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17° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas

Panorama da Pesquisa em Artes Visuais – 19 a 23 de agosto de 2008 – Florianópolis

MÁRIO PEDROSA: DIÁLOGO ENTRE A CRÍTICA E A HISTÓRIA DA ARTE

Maria Lúcia Bastos Kern - PUCRS

Resumo:

O presente ensaio tem em vista analisar o pensamento de Mário Pedrosa,


como crítico de arte, circunscrito às suas reflexões relativas às práticas artísticas dos
anos de 1960 e à sua percepção de mudanças de paradigmas da arte moderna. Esse
estudo procura fazer dessas reflexões o meio de compreender as intersecções entre a
crítica de arte e a história da arte. Com isto, não se pretende dar conta da
complexidade de seu pensamento como um todo, mas considerar os textos mais
pertinentes para o fim que se propõe esse estudo.
Palavras-Chave: Modernidade, Pós-Modernidade, Crítica de Arte, História da Arte.
Abstract:
This paper aims to examine the thought of Mario Pedrosa, as critic of art,
confined to their reflections on the artistic practices of the years of 1960 and
their perception of changes in the paradigms of modern art. The study tries to
do these reflections the means to understand the intersections between art
criticism and history of art. With this, is not intended to give an account of the
complexity of their thinking as a whole, but consider the text more relevant to
the end that is proposing the study.
Keywords: Modernity, Post-Modernity, Critique of Art, History of Art.

Desde 1946, Mário Pedrosa se dedica à atividade de crítico de arte, num


momento em que o Brasil passa por um processo de modernização, que a
burguesia começa a investir na criação de novas instituições de arte e em
obras e que os artistas aos poucos abandonam a figuração. Ele exerce um
papel, extremamente, importante junto aos artistas, estimulando-os a fazerem
novas pesquisas; e junto ao público cujo olhar necessita ser educado para
acompanhar as mudanças que estão se processando no campo da arte.
Pedrosa prepara os artistas e o público para o entendimento da arte, quando
escreve com regularidade no Correio da Manhã (1946-51) e, em 1957, no
Jornal do Brasil. i
Mário Pedrosa atua como crítico da arte da modernidade e nos anos de
1960 revela as suas dificuldades em aceitar as novas modalidades de obra.
“Todos nós estivemos ligados à arte moderna a víamos como uma arte com
futuro, progressista, companheira da nova arquitetura, pensando o homem
como um todo. (...) Uma arte que se pretendia (...) universal, levantando os
problemas da modernidade como forma de lutar por uma nova civilização”. E

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conclui: “A avalanche do mercado barrou nosso otimismo”. “O caos reinante


parte da arte mais recente, ‘pós-moderna’”. ii
O crítico vislumbra o processo de mudança das práticas artísticas e da
sociedade, levando-o a identificar a presença de outro momento, no qual a arte
moderna se extingue. Ele cria a denominação pós-moderna, visto que a nova
arte se distancia das premissas da arte moderna e que, ao mesmo tempo, ela
evidencia a sua própria crise. Nesse momento, o seu papel como crítico é
nomear e refletir sobre esse fenômeno totalmente novo. Por ser inédito,
Pedrosa é obrigado a trilhar distintos caminhos, no presente e no passado,
para poder entendê-lo e interpretá-lo. O olhar sobre o passado possibilita
comparar e elucidar as vivências culturais do presente, sem cair nas visões
restritas que pautam os discursos de muitos críticos de arte, dos anos 60.
Ele analisa as transformações sociais e do sistema capitalista pela ótica
marxista e, como tal, seu pensamento se encontra atrelado ao historicismo,
que se fundamenta nas noções de evolução, progresso, unidade e universal,
que na contemporaneidade são colocadas em xeque pela ciência e arte. A
visão utópica de um mundo perfeito no futuro não se constitui mais como meta
a ser atingida, nem a noção de arte total defendida pelo crítico. Com isto, ele
sente maior dificuldade em face às questões que a arte apresenta e procura
entendê-las e interpretá-las.
Pedrosa verifica nas grandes exposições nacionais e internacionais que
os artistas têm feito novas experiências, abandonando a pureza das antigas
categorias, como gravura, pintura, escultura, mas sem chegar a resultados
satisfatórios. Muitas dessas experiências já foram feitas e refeitas, e não têm
iii
mais o caráter de originalidade até então perseguido pelos artistas. A partir
dessa e outras constatações é que o crítico percebe o momento de crise
vivenciado pela arte.
Ao comentar o livro de Hebert Read, A arte de agora, agora, ele
identifica o Pop Art como o movimento que propicia o início das transformações
e justifica afirmando que as obras produzidas “abre(m) mão de qualquer
transcendência”, desmistificam “o conceito fátuo da obra de arte única e
iv
eterna”, que a seu ver são “fetiches intocáveis”. Com isto, ele constata a
mudança de estatuto da obra e, posteriormente, do público. A partir desse
momento, outros movimentos artísticos colocam em questão a atitude do

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público de contemplação, fazendo-o participar do processo criativo ao intervir


na obra. “A velha relação artista-contemplador” modifica-se “em uma nova em
que sujeito-artista e o sujeito-espectador” se unem “numa participação comum,
isto é, no objeto criado”. v
Para entender essas transformações, o crítico analisa a sociedade
industrial e de consumo de massa, na qual a política de mercado e a
publicidade permitem diagnosticar as motivações do Pop Art norte-americano.
Essa arte evidencia a “nostalgia do objeto” em plena “civilização do
desperdício, essência da civilização americana” que produz a “estética do
resíduo, da dejeção, do lixo”, presentes não só nas experiências pop, mas
também naquelas efetuadas pelo neo-realismo e outras práticas artísticas. vi
Uma das conseqüências dessas mudanças é o estímulo aos sentidos,
que transborda as “limitações estéticas individuais para traduzir num formidável
movimento de liberação humana, um dos traços mais profundos da revolução
cultural em marcha”. Pedrosa observa que essa liberação é uma das
modalidades de superação da arte moderna, “que se caracterizava sob a
vii
supremacia da visão sobre os outros sentidos”. Para ele, é também o meio
de abandonar os formalismos e convenções e de integração da arte à vida.
Ele recupera a interpretação de Read dos anos 60, como década de
predomínio do contexto niilista e acrescenta que a produção de arte se limita,
sobretudo, à “comunicação”, vinculada à lingüística e tem o caráter
viii
“eminentemente social”. Pedrosa acredita que esse fenômeno é decorrente
da necessidade dos artistas sobreviverem face à sociedade de consumo e às
políticas de mercado, bem como de se inserirem no mundo das técnicas de
comunicação modernas. Os artistas desprezam os cânones consagrados
“numa operação radical (para) desmistificar (...) a obra de arte. (...) Num
desespero de suprema objetividade, (...), (eles) negam a Arte, começam (...)
outra coisa, (...) cuja significação mais profunda ainda (eles) não têm perfeita
consciência”. ix
Esse fenômeno sócio-cultural é inédito e foge aos paradigmas
convencionais da arte moderna. “Chamai a isso de arte pós-moderna, para
x
significar a diferença”. Observa-se que ele não tem ainda um conceito
formalizado a respeito do pós-moderno, mas que faz um diagnóstico face às
práticas artísticas e sociais que se afastam dos parâmetros da modernidade.

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Para o crítico, os EUA representam esse modelo, que ele caracteriza como a
civilização do desperdício, do efêmero, do lixo e da sucata. Daí o Pop Art
representar a nostalgia do objeto, numa sociedade em que a produção
industrial se peculiariza pela fragilidade dos objetos e rápida superação. A
apropriação do objeto industrializado e de uso cotidiano pelos artistas
representa o gesto semelhante ao de Duchamp com os ready-made, porém
segundo os parâmetros estéticos negados por este artista.
No seu livro, “Mundo em crise, homem em crise, arte em crise”, Pedrosa
analisa a complexidade da civilização moderna e resgata nesta a valorização
xi
do sentido discursivo visual, em detrimento da expressão verbal e escrita.
Retoma a noção de “aldeia global” de Mc Luhan para explicar que toda a tribo
usa dos mesmos sentidos como condição de comunicação. Assim, a arte
contemporânea, como os meios de comunicação, através de “meios ópticos,
auditivos e até (...) do olfato”, explora todos os sentidos. O crítico constata que
a arte procura abarcar esse “mundo aberto de hoje”, para acompanhar a
expansão técnico-científica e as mudanças que estão se processando sob
temor de por fim a si - mesma. xii
Outra questão, decorrente da concepção de arte vinculada à teoria da
informação, é a noção de linguagem, usual nos anos 60, oriunda em parte do
pensamento de Cassirer, filósofo das formas simbólicas e do “caráter
significativo-simbólico da Arte”. Na sua acepção, a arte como linguagem é feita
de símbolos e comunica uma significação. Entretanto, Pedrosa salienta que os
símbolos lingüísticos têm valores cognitivos e informativos precisos e se
subordinam a determinados processos conceituais, “destinados a transmitir
informações de ordem abstrato-científica ou de ordem prática”. Já os símbolos
na arte são portadores de expressão sensível. Para Cassirer, a arte “é uma
interpretação da realidade” que não se faz por meio de conceitos e de
xiii
pensamento, mas através de intuições e formas sensoriais. Pedrosa
esclarece que a natureza e as funções dos símbolos em arte são distintas da
fala discursiva ou dos fins práticos informativos, “como os sinais de iluminação
e de trânsito”. Por isso, não podem ser transmitidos de um contexto ao outro,
como conceitos e palavras. Ele conclui que esses símbolos não são
discursivos, lógicos ou propositivos e que só “servem (...) na obra em que se
apresentam”, onde funcionam por sua qualidade expressiva. xiv Para ele, “o que

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a obra de arte exprime é algo de universal e permanente”, “uma organização


simbólica nova, perceptiva e imaginária”, cujos “traços jamais tiveram
existência prévia”. xv Logo, diferente da mensagem dos meios de comunicação.
Pedrosa resiste não só ao caráter de comunicação do Pop Art, mas
também ao fato dos artistas se apropriarem de objetos do design comercial e
da cultura de massa.
Além dessas observações, o crítico ao analisar as idéias de Susana
Langer, Cassirer e Bergson sobre intuição e formas simbólicas como cognição,
acrescenta à noção de arte como linguagem, que a imagem antecede ao
xvi
símbolo verbal. Posteriormente, ele afirma que o que “precede e prepara a
significação verbal é original e expressivo, é de domínio da intuição, logo do
conhecimento pela forma. Como linguagem discursiva, aquele conhecimento
implica relações cognitivas, cujas regras de integração e coordenação são
também de certo modo lógicas e abstratas, como sustenta Langer”. xvii
Observa-se que Pedrosa acompanha as reflexões e questões teóricas
que estão em debate, as grandes mostras nacionais e internacionais e as
discute em suas matérias jornalísticas. Graças a essa dinâmica, ele é sensível
às mudanças artísticas e verifica que elas não só se pautam mais sob
premissas da arte moderna e que não se constituem como um fenômeno
isolado e limitado à arte norte-americana. Em face dessas evidências, o crítico
de arte enfrenta o problema da complexidade dos fenômenos e da
precariedade dos suportes conceituais para o entendimento das funções que a
arte exerce num mundo em transformação. Pedrosa revisa as novas teorias
que fundamentam as artes, os estatutos das obras e do artista e o contexto
sócio-econômico em que essas são praticadas. Porém, ele não tem o
distanciamento suficiente para dar respostas mais definitivas. Mesmo assim,
ele retoma a modernidade para entender as obras e manifestações culturais
contemporâneas.
O crítico ao analisar o Pop Art e outras manifestações artísticas
contemporâneas, faz o percurso do historiador ao estabelecer constantemente
comparações com os movimentos e obras das vanguardas históricas. Nesse
procedimento metodológico de análise, ele manifesta claramente a sua
preferência pelas últimas, se justificando pela qualidade das obras, criatividade

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e expressão pessoal. Isto se evidencia também na sua resistência à arte norte-


americana do momento, ao considerá-la destituída desses valores.
“Nos Estados Unidos (Rauschenberg, Westerman e outros) entregaram-
se a juntar coisas disparatadas, não para efeitos líricos ou com intenções
oníricas (...), mas (para) produzir objetos inéditos entre a imagem e o conceito,
num esforço bem mais próximo da informação e da mensagem. Foi a fase mais
intensa dos catadores de detritos do meio urbano”.xviii
Pedrosa observa ainda que grande parte dos artistas Pop ao
trabalharem com técnicas gráficas e da comunicação são meros operadores de
instrumentos da cultura e da tecnologia americana, sendo estas as razões
dessa arte ter se tornado uma prática coletiva, em detrimento de um fazer
individual. Para ele, cujo pensamento moderno se estrutura pelo conceito de
gosto de Kant, como prazer desinteressado e pelas noções de qualidade e
pureza, torna-se difícil aceitar a integração da arte à vida, a mescla com as
atividades de outras áreas do conhecimento e a banalização do próprio fazer
artístico.
A objetividade, o efêmero e o caráter desmistificador das artes
contemporâneas provocam no crítico reações negativas que dificultam as suas
reflexões, tendo em vista que se contrapõem aos parâmetros da arte moderna.
Ele verifica que os conceitos com os quais trabalha habitualmente a arte já não
são possíveis de serem aplicados.
O crítico ao verificar as transformações de paradigmas percebe o
processo de crise em que a arte se encontra, considerando-a como
manifestação de antiarte. Pedrosa, diante desta convicção a respeito do Pop,
coloca em xeque também o papel do crítico de arte e dos métodos habituais de
análise da obra, tendo em vista que alguns de seus colegas a legitimam. Ele os
denomina de anticríticos: “Se o papel do crítico é estabelecer que antiarte seja
arte, talvez uma sibila venha profetizar a vinda dos anticríticos”. xix
Apesar de sua aversão à arte Pop e à política de mercado nos EUA, ele
observa que nas últimas bienais de Veneza são os artistas norte-americanos
os premiados, como por exemplo, Calder e Rauschenberg. Menciona ainda
que nos jardins da bienal é articulada a batalha simbólica, enquanto luta pelo
poder, produzida pelas inscrições provocadoras pregadas em cartazes, que
anunciam: “O centro mundial de arte deixou Paris por Nova Iorque”. Esse fato

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é, para ele, resultante da especulação e da publicidade, bem como da


mobilização da arte e dos artistas pelo Estado “para cobrir a face horrenda de
sua política imperialista”. xx
Pedrosa nos seus discursos aborda aspectos sociais e da história da
arte para entender os processos criativos contemporâneos e constata que a
sociedade norte-americana é a primeira a ter a sua forma de vida cotidiana
transformada pela produção em massa. Verifica ainda que no plano
institucional, Nova Iorque é a primeira cidade a criar um museu de arte
moderna, e que após os ‘ismos’ é o local onde emerge o movimento do action
xxi
painting, tendo a frente Pollock e seu teórico, Harold Rosenberg. Essas
novas práticas artísticas fazem de Nova Iorque um centro irradiador, no qual
elas atuam como representações simbólicas nacionais.
Como crítico da modernidade, Pedrosa identifica a arte como meio de
libertação do homem e valoriza a sua autonomia. Face às práticas artísticas
contemporâneas, Pedrosa é levado a refletir a respeito do trabalho do crítico de
arte. Até os anos 60, esse teria que ser um grande erudito, devendo dominar
os conhecimentos de muitas disciplinas específicas, como por exemplo, a
estética e a história da arte. Com o “abstracionismo e suas ramificações”, o
crítico tem que estudar a “Semântica, Semiótica, (da) Teoria da Informação à
Cibernética”, buscando constantemente novos conhecimentos interdisciplinares
para desvendá-los. Entretanto, ele verifica que o uso da “linguagem
extremamente apurada” dissolve-se com o advento do Pop Art e do Cinetismo.
O estatuto da obra modifica-se de tal maneira que o instrumental teórico
utilizado até então pela crítica entra em crise. Não há mais preocupação em
eternizar a obra com materiais duráveis, nem em seguir os princípios de
autonomia, qualidade e originalidade. Constata ainda a dessacralização do
fazer artístico, cultuado pelos modernos. Para ele, o artista não cultua mais a
arte, mas o objeto de desejo estimulado pelo consumo, como, por exemplo, a
Coca-Cola e a sopa Campbell.
Outra mudança observada por Pedrosa refere-se ao artista que no
xxii
contexto social dos anos de 1960 “se recusa à auto-expressividade”. Ele
sacrifica os valores abstratos e formais da arte moderna ao ter em vista apenas
informar e comunicar a partir de códigos convencionais. A positividade do fazer
artístico e a penetração em outros campos não são bem aceitas pelo crítico,

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porque banalizam a arte e se restringem, muitas vezes, a um universo


superficial, sem penetrar nas suas profundezas.
As vinculações da arte contemporânea com outras práticas culturais
acentuam os questionamentos dos críticos e historiadores que até então
trabalhavam com o conhecimento especializado e sob parâmetros da
modernidade. Além disto, a ausência de unidade da arte, as polêmicas
suscitadas e as suas constantes constituições dificultam a sua apreensão e
definição. O que vem a ser arte contemporânea? Qual o papel que esta exerce
no mundo atual? Quais os fundamentos teóricos e filosóficos que os críticos e
historiadores podem lançar mão para interpretar os objetos de arte em face à
derrocada dos princípios estéticos e das grandes narrativas históricas da
modernidade?
Os constantes processos de construção da arte contemporânea, a
pluralidade de práticas e a ausência de delimitação conceitual dificultam a sua
apreensão. A história do presente não apresenta uma delimitação de estudo
que seja muito diferente da crítica de arte. Ambas enfrentam o problema da
precariedade dos suportes conceituais e do entendimento das manifestações
da arte no mundo, no qual as transformações estão se processando.
As dificuldades e resistências são tantas que em 1969, o crítico de arte
norte-americano, Clement Greenberg, mesmo vivendo no meio cultural em que
a revolução está, em parte, ocorrendo, não percebe o Pop Art como
demarcador de fronteiras. Para ele, o Pop é concebido como “um novo
episódio na história do gosto, mas não um episódio autenticamente novo na
xxiii
evolução da arte contemporânea”. Esse crítico de formação kantiana,
formalista e preso às noções de originalidade e pureza dos suportes, não
percebe que a estética e a teoria da arte pautadas nessas categorias de
análise não dão conta da complexidade das novas práticas artísticas e
culturais.
Desde esse momento, ele deixa de exercer o papel de crítico que
descobre novos artistas qualificados e espreita o desconhecido, arriscando
previsões a partir de seu olho experimentado, porque não consegue mais
entender o Pop Art e outras manifestações artísticas. As categorias de pureza,
autonomia e de gosto universal não se aplicam, diante do hibridismo e da
mescla da arte com diferentes atividades práticas.

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Segundo Arthur Danto, é somente nas décadas de 1970 e 1980 que a


crítica de arte começa a definir a diferença marcante entre artes moderna e
contemporânea, visto que até esse momento não há ainda muita consciência a
respeito dos fenômenos que estão acontecendo. xxiv
A partir das considerações de Danto e das dificuldades de Greenberg
face às novas práticas, verifica-se que Pedrosa, mesmo vivendo num país
periférico, tem um olhar mais sensível e arguto sobre as mudanças que estão
se processando no mundo contemporâneo. Fato que lhe permite pensar sob
parâmetros mais flexíveis do que Greenberg e avançar suas reflexões a partir
de distintos campos do conhecimento.
Pedrosa revela nos seus discursos lucidez, ao compreender as
transformações que estão se produzindo e ao apontar em suas reflexões o fim
do paradigma moderno. Esta percepção faz dele não apenas um crítico arguto,
mas também historiador da arte ao conectar o presente com o passado.
Assim, ele utiliza perspectivas históricas para entender o processo artístico e
perceber com mais acuidade as mudanças que a cada momento ocorrem, bem
como as mudanças de paradigmas. Deste modo, a história da arte não se
configura apenas como memória e conhecimentos objetivos e sistematizados
do passado. O olhar sobre as práticas contemporâneas permite tanto ao crítico
de arte, quanto ao historiador comparar e refletir sob outras premissas a
respeito do passado e verificar as condições de criação da arte na atualidade.
xxv
É nesse sentido que Didi-Huberman defende o anacronismo como
meio fecundo de se entender as obras de artistas do passado, quando afirma
que o historiador não pode se contentar em fazer a história da arte sob o
ângulo da “euchronie”, isto é, sob o ângulo conveniente do artista e seu tempo.
As artes visuais exigem que se aborde sob ponto de vista de sua memória, de
“suas manipulações do tempo” e dos diálogos que os artistas estabelecem
entre si. Para ele, diante da imagem contemporânea o passado não cessa de
se reconfigurar, porque ela só é pensada numa construção de memória. Ela é
elemento de passagem e também de futuro.
Marc Bloch já defendia a necessidade do historiador se apoiar no
presente para melhor entender o passado e antes dele Aby Warburg utilizava o
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conceito de sobrevivências que repousa sob a noção de sintomas. Esta
noção parte do pressuposto de que as manifestações artísticas se vinculam à

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história, que elas evidenciam os seus diferentes sentidos e temporalidades. A


partir do processo de comparação entre as obras em distintos momentos
históricos, Warburg restabelece os diálogos praticados entre os artistas,
percebe as permanências e infere novos questionamentos. A identificação do
sintoma permite, assim, avançar o conhecimento.
A história da arte das grandes narrativas, de mestres e de obras-primas
desaparece diante das práticas contemporâneas e da ruptura de fronteiras dos
diferentes campos do conhecimento. Os discursos da crítica de arte que até
esse momento se apóiam nos paradigmas estéticos e científicos da
modernidade também se modificam.
Tanto a história, quanto a crítica buscam nas ciências humanas e
sociais subsídios para a interpretação da arte, apoiando-se em conceitos da
Antropologia e da Sociologia, ao conceber as obras como parte da cultura
visual, assim como ao procurar perceber as funções sociais, o estatuto da obra
e do artista e as questões relativas à recepção. A história e a crítica de arte que
até os anos 60 se encontram atreladas à análise formalista e à uma visão
teleológica, agora focalizam o seu objeto sob enfoque interdisciplinar, tendo em
vista a sua complexidade. Face às artes contemporâneas, ambas (história e
crítica) revisam seus pressupostos e se estruturam em diálogo com outros
campos do conhecimento.
Apesar do olhar moderno do crítico de arte, Mário Pedrosa revela nas
suas reflexões a consciência da necessidade de abordagens interdisciplinares
e de atualização teórica para analisar as novas práticas artísticas, bem como
do estabelecimento de conexões do presente com o passado. Graças à sua
formação erudita, ao profundo conhecimento de história da arte, ao constante
acompanhamento das produções dos artistas e aos procedimento
metodológicos, ele identifica os sintomas que evidenciam a mudança de
paradigma, isto é, um novo momento que denomina de pós-moderno.

i
A partir de 1946, ele trabalha também nos jornais Estado de São Paulo e Tribuna da Imprensa.
ii
Entrevista concedida a Roberto Pontual, Jornal do Brasil, 24 abril 1980. IN: ARANTES, Otília. Mário
Pedrosa diante da arte pós-moderna. Arte em revista, 7, CEAC, agosto 1983. p. 79.
iii
PEDROSA, M. Arte e invenção. IN: Mundo, homem, arte em crise. São Paulo: Perspectiva, 1975. p. 58.
iv
PEDROSA, M. Posfácio de READ, Hebert. A arte de agora, agora. São Paulo: Perspectiva, 1972. p.
162-164 IN: ARANTES, O. Op.Cit., p 81.
v
PEDROSA, M. Pósfácio. Op. Cit., p. 162-164.
vi
PEDROSA, M. A crise do condicionamento artístico. IN: Mundo, homem, arte em crise. São Paulo:
Perspectiva, 1975. p. 89.
vii
PEDROSA, M. Mundo em crise, homem em crise, arte em crise. Op. Cit., p. 217.

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viii
PEDROSA, M. A crise do condicionamento artístico. Op. Cit., p. 162-164.
ix
PEDROSA, M. Crise do condicionamento artístico. Op. Cit., p.92.
x
PEDROSA, M. Crise do condicionamento artístico. Op. Cit., p.92.
xi
PEDROSA, M. Mundo em crise, homem em crise, arte em crise. Op. Cit., p. 215-6.
xii
PEDROSA, M. Mundo em crise, homem em crise, arte em crise. Op. Cit., p. 218-220.
xiii
PEDROSA, M. Arte, linguagem internacional. IN: Mundo, homem, arte em crise. Op. Cit., p. 54.
xiv
PEDROSA, M. Arte, linguagem internacional. Op. Cit., p. 54.
xv
PEDROSA, M. A problemática da sensibilidade I. Op. Cit., p. 14.
xvi
PEDROSA, M. Das formas significantes à lógica da expressão. Op. Cit., p. 62
xvii
PEDROSA, M. Das formas significantes à lógica da expressão. Op. Cit., p. 66.
xviii
PEDROSA, M. Quinquilharia e Pop’ Art. Op. Cit., p. 178.
xix
PEDROSA, M. Quinquilharia e Pop’Art. Op. Cit., p. 176.
xx
PEDROSA, M. Veneza: feira e política das artes. Op. Cit., p. 83, 85.
xxi
PEDROSA, M. Veneza: feira e política das artes. (1966) p. 83. Harold Rosenberg, como Pedrosa, não
aceita o Pop Art, num momento em que o expressionismo abstrato é considerado como expressão
nacional nos EUA.
xxii
PEDROSA, M. Crise ou revolução do objeto. Op. Cit., p. 159.
xxiii
DANTO, A. Após o fim da arte. A arte contemporânea e os limites da História. São Paulo: Edusp, 2006.
p. 115.
xxiv
DANTO, A. Op. Cit., p. 6 e 14.
xxv
DIDI- HUBERMAN, G. Devant le temps. Histoire de l’art et anachronisme des images. Paris: Minuit,
2000. p. 10 e 39.
xxvi
Em 1893, Warburg publica “O nascimento da Venus” e “ A Primavera” de Botticelli e formula a hipótese
relativa à sobrevivência das expressões gestuais da Antigüidade, que supõem uma espécie de memória
inconsciente. Nessas pinturas, os movimentos das figuras e das vestes são relacionados com a dança e
as vestes são percebidas como iguais das ninfas da Antigüidade. Já Francastel em “Realidade Figurativa”
identifica nessas obras os espetáculos da Renascença. DIDI-HUBERMAN, G. Preface. IN: MICHAUD, P.
Aby Warburg et l’image en mouvement. Paris: Macula, 1998. p. 10 e 17. Ver os textos relativos às duas
pinturas em WARBURG, A. Essais florentins. Paris: Klincksieck, 1990. p. 49-100. Warburg identifica no
tratamento arcaizante, ornamental, anti-naturalista e anti-mimético das obras de Botticelli que as mesmas
deveriam ser motivadas pela filosofia antiga e, sobretudo, pela poesia de Ovídeo. Com isto, conclui a
respeito da diversidade em relação às obras de Rafael e Miguel Ângelo que se fundamentam num
conhecimento mais científico, do que literário e arqueológico. Constata ainda o posicionamento anti-
moderno de Botticelli ao não adotar os pressupostos do classicismo renascentista.

Referências Bibliográficas:
ARANTES, O. Mario Pedrosa diante da arte pós-moderna. Arte em Revista 7, CEAC,
ag. 1983. p 81.
____. Mário Pedrosa: intinerário crítico. São Paulo: Cosac&Naif, 2004.
____. Mário Pedrosa. Acadêmicos e modernos. São Paulo: Edusp, 2004.
DANTO, A. Após o fim da arte. A arte contemporânea e os limites da História. São
Paulo: Edusp, 2006.
DIDI- HUBERMAN, G. Devant le temps. Histoire de l’art et anachronisme des images.
Paris: Minuit, 2000.
MICHAUD, P. Aby Warburg et l’image en mouvement. Paris: Macula, 1998.
PEDROSA, M. Mundo, homem, arte em crise. São Paulo: Perspectiva, 1975.
READ, Hebert. A arte de agora, agora. São Paulo: Perspectiva, 1972
WARBURG, A. Essais florentins. Paris: Klincksieck, 1990.

CURRÍCULO RESUMIDO:
Maria Lúcia Bastos Kern é formada pela Universidade de Paris I e EHESS; professora
titular da PUCRS e pesquisadora do CNPq. Autora do livro Arte argentina: tradição e
modernidade; coordenadora de livros e autora de capítulos: Imagem e conhecimento;
América Latina: territorialidade e práticas artísticas; As questões do sagrado na arte
contemporânea da América Latina, Artes plásticas na América Latina contemporânea,
etc.

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