Sie sind auf Seite 1von 5

ARTIGO

Paulo M. d’Avila Filho*

Leituras sobre
exercício do poder
para além
da política
[...] como a desigualdade existe de início, há duas orientações possíveis:
a que tende a apagar a desigualdade pelo esforço social; e a outra que, pelo
contrário, tende a recompensar todos na base de suas qualidades desiguais.
Weber afirmava [...] que entre essas duas tendências antitéticas [...] não há
escolha governada pela ciência, todo homem escolhe seu Deus ou seu
demônio por si mesmo (Raymon Aron).

O clientelismo é um destes termos que, como o populismo, usamos de

forma recorrente para explicar certos males nacionais que seriam prove-

nientes de uma condição inescapável de país atrasado. Diagnóstico

que vem acompanhado de todos os subprodutos que lhe são peculiares.

Uma elite constituída de “raposas velhas” que manipulam um povo

ignorante e indefeso em função da sua miséria e baixa escolaridade.

JUNHO 2008 3
ARTIGO

Assim, populismo e clientelismo são tem acesso a eles. A especificidade do caráter


expressões que nos vêm à mente de imediato clientelista da troca política diz respeito aos
quando nos defrontamos com determinada termos não regulados pela lei – embora não
forma de exercício do poder político com a qual seja necessariamente ilegal –, mas fundados
não compartilhamos. São termos “guerreiros”, em acordo político ou na expectativa mútua
freqüentemente utilizados para desqualificar a entre patronus e cliente em auferir benefícios
ação política de um outro. com a troca.
Designam certo tipo de exercício do
poder que considera demandas específicas
Marca do atraso brasileiro
de um potencial eleitor em seu cálculo polí-
tico, obtendo algum tipo de apoio por parte Os problemas de interpretação e aplicação do
desses demandantes. Quando conceito em nosso dia-a-dia não são aleatórios.
o mesmo cálculo preside ações O tema do clientelismo é recorrente na litera-
Populismo que consideramos positivas, tura brasileira. Uma determinada percepção de
chamamo-las de representa- que seríamos um país atrasado com relação às
e clientelismo ção democrática de interesses.
Clientelismo, no entanto,
conquistas de liberdade e igualdade, alicerces
de uma ordem exitosa nos modernos países
industriais, sugere essa chave de interpretação
são termos é um conceito que descreve
uma relação de troca política. das mazelas nacionais.
Um tipo de troca distinta das Com base nessa perspectiva, ocorre
“guerreiros”, trocas sociais em geral, mais uma estreita associação entre formas cliente-
inespecíficas, pois trocamos so- listas de dominação e o fenômeno do atraso.
freqüentemente cialmente de tudo: afetos, re- Essa identificação acaba por desagregar o valor
des de contatos, presentes etc. heurístico do conceito ao subsumi-lo a um con-
utilizados para Diferente, também, das trocas
econômicas, regularmente bem
junto de denominações correlatas, porém não-
idênticas ao do domínio tradicional.
De um lado, aqueles que creditam os
desqualificar mais específicas – trocas de
bens envolvendo mercadorias em males nacionais ao mandonismo privado das
uma racionalidade monetária. oligarquias – cujo corolário do diagnóstico
a ação política O que há em comum en- aponta a captura das estruturas de poder por
tre as trocas sociais e as trocas parte dessas oligarquias. De outro, os que
de um outro econômicas é que podem acon- apontam o caráter patrimonialista do Estado
tecer entre atores sociais mais brasileiro como grande impedimento à consti-
ou menos assimétricos, entre tuição do que seria a “boa ordem”, em cujo
iguais ou entre sujeitos hierarquicamente dis- diagnóstico imputa à cooptação pelas estru-
postos. A troca pode, até mesmo, servir como turas de poder do Estado a responsabilidade
meio de definição hierárquica dos participan- sobre a ausência de uma sociedade pujante,
tes, como nos sugere Marcel Mauss, no qual o autônoma e empreendedora.
mais generoso é também o mais poderoso. Esses olhares marcam as leituras sobre
As trocas políticas, por sua vez, se carac- o clientelismo no Brasil. A confusão que deriva
terizam por serem sempre assimétricas, seja dessa associação corrobora a dificuldade de
do ponto de vista do observador ou dos troca- entendimento e de uso do conceito mais recen-
dores. Assimétrica porque opera em um eixo temente. Ainda que sejam, patrimonialismo e
vertical no qual um dos participantes da troca, mandonismo, formas de clientelismo, não en-
o demandante – classicamente chamado de cerram a amplitude do conceito.
cliente –, independente de sua posição social O clientelismo acaba sendo encarado de
ou status, deseja obter as benesses dos recur- modo estático pelas duas linhas de interpre-
sos de autoridade política que um outro – tradi- tação. Isso ocorre quando é explicitamente
cionalmente chamado de patronus –, de algum identificado com formas tradicionais, pré-mo-
modo, controla ou influencia. São os chama- dernas de controle político (que tenderiam a
dos recursos patrimoniais do Estado sob ges- desaparecer com a modernização da socie-
tão dos poderes públicos. Toda a sociedade, dade), ou como categoria residual, que sobre-
como nos sugere Weber, funda sua estrutura vive por meio dos mecanismos igualmente
de organização e poder com base no maior identificados com o atraso ou com formas
ou menor controle desses recursos e no cará- não-democráticas de organização política –
ter inexoravelmente discricionário com que se que permanecem como terreno fértil para

4 DEMOCRACIA VIVA Nº 39
LEITURAS SOBRE EXERCÍCIO DO PODER PARA ALÉM DA POLÍTICA

práticas clientelistas em meio à modernização ou tradicional – vista como estática e resi-


brasileira, acompanhada pela instabilidade de dual – e a política “radical” – democrática
suas instituições, pela desigualdade social e ou moderna –, tanto nas esferas populares
pela exclusão política. como nas legislativas.
Desse modo, todo o problema é visto Longe de simplesmente suprimir rela-
como partindo de uma fórmula dicotômica: ções de clientela, o aumento da competição
clientelismo/atraso – universalismo/moderno. política vem reduzindo a distância ou a desi-
Cidadania e clientelismo são, assim, termos anti- gualdade entre patronus e clientes, possibili-
téticos. O primeiro tende a suplantar o segundo tando novos formatos e maior espaço de nego-
à proporção que a sociedade se moderniza. ciação entre as partes, com incidência direta
O clientelismo como forma de entre- sobre as possibilidades do arranjo.
laçamento entre Estado e setores popula- A recente transição para a democracia
res não pode se modernizar, alterando suas testemunhou o grande aumento das dispu-
fórmulas, com as instituições da sociedade. tas inter e intrapartido pelos votos. Da mesma
O problema parece ser a insistência em uma forma, o crescimento das organizações da
distinção inflexível entre a política clientelista sociedade civil vem configurando um cenário
MARIANA SANTARELLI

JUNHO 2008 5
ARTIGO

pluralista cada vez mais poliárquico, que incre- poder, presentes no seio da troca política.
menta a competição entre lideranças e associa- As outras formas de troca serão autorizadas
ções de perfil popular. por uma hierarquia de poder legitimada por
Se esse diagnóstico é correto, permite- leis, consensos, costumes.
nos inferir que a democratização, o aumento da O entendimento central dessas consi-
competição política, a modernização, a univer- derações para a análise seguinte sobre o fenô-
salização do voto, o aumento da participação meno do clientelismo é de que o que se troca
e a organização da sociedade civil não contra- em política não são favores pessoais, como acon-
ditam ou excluem formas de clientelismo polí- tece entre indivíduos comuns. São favores de
tico, mas criam novas possibilidades de arran- autoridade. Em política, são os benefícios do
jos clientelistas, como apontam diversos autores, exercício da autoridade que entram na troca.
entre eles, Eli Diniz (1982); Luiz Henrique N. Os favores de autoridade não se restrin-
Bahia (1997); José Murilo de Carvalho (1998); gem, é verdade, à autoridade pública, no sen-
Robert Gay (1999) e Paulo d’Avila Filho (2000). tido da burocracia nomeada ou concursada, ou
Tais fatores permitem a configuração de dos legisladores ou executivos eleitos. Têm a ver,
um cenário onde, dentro de contextos demo- também, com as trocas que envolvem o jogo
cráticos competitivos, a alteração na correla- de poder dos diferentes grupos econômicos.
ção de forças promovida pela necessidade de As trocas patrimoniais hierárquicas ou
atendimento à reivindicação de seus “clientes” assimétricas não são prerrogativas apenas do
por parte dos patronus leva à possibilidade poder público, tampouco estão circunscritas
de pensarmos esses arranjos a partir de uma contemporaneamente ao formato do mando-
perspectiva ex parte populis. Ou seja, como nismo local. Elas não se limitam ao patrimonia-
instrumento estratégico de política por parte lismo de Estado, tão caro à tradição patrimo-
desses clientes, e não apenas ex parte principis. nialista, e assumem formas mais modernas do
Altera-se, dessa forma, o tradicional ângulo de que aquelas denunciadas pela literatura que
análise do fenômeno. opera no eixo do mandonismo.
A questão central em debate é se, ao
falarmos de clientelismo, estamos diante de uma
Raiz da questão
herança, resíduo de uma sociedade hierarqui-
zada embutida dentro da sociedade moderna. A partir das considerações feitas, é possível
Se assim for, estaremos vivendo em uma soci- analisar que o clientelismo se enraiza intrinse-
edade que ainda não se modernizou completa- camente na hierarquia inerente a toda organi-
mente e, ao fazê-lo, destruiria esses resíduos. zação. Não constitui, por isso só, um resíduo
Ou, de outra forma, estamos diante de um tipo da sociedade tradicional, um corpo estranho
de relação política que, ao contrário de defi- na sociedade do capitalismo.
nhar, tenderia a assumir formas de expressão O clientelismo se manifesta em todos
que disfarçam o seu conteúdo original e frus- os modos de poder, concorrendo para sua
tram as expectativas de superação de traços conservação e distribuição nos espaços não
considerados residuais e passageiros. regidos pela lei. Pode ser, até mesmo, uma
Na gênese de toda a ordem social, con- forma de costume. No passado, essencial-
tudo, está presente uma macrotroca política. mente, e em nossa época, o clientelismo apa-
Da gênese grega aos clássicos modernos até o rece como fator endógeno às sociedades estru-
debate contemporâneo, estão presentes dife- turadas. Não podem elas – organização e
rentes teorias acerca dos fundamentos da “boa hierarquia – prescindir dele, como nos suge-
ordem”, da justiça e dos governos. Todas elas, riu Luiz Henrique Bahia (2003), em seu livro
no entanto, estão se referindo a processos de O poder do clientelismo.
macrotroca política – nos quais os sujeitos Alguns trabalhos de análise empírica
sociais trocam a obediência por alguma noção feitos em contextos de alegada expansão dos
de ordem pública, bem coletivo, regras ou direitos de cidadania, como nos Estados Unidos
garantias. Esse processo permitirá o funciona- da América, reforçam o argumento de que o
mento das sociedades. clientelismo será uma forma de intermedia-
A troca econômica não será possível, ção de interesses onde quer que tenhamos
no sentido macro, sem um mínimo de ga- assimetrias políticas sobre os benefícios patri-
rantia fornecido pela troca política. A caracte- moniais. Ou seja, tanto em contextos ditos
rística fundamental a toda organização será menos desenvolvidos como em países consi-
a produção de hierarquias e assimetrias de derados de democracia avançada.

6 DEMOCRACIA VIVA Nº 39
LEITURAS SOBRE EXERCÍCIO DO PODER PARA ALÉM DA POLÍTICA

Aqui como lá ou alhures, o clientelismo REFERÊNCIAS * Paulo M.


se apresenta como estratégia moderna de d’Avila Filho
BAHIA, L. H. N. Raízes e fundamentos de uma teoria de troca
obtenção de benefícios por parte dos atores política assimétrica/clientelística. 1997. Tese Doutor em Ciência
sociais minimamente organizados e desejosos (Doutorado em Ciência Política) – Iuperj, Política pelo Iuperj,
de auferir determinados benefícios, os clien- Rio de Janeiro. mimeo. professor e pesquisador
. O poder do clientelismo. Rio de Janeiro: do Programa de
tes, com os detentores legítimos dos benefí-
Renovar, 2003. Graduação e de
cios patrimoniais, materiais ou simbólicos, CARVALHO, J. M. de. “Mandonismo, coronelismo e clientelismo: Pós-graduação em
seus patronus. uma discussão conceitual”. In: . Pontos
Ciências Sociais
Visto por esse ângulo, portanto, o clien- e bordados, escritos de história e política.
do Departamento
Belo Horizonte: UFMG, 1999.
telismo não pode mais ser descrito como fe- de Sociologia e Política
D´ÁVILA, P. F. Democracia, clientelismo e cidadania: a experiência
nômeno relacionado ao atraso ou à miséria. da PUC-Rio
do orçamento participativo no modelo de gestão
Ocorre nos chamados países avançados tanto pública da cidade de Porto Alegre. 2000. <pdavilaf@puc-rio.br>
como no terceiro mundo. É realizado por gran- Tese (Doutorado em Ciência Política e Sociologia) –
des empresas e conglomerados econômicos Sociedade Brasileira de Instrução (SBI/Iuperj),
Rio de Janeiro. mimeo.
dispostos a auferir benefícios de regulação ou
DINIZ, E. Voto e máquina política, patronagem e clientelismo
outros, e também por grupos mais ou menos no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
organizados em comunidades de baixa renda. GAY, R. Rethinking clientelism: demands, discourses and practices
Não há nenhuma relação entre a prática do in contemporary Brazil. Conecticut: Conecticut College,

clientelismo e o grau de escolaridade. 1998. mimeo.

Outra perspectiva
É possível, com base na perspectiva aqui Os mecanismos que fazem parte da tro-
adotada, reconsiderar o conceito de cliente- ca política assimétrica/clientelista ocupam
lismo sustentando dois pontos fundamentais: espaços vazios, onde não há garantias legais,
a) chamar a atenção para alguns problemas não constituem direitos, mas também não
provenientes da percepção do clientelismo constituem, necessariamente, ilegalidades.
como um resíduo – marca do atraso que ten- Fazem parte do universo possível das trocas
deria a ser superado por um processo de políticas entre atores políticos socialmente
modernização democrático –, o que tem di- interessados. Assim, o clientelismo conde-
ficultado a compreensão do fenômeno como nável será freqüentemente o clientelismo
endógeno à organização do poder político e bem-sucedido do outro, não a minha troca
como fórmula moderna de intermediação de política legítima.
interesses; b) sugerir a possibilidade de se pen- A única possibilidade de eliminação das
sar o clientelismo como estratégia popular de trocas políticas assimétrico-clientelistas de um
obtenção de benefícios – particularmente, em contexto social qualquer é na imaginação de
contextos de baixa institucionalização de ca- uma ordem social que elevasse ao limite a
nais de acesso aos centros de decisão política, máxima próxima da fabulação rousseauniana
canais que organizam a distribuição patrimo- – na qual a vontade geral ou a vontade do
nial de bens e serviços e que se constituem em demos e a autoridade política são uma e
poderoso instrumento de aquisição de apoio mesma coisa. Imaginação política na qual está
político por parte do patronus. eliminado o caráter discricionário do controle
É possível sustentar, ainda, que o cliente- dos recursos materiais ou simbólicos da au-
lismo é um fenômeno relacionado ao acesso toridade política inerente à ordem social que
e à exclusão de bens e serviços não regulados conhecemos, visto que todos, como autori-
diretamente pela ordem jurídica e pelos va- dade política, controlam todos os recursos
lores de mercado. em nome do todo e do bem comum.

JUNHO 2008 7

Das könnte Ihnen auch gefallen