLICAÇÕES NAS POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DOS
PROFESSORES

Desde a sua criação no Brasil, em 1939, o Curso de Pedagogia enfrenta uma


série de transformações que refletem diretamente no processo de formação do
futuro profissional pedagogo. Sousa (2003) nos aponta que várias experiências,
pesquisas e conhecimentos na área de formação de professores caracteriza hoje
esse campo como um espaço bastante complexo e diversificado, com um extenso
conhecimento teórico-científico e prático-profissional acumulado, principalmente
nesses últimos anos. Além da criação do curso de Pedagogia, o século XX foi
bastante rico em experiências educacionais, porém, não podemos desconsiderar
alguns fatores históricos que ocorreram nesse período, como por exemplo, a
Revolução de 1930 (ARANHA, 2006). Costa (2015) nos aponta que esse foi o marco
para a entrada do nosso país no mundo capitalista, com a saída de um modelo
agrário-exportador para um modelo industrial.
Nesse sentido, a nova realidade brasileira exigia mão de obra especializada,
o que impulsionou maior investimento em educação básica. Destacamos neste
período a criação, em 1930, do Ministério da Educação e Saúde Pública. Também
nesse mesmo período são sancionados decretos de modo a organizar tanto o ensino
secundário quanto as universidades brasileiras, a chamada “Reforma Campos”.
Nesse momento de reorganização da economia e mudanças de paradigmas
educacionais evidenciamos o Manifesto dos Pioneiros da Educação que imprime à
proposta educacional seu vínculo mais efetivo com o desenvolvimento econômico,

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 164


ao mesmo tempo em que avança na luta pelo direito à educação pública, gratuita e
laica.
Mais adiante, no período do Estado Novo, podemos identificar
regulamentações nos cursos de formação de professores, oriundas da Reforma
Capanema, no entanto, a Lei orgânica para o Ensino Normal, em seu Decreto-Lei nº
8.530/1946 mostrava o “quão difuso era o mercado de trabalho do licenciado em
Pedagogia [...]” (SILVA, 1999, p.35). Isso porque além dos problemas relacionados
com a formação, havia também problemas relativos ao campo de atuação, haja vista
o curso normal não ser espaço exclusivo desse profissional técnico em educação.
Percebemos assim que “apesar de algum avanço [...], a formação de
professores não se concretizou de fato” (ARANHA, 2006, p. 305). De acordo com
Costa (2015), apenas com o fim do Estado Novo, concretizou-se a adoção de uma
nova constituição de caráter democrático e liberal. A nova Lei, na área da educação,
determina a obrigatoriedade do ensino primário e possibilita à União legislar
partindo de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, além disso, fez voltar o
preceito de que a educação é direito de todos, inspirada nos princípios dos
Pioneiros da Educação Nova e após treze anos de acirradas discussões, foi, enfim,
promulgada a Lei 4.024 em 20 de dezembro de 1961, nossa primeira LDB.
Brzezinski (1996) diz que embora a LDB 4.024/1961, atribua, tecnicamente, um
caráter orgânico e integrado ao sistema nacional de ensino, apresenta traços
negativos, principalmente porque já se encontrava desprovida de requisitos
democráticos, referentes à garantia de escola básica pública e gratuita para toda
população brasileira.
Relativo à formação de professores, podemos observar que a LDB 4.024/61,
embora enfatizasse a formação para o magistério em seus artigos 52 a 59, enfatizou
bem mais ainda os institutos de educação, apontando que poderiam formar
professores para a Escola Normal, (Art.59, paragrafo único) “dentro das normas
estabelecidas para cursos pedagógicos das faculdades de filosofia, ciências e
letras”. Observamos ainda na LDB de 1961, conforme os artigos 55 e 64, que a
formação de profissionais para o ensino primário, ocorreria nos institutos de
educação de grau ginasial e em escolas normais de grau colegial e permanecia

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 165


cabendo à Faculdade de Filosofia formar os orientadores educacionais, conforme
especifica o art. 63. Permanece, desse modo ainda o esquema “3+1”, em que o
caráter dos cursos era bacharelado e 1 ano dedicado ao curso de Didática e
disciplinas pedagógicas para garantir a formação de licenciado.
Ainda na década de 1960, Brzezinski (1996) nos mostra que a sociedade
brasileira passa a consolidar-se no modelo econômico urbano-industrial e que a
burguesia adere à nova tendência de internacionalização do mercado interno. Logo,
os conflitos gerados pela exploração do trabalhador, os baixos salários e a ausência
de políticas públicas que garantissem serviços básicos à população, ampliavam as
reivindicações sociais e apontavam para um momento de reorganização da
sociedade. Entretanto, o golpe militar de 1964 termina por suplantar o cenário
político “democrático” e com “mão de ferro”, a partir do modelo tecnocrático-militar,
o governo implanta os princípios de racionalidade, eficiência e produtividade
adaptando-os também à educação. Nesse contexto, surge a Lei da Reforma
Universitária e do Ensino de 1º e 2º Graus. Conforme Aranha (2006), a Lei nº
5.540/68 introduziu várias alterações na LDB/61, a reforma além de extinguir o
cargo de professor universitário em algumas disciplinas, unificou o vestibular e
aglutinou as faculdades em universidades para melhorar a concentração de recursos
materiais e humanos, tendo em vista maior eficácia e produtividade, ou seja,
pautados na lógica do modelo taylorista de produção.
Percebemos desse modo o tecnicismo fortemente atrelado ao sistema
educacional que provocou mudanças inclusive nos cursos de formação de
professores, haja vista que “a entrada em vigor da lei da reforma universitária (Lei nº
5.540/68) ensejou uma nova regulamentação do curso de pedagogia” (SAVIANI,
2012, p.39), tanto que Silva (1999) ressalta que a marca da Reforma Universitária se
fez sentir no curso de Pedagogia, haja vista o Parecer CFE nº 252/69, fixar um
currículo mínimo e duração para o curso de graduação em Pedagogia, visando
formar professores para o ensino normal e especialistas para atividades de
orientação, administração, supervisão e inspeção escolar, ou seja, uma concepção
tecnicista de formação. Saviani (2012) complementa afirmando que as medidas

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 166


educacionais estavam funcionando em parâmetros adequados de modo a garantir
eficiência por meio da racionalidade técnica, maximizando a produtividade.
Assim, como reflexo da ditadura, veio ainda a Lei 5.692/71, imposta por
militares e tecnocratas. Nessa lei foram feitas alterações e atualizações referentes à
formação de professores, como por exemplo, a ausência de especificação das
habilitações do curso de Pedagogia propostas na LDB 4.024/61, da mesma forma
como a falta de exigência de formação do professor primário em nível superior.
Podemos analisar que no capítulo referente à formação de professores e
especialistas, logo no art. 29, é destacado que a formação de professores e
especialistas para o ensino de 1º e 2º graus será feita em níveis progressivos, que
se ajustem às diferenças culturais de cada região do país, atendendo aos objetivos
de cada grau e fase de aprendizagem do educando. Exige-se também a formação
mínima para o exercício do magistério, ou seja, se compararmos a Lei 5.692/71 a Lei
anterior podemos perceber que no Capítulo V, referente à formação de professores
e especialistas, do art. 29 ao art. 40, dá-se uma ênfase maior aos aspectos referentes
à formação destes profissionais naquele momento.
Com a Constituição de 1988, “restava elaborar a lei complementar para
tratar das Diretrizes e Bases da Educação Nacional” (ARANHA, 2006, p.324). Assim,
em 1996 é aprovada a nova LDB 9.394. Porém, a lei foi apontada por muitos
analistas como neoliberal, por não garantir a esperada democratização da educação,
principalmente pelo fato do estado ter delegado ao setor privado parte de suas
obrigações. Referente à formação de professores para a educação básica, ao
analisarmos a referida LDB, percebemos um avanço ao ser determinado nos artigos
62 e 63, a exigência de formação em nível superior em curso de licenciatura, de
graduação plena em universidades ou instituição superior de ensino, para esses
profissionais.
Nesse sentido, “embora [a lei] não tenha incorporado dispositivos que
claramente apontassem na direção da necessária transformação da deficiente
estrutura educacional brasileira, ela, de si, não impede que isso venha a ocorrer”
(SAVIANI, 2000, apud ARANHA, 2006, p. 326). Diante desses aspectos, segundo
Libâneo (2005), movimentos pela valorização da educação pública, inicialmente

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 167


sustentados pela Associação Nacional de Educação (ANDE) foram sendo alavancados
e posteriormente, Brzezinski (1996) nos mostra que vários educadores por meio da
Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE),
organizaram-se em movimentos de resistência, visando melhorias referentes à
formação de professores e estruturação da carreira docente.

IDENTIDADE PROFISSIONAL DO PEDAGOGO E SUA FORMAÇÃO

Voltando-se à temática da identidade do Pedagogo, entendemos que esse


termo “identidade” relaciona-se intimamente ao campo de atuação, suas
peculiaridades, assim como ao conteúdo próprio que justifica sua existência. Nesse
sentido, é preciso construir uma clara definição sobre em que consiste o curso, qual
a função reservada a ele e em que se constitui o trabalho do profissional formado
pelo curso Pedagogia. Nessa perspectiva, propomos discutir questões relacionadas
ao campo teórico e prático da Pedagogia, a prática educativa como seu objeto, sua
relação com as demais ciências da educação, a identidade profissional do pedagogo
e seu papel diante da realidade social contemporânea.
As discussões acerca da identidade profissional do pedagogo, assim como a
especificidade do curso de Pedagogia, têm raízes em suas origens epistemológicas.
Para Brzezinski “a dubiedade sobre a identidade do curso de pedagogia inaugura-se
antes mesmo de sua criação, o que perdura até os dias atuais.” (1996, p.37). Sob
essa mesma dinâmica está o pensamento de Silva (1999) quando afirma que em sua
própria gênese o curso de Pedagogia já revelava muitos dos problemas que o
acompanharam ao longo do tempo.
O que os autores destacam é que a Pedagogia é um campo de estudos com
identidade e problemáticas próprias, e seu objeto de estudo compreende os
elementos da ação educativa e sua contextualização, ou seja, o sujeito em processo
de formação, o professor, os saberes e o contexto em que ocorre, e o pedagogo é o
profissional responsável por essa prática educativa em suas várias modalidades e
manifestações. Ainda de acordo com Franco:

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 168


O curso de Pedagogia se constitui no único curso de graduação onde
se realiza a análise crítica e contextualizada da educação e do ensino
enquanto práxis social, formando o pedagogo, com formação teórica,
científica e técnica com vistas ao aprofundamento na teoria
pedagógica, na pesquisa educacional e no exercício de atividades
pedagógicas específicas. (2008, p. 149).

Desse modo, buscamos ainda averiguar as Diretrizes Curriculares Nacionais


para o curso de Pedagogia (DCNCP) a fim de verificar suas principais finalidades e os
processos educativos em escolas e em outros ambientes, sobremaneira a educação
de crianças nos anos iniciais de escolarização, além da gestão educacional. Sob essa
perspectiva as DCNCP nos dizem que:

Deste modo, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de


Pedagogia, [...], levam em conta proposições formalizadas, nos
últimos 25 anos, em análises da realidade educacional brasileira,
com a finalidade de diagnóstico e avaliação sobre a formação e
atuação de professores, em especial na Educação Infantil e anos
iniciais do Ensino Fundamental, assim como em cursos de Educação
Profissional para o Magistério e para o exercício de atividades que
exijam formação pedagógica e estudo de política e gestão
educacionais. (BRASIL, 2006, p.1-2)

Podemos perceber então, que de acordo com as Diretrizes Curriculares o


curso de Pedagogia tem como objetivo principal a formação de profissionais
capazes de exercer a docência na Educação Infantil, nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, nas disciplinas pedagógicas para a formação de professores, assim
como a participação no planejamento, gestão e avaliação de estabelecimentos de
ensino, de sistemas educativos escolares, bem como organização e
desenvolvimento de programas não-escolares, em que os estudantes de Pedagogia
sejam também formados para garantir a educação às camadas populares,
contribuindo para a garantia dos direitos sociais, culturais, econômicos e políticos,
nos diversos espaços em que a educação aconteça.
Sousa (2003) aponta que várias experiências, pesquisas e estudos na área
de formação de professores caracteriza hoje esse campo como bastante complexo e
diversificado, com um extenso conhecimento teórico-científico e prático-

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 169


profissional acumulado, principalmente nesses últimos anos, em torno das questões
relacionadas, tanto à busca de identidade do curso de Pedagogia, quanto à
sistematização de princípios gerais articuladores de uma base comum nacional.
Sob esse prisma Brzezinski (1996) afirma que a base comum nacional se
manteve como um dos objetivos de estudo do movimento, em que as reflexões
permitiram esboçar a necessidade de um corpo de conhecimento fundamental,
buscando-se o domínio filosófico, sociológico, político e psicológico do processo
educativo, entretanto, a autora ressalta que embora haja a adoção da base comum
nacional as Instituições de Ensino Superior têm autonomia para propor mudanças
curriculares. Assim sendo, segundo Sousa (2003) a tendência atual abordada nas
Diretrizes Curriculares para a formação do pedagogo, proposta pela ANFOPE 11,
busca a formação de um profissional que tenha como base a docência.
Podemos perceber que a história da educação no Brasil é permeada de
avanços e retrocessos, fatores esses, que refletem diretamente na formação dos
educadores e, nesse sentido, observamos que o curso de Pedagogia passou por
algumas fases até atingir sua atual conjuntura, em que a partir de 1999, segundo
Pimenta (2011), até então, os documentos que respondem pelas discussões desse
período são, o Decreto Presidencial nº 3.276 de 06 de dezembro de 1999 e o
Decreto Presidencial nº 3.554 de 07 de agosto de 2000. Podemos observar no § 2º
do primeiro decreto que “a formação em nível superior para a atuação
multidisciplinar, destinada ao magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do
Ensino Fundamental, far-se-á exclusivamente em cursos normais superiores” (art.
3º). Sousa (2003) nos mostra que com a legitimação desse decreto houve
mobilização por parte da ANFOPE, o que culminou com vários protestos e
manifestações de educadores em todo o país.
Com isso foi elaborado uma alteração no Decreto 3.276 e em 07 de agosto
de 2000, o Decreto 5.554, revogou o § 2º do Art. 3º, em que esse passou a vigorar
com uma nova redação, substituindo a palavra “exclusivamente” pela palavra
“preferencialmente”. Contudo, apesar da mudança na redação, essa alteração não foi
o suficiente para os profissionais da educação, conforme é ressaltado por Pimenta
11
Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 170


(2011), o que levou educadores e estudantes a apoiarem o Projeto de Lei nº 385 da
Câmara dos Deputados, que tinha por finalidade sustar tal decreto. Dessa forma,
Sousa (2003) complementa que em 20 de dezembro de 2000 foi aprovado pela
Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos Deputados, o PDL 385
que sustou a aplicabilidade do Decreto 3.276.
O que queremos mostrar por meio de nossas reflexões é que “a história do
curso de Pedagogia é marcada pela busca da resposta a respeito de quem é o
pedagogo” (PIMENTA, 2011, p.144) e que nos últimos anos, analisando a realidade
educacional do nosso país, referente à formação e atuação de professores, de
acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia,
percebemos um longo processo de consultas e discussões, culminando na busca de
formar profissionais capazes de exercer a docência na Educação Infantil, nos anos
iniciais do Ensino Fundamental e Gestão Educacional, para atuar em sistemas
escolares e não escolares, tendo a docência como base de sua identidade
profissional.

ABORDAGEM METODOLOGICA

Para a realização do estudo optamos pela pesquisa qualitativa,


especificamente o estudo de caso do tipo etnográfico. De acordo com Lüdke e
André (1986), a pesquisa qualitativa na área educacional envolve o contato direto
do pesquisador com a realidade investigada, com um olhar interessado nos
significados produzidos pelos indivíduos às ações e contextos socioculturais. Desse
modo, a abordagem qualitativa permite entender o papel do sujeito na produção do
conhecimento. Minayo (2006) complementa afirmando que essa abordagem permite
desvelar processos sociais ainda pouco conhecidos, referentes a grupos
particulares, propiciando a construção de novas abordagens, criando novos
conceitos e categorias durante a investigação, ou seja, através dessa análise é
possível confrontar os dados obtidos com as experiências vividas.
Nesse percurso, para o desenvolvimento do nosso trabalho utilizamos como
procedimentos de campo e como técnicas de coleta de dados, a observação

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 171


participante no âmbito do Curso, entrevistas semiestruturadas com discentes e
docentes, questionários aplicados com ingressantes e discentes do último período e
a análise de documentos, contudo, para as reflexões nesse texto optamos por
focalizar a análise do projeto curricular do curso estudado.
Nessa investigação optamos pelo estudo de caso do tipo etnográfico.
Estudos “do tipo” etnográfico caracterizam-se pelo ajuste que se faz da Etnografia
Antropológica à área da educação, por reconhecer que no ambiente escolar e
educacional, de modo geral, predomina uma cultura e que essa cultura está repleta
de significados, sob os quais os sujeitos se baseiam, fundamentando suas práticas.
Portanto, não realizamos etnografia propriamente dita, em sua acepção mais
tradicional, mas predomina seus princípios básicos: de inserção do pesquisador na
realidade, a busca pelos significados construídos nos grupos, a observação
descritiva e também participativa, o diálogo em entrevistas de explicitação das
práticas e para expressão das ideias e conceitos, a análise de documentos e a
liberdade para propor novas técnicas que permitam reunir o maior número de dados
e materiais sobre o “objeto” em estudo.
Os antropólogos ao fazerem suas pesquisas permanecem um longo período
no campo de investigação, por outro lado quando o pesquisador/educador recorre a
essa metodologia para fundamentar seus estudos acaba ressignificando esta
abordagem e o percurso de investigação em campo, diferenciando-se dos
antropólogos. Por isso, no campo da educação fazemos um estudo do tipo
etnográfico (ANDRÉ, 1995).
Desse modo, podemos dizer que a contribuição da abordagem etnográfica
na educação, está no fato de possibilitar a compreensão da realidade para agir sobre
ela, mostrando, por exemplo, a complexidade de interações que ocorrem
diariamente e a estruturação da produção do conhecimento no ambiente educativo,
integrando as dimensões cultural, institucional e pedagógica, na perspectiva da
relação entre pesquisador/educador e a realidade investigada (SILVA, 2012).
Nessa perspectiva, a análise documental por sua vez, constitui-se numa
técnica valiosa, pois possibilita a obtenção de dados, mesmo quando se encontra
impraticável na perspectiva das relações com os outros. Essa abordagem

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 172


proporciona ao pesquisador selecionar documentos variados, trabalhando aspectos
políticos, filosóficos, sociológicos, dentre outros, num processo intenso de leitura e
releitura, no intuito de ampliar as informações, aprofundando a visão acerca do
“objeto” estudado.
A pesquisa desenvolvida para realização do presente trabalho procurou
estabelecer uma relação entre teoria e prática na análise dos dados, buscando a
tecitura no texto, como um conjunto de fios que se cruzam formando um todo
integrado. Com o uso desses procedimentos, almejou-se compreender melhor a
problemática relacionada à identidade do Pedagogo acerca da preocupação e
curiosidade quanto à formação proposta e desenvolvida no curso de Pedagogia
estudado.

PROJETO PEDAGÓGICO CURRICULAR DO CURSO DE PEDAGOGIA:


proposta de formação e a identidade do Pedagogo

Para a realização da análise da proposta de formação contida no Projeto


Pedagógico Curricular do Curso de Licenciatura em Pedagogia estudado, levamos
em consideração os aspectos referentes aos princípios e fundamentos teórico-
metodológicos presentes na proposta pedagógica; o objetivo e perfil do egresso; os
elementos teóricos e práticos expressos no processo de ensino e aprendizagem,
assim como a dimensão da formação política e crítico-reflexiva; os aspectos
metodológicos que fundamentam as práticas pedagógicas dos professores do curso;
e os aspectos inerentes à proposta de avaliação da aprendizagem, segundo o
respectivo documento.
Da mesma forma focamos nosso olhar acerca dos aspectos curriculares,
considerando a fragmentação x integração dos conteúdos curriculares,
diversificação das áreas de conhecimento, carga horária de prática enquanto
componente curricular, a prática como componente obrigatório, atividades
extracurriculares, a pesquisa e extensão como elementos da formação. Assim,
buscamos perceber a “[...] (re)construção da identidade profissional [...] na

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 173


perspectiva de projeto institucional e político (CAVALCANTE, 2005, apud FARIAS,
2012, p. 67).
No que concerne à ênfase dada à identidade profissional e a formação do
pedagogo proposta pelo projeto, nos aspectos referentes aos elementos inerentes
ao perfil de formação do pedagogo, às áreas de atuação, assim como as habilidades
e competências enfatizadas na proposta pedagógica e curricular da instituição para
o curso de pedagogia, procuramos, de acordo com Farias (2012) despertar reflexões
acerca do trabalho do pedagogo e seu diálogo com as mudanças no contexto social,
político, econômico, relativo à formação de um profissional apto a atuar, tanto em
espaços escolares quanto em outros ambientes educativos.
O PPC do curso de pedagogia analisado tem como seu fundamento básico
uma pedagogia crítica, ou seja, de acordo com o documento, o curso se estrutura de
maneira a propiciar, em sua totalidade, a análise crítica dos aspectos contraditórios
do contexto socioeconômico e cultural e das políticas educacionais, com vista à
dimensão do saber e a produção de novos conhecimentos no campo da pedagogia.
Assim, a partir desse principio básico, o currículo está centrado na busca de uma
visão crítica da realidade educacional, articulando, as dimensões filosóficas,
históricas, psicológicas, sociológicas, antropológicas e metodológicas da práxis
educativa.
Tendo como pressuposto essencial a articulação orgânica entre os
componentes teóricos e práticos do currículo do curso, compromete-se com a
realidade educacional piauiense, organizado a partir das diretrizes que constituem a
base comum nacional dos cursos de formação dos profissionais da educação, tendo
a docência como base da formação profissional.
Sob esse aspecto, Libâneo (2011) aponta que pensar num sistema de
formação de professores requer reavaliar objetivos, conteúdos, métodos, assim
como sua organização deve levar em conta a realidade atual. Portanto, as alterações
propostas no currículo do curso de Pedagogia apontam para mudanças na prática
pedagógica dos professores do curso, na busca da qualidade na formação do
profissional da educação, preparando-os para lidar com os novos desafios da
educação e as transformações sociais, preparando-os não só para a escola de

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 174


educação básica, mas, como expressa o documento, para atuar em qualquer
contexto onde haja espaço para o desenvolvimento de ações educativas. Vejamos a
seguir:

Com esta inovação evidencia-se no Curso o entendimento de que o


trabalho do Pedagogo tem a docência como a base de sua formação,
mas não se limita à ação docente, nem ao ambiente escolar, pois se
mostra relevante e necessário, em qualquer contexto, onde haja
espaço para o desenvolvimento de ações educativas [...] a
reformulação aqui proposta, expressa, sobretudo, a vontade política
de formar um Pedagogo capaz de atuar nas diferentes dimensões do
trabalho pedagógico. (PPC DO CURSO DE PEDAGOGIA, p.09-10).

Ao analisarmos os princípios curriculares do projeto, percebemos que elege


categorias importantes para uma formação crítica e emancipadora, assim como traz
opções políticas claras e definidas, tais como nos subitens “2.4 relação orgânica
entre teoria e prática”; “2.5 Interdisciplinaridade”; “2.6 especificidades como curso
de formação de profissionais da educação”; e “2.8 vinculação com a educação
básica, prioritariamente com a educação pública”. Entretanto, identificamos algumas
contradições, haja vista que o inchaço de disciplinas no currículo, em vista das
inúmeras atribuições, acaba por provocar superficialidade dificultando o diálogo
entre os campos formativos. Acerca da relação orgânica entre teoria e prática,
identificamos que esse é um elemento bastante enfatizado na Matriz curricular,
destacando elementos práticos inclusive na área de fundamentos da educação.
Cabe, entretanto, indagar se esse viés de indissociabilidade entre teoria e prática se
constitui em realidade no contexto do exercício docente.
Em síntese, o Projeto Pedagógico Curricular apresenta em sua proposta a
relação orgânica entre teoria e prática como característica essencial do currículo e
podemos identificar na organização dos créditos teóricos, teórico-práticos e práticos
a estreita vinculação entre o ensino acadêmico-científico e o campo de atuação do
pedagogo. Entretanto, o que podemos perceber na análise desse documento é que o
curso é em regime de bloco fechado, gerando uma fragmentação nos conteúdos
referentes às disciplinas que deveriam integrar-se por pré-requisitos, ou seja, ao
buscar formar o profissional para atuar no magistério dos anos iniciais do Ensino

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 175


Fundamental, na Educação Infantil e na Gestão Educacional, o conhecimento acaba
por se fragmentar, embora aqueles relativos à reflexão crítica sobre educação,
escola e sociedade, estejam alinhados, outros relacionados ao exercício da docência
são trabalhados de modo isolado, tais como as disciplinas “Novas tecnologias da
comunicação e informação”, “Educação ambiental” e “Libras”, que pouco dialogam
com os conteúdos do bloco em que estão inseridas.
Assim, baseados nas Propostas de Diretrizes para a Formação Inicial de
Professores da Educação Básica, em cursos de nível superior, o Projeto Político
Pedagógico do Curso de Pedagogia, traça um conjunto de competências essenciais
ao professor desse nível de ensino, pautado nas competências como,
comprometimento com os valores inspiradores de uma sociedade democrática
pautada em princípios éticos, que zelem pela dignidade profissional e pela
qualidade do trabalho escolar, reconhecendo e respeitando a diversidade
manifestada por seus alunos. E ainda competências referentes à compreensão do
papel social da escola, promovendo uma prática educativa que leve em
consideração as caraterísticas dos alunos.
Diante dessas competências propostas pelo PPC do curso estudado,
podemos perceber que, embora a reformulação do projeto almejasse garantir uma
melhor qualidade na formação do pedagogo, tentando sanar a desarticulação entre
teoria e prática existente no currículo anterior, as Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Curso de Pedagogia dificultam essa articulação, haja vista a complexidade
exigida para formar tal profissional, conforme podemos observar:

Art. 4º O curso de Licenciatura em Pedagogia destina-se à formação


de professores para exercer funções de magistério na Educação
Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de
Ensino Médio, na modalidade Normal, de Educação Profissional na
área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam
previstos conhecimentos pedagógicos. (BRASIL, 2006, p. 2).

Nesse sentido, diante dessa complexa função que seria formar o pedagogo,
é priorizada a formação docente, também por uma opção política de fortalecer a
identidade do professor e seu campo profissional de origem, mas sem abrir mão
também do desafio de formar um profissional capacitado para posicionar-se diante

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 176


do contexto social, político e econômico, articulando sua formação às necessidades
educativas presentes em diferentes ambientes e espaços sociais, conforme
observamos a seguir:

Nesse contexto, reforça-se a concepção de escola voltada para a


construção de uma cidadania consciente e ativa, que ofereça aos
alunos as bases culturais que lhes permitam identificar e posicionar-
se frente às transformações em curso e incorporar-se na vida
produtiva e sócio-política. Reforça-se, também, a concepção de
professor como profissional do ensino que tem como principal tarefa
cuidar da aprendizagem dos alunos, respeitada a sua diversidade
pessoal, social e cultural. (CNE/CP Nº009/2001 p.9).

Nesse ínterim, partilhamos das ideias de Lira (2006) ao indicar as


possibilidades de atuação do pedagogo, tais como atuar na Educação Infantil, nos
anos iniciais do Ensino Fundamental e em outras áreas nas quais sejam previstos
conhecimentos pedagógicos. Nessa perspectiva, consideramos que “essa
licenciatura passa a ter amplas atribuições, embora tenha como eixo a formação de
docentes para os anos iniciais de escolarização” (GATTI, 2011, p. 98).
Assim, a ideia enfatizada por Gatti anteriormente fica clara ao observarmos
os Pareceres CNE/CP nº 5/05 e CNE/CP nº 3/06, haja vista a complexidade exigida
para esse curso, pois em um curso de 3.200 horas, de acordo com as orientações
contidas nos documentos, deverá propiciar conhecimentos filosófico, histórico,
antropológico, ambiental-ecológico, psicológico, linguístico, sociológico, político,
econômico e cultural e atrelado a eles, ainda, formação de habilidades para
planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de tarefas
próprias do setor da Educação, projetos e experiências educativas não escolares,
produção e difusão do conhecimento cientifico-tecnológico do campo educacional
em contextos escolares e não escolares (CNE/CP nº 3/06).
Dessa forma, podemos acreditar que “a qualidade de uma formação
depende, sobretudo, de sua concepção” (PERRENOUD, 2002 p. 15), sendo assim
Libâneo (2011) complementa que desde o ingresso dos alunos no curso é
necessário integrar os conteúdos em situações práticas para que, desse modo seja
possibilitado ter a prática e formar seus próprios conhecimentos com a ajuda da

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 177


teoria. A partir de nossas análises percebemos que o PPC é claro ao afirmar que o
curso tem a docência como base de formação, porém não se limita à ação docente,
nem ao ambiente escolar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossa pesquisa teve como objetivo analisar a atual proposta de formação de


professores do curso de Pedagogia, assim como o perfil de identidade profissional
atrelado a esse pedagogo, por meio de um estudo de caso, elegendo um curso de
Pedagogia de uma Instituição de Ensino Superior no Estado do Piauí. Buscamos
assim, discutir as possibilidades de atuação desse pedagogo, abrindo espaço para
reflexões acerca da temática identidade docente e formação de professores. Daí se
justifica a realização da nossa pesquisa para compreender não apenas o exercício da
docência em si, mas processos inerentes à construção da identidade docente, a
profissionalização do pedagogo, suas condições de trabalho, considerando nesse
estudo, principalmente, aspectos relacionados aos elementos de formação inerentes
a proposta política e pedagógica que fundamenta o trabalho docente no curso de
Pedagogia.
Queremos enfatizar que não se trata de abrirmos mão da docência enquanto
identidade profissional, haja vista que esse foi um dos argumentos sob o qual se
pensou a extinção do Curso de Pedagogia, afinal esse aspecto levaria a uma perda
de espaço tanto político quanto profissional e, consequentemente, aprofundaria a
crise de identidade, mas também não podemos restringir a formação do Pedagogo
ao mero tecnicismo, “receitando” modos de ensinar e praticar a ação docente, mas,
ao contrário, precisamos fortalecer nosso campo teórico-prático, enfatizando a
pesquisa como caminho formativo, e como alicerce de uma prática reflexiva e crítica,
dimensões necessárias em atendimento à complexidade do trabalho educativo, de
modo que o trabalho que podemos desenvolver não se restrinja a ensinar
conteúdos curriculares, mas pensar a organização do ensino com autonomia diante
do contexto da profissão, destacando os elementos políticos engendrados.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 178


Na verdade formar o Pedagogo representa trabalhar com a formação
humana em seus mais variados contextos, de forma completa e integral, ressaltando
as dimensões não só didático-pedagógicas, mas relativas ao social, ao político, ao
econômico, ao espiritual e ao cultural.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 179


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POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 181


POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 182
INTRODUÇÃO

“No espaço do semiárido piauiense muito se perde em oportunidades


por ignorarem a nossa gente
achando vil suas necessidades.”
Marta Gondinho

Diante do atual cenário que circunscreve os debates políticos em torno do


ensino superior no Brasil, uma questão me aguçou a curiosidade por ter vivenciado
os quatro primeiros anos de minha carreira enquanto docente efetivo do ensino
superior em uma universidade sediada no interior 12.Como são construídos estes
espaços? Em que contexto político estão assentadas as discussões sobre a expansão
do ensino superior no Brasil? Quais são as especificidades regionais levadas em
consideração na deliberação de construção de um campus universitário? É político,
é geográfico? Quais os impactos para a sua cidade e para a população e seu
entorno? Como entender esta discussão associada a um embate de crise analisados
à luz das teorias pós-modernas sobre a universidade e suas transformações?
Para tentar compreender a problemática supracitada recorri às narrativas de
duas professoras pioneiras no magistério superior de um campus do interior do
Piauí. A primeira professora pioneira nos anos de 1982 e a segunda pioneira nos
anos de 2009 em uma mesma Instituição de Ensino Superior- IES. Seus pioneirismos
dizem respeito a momentos históricos diferentes desta IES.
A memória sendo uma ação acionada no presente é construída pelas
experiências vividas num passado em que se deseja compreender e refletir. Os
lugares institucionais representam referências importantes na memória dos
indivíduos e nas sociedades. A memória sendo esta construção está sujeita às
questões da seleção, subjetividade e de poderes. Neste artigo, analisaremos trechos
de falas de um memorial construído por duas professoras sobre suas experiências e
suas lembranças no ensino superior de um campus localizado na região do
semiárido piauiense, conhecida como macrorregião de Picos. Fizemos a opção por

12
A expressão interior é alusiva aos espaços geográficos que ficam no interior do estado e não se constitui como
o espaço que recebe a sede administrativa e política do estado denominada de capital, sempre que neste artigo
esta expressão for citada ela estará fazendo referência aos municípios que não são as capitais do estado.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 183


dialogar ao longo do texto com as considerações teóricas propostas pelos autores
BUARQUE (2003); CATANI (2006); CHAUÍ (2001); CUNHA (2007) e RISTOFF (2006),
analisadas juntamente com as falas das professoras e as impressões construídas
acerca dos documentos estudados.
Abordar a trajetória de uma IES é tecer sobre sua história observando seus
singulares trajetos, suas especificidades, aquilo que a particulariza sem, contudo,
deixar de identificar momentos, traços e personagens consubstanciados na
experiência brasileira no que diz respeito aos dilemas do ensino superior.
Para tanto, contar a história de um Campus é perceber: a) Em que
circunstâncias (contexto socioeconômico- político e cultural) nasce a IES, por
iniciativa (patrocínio) de quem e com que objetivos proclamados em relação ao
ensino, à pesquisa e à extensão?; b) Como se estruturou inicialmente e através do
tempo do ponto de vista organizacional? Como se colocou a questão do poder
(reitoria, órgãos colegiados), se pública, se privada? ; c) É possível definir e como se
caracterizam as principais etapas de sua trajetória, em termos de ensino de
graduação, pós-graduação, pesquisa e extensão? ; d) Como se caracteriza hoje a
instituição sob a ótica dos modelos universitários “clássicos” e das novas tendências
de reconfiguração das IES em instituições neoprofissionais, tecnológicas e/ou
voltadas exclusivamente para o mercado? Como cada IES analisada está
enfrentando os desafios da integração ensino-pesquisa (e extensão) atuais? ; e)
Como se tem colocado nessa perspectiva, as questões de financiamento, autonomia,
avaliação, democratização, relação público-privado? ; f) Quais são, do ponto de vista
dos modelos, os traços mais marcantes da experiência da IES em análise? O que a
diferenciaria das demais universidades brasileiras? As IES estudadas, além de traços
comuns às demais, têm suas marcas próprias; quais são essas marcas?
Estamos neste artigo com a pretensão de discorrer sobre as narrativas das
professoras entrevistadas sempre que possível usando os questionamentos acima
propostos por Morosini (2011). Para tanto, organizamos este artigo em dois
momentos: No primeiro momento, a história de criação do campus é narrada por
duas professoras que tem suas trajetórias profissionais circunscritas neste espaço e,

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 184


no segundo momento, analisamos as especificidades regionais e o significado de um
campus para uma cidade no interior do estado do Piauí.

UMA UNIVERSIDADE NO VALE DO GUARIBAS: De Campus do


Junco13 ao Campus Senador Helvídio Nunes de Barros14

“Nas aguas do Guaribas os encantos adormecem,


em tempos de seca se adoece
em tempo de fartura se enaltecem.
As belezuras do sertão faz mover a confusão de não ter certeza nas intempéries.”
Marta Gondinho

Para começo de história, a chegada do ensino superior em Picos nos remete


a uma conquista segundo relatos memorialísticos 15 e segundo as lembranças
acionadas pelas professoras.
Instituída nos termos da Lei nº 5.528 de 11 de novembro 1968 e
oficialmente instalada em 12 de março de 1971, a Fundação Universidade Federal
do Piauí-FUFPI é consolidada a partir da integração de faculdades avulsas16 do
estado do Piauí. Teve inicialmente suas instalações sediadas em dois municípios:
primeiramente em 1971 a sede de Teresina (capital) e depois em 1975, o campus de
Parnaíba (segunda cidade mais populosa depois da capital). A cidade de Picos não
foi contemplada com a existência do campus na primeira década de instalação da
UFPI.
No ano de 1982, passada uma década da criação da FUFPI, fora criada na
cidade de Picos, também conhecida como Vale do Guaribas 17, um espaço
universitário denominado de Campus do Junco. A criação deste campus foi uma
iniciativa da reitoria da UFPI em parceria como representantes políticos locais. De

13
Junco - nome da vegetação predominante no espaço cedido para a construção do campus de Picos-PI.
14
Helvídio Nunes de Barros - Político militante da ARENA; foi governador do Piauí nos anos de 1966/1970. Na
ocasião dos debates políticos sobre a permanência do campus na cidade empreendeu esforços em defesa da
universidade e de sua instalação na cidade de Picos por conta de sua posição política enquanto Senador do
Estado.
15
Relatos memorialísticos expostos no Museu Ozildo Albano na cidade de Picos.
16
Faculdade de Direito (FADI) criada em 1931, Faculdade Católica de Filosofia (FAFI) criada em 1958, Faculdade
de Odontologia (FOPI) criada em 1960 e Faculdade de Medicina (FAMEPI) criada em 1968.
17
Rio que banha a cidade de Picos.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 185


início, oferecia 5 (cinco) cursos de Licenciatura Curta (duração de dois anos), a saber:
Ciências de 1º grau, Estudos Sociais de 1º grau, Letras de 1º grau, Pedagogia com
habilitação em Supervisão e Pedagogia com habilitação em Administração. O espaço
sede do campus foi a Unidade Escolar Dirceu Arcoverde – no conjunto Petrônio
Portela, em que também funcionava o ensino primário e ginasial. Os cursos
funcionavam precariamente e as condições de infraestrutura eram decadentes.
O Campus do Junco nasce nos anos finais da ditadura militar no Brasil,
momento em que o estado do Piauí é governado por Lucídio Portela Nunes da Arena
e sob o mandato político municipal de Severo Maria Eulálio (prefeito). No início dos
anos de 1980, a sociedade civil organizada luta pela reformulação do texto da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação nº 5692/71 e, consequentemente, por mudanças no
cenário da educação superior no Brasil.
Por uma empreitada do prefeito da cidade Severo Maria Eulálio, em parceria
com o bispo Dom Augusto Alves da Rocha, fora adquirido um terreno no Junco,
bairro periférico marcado pelas desigualdades sociais e pelas condições de pobreza
de sua comunidade.

O Campus de Picos foi criado em 1982, ele foi instalado com 200
alunos matriculados, tinha o curso de Licenciatura Curta, no período
de 2 anos apenas, em Supervisão Escolar e Administração Escolar,
Letras de 1º grau, Estudos Sociais e Ciências de 1º Grau, ai depois,
quando foi em 1984 foi que autorizou a plenificação dos cursos de
Administração e Supervisão Escolar, agora o que eu quero te dizer
também é que quando essa universidade foi instalada em 82 foi um
dia de festa, aqui na Escola Normal (onde era o fórum e hoje não é
mais) teve uma aula inaugural com o pró-reitor de ensino na época,
que era o Padre Mariano, e teve sua aula inaugural com autoridades,
com alunos que já tinham passado no vestibular, com várias pessoas
da educação, porque realmente ali foi um marco. (Professora Eunice)

Mesmo tendo como característica as condições precárias de sua instalação e


a falta de opções em relação aos cursos ofertados, a população recebeu o campus
em clima de festa como assinalou a professora Eunice. Para os políticos e alguns
membros da sociedade civil, a inauguração de um espaço universitário no Vale do
Guaribas era sinônimo de mudanças sociais e culturais para a vida interiorana.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 186


O campus é recebido em clima de festa, entretanto, sem os dispositivos
normativos que regulamentavam a criação de um espaço universitário. É válido
reforçar que não existia especificamente um projeto de implantação do campus, os
projetos eram extensões do projeto do Campus de Teresina, assim não foram
proclamados os objetos deste campus em relação à tríade ensino, pesquisa e
extensão.
O acesso ao ensino superior no início da década de 1980 ainda era uma
realidade segregadora, uma vez que para a população trabalhadora do sertão era
uma utopia migrar para as grandes cidades em buscas de formação no ensino
superior, tal possibilidade era possível apenas para a elite.

A chegada do ensino superior em Picos foi importante e continua


sendo porque atendeu antigos desejos, uma antiga reivindicação de
toda a população picoense, porque só as pessoas que tinham um
poder aquisitivo melhor que poderia estudar fora, o restante ficaria
só com o ensino médio. (Professora Eunice)

A visibilidade do significado da universidade para uma boa parte da


população que vivia no interior era inaparente, uma vez que se fazia mais
consensual atribuir a conclusão do 2º grau18 como etapa término dos estudos.

Não tinha ideia do que era ensino superior, vestibular. Eu já fazia o


pedagógico, mas acreditava que terminando o pedagógico tinha
terminado meus estudos. A gente ouvia comentários de que nossos
professores faziam universidade isso era por volta dos anos de 1982
a 1984, tempo em que fiz o pedagógico na escola normal de Picos.
Não tinha ideia do significado dela. (Professora Maria Cezar)

Instalado e estruturado de forma precária, com funcionários indicados pelo


diretor do campus, que por sua vez também tinha o cargo indicado por estratégias
de favoritismo político, um espaço universitário foi sendo forjado sem seguir um
modelo universitário clássico.

18
Expressão à luz da Lei de Diretrizes e Bases nº 5692/71.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 187


Naquele tempo a educação, ela não funcionava com tantas práticas
democráticas que tem hoje, escolher por eleição, de ter
coordenações, até porque o campus não era um campus era uma
espécie de faculdade que estava surgindo, claro que ela começou,
não vou dizer que seja errado, assim por que eram pessoas sérias,
mas foi muito mesmo a influência político-partidária, funcionou
muito devido à influência político-partidária. Todas nós, nós não
fizemos concursos os fundadores/pioneiros, nós tínhamos uma
prova de currículo, agora como o primeiro diretor era o Dr. José
Nunes de Barros, ele era uma pessoa criteriosa, mesmo que ele não
desse abertura para adversários políticos, mesmo que fossem
políticos do lado dele, ele exigia que fosse uma pessoa competente
e preparada. Mas ele, assim, no começo lutou. Todo mundo junto,
mas se tinha aquela ideia que a Universidade era aquele negócio
isolado e para poucos. (Professora Eunice)

O imaginário construído sobre o “isolamento” da Universidade e seu espaço


restrito “a universidade era para poucos”, é evidenciado na fala de ambas as
professoras. Isto evidencia um traço particular sobre o status de intelectualidade
clássica de modelo universitário que se distanciava da população e, assim, fazia
entender como o berço dos intelectuais capaz de pensar o projeto de uma
sociedade através de dispositivos de ensino e pesquisa. Uma caraterística marcante
dos campi do interior é a quebra deste modelo evidenciado pela emergência dos
elementos formativos do ensino frente à pesquisa e à extensão.
Por conta da falta de interesse das classes mais favorecidas em cursar
licenciaturas no campus de Picos, esta elite dava preferências aos cursos oferecidos
em outras áreas em municípios maiores como: Salvador-BA; Recife-PE; Fortaleza-CE
e Teresina-PI, acrescido de munícipios também próximos que não são capitais, como
Petrolina-PE; Araripina-PE e Crato-CE. Esta opção da elite acrescida do
desconhecimento de boa parte da população interiorana sobre as universidades e o
ensino superior, como enfatizou a professora ao mencionar o desconhecimento que
muitos jovens e suas famílias tinham a respeito do ensino superior, provocou um
movimento de pouca procura pelos cursos oferecidos pelo campus do Junco
agregado a um dado de fracasso dos resultados desta população nos exames
vestibulares.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 188


Quando começaram as especulações sobre o fechamento do
campus, as conversas já começaram a aparecer. Daí vários fatores
foram usados para justificar o fechamento do campus, primeiro a
administração fechada tanto em Picos como em Teresina. O reitor em
Teresina não abria mão, a inscrição era feita em Teresina, o vestibular
teria que ser feito em Teresina, tudo centralizado em Teresina, e isso
dificultava porque as pessoas que iam estudar em Picos eram
pessoas de poder aquisitivo menor então, coitados, já era uma
dificuldade pra ser vencida. (Professora Eunice)

Amparado nos dados de fracasso dos exames vestibulares, centralização e


burocratização dos serviços pelo campus de Teresina, falta de infraestrutura do
campus e ausência de documentação que regulamentasse a sua criação, boatos de
seu possível fechamento circularam pela cidade.

O quadro político na época estava propício para a implantação da


universidade em Picos, o prefeito de Picos, Severo Maria Eulálio
estava na comissão de frente para ajustar a implantação oficial, mas
por uma triste coincidência ele morreu num acidente automobilístico
indo para Teresina, onde ia pegar um avião para ir a Brasília para
acertar os últimos detalhes para a fundação da universidade.
(Professora Eunice)

Nem mesmo o tão contado apoio político pode ser colocado em prática
diante dos rumores de fechamento do Campus. A cidade assistiu consternada ao
falecimento do então prefeito Severo Maria Eulálio num acidente que sofrera
quando estava a caminho de Brasília para acertar os detalhes do melhoramento e da
criação do campus.
Por unanimidade de votos no Conselho Universitário da UFPI, em reunião do
dia 25 de junho de 1987 toma-se a decisão de fechamento do Campus do Junco.
Justificando a ausência de documentação e falta de clientela o então reitor Natan
Portela determina o fechamento do campus.

Sobre o fechamento, ela foi fechada pelo conselho universitário em


junho de 1987. Ela foi fechada por unanimidade, então eles
alegaram que ela não tinha um espaço físico adequado e que Picos
não tinha construído o Campus, claro que a responsabilidade de
construir era da administração superior. Não tinha documentação
legal que confirmasse a existência de um campus em Picos, foi o que

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 189


alegaram. Teve aula inaugural, teve 5 cursos... e não tinha uma Ata
dizendo que Picos tinha um Campus, então, por isso, eles fecharam.
Agora, esse fechamento foi um bem para a cidade, porque aí
despertou toda uma revolta na população jovem e em todo o
segmento organizado da sociedade picoense que se uniu para não
aceitar que a universidade saísse de Picos. (Professora Eunice)

Diante da atitude de fechamento por parte da administração superior da


UFPI, uma ação inusitada foi acionada. Professores, alunos, sindicatos e políticos
uniram-se para mobilizar a comunidade e esclarecer sobre o legado da universidade
e os prejuízos do seu fechamento para a população. Este movimento popularizou as
discussões acerca do ensino superior na cidade.

Em 1987, o fechamento do campus alertou a população para o


prejuízo que a sociedade teria. O reitor era intransigente; disse que
não abria mão de jeito nenhum da decisão de fechar o campus. Nos
articulamos e fomos para Teresina. Foram dois ônibus lotados de
pessoas representando a sociedade picoense organizada. Ele batia
na mesa e dizia “não abro”, foi que a irmã dele, a professora Celis
Portela, deu um toque que ele estava com a população toda ali,
deputados, prefeito, membros do sindicato de professores e dos
bancários... E Dom Augusto estava a essas alturas em Brasília com
outra comissão lutando a nível federal para reabrir o Campus e ele
dizendo que não reabria. [...] mas ponha na sua agenda que você vai
ter que formar uma equipe para construir o campus de Picos porque
nós vamos conseguir recursos pra isso. Aí quando nós chegamos aqui
repassamos a informação para a população, Lions, Rotary, Maçonaria,
Associação Comercial, aí eu me lembro que o empresário Evandro
Reis, doou um carro da Pivel pra ser “bingado” e esse bingo foi pra
pagar o projeto, porque o reitor se negou a dar um projeto feito que
tinha do Campus, que é esse que tem hoje ai tá, esse projeto ai, é
claro que com uns acertos técnicos modernos de acordo com a
época. (Professora Eunice)

Depois de toda uma articulação da comunidade local e dos políticos, tinha-


se mobilizado a população e conscientizado para os significados contextuais da
universidade na organização do projeto civilizador de uma nação. Quatro anos
depois, em 10 de junho de 1991, é autorizada a reabertura do Campus com apenas

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 190


2 (dois) cursos de Licenciatura Plena: Letras e Pedagogia com habilitação em
Magistério.
Uma história singular marcada por embates entre o lugar institucional
ocupado pela UFPI e a posição ocupada por pessoas comuns na trama do cenário
educacional local caracterizou a criação e reabertura do Campus do Junco.
Entre atores sociais e todo um contexto de políticas educacionais em torno
da organização da educação no Brasil, várias tramas foram acionadas demarcando a
legislação e as reformas do ensino superior no Brasil.
Entre uma discussão sobre políticas educacionais pós- anos 1990 e seu
contexto neoliberal é que veremos a definição no item 4.3.1 do Plano Nacional de
Educação instituído pela Lei nº10.172 de 09 de janeiro de 2001 da meta de
expansão da oferta da educação superior no país. Assim, foi instituído pelo Decreto
nº 6.096 de 24 de abril de 2007, como uma das ações que integram o Plano de
Desenvolvimento da Educação-PDE, um Programa de Apoio a planos de
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais-REUNI.
O Programa de Apoio a planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais-REUNI tem como objetivo ampliar o acesso e a permanência
no ensino superior traçando como meta duplicar o número de alunos nos cursos de
graduação em dez anos, a partir dos anos de 2008 e permitir o ingresso de 680 mil
alunos a mais nos cursos de graduação.19
No ano de 2006, a UFPI adere ao REUNI e promove a expansão do ensino
superior aos campus da UFPI, neste contexto dois novos campi são criados na cidade
de Floriano e Bom Jesus e o campus de Picos passa a receber a denominação de
Campus Senador Helvidio Nunes de Barros-CSHNB.

Depois de vinte e cinco anos fora de Picos, prestei concurso para


professor assistente no já então CSNHB-Picos. Ao ser aprovada e me
apresentar para a posse, vi muitas mudanças e ainda por cima estive
ao lado de professores que viveram de perto a história de luta deste
campus. Mudanças significativas na ampliação da estrutura física, na
criação de novos cursos, na contratação de professores e ampliação

19
Fonte: www.mec.gov.br/reuni.com . Acesso realizado em 22 de janeiro de 2015.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 191


do número de vagas para atender aos alunos da macrorregião e de
todo o Brasil, foram rapidamente constatadas. (Professora Maria
Cezar)

De Campus do Junco a Campus Senador Helvídio Nunes de Barros 20, uma


universidade foi criada e forjada no Vale do Guaribas. Hoje localizado na Rua Cícero
Duarte, n. 905, Bairro do Junco, em Picos (PI) este Campus possui 10 cursos
(Pedagogia, Letras, Administração, Ciências Biológicas, Enfermagem, História,
Matemática, Nutrição, Sistemas de Informação e Ciências da Natureza- Pró-campo) e
dispõe de uma infraestrutura ampliada21.
Em nossa análise, o que diferencia o que constitui um traço marcante da
história deste campus é observar que em seu trajeto as ações/interesses políticos se
correlacionaram aos anseios construídos pela população do interior sobre o
significado do ensino superior em meados de um período conservador da história
do Brasil. É interessante perceber que as inciativas de mobilização ganham fôlego
num período de redemocratização onde as pessoas acionam falas priorizando seus
direitos. Ao observar a conjuntura de expansão do ensino superior no Brasil em suas
particularidades identificamos uma pluralidade de projetos que não sinalizam uma
unidade no que diz respeito à função a ser assumida pela Universidade.

MACRORREGIÃO DE PICOS: Os possíveis significados da


Universidade mobilizados pelo reconhecimento inventivo do
espaço

Povo que faz das necessidades um saber criativo


Como mais ciência, oh! Sapiência inventiva
No sertão é assim, luta quem está ativa...viva!
Marta Gondinho

20
Helvídio Nunes de Barros (1925/2000) é natural da cidade de Picos. Formou-se em Direito pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (então Universidade do Brasil), participou de movimentos estudantis nesta
universidade onde foi presidente de centro acadêmico. Foi prefeito de Picos (1955/1959), deputado e Senador.
Atuou como empresário da radiodifusão e foi autor de livros e contos sobre o nordeste.
21
O CSHN - Com base no relatório de Gestão 2014 tem como espaço físico: 01 Restaurante Universitário, 01
residência universitária, 29 laboratórios, 32 banheiros adaptados, 41 salas de aula, 30 salas de professores, dois
auditórios, 01 sala multiuso de vídeo conferência, 01 reprografia, 01 cantina, 01 alojamento de motoristas, 01
centro de tecnologia da informação, 01 pátio, ampla área aberta de estacionamento e 01 Biblioteca acadêmica.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 192


Para Certeau (2008), os espaços transformados em lugares próprios, em
territórios de poder e saber controlados geram novas espacialidades fundadas a
cada instante, a cada passo dado. São territórios de poder, mas há nestes territórios
muitas maneiras de caminhar.
A cidade de Picos tem como marco do seu povoamento a construção da
Capela de Nossa Senhora da Conceição no ano de 1754. Neste período, o território
de Picos pertencia à cidade de Oeiras. Nos arredores deste município, a família
Borges Leal, grande ocupadora de terras da região, funda a fazenda Curralinhos. O
povoamento do município deve-se aos desdobramentos desta fazenda.
O município de Picos é situado na região centro sul do Piauí. A cidade possui
uma localização geográfica que lhe confere a condição de polo comercial no Piauí,
uma vez que fica no entroncamento da rodovia Transamazônica com as BR-407, BR-
230 e BR-020. Desenvolvida economicamente pela pecuária, atribui-se sua criação à
chegada de fazendeiros de gado vindos de Portugal nos anos de 1740.
A cidade recebe o nome de Picos devido à sua localização geográfica
envolta de montes picosos. Hoje a cidade de Picos tem 76.300 habitantes22, conta
com 78 (setenta e oito escolas), 05 (cinco) Campus de Ensino Superior 23 e 02 (duas)
Faculdades privadas.
Este espaço que aparentemente parece fixo possibilita leituras que
transcendem. Um espaço universitário não é só o lugar institucional do ensino
superior, é também o espaço móvel que entrecruza saberes e afetos, produzindo
novas posturas e tecendo novos trajetos.

A presença de uma universidade numa região ela muda a postura


dessa população, ninguém entra numa universidade e sai do mesmo
jeito que entrou, por mais dificuldade que essa universidade passe,
então a gente sente que foi um momento de mudança efetiva em

22
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/populacao_por_municipio.shtm

Censo Populacional 2010. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (29 de novembro de 2010).
Acessado em 23 de janeiro de 2015.

23
Universidade Federal do Piauí-UFPI;Universidade Estadual do Piauí-UESPI;Instituto Federal do Piauí-
IFPI;Universidade Aberta do Brasil-UAB e Instituto Superior de Educação Antonino Freire-ISEAF.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 193


Picos, porque Picos pode dizer que é antes e depois do curso
superior, porque não só na questão econômica não, é na questão da
formação da cidadania, da formação intelectual das pessoas que
mudou. As pessoas já têm um senso crítico bem mais apurado devido
à presença da universidade, então ela é importantíssima porque
forma o profissional competente para desenvolver não só Picos
como toda a macrorregião e é importante também porque forma
mão-de-obra para desenvolver a cidade em todos os aspectos.
(Professora Eunice)

A paisagem alterável das coisas circunscreve nos lugares institucionais


identidades móveis fabricadas pelas maneiras de fazer e viver estes lugares. A
universidade em sua legitimidade modifica os estilos de estar e usar o mundo. Na
fala acima a professora enfatiza que as pessoas que adentram este espaço
universitário “não saem da mesma forma que entraram”, o que parece óbvio traz
circunscrito as marcas simbólicas do que é produzido no interior deste espaço de
sociabilidades.

Sou da região, entendo uma Universidade como um lugar de


conhecimento e de geração de oportunidades para a sua gente. Eu
tive de sair cedo do meu interior em busca de melhores
oportunidades na capital. Hoje vejo uma universidade de qualidade
acessível a minha comunidade. É evidente que a cidade muda, as
práticas culturais ganham novas dimensões, as pessoas melhoram
suas qualidades de vida. O mercado de trabalho melhora com a
melhor formação de seus profissionais. (Professora Maria Cezar)

O transitar em busca de oportunidades é um ponto comum das justificativas


migratórias. O campo/interior era entendido como lugar de atraso. Muito comum era
o fluxo migratório no estado do Piauí sob a justificativa das buscas por oportunidade
nas “cidades grandes” ao longo do seu processo de urbanização. Quando a cidade
tem suas expectativas de desenvolvimento alteradas, elas promovem mudanças em
suas práticas culturais, de lazer, alimentação e estudo. A cidade muda, as pessoas
mudam e todo um contexto é inventado pelas artes de fazer típicas da
operacionalização da vida acionada por sujeitos comuns.
Um ponto importante são os lugares de verdade evidenciados nas falas das
professoras ao justificar a importância do ensino superior atrelada ao mercado de

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 194


trabalho e à formação do trabalhador. Nesta perspectiva, um modelo de
universidade é forjado. É comum evidenciar que a universidade é o lócus de
formação do profissional. Não entraremos nesta discussão, mas é importante
mencionar que as falas alusivas sobre o condicionamento do ensino superior
atrelado à formação de profissionais é uma discussão que nos remete ao viés
econômico, algo que sempre este associado a criação das universidades desde o
início do século XIX no Brasil.

Quando eu entro ali naquela universidade e vejo o tamanho que ela


é hoje. Tantas pessoas circulando. Tem gente dos interiores todos do
entorno de Picos. Anonimamente sem ninguém saber quem eu sou,
eu digo “Meu Deus como cresceu, como valeu a pena toda a luta que
nós tivemos que enfrentar para que isso chegasse ao que é hoje”,
penso que os alunos de hoje têm melhores condições de estudo, tem
mais oportunidade e tem um mundo de acesso a sua volta. Olho para
a biblioteca, para o restaurante, para as salas de informática e penso
que eles devem continuar reivindicando, tem que continuar lutando,
porque ela só pode crescer com a luta. (Professora Eunice)

O campus de Picos atravessa suas barreiras geográficas. Hoje atende a


população de Picos e de todo o estado do Piauí, recebendo também alunos de
outros estados. O Campus Senador Helvídio Nunes de Barros em sua trajetória de
existência (1982 aos dias atuais) apresentou em sua estrutura física e pedagógica
mudanças significativas.

O campus de Picos hoje comporta várias cidades em suas


diversidades. São alunos de toda parte, até de outros estados. Esta
diversidade multiplica diferentes saberes. Os estudantes dinamizam
a cidade. A cidade parece até uma cidade universitária. A única coisa
que me preocupa é saber se nestas localidades existirão demandas
de emprego para receber cada aluno na sua área de trabalho. Me
preocupa ver os alunos com ensino superior desempregados ou
trabalhando no setor de comércio, acumulando graduações.
(Professora Maria Cezar)

Comportar várias cidades pelos seus cidadãos, comportar diversidades,


comportar saberes e se transformar em cidade universitária, é reconhecer a
democratização deste espaço que outrora era desconhecido pelas pessoas comuns

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 195


do interior. A cidade sendo um espaço de móveis alargamentos, também é o espaço
dos esgotamentos. A preocupação citada pela professora ao identificar que a
demanda de trabalho não comporta sua população formada pelas universidades, é a
base dos distintivos cada vez mais complexos de estratificação da sociedade que
pelo viés de uma economia capitalista estará sempre a dispor de novos mecanismos
de controle e de distinção social.
A cidade está nesta trama que interliga o social, o cultural, o político e o
econômico numa complexa rede que cotidianamente cria modos de estar e viver no
mundo. A universidade hoje tem um significado múltiplo para as dinâmicas da
cidade. Este significado é particularizado por sua história e seus atores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se nos dispormos a problematizar a história, as políticas públicas e as


implicações sociais, culturais e econômicas em que alicerçam as discussões alusivas
ao ensino superior na contemporaneidade, identificaremos um projeto de civilidade
forjado no controle dos saberes voltado para a produtividade de um tempo.
No que concerne às impressões construídas acerca da criação do Campus da
Universidade Federal do Piauí sediado no município de Picos, pode-se perceber que
o campus tem uma trajetória marcada inicialmente pelo desejo da população e dos
políticos em ter um espaço formativo dos profissionais da macrorregião de Picos,
uma vez que a população desta cidade dependia do campus da UFPI de Teresina
(capital) e dos campi mais próximos da Universidade Federal de Pernambuco-UFPE,
Universidade Federal da Bahia-UFBA e Universidade Federal do Ceará-UFC, o que
envolveu fortes disputas políticas e a importante participação da comunidade e dos
movimentos sociais na luta pela construção e permanência do campus na cidade. A
partir dos anos 2006, o movimento de legitimação deste espaço universitário deu-se
com as implicações da expansão via REUNI. Hoje a cidade tem seu desenvolvimento
social, cultural e econômico atrelado de forma significativa à dinâmica das
atividades construídas ao entorno da universidade.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 196


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POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 198


POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 199
INTRODUÇÃO

O capítulo analisa as trajetórias profissionais de seis professoras do estado


do Piauí - Brasil. Algumas delas são provenientes de pequenas cidades do meio rural
do estado; outras são originárias da região norte/nordeste do país e há quem tenha
crescido na cidade de Teresina. Ao longo de suas vidas, elas se matricularam em
cursos e desenvolveram atividades diversas, até se tornarem docentes na
Universidade Federal daquele estado (UFPI), beneficiando-se do processo de
expansão e interiorização do ensino superior brasileiro, que recebeu forte impulso a
partir da segunda metade do século XX e nas primeiras décadas do século XXI.
Para abordar tais trajetórias docentes no contexto que lhes é próprio, nós
adotamos os procedimentos teórico-metodológicos vinculados à micro-história
italiana, apoiadas na perspectiva de variação das escalas de observação dos
fenômenos estudados. Nesse intuito, procuramos articular o contexto político
nacional com as vicissitudes regionais e o campo de possibilidades explorado em
cada trajetória, de acordo com as narrativas das professoras entrevistadas.
A opção por cruzar os estudos históricos sobre a educação brasileira com as
narrativas a respeito das trajetórias profissionais narradas pelo grupo de professoras
expressa a concepção de que os processos de profissionalização docente, assim
como de construção identitária constituem processos dinâmicos, de negociações
realizadas em nível pessoal e social, individual e coletivo, profissional e subjetivo,
desenvolvendo-se em interação com as intervenções da política, dos movimentos
sociais e das disposições institucionais com os quais se envolveram as nossas
professoras (DUBAR:2005). Por outro lado, ao abordar os estudos de história oral,
Alberti (2005, p.19) defende que é pela trajetória de indivíduos que não podem ser
pensados em separado da vida social (e vice-versa) que será possível estabelecer
uma lógica totalizadora, capaz de articular diferentes instâncias da vida social,
fixando os sentidos do presente e reelaborando os significados do passado.
Nesse percurso, nós consideramos relevante, também, perceber o peso de
aspectos pessoais tais como a determinação para divergir de um destino previsível;
a curiosidade intelectual; a capacidade de perseverar e os compromissos

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 200


profissionais que surgiam e se acumulavam ao longo do tempo, exigindo um cálculo
preciso com vistas a garantir o máximo proveito das oportunidades abraçadas.
Iniciaremos analisando os fatores que induziram e apoiaram a decisão de
seguir estudando, analisando, em seguida, os constrangimentos postos pelo
pertencimento ao gênero feminino. No terceiro tópico, nossa atenção focalizará as
negociações que cada uma e que o grupo estabeleceu entre os possíveis espaços de
atuação profissional, estabelecendo um jogo de aproximações entre as suas
necessidades pessoais e as suas aspirações profissionais.

A DECISÃO POR SEGUIR ESTUDANDO

Em todos os relatos é muito claro o desejo, transformado em decisão de


seguir estudando, com o apoio da família. Em grande parte dos relatos, a migração
para a cidade foi uma decisão apoiada por suas famílias, visando justamente a
continuidade dos estudos e, com os olhos no futuro, a ocupação de postos no
mercado de trabalho. O grupo que era proveniente de cidades do interior do estado
revela grande empenho em superar as dificuldades. Elas se referem à insuficiência
de oportunidades de estudo na região, a presença de professores leigos e das
escolas domésticas, cujas aulas se desenvolviam na casa dos professores. Apontam,
ainda, as longas distâncias a serem vencidas de casa para a escola, bem como a
precariedade material das escolas públicas.
Contudo, conforme já assinalamos, o apoio da família para a realização dos
estudos foi fundamental, conforme narrou a Entrevistada 3.

Meu pai era do interior, minha mãe também! Mas sempre teve uma
visão muito grande do que era o estudo, ele sempre dizia assim: “Vou
dar aos meus filhos aquilo que não tive.” Aquela velha frase popular!
[...] Minha mãe foi doméstica de uma casa de família bem abastada lá,
durante 44 anos, e ela viu os filhos do farmacêutico (mais da
dentista, esposa dele) estudarem e ela queria que os seus filhos
estudassem também. (Entrevistada 3).

Em outras narrativas, a influência da família é mais orgânica, quer dizer, os


pais já eram escolarizados e, desse modo, o contato com os conhecimentos

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 201


escolares já se dava de modo mais natural, fazendo parte da socialização das nossas
entrevistadas desde muito pequenas, seja acompanhando a mãe na escola, seja
observando o status que a posse do conhecimento escolar facultava ao pai junto à
comunidade, como demonstram os relatos abaixo:

Sou a quinta filha de uma professora primária e de um funcionário


público, considerado culto, que nos incentivava a declamar poesias e
que era responsável por resolver querelas entre vizinhos, quando
necessitassem de acordos escritos. Assim, muito cedo me encantei
pelas possibilidades que o domínio da escrita proporcionava.
(Entrevistada 4).
Fui para o maternal com dois anos de idade, minha mãe não tinha
com quem me deixar, a solução foi levar para escola e, em seguida,
me matricular na escola. Estudava pela manhã e à tarde ficava na sala
de aula em que minha mãe era a professora. Foi assim durante a
educação infantil e o ensino fundamental, durante toda a década de
1980. (Entrevistada 5).

Acreditamos que a observação das estratégias e artimanhas (CERTEAU,


1998) que as professoras (e suas famílias) mobilizaram em busca de uma
escolarização plena nos permitirá compreender os processos de profissionalização
do grupo nesse contexto regional, histórico e cultural. Nesse caso, nosso esforço tem
sido o de considerar o conceito de contexto regional como lugar de trânsito de
ideias, tal como nos ensina Juraci Maia Cavalcanti (2009), bem como de
apropriações singulares, tal como pressupõe Maria Helena Câmara Bastos (2009),
demonstrando que nas dinâmicas que se travam em nível local, individual ou em
outras escalas espaciais e temporais, sempre haverá, também, um campo de
possibilidades e, também, de constrangimentos, passíveis de se constituírem na
produção de saberes, tanto aqueles construídos pela experiência, como os que
resultam da produção de conhecimentos na forma institucionalizada, como lembra
Faria Filho (2009). Na região e no período de nosso estudo, a marca de gênero ganha
relevo, requerendo o enfrentamento de algumas concepções cristalizadas a respeito
dos destinos sociais reservados às mulheres.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 202


A MARCA DE GÊNERO

O relato da Entrevistada 2 demonstra a diferenciação que marca o acesso à


cultura letrada que o pai e a mãe tiveram, ainda que a narradora valorize o uso que a
mãe fazia, na vida cotidiana, do pouco tempo de escolarização a que teve acesso.

Meu pai participou das aulas régias. Ele é do século passado,


praticamente, e ele teve a escola na casa dele. O pai dele era de boa
condição. Apesar de que quando ele nasceu, o pai dele já tinha
morrido, mas ficou toda aquela situação e ele tinha a escola na casa
dele. Minha mãe também. Minha mãe veio do Ceará, mas também a
oportunidade que a minha mãe teve foi tipo um mês ou dois meses
de escola. Ela assinava o nome, escrevia cartas... (Entrevistada 2).

Para terem acesso à chancela cultural proporcionada pela escolarização


plena, estas professoras conduziram suas trajetórias, cada uma a seu modo e de
acordo com o campo de possibilidades que encontraram em seus trajetos de vida.
Uma parte migrou para a capital, Teresina, visando dar seguimento à escolarização
básica, para, em seguida, ingressar nos cursos de formação profissional disponíveis
e compatíveis com seus desejos e escolhas. Deve-se assinalar que, para algumas,
havia uma “escolha prévia” para o trabalho docente, considerada como a ocupação
mais adequada para as mulheres, como diz a Entrevistada 3:

O meu pai, ele olhava pra todos e dizia: “Fulano vai ser isso, isso,
você [Entrevistada 3] vai ser professora”, e eu me zangava na época.
Certo? Porque eu vou ser professora? Então, ele distribuía as
profissões entre advogado, engenheiro, médico, isso e aquilo. Insistia
que eu seria professora.

No caso em estudo, o viés do magistério como profissão, muitas vezes, vem


associado ao compromisso com a escolarização mínima (ao menos a alfabetização)
da maior quantidade possível de membros da família, como fica claro no relato a
seguir:
Logo que mamãe me alfabetizou, tomei para mim a incumbência de
alfabetizar meus cinco irmãos mais novos, pois assim poderíamos ter
acesso juntos aos escritos que circulavam em nossa casa:

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 203


fotonovelas, revistas em quadrinhos, romances, cordéis, livros
didáticos e o catecismo, que eu repetia com meus irmãos, tal qual
aprendia com as freiras. Foi assim, brincando, que me tornei
professora. Primeiro, dos meus irmãos, depois, salvando algum
vizinho da reprovação para depois atuar numa escolinha de dever de
casa até ser convidada para substituir uma professora do segundo
ano numa escola comunitária. [...] é que o curso de magistério
possibilitava entrar rápido no mercado de trabalho, além de ser
ótimo para mulheres, pois possibilitaria conciliar trabalho com o
cuidado com a casa (façanha que nunca consegui). (Entrevistada 4)

O trecho assinala a responsabilidade de cuidar e apoiar os irmãos mais


novos e, também os vizinhos com dificuldades na escola, reforçando a concepção de
que as profissões tradicionalmente associadas ao cuidado do outro -- tais como
enfermeira, professora, cuidadora -- como profissões associadas às mulheres. A
entrevistada também expressa uma visão crítica a respeito da tese da conciliação
trabalho / família, socialmente aceita e propagada, afirmando que no caso dela, tal
façanha nunca foi alcançada. Levanta, ainda, a possibilidade de ingressar com maior
rapidez no mercado de trabalho, bem como, acrescentamos nós, de ter maiores
chances de ingressar numa das muitas escolas – públicas ou privadas – da cidade.
Não é demais assinalar que as limitações sociais relacionadas à pertença ao
gênero feminino não é sentida apenas por esse grupo ou nessa região, sendo uma
característica que ainda marca fortemente a vida contemporânea. Embora não possa
ser interpretada como uma subversão às regras sociais e políticas que conformam as
identidades femininas e condicionam suas inserções profissionais, a decisão de
nossas entrevistadas buscarem uma escolarização plena interfere no destino que
fora socialmente previsto para elas. A determinação de prosseguir os estudos e
desempenhar papéis profissionais equivalentes à sua formação contribui para
romper algumas microrrelações de poder, nas quais o papel da mulher é de
subserviência ao pai e/ou marido, de apartamento das relações de trabalho
institucionalizadas e estáveis, assim como de acomodação e passividade.
Nesse contexto, superar os obstáculos já referidos e, ao mesmo tempo,
contornar as relações de poder já estabilizadas, buscando um percurso ascendente
rumo à profissionalização, constitui um feito memorável.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 204


Tais esforços ganharam estímulo com a progressiva institucionalização da
educação escolar e, sobretudo, com a expansão e posterior interiorização do ensino
universitário. Nesse processo, novas relações vêm sendo estabelecidas. Em que
pese o processo de precarização do trabalho docente que tem acompanhado a
progressiva universalização do ensino (OLIVEIRA, 2004), em ambos os níveis, é
possível perceber algumas mudanças que são dignas de nota. Uma mudança que
merece destaque é a que demonstra que as oportunidades de ascensão na carreira
docente estão se ampliando, como procuraremos demonstrar no próximo tópico.
Como já assinalamos, a escolha por uma dessas modalidades dependia da
oferta dos cursos disponíveis próximos dos locais de residências e não
propriamente do desejo das estudantes, como confirmado a seguir:

Dar continuidade aos estudos de segundo grau foi outro desafio em


virtude da inexistência de oferta desse nível de ensino no meu local
de origem. Parto então para Anápolis (GO) onde passo a conhecer
uma realidade mais desenvolvida do ponto de vista tecnológico.[...]
Quando estava me familiarizando com aquela nova realidade,
retorno ao meu Estado, após concluir o curso técnico em
contabilidade. Desta vez para Teresina, onde ingresso no curso de
licenciatura em Letras pela UFPI. (Entrevistada 6).

Vencidas as etapas da escolarização básica, o ingresso no ensino superior


torna-se o alvo, ainda que as responsabilidades com o estudos, quase sempre,
tivessem que ser realizadas em paralelo com o desempenho de outras atividades
profissionais, no magistério ou em outras ocupações.

EXPERIÊNCIAS CONCOMITANTES AO MAGISTÉRIO: um jogo de


aproximações

Conforme demonstrado em outras pesquisas (Iório, 2016), nem sempre o


magistério, sobretudo o magistério de nível superior, constituiu a primeira opção ou
experiência profissional. Quando isso ocorre, certamente a visão a respeito desta
profissão vem marcada pela experiência pregressa, num jogo de comparação e de
avaliação dos fatores positivos e negativos, daquilo que se ganha em termos de

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 205


trabalho criativo e de autonomia intelectual, de salário e de relações [humanas e] de
labor. Este é o caso de boa parte de nossas entrevistadas. As seis professoras
ingressaram na profissão por decisão própria, ainda que tenham contado com apoio
ou até mesmo com certa indução da família. Todas percorreram uma trajetória que
não as levou diretamente ao ponto em que se encontram hoje.
Uma das depoentes participou de diversos movimentos sociais,
consubstanciando uma trajetória de líder comunitária; outras duas se separaram da
família, mudando-se para Teresina, onde se inscreveram no curso de Pedagogia e
nos demais cursos que sendo acessíveis, se tornaram objeto de suas escolhas.
Algumas experimentaram outros tipos de trabalho antes de se tornarem professoras.
Já uma outra depoente destacou a sua inserção na carreira docente por meio de
concurso público, onde chegou a desempenhar função de gestora de uma escola
alternativa, que desenvolvia trabalho com crianças em situação de risco,
acrescentando em seu rol de experiências profissionais, o contato com crianças que
a escola tinha dificuldade de acolher.
Mas o que salta à vista, nesse aspecto, é o acúmulo de atividades, muitas
vezes de naturezas diversas, que vão sendo gradativamente superadas e filtradas
até que, finalmente, se alcance certa estabilidade profissional, com o
estabelecimento de vínculos profissionais em apenas uma instituição, como
podemos ver no relato da Entrevistada 3.

Então, chegou um momento que eu trabalhava num curso de


enfermagem, agropecuária e no ensino médio. Fui agregando e fui
agregando, aí chega o curso superior lá, até eu fui caladinha até lá,
pronto, fiquei, fiz o concurso [para docente] em fevereiro de 2009,
mas só fui contratada em outubro de 2009, foi aquela época em que
o governo Lula deu um tempo nos contratos, mas não deixei em
nenhum momento minhas turmas no Colégio Agrícola. (Entrevistada
3).

Outra Entrevistada deu destaque à influência da Igreja Católica e dos


movimentos sociais liderados por sua ala progressista, na região nordeste do Brasil,
sobretudo a partir dos anos 1960. Na esteira desses movimentos, se configura a
opção pelo magistério por influência da religião ou dos movimentos que partem de

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 206


espaços religiosos, como os encontros de jovens, comuns no período em que
algumas de nossas entrevistadas passavam pela adolescência, conforme se vê a
seguir:

Bom, e aí logo eu fui por essa via, entrei para os grupos de jovens na
época. A gente se organizava por bairro. Cada bairro tinha o seu
grupo de jovens e vez por outra, uma vez por mês, reuniam-se todos
os grupos[...]. E aí esse foi o caminho para a Igreja, um caminho meio
sem volta porque depois assumi outras atividades, mas sempre
atuando na estrutura e com o apoio da Igreja. E, foi esse caminho que
me levou para o Movimento de Educação de Base..

A participação em movimentos sociais, em particular em movimentos


conduzidos pela Igreja progressista constituem uma experiência pedagógica de
larga amplitude. Como demonstrou Carvalho (2013) em seu trabalho sobre os
processos de profissionalização docente em “comunidades da região das praias, no
estado do Ceará”, a formação de professores leigos nesta região coincidiu com a
ação evangelizadora e social da Igreja Católica, se expandindo ainda mais com a
parceria estabelecida entre a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e o
Ministério da Educação a partir da criação do Movimento de Educação de Base
(MEB), em 1961. Suas origens estão nas experiências de educação pelo rádio,
realizadas pelos bispos brasileiros do Rio Grande do Norte e de Sergipe, nos anos de
1950.24 Eles desenvolveram um amplo programa de disseminação dos
conhecimentos escolares, tais como alfabetização, conhecimentos ligados à higiene,
saúde e desenvolvimento comunitário, ministrando educação de base às
populações das áreas consideradas “atrasadas” do norte, nordeste e centro-oeste do
país. (FAVERO, 2010, p.1-2).
Outras formas de engajamento podem ser verificadas, tal como no relato que
se segue:
Ao terminar meu ginásio eu não tinha o menor desejo de cursar a
Escola Normal Regional de Caxias, como assim fizeram minhas três
irmãs mais velhas (e depois as três mais novas). [...] Ao me formar em

24
Trata-se de D. Eugênio Sales arcebispo em Natal (RN), e D. José Vicente Távora, arcebispo de Aracaju (SE).

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 207


Pedagogia, fui professora substituta no CESC/UEMA, ao mesmo
tempo em que fui convidada para participar como professora do
Projeto Ler para Viver, convênio UFPI/SEMEC. [...] Como em meu
mestrado me dediquei a compreender o objeto de atuação dos
educadores sociais e o que a educação formal representa para eles,
desperta meu interesse compreender o processo de emergência e
constituição desta categoria, o lugar ocupado por ela em relação à
compreensão das necessidades educativas da população e de como
a ação dela pode contribuir para a (re)organização da forma escolar
que temos hoje. (Entrevistada 4).

Qualificação escolar e engajamento social convergem na narrativa exposta,


articulando o sucesso alcançado com os seus esforços pessoais ao engajamento em
prol da ampliação dos direitos de cidadania por meio da educação, inclusive aquela
dirigida às crianças em situação de risco, dentre outras ações. Mais um espaço de
atuação profissional se apresenta por meio da participação em Programas e
Projetos educativos implementados pelo Poder público, conforme relata a
Entrevistada 2:

Eu ingressei [como docente/substituta] no curso de matemática


sendo portadora de curso superior, porque eu já tinha [o curso de]
pedagogia concluído e já tinha, também, especialização em
metodologia do ensino superior.[...] Nessa época, eu comecei a fazer
o mestrado, em 2004, e terminei em 2006. (Entrevistada 2).

Antecedendo o intercurso das trajetórias de nossas professoras, o ensino


superior sofreu uma vigorosa modificação com a Reforma de 1968. Promulgada
nesse contexto, a lei nº 5540/1968 propiciou condições para a criação de novas
instituições universitárias no Brasil, visto que até aquele momento, existiam
somente faculdades, e não centros universitários voltados para pesquisas de intuito
acadêmico. Esse movimento reformista culminou em uma lei que, entre outras
iniciativas, “extinguiu a cátedra, introduziu o regime de tempo integral e dedicação
exclusiva aos professores.” (LIRA, 2012, p.1).
A reforma universitária de 1968 trouxe consigo a expansão do ensino
superior e então, novas demandas foram surgindo com a reestruturação
organizacional e curricular, com a organização do exame vestibular para o ingresso

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 208


de novos alunos e com o avanço da pós-graduação e das pesquisas desenvolvidas
nas Universidades. Para o interesse de nosso estudo, duas mudanças merecem
maior atenção: 1) juntamente com a ampliação de vagas para alunos, houve também
o ingresso de novos professores 2) a perspectiva de fazer carreira nas universidades
federais por meio da obtenção de títulos pós-graduados.
A história – pregressa e presente - do ensino superior no Brasil nos ajuda,
também, a refletir sobre a trajetória acadêmica de nossas entrevistadas que,
“vocacionadas” ou não para o magistério, buscaram na Universidade não somente
um crescimento acadêmico, mas uma promoção profissional que lhes garantiu
reconhecimento profissional e estabilidade econômica. Pelos relatos, observamos
que elas passaram pela graduação, fizeram estágios, ministraram aulas na educação
básica e em cursos técnicos até chegarem à docência no ensino superior. Cursando a
pós-graduação, algumas de nossas entrevistadas passaram também a atuar como
professoras substitutas no ensino superior. O exercício dessa função se dá em
paralelo com os compromissos profissionais já assumidos anteriormente, até
finalmente se concentrarem e se estabilizarem numa única instituição. O pequeno
trecho que se segue indica os vários espaços de atuação profissional que a
Entrevistada 2 ocupou até ingressar na Universidade como professora concursada.

E eu já fiz concurso para a universidade federal, que era de


professora substituta, e já fico lá trabalhando. E é nesse período que
eu estou cursando matemática e já era professora da pedagogia.
(Entrevistada 2).

As políticas dos anos 1990 constituem um outro impulso indutor – para o


bem ou para o mal - desta vez em razão da centralidade atribuída à realização
sistemática de avaliação do desempenho docente e da gestão dos Programas de
Pós-Graduação, com efeitos sobre a concessão de bolsas e auxílios para a pesquisa
e da própria distribuição de recursos públicos para os programas.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 209


O QUE SE GANHA E O QUE SE APRENDE

Se no conjunto das narrativas docentes se observa uma busca pela


especialização com vistas a promover o crescimento na carreira docente, torna-se
necessário notar que também a universidade e o ensino superior brasileiro estavam
se modificando. Como assinalou Cunha (2000) os programas de pós-graduação
instituídos com a Reforma de 1968 constituíram uma espécie de enclave moderno
em universidades arcaicas (quando antigas) ou inexperientes (quando mais
recentes). Beneficiando-se desse processo, nossas professoras souberam aproveitar
as oportunidades que os impulsos modernizadores propiciaram, ingressando, se
qualificando e fazendo carreira na universidade, ao mesmo tempo em que, com suas
presenças e seu trabalho, reforçaram o caráter democrático de que se revestiram as
políticas recentes, ainda que com limitações.
A ambição de se qualificar em nível de doutorado foi contemplada pelo
Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais (Reuni) – criado pelo Governo Federal em 2003. Este Programa promoveu
a expansão e interiorização do acesso ao Ensino Superior em regiões do país que até
então não haviam sido contempladas com ofertas nesse nível de ensino, visando
atender as novas demandas para a formação profissional, em particular, dos
docentes que ingressaram na carreira do magistério superior em razão dessa
expansão.
Os cursos de pós-graduação stricto sensu interinstitucionais,25 instituídos
pela Capes-MEC, configurados nos Programas de Mestrado e Doutorado
Interinstitucional (Minter e Dinter), buscam viabilizar a formação em nível de pós-
graduação stricto sensu de docentes e técnicos administrativos estáveis das
Instituições de Ensino Superior, pertencentes à Rede Federal de Educação
Profissional, Científica e Tecnológica.
As nossas entrevistadas foram selecionadas no grupo que realizou a sua
qualificação acadêmica no doutorado em educação, vinculada ao Dinter, numa

25
Mais informações disponíveis em: http://www.capes.gov.br/bolsas/bolsas-no-pais/minter-e-dinter-capes-
setec. Acesso em: 23 jan. 2016.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 210


parceria entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade
Federal do Piauí (UFPI).
Como elas, nós também acreditamos que o intercâmbio de saberes
proporcionado pelo referido Programa tem colaborado com a qualificação
acadêmica, não só de nossas entrevistadas, mas também com a nossa própria, tendo
em vista o conhecimento de realidades distintas da nossa, além do acesso aos
saberes que elas estão criando nas suas instituições universitárias, novas e originais
por estarem em processo de implantação e consolidação, o que nos abre novas
perspectivas de análise e comparação, assim como nos enriquece e nos coloca
novos desafios para uma reflexão renovada a respeito dos nossos espaços de
atuação profissional e, ainda, sobre a relevância social de nosso próprio trabalho.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 211


Referências

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POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 213


POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 214
INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende analisar a noção de formação (Bildung), a


partir da sua retomada crítica, tal como foi realizada pelo filósofo alemão Hans-
Georg Gadamer (1900-2002) no âmbito do seu pensamento, a Hermenêutica
Filosófica. Deste modo, buscamos investigar a importância de tal discussão para a
filosofia da educação contemporânea, visando compreender como tal reflexão foi
considerada por Gadamer, tendo em vista o processo contemporâneo de educação
dos indivíduos, nos termos de uma reconstrução do conceito, na tentativa de
promover uma orientação educacional que vise a formação humana integral e
comunitária (ou prática) como um elemento básico para os desafios
contemporâneos da educação. Ao tematizar a noção de formação (Bildung) em sua
principal obra Verdade e Método, Gadamer pretende um entendimento dos
elementos constituidores deste conceito para o seu projeto filosófico e,
consequentemente, a sua dignidade de ser pensado no âmbito das discussões
contemporâneas.
A partir da necessidade de uma reflexão sobre a formação integral do
homem contemporâneo, a retomada da noção de formação (Bildung) se insere em
um contexto no qual toda formação encontra-se atrelada especialmente ao
desenvolvimento das competências técnicas. Desta forma, a investigação realizada
busca por novos horizontes de compreensão que proporcione uma reflexão sobre a
condição humana, enquanto um ser em formação, na busca de um sentido para a sua
existência comunitária e assim conquistar seu modo de ser mais autêntico. Nesse
movimento contínuo de vir-a-ser, tanto a busca do conhecimento quanto o
desenvolvimento de habilidades sensíveis devem ter espaço no processo da
formação humana.
No intuito de buscar uma significação para a elaboração do presente trabalho,
objeta-se que o mesmo possa trazer um entendimento mais aprofundado diante do
modo específico de entendimento atribuído ao conceito de formação (Bildung) a
partir do século XIX e das conseqüências trazidas por uma compreensão técnica do
mesmo. Notadamente, no que diz respeito à constituição dos processos de

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 215


escolarização que se estabeleceram neste período e que se perpetuam até hoje, de
forma que se faz necessário levantar algumas questões importantes sobre a
possibilidade de se repensar a educação em seus aspectos menos técnicos e
redirecionar as discussões no sentido de pensar de modo mais abrangente. Assim,
trataremos de uma noção de formação circunscrita à experiência hermenêutica
própria do indivíduo em comunidade, da qual também faz parte as suas escolhas
existenciais, que acontece como um movimento de internalização e externalização
de valores e conceitos que não lhe são próprios 26, como um caminho para a
liberdade do sujeito autônomo, dentro de um contexto de emancipação e
compreensão do seu lugar no mundo.
Como modo de formação do homem, enquanto um processo contínuo de
auto-reflexão – não se limitando a uma atividade técnica –, a formação enquanto
Bildung possibilita ao indivíduo um processo de auto-reconhecimento, ao mesmo
tempo em que apreende aquilo que lhe é transmitido, em um movimento de tornar-
se o que se é, em contato com a tradição que o precede e o forma, como herança
viva a ser continuamente situada em cada época. Assim, a noção de formação
(Bildung) é um conceito que indica uma multiplicidade de sentidos que atingem o
homem histórico, esclarecendo as mudanças espirituais ocorridas ao longo do
tempo; e, ao mesmo tempo, liga-se ao ideal de aperfeiçoamento de faculdades e
aptidões espirituais.
Gadamer analisa o conceito de formação (Bildung) buscando recuperar o
mesmo conceito de sua compreensão mais comum, a partir da qual é salientado seu
caráter mais técnico, repensando-o de modo mais amplo, relacionado à própria
constituição do modo de ser histórico e finito; e, no seguimento de Heidegger,
retornando ao sentido mais genuíno das coisas, pela consideração existencial do
homem em seu modo de ser mais autêntico. Para Gadamer, a formação (Bildung) é
um conceito que vai muito além do modo como é pensada hoje, estreitamente

26
Em Ser e Tempo, Martin Heidegger apresenta o caráter humano em sua condição mais autêntica, ou seja, como
possibilidade de ser. O Dasein (ser-aí) humano, sua natureza autêntica em relação ao Ser, é poder-ser. Caso todas
as possibilidades do Dasein se tornassem concretas, então não haveria mais um Dasein, pois “enquanto o Dasein
é um ente, ele jamais alcançou seu ‘todo’” (HEIDEGGER, 2005, p. 310, modificado).

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 216


ligada ao conceito moderno de cultura, indicando a capacidade humana de
aperfeiçoar as suas aptidões e faculdades:

“No conceito de formação percebe-se quão profunda é a mudança


espiritual que nos permite parecer contemporâneos do século de
Goethe, e em contrapartida considerar a época barroca como um
passado pré-histórico [...] o fato de a formação (assim como a atual
palavra “Formation”) designar mais o resultado desse processo de
devir do que o próprio processo corresponde a uma frequente
transferência do devir para o ser” (GADAMER, 2014, p. 44).

Assim, a noção de formação (Bildung) refere-se a um processo mais elevado


e designa um modo de ser que é continuamente processado pela própria existência
do homem, relacionando-se tanto ao conhecimento quanto ao comportamento
humanos, ligados às experiências existenciais que perpassam a vida humana em sua
mais radical imanência.
O modo como o idealismo alemão, em especial Hegel, compreenderam a
noção de formação (Bildung), é munida de uma profundidade tal que a compreensão
atual abdicou-se dela. Desta forma, remontando à antiga tradição mística, tendo
como imagem o homem medieval que traz em si a própria imagem de Deus, sob a
qual foi criado e pela qual deve reconstruir-se, a formação passa a ter um caráter de
formação do próprio homem, enquanto imagem de Deus, que está sempre se
reconstruindo diante dos desafios de sua própria existência. Dito de outra forma, a
formação (Bildung) refere-se à constituição do próprio homem essencial, mesmo
tendo como referência sua condição de “imagem” na totalidade de sua natureza
enquanto corpo, alma e espírito: “É da essência universal da Bildung humana, fazer
de si um ser espiritual universal” (GADAMER, 2014, p. 49).
A compreensão moderna do termo Bildung (formação) designa mais o
resultado de um processo de devir técnico-científico do que uma contínua relação
entre o ser e o devir. Neste sentido, a formação não deveria ocorrer somente a partir
de uma finalidade técnica, mas surgir de um processo interior de formulação e
reformulação integral, em constante movimento de auto-reflexão, buscando um
contínuo processo de aperfeiçoamento. Sendo assim, a formação não poderia ser

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 217


apenas um mero cultivo de aptidões inatas, mas antes um processo de apropriar-se
também do que é ensinado por alguém e, ao mesmo tempo, uma integração ao que
é assimilado, de forma que nada do que foi aprendido poderia ser esquecido, mas
antes resignificado na vida histórico-prática. Para Gadamer, é essa compreensão que
irá interessar às discussões contemporâneas acerca das ciências humanas. Diz
Gadamer:

“(...) porque o ser do espírito [histórico] está vinculado


essencialmente com a ideia de formação. O homem é assinalado
pela ruptura com o imediato e o natural, o que lhe é exigido através
do lado espiritual e racional de sua natureza. “segundo esse lado ele
não é, por natureza, o que deve ser”, razão pela qual tem
necessidade de formação. O que Hegel denomina de natureza formal
da formação, repousa na sua universalidade” (GADAMER, 1997, p.
51).

Para Gadamer, o retorno à noção de formação, especialmente em Hegel,


autor central do idealismo alemão, é um caminho para a retomada da Bildung em
seu sentido universal, ou seja, a elevação da consciência humana à visualização da
universalidade, não se limitando à formação teórica em contraposição à formação
prática, mas antes como uma forma de abranger o conjunto da determinação
essencial da formação, própria das possibilidades racionais humanas. Desta maneira,
o fim último da formação humana é tornar o próprio homem um ser histórico, em
seu sentido universal. Para isso, é exigido um sacrifício do particular, em favor do
universal, indicando assim uma via de elevação do homem à autoconsciência em si e
para si. Seguindo as palavras do próprio Hegel, “somente como razão cultivada e
desenvolvida – que se fez a si mesma o que é em si – é homem para si; só essa é sua
efetividade” (HEGEL, 2001, p. 39).
Deste modo, a centralidade do conceito de formação reside no sentido do
desenvolvimento do ser-em-si do homem histórico, compreendido como ente
natural e consciente da necessidade de uma contínua auto-reflexão, nas vias de

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 218


cultivar suas habilidades em busca de sua universalidade. Isto é, o homem histórico
não é por natureza o que deve ser, mas necessita de uma formação cultural27.
Para Gadamer, a formação não é fim em si mesmo, não é uma forma de
cultivar aptidões, pois não é algo pré-existente. Na verdade, é uma forma pela qual o
ser humano forma a si mesmo, refletindo sobre si próprio enquanto ser histórico e
finito; e nesse caminho de formação, o próprio processo é formativo. Como afirma
Gadamer,

“Na consciência autônoma que o trabalho propicia à coisa, a


consciência que trabalha se encontra a si mesma como uma
consciência autônoma. O trabalho é a cobiça inibida. Ao formar o
objeto, portanto, enquanto ela é ativa de modo destituído do próprio
e em busca de um sentido universal, eleva-se a consciência que
trabalha, acima do imediatismo, de sua existência numa
universalidade [...] ao formar a coisa forma a si mesma” (GADAMER,
2014, p. 57).

Assim, o próprio homem forma-se na experiência efetiva vivida, imersa na


historicidade da vida. Ao interagir com o outro, que a princípio lhe é estranho,
aprende a lidar consigo mesmo, nesta continua relação com o outro. Ainda nessa
dimensão do entendimento acerca da formação vinculada ao outro, reconhece-se
em uma determinação histórica: “reconciliar-se consigo mesmo e reconhecer-se a si
mesmo no ser-outro” (GADAMER, 2014, p. 49). Aqui fica ainda mais claro este
reconhecer-se historicamente no processo de formação, pois o próprio homem é
levado a um distanciamento do dado imediato; agora ele se ocupa também com algo
constituído de uma natureza estranha, da reminiscência pertencente à memória e ao
pensamento, refletindo sobre sua liberdade e sobre as possibilidades do já foi
aprendido na experiência do lidar com o devir e com o outro. Diz Gadamer:

“Com isso fica claro, em Hegel, que não é o alheamento como tal,
mas o retorno a si, que, sem dúvida, pressupõe o alheamento que
perfaz a essência da formação. Nesse caso a formação não deve ser
entendida apenas como o processo que completa a elevação

27
Traduzir a Bildung pela expressão formação cultural é uma proposta que garante sua complexidade, pois é
revestida por um significado duplo, a saber: o ideal pedagógico formativo assentado em solo institucional,
cultural e o ideal de um auto-cultivo, não necessariamente atrelado a uma instituição formativa (NICOLAU, 2013).

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 219


histórica do espírito ao sentido universal, já que ela é ao mesmo
tempo também o elemento, no interior do qual o que é formado se
move” (GADAMER, 1997, p. 55).

Desta forma, o processo de formação, do ponto de vista de Gadamer,


pressupõe não apenas um processo, mas um modo de ser efetivo, condição para se
manter aberto ao outro e ao novo, em um movimento constante de refletir sobre si
mesmo na relação com os outros, compreendendo esse processo como uma
experiência daquilo que é universal e comunitário. Sendo assim, o homem bem
formado é aquele que é capaz de olhar para si mesmo através do outro, de forma
que possa compreender esse movimento do que é comum. Segundo Gadamer,

“Quando nós, porém em nosso idioma dizemos formação, estamos


com isso nos referindo a algo ao mesmo tempo mais íntimo, ou seja,
a índole que vem do conhecimento, e do sentimento do conjunto do
empenho espiritual e moral, a se derramar harmoniosamente na
sensibilidade e no caráter” (GADAMER, 2014, p. 48).

Portanto, a formação é uma experiência histórica de compreensão do ser


histórico no mundo; e não somente um processo de internalização de conteúdos
técnico-científicos. Gadamer considera que a educação enquanto formação cumpre
seu papel à medida que promove uma formação mais abrangente, do ponto de vista
do universal, permitindo ao ser humano desenvolver suas capacidades e traçar um
caminho de compreensão de si mesmo e do mundo de forma mais ampla. Deste
modo, não poderíamos limitar a ideia de Bildung à formação técnica e especializada,
tal como atualmente se atribui ao mesmo conceito.
No registro da hermenêutica filosófica, Gadamer reabilita o conceito de
Bildung ao recuperar um sentido atual do mesmo para o processo compreensivo
próprio do homem, indicando novos caminhos de pensamento que também
contribuem para uma experiência formativa que lhe permite conscientizar-se
enquanto ser histórico e finito e, ao mesmo tempo, desenvolver suas capacidades
racionais e práticas, de forma que possa compreender do ponto de vista do
universal em comum. Do ponto de vista da educação, tal reabilitação indica uma
experiência educacional histórica, esquecida ao longo da existência humana, que

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 220


resiste a modelos de educação técnico-científicos que proporcionam apenas
respostas para questões especializadas, deixando de lado o processo mais genérico
de aprendizagem. De acordo com Flickinger,

“O conceito de formação hoje considerado clássico remete a ideias


vinculadas às noções de Paideia e Bildung; noções estas que fogem
de uma tradução direta, de uma palavra só. A Paideia dos filósofos
gregos traz consigo uma forte concepção ética, pouco presente na
concepção contemporânea da educação (...). Porém, nem a
concepção primordialmente ética da Paideia, nem a expectativa de
poder conquistar sua autodeterminação por meio da Bildung
marcaram o nosso entendimento do conceito de formação hoje.
Muito pelo contrário, esse conceito parece ser cada vez mais distante
de qualquer comprometimento com essas raízes” (FLICKINGER, 2010,
p. 178).

Na verdade, pode-se entender, conforme a passagem acima citada, que o


projeto de formação configurada como Bildung, como já apontou Gadamer, não tem
sua origem no processo de educação tecnicista e reducionista, mas na herança grega
antiga do ideal de educação para a pólis. Em outras palavras, Bildung é uma modo de
compreender a Paidéia. Mas onde surge a decadência desse modelo ideal de
educação? O que levou a cultura ocidental reproduzir um modelo de educação que
desqualifica o processo de constituição enquanto ser atuante no mundo em favor de
uma educação ligada à produção técnico-científica?
Há algumas questões que, segundo Flickinger, devem ser consideradas
como o “atual cenário sócio econômico, revelando a dinâmica de um processo ao
qual a educação está presa” (FLICKINGER, 2010, p. 178-179). Essa dinâmica própria
do capitalismo moderno tem levado a sociedade a um processo cada vez mais
agudo de globalização, que se coloca frente à instituição educacional como fator
determinante da condução da formação dos indivíduos. Na tentativa de responder
às necessidades imediatas produzidas e reproduzidas por esse mesmo processo
socioeconômico e cultural, o modelo contemporâneo de educação técnico-científica
acaba por esvaziar a própria noção de homem enquanto indivíduo passível de um
processo de formação cultural ampliada.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 221


Concluímos então que, por mais que o pensamento hermenêutico possa
trazer grandes contribuições à educação, estas não virão no formato de uma nova
teoria pedagógica ou didática a partir da qual poderemos mapear orientações sobre
“como se deve fazer”. Do ponto de vista da educação, a hermenêutica filosófica
oferece um questionamento fundamental acerca da posição teórica assumida como
mais própria para nosso tempo, sugerindo como principal desafio uma compreensão
mais integral de educação, afastando-se das modernas pretensões instrumentalistas
nas quais se encontram imersas os modelos atuais de educação; e, ao mesmo tempo,
explicita a necessidade de recuperar o caráter formador e transformador do próprio
processo educativo.
A formação possibilitada pela relação com a tradição 28, elemento
fundamental da hermenêutica filosófica, age em sentido oposto ao reducionismo
técnico-científico. A ideia de formação na perspectiva hermenêutica traz uma
contribuição no sentido de superar um abismo que existe entre o mundo moderno e
o “sujeito”, com seus desencontros e incomunicabilidade, pois o processo
compreensivo pode tanto fundamentar uma auto-compreensão do próprio homem,
como também pode criar as condições reflexivas para um entrecruzamento de
experiências do mundo histórico.
Em outro momento, quando Gadamer afirma que toda “educação é educar-
se” (GADAMER, 2001, p. 14), ele nos lembra que a experiência educativa não pode
ser algo simplesmente determinado por um sistema educativo, como também não se
pode ter a pretensão de objetivar o sujeito e sua aprendizagem, pois esse processo
não é externo ao próprio homem. Assim, todo o processo formativo, mesmo que
esse esteja intimamente ligado a modelos técnicos, depende de um posicionamento
ativo do indivíduo em sua comunidade que, em diálogo com si mesmo e suas pré-
compreensões, passa por um processo de transformação, entendendo a
aprendizagem e a formação como processos onde também a compreensão acontece
efetivamente.

28
Podemos compreender a tradição como um fluxo contínuo de sentido que nos perpassa pela linguagem,
historicamente situada. A tradição comporta-se como algo com o qual nos relacionamos e que, por sua vez,
possui um comportamento autônomo em relação ao objeto, não se confundindo com ele, ou seja, é algo que se
comporta em relação a um objeto e não um objeto sobre o qual a nossa consciência se debruça. Assim, “a
relação entre nós e a tradição comporta-se nos mesmos moldes que a relação eu-tu.” (CROCOLI, 2012, p. 38).

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 222


Segundo Flickinger, ainda no processo de educar-se e autodesenvolver-se,
para que o indivíduo alcance a liberdade tanto social quanto cultural, deveria
receber estímulos, possibilitando uma experiência de Bildung (formação), mesmo
que completamente determinada pelos processos socioeconômicos que buscam
levar o homem a produzir e consumir, de modo que toda formação poderia voltar-se
ao propósito de manutenção do sistema econômico. Na verdade, o processo de
auto-formação é anterior a toda produção. E também possibilita pensarmos tal
processo sócio-econômico.
Ou seja, se hoje a formação dos indivíduos tem um papel fundamentalmente
técnico, e o mercado de trabalho demarca o lugar do sujeito no mundo, o
conhecimento científico é cada vez decisivo na constituição de uma “sociedade do
saber especializado”. Nossa condição sócio-cultural coloca-se de modo distinto às
configurações científicas de outras épocas. Atualmente, todo conhecimento
considerado relevante é próprio do especialista, ou seja, daquele indivíduo que se
especializa em uma área específica, abdicando-se de pensar, de um ponto de vista
mais amplo, a totalidade das coisas, tornando-se inclusive um desafio refletir acerca
do próprio ser humano como um todo, em sua condição histórica e finita.
Assim, um modelo de educação que capacita um indivíduo apenas como um
mero cumpridor de tarefas técnicas, onde sua reflexão acerca de sua condição
humana e histórica é deixada de lado, não pode ser considerada como a única
possibilidade, pois reduz o papel do homem a um mero reprodutor de ideias pré-
estabelecidas do mundo concreto, sustentando a manutenção dessa mesma
reprodução, como uma máquina que se ajusta a uma tarefa determinada
previamente, deixando de lado a sua condição de ser-no-mundo como manifestação
histórico-finita. Nesse contexto contemporâneo, a hermenêutica filosófica
reinvindica a tarefa crítica de recompor uma reflexão acerca do próprio modo de ser
do homem em sua condição mais própria, de ser no mundo com os outros, anterior
ao modo moderno de pensar o próprio homem.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 223


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POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 224


POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 225
INTRODUÇÃO

A educação integral em tempo integral é algo bastante discutido hoje no


cenário educacional brasileiro, pelo fato de ter ganhado destaque nas políticas
públicas ultimamente, pois passou a ser um meio de garantir a qualidade da
educação pública. É importante ressaltar que a concepção de educação integral e a
práxis docente está diretamente relacionada a compreensão de educação, homem e
sociedade, construído ao longo do processo histórico da educação, pois há
ideologias políticas como o socialismo, o liberalismo e o conservadorismo, que
foram determinantes na construção de uma concepção de educação integral de
maneira distinta.
A abordagem desse estudo não é nenhuma novidade, pois na antiguidade
Aristóteles já tinha sua própria definição sobre educação integral, para ele seria uma
educação capaz de fomentar as potencialidades do indivíduo, já Marx define como
formação omnilateral, ou seja, uma formação completa.

Experiências e análises sobre o tema estão ocorrendo em diferentes


partes do Brasil. Mas, o tema não é novo; é tema recorrente, desde a
antiguidade. Aristóteles já falava em educação integral. Marx preferia
chamá-la de educação “omnilateral”. A educação integral, para
Aristóteles, era a educação que desabrochava todas as
potencialidades humanas. (Gadotti, 2009, p. 21).

Na história da educação temos vários teóricos, que defendem a necessidade


de uma educação integral constante na vida do ser humano, já no Brasil ganha
destaque a concepção de Paulo Freire, a educação para a emancipação humana.

No Brasil, destaca-se a visão integral da educação defendida pelo


educador Paulo Freire (1921-1997), uma visão popular e
transformadora, associada à escola cidadã e à cidade educadora.
(Gadotti, 2009, p. 21).

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 226


Existem diversas dúvidas sobre a definição do que seria a educação integral
e educação em tempo integral, primeiramente define-se a palavra integral segundo
Dicionário Soares Amora (2010), que significa inteiro, total, completo. Deve-se
compreender que a educação precisa ser integral, pois caso não seja não é
educação, pelo fato de não cumprir com sua finalidade, que é a formação integra do
indivíduo, enquanto que a educação em tempo integral seria uma formação
completa com aproveitamento da ampliação de carga horária no espaço educativo. A
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/96 (LDB), em seu Artigo 34,
apresenta definições sobre a educação em tempo integral. Já o Artigo II aponta a
finalidade da educação, que é desenvolver plenamente o educando.
Diante do exposto cabe destacar, que independente da concepção de
educação integral, existe um aparato legal relacionado aos aspectos relevantes da
educação integral, como a ampliação do tempo escolar, a qualidade da educação
com relação ao processo de formação, igualdade de condições com relação ao
acesso e permanência, como por exemplo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBN), Lei Federal nº 9.394/1996, a Constituição Federal, entre outros.
A partir do explanado anteriormente pode-se afirmar que não há um
conceito fechado de educação integral, pois sua definição está relacionada com as
diferentes ideologias políticas que compõe o contexto social, cabe a nós, futuros
profissionais da educação definirmos e consolidarmos a práxis docente a partir de
uma concepção, tendo em vista o modelo de homem que queremos formar para
atuar na sociedade.

Antonio Gramsci resumiu assim a antropologia de Marx: “o homem é


um processo dos seus atos” 17 . Esses atos não estão isolados, não se
dão espontaneamente: estão intimamente relacionados e
condicionados pela ação de cada homem, da natureza, da sociedade
e da história. Nessa totalidade, o que une primordialmente os
homens é a busca dos meios próprios para garantir sua existência.
Sua práxis é, portanto, eminentemente histórica [...]. (Gadotti, 1983, p.
14).

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 227


Enquanto profissional da educação acredita-se que a educação integral
fundamentada numa concepção democrática, que pode ser definida como um
processo de formação completa do indivíduo, ou seja, uma formação direcionada ao
desenvolvimento de vários aspectos como o afetivo, o cognitivo, o social, entre
outros, que seja capaz formar sujeitos na sua integralidade, ou seja, sujeitos
holísticos, emancipados, omnilateral, considerando a sociedade vigente, caso
diferente de nossa realidade, pois em nossas instituições atualmente essa formação
vem acontecendo de maneira fragmentada.
Com base nas ideologias políticas mencionadas pode-se identificar três
grupos, a partir de uma perspectiva sócio-histórica, os anarquistas, os integralistas e
os liberais, sendo que cada um deles apresenta um caráter político-pedagógico
diferenciado. Sobre as ideológicas políticas Paiva; Azevedo e Coelho (2016)
apresenta a seguinte formulação:

[...] a educação e, mais especificamente, a educação integral,


interpretada e definida pelo conservadorismo, socialismo e
liberalismo, mesmo apresentando alguns aspectos em comum,
diferem enquanto concepção definida.

A visão anarquista apresentavam uma definição de educação integral


completa a partir de uma postura critico-emancipadora para os menos favorecidos,
os ideais dos integralistas fundamentava-se numa visão conservadora, pois essa
formação integral destinava-se ao desenvolvimento de aspectos físicos, intelectuais,
cívicos e espiritual dessa formação compreendida como o todo. Contrapondo-se aos
anteriores surgem os ideais de educação integral a partir de uma concepção liberal,
que emergiu com as várias modificações econômicas e surgimento de um novo
modelo de sociedade, com isso surge o movimento que ficou conhecido como
Escola Nova que apresentou inovações teóricas no panorama educacional brasileiro,
com o intuito de superar a o conservadorismo da tendência tradicional. Para Coelho:

[...] uma das principais marcas do pensamento educacional libertário é


a crítica ao sistema de ensino dentro do sistema capitalista. Os
anarquistas desconfiavam da educação oferecida aos filhos dos
trabalhadores, tanto por parte do Estado, como da Igreja. (2009, p. 25)

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 228


É fundamental que os profissionais da educação conheçam as diversas
vertentes acerca da educação integral, para que possamos construir uma práxis
docente significativa na educação integral em tempo integral, pois esses termos são
indissociáveis. A partir disso faz-se necessário hoje em nossas escolas uma
educação integral em tempo integral pautada na concepção democrática,
direcionada principalmente para uma educação de qualidade, que seja favorável a
formação de indivíduos na sua multidimensionalidade, ou seja, que considere as
mais variadas possibilidades de desenvolvimentos dos sujeitos envolvidos no
processo de construção e reconstrução dos diversos saberes.
Dourado, Cavalcante e Carvalho (2016), identificaram em seu estudo, que há
uma grande dificuldade no cotidiano dos professores, que a é teorização de sua
prática, ou seja, sistematizar saberes necessários ao processo formativo dos sujeitos,
sendo que esses saberes precisam ser definidos com objetivos claros quanto ao
processo formativo na escola de tempo integral, pois com a ampliação da jornada
escolar faz-se necessário que os docentes definam saberes que possibilitem uma
formação multidimensional dos educandos. Figuerêdo e Ribeiro (2016) aponta o
Programa Mais Educação no cenário educacional brasileiro como uma estratégia de
implantação da jornada ampliada no espaço escolar, com o intuito de promover uma
educação integral de qualidade.
Diante do exposto, percebe-se que é indispensável pesquisas relacionadas a
prática docente na escola de tempo integral. Assim sendo necessário notá-las como
uma meio de compreender o processo de formação na contemporaneidade, com
isso o presente estudo objetivou verificar as concepções de professor de Ensino
Fundamental I acerca da importância da práxis docente no processo de formação do
aluno da escola pública com ampliação de jornada escolar.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 229


MÉTODO

Este estudo foi realizado com professores da Rede pública do Ensino


Fundamental I etapa da cidade de Joaquim Pires Piauí, os mesmos foram escolhidos
por lecionarem em escolas que possuem ativamente o Programa Mais Educação. É
uma pesquisa de cunho qualitativo de caráter empírico, para a coleta de dados foi
utilizado a técnica de associação livre de palavras.

PARTICIPANTES

A amostra desse estudo foi composto por 26 professores da Rede Municipal


de Ensino de Joaquim Pires Piauí, com idade média entre 20 e 55 anos, onde 88,4%
eram do sexo feminino e 11,5% do sexo masculino.

INSTRUMENTO

Nesse pesquisa empregou-se a Técnica das Redes Semânticas para a


verificação das definições educacionais acerca das palavras-estimulo Educação em
Tempo Integral e Práxis Docente. O instrumento utilizado continha a princípio uma
explicação sobre a temática da pesquisa, com a garantia de integridade dos dados
coletados, quanto ao objetivo do estudo. Posteriormente foi apresentada a palavra
Educação em Tempo Integral para que os colaboradores notificassem cinco palavras
que definiriam a mesma. Em seguida, mais cinco palavras definidoras de Práxis
Docente. Após o registro o mesmo deveria categorizar as palavras escritas com a
finalidade de organizar a que melhor definiria a palavra-estímulo, receberia o
número 1, já a segunda com o número 2 e sucessivamente a até categorizar a
palavra que receberia o valor 5. Ao final o participante respondeu a um questionário
sócio-demográficos com informações pessoais.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 230


PROCEDIMENTOS

A aplicação do instrumento a princípio aconteceu a partir de um contato


prévio com algumas escolas públicas do município de Joaquim Pires Piauí e em
seguida com os professores, com a finalidade de conferir a disponibilidade dos
mesmos quanto a participação na pesquisa. Nesse trabalho foi garantido a
confidência das informações apresentadas no instrumento, que não apresenta
identificação nominal do colaborador, além de ter sido respeitado o direito de
recusa de participar da pesquisa.

ANÁLISE DOS DADOS

Os termos listados pelos participantes da pesquisa, considerando as


palavras-estímulo, durante a análise considerou-se a conceituação dos seguintes
referências, conforme o instrumento utilizado: Araújo; Sá; Amaral; Azevedo; Lobo
Filho, (2016), Pessoa 2008.
Nesse procedimento percebe-se consequentemente que a Rede Semântica
possibilita uma análise proveitosa de uma palavra quanto à sua significação. A partir
da exploração dos termos, o instrumento proporciona uma melhor conceituação
sobre a temática em questão. A Rede Semântica apresenta a seguinte organização,
conforme Araújo; Sá; Amaral; Azevedo; Lobo Filho (2016):

[...]a técnica de redes semânticas naturais (Reyes-Lagunes,


1993; Vera-Noriega, Pimentel e Albuquerque, 2005; Vera-
Noriega, 2005), os quais são: tamanho da rede (TR), núcleo da
rede (NR), peso semântico (PS) e distância semântica
quantitativa (DSQ). O TR é obtido através do número total de
definidoras (palavras utilizadas para definir o conceito).

Considerando o exposto anteriormente, sobre a estruturação de Rede


Semânticas, a tabela com as informações do instrumento está distribuída da
seguinte maneira: as palavras foram organizadas na tabela na coluna Núcleo de

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 231


Redes respeitando a hierarquização de maior peso semântico, na segunda coluna
foram coladas em ordem de acordo com o valor da Distância Semântica dos termos,
sendo que esse mesmo é resultante dos termos do Núcleo de Rede, onde foi a
atribuído o percentual de 100% para a palavra com maior peso semântico, a partir
disso calculou-se através de uma regra de três a Distância Semântica dos outros
termos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A primeira tabela elucida definições acerca do educação em tempo integral,


sendo que essas informações foram obtidas a partir da técnica de associação livre
de palavras. Elencou-se cinco palavras para facilitar a definição. Analisando a tabela
de número 1 observou-se que os professores definiram o termo aprendizagem
como sendo o mais importante, pelo fato de possuir peso semântico mais
significativo (100%), em relação as outras definições.

Tabela 1. Rede semântica do estímulo Educação em Tempo Integral

DSQ (Distância
PS (Peso Semântico)
NR (Núcleo da Rede) Semântica)
F
%
Aprendizagem 100 100
Qualidade 32 53,3
Disciplina 21 35
Formação 12 20
Tempo 7 11,6

Posteriormente aparece as palavras qualidade e disciplina como sendo as


mais significativas, considerando o termo de destaque aprendizagem. Além de
apresentarem a Distância semântica próxima da definição mais considerada,
conforme participantes da pesquisa.
Os termos qualidade e disciplina, elucidados pelos colaboradores
evidenciam que os professores participantes da pesquisa tem conhecimento acerca
importância da qualidade da educação, considerando os componentes curriculares

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 232


como algo necessário à formação integral dos educando da escola de jornada
ampliada.
Cabe salientar que as palavras formação e tempo, foram definição que
assumem um posição final, mas que também foram atribuída a educação em tempo
integral, são consideráveis, pelo fato de fazer parte das definições complementares.
Durante a aplicação do instrumento alguns apresentaram o seguinte discurso: que
não acham legal outras pessoas, que muitas vezes nem possuem uma formação
atuarem como monitores do Programa Mais Educação e não os professores do
período regular, pois os professores teriam que se adaptar também essa jornada
ampliada, além disso qual a qualidade de ensino do contra turno, levando em
consideração as pessoas que atuam como formadores.
Diante do apontado anteriormente pelos agentes da pesquisa com relação
as profissionais que atuam no Programa Mais Educação, Penteado (2016) faz a
seguinte consideração em seu estudo:

A estratégia proposta no Programa que articula Governo, escola e


sociedade, define que as oficinas – inclusive aquelas do letramento e
da matemática – serão ministradas por voluntários que podem ser
selecionados na própria comunidade de entorno e não faz exigências
quanto a nenhuma formação específica, ainda que destaque a
preferência por estudantes universitários em formação na área afim.
É inevitável considerar que esse modelo não apenas desvincula o
ensinamento/aprendizagem da necessidade de um saber construído
socialmente e que implica uma prática e razão pedagógica, como
desqualifica a profissão docente e suas especificidades indicando
que basta conhecer algo sobre algo para que se o ensine.

Considerando os dados obtidos, percebe-se que a educação em tempo


integral é compreendida pelos os professore pesquisados como uma maneira de
obter a qualidade da educação, com isso o destaque é a aprendizagem dos
educandos, pois identificam a necessidade de uma aprendizagem significativa, que
seja capaz de formar sujeitos em suas múltiplas dimensões, mas é apontado uma
falha na efetivação do Programa Mais Educação nas instituições, quanto as pessoas
atuante no processo formativo na jornada ampliada, segundo relato de alguns
professores durante a listagem das definições. Sobre o problema apontado com

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 233


relação aos agentes que atuam no Programa Mais educação o Ministério da
Educação (MEC) apresenta a seguinte afirmação:

A Educação Integral abre espaço para o trabalho dos profissionais da


educação, dos educadores populares, dos estudantes em processo
de formação docente e dos agentes culturais, que se constituem
como referências em suas comunidades por suas práticas em
diferentes campos (observando-se a lei nº 9.608/1998, que dispõe
sobre voluntariado).

Informações divulgadas no portal do ministério da educação (MEC), afirma


que os alunos matriculados no programa Mais educação apresentam uma
considerável evolução no indicadores de qualidade, dados estes obtidos através de
uma avaliação nacional realizada na escolas públicas, a Prova Brasil. MEC apresenta
a seguinte informação:

Escolas participantes do programa Mais Educação, com todos os


estudantes matriculados no regime de tempo integral, apresentaram
evolução significativa de desempenho na Prova Brasil. A constatação
é de estudo da Secretaria de Educação Básica (SEB) do Ministério da
Educação. O Mais Educação (PME) atende instituições de ensino com
baixos indicadores de qualidade educacional localizadas em zonas
de vulnerabilidade social. Contabilizadas todas as escolas que
participam do programa, o desenvolvimento também foi melhor do
que a média nacional.

Portanto as definições semânticas apontadas nesse estudo, devem ser


apreciadas como relevantes à problemática, pois apontam conceituações sobre a
compreensão da finalidade da educação integral no cenário educacional vigente,
quando direcionam a palavra aprendizagem como prioridade para obtenção da
qualidade da educação, pois no presente estudo é apontado anteriormente
informações relevantes ao dado obtido.
Considerando a ação docente como um dispositivo significativo na
educação de tempo integral com relação a formação multidimensional dos alunos
no espaço escolar, ou seja, uma prática docente eficaz e eficiente determina a
qualidade do processo formativo, a partir disso foi realizado também uma

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 234


classificação semântica com os mesmos professores abordando a palavra-estimulo
práxis docente.

Tabela 2. Rede semântica do estímulo Práxis Docente

DSQ (Distância
PS (Peso Semântico)
NR (Núcleo da Rede) Semântica)
F
%
Prática 100 100
Compromisso 36 40
Planejamento 18 20
Formação 16 17,7
Reflexão 06 6,6

Na segunda tabela a palavra prática apareceu com maior peso semântico


(100%) em relação as demais definições apresentadas na tabela 2, os outros termos
são: compromisso, planejamento, formação e reflexão, sendo que o termo
compromisso foi o segundo com maior valor semântico. Nota-se que o termo prática
é definido como sendo fundamental à formação do aluno, posteriormente o
compromisso foi apontado como palavra que melhor conceituaria palavra-estímulo.
Entende-se que os agentes dessa pesquisa destacam a práxis docente como uma
ação efetiva que necessita de um compromisso assumido pelo profissional da
educação, pois isso irá definir o tipo de formação dos alunos. Coelho faz a seguinte
afirmação sobre o compromisso de todos os envolvidos no processo ensino-
aprendizagem:

Cumpre-nos esclarecer, ainda, que estas dimensões – cognitiva,


emocional e sociocultural – estão intimamente ligadas, pois
quando o professor e aluno participam de uma experiência
significativa, ampliam seus conhecimentos, exercitam o
pensamento reflexivo, interagem, tomam decisões e assumem
compromissos. (2009, p. 162).

Dourado; Cavalcante e Carvalho 2016, compreendem que a concepção


sobre competência está ligado ao significado de conhecimento, com isso a prática
docente é definidora de uma formação significativa. A partir disso pode-se perceber

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 235


que a Escola de Tempo Integral é uma ampliação de tempo da jornada escolar, como
também uma possibilidade de se efetivar uma educação de qualidade, que resultará
na formação omnilateral dos sujeitos. Nesse sentido Nascimento (2016) faz a
seguinte ressalva sobre formação omnilateral:

Ao que podemos inferir a educação integral deverá inclinar-se para a


exigência da omnilateralidadeiii, ao passo que a proposta de ensino é
articular uma educação intelectualizada, com o objetivo de instrução
do indivíduo, com uma educação que prepare esse mesmo indivíduo
para a descoberta das suas potencialidades, a fim de que descubra o
mundo que se afigura a sua frente e seja capaz de se adaptar e se
perceber nesse mundo.

É necessário perceber o professor como um agente formador e


transformado, sendo o mesmo fundamental no processo de formação humana, pois
deve formar sujeitos completos, ou seja, uma formação multidimensional, que
comtemple vários aspectos como o social, afetivo, cognitivo, físico, intelectual,
emocional, entre outros. Figuerêdo e Ribeiro (2016) faz a seguinte afirmação sobre o
processo formativo e a práxis docente:

Estas múltiplas dimensões precisam ser contempladas na formação


escolar pelo desempenho de práticas que visem possibilitar, aos
alunos, a reconstrução de suas experiências cotidianas durante o
processo de ensino-aprendizagem.

É importante considerar que a ação do professor tem o dever de respeitar os


saberes socialmente adquiridos em seu contexto social na escola de tempo integral,
uma prática pedagógica comprometida com formação significativa e uma educação
de qualidade busca uma educação transformadora, valorizando os saberes dos
alunos com relação ao ensino e aprendizagem, só a partir da valorização dos saberes
dos discentes alcança-se um formação integral. Gonçalves (2016) faz seguinte
formulação sobre a práxis docente e a valorização dos saberes dos educandos na
escola de tempo integral.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 236


Só faz sentido pensar na ampliação da jornada escolar, ou seja, na
implantação de escolas de tempo integral, se considerarmos uma
concepção de educação integral com a perspectiva de que o horário
expandido represente uma ampliação de oportunidades e situações
que promovam aprendizagens significativas e emancipadoras.

Considerando a perspectiva da escola de tempo integral, é imprescindível,


que haja uma prática pedagógica significativa, ou seja, uma ação docente
comprometida com a sua finalidade, que é formar indivíduos integralmente, para
isso faz-se necessário uma ação reflexão da práxis docente no espaço escolar. “A
prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico,
dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer”. (FREIRE,1996, p. 22)
Portanto a prática docente precisar ser intencional, reflexiva, crítica e
reconhecer que a educação pode contribuir significativamente para possíveis
mudanças no contexto social vigente, pois a educação é uma forma de intervir no
cenário social, Freire (1996). Entende-se que a prática educativa na escola de
jornada ampliada deve considerar como primordial uma formação, que proporcione
a emancipação dos educandos, pois atividades educativas que valorizam os saberes
cotidianos determinam uma formação mais completa dos educandos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo abordou as definições sociais que os professores da


cidade Joaquim Pires Piauí possuem sobre a educação integral em tempo integral,
como também sobre a práxis docente, considerando que a escola de tempo integral
não é apenas expandir o tempo de permanência do aluno na escola, essa ampliação
de carga horária precisa cumprir com a proposta da escola de tempo integral, que é
oferecer uma educação de qualidade, que propiciará uma formação omnilateral. As
informações obtidas na pesquisa favoreceram à compreensão sobre essa proposta
de educação integral em tempo integral na sociedade contemporânea e a
importância da prática docente no processo formativo. É necessário que haja uma
conscientização do papel do educador como propiciador de uma formação
significativa, com relação a problemática em questão.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 237


Partindo da crítica levantada pelos participantes da pesquisa, com relação as
pessoas que atuam na efetivação do projeto do governo, o Programa Mais Educação
é algo que deve ser repensado com um olhar crítico e reflexivo, mas mudanças
efetivas, quanto a atuação dos profissionais, está diretamente ligado aos decretos
das políticas públicas vigentes. Considerando o objetivo principal desse estudo que
é verificar as concepções de professor de Ensino Fundamental I acerca da
importância da práxis docente no processo de formação do aluno da escola pública
com ampliação de jornada escolar, observou-se que os colabores definiram o
professor como um sujeito fundamental no processo de formação humana, pois a
prática docente comprometida com desenvolvimento significativo dos aluno foi
apresentada como primordial para obtenção de uma aprendizagem qualitativa.
Portanto, faz-se necessário também a ampliação de tempo do professor do
período regular, pois esse profissional precisa está atuando nessa proposta de
escola em tempo integral, ou seja, precisa adaptar-se de maneira, que possa adquirir
competências indispensáveis a práxis docente através da conciliação teoria e
prática. Paiva; Azevedo e Coelho (2016), aponta a necessidade de atuação de
professores com formação adequada e com uma prática pedagógica comprometida.
A ação docente deve oferecer saberes significativos na escola de tempo integral, ou
seja, saberes que favoreçam a educação integral dos alunos.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 238


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POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 240


POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 241
INTRODUÇÃO

Ao pensarmos sobre a poesia: O criador e a Criatura, de Mário Quintana,


poeta brasileiro nascido em 1906, nos dispusemos a tecer elucidações sobre a
História da Educação brasileira. Quão espantosa é a possibilidade de pensar a
História enquanto invenção, enquanto criação. Este texto é uma reflexão direcionada
a uma tentativa de chacoalhar, abrir, desmontar e colocar no papel de forma sucinta
a contribuição de estudiosos como: Anísio Teixeira, Florestan Fernandes, Darcy
Ribeiro e Paulo Freire no tocante à História da Educação Brasileira, à Escola Pública e
o Aperfeiçoamento Docente. A despeito das singularidades que caracterizam cada
um dos intelectuais em questão há entre eles temas recorrentes que possibilitam
uma articulação e um refinamento de olhar sobre o projeto educacional no Brasil.
A historiografia da educação brasileira é foco de um intenso debate,
momento privilegiado de reconhecimento do trabalho minucioso do historiador da
educação acrescido da riqueza plural de fontes que se encontram no intuito de
produzir um vasto e significativo repertório de achados e saberes da História da
Educação no Brasil. Neste sentido pensar a originalidade do pensamento e da ação
destes intelectuais que procuraram entender de forma cientifica e sistemática os
impasses, as tensões e as possibilidades no campo da educação em seu tempo,
constitui um relevante legado para a História da Educação Brasileira.
Refletir sobre as contribuições dos educadores supracitados é reportarmo-
nos ao projeto republicano, e voltar o nosso olhar para o advento do século XX no
Brasil, o que permite entrever um inventário de contribuições educacionais a partir
de interlocuções críticas de cada um destes estudiosos em um dado recorte
temporal ao longo do século supracitado.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 242


Pensar a História da Educação é imaginar, olhar, buscar, ensaiar,
compreender e criar. Ao fabricar diariamente o passado nos deparamos com nossa
potencialidade criadora, ficando então a cargo da história trilhar esse processo,
pensar as trajetórias, refletir sobre as experiências e gestar a memória.
Para efeito de um processo histórico, incitar as marcas e a sinestesia do
caminho é perceber uma multiplicidade de olhares, de leituras, de interpretações e
de experiências que dividem simultaneamente o espaço do historiar.
Este trabalho tem como objetivo pensar a contribuição dos estudiosos
brasileiros citados à educação brasileira. Neste intento usaremos a perspectiva
transdisciplinar para dialogar com os trabalhos realizados por Anísio Teixeira,
Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro e Paulo Freire a fim de problematizar as
polifonias de vozes alusivas à escola pública no Brasil e ao aperfeiçoamento
docente.

Sobre a Escola Pública e a preparação docente no Brasil

Propomos-nos a pensar a escola pública e a preparação docente no Brasil a


partir do viés do projeto republicano e do empenho inicial de estruturar e organizar
um sistema nacional de educação, muito embora estas ideias de escola pública e
preparação docente já tivessem sido preconizadas em outros tempos. A educação
pública não deve se tratada em si mesma, mas como constituída e constituinte de
um projeto dentro de uma sociedade de classes com marcas históricas especificas
no plano da cultura, política, economia e sociedade.
Do momento político e econômico vivido pelo Brasil no final do século XIX e
inicio do século XX, se evidenciou uma urbanização crescente decorrente do

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 243


capitalismo industrial que provocou um rearranjo complexo na organização da vida
social e no papel do Estado, com isso a educação pública, enquanto projeto, cria
uma nova visibilidade.
Diante do exposto se inicia a mobilização do Estado para estabelecer a
escola elementar, obrigatória, gratuita, laica e universal. Sob esta égide a dinâmica
de estruturação deste projeto transitará da circularidade dos repertórios de
experiências sistemática estrangeira às singularidades da ideia de educação
historicamente construída no Brasil desde a chegada dos jesuítas.
Neste palco a discussão sobre a escola pública e a preparação docente terá
com trama o arcabouço teórico de um grupo dissonante de intelectuais que
marcarão a História da Educação no Brasil pela ação militante em defesa da escola
pública e consequentemente da preparação docente como elemento imprescindível
para a construção de um sistema de ensino nacional capaz de corroborar com o
propósito formativo dos indivíduos.
A atuação destes militantes se configurou de forma peculiar a partir dos
lugares de suas falas e de suas experiências, sabe-se que seus legados apresentam
singularidades, entretanto os intelectuais que neste trabalho nos debruçamos terão
pontos convergentes no que diz respeito à defesa da educação pública, laica,
gratuita e obrigatória para a população brasileira como um todo, tal defesa subjaz
que para tal intento deve-se pensar a complexidade do processo de
ensino,destacando a necessidade da preparação docente.
As contraditoriedades típicas da sociedade capitalista, que deram o alicerce
da necessidade social da educação pública, servirão como elemento para pensarmos
as dificuldades enfrentadas para a construção do sistema nacional de educação e
para percebermos os seus dilemas temporais.
Com o advento da expansão escolar na modernidade e a circularidade de
discursos sobre o caráter educativo, a escola passa a ser entendida de forma
preliminar como projeto fundamental de transmissão da cultura e reprodução dos
mecanismos normativos da sociedade, assim sendo ela vira foco de estudos, analise
e interpretações divergentes circunscritas temporalmente.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 244


Dialogaremos a seguir com intelectuais da educação, vozes dissonantes, que
incorporaram às suas trajetórias a luta e a defesa da escola pública como elemento
transformador dos indivíduos e consequentemente da sociedade brasileira
amparando seu discurso num posicionamento crítico e pontual acerca dos dilemas
circunscritos no âmbito político e social.

ANÍSIO TEIXEIRA: O ensino livre e aberto como único meio efetivo


de combate às desigualdades sociais

Homem de Ciência, um estudioso perspicaz da educação e das práticas


educativas sistematizadas realçadas pela contribuição da ciência, um defensor de
uma educação livre de privilégios, Anísio Teixeira.
Nascido em 1990, tornou-se um intelectual que transitou em distintas áreas
de conhecimento e encontrou nos saberes educativos sua inspiração maior. Com um
repertório vasto de viagens balizado pelo compartilhamento de ideias de outros
estudos fora do Brasil sobre educação, Anísio observou sistemas educacionais de
países como a Espanha, Bélgica, Itália e França e cunhou ideias que marcaram a
educação brasileira de forma incisiva nas primeiras décadas da república.
Defensor da educação pública acreditava que um sistema estatal de ensino
livre e aberto se constituía como o único meio efetivo de combate às desigualdades
sociais. Acreditava que a existência da democracia no Brasil necessitaria de uma
máquina preparatória de democracias, esta máquina era a escola pública que
deveria ser universalizada, laica, gratuita e obrigatória.
Seduzido pelas ideias do educador norte americano Jonh Dewey, Anísio
defendeu as reformas de ensino, a pesquisa educacional, a formação de professores,
as escolas públicas e a democratização do ensino.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 245


Em tempos republicanos de constituição do sistema educacional brasileiro,
identificou o pouco reconhecimento social da educação, instigando assim as
percepções das autoridades políticas à ideia da educação como centro de uma
política de desenvolvimento em que a democracia se constituiria como base das
sociedades modernas, estando à educação vigente no inicio do século XX
inadequada às necessidades emergentes da época.
A educação sendo o centro de uma política de desenvolvimento social
deveria preconizar a educação pública de qualidade livre de qualquer privilégio
social. Anísio Teixeira fora uma forte presença intelectual e articuladora da carta
memória (documento político) conhecida como Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova, diretor de Instrução pública no estado do Rio de Janeiro, criador do
centro pioneiro de educação integral e influenciador no Brasil de estudiosos como
Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro e Paulo Freire.
A percepção e as contribuições políticas de Anísio Teixeira marcaram a
história da educação no Brasil. Como um intelectual de seu tempo, entendemos que
suas contribuições foram de grande relevância para o projeto de sistematização da
educação brasileira em sua dimensão estrutural e ideológica.

FLORESTAN FERNANDES: Comprometimento intelectual e militância


do ensino democrático

Um intelectual, um cientista, um sociólogo defensor da educação pública,


um militante do ensino democrático, um defensor da escola pública de qualidade
como instrumento de emancipação,Florestan Fernandes.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 246


Nascido em 1920 tornou-se um sociólogo reconhecido internacionalmente
pelas pesquisas desenvolvidas no Brasil e na América latina. Um estudioso
comprometido intelectualmente com a ciência no Brasil. Defensor árduo de uma
sociologia brasileira. Acreditava que o cientista precisava tomar consciência da
utilidade social e do destino prático reservado a suas descobertas.
De uma trajetória marcada pelas vias da experiência concreta em que
assumiu logo na infância responsabilidades de adulto, Florestan constitui seu
repertório analítico por vias práticas no conhecimento do que é a convivência
humana e a sociedade. Sociedade esta, que ele defende ser analisada pelo viés das
lutas de classes e de suas funções sociais.
Diante de seu posicionamento crítico e analítico produziu analises
substanciais sobre a situação educacional e a questão da universidade no Brasil.
Enfatizava que para estudar a complexidade do processo educativo se fazia
necessário um rigor crítico e analítico de alto padrão intelectual.
Sobre as inúmeras discussões elencadas no campo da educação, deixou
como legado o entendimento de que a escola pública era um direito fundamental do
cidadão do mundo moderno, por isso a necessidade da defesa da escola pública,
gratuita e laica para toda a população, especialmente para aquela que vive em
situação de pobreza, uma vez que a verdade sociológica é também a verdade dos
pobres.
Militante de um ensino democrático contribuiu com significativos estudos
sobre a cultura universitária, o fazer docente, reflexões sobre o desenvolvimento
cultural e intelectual dos estudantes e pesquisas sobre marxismo e educação.
Florestan Fernandes acreditava na potencialidade da educação como mecanismo e
ferramenta de enfrentamento da situação de miséria e pobreza.
Homem público envolveu-se com a carreira de professor universitário e
político. De uma força criativa incomum, foi resiliente em sua situação de vida
vencendo as barreiras do determinismo social. Desejoso de superação das carências
de sua infância e juventude buscou compreender as raízes dos problemas. Em
relação à escola pública tal empenho possibilitou que Florestan Fernandes

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 247


problematizasse tanto o funcionamento da escola pública quanto a ideia de
aperfeiçoamento docente.
Engajado na campanha em defesa da escola pública esteve presente na
agenda de eventos que uniram intelectuais e educadores com o objetivo de chamar
a atenção da sociedade para os problemas educacionais. Pensou junto com os
pioneiros da educação um projeto de lei de diretrizes e bases, este projeto visava
confrontar o Estado burguês com suas próprias contradições, forçando-o a assumir a
tarefa de promover a educação pública e gratuita para todos os brasileiros. Dizia-se
convencido da relevância da universidade no processo de democratização da
sociedade, na reestruturação do país e afirmação da soberania nacional.

DARCY RIBEIRO: A força da liberdade do ensino e a pontencialidade


de transformação

Entusiasta, Darcy Ribeiro.


Nascido em 1922, tornara-se ao longo de sua experiência, um intelectual
adepto da ideia de transformação. O desejo de mudança do antropólogo brasileiro
seria sua marca maior nos desdobramentos da luta pela defesa da escola pública e
pelo aperfeiçoamento docente.
De muitos ímpetos, Darcy, tem em sua biografia essa confirmação. Do
pesquisador da população indígena ao político ativo, contribui significativamente,
embora que em alguns momentos sendo alvo de questionamentos dado a sua
participação partidária na política brasileira, com ações como: criação do museu do
índio, participação em reformas universitárias na America latina, criador dos CIEPs,
criador do memorial da América latina e criador da Universidade de Brasília entre
outras obras de fôlego que marcaram a História da Educação no Brasil.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 248


Através dos estudos de Karl Marx, criara uma visão de mundo, pelas
contribuições de Anísio um curioso observador da educação e seus dilemas, pela
convivência com os índios, uma filosofia de vida. As vivências com o comunismo
atribui-lhe um sentimento de responsabilidade pelo destino do mundo. Tal
repertório ajudara a construir uma ideia de educação. Crédulo da força da liberdade
do ensino atribuía essa força tanto ao ensino público quanto ao ensino privado.
Acreditando na potencialidade educativa tanto dos espaços públicos quanto
privados, defendia que só não fazia sentido usar os recursos públicos para fins
privados, o que lhe rendeu fortes críticas dado a comunhão destas ofertas.
Defensor de que a escola pública é dever do Estado, acreditava que esta era
um espaço de domínios do saber por isso necessitava de uma proposta complexa
onde se houvesse a possibilidade de interagir família, sociedade e cultura.
Diante do dilema da educação popular, acreditava que a sua defasagem
propiciou as distorções observadas no interior da escola. Darcy sinalizou uma
preocupação com a preparação docente, que ele definiu como função de ensinar.
Ainda sobre a complexidade do funcionamento da educação pública,
chamou atenção para a fragmentação do conhecimento propondo uma discussão
interdisciplinar com a participação das comunidades locais no interior das escolas.
Como político, foi uma figura polêmica, especialmente nos bastidores de
elaboração da Lei de Diretrizes e Bases nº 9394/96. No qual Darcy Ribeiro enfoca
que apresentou ideias originais, entretanto dizia que houveram modificações
negociadas em suas propostas, tentado pela imparcialidade foi criticamente alvo de
reflexões sobre a arbitrariedade do seu pensamento no tocante as iniciativas
privadas de ensino.
Darcy Ribeiro acreditava numa política de integração educacional pela
escola pública, atendendo ao projeto de ascensão social pela educação, tal proposta
teria como elemento agregador a melhor preparação de professores. Darcy, foi um
entusiasta que não mediu esforços para operacionalizar as sua ideias colocando em
prática grandes projetos que o inscreveram no legado educacional brasileiro
especialmente na segunda metade do século XX.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 249


PAULO FREIRE: Escolarizar-se na escola, educar-se no mundo

Cientista rigoroso, um educador popular, um proporcionador substancial de


reflexões sobre escolas, gentes e educações, Paulo Freire.
Nascido em 1921, durante toda a sua trajetória de educador possibilitou
fecundas e profícuas reflexões sobre a educação e o professorado. Seus trabalhos
são alicerçados nos contraditórios resultantes dos privilégios sociais numa
abordagem dialética da realidade.
Voltado para a educação popular e para a alfabetização em sua caminhada
intelectual, problematiza a democratização da educação como modo de consciência
crítica do contexto vivido, com destaque significativo para as divergências de classe
e para a restrição do acesso aos bens culturais. Seu vasto trabalho intelectual trata-
se de um legado de conscientização e de politização nas práticas educativas.
Diante da singularidade dos múltiplos conceitos freireanos destaca-se a
relevância da relação entre a moralidade e a política, das práticas a partir da
realidade do povo, a compreensão epistemológica do conhecimento, a liberdade
coletiva, a produção da cidadania, a teoria do respeito ao outro e a compreensão
crítica da prática educativa.
A dissonância da voz de Freire pela sua obra dar-se-à pelo imperativo de
despertar nas pessoas a possibilidade de transformação e de mudança produzida
sob a mesma égide da possibilidade de se ter um escola pública e uma ação
professoral diferente.Com uma biografia coerente mediada pelo vivenciar do que
milita, Paulo Freire é um despertador de gentes.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 250


Na década de 1960 cria o movimento de cultura popular, espaço em que
afirma a prerrogativa do escolarizar-se na escola e educar-se no mundo. De
circulação mundial seus trabalhos demarcam uma referencia na história da
educação no Brasil, especificamente no que diz respeito à politização das práticas
educativas, à escola pública como espaço de uma outra análise à luz da
responsabilidade do Estado e dos sujeitos que a constroem cotidianamente, às
trajetórias de vida de todos os agentes sociais que vivem a escola e sua reflexão
sobre educação para além da escola.

ESCOLA PÚBLICA NO BRASIL E APERFEIÇOAMENTO DOCENTE:


Entrecruzamento de olhares e pontos de convergência

A formação da escola pública no Brasil está circunscrita na modernidade e


perpassa pela constituição de um modelo de Estado. Numa definição emergente de
modelo político no final do século XIX e inicio do século XX no Brasil se assistiu as
fragilidades políticas de incorporação de modelos políticos externos desajustados
da realidade política do Brasil.
No ímpeto de uma república que se instala, os serviços voltados para o
controle, transmissão cultural, e reprodução de normas sociais, evidenciam uma
necessidade de rearranjo baseado em uma nova ordem social que aos poucos numa
perspectiva longitudinal se configura. Entre os novos e os já existentes elementos
da vida social, um turbulento momento se define. Como então, criar, consolidar e
rever os eixos estruturais reguladores construídos ao longo de alguns séculos em
detrimento de um novo momento político que se instaura?
É sob a égide deste cenário que se voltam os olhares sobre a construção de
um ideário educacional republicano ajustado a esta nova demanda. Sob este ponto
de análise a articulação de intelectuais voltados a pensar e articular esta proposta
seria um ponto de partida. Esta configuração não se estabeleceu de forma
harmônica dada ao grupo de políticos e religiosos, ambos repletos de interesses.
É neste cenário de conflitos que emergem as discussões sobre o sistema
educacional, a escola pública e o aperfeiçoamento docente no Brasil.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 251


Darcy Ribeiro elencava os entraves vividos pela história da escola pública no
Brasil justificando que desde o projeto inicial a escola pública não podia ser
chamada de pública.
Os intelectuais Anísio Teixeira, Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro e Paulo
Freire convergiam seus argumentos historicamente construídos em defesa de uma
escola democratizante, ajustada às necessidades sociais e sua transformação,
pública, gratuita e de qualidade onde os sujeitos que a fazem e a constroem nas
especificidades do trabalho docente tivessem acesso a um aperfeiçoamento
também de qualidade.
Na história da escola pública no Brasil, podemos destacar as contribuições
de intelectuais que voltaram suas experiências de estudo e militância à defesa de
sua causa. Assim sendo, o legado dos estudiosos supracitados são as legitimas
contribuições para um imaginário a cerca da escola pública como um espaço social,
cultural e político em que se proporciona a transformação dos sujeitos que dela
dependem para construir seu arcabouço de experiências socializadoras em um
determinado tempo.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 252


REFERÊNCIAS

BOMENY, Helena. Darcy Ribeiro: Sociologia de um indisciplinado. Belo


Horizonte, Ed. da UFMG, 2001.

CERQUEIRA, Laurez. Florestan Fernandes: vida e obra. São Paulo: Expressão


Popular, 2004.

RIBEIRO, Darcy. Confissões. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

XAVIER, Libânia. O Brasil como laboratório: educação e ciências sociais no


projeto do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais CBPE/Inep/MEC
(1950-1960). Bragança Paulista: Ifan/Cdaph/Edusf, 1999.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 253


POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 254
INTRODUÇÃO

Na história da humanidade observamos que os seres humanos adaptaram-se


a viver em grupos devido as suas habilidades de interagirem com os outros e com o
meio. As aptidões adquiridas ao longo do processo histórico fez com que esse grupo
se diferenciasse dos demais, com capacidade de atingir seus objetivos rapidamente.
Devido à dependência das ações individuais para manutenção do grupo, surgiu a
necessidade de se criarem regras, para que pudesse haver uma relação harmônica
entre os indivíduos pertencentes às comunidades.
É importante ressaltar que cada organização ou grupo social tem suas
características bem definidas pelos os indivíduos, criando uma estrutura hierárquica
relacionada na designação de tarefas. Há um fator relevante, que determina o
destino de uma comunidade: o poder. Aqueles que o detêm, adquirem a capacidade
de influenciar um grande grupo de pessoas, gerando uma disputa entre indivíduos
dentro das organizações sobre quem irá exercê-lo. Dias cita que “O poder pode ser
considerado como um meio, que o grupo ou individuo tem, de fazer com que as
coisas sejam realizadas por outros indivíduos ou grupo” (DIAS, 2008, p. 177).
Existem fatores que decidem diretamente quem irá deter o poder. O
contexto histórico mostra abertamente que as tradições religiosas e familiares
exerciam influência. Um servo, por exemplo, nunca receberia um determinado poder
devido a sua posição na estrutura do corpo social da comunidade, pois não era
integrante da família e não poderia herdar tal poder. Partimos então, da relação dos
seres humanos sobre o jogo do poder desde que começaram a viver em grupos, e as
transformações sofridas no perfil do líder e consequentemente na autoridade
exercida pelo o mesmo.
A autoridade é vista como um ato de dominação pelo líder. Existem vários
conceitos sobre os tipos de autoridade existentes na sociedade. Com os tipos de
dominação e os estilos de lideranças presentes em todos os grupos sociais, é
fundamental a presença de um indivíduo que tenha o papel de líder em cada grupo.
No ambiente escolar, quem representa esse papel é o gestor, tendo a função de
ministrar uma instituição através de suas competências, principalmente pela sua

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 255


capacidade de influenciar e motivar todos os agentes envolvidos direta ou
indiretamente com o meio escolar.
Para o desenvolvimento da pesquisa, elencamos como objetivo analisar o
tipo de autoridade exercida pelos gestores de escolas públicas da cidade de
Parnaíba-PI perante as tomadas de decisões e a influência de sua liderança sobre a
estrutura organizacional da escola.
.

ENTRE AUTORIDADE E LIDERANÇA

Desde o surgimento dos seres humanos, notamos o quanto é importante


formarem-se grupos, nos quais a necessidade de representantes torna-se
importante. Durante ao longo da história ocorreram transformações no perfil dos
grupos, principalmente na representação do líder perante a comunidade. Passando
por várias civilizações, elencamos sempre a formação de grupos, cujo objetivo era a
necessidade de se proteger de eventos ocasionados pela natureza. Kanaane
conceitua organização como:

Um sistema socialmente estabelecido pelo conjunto de valores


expressos pelos indivíduos que dela fazem parte, sendo assimiladas
e transmitidas sucessivamente pelas mesmas, daí a importância e a
responsabilidade diante dos outros, das novas gerações (KANAANE,
1994, p. 30).

Ao longo da formação das civilizações, encontramos características


análogas: todos os que viviam nessas comunidades sempre compartilhavam de
atividades, homens e mulheres, nas quais todos tinham suas tarefas destinadas
continuamente por um indivíduo que detinha determinado poder sobre os demais
do grupo.

Este aprendizado inicial, de quem em grupos poderia alcançar


objetivos e metas que não atingiria sozinho, se estendeu para outras
situações que não a obtenção de alimentos. E assim, com o aumento
de complexidade das sociedades humanas, foram se constituindo
inúmeros grupos sociais organizados para a realização de tarefas
especificas (...). Essas primeiras organizações tinham em comum o

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 256


cumprimento de objetivos perfeitamente determinados, a divisão de
tarefas e funções entre seus membros e a existência de um conjunto
de normas e regras especificas que eram obedecidas pelos seus
integrantes. (DIAS, 2008, p 17-18).

Com a consolidação das organizações e com o processo de modernização


sofrido pela sociedade nas últimas décadas, o papel do líder vem sofrendo
alterações sobre seu comportamento, de como exercer sua autoridade perante a
comunidade. No âmbito da autoridade, notamos claramente uma modificação sobre
o real poder exercido pelo líder, e para que possamos construir um estudo sobre a
autoridade, tivemos com base Max Weber, bastante utilizado pela sua clareza em
demostrar a autoridade dentro dos contextos históricos, e que fatores externos e
internos influenciam no processo da utilização da autoridade.
Weber desdobra a natureza das informações essenciais que formam o
Estado, e assim chega ao conceito de autoridade e de legitimidade. Para Weber
autoridade ou dominação é qualquer tipo de poder que possa influenciar de uma
forma legitima um determinado grupo de pessoas. Max Weber (1864-1920)
determina um exemplar significado de poder, ao citar que ele “significa toda
probabilidade de impor a vontade numa relação social, mesmo contra resistências,
seja qual for o fundamento dessa probabilidade”. Outro fator que faz com que o
poder se torne um elemento importante para um grupo são as vantagens que o líder
dispõe perante os demais.

O prestigio do poder, como tal, significa na prática a glória do poder


sobre outras comunidades; significa a expansão do poder, embora
nem sempre pela incorporação ou sujeição. As grandes comunidades
políticas são as bases naturais dessas pretensões de prestígio.
(WEBER, 1979. p. 188.)

Ao desenvolver do conceito de autoridade, Weber faz uma classificação


sobre os tipos de autoridade existentes desde que os humanos começaram em viver
em grupos. Cada tipo de autoridade ou dominação tem suas características
peculiares, sendo uma ou outra mais utilizada em determinado contexto histórico.
A primeira, autoridade tradicional, baseia-se na autoridade transferida por
geração, onde por tradições regionais, religiosas e familiares se adquiria uma

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 257


determinada autoridade. A segunda autoridade é a carismática, baseia-se pelas
características pessoais. Em uma visão mais ampla das civilizações, indivíduos que
detinham de atitudes, ou características como beleza, coragem e inteligência
poderiam interceder e decidir sobre o destino do grupo, tornando-se uma
autoridade instável. A terceira e última, a racional-legal, era considerada mais
racional por weber, baseia-se nas leis e princípios estabelecidos e por regulamentos
reconhecidos e aceitos por uma comunidade.
Para entendermos melhor sobre a relação de dominação ao longo do
processo histórico da sociedade, temos que partir do conceito de que o poder está
ligado diretamente ao processo de domínio de demais grupos ou um individuo
sobre outros. Para Foucault, não existe um poder, e sim, a troca de experiências. O
autor faz uma crítica ao processo de poder tradicional, que esse tipo de autoridade
traz apenas uma visão negativa, pois utilizava de força, e as tradições religiosas
estavam enraizadas no exercício do poder, controlando assim um grupo de
indivíduos.

Não existe algo unitário e global chamado poder, mas […] formas
díspares, heterogêneas, em constante transforma- ção. […] não é
objeto natural, uma coisa: é prática social, constituída historicamente
(FOUCAULT, 1995, p. X).

O ambiente é um fator que provoca mudanças na atuação do líder e


consequentemente na sua liderança. NEZ (2008) defende que liderar é exercer a
habilidade de influenciar e ser influenciado pelo grupo, através de um processo de
relações interpessoais adequadas para a conquista de um ou mais objetivos comuns
a todos os participantes.
Heloísa Luck em seu livro Liderança em gestão escolar, cita a teoria da
personalidade, onde através de habilidades afetivas demostradas ao longo da vida
de um indivíduo a comunidade possa ter uma visão afetiva sobre as atitudes desse
líder, assim tendo-o como exemplo para os demais. Luck (2008, p.68) afirma que
“pessoas que assumem postura de liderança tendem a manter um nível elevado de
perseverança e motivação”. Perante o surgimento de acontecimentos inesperados, e
até mesmo que prejudique o grupo como o tudo, o papel do líder é desempenhar

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 258


várias capacidades como analisar, ter uma comunicação acessível, demostrar
autoconfiança, e um posicionamento de tentar realizar objetivos planejados pelo
grupo.

Quando o fracasso ocorre, são capazes de analisar os diversos


aspectos e desdobramentos da situação vivenciada (...). Utilizam boas
técnicas de comunicação verbal e não verbal para comunicar para se
comunicar com pessoas, de modo a influenciá-las respeitando-as
como seres humanos e valorizando o seu potencial (...) Com lideres,
estão continuamente buscando novos desafios e novas
oportunidades de promover mais desenvolvimento (...) Aproveitam
toda e qualquer oportunidade para promoção da aprendizagem e
construção do conhecimento em relação ao trabalho. (Luck, 2010, p
68-71)

Tomando como base os estudos sobre o poder e o ambiente na qual a


liderança será trabalhada, observamos que fatores externos e internos são de
extrema importância para que um gestor possa demonstrar seu tipo de liderança.
Luck (2010) diz que “desse modo, três estilos são indicados; i) autocrático, ii)
democrático e iii) Laissez Faire”. A autora conclui que pelo perfil do gestor percebe-
se qual tipo de liderança irá ser trabalhada com profissionais da escola e a
comunidade. Seguindo por uma veia totalmente autocrática, o gestor centraliza as
decisões. Pelo estilo democrático, pode trabalhar de uma forma compartilhada,
facilitando e não sobrecarregando o gestor dos assuntos da escola. Ou pode, ainda,
apenas preencher o cargo, mas sem tomar decisões, sendo Laissez Faire sua principal
característica.

Cabe destacar que o estilo autocrático tende a ser mais orientado


para eficiência do que pela eficácia (...). O líder democrático atua,
portanto, orientando pelos princípios da perspicácia e abertura de
relação a todos momentos e ambientes educacionais (...) Adotando-
se laissez faire em organizações educacionais, parte-se do
pressuposto que os seus membros são dotados das competências
necessárias para realização de suas responsabilidades sociais de
forma totalmente consciência sobre a responsabilidade de seu
trabalho, compreendendo-o plenamente. Portanto, o estilo laissez
faire, que aliás é, em parte, correspondente à concepção educacional
do não diretivismo. (LUCK 2010, p. 77,84).

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 259


Com a mudança do perfil de todos os ambientes na qual a escola está
inserida, ao gestor faz-se necessária a capacidade de analisar os problemas da
escola. Para que os diretores possam fazer uma parceria com a comunidade, antes
tem que perceber os pontos em transformação e exercer uma liderança que
possibilite a transformação do meio escolar.

MÉTODOS

O presente estudo foi desenvolvido por meio de uma abordagem


metodológica qualitativa, que tem o ambiente natural como fonte direta para
adquirir informações. Bonat (2009, p.11) enfatiza que “a pesquisa qualitativa
apanha-se do lado subjetivo dos fenômenos, contraindo o que foi pregado pelo
positivismo, ou seja, após coletas de dados, a bagagem cultural, o modo de vida, os
valores religiosos, morais e éticos influenciam na interpretação desses dados”. A
abordagem de cunho qualitativo na presente pesquisa justifica-se, por tanto, pelo
fato das informações coletadas e descriminadas pelo pesquisador e suas inferências
sobre o ambiente e os sujeitos observados serem as principais ferramentas para o
desenvolvimento do estudo realizado. Gil (1991, p. 46) afirma que “As pesquisas
descritivas têm como objetivo primordial a descrição das características de
determinada população ou fenômeno ou, então, o estabelecimento de relações
entre variáveis.”
Segundo Gil (1991, p.43), a pesquisa é de natureza exploratória quando
envolver levantamento bibliográfico, entrevistas com pessoas que tiveram, ou ainda
tem, experiências práticas com o problema pesquisado, e análise de exemplos que
estimulem a compreensão do que se pretende desenvolver. Possui ainda a
finalidade básica de ampliar, esclarecer e modificar conceitos e ideias para a
formulação de abordagens posteriores. Elencou-se a pesquisa de campo de caráter
exploratório, pois propôs- se uma crítica aprofundada a cerca da gestão de escolas
públicas da cidade de Parnaíba, no estado do Piauí. Pretendeu-se, por meio da
análise dos dados obtidos, perceber como se configuram as práticas desenvolvidas

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 260


pela administração escolar e se estas propiciam a participação comunitária nas
decisões da instituição.
O instrumento de coleta de dados utilizado na pesquisa foi uma entrevista
semiestruturada. Um método de entrevista que tem como foco principal em extrair o
máximo de informações do entrevistado, utilizando-se como base um questionário
previamente elaborado. Para a preparação e acomodação do roteiro de entrevista,
há literatura intensa sobre o tema em estudo, a análise de magistrados e os
documentos obtidos.
Foram planejadas reuniões semanais onde consistia em discutir com todos
os componentes os pontos principais que seriam estabelecidos na entrevista e
elaborar um cronograma de visitas nas instituições que tivemos como base para o
presente trabalho. O cronograma estabelecido de 17/03/2015 à 30/06/2015, nesse
período obtivemos reuniões e visitas em 3 instituições.
Após o término das gravações referentes à aplicação do roteiro de entrevista
com os três gestores, onde realizamos as transcrições das entrevistas obtidas. Foram
realizadas em duas escolas do ensino Fundamental do primeiro ciclo, e uma do
ensino Fundamental. Desta forma os gestores serão identificados por (Gest_1)
Fundamental do primeiro ciclo e (Gest_2) Fundamental.
No decorrer das entrevistas obtivemos relatos de gestores, nas quais
demostraram tipos de liderança exercida. Nas gravações foram levadas em
considerações as ações realizadas pelos diretores, a sua liderança frente aos
problemas da instituição e a sua relação com a comunidade escolar.

ANÁLISE DOS DADOS

A sistematização da análise de dados do presente estudo divide-se em duas


categorias: Liderança e Autoridade. Por meio destas categorias pretendemos
compreender os resultados obtidos e fazer uma reflexão sobre os mesmos.
A partir da construção sobre o conceito sobre liderança e suas modificações
ao longo do processo histórico, fez–se necessário um estudo sobre a mudança no
papel do líder perante os procedimentos no âmbito escolar.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 261


Na primeira categoria, sobre liderança, constrói-se fundamentalmente o
conceito de liderança e padrões sobre quem poderá exercer tal característica em
qualquer organização social. Faz-se necessário que se crie um perfil de líder, onde
as características físicas e intelectuais possam demostrar a capacidade de
determinado indivíduo em tomar decisões que afetem diretamente a comunidade.
Tais decisões têm efeitos não somente na sua liderança, mas principalmente na sua
imagem para comunidade.
Nas organizações sociais o líder dispõe de capacidade de modificar
realidades. No âmbito escolar, o papel do líder pode vir a ser transformador,
possibilitando a participação coletiva, fator importante para a tomada de
consciência dos indivíduos, do reconhecimento de seus direitos e de sua
identificação como agente ativo dos processos de decisão.
Segundo Luck:

Ressalta-se que a gestão educacional, caráter amplo e abrangente do


sistema de ensino, é a gestão escolar, referente à escola, constitui-se
em área estrutural de ação e determinação da dinâmica e da
qualidade do ensino. Isso porque é pela gestão que se estabelece
unidade, direcionamento, ímpeto, consistência e coerência à ação
educacional. (LUCK, 2008, p. 15)

No espaço escolar não se torna diferente, um gestor constrói sua imagem


através de atitude e decisões que causem efeitos positivos ou negativos para a
comunidade, alunos e funcionários da escola, criando assim, uma imagem de acordo
com suas decisões.
A segunda categoria, Autoridade, visa um conceito e suas ramificações
dentro dos espaços organizacionais. A autoridade faz-se principalmente sobre o
perfil do individuo perante a comunidade. Um agente que, junto com o coletivo,
trabalha democraticamente, visando sempre melhorias para todos, tende a ser mais
aceito pelos indivíduos. Em contra partida, outro que apenas exerça sua autoridade,
negando assim, os direitos do demais da comunidade, tende a ser visto não como
líder, mas como ditador. Weber deixa bem claro ao fazer uma classificação sobre os
tipos de autoridade.
Segundo Weber:

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 262


A autoridade tradicional baseia-se nos costumes e tradições
culturais de um determinado grupo ou sociedade, sendo melhor
representada pelas figuras de patriarcas, anciãos, clãs em
sociedades antigas [...] autoridade carismática sua fonte decorre dos
traços pessoais de um indivíduo, ou seja, é algo personalístico,
místico, arbitrário, baseado no carisma [...] autoridade racional-legal
esta é a única autoridade considerada racional por Weber, sendo
fundamentada nas regras e normas estabelecidas por um
regulamento reconhecido e aceito por uma determinada
comunidade, grupo ou sociedade. É a base do Estado moderno,
assumindo características impessoais, formais e meritocráticas. Sua
legitimidade decorre da lei, da justiça. (WEBER, 1979, p. 187-201)

No espaço escolar fica mais evidente o perfil do gestor, para qual tipo de
autoridade sua postura é voltada, tornando-o um individuo respeitado ou temido
pela comunidade onde a escola está inserida.
Segundo Paro:

Dentre os condicionantes internos da participação na escola, os de


ordem institucional são, sem dúvida nenhuma, de importância
fundamental. Diante da atual organização formal da escola pública,
podemos constatar o caráter hierárquico da distribuição da
autoridade, que visa estabelecer relações verticais, de mando e
submissão, em prejuízo de relações horizontais, favoráveis ao
envolvimento democrático e participativo (PARO,2000, p.45).

A autoridade está vinculada diretamente sobre o tipo de organização. No


espaço escolar, a autoridade pode transparecer a realidade em que a escola está
inserida. A realidade faz que o líder tenha que ser mais rígido devido os problemas
externos e internos, demostrando assim, a existência de várias posturas e lideranças
em um só indivíduo. Na escola pública, onde os problemas de estruturas, de
violência e falta de recursos são por vezes, recorrentes, o gestor tem que demostrar
uma flexibilidade em suas proposições e atitudes, para que consiga tanto aproximar
os agentes escolares, quanto resolver problemas da melhor forma possível.
De acordo com as considerações feitas, seguem as analises das falas dos
sujeitos pesquisados, avaliadas a partir das categorias supracitadas. Buscamos
compreender, por meio das análises, como os métodos adotados pelos gestores

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 263


configuram sua forma de liderança e autoridade, com base em estudiosos que
discutem o tema e todo o material coletado durante a pesquisa.

LIDERANÇA

A postura do gestor da escola é muito importante para a promoção da


consciência coletiva e da participação comunitária na escola. Dependendo do
posicionamento do gestor, seu comportamento irá refletir na vida escolar como um
todo. É fundamental que o gestor se torne um exemplo, não somente pela sua
postura de gestor da escola, mas pelo um elo de confiança entre os três pilares que
sustentam uma instituição que são: a comunidade, alunos e o gestor, assim, gerando
uma liderança por parte do gestor “liderança é o processo de encorajar os outros a
trabalharem entusiasticamente na direção dos objetivos”. (Davis & Newstrom 1992,
p. 150)
Ao analisarmos a fala da Gest_2 “eu acho importante vontade! Vontade de
fazer a diferença, quando os pais dos alunos veem, quando os alunos veem, quando os
professores veem, quando os funcionários veem quer fazer diferença, que você quer
lutar pela diferença, quer mostrar um bom trabalho, quer fazer, sobretudo um trabalho
que promova a dignidade das pessoas, então de certa maneira isso faz quê à gente tem
um trabalho valorizado, goste do que faz, se não gostar não tem brilho no olhar, não se
senti bem ao acordar para ir ao trabalho, que a gente sabe que algumas pessoas
imaginam que ser diretor de uma escola e chegar ficar sentado só mandando, mas não
é!” podemos identificar a consciência do gestor sobre a participação ativa da
comunidade, e juntamente com o gestor ter resultados positivos. Onde a liderança
faz uma aproximação entre os agentes, pensando não somente no singular, mais sim,
de uma forma que abrange todos que compõem a instituição. Em que o gestor
demostra uma ação de incluir todos nos problemas da escola, e consequentemente
tentar resolver unindo-se os agentes.
Segundo Puig:

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 264


um conjunto de valores que tenham vínculos com a liberdade, a
autonomia, o desenvolvimento do espírito crítico, da iniciativa e da
responsabilidade. Ao mesmo tempo, uma escola democrática se
apoiará também em valores como cooperação e a solidariedade, o
espírito de grupo e a tolerância (PUIG, 2000, p.30).

O gestor tem de ser visto como um exemplo para as pessoas que formam a
comunidade para que ele disponha seus serviços. Não ser visto somente como um
gestor que cuida dos problemas relacionados à escola, mas sim, como um parceiro e
de confiança para os alunos e funcionários da escola, onde possamos diferenciar os
tipos de gestores, em que há uma diferença entre o gestor bom e o gestor bonzinho.
Ao analisarmos a falar do Gest_2 “o bom gestor não é ser gestor bom. Gestor bonzinho,
que às vezes as pessoas confundem com o B de bom com o B de besta. Não, o bom
gestor ele tem que ser comprometido, tem que chamar atenção quando for necessário,
tem que primar por regras institucionais que alunos, professores, funcionários e até a
mim mesmo quanto a diretor tenho que cumprir, então a regra não é só para um e sim
para todo mundo e agente procurar formar essas regras coletivamente até
determinadas ações que estão acontecendo meio erradas com professores a gente se
reuni, os nossos professores nos dão sugestões e todos levantam a mão aprovam e
passam ser utilizado nos nossos dias”.

AUTORIDADE

Autoridade é um ponto importante em que o gestor deve de ter no seu


ambiente de trabalho. Ter autoridade, não significa saber usa-la, o gestor tem que
ter um carga de experiência na área da gestão, evitando problemas desnecessários
que afetem o desenvolvimento da escola. Em que o processo de escolha do gestor
seja de uma forma democrático, onde todos participem diretamente na escolha, não
através de apadrinhamentos. Observamos na fala Gest_1 “no principio por indicação
politica depois fomos para eleição por dois períodos, depois fui por indicação
novamente hoje eu estou aposentada e por indicação através de carta comissionada”.
Ao analisarmos a fala do gestor que tivemos como pesquisa, observamos que ainda
há uma forte influência de terceiros nas escolhas de funcionários para escolas da

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 265


rede municipal. Onde observamos assim, uma autoridade por terceiros, uma vez que
alguns casos esses funcionários por indicação não tenha uma devida formação para
atuar como gestor de uma escola.
Um gestor eleito através de eleições faz que os envolvidos na instituição
possa ter uma visão sobre o trabalho já desenvolvido e sua autoridade perante os
problemas da escola. Gest_2 “Comecei como diretor adjunto e logo em seguida assumi
como diretor titular, após reuniões entre os funcionários, professores e comunidade eu
assumi a direção”.
A formação do gestor faz se necessária na atuação do mesmo sobre as
relevâncias do papel do gestor a frente de uma instituição. Uma formação básica e
uma carga de experiências são fatores determinantes do gestor com autoridade
legitima. Vemos isso na fala no Gest-3 “Após me formar, fiz especialização nessas
áreas, estudei mais a profundamente a gestão até pra gente ver aquilo que vai errando
e pra gente procurar melhorar e agora estou fazendo também letras como realização
pessoal, não profissional, mas uma realização pessoal minha que eu tinha vontade de
faze algum tempo”. Uma diferença que transforma o ambiente de trabalho, um elo de
confiança pela a capacidade o gestor observar e analisar quais são as atitudes
corretas para solucionar determinados problemas, que são entre a comunidade a
escola e escola governo. Segundo Rios:

Entretanto, quando se fala em educação de qualidade, está se


pensando em uma série de atributos que teria essa educação. A
qualidade, então, não seria um atributo, uma propriedade, mas
consistiria num conjunto de atributos, de propriedades que
caracterizariam a boa educação. (RIOS, 2001, p. 68-69)

O processo da autoridade dentro das organizações sociais é necessário um


conhecimento mais aprofundado sobre as reais influências da autoridade, ou
dominação que tem sobre os indivíduos. Weber usa o termo dominação e faz uma
classificação sobre as autoridades existentes dentro das organizações sociais. Onde
certos indivíduos recebem autoridades sem um preparo apropriado e não sabe
utilizar de uma forma adequada essa autoridade, pois não existe uma preparação
para as demandas exigidas.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 266


CONCLUSÃO

Com o surgimento de organizações sociais desde a existência dos humanos,


observamos a presença de lideres. Um indivíduo é importante na construção e
desconstrução de regras, por meio da sua imagem e atitudes influência direta e
indiretamente os agentes pertencentes ao meio social. A capacidade os humana de
se modificarem através de sua realidade é um ponto importante para que
perpassem sua cultura através do tempo. Uma realidade modificada através de
padrões criados por eles mesmo dentro das comunidades existentes, assim surgindo
agentes determinantes na atuação a frente de decisões para as organizações,
criando perfis de lideres em cada organização.
No âmbito escolar, esses dois elementos são importantes na vida de uma
instituição. Um gestor que saiba utilizar de uma forma correta o seu papel,
conseguindo uma interação entres os elementos da que compõem a escola, provoca
uma transformação não somente na vida acadêmica dos alunos que ali estudam,
mas transforma também a comunidade. Mas para que se possam obter bons
resultados, faz-se necessário que todos assumam seu papel dentro da organização
escolar, onde o gestor possa desempenhar um papel de líder transformado social, a
partir da conscientização e ação coletiva que beneficie todos.
Portanto, o líder faz se necessário em qualquer organização social, visto a
sua capacidade de decisões e influência. O gestor dispõem de habilidades
significativas para um trabalho dentro da escola, uma liderança participativa e uma
autoridade que implique no desenvolvimento da instituição escolar.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 267


REFERÊNCIAS

BONAT, Debora. Metodologia da Pesquisa. Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2009

DAVIS, Keith; NEWSTROM, John W. Comportamento Humano no Trabalho.


Vol. 1 – São Paulo. Pioneira, 1992.

FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 11. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1995.

GIL, Antônio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 3. ed. São


Paulo: Ed. Atlas S.A., 1991

KANAANE, Roberto. Comportamento humano nas organizações: o homem


rumo ao século XXI. São Paulo: Atlas, 1994

LUCK, Heloísa. Liderança em gestão escolar. Vol. IV Petrópolis – Rio de


janeiro: Vozes, 2012.

MARTINS, José do Prado. Administração Escolar. 2. ed. São Paulo: Atlas,


1999

NEZ,E. Desenvolvimento de liderança no serviço público. Colider: 2008


(mimeo)

PUIG, Josep M. Democracia e Participação Escolar – Propostas de


Atividades. São Paulo: Moderna, 2000.

RIOS, Teresinha Azerêdo. Compreender e Ensinar: por uma docência da


melhor qualidade. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2003.

PARO, Vitor Henrique. Gestão democrática da escola pública. 3. ed. São


Paulo: Ática, 2000.

WEBER, Max. Ensaios da sociologia. 4 ed. 4 ed. Rio de Janeiro: LTC —


Livros Técnicos e Científicos Editora S.A, 1979.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 268


POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 269
INTRODUÇÃO

No panorama mundial, muitos são os estudos que dão conta de desvelar as


diversas problemáticas que envolve a categoria social de Juventude, principalmente
fundamentados no campo das ciências sociais e mais especificamente na sociologia
da Juventude. Desta forma, muitos são os trabalhos que têm como enfoque o
fenómeno das Socializações, Identidades e Culturas Juvenis em Portugal,
nomeadamente Pais, (1990; 2002; 2003; 2007; 2009), Lopes (1997; 2000.),
Abrantes, (2003; 2010), Silva (2004; 2008; 2010), entre outros. Para além destes, por
ser um terreno muito vasto, esta categoria comporta outras tematizações de estudo,
por exemplo: consumo e lazeres juvenis, corpo e sexualidades, Juventude e
transição para o mercado de trabalho, Territórios, mobilidades e migrações,
Juventudes e Violências, Juventudes, Média e Tecnologia, entre outros.
Por outro lado, a Educação de Adultos constituiu-se, nos últimos anos, como
um campo estratégico enquanto prática, política e modalidade educativa no intuito
de combater as desigualdades sociais e a exclusão. Nesse sentido, este tipo de
educação ganha novos contornos e transborda os limites do processo de
escolarização formal, que abarca aprendizagens realizadas em diversos âmbitos e ao
longo de toda a vida, que se orienta para a inclusão de milhões de pessoas jovens e
adultas que não puderam iniciar ou completar os estudos na educação básica (cf.
Ireland & Vóvio, 2005). De igual modo, é um campo de investigação de elevada
pertinência e que abrange diferentes abordagens de investigação.
Contudo, poucos são os trabalhos enfocados na dimensão da análise do
jovem adulto que se insere em Programas de Segunda Oportunidade. Tratando-se,
ainda, de sujeitos com trajetórias truncadas, e que estão possivelmente vivendo
situações de vulnerabilidade e exclusão. Neste sentido, corroboro Arroyo (2005),
relativamente à ideia de que a reflexão deve girar em torno da condição existencial
da maioria dos jovens e adultos que frequentam os programas de educação de
adultos. Segundo este autor, a Educação de Adultos:

“nomeia os jovens e adultos pela sua realidade social: oprimidos,


pobres, sem terra, sem teto, sem horizonte. Pode ser um retrocesso

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 270


encobrir essa realidade brutal sob nomes mais nossos, de nosso
discurso como escolares, como pesquisadores ou formuladores de
políticas: repetentes, defasados, aceleráveis, analfabetos, candidatos
à suplência, discriminados, empregáveis... Esses nomes escolares
deixam de fora dimensões de sua condição humana que são
fundamentais para as experiências de educação” (p: 200).

É nesse sentido que despertamos para direcionar nosso olhar sobre quem
são e o que pensam alguns dos jovens adultos que vêm ocupando as salas de aulas
de programas com o viés da Educação de Adultos. Fica no entanto evidente a
necessidade de aprofundamento do tema, visto que são ainda reduzidas as
discussões neste nível de estudos, pois trata-se de um campo ainda pouco
explorado em Portugal, com reduzida existência de trabalhos académicos com
abordagem nesta problemática. Assim, torna-se necessário compreender as
especificidades de cada Jovem Adulto que está na sua “segunda chance”, muitas
vezes enfrentando muitas dificuldades, sentindo-se excluído e estigmatizado.
Todavia, o acesso (mesmo em condição de retorno) à educação básica de qualidade,
é por garantia, direito, deles. Neste sentido, deve-se compreender que cada jovem
adulto tem um motivo para ter abandonado seus estudos em tempo regular e que
muitas vezes esse motivo advém de muitos outros problemas de origem social,
econômica e não por seu desinteresse escolar enquanto estudante. Compreender
para entender. De quem é a responsabilidade de seu fracasso escolar em sua
primeira escolarização: Da escola? Da família? Dos próprios jovens adultos? Da
desigualdade e problemas sociais de sua nação? Que motivos então impulsionam
estes jovens adultos a retornarem à escola através da Educação de Segunda
Oportunidade?
Face todas às questões e justificativas já referidas, a problemática desta
investigação incide na tentativa de compreender, especificamente o processo de
abandono e retorno de Jovens Adultos inseridos na Educação de Adultos,
especificamente por via de Programas de Segunda Oportunidade. Com efeito, após
um breve conhecimento do histórico e da realidade da educação de adultos no país,
compreendemos que a Educação de Adultos também compreende a juventude,
sendo que por exemplo no Brasil essa educação é entendida como uma Educação
de Jovens e Adultos - EJA. Assim, no que se refere a problemática que envolve as

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 271


categorias juventude e EJA, despertou-se alguns questionamentos: se há jovens que
abandonam por algum motivo a escola básica e inicial, eles têm direito a retornar
seu ciclo escolar interrompido em qualquer altura e este retorno poderá ser por via
dos Programas de Segunda Oportunidade. Nesse sentido, como seria, de fato, esse
processo? Sendo assim e tendo em vista a situação descrita, a inquietação de
investigar a ambiguidade existente em ser jovem, ser adulto e ainda, ser aluno de um
programa de Educação de Adultos é enfatizada, em primeira instância, neste
trabalho. Assim, na nossa perspetiva, o presente trabalho se configura como
pertinente, contribuindo para o conhecimento de uma parcela da realidade social no
que a esta temática diz respeito.
Dessa forma, no que se refere aos procedimentos metodológicos, trata-se de
uma pesquisa realizada em uma escola de ensino secundário da cidade de Braga-
Portugal, realizada com 09 jovens que estão a frequentar cursos de Segunda
Oportunidade. É uma pesquisa qualitativa, do tipo estudo de caso, as técnica princial
utilizad foram entrevistas semi-estruturada e a análise de dados foi a partir da
ênfase de Bardin (1970), com a criação de categorias e subcategorias.

ENTENDENDO OS MOTIVOS DO ABANDONO ESCOLAR E DO


RETORNO POR VIA DOS PROGRAMAS DE SEGUNDA
OPORTUNIDADE- (EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS)

Para conhecer as motivações do abandono e retorno escolar dos sujeitos


desta pesquisa, implica investigar, os caminhos que os fizeram abandonar a escola
antes do término do Ensino Secundário. Nesta perspectiva, muitos desses caminhos
enveredam pela problemática do abandono escolar. Todavia, sabemos que por se
tratar de sujeitos diversos, diversos também poderão ser os motivos que os fizeram
desistir, já que cada jovem adulto possui uma história de vida marcada por
particularidades de diversas e/ou diferentes ordens. Em consonância com os
objetivos desta investigação, compreender os motivos da evasão escolar se torna
necessário para desvelar uma parte da trajetória escolar de cada jovem adulto,
desde sua interrupção ao seu retorno.
Nesse sentido, a primeira preocupação foi buscar identificar os motivos que
fizeram os jovens adultos entrevistados abandonar a escola. De forma geral, alguns

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 272


estudos que tratam da temática da evasão escolar de jovens adultos, constataram
que são inúmeras as causas que os fazem abandonar a escola. Contudo, em termos
gerais, a maioria se concentra no trinómio: Escola- Família- Mercado de Trabalho (cf.
Ferrão, 1992). No sentido de conceituar o abandono escolar, partilhamos a definição
de Benavente et al. (1994, p.23), segundo a qual “abandono ou desistência significa
que um aluno deixa a escola sem concluir o grau de ensino frequentado por outras
razões que não sejam a transferência de escola ou… a morte”. Em seus estudos e
investigações sobre a temática, Benavente et al. (1994, p.16) identificou diversas
dimensões que visam dar uma explicação para o insucesso escolar, como a autora
relata a seguir:

“diversas dimensões pessoais, socio-culturais e institucionais são


postas em evidência na análise do insucesso, do desinteresse e do
abandono escolar. A própria construção e definição destas noções
suscita interesse. O insucesso é triplicamente fabricado
(Ph.Perrenoud, 1989) e é determinado por tempos e conteúdos
impostos uniformemente pela escola num dado momento da sua
história a alunos socialmente diversos (V.Isambert-Jamati, 1985)”
(Ibid.: 17).

Com efeito, a temática do insucesso escolar vem preocupando todas as


camadas da sociedade, de forma especial, a comunidade escolar. Nesse sentido,
surgiram algumas teorias no intuito de dar conta das causas deste processo.
Destacam-se nomeadamente, a teoria dos “dotes” individuais 29; a teoria do
“Handicap” sociocultural30 e a teoria sócio – institucional31.
Arroyo (2001, p. 17), ainda defende que o processo de insucesso/abandono
escolar é produzido pela escola. Este autor defende que existe uma cultura escolar
vigente e que esta exerce um peso sobre o sucesso ou fracasso escolar. Para este
autor: “Falar em cultura escolar é mais do que reconhecer que os alunos e os
29
Segundo esta teoria, a responsabilidade do sucesso escolar é atribuída unicamente ao aluno, relacionado à
sua inteligência e capacidades individuais. (Benavente e Correia, 1980).
30
Esta teoria atribui como causa principal a herança sócio-cultural proveniente das diferentes condições de vida
de cada educando. Nesse sentido, os estudantes pertencentes a meios sociais desfavorecidos são considerados,
segundo esta corrente, mais afectados pelo insucesso escolar
31
Relativamente a esta teoria, entende-se que a escola é uma instituição de seleção e de reprodução social, ou
seja, a escola legitima a hierarquia social. Nesta teoria, a escola é encarada como um “aparelho ideológico do
estado, reprodutor das diferenças sociais” (Benavente e Correia, 1980, p.20). Ou seja, a teoria responsabiliza de
certa forma a escola pelo insucesso escolar dos alunos.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 273


profissionais da escola carregam para esta suas crenças, seus valores, suas
expectativas e seus comportamentos”. Nesse sentido:

“Aceitar que existe uma cultura escolar significa trabalhar com o


suposto de que os diversos indivíduos que nela entram e trabalham
adaptam seus valores, às crenças, às expectativas e aos
comportamentos da instituição. Adaptam-se à sua cultura
materializada no conjunto de práticas, processos, lógicas, rituais
constitutivos da instituição” (p.17.)

Assim, os estudantes já chegam à escola dotados de uma identidade e


cultura próprias principalmente com vivências que partem das suas experiências
quotidianas e quando se deparam com a cultura escolar vigente, com padrões e
regras hegemónicos, há, nesse sentido, um confronto entre esses dois universos.
Contudo, conforme o que identificamos nas vozes dos sujeitos desta
investigação, como causas do abandono escolar constatamos: motivações de caráter
social, familiar, pessoal, com maior ênfase na falta de recursos materiais para dar
prosseguimento aos estudos, na falta de apoio da família e na falta de processos de
socialização em regras e normas concordantes com as exigências da educação
escolar, nomeadamente comportamentos considerados como indisciplina,
brincadeiras e distração escolar. Não obstante, conforme podemos observar no
Quadro que demonstra as respostas dos jovens entrevistados à pergunta: Quando e
porquê deixou a escola?

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 274


QUADRO I: RAZÕES DO ABANDONO ESCOLAR

Entrevistados Ano do Abandono Escolar Razões do Abandono

JOVEM 01F 7º ano Ausência de Recursos Financeiros

JOVEM 02M 6º ano Ausência de Recursos Financeiros

JOVEM 03M 10º ano Ausência de Recursos Financeiros


Entrada precoce no mercado de
JOVEM0 4M 9º ano
trabalho
Entrada precoce no mercado de
JOVEM 05F 9º ano
trabalho
JOVEM 06F 9ºano Desejo de ganhar o próprio dinheiro

JOVEM 07F 8º ano Devido a inúmeras reprovações


Reprovações e desinteresse pela
JOVEM 08M 10º ano
escola
JOVEM 09F 12º ano Brincadeiras e distração na escola
Fonte: Elaboração da investigadora a partir da transcrição das entrevistas.

Verifica-se a predominância de razões de ordem financeira, que levaram a


um ingresso precoce no mercado de trabalho, da existência de reprovações
motivadas, na perspectiva dos jovens adultos, pelo desinteresse pelos saberes
académicos, desinteresse esse que não é percecionado por aqueles como tendo por
causa fatores também de ordem escolar, como o currículo formal (Young, 1982) ou o
currículo oculto (Jackson, 1968, apud Santomé, 1995). No entanto, em alguns casos,
face às razões mencionadas pelos jovens, existem muitas outras que ficam
subentendidas e mascaradas, mas que se entrecruzam. Por exemplo, o Jovem 08
relata que a razão do seu abandono se deu por causa de suas inúmeras reprovações,
que ocorreram porque o mesmo não tinha nenhum interesse na escola. Dessa forma,
conforme o relato deste jovem, as razões se justificam não somente pelas
reprovações, mas pelo distanciamento que este tem com a escola e que também
perpassa pela sua condição de Jovem, comprovados no seu discurso quando diz:
“andei há pouco tempo a perceber que não tenho vontade e interesse em andar na
escola, principalmente porque não há nada direcionado para coisas que gosto”.
Como um segundo exemplo, temos a Jovem 01 a relatar que foi a ausência de
recursos financeiros como causa do seu abandono escolar quando, no entanto,

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 275


percebe-se ainda no seu discurso que ela reconhece a falta de apoio e abandono
familiar com relação a efetivação de sua primeira escolarização, conforme relata:
“também nunca houve atenção para isso, não tinham interesse”.
Considerando o retorno já concretizado destes jovens à escola, através de
uma “segunda oportunidade” disponibilizada pelo sistema educativo, procurámos
entender de que forma se deu esse percurso, que perspectivas, sonhos, metas
engendram estes jovens adultos a partir de seu retorno à escola. Reconstruir um
percurso escolar interrompido não é uma tarefa fácil. Constatamos que, imbuídos de
sentimentos de motivação como: “agora consigo terminar”, “nunca é tarde para
recomeçar”, em contraste também está presente o medo e receio de falhar: “vou
fracassar duas vezes?” “E se não der certo?”.
Ribeiro (2001) quando realizou estudos sobre o tema, constatou que os
motivos que levam os jovens e adultos a retornarem à escola está interligada às
suas expectativas de conseguir um emprego melhor. Contudo, as motivações não se
limitam somente a este aspeto: “Muitos se referem também à vontade mais ampla
de ‘entender melhor as coisas’, ‘se expressar melhor’, ‘de ser gente’, de ‘não
depender sempre dos outros’” (Ibid, p. 42). No entanto, antes de sabermos as causas
e motivações que levaram os jovens adultos sujeitos desta investigação a
retornarem, remetemo-nos, a priori, a algumas dificuldades e desafios pelo qual
estes jovens adultos passam frente ao processo de retorno à escola. Os esforços
empreendidos por estes jovens adultos vão desde a adaptação ao ambiente escolar,
na maioria com alunos heterogêneos, a situações externas que vão além da escola.
Assim sendo, cabe aqui relatarmos algumas dessas dificuldades: falta de tempo e
dificuldades de conciliar trabalho e escola; medo de não conseguir concluir a
escolarização novamente, falta de adaptação à rotina escolar; cansaço e
desestimulo; receio de não ter apoio da família, da escola, dos professores, receio do
estereótipo de “aluno fracassado”, receio de socialização com a turma e sua
heterogeneidade de sujeitos, etc.
Outra variável que gostaríamos de abordar nesta categoria remete-se ao
sentimento e percepção dos jovens adultos ao estarem novamente presentes no
ambiente escolar, embora em um outro contexto. Quando foi perguntado: Como se

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 276


sente na sala de aula? Descreva as suas sensações ao voltar a escola, nos
surpreendemos com o estranhamento e consequente distanciamento narrados por
alguns. Era outra escola, outro contexto, outro objetivo.
O Jovem 03 relata:

“Ah pá, as sensações, ah pá, que é assim, já passaram já quase 14


anos e a sensação, acho que não há nenhuma pá, é um regresso às
aulas, não se tem aquele tipo de sensação, nostalgia, não existe
muito isso” (Extrato de entrevista – Jovem 03).

Embora tenhamos captado na maioria sensações positivas, a estranheza e o


receio denunciados anteriormente pelos jovens são, notadamente, discursos
específicos, mas de extrema importância para exemplificar como as tentativas de
retorno são por sua vez marcadas pela superação de barreiras e dificuldades.
Contudo, a maioria relata sentimentos e sensações positivas, nomeadamente, que
adquiriram mais garra, mais força de vontade e outros falam em sentir-se bem em
estar novamente na escola, feliz por estar concretizando o sonho de voltar a estudar.
Exemplificamos a seguir com o discurso do Jovem 04:

“a volta, acho que é muito bom, acho que voltar a estudar, voltar a ter
conhecimentos, voltar a funcionar a nossa mente. Senti um bom
sentimento, um sentimento positivo. Sinto-me uma pessoa um pouco
mais diferente, nessa altura, claro, mas com muito mais empenho,
muito mais vontade e garra, para ultrapassar e porque também já
falta pouco né?” (Extrato de entrevista – Jovem 04).

Nesse sentido, o jovem adulto que retorna à escola para frequentar um


curso EFA, traz consigo uma visão de mundo muito mais delineada, formada. Já tem
em mente, objetivos e metas a serem cumpridas.
Contudo, identificamos alguns pontos pertinentes que os jovens adultos
entrevistados identificaram como suporte ou até mesmo como sendo sua principal
motivação para retornar à escola. Nesta direção, notamos que o apoio da família
aparece como fator de considerável importância para os jovens adultos na sua
tomada de decisão de regressar aos estudos. Quando questionados sobre o que sua
família achou do seu retorno à escola, a maioria dos jovens entrevistados foram

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 277


unanimes em afirmar que a aceitação e apoio por parte da família se deu de forma
satisfatória e que este apoio foi muito importante, conforme exemplificamos com os
discursos a seguir:

“A aceitação de vir pra escola foi boa, para vir estudar, não é? É algo
eles ficaram contentes, sinceramente nesta altura ir atrás de
objetivos como voltar a estudar, muito empenho e eles aceitaram e
pronto, vamos ver como corre”. (Extrato de entrevista – Jovem 01).
“O retorno assim foi muito bom com minha família do meu lado,
porque eles gostaram, porque nunca é tarde para continuar”, (Extrato
de entrevista – Jovem 02).
“Poderia ter feito mais, mas pronto, aceitaram normal, retomei essa
situação. Da volta assim eles acham interessante.” (Extrato de
entrevista – Jovem 05).
“Ficaram contentes, como é óbvio, incentivaram-me” (Extrato de
entrevista – Jovem 04).
“Quando abandonei foi uma escolha minha. Da volta, acharam bom
porque em parte em concorri ao 12, que nos dias de hoje é
necessário! E pronto, eles não discordaram e eu vim prá qui, voltei a
estudar, faz parte esta ajuda deles”. (Extrato de entrevista – Jovem
06).
“Como temos uma relação bastante próxima, porque estamos todos
os dias, juntos, foi uma decisão em conjunto e sim incentivaram-me,
esta aceitação ajudou muito, e sim, percebo que estou no caminho
certo” (Extrato de entrevista – Jovem 03).

Para além desta aceitação por parte das famílias, percebemos também,
mediante a interrogativa: Como você caracterizaria a sua relação com sua família?
Que para a maioria dos jovens adultos entrevistados a relação com sua família é
considerada boa. Desta forma, 6 jovens adultos consideraram ter uma boa relação
com os familiares, referindo que a família é bastante unida, sem grandes discussões
e problemas, sendo que 3 jovens adultos consideram que mantêm uma relação
“normal” com a família, referência a estabilidade, cada um desempenhando seus
papéis, contudo, sem muito diálogo.
Muitos escolhem a oferta da Educação de Adultos como meio para
retornarem à escola. Nesta investigação, a escola escolhida oferecia Cursos EFA
(Educação e Formação de Adultos), por meio dos Centros de Novas Oportunidades.
Neste sentido, procuramos questionar os entrevistados da razão que os levou a

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 278


matricular-se num curso EFA. Assim, obtivemos muitas e diversificadas respostas,
sendo que extraímos as principais razões que alocamos abaixo:

 facilidade do curso;
 rapidez do curso;
 boa Oportunidade;
 modalidade que se torna eficiente para quem trabalha ou não tem tempo;
 possibilidade de substituição de carga horária.

É de indiscutível importância ressaltar o que ficou constatado nas falas dos


jovens: os mesmos discorrem no que se refere às diferenças da Educação dita
regular para o ensino “nocturno” e assim vão naturalmente relatando as vantagens e
desvantagens, motivações e limitações de cada uma das ofertas, considerando esta
modalidade, uma oportunidade de conseguir terminar uma escolarização, de forma
digna e eficaz.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho mostrou, pelas “vozes dos jovens adultos” que não há
respostas prontas e inacabadas para as questões por nós levantadas inicialmente,
que se remetem a apenas duas variáveis (Abandono e Retorno Escolar) de uma
pesquisa de mestrado, realizada na cidade de Braga-Portugal. Pelo contrário, como já
referimos, surgiram novos e inquietantes questionamentos (no sentido
investigativo). Convém referir novamente que foi pelas narrativas de nossos
sujeitos, que constatamos que os caminhos até o retorno escolar por via da
educação de segunda oportunidade, sempre estiveram marcados por dificuldades.
Muitas e diversas foram as motivações relatadas para o abandono escolar, para a
escolha de retornar, para permanecerem. Desta forma, fica evidente a vontade de
“vencer na vida”, obtendo um diploma escolar perspectivado como uma forma de
aceder/melhorar o acesso ao ou permanência no mercado de trabalho. Ficou claro,

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 279


ao longo do trabalho, seus apelos, no sentido de garantir seus direitos fundamentais,
direito principalmente no que diz respeito a igualdade de oportunidades e de serem
vistos e respeitados enquanto reconhecimento de suas especificidades enquanto
“jovens adultos”. Reconhecem os esforços e avanços de algumas esferas como a
familiar, a escolar, e a societal, mas consideram ser ainda necessário mudar muita
coisa para que o princípio da igualdade se concretize.
Destacamos também que talvez seja verdadeiro dizer que uma educação
problematizadora é o que falta na educação de adultos. Nesse sentido, a educação
de adultos deve se pautar no diálogo que Freire (1987, p.45) insistentemente
defendeu: “se é dizendo a palavra com que, ‘pronunciando’ o mundo, os homens o
transformam, o diálogo se impõe como caminho pelo qual os homens ganham
significação enquanto homens”.
Ensinar também com a compreensão de que falava Morin. Em seu livro: “Os
sete saberes necessários à educação”, Morin (2000, p.16-17) fala de educação para
a compreensão, uma compreensão humana que comporta empatia e identificação.
Em suas palavras:

“A compreensão é a um só tempo meio e fim da comunicação


humana. Entretanto, a educação para a compreensão está ausente do
ensino. O planeta necessita, em todos os sentidos, de compreensão
mútua. Considerando a importância da educação para a
compreensão, em todos os níveis educativos e em todas as idades, o
desenvolvimento da compreensão pede a reforma das mentalidades.
Esta deve ser a obra para a educação do futuro“.

Assim, a educação de adultos, sobretudo o ensino de “Segunda


Oportunidade” deve se pautar na compreensão mútua, a considerar os saberes que
o educando traz consigo, conhecendo a realidade desses jovens adultos, procurando
desenvolver ações pedagógicas que atendam suas particularidades, onde as
culturas possam ser oficialmente reconhecidas, tanto na prática, como no currículo
escolar. Urge ressaltar que frente a uma nova identidade (Juvenilização da EA), a
Educação de Adultos surge também como uma possibilidade concreta destinada a
fornecer não só conhecimento, mas também a promover uma educação que
conceba o jovem adulto para além da escola, considerando os seus modos de ser,

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 280


suas identidades e culturas juvenis. Deste modo, para além da oportunidade de
conclusão de sua escolarização superando assim o fracasso escolar, torna-se
também uma possibilidade desta categoria ter visibilidade e maior atenção por
parte da sociedade.
Nesse sentido, relatamos alguns dos principais resultados desta investigação:
 no que se refere aos principais motivos relatados pelos jovens adultos
que resultaram no seu abandono escolar (primeira escolarização),
verificamos a ausência dos recursos financeiros e que por
consequência os fizeram ingressar de forma precoce no trabalho e, por
fim, outro principal motivo captado em seus discursos foi o
desinteresse pelos saberes académicos;
 relativamente às razões que os fizeram retornar à escola, os jovens
adultos revelam elementos que contribuíram neste sentido, como
apoio da família, pela sua própria motivação e valorização Pessoal, e a
oportunidade face a existência de alguns cursos de Segunda
Oportunidade. Especificamente, as principais razões da escolha dos
Cursos EFA, os sujeitos investigados ressaltam a facilidade do curso; a
rapidez do curso; a modalidade que se torna eficiente para quem
trabalha ou não tem tempo; possibilidade de substituição de carga
horária, dentre outros;
 A permanência na escola de segunda Oportunidade assenta, para os
sujeitos da nossa investigação, na possibilidade de melhores
expectativas no que diz respeito principalmente ao seu sucesso
profissional. Além das perspectivas que tem de melhorar o futuro, um
elemento identificado como favorável para que aqueles não
abandonem novamente à escola diz respeito a importância que eles
atribuem ao apoio dos professores em quesitos como flexibilidade,
atenção e respeito e interesse nas dificuldades dos alunos, assim
também como a falta de exigência de alguns dos
professores/formadores.

Face aos principais resultados pontuados anteriormente, ressaltamos a


necessidade de novos trabalhos. Nesse sentido, como pistas para futuros estudos,
identificamos alguns eixos de análise que, na nossa perspectiva, no que se refere à
problemática deste trabalho importa investigar: a percepção a partir do profissional

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 281


professor/formador de Educação de Adultos, como vê sua prática, como vê o aluno,
como vê as medidas de política educativa de segunda oportunidade; a percepção na
esfera familiar: como o apoio e a ausência familiar pode influenciar no abandono e
no retorno escolar de jovens adultos; a avaliação profunda dos Programas de
Segunda Oportunidade e, em específico de que forma podem ser desenvolvidos
eixos estruturantes nas políticas de formação e educação de adultos de forma a
possibilitar uma educação académica e profissionalizante de qualidade, promotora
de oportunidades de vida; as histórias de vida e as trajetórias escolares relatadas
depois que os jovens terminam seu processo escolar, para captar se conseguiram ou
não atingir as metas inicialmente traçadas.
Em síntese, este artigo procurou especificamente dar conta de um conjunto
de fatores que se fizeram presentes no discurso dos jovens adultos, e que se situam
como reveladores dos tantos “caminhos” que foram e são percorridos por eles. Com
efeito, compreender as percepções destes sujeitos foi muito gratificante e
enriquecedor. A oportunidade de ouvir os jovens e a forma como opinam sobre os
encontros e desencontros com seus diversos mundos, dentre eles, o universo
escolar e a compreensão da dinâmica da Educação de Adultos em Portugal, foram
sem dúvida muito importantes na evolução de conhecimentos pessoais e
profissionais para a investigadora.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 282


REFERÊNCIAS

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responsabilidade pública. In: SOARES, Leôncio; GIOVANETTI, Maria Amélia;
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Horizonte/MG: Autêntica. 2005.

_____________. Fracasso-Sucesso: o peso da cultura escolar e do ordenamento


da educação básica. In A. Abramowicz, & A. Molli (Orgs.). Para além do Fracasso
Escolar (4a. Ed).Campinas: Papirus.2001.

BENAVENTE, A. «Estratégias de igualdade real» Educação para todos. Ponte para


um outro futuro, Cadernos PEPT, 2, Ministério da Educação, 45-56. 1993.

____________ A., Campiche, J., Seabra, T., & Sebastião, J.. Renunciar à escola: o
abandono escolar no ensino básico. Lisboa: Fim de Século.1994

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido (17a ed.). Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1987

IRELAND, T., VÓVIO, C. (Orgs.). Construção coletiva: contribuições à educação de


jovens e adultos. Brasília: Unesco, MEC/Secad, RAAAB.2005

MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez &
Brasília: UNESCO. 2000.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 283


POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 284
INTRODUÇÃO

Adentrar na temática dos processos de escolarização permite-nos levantar


considerações acerca da educação e de como esta se apresenta em diferentes
contextos. Sendo assim, partimos do pressuposto que a educação insere-se no
campo das práticas sociais e que se propõe, entre outros objetivos, a socializar
indivíduos e servir de instrumento de promoção humana.
A partir daí podemos considerar a prática da escolarização como uma das
formas que a educação se apresenta. Sobrepondo-se às outras, essa forma alcançou,
sobretudo no Século XX, um nível de formalização e institucionalização que a levou
a constituir-se como um sistema e tornar-se hegemônica.
Contudo, pressupor a educação como prática social, permite-nos examinar
outras experiências que ocorrem fora do espaço escolar e que possuem uma
dimensão educativa. São práticas que se apresentam diversas quanto às suas
concepções, agentes, espaços e tempos, entre outros elementos. Entre estas
práticas, destacamos as experiências de educação nas ruas, cujas trajetórias de seus
agentes, foram objeto de pesquisa de doutorado32.
Neste texto apresentamos resultados da sistematização de levantamento
bibliográfico acerca da temática da educação de rua, confrontados com dados
empíricos da pesquisa acima referenciada.

EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA SOCIAL: linhas de atuação em Teresina


(PI)

No processo de sistematização da trajetória dos educadores sociais de rua


em Teresina, deparamo-nos com multiplicidades de experiências que mostravam
diversas práticas educativas desenvolvidas por esses atores, nem sempre nomeadas
a contento, o que nos causava dúvidas sobre o sentido educativo que elas

32
As trajetórias de educadores sociais de rua foram objeto de estudo da tese: Se essa rua fosse minha...
Trajetórias de educadores sociais de rua em Teresina (PI) (Décadas de 1980 a 2000).

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 285


carregavam. Tais dúvidas diziam respeito aos sentidos que poderíamos atribuir a
determinadas práticas para que elas fossem consideradas educação, à sua natureza,
às circunstâncias do seu surgimento e ao que as levava a prosperarem em
determinadas épocas. Questionávamos, ainda, como situar seus agentes.
Para dirimir essas dúvidas recorremos aos resultados de pesquisas recentes
bem como a autores que a mais tempo discutem a temática. Em comum, esses
pesquisadores partem do princípio de que há dificuldade em delimitar o campo da
ação educativa, uma vez que, no limite, todas as ações humanas são educativas,
sendo a educação um processo global e que acontece ao longo da vida, constituindo
uma prática dinâmica, como defendem Romero (2012), Paiva (2011) e Lança (2012).
Da mesma maneira, eles compreendem que a escola não é o único espaço
educativo. Essas considerações são importantes, pois nos levam a pensar a
educação não apartada do homem, mas ligada à sua vida, sendo fruto das interações
humanas, possuindo, portanto, caráter relacional.
Ao refletir sobre as práticas que ocorrem fora da escola e que ora tendem
para educação e ora para o Serviço Social, não queremos rivalizar com a educação
que ocorre dentro da escola e que se constituiu um direito social, mas tão somente
dar visibilidade às práticas educativas que acontecem fora dela. É importante frisar
que tais práticas não são invenções locais, uma vez que constatamos experiências
semelhantes no Brasil e em outros países da América Latina e da Europa (SANTOS,
2007; PAIVA, 2011).
Neste sentido, ao nos debruçar sobre práticas educativas que acontecem
fora da escola e que se caracterizam também por terem fortes componentes
socializadores – porque resultam da relação entre os indivíduos e visam lhes
permitir, em última análise, que convivam em sociedade – procuramos a articular o
local com o nacional e, ao mesmo tempo, apreender como a teoria tem percebido as
particularidades que a realidade apresenta. Foi nesta perspectiva que situamos a
ação da Igreja Católica, do Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua
(MNNMMR) e posteriormente da Prefeitura Municipal de Teresina (PMT) entre os
anos de 1987 e 2005.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 286


Partimos do princípio de que as ações com crianças nas ruas de Teresina no
período em questão podem ser agrupadas, no geral, como educação, uma vez que
foram ações cotidianas carregadas de sentidos educativos e, em particular, como
Educação Social. Afirmamos isso ao constatar que o atual estado da arte sobre
Educação Social admite que, no Brasil, ela abrange, também, a Educação popular e a
Educação comunitária, entre outras modalidades.
Mas, antes de encaixá-las como Educação Social, é preciso levantar
elementos que caracterizam a educação de uma forma geral. Entre autores que
estudam por um viés mais antropológico e social, recorremos a André Petitat (2011).
Ao discutir a educação em seu sentido mais amplo, o autor defende que toda
relação social “[...] comporta dimensões educativas, em meio às quais podemos
distinguir entre inculcação, aprendizagem e socialização.” (PETITAT, 2011, p. 369).
Dentre esses componentes, chamamos a atenção para a socialização, pois se
considerarmos que os indivíduos habitam mundos relacionais, torna-se imperativo
desvelar a pluralidade das práticas sociais para perceber o caráter educativo que
elas comportam. Por essa lógica, o leque de experiências que cabem ser chamadas
de educação se amplia.
Na mesma direção, Carlos Rodrigues Brandão (1980, p. 6), ao destacar a
dimensão relacional, política e histórica da Educação, advoga que, sendo uma
construção humana, faz parte das estruturas e dos processos sociais. Nesse sentido,
o autor reflete também o fato de que, ao mesmo tempo em que ensina termos de
uma ordem social vigente, a educação ensina também os conhecimentos e as
habilidades necessárias e legítimas para que as pessoas preservem e reproduzam
determinada ordem social. Assim, ele chama a atenção para o fato de que todo
processo educativo responde às necessidades gerais das pessoas e da sociedade.
Então, ao avaliar práticas educativas realizadas nas ruas de Teresina, é
preciso considerar os aspectos levantados pelos autores destacados e situá-los em
uma sociedade em mutação, diante de novas formas de sociabilidades geradas pela
industrialização, e frente ao retorno insuficiente do Estado em relação às demandas
de escolarização exigidas. Isto porque acreditamos que as respostas dadas pela
sociedade ou pelos grupos e indivíduos envolvidos com a questão dependem da

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 287


forma como se percebem no mundo, de quais transformações desejam realizar na
realidade, em que espaços e em que movimentos estão inseridos e de que maneiras
se dispõem a realizar essas transformações.
Nesse caso, a análise da realidade nas décadas de 1980 e 1990 apontava
para um quadro de pobreza e de exclusão social ao lado das mudanças nas formas
de sociabilidade que tinham, em sua face mais visível, as crianças nas ruas.
Ocorreram, então, ações com objetivos definidos, conteúdos a serem inculcados e
também foram inseridas em dinâmicas relacionais específicas, dadas, em especial,
pela interação ou mediação do educador social de rua.
Assim, dentro dos parâmetros destacados, as formas de intervenção na
realidade apresentada em Teresina seguiram três linhas de ação, a saber: 1) a de
base religiosa, organizada pela Igreja Católica; 2) a que teve como base a ação dos
movimentos populares; e 3) a que se apoiou na contratação de agentes educativos
pelo poder público, estadual e/ou municipal.
A linha de inspiração católica teve sua atuação pautada nas diretrizes
surgidas a partir do Concílio Vaticano II (1965) e na Doutrina Social da Igreja,
reafirmadas no Documento de Puebla (1979), que traçou os caminhos para a Igreja
Católica na América Latina. Partiu, portanto, de uma visão humanista-cristã de
homem e de sociedade. A essa primeira linha, podemos denominar de ação pastoral,
pois a sua atuação era acima de tudo evangelizadora. Os agentes responsáveis pela
ação foram chamados de agentes de pastoral, denominação presente no Documento
de Puebla.
Outra linha de atuação que percebemos foi a decorrente da ação dos
movimentos populares nascidos no seio das comunidades mais afetadas pelas
questões sociais e econômicas da época e por organizações da sociedade civil que
tinham representatividade nacional e respaldo internacional, como o Movimento
Nacional de Meninos e Meninas de Rua. Podemos inserir essa segunda linha de
atuação no âmbito da educação popular, tendo caráter de educação não formal,
ocorrendo a partir da ação de organizações políticas e sociais. Seus agentes foram
inicialmente denominados de educadores populares e de educadores comunitários.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 288


Ao recorrermos aos testemunhos dos sujeitos entrevistados, percebemos
que eles veem diferenças, ainda que sutis, entre essas duas formas de atuação. Uma
das entrevistadas identifica-se como educadora popular: “Eu fazia um trabalho
voluntário na Ação Social Arquidiocesana, eu era educadora popular.” (Isabel, março
de 2015)33. Evidencia, assim, o caráter voluntário e religioso da função que exercia.
Outro educador evoca em suas memórias referenciais diferentes sobre pessoas que
realizavam trabalho similar, mas que pertenciam à mesma comunidade em que
atuavam e que, por isso, eram percebidos como educadores comunitários:

Fora essa equipe que eu falei, tinha outros educadores, que se


denominavam educadores, né? Mas eram pessoas da comunidade
que ficavam direto com a gente na comunidade. Tipo... Alguns
moradores que se tornaram educadores. Cruzinha, que se tornou
educadora depois. (Arimateia Nazareno, março de 2015).

Sobre educação popular, há no Brasil diversas experiências que assim


podem ser denominadas, mas cabe assinalar que também não há consenso sobre
elas, pois vão se modificando à proporção que mudam as necessidades sociais.
Então, inicialmente, percebemos na interação entre essas duas linhas de
atuação, às vezes, aproximações, e, outras vezes, afastamentos, como destaca um
dos entrevistados ligados à ação do MNMMR: “A Pastoral tinha orientação religiosa.
Nós não tínhamos.” (Arimateia Nazareno, março de 2015).
Em determinado momento, podemos dizer que os movimentos sociais, em
especial aqueles voltados para as crianças e os adolescentes, passaram a atuar de
forma mais independente da linha da Igreja e seus agentes passaram a ser
denominados não mais agentes pastorais, nem educadores populares, sendo,
doravante, educadores de rua: “[...] Em 1996. E aí já com função de educador social,
que na época se chamava de educador de rua, de educador de rua” (Arimateia
Nazareno, março de 2015).

33
Foram sujeitos desta pesquisa dez educadores sociais de rua, referenciados no texto através de nomes
fictícios.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 289


No início dos anos 2000, essas duas linhas de atuação convergiram para um
conjunto de educadores formados para a atuação do Estado, quando tanto o
Município quanto o Governo do Estado do Piauí começaram a contratar sujeitos
egressos desses movimentos:

Quando houve essa contratação formal mesmo, em 2001, nós já


fomos para rua com a carteira assinada, mas já fomos para a rua com
a camiseta escrita, não mais educador de rua, mas educador social de
rua [...]. (Arimateia Nazareno, março de 2015).

Nos dois primeiros casos, há em comum entre as duas vertentes de atuação


que concorrem para a emergência da ação dos educadores, a necessidade, mesmo
que utópica, de proporcionar mudanças na sociedade.
No geral, podemos dizer que essas ações empreendidas se constituíam em
formas de educação, mas mantendo uma diferenciação com relação à educação
escolarizada. Assim, podemos dizer que estas três linhas de atuação são resultados
de práticas que se assentaram na ação evangelizadora da Igreja Católica, que
reverberam na educação popular e que por fim se definiram como educação social.
Destacamos nesse processo a ação da Igreja Católica, porque, de certa
forma, ela atravessou tanto a ação das outras formas de educação (na modalidade
popular ou na ação dos movimentos sociais), como a ação do poder público a partir
da década de 2000. Outrossim, não podemos esquecer que, historicamente, coube à
Igreja Católica o atendimento a crianças e adolescentes pobres no Brasil, por meio
do viés da caridade, característico do ethos cristão.
Ocorreu que, diante da configuração econômica, social e política dos anos
estudados, a Igreja reorientou sua ação religiosa. No âmbito socioeconômico, por
exemplo, vale lembrar que, na década de 1980, de acordo com Corrêa e Castro
(2000), o Piauí contava com 60% da sua população com renda per capita abaixo da
linha da pobreza, e ações somente de cunho caritativo não seriam suficientes para
transformar a situação do estado.
Temos que levar em conta, também, o movimento de redemocratização em
que vivia o país e as iniciativas de âmbito internacional para o seguimento de
crianças e de adolescentes, como o marco legal do Ano Internacional da Criança,

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 290


proclamado pela Organização das Nações Unidas, em 1979. Há, portanto, elementos
da realidade global que interferiram no fazer da Igreja Católica em Teresina.
Concomitantemente, ao fazer uma leitura dos documentos conciliares 34 à
luz da realidade da América Latina, os bispos deste continente reafirmaram a opção
preferencial pelos pobres, e entre a situação de pobreza, eram as crianças que
apresentavam maior grau de vulnerabilidade. Por isso, naquele mesmo ano, foi
criada a Pastoral do Menor, que daria as diretrizes do trabalho com crianças,
conforme nos indicam os estudos de Graciane (1999) e Oliveira (2004). No âmbito
local, as ações voltadas para crianças assumiram, nesse contexto, um viés pastoral,
como nos recorda um dos educadores entrevistados, ao afirmar que em 1987 foi
criado um serviço dentro da Ação Social Arquidiocesana de Teresina, para o
atendimento das crianças que viviam em situação de rua (Romualdo, outubro de
2014).
Essa ação voltada para as crianças desencadeou a atuação de pessoas para
trabalhar nas ruas, como também nas periferias, convertendo-se em formas de
educação chamada, por vezes, de educação popular e, às vezes, de educação
comunitária, bem como dando suporte aos movimentos e às organizações de
bairros.

BASES DA EDUCAÇÃO SOCIAL EM TERESINA (PI) E NO BRASIL

Aliado ao que já foi discutido até aqui, outro aspecto merece ser destacado
para entendermos como essas outras formas de educação foram se configurando: a
ineficiência da escola pública nas décadas de 1980 e 1990. Como instituição social,
ela foi incapaz de atender às demandas quantitativas e qualitativas das crianças de
classes populares. Essa situação colaborou para empurrar ainda mais as crianças
para o espaço da rua, ao mesmo tempo em que estimulou o surgimento de formas
alternativas de educação. Dentro dessas formas alternativas de educação, podemos
situar a ação do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua.

34
Documentos assim denominados pela Igreja e que dizem respeitos aos Concílios realizados mais
recentemente, os Concílios Vaticano I e II.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 291


Retornando à indagação inicial sobre em que sentido essas práticas sociais
podem ser consideradas educacionais, lembramos que elas se dirigiram a um alvo
específico, a uma geração ou a uma comunidade específica, visando modificá-las.
Ou seja, eram práticas carregadas de intencionalidade. Podemos dizer que, nas
práticas estudadas, além da intencionalidade, há ideias a serem partilhadas e
públicos para os quais são endereçadas. São elementos que irmanam tais práticas
com a educação escolar, mas sem o reconhecimento e o status da educação
institucionalizada. Por outro lado, há objetivos a serem atingidos e um corpo de
saberes que foram se constituindo, ora pautados na prática, como resultado das
necessidades imediatas, ora tendo como suporte uma teoria.
Nesse movimento dialético, a necessidade de sistematização da prática e a
busca de um apoio teórico para dar suporte às práticas realizadas, contribuíram na
formação de arcabouços conceituais com a finalidade de explicar a realidade
vivenciada, bem como para nomear os agentes envolvidos.
Vale ressaltar que quando essas práticas foram se consolidando, seus agentes
não tinham uma denominação específica. Seus fazeres foram dando nome à função
por eles desenvolvida e, a partir do nome dado às funções desempenhadas, eles
foram também denominados. Assim, há diversas formas de denominar as práticas
desenvolvidas (ação pastoral, educação popular, educação comunitária, educação
social, etc.), bem como uma diversidade de denominações para os agentes que a
desenvolvem (agente pastoral, educador popular, educador comunitário, educador
de rua, educador social, etc.). Como essas práticas não escolares continuam se
modificando, a denominação dos seus agentes também se atualiza.
Vimos, então, que as experiências educacionais que estamos tentando
apreender partem da prática e, para se sustentar e se aperfeiçoar, procuram
assentar-se em uma teoria. Então, no Brasil, muitas das práticas sociais e educativas
que vinham se desenvolvendo fora da escola tendiam a ser agrupadas no que hoje
se chama de Educação Social, conforme se refere Bellinato (2012). Como já vimos,
uma das formas que essas práticas assumiram foi a de educação popular. Centrando
nossos esforços em compreender o que podemos chamar de educação popular e de
como essa forma de educação colaborou para constituir o educador social de uma

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 292


forma geral, e o educador social de rua, de uma forma específica, percebemos que
ela é constituída por uma diversidade de práticas e que, por isso, sua conceituação é
diversa e vai se transformando com o tempo. Dessa forma, pensando sobre o
significado da educação popular, Carlos Rodrigues Brandão (1980) destaca que
havia um conjunto de práticas diversas voltadas para adultos e para comunidades
que historicamente se definiam como educação popular. Via de regra, visavam
mudar ou melhorar a sociedade.
A concepção de educação popular revisada por Carlos Rodrigues Brandão, na
década de 1980, revela uma fluidez em determinar o que era essa educação popular
praticada na época. Nesse sentido é que Blass, Manfredi e Barros (1980, p. 35)
chamam a atenção para o caráter eminentemente histórico das atribuições da
educação popular, que “[...] variam em função das características histórico-concretas
de uma formação social e em decorrência das exigências específicas dos
movimentos sociais populares e do movimento operário em particular”. Ou seja, não
havia uma definição fechada das experiências que poderiam ser consideradas como
educação popular, mas já havia a clareza do caráter histórico que elas assumem e
que as levam a se atualizar com o passar do tempo.
Mais recentemente, Moacir Gadotti (2012, p. 7), ao refletir sobre as
aproximações entre diferentes formas de educação, situa a educação popular como
uma concepção de geral de educação que se consolidou ao opor-se à educação de
adultos impulsionada pelo Estado. Destaca, ainda, que a educação popular criou
uma nova epistemologia, baseada no respeito ao senso comum, mas possibilitando
a problematização e a incorporação de um raciocínio mais rigoroso, científico e
unitário à teoria presente nas práticas populares.
Pensando dessa maneira é que entendemos as aproximações da ação
pastoral da Igreja Católica com a educação popular, bem como as especificidades
que ela vai assumindo ao se voltar especificamente para crianças e adolescentes.
Nesse sentido, concordamos com Gadotti (2012, p. 2), quando ele explicita as
particularidades da evolução da educação popular, que ao assumir novos campos de
atuação (causa ecológica, questões de gênero, direitos humanos), ora se aproxima
do Estado, ora se afasta. Por vezes, assume ares de educação formal e em outros

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 293


momentos de educação não formal. Transita também próxima das esferas pastoral,
sindical e dos movimentos sociais.
Como parte dessa dinâmica, as práticas educativas assumem outra vertente, a
da educação não formal, discutida, além de Moacir Gadotti, por autores como Maria
da Gloria Gohn e José Carlos Libâneo. Para compreender as práticas educativas
nesses termos, é necessário situar a educação formal como aquela que ocorre nas
instituições, como escolas e universidades, e que é normatizada por diretrizes,
possui estruturas hierarquizadas e é acompanhada por órgãos fiscalizadores da área.
No outro polo, a educação não formal se constitui como menos burocrática, com
menos hierarquia e sendo mais difusa. Está mais relacionada às aprendizagens de
vivências políticas e de cidadania que, por isso, não necessariamente precisam ser
certificadas, conforme verificamos recorrendo a Gadotti (2012, p. 8). Destarte, é
possível diferenciar a educação não formal da educação escolar, pois esta se
localizada no âmbito da educação formal. Entretanto, isso não quer dizer que sejam
práticas que se oponham, ao contrário, por muitas vezes se complementam e se
inter-relacionam.
Na mesma direção da compreensão de Moacir Gadotti, Maria da Glória Gohn
situa as práticas de educação não formal como aquelas que ocorrem fora dos muros
da escola, ligadas a processos políticos, culturais e sociais, constituindo-se, segundo
a autora, em processos de autoaprendizagem e aprendizagem coletiva adquirida “[...]
a partir da experiência em ações organizadas segundo os eixos temáticos: questões
étnico-raciais, gênero, geracionais e de idade, etc.” (GOHN, 2009, p. 31).
Outro autor que discute a educação em relação ao seu campo de alcance é
José Carlos Libâneo. A partir do grau de sistematização e de institucionalização, ele
diferencia educação informal, formal e não formal, sendo que essa última seria “[...] a
realizada em instituições educativas fora dos marcos institucionais, mas com certo
grau de sistematização.” (LIBÂNEO, 2010, p. 21).
Sendo assim, a educação é um processo multifacetado e que comporta uma
multiplicidade de práticas que se atualizam e que assumem contornos diversos.
Apresenta-se como um processo complexo, com grande número de correntes,
concepções e práticas. Partindo dessa ideia de complexidade de concepções e de

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 294


multiplicidades de práticas, é que podemos inserir as práticas sociais desenvolvidas
com crianças como práticas educativas que se derivaram da ação pastoral da ICAR,
que mantêm semelhança com a educação popular e se localizam no campo da
educação não formal, defendida por Gohn (2009), Libâneo (2010) e Gadotti (2012).
Constituíram-se em experiências educativas não formalizadas, em que o
aspecto prático precedeu o teórico e a ação precedeu a sistematização, como
podemos ver nas memórias de um dos educadores sociais, ao se reportar às suas
primeiras idas às ruas como tal: “[...] a gente ia para a rua, esses três educadores, sem
nenhum aval, sem o aval de ninguém” (Arimateia Nazareno, março de 2015). Assim,
as práticas educativas empreendidas no espaço não formal vão moldando seus
agentes, em um movimento cuja prática precede a teoria e as funções
desempenhadas precedem os agentes, determinando a denominação e a identidade
que eles terão.
E, nesse particular, ao realizar as construções teóricas a respeito desses
agentes, os pesquisadores que estudam a temática convergem ao afirmar que há
uma prática educativa, que tem por suporte uma pedagogia. A partir daí,
depreendemos que essa prática corresponde à Educação Social de Rua ou, de uma
forma mais ampla, à Educação Social, que tem por amparo teórico a Pedagogia
Social que, por sua vez, é exercida por um educador social, que, em caso específico,
é “de rua”.

EDUCAÇÃO SOCIAL E SUAS MÚLTIPLAS COMPREENSÕES

Reforçamos que as ideias aqui apresentadas são resultados de pesquisas e de


teses sobre a natureza da Educação social, suas interfaces com áreas afins, como o
Serviço Social, bem como da identidade do educador social. Em comum, os autores
referenciados afirmam que as questões ligadas à Educação social, de forma geral, e
da Educação social de rua, de forma específica, emergem como resultado da
industrialização e da urbanização. Eles destacam que há uma multiplicidade de
conceitos para essas práticas de Educação social em função dos contextos diversos.
Assim, os autores consultados se referem ora à Educação social, ora à Educação

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 295


social de rua como sinônimos de uma mesma prática. Ou seja, o uso do termo “de
rua” não aparece como elemento demarcador de especificidades.
Nesse sentido, e dada a necessidade de denominar a ação educativa que
ocorreu nas ruas de Teresina, é que podemos considerá-la Educação Social, pois é
assim que se encaminham os estudos acadêmicos sobre a temática, principalmente
a partir da década de 2000. Ainda assim, achamos que as práticas desenvolvidas nas
ruas de Teresina vão além do que a teoria pode apreender, pois, ao constituir-se em
determinado momento como “um serviço social de rua”, ultrapassou a dimensão
educativa e a aproximou da dimensão política, antropológica, psicológica, legal e
social que envolveu a discussão sobre o lugar da criança quando a urbanização se
intensificou em Teresina. O mesmo podemos dizer sobre o papel desempenhado
pelos agentes dessa prática educativa: apresentou-se como complexo, transitório e
em constante processo de atualização.
Romero (2012, p. 37) contribui para a discussão deste tema quando
compreende as práticas educativas, às quais estamos nos referindo, como não
escolares, mas dentro de um campo socioeducativo que visa “[...] promover
aprendizagens de convívio e na vida pública”. Nesse sentido, a Educação de rua se
aproxima do campo de atuação do Serviço Social, percepção também dada por um
dos educadores entrevistados quando se refere às habilidades necessárias para o
desempenho da função: “Tem que puxar alguma coisa para a questão do Serviço
Social [...]” (Arimateia Nazareno, março de 2015). Vimos, assim, que a dimensão
puramente educativa não é suficiente para atender as demandas apresentadas pela
sociedade. Por outro lado, pensar esse aspecto da Educação social de rua, faz-nos
pensar a Educação como um processo civilizatório, de adequação à sociedade
industrializada.
Viviane de Melo Resende (2008), ao abordar a questão do MNMMR, situa a
Educação social de rua, de 1996 em diante, como uma alternativa ao modelo
repressor e assistencialista aos adolescentes em situação de risco. Destaca, também,
que a mudança da denominação dada aos agentes dessas práticas educativas se
modifica em consonância com as modificações nas políticas de atendimento às
crianças e aos adolescentes.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 296


Encontramos em Pedro Pereira dos Santos outro autor que categoriza o
fenômeno ora em estudo no âmbito específico da Educação social de rua. Ele
destaca, nesse processo, uma intencionalidade que, acima de tudo, visa à
participação de crianças e de adolescentes na sociedade. Para ele, há uma finalidade
para a Educação social de rua: “[...] o fim do trabalho educativo na rua é o transitar
relativamente consciente do educando para as instituições que o promovam como
sujeito histórico.” (SANTOS, 2007, p. 12).
Entendida como Educação social, a ação desenvolvida nas ruas de Teresina
pode ser colocada em paralelo com outras experiências desenvolvidas no Brasil e no
mundo. Colocada dessa maneira, podemos considerar a Educação social de rua
como campo prático da Pedagogia Social, sendo esse um campo teórico que vê as
questões sociais sob vertente educativa, indo além das questões escolares, mas que
podem se entrecruzar com essas.
Com esse entendimento, podemos dizer que as diversidades de práticas
educativas que aqui já foram apresentadas colaboram para a formação da Teoria
Geral da Educação Social, que se expressa em uma Pedagogia Social. Assim, pensar
essas diversas formas de Educação, dessa maneira, é recente no Brasil, pois:

Somente após o I Congresso Internacional de Pedagogia Social


(CIPS), em 2006 organizado pelo Professor Dr. Roberto da Silva e
equipe, passa-se a discutir a Pedagogia Social como uma possível
Teoria Geral da Educação Social, abrangendo também a Educação
Popular, Educação Comunitária e a Educação Sócio-comunitária,
todas anteriormente classificadas sob o rótulo de Educação não
formal. (PAIVA, 2011, p. 29).

Se, no Brasil, as discussões em torno da Educação Social são recentes, o


mesmo não se afirmou com relação às experiências similares fora do país. A
Educação Social nasceu na Alemanha no século XIX, conforme Romero (2012),
Bellinato (2012), Paiva (2011) e Santos (2007) asseveram. Surgindo como
contraponto à Educação escolar, a Educação Social se constituiu como uma prática
educativa que visava promover o desenvolvimento humano. Ela se contrapunha à
Educação escolar, porque essa era considerada elitista e individualista, enquanto a
Educação social acreditava que as pessoas poderiam se desenvolver de forma

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 297


integral, incluindo aí a dimensão social e coletiva (SANTOS, 2007). Para o mesmo
autor, na Europa, a Educação Social emergiu como resultado da participação
democrática e consciente da população.
No mesmo esteio, a Pedagogia Social também apareceu na Alemanha, em
meados do século XIX, como forma de dar suporte à Educação Social. Sendo assim,
não é uma criação recente, e fora do Brasil vem chamando atenção de
pesquisadores como Antony Petrus, Jaume Trilla, Mercê Romans, Bernd Fichner.
Autores clássicos como Froebel e Pestalozzi também são considerados suporte para
a construção teórica da Pedagogia Social.
No caso do Brasil, de acordo com Santos (2007), a Pedagogia Social tem por
fontes a Teologia da Libertação, a Pedagogia do Oprimido e a Pedagogia da
Presença. A Pedagogia Social se movimenta da Igreja para os movimentos sociais. Na
Igreja tem seus pilares fundamentais na Pastoral do Menor e nas CEBS. Santos
(2007) destaca o conflito e as tensões entre a Pedagogia Social, o Serviço Social e a
Pedagogia no Brasil.
Ainda assim, Paiva (2011) situa a Pedagogia Social como uma ciência em
construção, cujo principal objetivo é agir sobre a prevenção e a recuperação das
deficiências da socialização. Para a autora, a Pedagogia Social procura responder
sobre o processo de integração dos indivíduos. Parte, então, da crença que é
possível trabalhar o social por meio da Educação. Constitui-se em uma ciência
prática, social e educativa. Destaca, ainda, que, no Brasil, a Pedagogia Social vem
sendo construída fora dos muros da escola, mas pode ocorrer também dentro dos
seus muros.
A mesma autora dá destaque à Educação Social de Rua como uma
especificidade da Educação Social, localizando-a como uma prática da Pedagogia
Social. Nesse sentido, é uma Educação que não é, mas está sendo (PAIVA, 2011).
Assim, a Educação Social de Rua é emergente e provisória e se constitui em dos
domínios da Educação Social, o sociopedagógico. Para Paiva (2011, p. 49), esse
domínio foi apresentado como forma de desconstrução do termo Educação não
formal, ao mesmo tempo proposto como um reagrupamento das práticas de
Educação popular, Educação social e Educação comunitária.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 298


Ressaltamos que a Pedagogia Social também se desenvolveu em outros
países, além da Alemanha, como Portugal, Uruguai, conforme afirmam Santos (2007)
e Paiva (2011). Após refletirmos sobre as diversas formas que a Educação assume e
de como elas podem englobar a Educação Social, voltaremos nosso olhar para os
agentes dessas práticas, o educador social.

O EDUCADOR SOCIAL COMO AGENTE DE NOVAS PRÁTICAS


EDUCATIVAS

Nas análises feitas até aqui, o educador social aparece como um agente de
novas práticas educativas e recebe denominações tão diversas quanto as atividades
que desempenham, que derivam de experiências populares, sociais e comunitárias.
Eles têm em comum “[...] uma longa história e muitos aprendizados de
experiência feitos na luta pelo direito à Educação, por moradia, por trabalho
decente, por saúde pública, por segurança alimentar etc.” (GADOTTI, 2010, p. 4).
Logo, vemos que o termo agrega atualmente uma diversidade de profissionais que
tendem a se amplificar, uma vez que se identificam mais pelas práticas que realizam
do que pela formação, pois elas atravessam diversas áreas:

Eles são arte-educadores, oficineiros, artistas populares, artesãos,


mas são também professores, advogados, sociólogos, cientistas
sociais, psicólogos, pedagogos, trabalhadores sociais, historiadores,
geógrafos, físicos, matemáticos, químicos, inclusive delegados de
polícia, promotores, juízes, administradores públicos, militares,
engenheiros e arquitetos, trabalhando no campo, nas periferias
urbanas, nos centros degradados das metrópoles, nas ruas e praças,
com crianças, jovens, adultos e idosos, pessoas portadoras de
deficiências, quilombolas, indígenas, catadores de produtos
recicláveis. (GADOTTI, 2010, p. 4).

Assim, temos o educador social atuando em vários espaços. Nesse mosaico


de práticas e de fazeres educativos, destacamos o educador social de rua. Ele tem
como espaço educativo a rua e como o ofício a Pedagogia Social (PAIVA, 2011).
Nesse ponto, há coincidências entre os educadores sociais descritos pela teoria e os
forjados pela prática educativa desenvolvida nas ruas de Teresina, principalmente

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 299


com relação à identidade desse ator social. Primeiro, porque não há consenso na
literatura quanto à terminologia “educador social”. Há tanto uma disputa de nome,
quanto de funções Podemos dizer, então, que ser educador social não é algo dado,
pré-estabelecido, mas uma função que vai se consolidando a partir de exigências
práticas, que vão se redefinindo continuamente. Por isso, sua identidade é revertida
de trânsito e de temporariedade.
Nesse sentido, Paiva (2011) demarca a especificidade do educador social de
rua e o afirma hoje como um educador das margens, que também está à margem e
nela caminha precariamente. Este sentimento entre os educadores sociais de rua de
Teresina é expresso por um dos entrevistados, quando ele se refere à falta de
reconhecimento para quem desempenha a função: “Por que... Era um nada. Ser
educador hoje é ser nada.” (Arimateia Nazareno, março de 2015). Assim, o ofício do
educador é marcado pela provisoriedade, também porque o conhecimento
construído nas ruas o é. É interessante notar que, atuando em meio ao provisório,
transitando por entre a realidade marginal, quase invisível, a função do educador
social de rua absorve essas características.
Com relação ao conhecimento produzido relação entre o Educador Social e
o educando em situação de rua, caracteriza-se por seu ser “[...] mutável, dinâmico,
possível, pois é construído com o outro, quando possui sentido na história humana,
na história do ser que é singular e que também produz história”. (Paiva, 2011, p.47).
Isso nos leva a perceber que a função desenvolvida pelos educadores sociais ocorre
de forma relacional, em profunda comunhão com as configurações sociais e com os
sujeitos nelas inseridas. Mudando essas configurações e as situações dos sujeitos, a
função do educador social adquire outras feições.
Concordamos com Santos (2011), quando ele argumenta que experiências
como as estudadas aqui, mais do que traçar uma trajetória que coloca o educador
social como aquele promove sujeitos de direitos, o faz propagador de uma nova
concepção de crianças e de adolescentes de rua; ajuda a forjar um articulado, entre
a sociedade e o público com o qual atua. Sendo um articulador, o educador social
organiza a sua prática nas regiões fronteiriças de outros profissionais.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 300


Por exemplo, o fazer do educador social de rua oscila entre o fazer do
assistente social e do pedagogo e, por isso, ele enfrenta dissabores com esses dois
profissionais. Com uma identidade em construção, o educador social tem seu fazer
situado nos domínios sociocultural, sociopolítico e sociopedagógico. Mas, por outro
lado, a provisoriedade do fazer do educador social se caracteriza e se soma ao
abandono e à negação.
Pelo fato de ser uma prática em consolidação, o educador social tem sua
identidade ainda não definida. E ao buscar a sistematização de suas práticas, pode
ter por parâmetros os fazeres de sua “parente” mais próxima: a Educação escolar. E
nesse construir-se, negando-a ou tendo-a como referência, a Educação social de rua
relaciona-se com as formas escolares, que por sua vez assumem as peculiaridades
dos locais que as produzem.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 301


REFERÊNCIAS

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Cadernos do CEDES. Ano I. Nº 01. Cortez, 1980.

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comunitária: conceitos e práticas diversas, cimentadas por uma causa
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GRACIANE, M. S. S. Pedagogia Social de Rua: análise e sistematização de


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LANÇA, Angelita Márcia Carreira Gandolfi. Serviço Social e educação:


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LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e pedagogos, para quê? São Paulo:
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PAIVA, Jacyara Silva de. Compreendendo as vivências e experiências,


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Espírito Santo, Vitória, 2011.

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de Mestrado). São Paulo: PUC, 2007.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 303


POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 304
INTRODUÇÃO

Os estudos da ciência e da tecnologia sempre instigaram a humanidade.


Desde a antiguidade, o homem procurava compreender o mundo e procurar meios
que facilitassem o seu trabalho. Ao longo do processo de industrialização mundial, a
sociedade passou a se organizar de forma mais centrada em torno da globalização. A
internet, instrumento fundamental neste período de grandes transformações sociais,
acabou por se tornar uma das principais ferramentas de comunicação entre os
homens.
Com o passar dos anos, a tecnologia passou a estar presente em todos os
setores da sociedade com o propósito de agilizar os processos industriais e
econômicos. Até então a tecnologia era algo restrito ao setor empresarial, porém
com a percepção de que a tecnologia poderia ir muito além da indústria, ela
começou a ser aplicada na vida cotidiana do homem. Este por sua vez a adaptou às
suas necessidades comunicativas a fim de vencer as distâncias.
A massificação online deu lugar a um novo tipo de indústria, uma indústria
que se concentra no ciberespaço, e as interações homem-máquina ficaram cada vez
mais afuniladas e quase que impossíveis de se separar. A comunicação mediada por
computador (CMC) alcançou um enorme público e chegou a todos os setores da
sociedade, não só no âmbito da economia e da indústria, mas também nas relações
entre os seus usuários.
Diante da intensa disseminação da CMC temos o grande avanço das redes
sociais da internet (RSI), que por sua vez caminha em paralelo com a educação,
mantendo sempre um distanciamento razoável por ser, ainda, algo novo no
ambiente escolar. A inclusão da internet e da tecnologia de forma lenta advém do
fato de muitos educadores criticarem a sua finalidade para os seus usuários,
principalmente entre os jovens. Porém a escola não tem mais como fechar os olhos
para a modernização da tecnologia e aos poucos vai percebendo que lutar contra ela
e/ou mantê-la longe dos muros escolares é algo inútil. Ao contrário, a escola deve
cada vez mais aproximar as suas práticas pedagógicas e a tecnologia online, para

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 305


atrair novamente os olhares atentos dos discentes. Brito e Purificação (2008)
afirmam que

Sabemos que o cenário tecnológico e informacional requer novos


hábitos, uma nova gestão do conhecimento, na forma de conceber,
armazenar e transmitir o saber, dando origem a novas formas de
simbolização e representação do conhecimento. Para tanto,
necessitamos ter autonomia e criatividade, refletir, analisar e fazer
inferências sobre nossa sociedade. (BRITO; PURIFICAÇÃO. p 23. 2008)

O tempo todo o homem lança mão de instrumentos para estabelecer


comunicação e a internet atende a essa necessidade, logo, a escola como percussora
do conhecimento, de reflexão e análise, deve conhecer melhor e adaptar esse
cenário tecnológico como ferramenta de construção de saberes e possibilidades até
então não vistas nas salas de aulas tradicionais. Sobre isso, Brito e Purificação (2008)
dizem ainda que

Nesse contexto, a educação, como as demais organizações, está sendo


muito pressionada por mudanças. No momento atual, todos devemos
(re)aprender a conhecer, a comunicar, a ensinar; a integrar o humano e
o tecnológico; a integrar o individual, o grupo e o social. (BRITO;
PURIFICAÇÃO. p 24. 2008)

O que as autoras pretendem mostrar é que não há mais como fugir da


tecnologia, pois a utilizamos em praticamente todas as nossas atividades diárias. No
entanto devemos aprender a utilizá-la de modo favorável às nossas necessidades e
mais ainda, como educadores, auxiliar e moldar nossos educandos em suas práticas
online. Para tanto, a escola deve estar aberta a novas possibilidades e aos novos
tempos.

A comunidade escolar depara-se com três caminhos: repelir as


tecnologias e tentar ficar fora do processo; apropriar-se da técnica e
transformar a vida em uma corrida atrás do novo; ou ainda apropriar-
se dos processos, desenvolvendo habilidades que permitam o
controle das tecnologias e de seus efeitos. (BRITO; PURIFICAÇÃO. p 25-
26. 2008)

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 306


Assim, a escola tem como papel rever esses cenários tecnológicos e aderir a
novos horizontes online, pois como modelo de aprimoramento intelectual, terá um
melhor controle sobre o uso dessa tecnologia e poderá ainda orientar os seus
discentes a práticas seguras na internet.
A ampliação de novos horizontes tecnológicos acontece na maioria das
vezes de forma voluntária e individual. A internet, por ser um recurso acessível a
todos, permite que os seus visitantes sintam-se livres para pesquisarem e
explorarem assuntos de seus interesses pessoais. Muitas pessoas já utilizam as
redes sociais para aperfeiçoar práticas linguísticas, como é o caso do inglês, francês,
coreano entre outras línguas estrangeiras, pois por não poder está inserido naquela
comunidade estrangeira o usuário utiliza as redes sociais para aprender e praticar
uma nova modalidade linguística sem sair de casa.
Orofino (2005, p. 48) afirma que a todo instante estamos conectados,
“plugados no mundo”, seja via rádio, telefone, TV ou internet. Barton e Lee (2015),
em suas pesquisas sobre o mundo online, observam um fator interessante: as
práticas online ainda são basicamente escritas, os textos são predominantes
escritos, mesmo que unidos com outros recursos tornando-o multimodal, facilitando
o processo criativo de seus usuários e aperfeiçoando a prática de leitura.
A liberdade de criar, aperfeiçoar e de conhecer o diferente gera nos usuários
da internet uma postura multimodal (BARTTON e LEE (2015). Essa postura faz com
que os praticantes online aprofundem-se nas suas práticas virtuais. A frequência de
informações nesses ambientes é, portanto, muito maior que na vida off-line, e a
diversidade de gêneros presentes e uma hibridização de textos ocorrem com maior
frequência.
Recentemente vê-se que atividades escolares que envolvem a tecnologia
estão cada vez mais frequentes. Algumas pesquisas na área de práticas
comunicativas online, com trabalhos desenvolvidos a partir de bate-papos e grupos
de pesquisas online, entre outras que envolvam as redes sociais são objetos de
estudo para muitas linhas de pesquisa. Gomes (2016) ressalta que:

As pessoas hoje escrevem, fotografam, filmam, compõem textos com


imagens, áudio e vídeo e compartilham suas produções, às vezes sem

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 307


o menor pudor ou com valores estéticos duvidosos, sem parecer, dar
muita importância para isso. [...] Muitas práticas de escrita no meio
digital extrapolam as propostas de aulas de redação e leitura das
escolas, mesmo quando estas envolvem os dispositivos tecnológicos,
por estarem presas a determinados valores e padrões e por não
considerarem a formação e manutenção de redes de relacionamento
como uma das motivadoras das interações via escrita. (GOMES, 2016,
p. 81-82)

Este pensamento reforça a ideia de Franco (2011) sobre a escola dos dias
atuais ser constantemente desafiada a compreender o mundo complexo em que
vivemos. Faz-se necessário, portanto, uma reinvenção da escola para que ela
continue mantendo sua importância. “A escola é a rede. Nela, todos seremos
autodidatas. Em uma sociedade conectada, quem organiza o conhecimento é quem
o busca. Isto é, não são currículos, professores, escolas ou leis; são as necessidades
de aprendizagem dos indivíduos.” (FRANCO, 2001, p. 9).
Nesse contexto, Aragão e Dias (2016) afirmam que os estudos sobre as
redes, em especial o Facebook, já são uma realidade. Em junho de 2014 os autores
fizeram um levantamento no banco de teses e dissertações da Capes e encontraram
91 trabalhos cujo tema é a rede social Facebook: 76 dissertações de mestrado e 15
teses de doutorado. Entre estes trabalhos citados por Aragão e Dias (2016),
destacamos os que tratam da aprendizagem de línguas estrangeiras com o uso de
redes sociais como o Orkut (FARIA, 2010) e o Facebook (SILVA, 2013a, 2013b).
Segundo os autores, Silva (2013a , 2013b) usou o facebook como espaço de
aprendizagem complementar às aulas de língua inglesa, ministrada para alunos de
Letras; enquanto Farias (2010) fez a mesma experiência, na época, com o extinto
Orkut.
A pesquisa que apresentamos aqui tem esse viés: trazer para a sala de aula
as práticas do mundo online para reformular velhas práticas pedagógicas sobre o
ensino de língua. Acreditamos que essa experiência traz grandes benefícios para o
fazer docente e para o aprendizado em si, uma vez que a reprodução de ações já
conhecidas e apreciadas pelos alunos pode tornar mais acessível e prazerosa a aula
de Língua Portuguesa.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 308


LINGUAGEM ONLINE E SEQUÊNCIA DIDÁTICA: uma experiência com
o uso do grupo fechado do Facebook

O projeto que apresentamos a seguir foi idealizado e submetido ao PIBIC


(Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica), aprovado pela Pró-Reitoria
de Pesquisa e Pós-Graduação (PROP) da Universidade Estadual do Piauí no segundo
semestre do ano de 2015. As atividades foram desenvolvidas em parceria com uma
aluna bolsista do curso de Letras – Português.
Inicialmente foram selecionados alunos de uma turma do 1º ano do ensino
médio e, para não interferir no planejamento da professora regente, a aluna bolsista
conferiu quais temáticas e gêneros eram abordados naquele momento em sala de
aula. Constatamos, dessa forma, que o conteúdo explorado era a obra literária O
Cortiço, de Aluísio Azevedo, e o Naturalismo. Foram apresentados os passos e
objetivos da atividade e organizado um cronograma para que todos tivessem acesso
às fases de execução das atividades e pudessem participar de forma colaborativa,
dando sugestões e preparando-se para cada etapa.
Para o desenvolvimento desta investigação, elaboramos um projeto
metodológico envolvendo gêneros digitais. A pesquisa foi construída a partir de uma
sequência didática dividida em dez aulas de 50 minutos. As aulas correspondem a
etapas do projeto, totalizando sete etapas. A professora regente apresentou à
bolsista as dificuldades de estimular a leitura de obras da literatura já previstas no
planejamento anual, especialmente por ter que competir, muitas vezes, com o
desinteresse pela leitura ou até mesmo pela dificuldade de compreensão dos textos
por parte dos alunos. Essa queixa confirma nossa hipótese de que os alunos estão
mais interessados em textos que circulam no ambiente virtual, em redes sociais e
aplicativos de mensagens de texto.
Constatadas as primeiras dificuldades, o projeto foi iniciado com leituras e
discussões sobre a obra em sala de aula. Em seguida, abordamos as vantagens e
desvantagens da internet, especialmente das mudanças provocadas pelas redes
sociais e aplicativos. Os alunos foram motivados a expressar suas opiniões sobre as
temáticas abordadas e depois registrar tudo para as próximas etapas.
Depois, foi discutida a questão dos perfis fakes nas redes sociais pois uma
das tarefas da sequência envolvia essa discussão. Esse debate serviu para que eles
executassem os comandos seguintes, orientados em sala de aula. Como tarefa, eles
deveriam inicialmente criar um perfil fake no facebook com o objetivo de reproduzir

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 309


o que seria o perfil de um personagem da obra O Cortiço dentro do facebook, em
um grupo fechado criado pela bolsista Pibic.
Descrevemos na tabela a seguir cada uma delas, indicando a aula/etapa, as
atividades propostas e as descrições destas atividades com sugestões para os
docentes:

AULA/ETAPA ATIVIDADE DESCRIÇÃO


a) Apresentação de imagens que retratam cortiços/favelas,
lavadeiras e pedreiras
Preparação dos
b) Questionamento com os educandos sobre o tema das imagens e a
Aula 01 (50 min) – alunos para a
relação existente entre elas. Que problemas sociais e econômicos
primeira etapa leitura da obra
podemos inferir das imagens? É possível eles reconhecerem alguma
literária.
região/bairro de Teresina que se assemelham a algumas dessas
imagens?

a) Comentar sobre o texto literário e suas adaptações. Diferença


entre o texto literário e não literário. As diversas adaptações que um
texto pode ter. Para a sala de aula foram levados para os alunos
quatro modelos de adaptação de texto. O primeiro foi a obra
completa, o segundo a obra adaptada em HQ, a terceira a mesma
obra com adaptação para leitura de iniciante e por último um
Indicação da
comentário sobre a obra adaptada para o cinema (o filme será
leitura do livro e
AULA 02 (50 min) – exibido nas aulas 3 e 4);
tudo que será
SEGUNDA ETAPA Apresentação da obra O Cortiço, de Aluísio Azevedo e sua indicação
discutido sobre
de leitura obrigatória.
ele.
Discussão sobre o contexto histórico e o movimento literário em que
a obra está inserida.
Breve discussão sobre a vida e obra do autor Aluísio Azevedo;
Os educandos terão cerca de 20 dias para a leitura do livro indicado.
Em seguida o professor(a) combina com a turma um dia para a
discussão da obra em uma mesa-redonda em que será discutido
sobre o livro, enredo, personagens e demais elementos da narrativa;
“Sessão Cinema”
AULA 03 E 04 (50 com a exibição do
min) – TERCEIRA filme O Cortiço - Os alunos devem ser orientados para fazer anotações sobre o filme e
ETAPA Completo (1946) os elementos da narrativa para posterior discussão
(1h:50min), de
Lulu de Barros
Nas discussões da mesa-redonda, o papel de mediador pertencerá ao
professor da turma, pois assim ele poderá estimular os alunos a
falarem, expressando-se de forma mais livre e voluntária. O professor
não poderá deixar ninguém sem fazer comentários, deve motivar
Mesa-redonda,
para que todos comentem e participem das discussões.
AULA 05 (50 min) – com as carteiras
Os assuntos das discussões serão: os traços estilísticos, o enredo da
QUARTA ETAPA disposta em
obra, o conflito, clímax, desfecho da obra, personagens e suas
formato de
características, diferenças entre o filme e o livro lido por eles. Por fim,
círculo.
o professor deve finalizar a mesa-redonda fazendo uma atividade
avaliativa com todos os itens discutidos em sala de aula além de uma
elaboração de resumo da obra por parte dos alunos com o propósito
de avaliar futuramente uma produção escrita.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 310


a) O que seria um texto?
Quais os gêneros que mais utilizamos?
E o gênero digital, o que seria?
Reflexões sobre Quais as características da linguagem utilizada na internet? (Fazer
gêneros textuais; questionamentos sobre o mundo da internet. ).
Formação de Breve discussão com os discentes sobre o que são as redes sociais,
duplas para a quais as redes sociais que eles mais se utilizam, se todos têm acesso
elaboração de à internet e as redes sociais e com que frequência eles a acessam.
perfis de j) Questionar os alunos se eles sabem qual a finalidade das redes
personagens da sociais e para que eles a utilizam.
obra em um grupo Reflexões sobre Facebook e o seu propósito comunicativo, como se
AULAS 06 e 07 (50
fechado do constitui um perfil de Facebook?
min) – QUINTA ETAPA
facebook. Os Reflexões sobre grupos e páginas educacionais no Facebook.
personagens
serão: João Após o sorteio, o professor explicará para os alunos que cada equipe
Romão, Miranda, ficará responsável pela produção de perfil de Facebook do
Bertoleza, personagem indicado, e que eles deverão curtir fotos, compartilhar
Botelho, posts, postar comentários e dialogar com os personagens dos outros
Jerônimo, Rita colegas, procurando levar em consideração o autor, o contexto
Baiana, e Firmo. histórico e o movimento literário do qual a obra faz parte. Eles
deverão reconstruir a obra no grupo fechado de Facebook e estarão
livres para utilizar a linguagem online da qual são adeptos em suas
práticas usuais.

No laboratório de informática da escola, o professor inicia o


acompanhamento da formulação de perfis no grupo fechado “O
Cortiço”, criado por ele especificamente para esta atividade. Os perfis
deverão ser preenchidos pelas duplas de alunos, com todas as
Construção do informações que eles anotaram sobre os personagens. Quando todos
grupo fechado “O estiverem adicionados no grupo fechado criado pelo professor da
AULAS 08 E 09 (50
Cortiço” e dos turma, os responsáveis pelos perfis devem adicionar todos os outros
min) – SEXTA ETAPA
perfis dos perfis para manter uma interação conforme o enredo da obra. Os
personagens da diálogos dos personagens deverão retextualizar, no Facebook,
obra, no Facebook algumas cenas escolhidas para esta prática. O objetivo é reproduzir
de forma atual os fatos vividos pelos personagens da obra, utilizando
os recursos do meio digital. Os alunos devem ser acompanhados pelo
professor e este deve interferir o mínimo possível nas postagens dos
alunos.
Verificação, por meio de questionário, em que os próprios alunos
avaliarão as atividades que foram proposta a eles. Além do
questionário, deve-se aplicar uma atividade de reescrita das
postagens, com o propósito de refletir sobre a língua portuguesa e
perceber as diferenças e as semelhanças entre a escrita normativa,
Aplicação de
AULA 10 (50 MIN) – vista em sala de aula, e a linguagem da internet. O professor deve
questionários de
SÉTIMA ETAPA destacar ainda sobre o internetês, a estrutura da página na internet,
avaliação da
as ferramentas que auxiliam nas interações comunicativas e uma
experiência
reflexão profunda das interferências da linguagem online com a
escrita culta da língua.
O professor titular da disciplina também deverá responder a um
questionário específico para avaliar o projeto.

Sequência didática “Curtindo o Cortiço”, elaborada pelos autores.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 311


Apresentada a sequência, seguimos comentando a experiência com a
análise de elementos que julgamos importantes para nossa investigação. Após a
criação do grupo fechado O Cortiço, na rede social facebook, os alunos foram
adicionados com os perfis criados por eles com base nas características de cada
personagem escolhido e no enredo da obra. Em seguida, eles foram orientados a
retextualizar algumas cenas do livro a partir das interações com o uso de todos os
recursos permitidos pelo facebook. As interações eram acompanhadas por todos
(com a projeção de um Datashow) do conteúdo criado no grupo fechado. Os
professores e a bolsista intercalavam a produção da retextualização com perguntas
sobre os personagens, sobre o enredo, de forma a estimular a retextualização no
ambiente virtual com o máximo de elementos linguísticos e não linguísticos
possíveis.
Durante o processo, os alunos pesquisaram e escolheram imagens para
definir o perfil de cada personagem, utilizaram recursos como emoticons, criação de
eventos, vídeos, hiperlinks, enfim, ferramentas disponíveis e comumente utilizadas
na interação em redes sociais. Eles interagiram entre si, de forma monitorada, uma
vez que todo o progresso das atividades era acompanhado por todos na projeção
com uso do Datashow. A retextualização passou por autoavaliação, correção coletiva
de postagens, observação dos recursos linguísticos e não linguísticos utilizados na
construção dos textos do grupo. A aprendizagem pôde ser constatada pela
compreensão da obra revelada nas postagens no grupo fechado.
Apresentamos agora alguns itens construídos ao longo das etapas e as
devidas análises sobre os fenômenos encontrados.

a) Perfis “fakes” literários: dos livros para a rede

Dentre as observações que fizemos em cada etapa da pesquisa, destacamos


a elaboração dos perfis falsos correspondentes aos personagens da obra “O
Cortiço”, de Aluísio Azevedo. Vejamos a seguir em (1) a lista de “amigos”
participantes do grupo:

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 312


Exemplo 1 – Perfis “fakes” literários

(Disponível em: https://www.facebook.com/groups/100955750249946/members/. Acesso em 22 de


abril de 2016)

Notamos claramente uma recuperação, em quase todos os perfis, das


características peculiares a cada personagem no enredo da obra. De forma
divergente dos outros perfis, apenas dois deles não foram devidamente
caracterizados: o personagem “Firmo”, que aparece descrito como trabalhador na
empresa “VASP –vagabundos anônimos sustentados pelos pais”, e cuja descrição
remete a uma brincadeira típica da adolescência; e o personagem João Romão, o
qual não recebeu descrição sobre o trabalho, mas teve o local onde mora destacado
no perfil. Todos os outros tiveram, mesmo que de forma bastante resumida, uma
característica do trabalho do personagem apontada na descrição, conforme é
esperado no preenchimento de perfis nesta rede social.

b) Retextualização da obra literária no mundo online: linguagens múltiplas

O uso de recursos verbo-visuais na reconstrução do enredo é outra


característica que chama a atenção nesta sequência didática. No exemplo (2) a
seguir, reconhecemos vários casos:

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 313


Exemplo 2 – Recursos verbo-visuais na retextualização de O Cortiço

(Disponível em: https://www.facebook.com/groups/100955750249946/. Acesso em 22 de abril de


2016)

No exemplo (2), observamos a retextualização de uma das cenas mais


conhecidas da obra O Cortiço. Nela, a personagem Rita baiana protagoniza uma
dança sensual em uma roda de samba. Em (2), a personagem Rita convida Firmo e
Jerônimo para a roda de samba, provocando ainda mais a rivalidade entre os seus
“pretendentes”. Nesta postagem, os alunos responsáveis pela retextualização, além
de criarem novos elementos para a narrativa, utilizam recursos imagéticos e
tipográficos para tal fim. Observamos a grafia em cor azul marcando os nomes dos
personagens para chamar a atenção destes usuários da rede social para uma
notificação em que eles são marcados.
Outro detalhe interessante é o uso de um emoji no comentário de Rita, em
que aparece um cachorro com um coração saltando do peito, em movimento,

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 314


representando as batidas do coração. Esse recurso é usual na rede Facebook e
substitui a escrita, como também o fazem os emoticons. Outro recurso utilizado,
porém sem adequação quanto ao funcionamento apropriado para o contexto da
linguagem online é o uso da hashtag no quarto comentário, feito pelo personagem
João Romão, onde diz “#Pois compre peixe na minha mão”. Classificamos como
inadequado porque esse recurso tem como função topicalizar as expressões que
surgem após a hashtag e agrupá-las em uma espécie de página virtual, onde se
localizam todas as publicações com aquela configuração.
Ainda sobre esse episódio do enredo, observamos no exemplo (3) uma outra
forma de retextualização por meio de um recurso bastante utilizado no Facebook.
Vejamos:

Exemplo 3- Criação de um evento: Roda de samba da Rita Baiana

(Disponível em: https://www.facebook.com/events/368327780030748/. Acesso em 22 de abril de


2016)

Em (3), destacamos a criatividade dos alunos em retextualizar a mesma cena


apresentada no exemplo (2), agora em outro formato. A postagem desta vez se deu
por meio de uma reconfiguração, em meio digital, de um gênero conhecido fora do
meio virtual com o nome de “convite”, o qual emerge no ambiente digital com novas
características. Entre as novidades estão a possibilidade de confirmar, embora
virtualmente, a presença no evento em questão. Essa característica é utilizada

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 315


pelos usuários da rede para antecipar o impacto de um determinado evento
divulgado por meio deste gênero “novo”. Em relação ao convite para a roda de
samba, apontamos o trabalho de pesquisa de imagens e de tentativa de manter a
fidelidade ao texto original, indicando o local em que o evento ocorrerá.
E para finalizar, no trabalho de retextualização, os alunos recebem a
orientação para manter o foco na construção das postagens em relação ao enredo,
uma vez que a coerência do trabalho de escrita virtual será julgado após a interação
registrada no grupo fechado. Essa intervenção, embora sirva de monitoramento das
práticas planejadas na sequência didática, em nada reprime ou manipula a escrita
dos alunos, pelo contrário, motiva e facilita o seguimento dos passos metodológicos
e a finalização do projeto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ensinar não é tarefa fácil. Encontramos no dia a dia da sala de aula


diferentes dificuldades, mas talvez a mais evidente é a falta de motivação dos
alunos para participar ativamente de aulas que são de longe um reflexo da
realidade.
Tendo observado que as práticas linguísticas e comunicativas mudaram no
mundo, acreditamos que todos os educadores tem o dever de aperfeiçoar suas
estratégias de ensino considerando o mundo online e suas práticas, a fim de
encontrar caminhos metodológicos e didáticos que deixem os alunos motivados
para fazer parte e protagonizar o ensino aprendizagem. A escola deve adaptar-se às
novidades tecnológicas e aliar-se a elas para ampliar novos conceitos sobre a sala
de aula. A criação de projetos que possibilitem ultrapassar as folha de papel e o
quadro são bem vindas à educação, remodelando conceitos arcaicos e tradicionais,
baseados apenas nas regras que limitam a reflexão e a interação social do aluno
com o mundo.
É preciso destacar que nossa pesquisa possui limitações previamente
definidas. Outros estudos podem analisar novas experiências com o uso das redes
sociais em sala de aula.A presente pesquisa espera ter dado uma pequena, porém
relevante contribuição para essa questão.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 316


REFERÊNCIAS

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inglês. In: Redes Sociais e ensino de línguas – o que temos de aprender?
Parábola Editorial: São Paulo. 2016.

BARTON, David; LEE, Carmen. Linguagem online: textos e práticas digitais.


Editora Parabola: São Paulos. 1 ed. 2015.

BRITO, Glaucia da Silva; PURIFICAÇÃO, Ivonélia da. Educação e novas


tecnologias: um re-pensar. Editora ibpex: Curitiva. 2 ed. rev. 2008.

FARIA, H de O. Socializando e aprendendo: a incorporação da rede social


Orkut ao ensino de língua inglesa. Dissertação de mestrado. Belo
Horizonte: UFMG. 2010.

FRANCO, A. Não escolas: a livre aprendizagem na sociedade-em-rede.


Disponível em: http://escoladeredes.net/group/fluzz/page/nao-escolas.
Acesso em 22/05/2016.

GOMES, Luiz Fernando. Redes sociais e escola: o que temos a aprender?


In: Redes Sociais e ensino de línguas – o que temos de aprender?
Parábola Editorial: São Paulo. 2016

OROFINO, Maria Isabel. Mídias e mediação escolar: pedagogias dos meios,


participação e visibilidade. Editora Cortez: São Paulo. 1 ed. 2005.

SANTOS, Rafael Barros dos. Curtindo Vidas Secas Em Meio Às Redes


Sociais. Disponível em: http://www.ileel.ufu.br/anaisdosielp/wp-
content/uploads/2014/11/1349.pdf. Acessado em: 26 jan. 2015.

SILVA, S.P. Facebook no ensino de língua inglesa: uma experiência no


curso de Letras. Cadernos do CNLF (CIFEFIL), v. XVII, p. 124-140. 2013a.

___________. Facebook como ambiente virtual de aprendizagem de língua


inglesa no ensino superior. Educaonline, v. 7, n. 2, p. 1-16.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 317


POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 318
INTRODUÇÃO

O Museu Ozildo Albano, localizado na cidade de Picos, pode ser considerado


como um dos principais locais de pesquisa sobre as artes, política, literatura, religião
etc, do centro-sul do Estado do Piauí. Fundado no ano de 1968, por iniciativa de
José Albano de Macedo, possui um acervo eclético que ainda não foi
completamente catalogado, portanto, não há registros sistematizados de fontes ou
apontamentos informatizados e grande parte da documentação hemerográfica
encontra-se inacessível para consulta devido ao seu delicado estado de
conservação.
Embora falte atender uma série de orientações de museologia e aquisição
de equipamentos modernos de climatização, iluminação, alarme e câmeras de
filmagem, são desenvolvidas no Museu Ozildo Albano significativas experiências de
ensino de história, por meio de visitas guiadas, elaboração de mapas conceituais
pelos alunos, exposições de artistas locais, mostras de arte, lançamento e
comercialização de livros, palestras sobre temas históricos, oficinas de metodologia
do ensino de história, comemoração da semana dos museus, restauração de obras
de arte sacra, digitalização de documentos em estado de utilização adequado,
dentre outros trabalhos.
Os fundamentos teórico-metodológicos que norteiam a presente pesquisa
aproximam a memória, o ensino, o patrimônio cultural, o museu e a cidade como
elementos indissociáveis e propiciadores da construção do conhecimento
significativo. Nesta interface a cidade funciona como suporte, um espaço de
construção da memória, dos sentidos e das representações, portanto,

[...] a cidade nunca deve surgir apenas como um conceito urbanístico


ou político, mas sempre encarada como o lugar da pluralidade e da
diferença, e por isto representa e constitui muito mais que o simples
espaço de manipulação de poder. E ainda mais importante é valorizar
a memória, que não está somente nas lembranças das pessoas, mas
tanto quanto no resultado e nas marcas que a história deixou ao
longo do tempo em seus monumentos, ruas, avenidas, ou nos seus
espaços de convivência como o necessário caminho do progresso e
da modernidade. (FENELON, 1999: 29).

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 319


Outro conceito fundamental é a memória, como elaboração que acontece
sempre no presente, de forma dinâmica, como construção coletiva complexa,
denotando as formas de viver e conservar as lembranças de grupos e pessoas seja
em monumentos, documentos e nas artes, guardadas e protegidas notadamente no
museu, que é compreendido eminentemente como lugar de memória.

[...] A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos, e nesse


sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da
lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações
sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações [...] A memória
é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente, a
história, uma representação do passado. A memória emerge de um
grupo que a une, o que quer dizer, como Halbwachs o fez que há
tantas memórias quantos grupos existem; que ela é, por natureza,
múltipla e desacelerada, coletiva, plural e individualizada. A história,
ao contrário, pertence a todos e a ninguém. Que lhe dá uma vocação
para o universal. (NORA, 1989: 9)

O museu Ozildo Albano recebeu ao longo de décadas diversas contribuições


de colecionadores, de instituições e das famílias da cidade de Picos e de outras
partes do mundo. Há uma fortuna empírica de correspondências pessoais, de
cartões portais, livros de recordações, de discos de vinil, jornais, comendas,
esculturas, dentre outros objetos de memória.

OZILDO, O MECENAS DAS ARTES DE PICOS

José Albano de Macedo (Ozildo Albano), idealizador do Museu em Picos,


desejou oferecer à cidade um legado que contribuísse para elevar seu nível cultural
museológico, privilegiando a construção da memória e a ampliação de referências
identitárias, no período histórico marcado pelo cerceamento dos direitos civis, das
liberdades individuais, das prisões arbitrárias, das torturas e mortes, das
perseguições constantes do período de vigência da Ditadura Militar no Brasil (1964-
1985).
Ozildo Albano veio de uma família remediada. Foi o segundo filho,
dos sete do casal Manoel Albano da Silva e Neomísia Macêdo Albano.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 320


Seu pai era agricultor e artesão, trabalhava com couro, possuía gado,
ovelha. Fazia farinhada, moagem. Possuía uma casa na zona rural e
outra na cidade. Sua mãe era filha de comerciante, possuía terras e
gado. Dedicou-se ao lar. (ALBANO, 2014:1)

O fundador do Museu foi alfabetizado no Grupo Escolar Coelho Rodrigues,


sua primeira professora foi Hilda Policarpo de Melo, uma veterana das guerras na
Europa. Depois de ingressar no Seminário Sagrado Coração de Jesus, em Teresina lá
permaneceu até o ano de 1948. Em 1949 alistou-se no Tiro de Guerra 201.
Ingressou na primeira turma do Ginásio Estadual Picoense. Cursou o Científico no
Liceu do Ceará, em Fortaleza. Ingressou na Universidade Federal do Ceará, onde se
bacharelou em Direito em 1961.

Quando Ozildo cursou o Ginásio, tinha um cursinho no qual dava


aulas, participava do Grêmio Literário “Da Costa e Silva”, fundou em
09 de março de 1952 o jornal “Flâmula”. Já universitário em
Fortaleza (CE), foi presidente da Casa do Estudante, militante
estudantil e membro da JUC (Juventude Universitária Católica),
também neste período, ministrava aulas na rede particular da capital
cearense. (ALBANO, 2014: 1)

Ozildo Albano mesmo como advogado e posteriormente como juiz


concursado, atuou em importantes movimentos cultuais em Picos, seja na imprensa,
no teatro e na educação. Em 1969, Ozildo era Juiz da Comarca de Jaicós, foi cassado
pelo então Governador do Piauí, Helvídio Nunes de Barros que utilizou os
dispositivos do Ato Institucional Nº 5. Dos trabalhos desenvolvidos destaca-se
principalmente o de mecenas das artes, incentivando as atividades culturais, a
reunião de documentos e peças sacras e idealizando o Museu de Picos, que após
sua morte, reabriu sob a proteção da família e amigos, como gestores do espaço.

Ozildo Albano tinha um grande amor à sua terra e sua gente. Gostava
de conversar, principalmente com os mais velhos, ouvir as histórias
que tinham pra contar, partindo disso iniciou uma pesquisa
individual e registro sobre as manifestações culturais da região de
Picos. Também teve contato com documentos antigos de
antepassados da família que tiveram participação em lutas regionais
e nacionais os quais os guardou com zelo. Desde jovem começou a
colecionar objetos antigos (imagens sacras, peças do cotidiano,

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 321


fotografias) que encontrava nas casas, principalmente de familiares,
e também por onde andava. Gostava muito de ler. (ALBANO, 2014: 1)

O mecenas Ozildo Albano atuou por um curto período de tempo como juiz
na cidade de Jaicós, pois foi destituído do cargo por imposição do Regime Militar.
Como outros literatos como Clodoaldo Freitas e Higino Cunha, bacharéis em direito
que o antecederam, ao regressar de importantes centros universitários como Recife
e Fortaleza, sentiram a necessidade de agitar a cultura no Piauí, sendo derrotados no
campo político, mas foram vencedores no campo cultural. Seu legado é um
contributo à cultura piauiense constituiu-se como uma demonstração da capacidade
de atuar criticamente contra a política coronelista que predominou em todo estado
do Piauí.

O MUSEU E SEU ACERVO

O acervo do Museu reúne vasta documentação que compreende jornais


alternativos e da grande imprensa, fotografias de diversas séries, peças de arte
sacra, telas de artistas, livros diversos, discos de vinil etc. Destaca-se a bem
conservada documentação sobre a compra e venda de escravos, documentos sobre
a Batalha do Jenipapo, da Balaiada, de eleições municipais de Picos, sobre a
administração política de Oeiras, como primeira capital da Província do Piauí.
A documentação contida no museu ilumina períodos diferentes da história
brasileira no Piauí, pois há documentos sobre o período colonial, imperial e
republicano. As fontes históricas antes reunidas por Ozildo Albano recebeu a
contribuição de colecionadores particulares, que assinam termos de doação se os
objetos continuarem sob a proteção da família Albano.
O Museu Ozildo Albano é considerado um museu privado que recebe a
contribuição do Governo do Estado do Piauí, por meio da Fundação Cultural do
Estado do Piauí (FUNDAC) e da Secretaria de Educação que disponibilizou
professores efetivos para trabalharem no Museu, desenvolvendo atividades de
visitas guiadas, curadoria de exposições temáticas e elaboração de educação
patrimonial.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 322


O objetivo do Museu Ozildo Albano é manter viva a memória
histórica de Picos, bem como expor e divulgar seu acervo,
contribuindo assim para a valorização das raízes e tradições culturais
que marcaram a história do povo picoense. Trata-se de museu
particular, mantido com a taxa de manutenção cobrada ao visitante,
no valor de R$ 1,00. (CASTRO, 2008: 65)

Conforme indicado no objetivo do Museu há um compromisso dos


mantenedores com o legado museológico, com a construção da história da cidade,
com a valorização da cultura, com utopia de fazer uma “história grandiosa”, da qual
os picoenses pudessem se orgulhar, tivessem elementos para entender um passado
valoroso e assim, contribuir para pesquisar a história da ancestralidade.

O acervo do museu preserva grande parte da história de Picos,


contendo um conjunto de pelas que, no geral, estão em ótimo estado
de conservação, pois apenas das condições do prédio (que está
necessitando de reparos) os funcionários zelam para que o local da
documentação esteja sempre limpo e arejado. Devido à falta de
estrutura do prédio, está exposto apenas 30% do acervo. A maior
parte das peças é advinda de doações. (CASTRO, 2008: 64)

O local em que o Museu foi instalado possui uma beleza singela, sendo de
estilo arquitetônico neoclássico, localizado na Praça Josino Ferreira, Nº 910, centro
de Picos. Sua construção data de 1932 para funcionamento do Grupo Escolar Coelho
Rodrigues, onde estudaram diversas gerações de picoenses. O prédio foi tombado
no ano de 1999 como patrimônio histórico pelo INPHAN. A partir daquele ano o
Museu ficou instalado definitivamente. No ano de 2014 foi concluída a reforma do
Museu para receber uma exposição nacional de peças arqueológicas. Trata-se de um
dos mais significativos museus privados do Piauí.
Na reforma arquitetônica houve o retelhamento de todo prédio, evitando as
goteiras, a climatização de algumas salas, reforma de paredes, pintura de paredes
interna e externamente, conserto de portas e janelas, a instalação de alarmes e
informatização da secretaria do Museu.

Foram detectados problemas estruturais, como vazamentos,


infiltrações, telhado com falha, dentre outros. Com isso, foi feito um

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 323


projeto para a restauração, compra de equipamentos, realização de
cursos de capacitação e montagem de exposições. A primeira etapa
do projeto, que é a reforma, está sendo concluída. Para a conclusão
da reforma e entrega do museu, há um impasse que vai gerar
desagrado principalmente entre os donos de trailer e a Prefeitura
Municipal, já que não há uma lei municipal de ordenação urbana.
(OLIVEIRA, 2014:2)

A Reforma do Museu Ozildo Albano foi custeada pela empresa Iracema


Transmissora de Energia S.A e IENNE – Interligação Elétrica Norte e Nordeste S.A,
responsáveis pelas Linhas de Transmissão de Energia Elétrica, que encontraram
grande quantidade de peças arqueológicas e contrataram a especialista em
catalogação Joseane Rosa de Oliveira. O segundo passo foi selecionar um museu
que funcionasse preferencialmente próximo dos locais onde os objetos foram
escavados, mesmo assumindo alguns riscos e requerendo um amplo trabalho de
educação patrimonial.

Nós estamos tentando manter este acervo, que é bastante rico e que
conta bastante a história de Picos e região, mas as barracas que estão
ao redor do museu e que trabalham com alimentação, prejudicam
muito o acervo, porque a gordura fica impregnada nos objetos, tem o
risco dos botijões de gás, tem o pessoal que fica escorado no museu,
dentre outros problemas. Vai ser preciso fazer um trabalho de
conscientização com a população para que todos se unam e cuidem
no museu. Não queremos prejudicar os comerciantes, mas
precisamos encontrar uma solução ou então vamos colocar em risco
este patrimônio (OLIVEIRA, 2014: 2)

Antes da reforma e da orientação promovida pelos técnicos especialistas em


conservação aos funcionários do Museu Ozildo Albano as peças eram expostas,
tendo como placas de identificação papeis de embalagem de tecido, manuscritas
com caneta esferográfica azul ou preta. Da mesma forma os créditos das fotografias
eram registrados no verso do papel fotográfico ou na borda inferior, utilizando a
mesma forma de registro manuscrito. Alguns riscos ainda persistem, pois as peças
não possuem seguro e não há alarmes que proporcionem a sensação de segurança.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 324


VISITA AO MUSEU

O Museu Ozildo Albano é detentor de um grande acervo documental, sendo


que este é fundamental importância histórico-cultural, não apenas regional, como
também nacionalmente. Faz-se importante destacar que, até o ano de 2014, de toda
a documentação existente sob a guarda da direção do museu, apenas cerca de 30%
se encontra no prédio onde o mesmo funciona, estando o restante na casa do
fundador.
São exemplos dos documentos encontrados no Museu: recortes de jornais
(edições do Jornal Macambira de 11 de julho de 1974 e 29 de setembro de 1984),
revistas (1ª edição da revista FOCO de 2001), peças de arte sacra de valor
inestimável (desde o século XVII até o século XX), antiguidades de classificações
diversas (século XVII ao século XX), correspondências pessoais e de instituições (sec.
XVII ao século XX), documentos antigos, utensílios domésticos, fotografias em série
e não catalogadas, fósseis, telas de arte de diversos artistas. Entre os jornais de Picos
o mais antigo data de 11 de julho de 1974 e o mais recente data de 14 de agosto de
1987. Dentre os registros destacam-se:

Os italianos em Picos. Os historiadores Ozildo Albano, chefe do


departamento de Cultura do Município, em artigo para o JORNAL DE
PICOS conta um pouco da história das famílias italianas que se
instalaram em Picos por volta do ano de 1880, fugindo da guerra no
seu país. Segundo Ozildo Albano, os italianos contribuíram muito
para a edificação da cidade, além de introduzir aqui novos
conhecimentos. As famílias que migraram para Picos foram:
Marcíglio, Rinaldi, Pietrolli, Gerbasi, Protti, Sapienti e Stopelli. (PICOS,
11 jul. 1984)

Os registros encontrados no Museu Ozildo Albano privilegiam o legado


cultural italiano que deixou sua marca indelével na cidade de Picos, de modo
particular na arquitetura que ainda resiste na principal avenida do centro histórico
picoense, com o estilo neoclássico, com porões à prova de bombardeio, culinária
típica, religiosidade, nomes, sobrenomes, danças e outros costumes.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 325


Destacamos alguns depoimentos de alunos do curso de História do Campus
Senador Helvídio Nunes de Barros sobre suas impressões quando da visita ao Museu
de Picos, especialmente quanto à administração e do trabalho desenvolvimento
pela Associação dos Amigos do Museu Ozildo Albano (AMOA).

O senhor Albano que preside a AMAO (associação dos amigos do


Museu Ozildo Albano) recebe os alunos que querem pesquisar no
Museu, porém não libera a documentação para consulta. Os
documentos só podem ser manuseados pelos funcionários, que são
da família Albano. Nem todos os dias o Museu é aberto. Para
visitação é preciso agendar com antecedência. Paga-se um real para
visita. A preocupação com documentação muitas vezes impede que
façamos nossas pesquisas e possamos escrever a história de Picos e
da macrorregião. (SOUSA, 2014: 1)

Muitas histórias impressionam os visitantes, inclusive aquelas contadas


pelos próprios documentos como do oficial brasileiro nascido na cidade de Picos
que foi como soldado à Itália pela FEB (Força Expedicionária Brasileira), em 1947,
deixando na cidade de Picos sua jovem esposa. Durante o período que permaneceu
em missão produziu uma rica quantidade de cartas e postais. Ao retornar a Picos
casaram-se e não tiveram filhos, por isso adotam um menino. Após sua morte a viúva
conservou seus pertences de forma primorosa como ou uniforme, a espada, as
armas de combatente, as condecorações e principalmente as cartas de amor. No ano
de 2005 a viúva morreu e o filho desfez-se de dos objetos de memória do pai de
criação, jogando-os na lixeira pública, localizando próximo de sua residência. O
Senhor Albano Silva tomando conhecimento do ocorrido foi até o local e recolheu
no carrinho de mão os “objetos de memória” do combatente.

Quando soube que a história de uma pessoa foi parar no depósito do


lixo e recolhida em carro de mão fiquei muito impactado e ao mesmo
tempo com remorso. Minha sensibilidade de estudante de história
foi ativada e senti uma preocupação em escrever essas histórias.
Acho que reflete a pouca preocupação com a vida de alguém, com a
memória afetiva, com as lembranças, com sua correspondência, com
seus sentimentos, com uma história de amor, com importância da
família de não deixar morrer na vida e no coração as pessoas que são
importantes em nossas vidas. (SANTOS JUNIOR, 2014: 2)

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 326


Por meio deste episódio é possível indicar a importância de lugares de
memória como museus para poder manter vivo o legado cultural de homens e
mulheres, e contribuir para consolidar o conhecimento dos amantes da história. Os
objetos, documentos e demais artefatos são ativadores de uma memória coletiva, de
um sentimento de pertença, de participação na vida cotidiana, de uma comunicação
com a ancestralidade.
As fontes históricas encontradas no Museu Ozildo Albano possibilitaram aos
alunos do curso de história de Picos a escrita de monografias, artigo científicos,
elaboração, relatórios etc, como trabalhos de conclusão de curso (TCC), além de
utilizar os documentos como fontes de pesquisa para projetos e dissertações de
mestrado.
O Museu também propicia um campo de estágio privilegiado onde são
desenvolvidos muitos saberes sobre arquivo, patrimônio, bens culturais, pesquisa
hemerográfica, conservação e restauração de documentos históricos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Museu Ozildo Albano de Picos é um lugar de memória onde se encontram


documentos/monumentos de valor inestimável, possibilitando a realização de
diversas pesquisas em diferentes áreas do conhecimento, não apenas na história,
mas sobre a política, sobre as artes de modo geral, sobre arqueologia, religião
dentre outros campos de saberes.
O legado do Museu Ozildo Albano é reflexo do pioneirismo do seu fundador
nos estudos com a cultura, com as artes, com a literatura, com a política e a
contribuição profissionalização de graduados na área de história. Seu maior legado
foi transmitir às futuras gerações um patrimônio histórico-cultural, tanto nas suas
produções escritas, como na coleta e preservação do material que constitui o acervo
do museu.
Sua existência e o trabalho lá desenvolvido impelem novos pesquisadores a
adentrarem em seu espaço, percorrer seus corredores e salas, contemplar seus

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 327


objetos de memória, reconstituir processos históricos, as memórias afetivas, os
encontros fortuitos e convocação para unamos esforços para combater a morte pelo
esquecimento.
Vale ressaltar para estudos futuros e incentivar a participação constante que
o Museu Ozildo Albano implementará, após a sua reabertura os Programas
Permanentes que irão nortear os trabalhos da referida instituição, procurando
aperfeiçoar os que a Instituição já desenvolve, quais sejam: programa de Pesquisa,
desenvolvendo projetos em parceria com as Universidades regionais, com especial
interesse em agregar novos pesquisadores para o desenvolvimento projetos de
conservação e restauração de fontes históricas.
Também será desenvolvido o Programa de Documentação e Informatização
do Acervo. Por meio deste projeto o acervo do museu será identificado, conservado,
acondicionado e catalogado, com os cuidados necessários para garantir sua
integridade física e informacional.
Outro projeto que será implementado será o Programa Museográfico,
através do qual serão desenvolvidas exposições de longa, de curta duração e
itinerantes com o objetivo de conferir visibilidade ao acervo e oportunizar
processos de aprendizagem e sensibilização da população local e visitantes para a
preservação do patrimônio cultural da região de abrangência.
Terá continuidade o Programa Educativo e Cultural, com o objetivo de
desenvolver ações educativas junto às redes de ensino da região. Os professores
podem agendar visitas e preparar aulas, utilizando o acervo e temáticas abordadas
nas exposições e por fim será implementado o Programa de Divulgação Científica e
Cultural, pois até o momento o Museu publicou o livro “Picos nas anotações de
Ozildo Albano”, e pretende organizar novas publicações em torno de suas linhas de
pesquisa e acervo.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 328


REFERÊNCIAS

ALBANO, Gracivalda. Depoimento concedido a Francisco Nascimento. 05.


Jul. 2014.

BACELAR, Carlos. Fontes documentais: uso e mau uso dos arquivos. In:
PINSKY, Carla Bazzanezi (org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto,
2005.

CASTRO, Cláudio do Nascimento; LUZ, Luan Abreu de Araújo.


Levantamento do Acervo do Museu Ozildo Albano. In: CASTRO, Ana Paula
Cantelli; FONSECA, Rodrigo Gerolineto (org.). Acervos Históricos:
experiências no levantamento de acervos documentais na região de Picos
– PI. Imperatriz, MA: Ética, 2008.

FENELON, Déa. Cidades. São Paulo: Olho d’água, 1999.

NORA, Pierre. Entre História e Memória: A problemática dos Lugares.


Tradução: Yara Aun Khoury.In: Projeto História. São Paulo, 1993.

Os italianos em Picos. Jornal de Picos, 11 jul. 1984.

OLIVEIRA, Joseane Roda de. Depoimento concedido a Francisco


Nascimento. 03. Jul. 2014.

SANTOS JÚNIOR, José Waldir de Moura. Depoimento concedido a


Francisco Nascimento. 14. Maç. 2014.

SOUSA, Brenno Gabriel de. Depoimento concedido a Francisco


Nascimento. 14. Maç. 2014.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 329


POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 330
INTRODUÇÃO

A gerontologia, nas últimas três décadas, têm se tornado um amplo campo


de estudo e pesquisa, o que sobremaneira é reflexo do aumento da longevidade, o
que faz com que sejam desenvolvidas e incentivados diversos projetos sobre os
diversos contextos em que a pessoa idosa está inserida, perfazendo um mister
interprofissional, englobando todas as ciências que investigam os aspectos
comportamentais, de fragilidade, psicológicos e sociológicos (NERI, 2014).
O termo gerontologia foi integrado ao nome da Sociedade Brasileira de
Geriatria e Gerontologia por volta de 1965, em que a partir desta data, iniciou-se
muitas discussões para a formação da gerontologia como campo multiprofissional,
este, que veio a ser reconhecido por volta da década de 1980, podendo então
possibilitar o diálogo entre diversos profissionais que buscam atuação no campo da
velhice (SBGG, 2016)
Certamente, a necessidade da inserção de estudos relacionados a este
campo multidisciplinar, que visa pesquisar e explicar as mudanças advindas do
processo de envelhecimento, envolvendo a relação dos aspectos biológicos e sua
influência nos fatores psicológicos e assim inversamente, surgiu do grande aumento
da população idosa, esta que era constantemente negligenciada (NERI, 2014).
Nesse contexto, foram sendo realizados estudos em contextos que
abrangem o território nacional, o que por sua vez ocasionou mudanças no estilo de
vida da população idosa, em que foi demonstrado os problemas que dificultam o
aumento da longevidade e apresentado métodos que possam subsidiar uma melhor
forma de envelhecer, portanto, foram surgindo manifestações da educação em
gerontologia (DOLL; RAMOS; BUAES, 2015).
Educação e gerontologia então é a presença de estudos concernentes aos
aspectos do envelhecimento dentro dos cursos de graduação e pós-graduação, além
de capacitações e cursos, buscando contemplar a necessidade de explicar
construtos da gerontologia dentro dos meios de propagação de conhecimento, com
a finalidade de propor técnicas teórico-práticas para que os profissionais estejam
aptos a atender de forma satisfatória e eficiente a população idosa (CACHIONI; NERI,
2004). Para além disso, a educação em gerontologia engloba os ensinamentos sobre
o processo de envelhecimento para a população idosa, que são as populares
palestras de educação em saúde que são realizadas em grupos de convivência,
instituições de longa permanência para idosos.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 331


A necessidade da implantação de disciplinas que subsidiem a prática
profissional de forma adequada visando o bem-estar dos idosos é fundamental, com
isso, esse estudo busca identificar a produção bibliográfica que documenta as
produções científicas concernentes a educação em gerontologia.

MÉTODOS

 Tipo da investigação
Trata-se de uma revisão crítica que visa delimitar o panorama da educação em
gerontologia no país, permitindo que sejam apresentadas as multiplicidades do
tema, os problemas, as limitações e contribuições. Portanto, além de expor a
literatura que abrange o tema, cabe aqui apresentar um olhar de criticidade
sobre o tema.
 Materiais
Nesta revisão, com o intuito de apresentar a produção nacional sobre educação
e gerontologia, utilizou-se as bases de dados eletrônicas: SCIELO, GOOGLE
SCHOLAR e PUBMED.
 Procedimento
Para a busca dos artigos, foi usado os seguintes descritores: Educação,
gerontologia, educação gerontológica e terceira idade e educação. Após isso,
foram selecionados os artigos que detalham algo sobre o tema, excluindo
aqueles em que não documentam diretamente o tema em questão. Neste
contexto, para delimitar o tempo de publicação, foram escolhidos os trabalhos
publicados entre 2000-2015. Após a busca, organizou-se os artigos a partir do
ano e do tipo de estudo, em seguida foi feita descrição geral dos construtos
encontrados.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Após a busca nas bases de dados, foram recuperados 12 artigos científicos,


que podem ser visualizados na tabela 1, a partir do nome, autores, ano de
publicação, periódico e tipo de estudo. Além destes dados, de modo geral, são
discutidos os conteúdos dos trabalhos, a fim de resumir e confrontar o assunto em
discussão, para emergir amadurecimento da problemática que aborda a educação
gerontológica.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 332


Tabela 1 - distribuição dos artigos recuperados por título, autor, ano, periódico e tipo do estudo

Tipo do
Título Autores Ano Periódico
estudo

Educação e gerontologia:
1 Cachioni, Neri 2004 RBCEH Teórico
desafios e oportunidades

Ensino sobre idoso e


Montanholi, Texto
gerontologia: visão do discente
2 Tavares, Oliveira, 2006 Contexto Empírico
de enfermagem no Estado de
Simões Enferm
Minas Gerais
Ensino de gerontologia e
geriatria: uma necessidade para
Tavares, Ribeiro, Ciênc. cuid.
3 os acadêmicos da área de saúde 2008 Empírico
Silva, Montanholi saúde
da universidade federal do
triângulo mineiro?
Graduação em gerontologia: da
inovação pedagógica à formação
4 Lima 2009 Kairós Teórico
da identidade profissional do
gerontólogo
Políticas públicas para a
Ensaio: aval.
educação gerontológica na
5 Alves, Vianna 2010 Pol. Públ. Empírico
perspectiva da inserção social do
Educ
idoso: desafios e possibilidades
Silveira, Rocha,
Educação e inclusão digital para
6 Vidmar, Wibelinger, 2010 RENOTE Teórico
idosos
Pasqualotti
Educação Gerontológica: breve
intervenção em Centro de
7 Bissoli, Cachioni 2011 Kairós Empírico
Convivência-dia e seus impactos
nos profissionais
Como vai a Educação
Gerontológica nas Escolas Zanon, Alves, Rev. Bras. Ger.
8 2011 Empírico
Públicas do Distrito Federal? Um Cardenas Geron.
estudo com idosos e jovens
Educação gerontológica,
Estudos
envelhecimento humano e Silveira,
9 2012 Interdic. sobre Teórico
tecnologias educacionais: Pasqualotti, Colussi
o Envelhec.
reflexões sobre velhice ativa
Efeitos da educação em saúde
sobre atitudes de idosos e sua Trab. educ.
10 Patrocinio, Pereira 2013 Empírico
contribuição para a educação saúde
gerontológica
Replicação de programa de Revista
11 capacitação em comunicação não Schimidt, Duarte 2015 Brasileira de Empírico
verbal em gerontologia Enferm.

O Ensino de Geriatria e
Rev. bras.
12 Gerontologia na Graduação Brasil, Batista 2015 Teórico
educ. méd.
Médica

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 333


Acompanha-se estudos teóricos e empíricos que problematizam a educação
e a gerontologia, que sobremaneira encontra-se em processo de ampliação,
dispondo da necessidade de conhecer os aspectos do envelhecimento em diversas
faces, objetivando o conhecimento. A seguir, será apresentado de forma integrada
um pouco do que aborda tais artigos, perfazendo conceituações, metodologias,
críticas e princípios sociais e históricos.
Um estudo pioneiro neste século, abordando extremamente o âmbito da
educação gerontológica, em que explica a emergência do tema na sociedade
brasileira com base no crescimento da população idosa, enfatizando que a
necessidade vem aumentando conforme vão surgindo demandas sociais, o que para
isso, houve um longo processo de construção teórica, em que de início ocorreu-se a
partir de investigações acadêmicas e com o tempo foi se tornando parte das grades
curriculares dos cursos (CACHIONI; NERI, 2004).
Mesmo com grandes construtos sobre gerontologia, muitos universitários
ainda confundem o termo com geriatria, contudo, as disciplinas elencadas dentro
dos cursos vêm a desmistificar a geriatria como estudo único do envelhecimento,
fazendo então da educação e gerontologia uma possível forma de mudança
interpessoal no tratamento para com a pessoa idosa (MONTANHOLI et al., 2006).
Perfazendo então uma forma de desenvolver competências que auxiliem na
qualificação profissional, beneficiando não somente aos idosos, mas a população
em geral, até porque o envelhecimento é comum a todos (CACHIONI; NERI, 2004).
Nesse contexto, a presença de projetos de pesquisa e extensão buscando
explicações sobre as mudanças advindas do envelhecimento, seja no
comportamento ou em aspectos biológicos, têm mostrado ampla capacidade de
atuação direta com pessoas idosas, podendo fazer com que estudantes vivenciem o
que apontam as teorias e produzam novas teorias (TAVARES et al., 2008). Além disso,
o interesse na descoberta do aprendizado faz com que o aluno visualize
perspectivas que viabilizem a melhor inserção dos idosos nas instituições
(MONTANHOLI et al., 2006).
Não obstante, percebe-se que a publicação de trabalhos que explicitem a
educação e gerontologia tem se elevado, assim como é o processo de inserção de

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 334


atividades concernentes aos cursos de graduação, o que é visível na tabela, em que
os estudos estão sendo mais pautados nas instituições, o que nos infere a ver que
futuramente a gerontologia será entendida não só por profissionais, mas para
qualquer pessoa.
Tendo em vista a amplitude da gerontologia, esta não é só parte de
disciplinas em cursos de graduação e pós-graduação, mas veio a ser tornar
bacharelado em 2005, permitindo agregar novas áreas de conhecimento associadas
ao envelhecimento (LIMA, 2009). Nesta circunstância, o gerontólogo é o profissional
responsável entender e organizar os manejos de atendimento da pessoa idosa,
dispondo de embasamento amplo que traga possibilidades de acompanhamento
das condições psicossociais dos idosos.
As habilidades desenvolvidas dentro da graduação de gerontologia, servem
para auxílio de outros profissionais, no que se diz a atuação multidisciplinar, afinal
de contas os idosos estão em todos os contextos, portanto, mesmo antes de existir
educação em gerontologia, a atuação já era parte da rotina profissional, porém com
este subsídio acadêmico de aporte teórico e prático o desempenho dos
profissionais vieram a trazer condições melhores de zelar a pessoa idosa.
O envelhecimento é comum a todos, mas cada um têm sua forma de
envelhecer (ARAÚJO; COUTINHO; CARVALHO, 2005), partindo deste pressuposto,
têm-se a educação e gerontologia adaptada a cada local de atuação, ou seja, em
cada região do país o processo de envelhecimento se deu de uma forma, muitas
características em comum, mas diversas diferentes, assim, cabe aos profissionais
estarem aptos a compreender como são as crenças e costumes que moldam o
comportamento dos idosos a serem atendidos, para que possam ter técnicas
adequadas a toda situação que emergir.
Os conhecimentos sobre as manifestações do envelhecimento são
adquiridos juntamente a convivência com pessoas idosas, e esta convivência têm
possibilitado atitudes favoráveis de amparo a pessoa idosa (ALVES; VIANNA, 2010).
Indiciando então que no dia-a-dia estamos sempre aprendendo técnicas sobre
educação e gerontologia, mas é dentro de grupos de convivências, instituições
públicas e privadas, seja de produção de ensino ou de atuação profissional que

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 335


esses construtos deixam de ser apenas do senso comum e passam a ser técnicas
cientificas.
Nesta conjuntura, as políticas públicas vêm a constituir direitos que tem o
propósito de fomentar a transmissão de entendimento do processo de
envelhecimento através de diversas óticas, dessa maneira, cabe a inserção de
políticas públicas que modifiquem as atitudes e não apenas sejam construtos
repassados por ser de aprendizado obrigatório, isto é, a educação em gerontologia
deve propor além de conhecimento, deve instigar atitudes que sirvam para a
efetuação de melhor qualidade de vida para os idosos (ALVES;VIANNA, 2010).
Educação e gerontologia está em toda parte, e esta necessita ser repassada
também para os idosos, tendo em vista que não apenas os profissionais são
detentores do conhecimento, pois nada adiantaria para os objetivos do estudo da
gerontologia se o grupo alvo não têm um retorno sobre o que se é estudado,
descoberto, além de o que se é proposto como mudança e o que é melhor para o
aumento da longevidade.
Neste sentido, com a criação da Política Nacional do Idoso e do Estatuto do
Idoso, tornou-se mais manifesto a educação e gerontologia diretamente para os
idosos, o que vai desde os grupos de convivência, perpassando por idosos inseridos
no ensino superior e também por aqueles que se interessam por se adaptar ao uso
de tecnologias. Continuando esta parte de tecnologia, em várias partes do país está
se desenvolvendo oficinas que propiciem a inclusão digital, e dentro destas oficinas,
além das atividades de manuseio de um computador expõe-se atividades que
associem a educação e gerontologia (SILVEIRA et al., 2010), oportunizando a
aprendizagem inclusiva e desbravando conceitos da gerontologia sistematicamente.
O impacto da educação e da gerontologia no cotidiano da pessoa idosa
tende a reduzir danos e instruir hábitos saudáveis, além de possibilitar o
entendimento das mudanças, desenrolando-se numa maior probabilidade de
prosperar na velhice. Além disso, há um impacto fundamental na vida do
profissionais e estudantes que estão em contato com a educação gerontológica na
prática, uma vez que estes passam a ver a velhice com outros olhos, podendo ser

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 336


mais prestativos e cuidadosos, influenciando crenças positivas na prestação de
serviços aos idosos (BISSOLI; CACHIONI, 2011; PATROCINIO; PEREIRA, 2013).
Atitudes positivas devem ser incentivadas não apenas para profissionais ou
acadêmicos, mas também nas escolas da educação básica, dado que o incentivo em
relações intergeracionais desde cedo possibilita uma melhor compreensão dos
aspectos biopsicossociais da velhice e assim, uma maneira de saber lidar de forma
prestativa, inclusiva e adaptativa (ZANON; ALVES; CARDENAS, 2011).
Cada vez mais os idosos estão sendo reconhecidos de forma ativa na
sociedade, o papel da gerontologia e da educação se mostra parte de tal conquista,
a cada dia as universidades e órgãos fomentadores investem na gerontologia social
e comportamental, com isso, os recursos que contribuem para o envelhecimento
saudável estão em constante aperfeiçoamento (SILVEIRA; PASQUALOTTI; COLUSSI,
2012). Diante disto, vê-se que a educação em gerontologia está em constante
mudança, afinal o ser humano muda com o tempo, e a partir do estudo das coortes
planeja-se métodos a partir das vivências de cada época. Contudo, é notório que o
ensino da gerontologia tem se destacado, podendo atender as demandas advindas
do envelhecimento, um exemplo é a educação em saúde, que tem envolvimento
direto com a gerontologia, e está repassando conhecimento para os idosos,
cuidadores de idosos e a população em geral (BRASIL; BATISTA, 2015).
Nesse contexto, até agora apresentou-se os motivos que levaram a
expansão do ensino em gerontologia, dando continuidade, agora será exposto o que
é transmitido e faz parte do tema. As teorias biológicas e as psicológicas do
envelhecimento são construtos fundamentais para educação e gerontologia, pois a
partir destes se iniciam questionamentos reflexivos sobre a velhice que estão
dominando não apenas as universidades, mas todos os locais em que o idoso se
insere (NERI, 2014).
Então, na educação em gerontologia estuda-se teorias científicas do
processo de envelhecimento, englobando as características biológicas, psicológicas,
sociológicas e como estas estão associadas entre si e qual sua influencias nas
questões emocionais e cognitivas (DEBERT, 1999). Atuar com a população idosa, vai
além do ensino técnicas, faz-se necessário compreender todas estas questões

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 337


anteriormente citadas, para que se possa subsidiar o porquê do uso de técnicas e/ou
em como isso vai contribuir para os idosos.
Para além disso, é importante abordar a parte de cultura, sociedade e
atitudes, podendo incluir também as doenças comuns que surgem com o
envelhecimento para que haja discernimento dos aspectos de senilidade (DEBERT,
1999; NERI, 2014).
As políticas públicas que indicam e defendem os direitos da pessoa idosa
são indispensáveis na educação gerontológica (ALVES; VIANNA, 2010), junto a isso,
estudos recentes sobre assuntos da realidade da situação do desenvolvimento
biopsicossocial. Ainda assim, é preciso ter noções de problemas práticos e
compreender sobre sexualidade, ansiedade, violência, fragilidade e outros. E por fim,
os mitos, preconceitos e estereótipos que circundam o contexto da pessoa idosa
devem ser desvencilhados, para que haja desmistificação de temas que por muito
tempo perpetuaram na sociedade, mas que não condizem com as condições atuais
dos idosos.
O processo de envelhecimento, mesmo com suas dificuldades, deve ser
entendido como uma conquista, para isso, têm-se a educação em gerontologia de
diversas formas, aqui foi explicitado desde a necessidade de aplicação até os temas
estudados para embasamento. Sabe-se que inclusão, vai além da inclusão digital,
então é preciso certas habilidades para que a integração dos idosos seja completa,
uma forma é a comunicação não-verbal, esta, vivencia certa expansão, tendo em
vista algumas dificuldades intrínsecas e extrínsecas que impedem a comunicação e
entendimento da pessoa idosa (SCHIMIDT; DUARTE, 2015).
Nesse sentido, a educação gerontológica apresenta técnicas a partir de
dimensões da comunicação não-verbal, inferindo em fatores que favoreçam a
autonomia e fatores que dificultem as formas de expressão do idoso, apresentando
métodos de paralinguagem (SCHIMIDT; DUARTE, 2015). Esse investimento vem a
contribuir na integração de idosos frágeis que tem ampla dificuldade de entender
por fatores biológicos e psicológicos.
Portanto, tornou-se visível que a educação e gerontologia é um
investimento de sucesso, oportunizando melhorias no cuidado com a pessoa idosa,

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 338


na compreensão da velhice e nas atitudes assertivas frente ao envelhecer,
favorecendo o aumento da expectativa e qualidade de vida, afinal, a velhice não
está associada a dependência e doenças, e sim ao sucesso de se viver mais, devido a
instruções advindas com conhecimento gerontológico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse estudo documentou pesquisas empíricas e teóricas entre 2000-2015,


concedendo uma visão acerca da problemática de como está sendo construída a
educação e gerontologia no Brasil, este que demonstrou que o tema está em
expansão, saindo das academias e entrando em contato direto com a população,
seja na atenção básica, seja em instituições públicas ou privadas, a educação
gerontológica vem fortalecendo um jeito de se fazer saúde com a pessoa idosa.
Aqui, foi exposto conteúdos relacionados a gerontologia dentro dos cursos
que atuarão diretamente ou indiretamente com a pessoa idosa, seja psicólogo,
enfermeiro, médico, biomédico, nutricionista, fisioterapeuta, educador físico e
outros, todos estes devem estar preparados para atuação no que concerne a
gerontologia e seu uso teórico e prático. Por conseguinte, foi evidenciado sobre a
importância das políticas públicas como instrumento de mudança de atitudes da
população, isto é, a partir do momento em que a população vê que direitos são
exigidos, os mesmos passam a dar importância ao fato.
A inclusão é imprescindível, seja na estrutura física, seja tecnológica, seja na
linguagem brasileira de sinais e até técnicas de linguagem corporal percebidas a
partir do comportamento do idoso em questão. A educação e a gerontologia
caminham juntas em prol da melhoria no aspectos comportamentais e sociais,
devido a esta importância criou-se a graduação em gerontologia.
As publicações ressaltaram a importância do reconhecimento da educação e
gerontologia como instrumento de promoção de saúde e qualidade na vida dos
idosos. Os estudos ainda são reduzidos, mas em sua maioria abordam um pouco de
vários contextos do tema, seria interessante futuros estudos que verifiquem as

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 339


representações que os idosos têm de tal tema, assim como o que os profissionais
associam de melhora na sua metodologia.
A presente revisão sobre os aspectos históricos e construtivos da educação
e gerontologia no Brasil, pretende iniciar reflexões acerca do mesmo e subsidiar
futuras pesquisas nesta área. Inferimos que este trabalho é fundamental que os
estudantes da gerontologia percebam a importância de sua função, e busquem cada
vez mais agir de forma qualificada com competências que perpassem o gerações e
elevem a expectativa de vida no Brasil, a educação e a gerontologia surgiram não só
da necessidade de compreender as mudanças do envelhecimento, mas de
apresentar uma devolutiva de todos os conceitos empreendidos para a sociedade
em geral.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 340


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POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 342


POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 343
INTRODUÇÃO

A adolescência começou a ser descrita provavelmente entre os séculos XVIII


e XIX, é considerada uma invenção ocidental recente. Etimologicamente, o termo
adolescência deriva do latim adulescens ou adolescens, particípio passado do verbo
adolescere, que significa crescer. Compreende o período de transição entre a
infância e a vida adulta.
Não existe entre os autores um consenso em relação à idade que tem início
a adolescência, entretanto, são unanimes quando afirmam que o início desta é
determinado pelos fenômenos pubertários, ou seja, a aparição das primeiras
características sexuais secundárias. Segundo Organização Mundial de Saúde–OMS
essa fase irá compreender a idade que vai desde os 10 anos até os 20. Já para o
Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA a adolescência compreende o período
que vai dos 12 aos 18 anos. Geralmente ela inicia-se com mudanças no corpo
(puberdade), e termina com a inserção social, profissional e econômica da idade
adulta. Assim sendo será considerado nesse estudo a idade do início da
adolescência proposto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
Entre “a infância perdida e a maturidade não atingida” (FRANÇA, p. 150,
2014), o adolescente enfrenta uma fase da vida turbulenta e confusa, devido ser um
período em que ele se encontra vulnerável pelas intensas transformações que
ocorrem na evolução da sexualidade; no afastamento progressivo da família em que
ele sai em busca de afirmações sobre a vida e sobre si mesmo questionando valores,
regras e posturas dos pais; nas atitudes reivindicatórias e na busca de autonomia
emocional e financeira. Nesta direção, considera-se que a vulnerabilidade
vivenciada nessa fase da vida demanda um cuidado amplo, uma vez que deixa o
adolescente suscetível às mais variadas situações de risco.
Nesse sentido, Favoreto, Eisenstein e Souza (1993), ressaltam que a saúde e
o bem-estar dos adolescentes sejam levados em consideração a partir do contexto
em que eles se encontram, devendo abranger os aspectos culturais,
socioeconômicos, familiares e políticos, considerando que eles necessitam de
condições e espaço adequados que favoreçam um processo de transição saudável

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 344


da infância para a vida adulta. Os autores consideram essa fase como uma das mais
importantes no que tange o aspecto formativo do sujeito, com consequências para o
resto de seu ciclo vital. Desta forma, nesta oportunidade se espera contribuir
compreendendo como a satisfação de vida se relaciona com a saúde mental em
adolescentes.

SAÚDE MENTAL NA ADOLESCÊNCIA

A adolescência é comumente considerada uma fase de instabilidade


emocional e de explosão de crescimento, que resulta em mudanças físicas e
psicossociais expressivas. O adolescente geralmente está experimentando novas
formas de ver o mundo, é um momento de incertezas e para muitos de insegurança.
Avanci, Assis, Oliveira, Ferreira e Pesce (2007) afirmam que é nesse período da vida
que os momentos naturalmente depressivos e conflitantes são característicos, a
ponto de alguns autores questionarem se essa fase da vida seria um processo de
luto ou depressão. Desta forma, é comum ele vivenciar conflitos pessoais e
familiares, que o conduz a questionamentos e ambivalências.
Dados epidemiológicos brasileiros tem chamado a atenção para o fato que
10 a 20% das crianças e adolescentes apresentam algum transtorno mental (VIEIRA,
ESTANISLAU, BRESSAN & BORDIN, 2014). Considerando a adolescência mais
especificamente, a Organização Mundial de Saúde (OMS) destaca algumas situações
que são prioridades na adolescência, a saber, a depressão, o suicídio e a psicoses.
Ainda acrescenta que alguns transtornos devem ser considerados, tais como
transtornos de ansiedade, transtornos de conduta, abuso de substâncias, transtornos
alimentares entre outros (BENETTI, RAMIRES, SCHNEIDER, RODRIGUES & TREMARIN,
2007).
A Organização Mundial de Saúde (2005) destaca três importantes razões
para se desenvolver intervenções em crianças e adolescentes: 1. As intervenções
devem ser direcionadas para os estágios do desenvolvimento em que geralmente
costumam aparecer os transtornos mentais; 2. As intervenções devem ser precoces
no intuito de inibir o dano a longo prazo, uma vez que os transtornos que surgem no

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 345


período da infância e adolescência tendem a ter continuidade na vida adulta; 3. Por
fim, é importante que as intervenções sejam efetivas para que seja possível a
redução do peso dos transtornos mentais sobre o indivíduo e a família como
também a redução dos custos para o sistema de saúde.
Mas o que se compreende por saúde mental em crianças e adolescentes? De
acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar -ANS- (p. 30, 2008) “é a
capacidade de conseguir manter um nível ótimo de funcionamento e bem-estar
psicológico, além de possuir um sentido de identidade e de autoestima,
relacionamentos saudáveis na família e nas relações sociais”. Percebe-se que este
conceito vai além do estigma biológico, considerando vários aspectos relacionados
à vida da criança e do adolescente. Vieira, Estanislau, Bressan e Bordin (2014)
ressaltam que o conceito da saúde mental evoluiu, indo além de aspectos
estritamente biológicos, passando a considerar os sintomas como fenômenos
resultantes da interação complexa entre fatores genéticos, biológicos, psicológicos,
sociais e culturais. De acordo com os autores a ampliação do conceito possibilitou a
inserção de novas formas de abordar a saúde, favorecendo a introdução da ideia de
promoção de saúde pela OMS. Eles ainda destacam que, a partir desse fato, algumas
instituições assumiram espaço de importância no que tange a promoção de saúde;
dentre estas, a escola se torna um espaço privilegiado de promoção e prevenção de
saúde mental.
Além da escola, a família também ocupa um papel importante nesse cenário.
Por ela se constituir o primeiro espaço de socialização da criança e ter uma
participação efetiva no desenvolvimento da criança e do adolescente. A família
pode de forma precoce, identificar se existe algo de errado com seus filhos, como
por exemplo, perceber a presença de alguma transtorno mental, seja pelos sintomas
ou pela verbalização dos sentimentos dos adolescentes, aspecto que é positivo, por
possibilitar a busca de ajuda profissional e impedir um maior dano, e ainda romper
com os preconceitos em relação ao tratamento psiquiátrico (CRIVELATTI, DURMAN &
HOFSTATTER, 2006). Neste sentido, é importante enfatizar o papel crucial da família
no cuidado com os adolescentes de modo a reduzir os fatores de risco e reforçar os
fatores de proteção no que tange a saúde mental de seus filhos.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 346


De acordo com o Ministério da Saúde (2013) as intervenções realizadas na
saúde mental devem promover novas possibilidades de maneira que modifiquem e
qualifiquem as condições e modos de vida, não se restringindo a questões de cura
de doenças. Acreditando que a vida pode ter várias formas de ser percebida,
experimentada e vivida. E para que isso aconteça é importante olhar o indivíduo em
suas múltiplas dimensões, com seus desejos, anseios e valores. Olhar o adolescente
em todas as suas multiplicidades.
Assim o trabalho em saúde mental irá consistir numa continua mudança de
paradigmas, na busca por uma melhor forma de cuidar dos portadores de
transtornos mentais. Levando em consideração a importância de se ampliar e de se
investigar sobre modelos de desenvolvimento que incluam aspectos contextuais
sobre os problemas em saúde mental, destacando-se características de resiliência,
saúde individual e familiar do indivíduo.

SATISFAÇÃO DE VIDA NA ADOLESCÊNCIA

Nas últimas décadas a Psicologia Positiva tem se tornado um importante


campo de estudo, por enfatizar aspectos do desenvolvimento psicológico saudável
nas diferentes etapas do ciclo vital. Paludo e Koller (2007) salienta que a Psicologia
Positiva pretende contribuir para o florescimento e o funcionamento saudável das
pessoas, grupos e instituições, preocupando-se em fortalecer as competências ao
invés de olhar e tentar corrigir apenas as deficiências. Desse modo a Psicologia
Positiva conforme Seligman (2004, citado por SCORSOLINI-COMIN & SANTOS, 2010)
se sustenta sobre três pilares principais a saber, o estudo da emoção positiva
(satisfação com a vida, felicidade, otimismo), o estudo dos traços ou qualidades
positivas (criatividade, coragem, integridade e espiritualidade), como forças e
virtudes, incluindo habilidades como a inteligência e a capacidade atlética, e por fim,
o estudo das chamadas instituições positivas, como a democracia, a família e a
liberdade que oferecem apoio às emoções positivas. Nesta perspectiva, a Psicologia
Positiva se propõe a ter uma compreensão cientifica acerca das forças e virtudes

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 347


humanas visando a felicidade e o bem-estar subjetivo (PACICO, BASTIANELLO,
2014).
Considerando, precisamente, o bem-estar subjetivo (BES), este abrange as
avaliações afetivas que contempla os afetos positivos e negativos que são
vivenciados pelo indivíduo, e avaliações cognitivas que se refere a satisfação de
vida (SEGABINAZI, GIACOMONI, DIAS, TEIXEIRA, & MORAES, 2010). Em se tratando de
adolescentes e do bem-estar subjetivo dos mesmos, torna-se relevante o estudo,
uma vez que, o êxito na resolução de tarefas nessa fase pode contribuir para que ele
se torne um adulto saudável. Segundo Fernandes (2007) estudar sobre a
adolescência é centrar-se também sua preocupação na influência do bem-estar e as
dimensões do funcionamento psicológico positivo. Sendo assim esta perspectiva
procura explicar o desenvolvimento humano de uma forma abrangente e
multidisciplinar. Contudo, ainda é recente o interesse de estudos com o foco no
bem-estar subjetivo de adolescentes.
De acordo com Araújo, Costa e Blank (2009), o bem-estar está relacionado a
experiências e transformações na adolescência como a afirmação da personalidade,
exercício pleno da sexualidade, crescimento espiritual, conclusão de metas,
autoestima, independência. Tudo isso leva a estruturação do perfil psíquico do
mesmo. Assim para uma boa promoção da saúde é muito importante que se
levantem informações a respeito dos aspectos psicossociais dos adolescentes, assim
como aspectos relacionados a satisfação com a vida e com estilos de vida.
Em suma, considerando que os aspectos estudados na Psicologia Positiva
contemplam a prevenção e promoção da saúde mental das pessoas, diante do
exposto, esta pesquisa teve por objetivo conhecer a relação entre a satisfação de
vida e saúde mental em adolescentes.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 348


MÉTODO

Delineamento
Tratou-se de um estudo que compreendeu um delineamento
correlacional, de natureza ex post facto, considerando dois conjuntos principais
de variáveis: critério (saúde mental) e antecedentes (satisfação de vida).
Participantes
Participaram do estudo 200 adolescentes de uma escola pública da
cidade de Parnaíba/PI. Estes apresentaram idade média de 16 anos (dp = 1,18)
sendo em sua maioria (57%) do sexo feminino. Destes, 39% disseram morar
com o pai e a mãe, 14% com a mãe e padrasto, 13% apenas com a mãe e
27,5% disseram morar com pai, mãe e irmãos. Quanto ao lazer,
majoritariamente (90%) assumiram realizar atividades de lazer, sendo essas
atividades realizadas principalmente com os amigos (49%). A menor parte dos
adolescentes assumiram ter namorado (28,5%), como também disseram
realizar alguma atividade laboral (11,5%). Contou-se com uma amostra de
conveniência (não probabilística), uma vez que responderam aos questionários
os adolescentes que concordaram em participar.

Instrumentos
Os adolescentes responderam aos seguintes instrumentos:
Escala Multidimensional de Satisfação de Vida para Adolescentes - EMSV-
A. Foi elaborada e validada no Brasil por Segabinazi et al. (2010). A EMSV-A
possui 52 itens, distribuídos em sete componentes, a saber: 1) Família - que
envolve itens que descrevem um ambiente familiar saudável, harmônico,
afetivo; 2) Self - composto por itens que descrevem o adolescente a partir de
características positivas, como autoestima, bom-humor, capacidade de
relacionar-se, capacidade de demonstrar afeto, além de indicações de
satisfação quanto à diversão; 3) Escola - engloba itens que inquirem sobre a
importância da escola, o ambiente escolar, os relacionamentos interpessoais
nesse espaço e nível de satisfação com relação a esse ambiente; 4) Self

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 349


Comparado - agrupa itens que se caracterizam por realizar avaliações
comparativas do eu ao seu grupo de pares; 5) Não violência – abrange itens
que envolvem o desejo de não envolvimento em situações de conteúdos
associados a comportamentos agressivos como brigas e discussões; 6)
Autoeficácia – neste componente os itens avaliam a capacidade de realização e
competência no alcance de metas estabelecidas pelo adolescente; 7) Amizade
– os itens avaliam os relacionamentos com pares e o nível de satisfação desses
relacionamentos, além de indicações de lazer e situações de diversão e apoio
(SEGABINAZI et al., 2010). Os itens são respondidos a partir de uma escala do
tipo Likert com cinco possibilidades de resposta que variam de (1) nem um
pouco a (5) muitíssimo.
Questionário de Saúde Geral (QSG-12). Este instrumento corresponde a
uma versão abreviada do Questionário de Saúde Geral de Goldberg (1972),
adaptado para o Brasil por Pasquali et al. (1994). Como sua abreviação indica, a
versão que é utilizada neste estudo se compõe de 12 itens (por exemplo: Você
tem se sentido pouco feliz e deprimido?; você tem perdido a confiança em si
mesmo?). Cada item é respondido em termos do quanto a pessoa tem
experimentado os sintomas descritos, sendo suas respostas dadas em uma
escala de quatro pontos. No caso de itens negativos (por exemplo, "Tem se
sentido pouco feliz e deprimido"), as alternativas de resposta variam de 1
(absolutamente não) a 4 (muito mais que de costume), no caso dos itens
positivos (por exemplo, "Tem se sentido capaz de tomar decisões?"), as
respostas variaram de 1 (mais que de costume) a 4 (muito menos que de
costume). Nesse sentido, para pontuação total, os itens negativos foram
invertidos, sendo a menor pontuação indicativa de melhor nível de bem-estar
psicológico. Os estudos realizados no Brasil, inclusive sem definir uma
estrutura fatorial única, concordam sobre a existência de um fator geral, com
Alfa de Cronbach variando de 0,80 (Sarriera, Schwarcz & Câmara, 1996) a 0,88
(Borges & Argolo, 2002).
Informações sociodemográficas. Os respondentes responderão a um
conjunto de perguntas de cunho sócio-demográficas, a exemplo de: sexo,

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 350


idade, estado civil, religião, orientação sexual com o fim de caracterizar a
amostra.

Procedimento
Buscou-se a prévia autorização do diretor da escola selecionada para
aplicação dos instrumentos com seus alunos. Com a autorização dos diretores
e do Comitê de Ética e Pesquisa/ UFPI, foi entregue um Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido para que os adolescentes levassem aos
seus pais e/ou cuidadores e estes assinassem autorizando a participação de
seus filhos na pesquisa. Foi entregue também aos mesmos um Termo de
Assentimento para que eles mesmos assinassem. Enfatizou-se o caráter
confidencial e sigiloso da participação na pesquisa, assegurando que os
resultados só serão apresentados em eventos ou revistas científicas. Foram
obedecidos todos os critérios de pesquisa realizada com seres humanos de
acordo com o disposto na resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.
As aplicações aconteceram em ambiente de sala de aula, no entanto, os
instrumentos foram respondidos de forma individual, levando em média, 30
minutos para o seu preenchimento.

Analise de dados
Empregou-se o programa IBM SPSS (versão 20). O mesmo permitiu
executar as análises descritivas (médias, desvios padrão, frequências e
porcentagens), além das correlações r de Pearson.

RESULTADOS

No intuito de atender ao objetivo proposto, foram realizadas análises de


correlação (r de Pearson; teste unicaudal) entre as multidimensões de satisfação de
vida de adolescentes e questionário de saúde geral. O resultado a respeito pode ser
conferido na Tabela 1.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 351


Tabela 1. Correlação entre Satisfação de Vida e Saúde Geral

Medidas 1 2 3 4 5 6 7
1. Saúde Geral
2. Família - 0,41**
3. Self -0,40** 0,51**
4. Escola -0,20** 0,38** 0,36**
5. Self Comparado -0,46** 0,41** 0,51** 0,09
** ** *
6. Não Violência -0,18 0,26 0,12 0,24** 0,05
** ** **
7. Autoeficácia -0,40 0,41 0,54 0,40 0,38** 0,13*
8. Amizade -0,31** 0,56** 0,65** 0,42** 0,50** 0,08 0,47**

Notas: * p < 0,05, ** p < 0,01 (teste unicaudal).

Para Moore (2007), a correlação mensura a direção e o grau da relação linear


entre duas variáveis quantitativas. A partir dos resultados se observa que o QSG
apresentou correlação negativa com os fatores da escala de satisfação com a vida de
adolescentes, a saber: família (r= -0,41; p<0,01), self (r= -0,40; p<0,01), escola (r= -
0,20; p<0,01), self comparado (r= -0,46; p<0,01), não violência (r= -0,18; p<0,01),
autoeficácia (r=- 0,40; p<0,01) e amizade (r= -0,41; p<0,01).
Os resultados apontaram correlações inversas entre saúde geral e as sete
dimensões da escala EMSVA (Família, Self, Escola, Self Comparado, Não-violência,
Auto-eficácia e Amizade), resultado que já era esperado, uma vez que quanto mais
os adolescentes apresentam um nível de satisfação de vida elevado, menos eles
tendem a apresentar problemas na saúde mental. Dito de outra forma, os
adolescentes tendem a apresentar um nível de satisfação de vida elevado.

DISCUSSÃO

Diante dos resultados, parece coerente afirmar que a satisfação de vida se


constitui um construto importante para a promoção de saúde mental em
adolescentes. Nesta direção, destaca-se que um ambiente familiar saudável,
harmônico, afetivo, de relacionamentos satisfatórios, parecem refletir positivamente

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 352


na vida do adolescente. Zagury (2003) ressalta que, apesar do aumento da
complexidade das relações entre os familiares na adolescência, ter uma família
unida é uma necessidade relevante para que os adolescentes se considerem mais
felizes. Dessa maneira se observou que o fator família mostra que ter uma família
unida, com a presença de relações afetivas, coesão e segurança torna-se relevante
para que os adolescentes apresentem um bom nível de bem-estar psicológico.
No que tange a dimensão Self Comparado, esta foi a dimensão que
apresentou maior índice de correlação; esta dimensão considera a importância das
avaliações comparativas feitas pelo adolescente ao seu grupo de pares, este aspecto
possui relação com assuntos relacionados ao lazer, amizade e a satisfação de
desejos de afetos (Segabinazi, Giacomoni, Dias, Teixeira e Moraes, 2010). Aberastury
e Knobel (1981) chamam atenção que nesta etapa da vida, o indivíduo na busca pela
identidade adolescente, tende a se inserir em grupos, como também se inclina às
regras deste; este comportamento que os autores supõe ser um comportamento
defensivo à busca de uniformidade, pode promover estima pessoal e segurança. O
resultado ressalta a importância do grupo da vida do adolescente. Giacomoni e Hutz
(2008), nos seus estudos de satisfação de vida na infância relatam a respeito do self
comparado, o que indica a importância da comparação social.
Também se observou que para os adolescentes o ambiente escolar parece
proporciona sensações de confiança e bem-estar. Resultados diferentes foram
encontrados por Huebner, Drane e Valois (2000), ao identificarem que as
experiências escolares de adolescentes americanos eram fontes de insatisfação e
estresse. Da mesma forma foram encontrados níveis baixos de satisfação por
Huebner (2004), o que gerou questionamentos sobre o papel das escolas na
educação e promoção de saúde dos adolescentes. Teixeira, Azevedo, Fonseca,
Máximo e Pena (2011) com o objetivo de comparar o nível de qualidade de vida e
saúde mental de adolescentes de escolas públicas e particulares, perceberam que a
escola parece atuar como um espaço positivo no controle e manutenção da saúde
mental dos adolescentes.
De acordo com Segabinazi et al. (2010), a identificação da dimensão auto-
eficácia, ressalta a importância das metas e o esforço bem-sucedido. Assim sendo, a

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 353


auto eficácia se caracteriza por avaliar a capacidade de realização de se alcançar
metas. E por fim a amizade, Huebner et al. (2000) obtiveram média alta no estudo
em relação a amizades, da mesma maneira entram-se nos resultados a importância
dos relacionamentos pessoais e sociais que esses adolescentes possuem, como o
nível de satisfação com os mesmos.
Este estudo possui relevância teórica e empírica, possibilitando ampliar o
conhecimento a respeito da satisfação de vida do adolescente. Diante dos
resultados apresentados considera-se que o ambiente escolar, a percepção que o
adolescente possui de si em relação ao seu grupo de pertença, a família, a sua
capacidade de atingir suas metas, parecem amenizar o impacto de algum estressor
que comprometa a saúde mental do adolescente. Neste sentido, na medida que ele
apresenta um bom nível de satisfação com a vida, menor será a probabilidade de ele
desenvolver transtornos mentais.
Entretanto, a relevância desses resultados, não isenta de serem observadas
limitações, uma vez que o pesquisador não consegue a apreender a totalidade do
objeto estudado. Uma das principais limitações a ser registrada, diz respeito a
amostra, por ser de adolescentes apenas de escola pública, se constitui um
obstáculo por não ser possível abranger um universo mais amplo da população
parnaibana. Além disso, a pesquisa só foi realizada com alunos da escola pública e
não da escola privada.
Acrescenta-se ainda, embora esta pesquisa não tenha sido pensada como
um projeto aplicado, não é possível deixar de reconhecer a sua aplicabilidade.
Particularmente, presume-se que esta pode guiar ações que visem desenvolver
formas de intervenções na prática dos profissionais da psicologia nas escolas, que
visem a prevenção da saúde mental de adolescentes.
Diante disso, a presente investigação salienta a importância de se manter
bons vínculos interpessoais em todas as dimensões que promova a satisfação de
vida, contribuindo para saúde mental desse adolescente. Assim espera-se que o
estudo seja um fator instigante para que novas pesquisas sejam desenvolvidas e o
conhecimento científico seja expandido.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 354


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POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 356


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(8)3, 681-689.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 357


ALGELESS MILKA PEREIRA MEIRELES DA SILVA

Docente do Curso de Psicologia da UFPI, membro do PSIQUED, doutoranda em


Psicologia da Educação na Universidade de Barcelona e colaboradora do GRINTIE
(Grupo de Investigación en Interacción e Influencia Educativa), pesquisa sobre as TICs
e a Identidade de Aprendiz, orientada pelo Prof. Dr. César Coll com apoio da CAPES.
Membro do Núcleo de Pesquisas e Estudos em Psicologia Educacional,
Desenvolvimento Humano e Queixa Escolar/PSIQUED E-mail:
milkameireles@ufpi.edu.br.

FAUSTON NEGREIROS

Psicólogo, Especialista em Psicologia Escolar/Educacional. Mestre e Doutor em


Educação pela UFC. Professor Adjunto III da Universidade Federal do Piauí/UFPI, no
qual é professor-pesquisador dos Programas de Pós-Graduação (Stricto Sensu) de
Ciência Política e de Sociologia. Coordenador do Núcleo de Pesquisas e Estudos em
Psicologia Educacional, Desenvolvimento Humano e Queixa Escolar/ PSIQUED.
Membro do Fórum sobre a Medicalização da Educação e da Sociedade. Membro do
GT Psicologia e Política Educacional da ANPEPP. E-mail:
faustonnegreiros@ufpi.edu.br.

ANDRESSA GOMES DE MOURA

Graduanda em Letras Português pela Universidade Estadual do Piauí. Técnica em


Segurança do Trabalho pelo Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia do
Piauí – IFPI (2012). Bolsista de iniciação a pesquisa (PIBIC/UESPI), integrante do
projeto Ensino de Língua Portuguesa: propostas de ensino de Língua com uso do
Facebook, no período 2015-2016.

ALESSANDRA SÁVIA DA COSTA MASULLO

Graduada em Serviço Social pela Universidade Estadual do Ceará. Pós-graduada em


História e Cultura Africana e dos Afrodescendentes pela Universidade Federal do

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 358


Ceará. Mestre em educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal do
Ceará. Integrante do Núcleo das Africanidades Cearenses (NACE) da Universidade
Federal do Ceará. E-mail: alessandramasullo@gmail.com.

ALEXSANDRO DA SILVA SOUZA

Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Piauí. Atualmente


vem atuando como professor da educação básica na Escola de Aplicação Campus
Ministro Reis Velloso, onde também atua como supervisor de área do Pibid
(Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência). Tem experiência na área
de Educação, com ênfase em Métodos e Técnicas de Ensino, atuando principalmente
nos seguintes temas: identidade, curso de pedagogia, pedagogo, transformações
históricas e educação. E-mail: alecsandro_souza_@hotmail.com.

ANNA CLARA DE ARAÚJO CARDOSO

Graduanda em Farmácia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN.


Monitora da disciplina de Fundamentos de Microbiologia, Parasitologia e
Imunologia. Participante do projeto de Extensão “Conscientização a respeito da
infecção por parasitos de solo em áreas públicas no município de Natal/RN”.
Estagiaria do Laboratório de Analises Clinicas; Clínica da Saúde. E-mail:
anna_clara_cardoso@hotmail.com.

CAIO VELOSO

Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da


Universidade Federal do Piauí (PPGEd/UFPI) na Linha de Pesquisa Ensino, Formação
de Professores e Práticas Pedagógicas; Licenciado em Ciências Biológicas pela
Universidade Federal do Piauí (UFPI); Professor de Ciências Naturais e Biologia da
Secretaria Estadual de Educação do Piauí (SEDUC-PI); Coordenador Pedagógico e
Professor de Biologia na Rede Privada de Ensino em Teresina-PI.

EDMARA DE CASTRO PINTO

Professora Assistente - Dedicação Exclusiva, do Departamento de Ciências Sociais e


Educação da UFPI- Campus Parnaíba. Doutoranda em Ciências da Educação, pelo
Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPI. Mestra em Ciências da Educação
- Especialidade em Educação de Adultos, (EJA), na Universidade do Minho/UM,
Portugal (2010-2012) e UFC/Ceará (Bolsista Comunidade Européia- Erasmus
Mundus 17). Possui Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 359


Piauí/UFPI. É vinculada ao Observatório de Juventudes e Violências na Escola-
OBJUVE/UFPI desde a sua criação. (Membro Fundadora). E-mail:
edmaracastro@hotmail.com.

ELCIMAR SIMÃO MARTINS

Doutor e mestre em Educação (PPGE UFC), especialista em Ensino de Literatura


Brasileira (UECE) e em Gestão Escolar (UFC), graduado em Letras Português e
Espanhol (UFC), pedagogo (UMESP). Professor Adjunto A do Instituto de Ciências
Exatas e da Natureza (ICEN) e do Mestrado Acadêmico em Sociobiodiversidade e
Tecnologias Sustentáveis (MASTS), da Universidade da Integração Internacional da
Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB). Membro dos Grupos de Pesquisas sobre
Formação do Educador (GEPEFE/USP), Educação e Cooperação Sul-Sul
(Eloss/Unilab) e Formação Docente, História e Política Educacional
(GPFOHPE/UFC). E-mail: elcimar@unilab.edu.br.

ÉLIDO SANTIAGO DA SILVA

Professor do Departamento de Ciências Sociais, Educação e Desporto; Campus


Ministro Reis Veloso/ UFPI. Doutorando em Educação PPGED/ UFPA; Mestre em
Administração PPGA/ UFRN. E-mail: elidosantiago@gmail.com.

FRANCINEUZA DE ASSIS BARBOZA

Formada em Letras pela UECE/FECLESC, Especialista em Coordenação Pedagógica


UFC, realizando o curso de Especialização em Literatura e Formação do leitor na
UECE/FECLESC (em fase de conclusão). Professora de Língua Portuguesa - Ensino
Médio, na Rede Estadual de Educação do Ceará. Professora do Ensino Fundamental
pela Secretaria de Educação do município de Baturité-Ceará. Experiência em
Coordenação Pedagógica. E-mail: francineuzadeassisbarboza@hotmail.com.

FRANCISCO DE ASSIS DE SOUSA NASCIMENTO

É professor Adjunto IV da Universidade Federal do Piauí - UFPI. Possui Pós-


doutorado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC SP, Doutorado
em História pela Universidade Federal Fluminense - UFF, Mestrado em História do
Brasil, pela UFPI, Especialização em Docência do Ensino Superior pela UESPI,
graduação em História pela UESPI, Graduação em Pedagogia pela UFPI. Coordena o
Curso de Especialização em História Social da Cultura, do CEAD (Centro de Educação
Aberta e a distância), Coordena o Programa de Pós-Graduação em História - PPGHB

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 360


da UFPI. Coordena o Doutorado Interinstitucional (DINTER) em História UFPE/UFPI
(2013-2016). Líder do Grupo de Pesquisa do CNPq "História, Música, Teatro e
Estética" Tem experiência na área de História, com ênfase em História do Brasil,
atuando principalmente nos seguintes temas: história, música, cultura, literatura,
teatro e memória. e-mail: franciscoufpi@gmail.com.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 361


FRANKLIN OLIVEIRA SILVA

Graduado em Letras Português pela Universidade Estadual do Piauí (2001), possui


mestrado (2004) e doutorado (2013) em Linguística pela Universidade Federal do
Ceará e fez pós-doutorado na Universidade Federal do Piauí (2014). Atualmente
integra os grupos de pesquisa Protexto e Getexto, é professor efetivo na
Universidade Estadual do Piauí e é coordenador pedagógico dos cursos de
graduação do NEAD/UESPI. E-mail: franklinolliveira@gmail.com

GUSTAVO SILVANO BATISTA

Doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-


Rio (2013). Professor Adjunto I da Universidade Federal do Piauí no Campus Senador
Helvídio Nunes de Barros e Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação
em Ética e Epistemologia. E-mail: gustavosilvano@ufpi.edu.br.

JAIRO DE CARVALHO GUIMARÃES

Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; mestre em


Administração e Controladoria pela Universidade Federal do Ceará; especialista em
Contabilidade e Planejamento Tributário pela Universidade Federal do Ceará;
graduado em Administração pela Faculdade Evolutivo (FACE); professor Adjunto I do
Curso de Administração do Campus Amílcar Ferreira Sobral (CAFS); coordenador do
Projeto de Extensão (PIBEX 2016) intitulado "Intervenção socioeconômica na
comunidade de catadores de resíduos sólidos de Floriano: uma proposta
interdisciplinar". E-mail: jairoguimaraes@ufpi.edu.br.

JEANE KARINE SILVA MOURA

Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal do Piauí no Campus Parnaíba.


Professora efetiva no município de Joaquim Pires – PI. E-mail:
jeanekarinephb@hotmail.com.

JOSÉ VICTOR DE OLIVEIRA SANTOS

Graduando de Psicologia pela Universidade Federal do Piauí/UFPI. Bolsista de


Iniciação Científica do PIBIC/CNPq. Membro do Núcleo de Pesquisa e Estudos em
Psicologia Educacional, Desenvolvimento Humano e Queixa Escolar/ PSIQUED E-
mail: victorolintos@hotmail.com.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 362


JORDACI DIAS LOPES DE LIMA

Pedagoga pela Universidade Federal do Piauí/UFPI. Membro do Núcleo de Pesquisa


e Estudos em Psicologia Educacional, Desenvolvimento Humano e Queixa Escolar/
PSIQUED. E-mail: jordacy1212@hotmail.com.

JULLYANE FRAZÃO SANTANA

Graduanda em Pedagogia pela Universidade Federal do Piauí/UFPI. Membro do


grupo de pesquisa grupo Transformações Sociais Rurais e Urbanos do Nordeste
Brasileiro. E-mail: jullyanefrazao@hotmail.com.

LIBANIA XAVIER

Doutora em Educação pela PUC-Rio; Pós-doutorado na Universidade de Lisboa;


Professora Associada do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRJ;
Atualmente é vice-presidente da Sociedade Brasileira de História da Educação
(SBHE); Autoria dos livros: Associativismo Docente e Construção Democrática (EDUERJ,
2014); Para além do Campo Educacional: um estudo sobre o Manifesto dos Pioneiros
da Educação Nova (EDUSF, 2002) e O Brasil como Laboratório (EDUSF, 2000).
Coordena o Grupo de Pesquisa Processos Educacionais e História da Profissão
Docente PPGE/UFRJ-CNPq. E-mail: libanianacif@gmail.com.

LUCIANA MATIAS CAVALCANTE

Pedagoga. Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará. Atua como


professora adjunta no Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Piauí,
Campus Ministro Reis Velloso em Parnaíba. Como pesquisadora coordena o Grupo
de Pesquisa “Diálogos e Reflexões em Educação”, cadastrado na Plataforma de
Grupos do CNPq e atua principalmente na linha de pesquisa “Formação e Prática de
ensino”. E-mail: luciana@ufpi.edu.br.

LUDGLEYDSON FERNANDES DE ARAÚJO

Professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (Stricto Sensu) e do


Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Piauí – UFPI (Campus de
Parnaíba/PI). Psicólogo, Doutor em Psicologia pela Universidad de Granada
(Espanha) com período sanduíche na Università di Bologna (Itália), Mestre em
Psicologia e Saúde pela Universidade de Granada (Espanha), Mestre em Psicologia
Social e Especialista em Gerontologia pela UFPB (João Pessoa-PB). Membro do GT

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 363


Relações Intergrupais: exclusão social e preconceito da ANPEPP. Tem pautado sua
atuação no âmbito do ensino, pesquisa e extensão principalmente nos seguintes
temas: Psicologia Social, Psicologia do Envelhecimento e Psicogerontologia, Idosos,
Aspectos Psicossociais das Drogas, Aspectos Psicológicos da Prevenção ao HIV/AIDS
e Resiliência. E-mail: ludgleydson@yahoo.com.br.

LUISA XAVIER DE OLIVEIRA

Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ, na linha de


pesquisa em Políticas e Instituições Escolares. Mestra em Educação pela
Universidade Estadual do Ceará/UECE, na linha de pesquisa em Políticas e Formação
de Professores em Tecnologia da Informação e Comunicação. Licenciada em
Pedagogia pela UECE. E-mail: luisaxavier77@yahoo.com.br.

MARIA CÉZAR DE SOUSA

Pedagoga, Mestra em Educação pela Universidade Federal do Piauí/UFPI e Doutora


pela Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ, sob supervisão da Profa. Dra.
Marcia Serra Ferreira. Professora da UFPI e pesquisadora do Grupo de Estudos em
História do Currículo, que é parte Núcleo de Estudos de Currículo da Universidade
Federal do Rio de Janeiro – NEC/UFRJ e do Núcleo de Estudos e Pesquisas em
Teorias e Práticas Pedagógicas da UFPI. E-mail: mariacezarsousa@hotmail.com.

MARIA ELISABETE DO VALE MANSUR

Mestre em Educação pela Uni-Rio; Professora da rede publica do estado do Rio de


Janeiro; participa do Grupo de Pesquisa Processos Educacionais
e História da Profissão Docente -PPGE/UFRJ-CNPq. E-mail: betemansur@gmail.com.

MARIA DA GUIA DUARTE MATOS DE ABREU

Pedagoga pela Universidade Federal do Piauí/UFPI. Membro do Núcleo de Pesquisa


e Estudos em Psicologia Educacional, Desenvolvimento Humano e Queixa Escolar/
PSIQUED. E-mail: mariadg59@hotmail.com.

MARILDE CHAVES DOS SANTOS

Doutora em Educação pelo DINTER UFRJ/UFPI . Mestre em Educação pela UFPI.


Possuo Licenciatura Plena em Pedagogia, Especialização em Psicologia Educacional
e em Supervisão Escolar .Atualmente sou professora da Universidade Federal do

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 364


Piauí, no Campus Amílcar Ferreira Sobral, no município de Floriano (PI), membro do
NEPEEIC. Tenho interesse por temas nas áreas de educação da infância e juventude,
bem como em História da Educação. Membro da Equipe do Projeto no Projeto de
Pesquisa ASSOCIATIVISMO DOCENTE, SOCIALIZAÇÃO POLÍTICA E PRODUÇÃO
INTELECTUAL: as experiências brasileira e portuguesa da segunda metade do século
XX que tem como Pesquisador Responsável Libania Nacif Xavier. E-mail:
marildechaves@bol.com.br.

MARÍLIA DANIELLY RIBEIRO GONDINHO

Graduação em Pedagogia pela Faculdade Integrada do Brasil e Letras Português pela


Universidade Federal do Piauí/UFPI. Especialista em Gestão Estratégica de Pessoas
pelo Centro Unificado de Teresina/CEUT; Especialista em Gestão e Supervisão em
Sistemas Educacionais e Empresariais com Docência do Ensino Superior. Professora
da Prefeitura Municipal de Teresina/PI.

MARTA ROCHELLY RIBEIRO GONDINHO

Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ (2016).


Mestrado em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará - UFC (2010).
Possui graduação em Licenciatura Plena em Pedagogia pela Universidade Estadual
do Piauí - UESPI (2003). Professora efetiva assistente I da Universidade Federal do
Piauí (atualmente). E-mail: martarochelly81@hotmail.com.

MEDIANEIRA DA SILVA CARVALHO

Mestranda em Educação pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP.


Especialista em Gestão Pedagógica da Educação Básica pelo Instituto Federal de
Educação do Piauí - IFPI (2015) e Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal
do Piauí - UFPI (2015). E-mail: medianeira.carvalho@hotmail.com.

MONICA DE ARAÚJO DAMASCENO

Graduanda de Psicologia pela Universidade Federal do Piauí/UFPI. Membro do


Núcleo de Pesquisa e Estudos em Psicologia Educacional, Desenvolvimento Humano
e Queixa Escolar/ PSIQUED e do Fórum sobre a Medicalização da Educação e da
Sociedade – Núcleo Piauí. Bolsista de Extensão PIBEX/UFPI. E-mail:
monica_damasceno@live.com.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 365


OSMAR RUFINO BRAGA

Graduado em Pedagogia, mestre e doutor em Educação pela Faculdade de Educação


da Universidade Federal do Ceará. É professor adjunto do Departamento de Ciências
Sociais, da Educação e Desporto da Universidade Federal do Piauí/Campus Ministro
Reis Velloso (Parnaíba-Piauí), Coordenador do Curso de Pedagogia, integrante do
Grupo de Pesquisa Diálogos e Reflexões em Educação, vinculado ao CNPq. E-mail:
osmarbraga@ufpi.edu.br.

RAYLTON DE BARROS MIRANDA

Graduando do curso Licenciatura Plena em Pedagogia pela Universidade Federal do


Piauí (UFPI). E-mail: rayltonphb@hotmail.com.

RENATO JOSÉ DE OLIVEIRA

Graduação em Engenharia Química pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro;


graduação em Licenciatura em Química pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro; mestre em Educação pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro;
doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro;
professor Associado IV da Universidade Federal do Rio de Janeiro; coordenador do
Grupo de Pesquisas sobre a Ética na Educação (GPEE) e pesquisador do Grupo de
Pesquisa sobre Retórica e Argumentação na Pedagogia; bolsista de produtividade
em pesquisa CNPq. E-mail: rj-oliveira1958@uol.com.br.

SÁVIA AUGUSTA OLIVEIRA REGIS

Graduada em Pedagogia e mestranda pela Faculdade de Educação da Universidade


Federal do Ceará. Integrante do Núcleo das Africanidades Cearenses (NACE) da
Universidade Federal do Ceará. E-mail: saviaaugusta.22@gmail.com.

SAMUEL PIRES MELO

Sociólogo, Mestre e Doutor em Sociologia/ UFPE. Professor Adjunto I da


Universidade Federal do Piauí/UFPI, no qual é professor-pesquisador do Programa
de Pós-Graduação (Stricto Sensu) em Sociologia. Líder do grupo Transformações
Sociais Rurais e Urbanos do Nordeste Brasileiro. E-mail: samuelmelo@ufpi.edu.br.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 366


SANDRA ELISA DE ASSIS FREIRE

Doutora em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba. Professora


Adjunto II do Curso de Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Piauí.
Coordena o Núcleo de pesquisa em relacionamento interpessoal, cadastrado no
diretório de grupo de pesquisa do CNPq. E-mail: sandraelisa.freire@gmail.com.

TATIANE DOS SANTOS COSTA

Pedagoga e graduanda de Psicologia pela Universidade Federal do Piauí/UFPI.


Membro do Núcleo de Pesquisa e Estudos em Psicologia Educacional,
Desenvolvimento Humano e Queixa Escolar/ PSIQUED e do Fórum sobre a
Medicalização da Educação e da Sociedade – Núcleo Piauí. Bolsista de Extensão
PIBEX/UFPI. E-mail: tatianecostap2@gmail.com.

THAÍS OLIVEIRA LIMA

Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Piaui e pós-graduanda em


Políticas Públicas pelo Instituto Superior de Educação Programus-ISEPRO. Psicóloga
no Centro de Referência de Assistência Social-CRAS na cidade de Barras-PI.

POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 367


POLITICAS EDUCACIONAIS E ESCOLARIZAÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS 368

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