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A TOLERÂNCIA REPRESSIVA DO MULTICULTURALISMO

Slavoj Žižek

(Elogio da Intolerância, Lisboa, Relógio de D'Água, 2006, pp. 71-71)

Como é, então, que o universo do Capital se liga à forma do Estado-nação, na nossa era
de capitalismo planetário? Talvez a melhor maneira de designarmos esta relação seja falarmos de
«autocolonização»: com o funcionamento multinacional directo do Capital, já não assistimos à
oposição habitual entre metrópoles e países colonizados; uma multinacional corta o cordão
umbilical que a ligava à sua nação-mãe e ameaça o seu país de origem da mesma maneira que
qualquer outro território a colonizar. É isso que perturba profundamente os populistas de direita
de propensão chauvinista, de Le Pen a Buchanan: o facto de as novas multinacionais terem
exactamente a mesma atitude perante a população francesa ou americana local que perante a
população do México, do Brasil ou de Taiwan. Não haverá uma espécie de justiça poética nesta
viragem auto-referencial do capitalismo global contemporâneo, que funciona como uma espécie
de «negação da negação», depois do capitalismo nacional e da sua fase
intemacionalista/colonialista? No início (no ideal, evidentemente), existe um capitalismo
circunscrito aos limites de um Estado-nação, acompanhado por um comércio internacional
(trocas entre Estados-nação soberanos); o resultado é a relação de colonização, em cujos termos
o país colonizador subordina e explora (nos planos económico, político, cultural) o país
colonizado; o desfecho deste processo constitui o paradoxo da colonização, quando já não
existem senão colónias, e já não há país colonizador — o poder colonizador já não é um Estado-
nação, mas directamente a multinacional. No longo prazo, deveríamos não só usar, todos nós, T-
shirts de repúblicas das bananas, mas também viver em repúblicas das bananas.

O multiculturalismo é, naturalmente, a forma ideal da ideologia deste capitalismo


planetário, a atitude que, de uma espécie de posição global vazia, trata cada cultura local à
maneira do colono que lida com uma população colonizada — como «indígenas» cujos costumes
devem ser cautelosamente estudados e «respeitados». O que quer dizer que a relação entre o
colonialismo imperialista tradicional e a auto-colonização capitalista planetária é exactamente a
mesma que a existente, nos nossos dias, entre o imperialismo cultural ocidental e o
multiculturalismo: da mesma maneira que o capitalismo global induz o paradoxo de uma
colonização sem metrópole, sem Estado-nação colonizador, o multiculturalismo induz uma
distância eurocentrista paternalista e/ou um respeito por culturas locais arrancadas à cultura
particular que era a sua. Noutros termos, o multiculturalismo é uma forma de racismo denegada,
invertida, auto-referencial, um «racismo com distância»: respeita a identidade do Outro,
concebendo-o como uma comunidade «autêntica» fechada sobre si mesma, em relação à qual o
adepto do multiculturalismo mantém, pelo seu lado, uma distância que torna possível a sua
posição universal privilegiada. O multiculturalismo é um racismo que esvazia a posição que é a
sua de qualquer nota positiva (o defensor do multiculturalismo não é um racista aberto e
declarado, não opõe ao Outro os valores particulares da sua própria cultura), mas conserva,
todavia, essa posição como o ponto vazio de universalidade privilegiado a partir do qual é
possível apreciar (e depreciar) de maneira apropriada outras culturas particulares: o respeito do
multiculturalismo pela especificidade do Outro é precisamente a forma adoptada pela afirmação
da sua própria superioridade.

Mas que dizer do contra-argumento bastante evidente que sustenta que a neutralidade do
defensor do multiculturalismo é falsa, uma vez que a sua posição privilegia silenciosamente um
substrato eurocentrista? Estamos perante uma argumentação justa, mas por uma má razão. O
fundamento cultural particular ou as raízes que subjazem sempre ao posicionamento universal do
multiculturalismo não são a sua «verdade», que se dissimularia a coberto da máscara da
universalidade («o universalismo do multiculturalismo é de facto eurocentrista...»), mas antes o
contrário: o corante das identidades particulares é a barreira fantasmática que dissimula o facto
de o sujeito estar já totalmente «desenraizado», o facto de a sua verdadeira posição ser
desprovida de universalidade.

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