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Sumário
Introdução, Democracia restrita, Democracia inclusiva e emancipação social, Punto Fijo: ponto de partida para a
transição democrática na Venezuela, Caracazo: prelúdio do aprofundamento democrático, Democracia
protagônica: de que se está falando?, Considerações finais, Referências.
RESUMO
O trabalho propõe uma aproximação aos problemas da democracia contemporânea, para, à luz da realidade
política contemporânea da Venezuela, entender os limites da democracia representativa, e por sua vez, esboçar
idéias sobre a democracia participativa. Partir-se-á do pressuposto de que a democracia na atualidade é
definida em duas grandes tendências teóricas: democracia representativa e participativa. Tomaremos a
Venezuela como objeto de análise, tendo em vista dois objetivos: em primeiro lugar mostrar que a democracia
representativa, que abarca a década de 60 do século passado e se estende até meados dos anos 90, apresentou
mais limites do que alcances, esgotados no sistema bipartidário, delineado no Pacto de Punto Fijo. Num
segundo plano, procuraremos descrever as possíveis saídas políticas que a Venezuela está buscando para a
crise provinda do sistema democrático representativo. Aqui procuraremos não só entendermos os marcos legais
da democracia protagônica, tal como a define o Preâmbulo da Constituição da V República Bolivariana de
1999, mas procuraremos nos perguntar também pela efetivação do marco jurídico na realidade do país.
Conclui-se que o modelo restrito de democracia já não é mais suficiente para dar respostas à crise de
representatividade política que se instaurara na Venezuela desde a década de oitenta do século XX. Nesse
sentido, a resposta aos graves problemas que se acumularam na vigência do modelo democrático restrito só
poderão ser resolvidos, quem sabe, ampliando os canais de participação da população nos destinos da vida
política do país.
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ARTICULAÇÃO ENTRE DEMOCRACIA REPRESENTATIVA E PARTICIPATIVA À LUZ DA DEMOCRACIA VENEZUELANA
Valdenésio Aduci Mendes
1. INTRODUÇÃO
2. DEMOCRACIA RESTRITA
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No modelo de Schumpeter o papel central no processo político gira em torno dos líderes que
lutam competitivamente pelos votos da população. A esse novo modelo, Schumpeter o define como
realista e à maneira dos consumidores, “os eleitores colhem entre as políticas (produtos) oferecidas por
empresários políticos rivais, e os partidos regulam a competição do mesmo modo que as associações
de comércio na esfera econômica” (PATEMAN, 1992: 13). Portanto, figuras carismáticas e partidos
políticos tomam a cena política, e são eles os atores aptos a responder pela massa eleitoral “incapaz de
qualquer ação que não seja o ‘estouro da boiada’”. Resumidamente, democracia significa para o autor
analisado, a possibilidade que o povo tem de “aceitar ou não as pessoas designadas para governá-lo”
(SCHUMPETER: 353-355).
A questão que se coloca aqui é se uma posição dessas não estaria próximo daquilo que
o próprio Schumpeter criticou, ou seja, as posições antidemocráticas. Eliminado o elemento
ético marcante do modelo clássico de democracia, o modelo de Schumpeter trata os cidadãos
como simples consumidores políticos, e a sociedade política simplesmente como uma relação
do tipo mercado entre eles e os fornecedores de mercadorias políticas (MACPHERSON,
1978: 84). A concorrência entre as partes produziria um equilíbrio social.
Segundo Macpherson, tudo o que segue das premissas do modelo elitista de democracia é que
esse modelo é ótima coisa para o mercado. Mas um mercado não é necessariamente democrático
(1978: 90). A considerável desigualdade de riqueza e chances de adquirir riqueza em sociedades
desiguais como as sociedades capitalistas coloca em cheque o equilíbrio democrático. Logo, a apatia
política não é um fenômeno deslocado das relações econômicas, tal como defende o modelo
democrático elitista, ao contrário, a desigualdade social criaria apatia política, além do que o modelo
tem poucos vendedores e peca pela falta de concorrência, ou seja, esse mercado político traduz-se em
oligopólio (poucos partidos políticos) e num mercado oligopolista. Portanto, a iniciativa política é
sempre das elites. A existência de um sistema de elites em competição com um baixo nível de
participação pelos cidadãos é uma exigência de uma sociedade em que há desigualdades.
Conseqüência: menos participação popular na condução da coisa pública, mais técnicos e elites, mais
democracia restritiva.
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“não podemos conseguir mais participação democrática sem uma mudança prévia da
desigualdade social e sua consciência, mas não podemos conseguir as mudanças da
desigualdade social e na consciência sem um aumento antes de participação democrática”
(1978: 103). Em outros termos, a gritantes desigualdades econômicas geram déficits de
participação política e este déficit gera, por sua vez, mais desigualdade econômica. Algo de
mais participativo que o nosso sistema atual é desejável? E se é desejável, é possível romper o
ciclo apontado por Macpherson? Isso é possível nas sociedades contemporâneas diante de um
quadro de globalização e de cidadania confundida com consumismo?
Os participacionistas defendem que sim e o fazem com base nos seguintes argumentos: a
participação na vida política gera educação cidadã ou Paidéia democrática, controle e distribuição do
poder e socialização. Na perspectiva da democracia participativa a própria definição do que seja a
política deveria ser colocada em questão, deveria “superar as fronteiras convencionais e gerar, desta
maneira, legitimidade para a luta por relações mais justas, humanas e igualitárias em esferas
tradicionalmente consideradas não políticas” (VITULO, 1999: 4). Portanto, na perspectiva
participativa, as práticas democráticas se estendem a campos sociais inimagináveis como escolas,
hospitais, conselhos gestores, economia, agencias de serviços sociais, universidades, centros de
pesquisas, ONGs, associações, movimentos sociais, etc., extrapolando dessa forma, os umbrais das
esferas de participação tradicionalmente estabelecidas pela democracia elitista.
De certa forma, a concepção democrática participativa se insurge contra idéia de tomar
as decisões políticas verdadeiramente importantes em segredo e nos bastidores do governo, do
parlamento, dos aparelhos dos partidos (CASTORIADIS, 1996: 05). Nesta concepção, a
democracia é descrita como uma comunidade política participativa “cujos cidadãos têm um
compromisso com o interesse público que transcende os interesses privados e egoístas” O
cidadão é aquele que, voluntariamente, “se une aos demais para formarem uma comunidade
de co-associados livres e iguais cujo objetivo é a busca do bem comum” (FARIA, 1996: 27).
Para Marilena Chauí, foi exatamente o pensamento de esquerda, porque fundado na
compreensão do social como divisão interna das classes a partir da exploração econômica e,
portanto, como luta de classes que “redefiniu a democracia recusando considerá-la apenas um
regime político, afirmando, então, a idéia de sociedade democrática”. Em outras palavras,
segue a autora, as lutas dos trabalhadores no correr dos XIX e XX ampliaram a concepção dos
direitos que o liberalismo definia como civis ou políticos, “introduzindo a idéia de direitos
econômicos e sociais”. Na concepção de esquerda, “a ênfase recai sobre a idéia e a prática da
participação, ora entendida como intervenção direta nas ações políticas, ora como
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interlocução social que determina, orienta e controla a ação dos representantes” (CHAUÍ,
2005: 23-24).
Esta concepção republicana de democracia, cuja referencia na teoria clássica está associada à
Rousseau, “caracteriza-se por conferir à sociedade o poder ou a autoridade originária e legítima da
formação da opinião e da vontade comum de maneira geral”, da mesma forma assenta-se em uma
concepção de política “apresentada como um fim em si mesmo, na medida em que está preocupada
com a generalização e aprofundamento da cidadania enquanto autodeterminação da população na
definição e construção da vida e do interesse comum” (LÜCHMANN, 2002: 20).
Para esta posição, o cidadão se constitui no espaço da participação política, quer dizer,
Nesse sentido, aqueles que defendem mais participação nos destinos da vida política
na qual estão inseridos, certamente reconhecem os limites tantas vezes defendidos pelos
democratas liberais de que a distancia e extensão dos países são fatores impeditivos de
realização de uma democracia direta, mas como corrigir esses problemas se não se aposta na
própria democracia como mecanismo de mudança? Isso significa que só a democracia pode
corrigir e aprofundar a própria democracia, sem que isso descambe para as temíveis vias
totalitárias, tal como costumam argumentar os liberais na defesa da democracia restrita.
Afinal, “a democracia representativa nasceu do pressuposto”, equivocado, diz Bobbio (1986:
139), de que “os indivíduos, uma vez investidos da função pública de escolher os seus
representantes, escolheriam os ‘melhores’”. Diante da política tornada espetáculo, sabe-se que
equívocos nas escolhas ocorrem e quase sempre os representantes agem em nome de
interesses particulares em detrimento da defesa dos interesses públicos, função para a qual
foram eleitos.
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Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, El Salvador, Hnduras, Panamá, Paraguay, Perú e Uruguay.
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1958, representada pela figura de Marcos Perez Jimenez, o qual governou o país desde 1948. Há outro
componente importante que devemos levar em conta quando analisamos a democracia venezuelana. O
período de 1958 a 1989 é um período de busca de consolidação da democracia representativa, a qual
será, paradoxalmente, colocada em xeque em função da baixa capacidade de resposta aos problemas
sociais e políticos vigentes no país a partir de 1989. Isso significa dizer, por outro lado, que enquanto
muitos países da América Latina e do Caribe estão lutando pela implantação da democracia
representativa até o final da década de 80 do século passado, amplos setores da sociedade venezuelana
estaria questionando esse mesmo modelo de democracia restrita, reivindicando, dessa forma, o
aprofundamento da democracia.
Com o intuito de dar um basta à situação da ditadura militar prevalecente, o pacto de
Pacto de Punto Fijo representa um marco divisor na história política da Venezuela, pois
representou a possibilidade das elites políticas, mediante pactos, seguirem governando o país
nos limites das regras da democracia representativa, inviabilizando a participação de partidos
de esquerda e de amplas camadas populares. O acordo vigorou até 1960, momento em que o
partido Unión Republicana decidiu romper o estabelecido, instalando-se a partir daí o
bipartidarismo, traduzido pelo domínio das elites políticas de AD (Ação Democrática) e
COPEI (Comitê de Organização Político Eleitoral Independente) até o final da década de 90
do século passado.
Muitos autores concordam que o Pacto de Punto Fijo foi positivo, necessário e até
imprescindível para estabilizar a jovem e nascente democracia venezuelana e que o mesmo teria
jogado um papel preponderante na estabilização da vida política do país, interrompida a partir de
1948. Procuram, dessa forma, ver no puntofijismo um fenômeno com mais qualidades do que defeitos.
Entretanto há uma pergunta que não se pode deixar de fazer: se este era um sistema tão estável, por
que ruíram suas bases? A estabilidade do sistema democrático estaria fundamentada, em tese, no
sistema político bipartidário, mas não estaria aí, ao mesmo tempo, sua debilidade? O Pacto de Punto
Fijo não teria funcionado senão com base na perpetuação das elites políticas, apoiadas, por sua vez,
numa política de base centralizadora e na regra do jogo eleitoral. Isso trouxe como resultado a
exclusão de grande parte da população da vida política, ficando os partidos incapazes de incorporarem
os novos atores sociais que despontam no cenário político na década de 90.
Resultado desse processo democrático “por cima” foi a instauração de um sistema
sóciopolítico a serviço da corrupção administrativa, clientelismo político e tráfico de
influências. Resumidamente, o modelo democrático que se instaurara a partir do Pacto de
Punto Fijo gerou um déficit de participação na vida política por parte dos cidadãos, ou seja,
gerou apatia política e desconfiança não só em relação a instituições assim como em relação à
política de modo geral. As estatísticas do Conselho Nacional Eleitoral, por exemplo,
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Segundo dados apresentados por Maya e Lander, os anos compreendidos entre 1989 e 2005, se produziram um
total de 15.611 manifestações no país, classificadas nas seguintes categorias: convencionais, de confrontações e
violentas (2006: 16- 19), realizadas pelos seguintes motivos: natureza sócio-econômicos e direitos de natureza
civil e políticos.
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técnicos; contínuo crescimento do aparato burocrático, vertido de cima para baixo e baixo
rendimento do sistema democrático, cujas demandas são fáceis e suas respostas difíceis.
As reflexões de Bobbio certamente contribuem também para refletirmos sobre a realidade
política venezuelana, vigente até do século passado, já que as promessas não cumpridas na Venezuela
são as promessas da democracia representativa. Em outros termos, os mesmos fatores que antes eram
tidos como importantes para o sucesso e a estabilidade do sistema democrático venezuelano, tais como
“o excessivo centralismo e paternalismo estatal, os pactos partidários originados a partir do Estado, a
excessiva institucionalização do bipartidismo, a economia exportadora baseada no petróleo, e até
mesmo o sistema eleitoral baseado na representação proporcional”, eram agora identificados como
“causas da própria instabilidade democrática” (VILLA, 2005: 157).
A entrada de Chávez na cena política venezuelana tem uma estreita relação com todos
esses fenômenos descritos até aqui. Para a sua inserção nesse cenário, contribuíram “tanto os
erros de alguns de seus adversários, como o profundo sentimento de rejeição aos partidos
tradicionais que manifestavam os venezuelanos” (VILLA, 2005: 159). Diga-se de passagem,
que a entrada de Chávez no cenário político se deu por duas portas: a primeira tentativa foi
pela porta estreita da intervenção militar realizada em 1992. No segundo momento entra pela
porta das urnas, transformando-se num fenômeno eleitoral, com 56,2% das intenções de votos
nas eleições de 1998, em julho de 2000 obtém 59,7% no processo de relegitimação, e no
referendo revogatório de agosto de 2004, obtém 59,1%.
Após assumir a presidência em 1998, o governo Chávez deflagra um referendum de caráter
nacional em 1999 para consultar os cidadãos sobre a instauração de um processo constituinte. A
proposta teve acolhida da ampla maioria e no final de 1999 a Venezuela ganha uma nova constituição.
Esse processo de formatação de uma nova constituição representou, segundo Guadilla (2005:01), uma
das mais significativas mudanças da sociedade civil venezuelana nos fins dos anos noventa,
representada pela “emergência de organizações sociais cidadãs que enriqueceram o cenário
sóciopolítico com novas identidades, concepções de cidadania e projetos de sociedade”. Dita
sociedade civil “se transformou de ator social em ator sociopolítico” e em interlocutor legítimo e
direto do Estado sem passar necessariamente pela mediação dos partidos políticos. A nova Carta
passará a ser chamada de Constituição da República Bolivariana da Venezuela, a qual mudará não só o
nome da República, mas a coloca no patamar de V República, evidenciando um novo marco legal para
a IV República estabelecida em 1961. As linhas mestras da nova Carta estabelecem além dos poderes
clássicos já descritos por Montesquieu, os poderes Cidadão e Eleitoral; concede o voto aos militares e
transforma o poder legislativo (que era bicameral) em poder unicameral.
A nova constituição também permitiu ao presidente o poder de legislar por meio da lei
habilitante. No final do ano 2000, a Assembléia Nacional aprovou um pacote de 49 leis
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habilitantes, dentre elas, a Lei de Hidrocarbonetos e a Lei de Terras, cuja efetivação das
mesmas, traria para o seio da sociedade, o que os analistas definem como “polarização
social”. A última Lei citada teve muita repercussão no país, mas a Lei de Hidrocarbonetos
tocará na espinha dorsal do oligopólio petroleiro da república, vigente desde a década de 50
do século passado. Ao propor a Lei, Chávez sabia que estava tocando no ponto
antidemocrático da economia estatal e seu governo sairia fortalecido se ganhasse a batalha
pela publicização do maior bem público do país. O que veio pela frente foi um verdadeiro
drama político: a polarização social tendeu a acirrar-se na medida em que a elite política e
empresarial venezuelana viu seus interesses particulares escorrerem pelos dedos.
Simplesmente, “o que havia sido um movimento subversivo subterrâneo”, começou a adquirir
“indícios de insurreição aberta” (LANDER, 2005: 10). Desse drama parece não ter escapado
nenhum segmento social, realizado em três atos importantes: a greve dos petroleiros de
2002/2003; o golpe midiático impulsionado por Pedro Carmona em 2002; o referendum de
2004, no qual o governo Chávez saiu fortalecido, obtendo 59,1% dos votos válidos.
[...] en lo político: la elección de cargos públicos, el referendo, la consulta popular, la revocatoria del
mandato, la iniciativa legislativa, constitucional y constituyente, el cabildo abierto y la asamblea de
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ciudadanos y ciudadanas cuyas decisiones serán de carácter vinculante, entre otros; y en lo social y
económico, las instancias de atención ciudadana, la autogestión, la cogestión, las cooperativas en todas
sus formas incluyendo las de carácter financiero, las cajas de ahorro, la empresa comunitaria y demás
formas asociativas guiadas por los valores de la mutua cooperación y la solidaridad (grifo nosso).
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da vida em sociedade. Mas ao mesmo tempo, alguns analistas concordam que a mesma sociedade
civil que soubera fazer acordos para chegar e deflagrar o processo constituinte de 1999 está
profundamente em desacordo hoje, no que tange a um projeto de sociedade.
Na prática há uma disputa acirrada em torno da definição de um modelo de
democracia, a ponto de afirmarem que o país estaria dividido em torno dos dois modelos que
fora apresentado inicialmente. Uma parcela da população reivindica a democracia num
contexto de pluralismo cultural e exercício da cidadania para além do aspecto puramente
eleitoral e procedimental, ou seja, pensa a democracia em termos de ruptura com o modelo
anterior, estabelecida no acordo de Punto Fijo. Esta parcela vê na democracia participativa a
possibilidade de justiça social e de igualdade. Ao mesmo tempo esta concepção de
democracia possibilitaria o nexo entre economia e política, Estado e sociedade, público e
privado.
De outro lado, a outra parcela da população reivindica a democracia ainda no sentido
restrito ou procedimental, liberal. Esta parcela da população deseja a democracia
representativa como ponto de partida e chegada, como possibilidade de liberdade econômica,
e, de certa forma, como manutenção de status quo. Essa parcela reivindica o liberalismo como
o sistema que harmonizaria as diferenças entre as coletividades, concebendo a política como
técnica, alijada dos processos participativos e decisórios.
A situação política venezuelana atual, tal como esboçado rapidamente, parece mostrar
pelo menos, três fenômenos ao mesmo tempo: a) a democracia formal que vigorara de 1958
até 1990 não fora capaz de vislumbrar saídas para a grave política e econômica que assola o
país; b) a sociedade civil vem buscando uma nova relação com o Estado dando mostras de
que a democracia pode ser aprofundada, abrindo o cenário político para o debate e a vivência
de outras propostas políticas; c) o Estado venezolano vem se ampliando nos últimos 10 anos
no sentido de buscar justiça social e distribuir riquezas a partir do patrimônio público.
7. ÚLTIMAS CONSIDERAÇÕES
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Vimos que a crítica a essa perspectiva democrática parte daqueles que concebem a
participação como atributo essencial da democracia, daí a reivindicação de seu
aprofundamento em todas as esferas da sociedade, seja esta esfera pertinente à família, escola,
associações, movimentos sociais, ONGs, ou poder judiciário, legislativo, econômico, etc. Se
não se pode eliminar de vez a idéia de representação política, a democracia participativa
reivindica a idéia de que se possa não só participar na elaboração de políticas públicas assim
como também se possa controlar suas execuções.
As reflexões sobre os modelos democráticos delineados acima tinha o objetivo de
adentramos na história política venezuelana a partir da década de 50 do século passado,
perguntando-nos se a história da democracia daquele país não evidencia a presença dos dois
modelos discutidos acima. Percebemos que sim. Percebemos a preponderância das
características do modelo democrático representativo na Venezuela, vigorou da década de 60
até a década de 90 do século passado, bem como o esgotamento desse modelo, o qual
significou a presença do bipartidismo, elites políticas se alterando no poder, abstenção nas
votações, falta de legitimidade política, apatia política e corrupção.
Vimos também que a entrada de novos atores sociais na cena política, em função das graves
crises desencadeadas pelas políticas neoliberais e da ausência do Estado nas políticas públicas, trouxe
como conseqüência a participação política desde baixo, desde os bairros populares do país. Nesse
sentido, as novas conjunturas sociais e a entrada de Chávez no cenário político culminaram na
elaboração de uma nova constituição em 1999, transparecendo na mesma uma linguagem democrática
participativa. De igual maneira, novos mecanismos de participação popular foram criados para que a
nova carta não passasse de letra morta. Dentre estes mecanismos, estão previstos os Conselhos Locais
de Planificação, cujas estruturas visam a participação de cada cidadão, na localidade onde vive,
formatando dessa forma um novo desenho institucional de participação política no país.
Nossa analise do fenômeno, que ainda é superficial em função da falta de pesquisa in locus,
não nos permite fazer maiores afirmações nem tirar conclusões mais consolidadas. A partir do aporte
teórico consultado, pode-se afirmar que o modelo restrito de democracia já não é mais suficiente para
dar respostas à crise de representatividade política que se instaurara na Venezuela desde a década de
oitenta do século XX. Nesse sentido, a resposta aos graves problemas que se acumularam na vigência
do modelo democrático restrito só poderão ser resolvidos, quem sabe, ampliando os canais de
participação da população nos destinos da vida política do país. E se levarmos em conta, a sugestão de
Bobbio de que para um regime democrático, o estar em transformação é seu estado natural, no sentido
de que ela indica dinamicidade, ao contrário da estaticidade indicada pelo despotismo, então se pode
concluir que a democracia representativa na Venezuela vem sendo combatida com o dinamismo
inerente à própria democracia, nesse caso ela estaria sendo aprofundada.
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