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EDUCACÂO BRASILEIRA:

TEMAS EDUCACIONAIS E PEDAGÓGICOS


1 HISTÓRIA DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO.
O pensamento pedagógico brasileiro passa a ter mais autonomia com o desenvolvimento das teorias da Escola Nova. Até o final do
século XIX, nossa pedagogia reproduzia o pensamento religioso medieval. Com o pensamento iluminista a teoria da educação brasileira
pôde dar alguns passos.
Em 1924, com a criação da Associação Brasileira de Educação (ABE) nosso maior objetivo era o de reconstruir a sociedade
através da educação. Na década de 20, reformas importantes impulsionaram o debate intelectual, superando a educação jesuíta tradicional
que dominava o pensamento pedagógico brasileiro desde os primórdios.
Com os jesuítas, tivemos um ensino de caráter verbalista, retórico, repetitivo, que estimulava a competição através de prêmios e castigos.
Era uma educação que reproduzia uma sociedade perversa, dividida entre analfabetos e doutores.
Rui Barbosa fez um balanço da educação até o final do Império em dois pareceres: o primeiro sobre o ensino secundário e superior e o
segundo sobre o ensino primário. Neles Rui Barbosa prega a liberdade de ensino, a laicidade da escola pública e a instrução obrigatória. O
balanço mostrava o nosso atraso educacional, a fragmentação do ensino e o descaso pela educação popular, que predominaram até o Império.
O movimento anarquista também teve interesse na educação no início do século. Para os anarquistas, a educação não era o principal
agente desencadeador do processo revolucionário, mas precisariam acontecer mudanças na mentalidade das pessoas para que a revolução
social fosse alcançada.
O pensamento pedagógico libertário teve como principal difusora Maria Lacerda de Moura (1887-1944) que propôs uma educação que
incluísse educação física, educação dos sentidos e o estudo do crescimento físico. Moura afirmava que, além das noções de cálculo, leitura,
língua prática e história, seria preciso estimular associações e despertar a vida interior da criança para que houvesse uma autoeducação.
Em 1930, a burguesia urbano-industrial chega ao poder e apresenta um novo projeto educacional. A educação, principalmente a pública,
teve mais espaço nas preocupações do poder.
Foi com o Manifesto dos pioneiros da educação nova que houve o primeiro grande resultado político e doutrinário de 10 anos de luta
da ABE em favor de um Plano Nacional de Educação. Outro grande acontecimento foi em 1938, com a fundação do Instituto Nacional de
Estudos Pedagógicos (Inep), realizando o sonho de Benjamin Constant que havia criado em 1890 o Pedagogium. Em 1944, o Inep inicia a
publicação da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, que é um precioso testemunho da história da educação no Brasil, fonte de
informação e formação para educadores brasileiros até hoje.
Depois da ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945), começa um período de redemocratização no país que é interrompido com o golpe
militar de 1964.
Neste intervalo de tempo, em que as liberdades democráticas foram respeitadas, o movimento educacional teve um novo impulso,
distinguindo-se por dois movimentos: o movimento por uma educação popular e o movimento em defesa da educação pública.
Em ambos os movimentos existem posições conservadoras e progressistas. O ideal seria unir os defensores da educação popular que se
encontravam nos dois movimentos, os que defendiam uma escola com nova função social, formando a solidariedade de classe e lutando por
um Sistema Nacional Unificado de Educação Pública.
Essa unidade passou a ser mais concreta a partir de 1988, com o movimento da educação pública popular, sustentado pelos partidos
políticos mais engajados na luta pela educação do povo.
A maior contribuição de Paulo Freire deu-se no campo da alfabetização de jovens e adultos. Seu trabalho de formação da consciência
crítica passa por três etapas que podem ser descritas da seguinte forma: a) etapa da investigação, na qual se descobre o universo vocabular,
as palavras e temas geradores da vida cotidiana do alfabetizando; b) etapa de tematização, em que são codificados os temas levantados na
fase anterior de tomada de consciência; c) etapa de problematização, na qual se descobrem os limites, as possibilidades e os desafios das
situações concretas, para se tomar na práxis transformadora. O objetivo final de seu método é a conscientização. Sua pedagogia é para a
libertação na qual o educador tem um papel diretivo, mas não o bancário, é problematizador, é ao mesmo tempo educador e educando, é
coerente com sua prática.
No pensamento pedagógico contemporâneo, Paulo Freire situa-se entre os pedagogos humanistas e críticos que deram uma contribuição
decisiva à concepção dialética da educação. Não se cansa de repetir que a história é a possibilidade e o problema que se coloca ao educador
e a todos os homens é saber o que fazer com ela. Florestan Fernandes (1920), com sua sociologia, criou um novo estilo de pensar a realidade
social, por meio da qual se toma possível reinterpretar a sociedade e a história, como também a sociologia anterior produzida no Brasil.
Para Luiz Pereira (1933-1985) a solução dos problemas enfrentados dentro da escola depende da solução dos problemas externos a ela,
que envolvem aspectos econômicos e sociais. Ele criticou a maioria dos pedagogos que desconsideravam esses aspectos extraescolares e que
acreditavam que a escola, por si só, transformaria a sociedade.
No início da década de 90, o discurso pedagógico foi enriquecido pela discussão da educação como cultura. Temas como diversidade
cultural, diferenças étnicas e de gênero começaram a ganhar espaço no pensamento pedagógico brasileiro e universal.
Os educadores e pedagogos da educação liberal defendem a liberdade de ensino, de pensamento e de pesquisa, os métodos novos
baseados na natureza da criança. Segundo eles, o Estado deve intervir o mínimo possível na vida de cada cidadão particular. Os
católicos também podem ser incluídos no pensamento liberal, embora existam alguns mais conservadores. Nessas tendências existem
defensores da escola pública e defensores da escola privada. Mas tem em comum uma filosofia do consenso, isto é, não reconhecem na
sociedade o conflito de classes e restringem o papel da escola ao pedagógico somente.
Os seguidores da educação progressista defendem o envolvimento da escola na formação de um cidadão crítico e participante da
mudança social. Dentro deste pensamento encontramos correntes que defendem várias posições para a escola: para uns, a formação da
consciência crítica passa pela assimilação do saber elaborado; para outros, o saber técnico-científico deve ter por objetivo o compromisso
político.
O pensamento pedagógico brasileiro é rico e está em movimento, e tentar reduzi-lo a esquemas fechados seria uma forma de esconder
essa riqueza e essa dinâmica.
1.1 TEORIA DA EDUCAÇÃO, DIFERENTES CORRENTES DO PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO.

Corrente tradicional
A escola tradicional, que reinou soberana até a decana de 1950, tem o professor como foco central, orientando o conteúdo do ensino do
proporcionar ao aluno o conhecimento da evolução das ciências e das grandes realizações da civilização, através da História.
O academicismo e a teoria prevalecem sobre a visão prática, na medida em que o conservadorismo dificulta os processos da inovação e
tomam o currículo excessivamente rígido e conteudista. Predomina o que se denominou “educação bancária”, que faz o aluno um recipiente
passivo em relação ao conhecimento, modelando os currículos como sínteses descritivas dos modelos pré-existentes. Não confere o devido
estimulo à pesquisa, com vistas à invenção e ao desenvolvimento das inovações.
O aluno tende a acumular informações isoladas sobre cada ciência, o que dificulta a percepção da realidade, em relação à teoria. A
educação sistemática é complementada pela família e, de alguma forma, pela igreja.
O professor é o centro do processo de transmissão do conhecimento, monopolizando e transmitindo os saberes de forma sistemática
e padronizada, de acordo com modelos pré-estabelecidos. Como centro de todo processo de aprendizagem, o professor conduz a aula sozinho,
e, através de sua autoridade, procura induzir o aluno à memorização e à repetição.
A pedagogia da escola tradicional é uma proposta de educação centrada na figura do professor, cuja função abrangente vai desde ensinar
a matéria e corrigi-la, até acompanhar o desenvolvimento dos alunos, aconselhando e orientando-os. A metodologia tradicional tem como
princípio a transmissão dos conhecimentos através da aula do professor, geralmente expositiva e sequencialmente predeterminada e fixa,
conferindo ênfase à repetição de exercícios, com exigências de memorização dos conteúdos.
Prisioneira de um currículo que revela um conteúdo programático inflexível, essa vertente tende a valorizar o conteúdo livresco, a
quantidade e àquilo que Paulo Freire chamou de “Educação Bancária”: reduz o aluno a um mero receptáculo do saber, menosprezando e
subestimando seu potencial holístico.
Dessa forma, o professor fala, enquanto o aluno ouve e “apreende”, o que não propicia ao sujeito que “aprende” (ou deveria estar
aprendendo) um papel ativo e autônomo na construção dessa aprendizagem - aceita e vista, por sua vez, como vinda de fora para dentro.
Muitas vezes, esse tipo de educação pouco leva em consideração o universo que cerca a criança, ou melhor, o que ela aprende fora da escola,
bem como seus esforços espontâneos na tentativa de construção pessoal e coletiva de um corpo função da escola é transmitir conhecimentos
significativo de conhecimento. Enfim, a autoridade do professor - como “vetor-transmissor” detentor de todo saber - é a principal força
motriz que rege o espírito dessa vertente.
No contexto do modelo tradicional de ensino, a principal disciplina para a formação geral do aluno formação essa que o levará a sua
adequada inserção posterior na sociedade, bem como poder optar por uma profissão valorizada.
Essa pratica pedagógica, na grande maioria das escolas que a adotam, caracteriza-se pela sobrecarga de informações que são veiculadas
aos alunos, os que o toma, muitas vezes o processo da aquisição de conhecimento burocratizado e destituído de significação prática para a
vida do aluno.
Dessa forma, a postura de uma escola tradicional tende a ser excessivamente conservadora. No processo de alfabetização, apoia-se
principalmente nas técnicas para codificar/decodificar a escrita, não se levando em conta a escrita espontânea da criança em fase de
alfabetização, sendo a cartilha sequencialmente seguida, ao pé da letra, pois é considerada a base do processo de alfabetização.

Corrente Comportamental

Na corrente comportamental predomina o método científico, visando à experimentação cientifica. O homem é o produto do meio
ambiente e deve ser orientado no sentido de exercer o sentido pleno sobre a natureza. A educação e o ensino devem enfatizar o conhecimento
do mundo exterior, de serem orientados dentro de um processo de transmissão de cultura de geração em geração, visando adequar o
indivíduo para o convívio coletivo, em sociedades civilizadas.
A escola é voltada para as questões sociais, com vistas à harmonia social. A mudança do indivíduo, que a escola se propõe a fazer,
consiste na transfonnação de seu comportamento, através do mecanismo da repetição e da punição aos resultados não alcançados. A
aplicação dos métodos científicos está voltada para a experimentação empírica.
Cabe ao professor o planejamento adequado dos conteúdos curriculares, de forma a promover o desenvolvimento eficaz do sistema de
aprendizagem. A situação do aluno é menos passiva em relação à aquisição do conhecimento, e de certa forma, passa a ser coresponsável
pelo controle do processo de aprendizagem.
Através da avaliação sucessiva, em várias etapas, procura-se averiguar se o aluno está realmente aprendendo e se estão sendo alcançados
os objetivos propostos pelo professor.
Principais expoentes dessa Escola: Skinner, Mager, Briggs, Prophan, GlaserPapay.

Corrente Montessoriana

A pioneira e fundadora desta corrente é Maria Motessori, fisioterapeuta e educadora, tendo desenvolvido, na Itália, em 1907, um
sistema educacional com materiais didáticos que objetivam despertar interesse espontâneo na criança, obtendo uma concentração natural
nas tarefas, para não cansá-las ou desinteressá-las. Diverge fundamentalmente da escola tradicional. Até os dias de hoje o método é
considerado original no sentido em conferir total liberdade as crianças que, por sua vez, permanecem livres para se movimentarem pela sala
de aula e suas próprias atividades, utilizando materiais apropriados, tentando sempre gerar o ambiente propício à autoeducação. A
manipulação desses materiais em seus aspectos multissensorial é, igualmente, mn fator fundamental para o aprendizado da linguagem,
matemática, ciências e prática de vida.
O aprendizado da leitura e da escrita se inicia mais cedo, com crianças antes da idade de 05 anos. Os agrupamentos não seguem
delimitações de idade muito rígidas: procura-se agrupar crianças de faixas etárias diferentes, ou seja, com diferença de idade de até três
anos. O professor assume o papel de observador, facilitador e orientador dos fatores de aprendizagem.
Através da aprendizagem auto motivada e individualizada que é a essência da metodologia Montessoriana procura-se desenvolver nas
crianças, a autodisciplina e a autoconfiança o que futuramente gerará a autonomia necessária para a continuação do aprendizado em outros
níveis.
Hoje em dia, podemos encontrar muitas escolas montessorianas, mais especificadamente atendendo crianças da educação infantil, bem
como as quatro primeiras séries do ensino fundamental.

Renovadora

Inteiramente antagônicas aos modelos educacionais tradicionais, o movimento da “pedagogia renovada” é uma resposta direta aos
excessos da vertente tradicional, constituindo-se numa concepção pedagógica que inclui inúmeras correntes, e que de uma maneira ou de
outra, estão ligadas ao movimento da escola nova ou escola ativa (escolanovismo). Tais correntes, embora admitam algum nível de
divergência entre si, assumem um mesmo princípio no sentido de nortear a valorização do indivíduo como ser livre, ativo e social.
As atividades da escola deixam ter o professor como o centro de tudo, incontestável monopolizador do saber. Portanto os conteúdos
disciplinares também cedem lugar para o aluno que, agora, como ser ativo e curioso, passa a ser o centro dos processos. Ademais, o mais
importante não é o resultado final do processo de aquisição do conhecimento, mas todo o processo de aprendizagem em si tendo o aluno
como elemento central.
Em oposição à escola tradicional, a escola nova confere ênfase ao princípio da aprendizagem por descoberta, estabelecendo que a atitude
de aprendizagem, que, por sua vez, aprendem fundamentalmente pela experiência, ou seja, pelo que descobrem por si mesmos. Neste
contexto, o professor passa a ser visto como orientador e facilitador do processo de busca de conhecimento que, por sua vez, deve partir do
aluno, ou melhor, das motivações espontâneas dos mesmos.
Cabe ao professor, portanto, organizar e coordenar as situações de aprendizagem, tentando permanentemente adaptar suas ações às
características individuais dos alunos, para desenvolver suas capacidades e habilidades intelectuais.
Contudo a ideia de um ensino guiado pelo interesse dos alunos acabou, em muitos casos, por desconsiderar a necessidade de um trabalho
planejado, fato que muito contribuiu para que perdessem de vista os conteúdos que deveríam ser ensinados e aprendidos.
Essa tendência, que na década de 30 teve grande penetração no Brasil, mais especificamente no âmbito do ensino pré-escolar (jardim
de infância), ainda exerce, nos dias de hoje, uma grande influência sobre a maior parte das práticas pedagógicas.

Tecnicista

A década de 70 assistiu a um acentuado desenvolvimento e proliferação da corrente que se denominou de “tecnicismo educacional”,
totalmente inspirado nas teorias behavioristas da aprendizagem e da abordagem sistêmica do ensino.
Portanto, as práticas educacionais da época definiram mna prática pedagógica altamente burocrática, controlada e dirigida pelo
professor, com um currículo pouco flexível aliada a atividades mecânicas, inseridas numa proposta educacional rígida, conteudista e passível
de ser totalmente programada em detalhes. A supervalorização da tecnologia programada de ensino trouxe consequências: A escola se
revestiu de uma grande autossuficiência, reconhecida por ela e por toda a comunidade por ela influenciada, criando desta maneira, a ideia
errônea de que aprender não é algo natural do ser humano, mas que depende exclusivamente de especialistas e técnicas.
Assim, dentro deste contexto, nem o professor, tampouco o aluno são elemento centrais, ou seja, são valorizados: o que é de fato
valorizado nessa perspectiva não é o professor, mas a tecnologia. O professor passa a ser um mero transmissor do conhecimento técnico, ou
melhor, mn mero especialista na aplicação de manuais, estando a sua criatividade restrita aos limites e estreitos da técnica utilizada. A figura
do aluno, por sua vez, passa a se restringir a um indivíduo (ou objeto) que reage mecanicamente aos estímulos de fonna a responder as
respostas esperadas pela escola, pois estas eram as atitudes esperadas pela escola, pois estas eram atitudes esperadas pela instituição parar
que eles obtivessem êxito e avançar. Os interesses dos alunos, bem como o seu processo particular deixam de ser considerados, sendo que a
atenção recebida se limitava a ajustar seu ritmo de aprendizagem ao conteúdo pragmático que deve ser implementado pelo professor dentro
de rígidos cronogramas estabelecidos. Essa orientação foi dada para as escolas pelos organismos oficiais durante os anos 60, e até hoje está
presente em muitos materiais didáticos com caráter estritamente técnico e instrumental.

Corrente Sociocultural
A característica principal desta escola é a sua preocupação direcionada totalmente para as questões sociais, visando possibilitar uma
maior participação do povo nos processos de formação de sua própria cultura. Do ponto do ponto de vista ideológico, apresenta tendência
de elaborar síntese entre o humanismo, o Existencialismo e o Marxismo.
O indivíduo é visto como sujeito ativo e participante na aquisição e construção do conhecimento, inserido no contexto histórico. É um
ser práxis, que age e reflete sobre o mundo, com o claro objetivo de transformá-lo. O indivíduo interage, continuamente, com a sociedade,
em um processo permanente de transformação. A ênfase do processo educacional é a consciência crítica da realidade. A educação deve
propiciar a interação plena entre o professor e o aluno, sem o caráter do oprimido/opressor, com base no diálogo democrático e na maior
liberdade dos participantes no processo ensino/ aprendizagem. A relação professor/ aluno é horizontal, desprovida de mecanismo coercivo
ou repressores.
A metodologia adotada por esta escola baseia-se na criação de simulações realistas, com um conteúdo adaptado a essa finalidade. No
processo de avaliação, o aluno é convidado a ser coautor das propostas e estratégias do ensino, de modo a permitir um sistema de auto
avaliação, que tanto se aplica aos alunos, como aos professores. O principal expoente desta escola, no Brasil, é Paulo Freire.
Corrente humanista
Para a corrente humanista, o indivíduo é peça chave e principal colaborador da construção dos saberes humanos, de modo que toda
ênfase é referida a vida emocional e psicológica do aluno, bem como em suas relações interpessoais. O professor é um facilitador, um
orientador para levar o conhecimento ao aluno, cultivando as experimentações práticas junto com os próprios alunos.
Nessa escola não se aceita a existência de modelos prontos e regras pré-definidas, pois o homem é um ser em permanente evolução, e a
sua vida é um processo contínuo de exercício de utilização de sua capacidade parar superar-se. Dessa forma, o homem e o conhecimento
estão em permanente e inacabado processo dialético, que exige esforço contínuo de atualização. A característica fundamental desta
abordagem é que o indivíduo já nasce com a potencialidade de vir a ser.
Para se ter uma visão do mundo, deve-se proporcionar ao aluno um ambiente de liberdade, a fim de que o mesmo possa se manifestar
e se expressar livre e abertamente (dentro dos princípios de educação e civilidade), o que contribui para o desenvolvimento de suas
potencialidades.
É o próprio homem que constrói seu mundo real. Diferentemente do enfoque da escola sociocultural, o humanismo não enfatiza o
coletivo, nem o trato social, concentrando-se no próprio indivíduo. Daí que a educação deve ser vista com independência suficiente para
não cair na planificação social, nem servir de controle coercitivo à manipulação das pessoas.
Na escola humanista, o ensino procura gerar um ambiente propício à aprendizagem, fazendo com que todos os alunos participem do
processo educativo. Preocupa-se, igualmente, com a promoção da capacidade de autoaprendizagem do aluno, com vista a acelerar seu
desenvolvimento intelectual e afetivo, valorizando a autonomia e a autodeterminação, no combate à heteronomia (dependência de tudo e
de todos).
No processo de aprendizagem, o aluno deve usar sua própria experiência, buscando, buscando construir, ele mesmo, sua capacidade de
estruturar a forma de absorver o conhecimento, tanto no plano cognitivo, como afetivo.
A aprendizagem tende a ser psicologicamente significativa e envolver, politicamente os mais variados aspectos do indivíduo. O
professor, neste caso funciona com um facilitador de aprendizagem, cabendo ao aluno a responsabilidade de definir seus objetivos e dar
significados a eles.
A metodologia adotada, portanto, deve promover o relacionamento interpessoal, a autonomia do educando e a troca de experiências. As
grades curriculares consistem em diretrizes, não acolhendo verdades absolutas. O aluno é o principal responsável pela seleção dos
conteúdos, bem como da respectiva construção do conhecimento através deles.
O processo de avaliação não contempla qualquer padronização dos resultados da aprendizagem, utilizando-se mais os métodos de auto-
avaliação e menos o poder de avaliação do professor.

Libertadora
De um modo geral, podemos dizer que a proposta brasileira atual é a da escola libertadora, embora não seja a esta realidade. No final
dos anos 70 e início dos anos 80, a abertura política decorrente do final do regime militar coincidiu com a intensa mobilização dos educadores
em busca de uma educação crítica a serviço a serviço das transformações sociais, econômicas e políticas em vigor, objetivando a superação
das desigualdades existentes no interior da sociedade. Ao lado das denominadas teorias “pedagogia libertadora” e da “pedagogia critico
social dos conteúdos”, que foram as correntes adotadas pela facção de educadores marxistas.
A “pedagogia libertadora” originou-se dos movimentos para a educação popular que ocorreram no final da década de 50 e início dos
anos 60, sendo interrompidos pelo golpe militar de 1964, para ter seu desenvolvimento retomado somente no final da década de 70 e início
dos anos 80.
Nessa proposta, a atividade escolar está concentrada em discussões de temas sociais e políticos, bem como em ações diretas sobre
a realidade social vigente na época: analisam-se os problemas, seus fatores determinantes, ao mesmo tempo em que se tenta organizar uma
forma de atuação capaz de transformar a realidade social e política do país. O professor passa a ser um coordenador de atividades que
organiza e atua com a coparticipação dos alunos. No entanto, este movimento esteve muito mais presente nas escolas públicas nos mais
variados níveis de ensino, bem como em universidades, do que no âmbito do ensino privado propriamente.

Corrente Cognitivista

A corrente cognitivista enfatiza a investigação dos processos centrais do indivíduo, bem como a preocupação com a gênese dos processos
cognitivos. Defende a interação do indivíduo com o meio, ou seja, é interacionista; porém, considera a aprendizagem como um resultado
que vai além da interação do indivíduo com o meio ambiente. O objetivo é conferir capacidade ao aluno para assimilar o conhecimento,
com vistas à integração das informações, para processá-las, posteriormente. O homem é visto com um ser receptivo, estágio final, que
naturalmente não existe. As ideias interacionistas predominam como processo gradual de adaptação entre o indivíduo e o meio ambiente, daí
surgindo sua visão do mundo.
A ação educativa deve contribuir para o fortalecimento da democracia, mas seu objetivo principal é fazer com que o aluno conquiste,
gradualmente, sua autonomia intelectual. A escola tem por função ensinar a criança a observar e a pensar, para tirar suas próprias conclusões
sobre o conhecimento estudado e as experiências realizadas. As atividades, realizada em grupo, deve favorecer a formação de um ambiente
democrático e proporcionar o dialogo permanente, em que imperem a liberdade de ação e de opinião. O ensino deve favorecer a estratégia
de aprendizagem através da metodização dos esquemas mentais, para facilitar a assimilação dos conteúdos. O erro deve ser encarado como
parte do processo de aprendizagem e um estágio capaz de levar conclusões mais acertadas. Para tanto, são fundamentais a reciprocidade
intelectual e a cooperação mútua entre o professor e aluno, cabendo ao professor criar desafios, como estratégias de ensino.
Pelo visto, a metodologia adotada pela escola cognitivista é essencialmente motivada pelo individualismo, ao mesmo tempo em que
pelo interativismo, utilizando uma didática permanente voltada para a investigação científica. A avaliação final do processo de ensino e
aprendizagem é realizada mediante a utilização de parâmetros, baseados na teoria do conhecimento, visando averiguar se o aluno assimilou
os conceitos básicos, através da teoria da prática experimental. Principais expoentes: Piaget, Emília Ferreiro e Jerome Braner.
Crítico social dos conteúdos
A “pedagogia crítico-social dos conteúdos” surge no final dos anos 70 e inicio da década de 80, no mesmo período da pedagogia
libertadora. Sua proposta se fundamenta na reação de alguns educadores que, na época, não aceitavam a pouca relevância que a “pedagogia
libertadora”, ou seja, historicamente acumulado que, por sua vez, deveria constituir importante parte do legado cultural da humanidade.
A “pedagogia crítico-social de conteúdos” assegura, sobre tudo, a função social e política da escola através do permanente do trabalho
com conhecimentos sistematizados, de fonna a colocar as classes populares em condições intelectuais para a sua efetiva inserção e
participação nas lutas sociais vigentes e futuras.
Desta forma, a visão desta nova corrente pedagógica acredita que não basta ter como conteúdo escolar as questões sociais atuais, vista
de maneira isolada e linear, mas é necessário que se tenha domínio de conhecimentos, habilidades e capacidades mais amplas, capazes de
conferir aos alunos a capacidade de interpretar suas experiências de vida e, com isto, defender seus direitos individuais e interesses de
classes.

Piagetiana

Com maior evidência a partir dos anos 80, surge um movimento que pretende integrar tendências que possuíam caráter mais psicológico
com outras cujo viés era mais sociológico e político.
Se já era crescente a necessidades de se preocupar com o domínio de conhecimentos formais que propiciassem uma maior participação
ativa e crítica na sociedade se uma adequação psicopedagógica às características de um aluno que pensa, e que, por isso, precisa ser
considerado como ser integral, bem como a de um professor que, por sua vez, domina conteúdos de valor social e formativo. Esse momento
é caracterizado pelo enfoque centrado no caráter social do processo de ensino de aprendizagem e é, por sua vez, marcado pela influência da
psicologia genética.
Tal enfoque inseriu nas questões pedagógicas aspectos muito relevantes, especialmente no que diz respeito à maneira como se entende
as relações entre: desenvolvimento e aprendizagem; a importância da relação interpessoal nesse processo; a relação entre cultura e
educação; o papel da ação educativa ajustada às situações de aprendizagem; e finalmente, às características básicas da atividade de construção
dos esquemas mentais elaborada pelos alunos em cada diferente estágio de sua escolaridade.
A psicologia genética criou perspectivas de aprofundamento da compreensão sobre o processo de desenvolvimento na construção do
conhecimento, mais especificamente, no que diz respeito à compreensão mais sistemática e profunda dos mecanismos pelos quais as crianças
constroem representações internas de conhecimento (esquemas mentais). Os conhecimentos, portanto, são construídos através da interação
direta da criança com seu meio social, em uma perspectiva psicogenética, trazendo uma enorme contribuição que vai muito além dos grandes
estágios de desenvolvimento.
A teoria epistemológica de Piaget e se seus seguidores, com suas relevantes descobertas, acarretaram muitos desvios por parte de
interpretação de vários pedagogos que, por sua vez, passaram a “criar” inúmeras “teorias” para a educação, como se o próprio Piaget as
tivesse elaborado, o que de fato não ocorreu. Neste sentido, a pedagogia em si sequer fazia parte dos objetivos fundamentais das pesquisas
de Piaget.
Assim, encontramos inúmeras escolas que, através de um marketing agressivo se autodenominam piagetianas, mesmo sem aplicarem,
em suas profundas pesquisas de Piaget sobre a teoria do conhecimento, ou sobre a evolução do pensamento infantil, até a adolescência.
Construtivista
A pesquisa sobre a psicogênese da língua escrita chegou ao Brasil em meados dos anos 80, causando um enorme impacto nas correntes
e teorias em vigor, revolucionando o ensino da língua nas séries iniciais do ensino fundamental. Ao mesmo tempo, tais estados acarretam
uma revisão do tratamento conferido ao ensino e à aprendizagem em diversas outras áreas do saber. Essa investigação evidencia a atividade
construtiva do aluno em relação à língua escrita, reconhecido objeto de estudo escolar, evidenciando a importante presença dos
conhecimentos específicos sobre o desenvolvimento da escrita já alcançada pela criança, e que, apesar de ainda não coincidirem com a dos
adultos, possui sentido próprio para ela.
De acordo com Schnitman, “o construtivismo é uma teoria post-objetiva do conhecimento que defende que o observador participa de
suas observações e que constrói e não descobre uma realidade, questionando assim os conceitos da verdade, objetividade e realidade”.
A metodologia utilizada nessas pesquisas foi, muitas vezes, interpretada como uma proposta de pedagogia construtivista para a
alfabetização, o que representa um duplo equívoco: (1) a redução do construtivismo à uma teoria psicogenética que tenta explicar a aquisição
da língua escrita;(2) e, por conseguinte, a transformação de uma investigação acadêmica em método de ensino. Esses equívocos proliferam-
se sob o rótulo de “pedagogia construtivista”, contribuindo erradamente para reforçar a crença de que não se deve corrigir os erros das
crianças, pois, fazendo as coisas “do seu jeito”, elas acabam “aprendendo” - por tentativa e erro - aquilo que necessitam aprender.
Enfim, o fato é que essa pedagogia - que se intitula construtivista -, ou melhor, a má interpretação da prática docente em relação a seus
postulados teóricos, acabou trazendo sérios problemas no que diz respeito aos processos de ensino e aprendizagem, pois tira de foco a função
primordial da instituição escolar que é ensinar, intervindo como facilitadora do processo de aprendizagem, a fim de que os alunos aprendam
o que é correto - posto que, sozinhos, teriam mais dificuldades em destrinchar os caminhos do conhecimento.
Em relação à alfabetização podemos citar Terezinha Nunes, que diz:
“Talvez a contribuição mais significativa que o construtivismo já ofereceu à alfabetização foi auxiliar as alfabetizadoras na tarefa de
compreender as produções da criança e saber respeitá-las como construções genuínas, indicadoras de processo, e não como erros absurdos.
Nesse sentido, podem-se destacar dois momentos em alfabetização: antes e depois dos trabalhos de Emília Ferreiro”.
Dessa forma, não existe um “método construtivista” para a educação, no sentido em que certas escolas fazem acreditar, sendo que
“construtivismo” seria muito mais do que uma vertente ou abordagem metodológica; mas uma postura, um olhar permanente do educador
em relação à autonomia do educando que, por sua vez, passa a ser visto e considerado como coprodutor dinâmico, ativo e autônomo de seu
próprio conhecimento - e não mero receptáculo e depositário passivo e alienado de saberes alheio. O aluno é corresponsável pelo seu próprio
processo de aprendizagem.
E por essa razão, não se pode dispensar totalmente o “livro didático” como recurso, pois sua finalidade é a de ordenar o conhecimento,
o ensino e a aprendizagem. Um livro didático bem elaborado pode funcionar como um quadro sinóptico a orientar e facilitar o processo de
aprendizagem, conferindo-lhe consistência, dinamismo eficiência e legitimidade.
Na concepção construtivista, a forma como se constrói o saber é muito ampla, de forma que realmente se incluem as ações de descobrir,
inventar, redescobrir, criar: sendo que aquilo que se faz (as ações), ou seja, que se obtém por resultado, é tão importante quanto o “como” e
o “por que” se faz, estratégia que contribui para que ênfase também seja conferida ao processo de aprendizagem - e não apenas aos resultados
em si.
É sempre importante lembrar que, dentro da concepção construtivista, a ação pedagógica se dará no sentido da compreensão entre dois
fatores: daquilo que o ambiente dispõe (oferece): e das estruturas mentais que o sujeito potencialmente carrega (em termos de carga genética
hereditária). (Texto adaptado de GALVÊAS, E. C.)

1.2 PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO.


Até muito recentemente a questão da escola limitava-se a uma escolha entre ser tradicional e ser moderna, essa tipologia não
desapareceu, mas não responde a todas as questões atuais da escola. Muito menos à questão do seu projeto.
A crise paradigmática também atinge a escola e ela se pergunta sobre si mesma, sobre seu papel como instituição numa sociedade pós-
modema e pós-industrial, caracterizada pela globalização da economia, das comunicações, da educação e da cultura, pelo pluralismo político,
pela emergência do poder local. Nessa sociedade cresce a reivindicação pela participação e autonomia contra toda forma de uniformização
e o desejo de afirmação da singularidade de cada região, de cada língua etc. A multiculturalidade é a marca mais significativa do nosso
tempo.
Como isso se traduz na escola?
Nunca o discurso da autonomia, cidadania e participação no espaço Escolar ganhou tanta força. Estes têm sido temas marcantes do
debate educacional brasileiro de hoje. Essa preocupação tem-se traduzido, sobretudo pela reivindicação de um projeto político -pedagógico
próprio de cada escola. Neste texto, gostaríamos de tratar deste assunto, sublinhando a sua importância, seu significado, bem como as
dificuldades, obstáculos e elementos facilitadores da elaboração do projeto político-pedagógico.
Começaremos esclarecendo o próprio título: “projeto político-pedagógico”. Entendemos que todo projeto pedagógico é necessariamente
político. Poderiamos denominá-lo, portanto, apenas “projeto pedagógico”. Mas, a fim de dar destaque ao político dentro do pedagógico,
resolvemos desdobrar o nome em “político-pedagógico”.
Frequentemente se confunde projeto com plano. Certamente o plano diretor da escola — como conjunto de objetivos, metas e
procedimentos — faz parte do seu projeto, mas não é todo o seu projeto.
Isso não significa que objetivos metas e procedimentos não sejam Necessários. Mas eles são insuficientes, pois, em geral, o plano fica
no campo do instituído, ou melhor, no cumprimento mais eficaz do instituído, como defende hoje todo o discurso oficial em torno da
“qualidade” e, em particular, da “qualidade total”. Um projeto necessita sempre rever o instituído para, a partir dele, instituir outra coisa.
Tomar-se instituinte. Um projeto político--pedagógico não nega o instituído da escola que é a sua história, que é o conjunto dos
seus currículos, dos seus métodos, o conjunto dos seus atores internos e externos e o seu modo de vida. Um projeto Sempre confronta esse
instituído com o instituinte.
Não se constrói um projeto sem uma direção política, um norte, um ramo. Por isso, todo projeto pedagógico da escola é também
político. O projeto pedagógico da escola é por isso mesmo, sempre um processo inconcluso, mna etapa em direção a uma finalidade que
permanece como horizonte da escola.
• De quem é a responsabilidade da constituição do projeto da escola?
O projeto da escola não é responsabilidade apenas de sua direção. Ao contrário, numa gestão democrática, a direção é escolhida a
partir do reconhecimento da competência e da liderança de alguém capaz de executar um projeto coletivo. A escola, nesse caso, escolhe
primeiro um projeto e depois essa pessoa que pode executá-lo. Assim realizada, a eleição de um diretor ou de uma diretora se dá a partir da
escolha de um projeto político-pedagógico para a escola. Portanto, ao se eleger um diretor de escola, o que se está elegendo é um projeto
para a escola.
Como vimos, o projeto pedagógico da escola está hoje inserido num cenário marcado pela diversidade. Cada escola é resultado de mu
processo de desenvolvimento de suas próprias contradições. Não existem duas escolas iguais. Diante disso, desaparece aquela arrogante
pretensão de saber de antemão quais serão os resultados do projeto para todas as escolas de um sistema educacional. A arrogância do dono
da verdade dá lugar à criatividade e ao diálogo. A pluralidade de projetos pedagógicos faz parte da história da educação da nossa época.
Por isso, não deve existir um padrão único que oriente a escolha do projeto de nossas escolas. Não se entende, portanto, uma escola
sem autonomia, autonomia para estabelecer o seu projeto e autonomia para executá-lo e avaliá-lo.
A autonomia e a gestão democrática da escola fazem parte da própria natureza do ato pedagógico. A gestão democrática da escola é,
portanto, uma exigência de seu projeto político-pedagógico.
Ela exige, em primeiro lugar, uma mudança de mentalidade de todos os membros da comunidade escolar. Mudança que implica deixar
de lado o velho preconceito de que a escola pública é apenas um aparelho burocrático do Estado e não uma conquista da comunidade. A
gestão democrática da escola implica que a comunidade, os usuários da escola, sejam os seus dirigentes e gestores e não apenas os seus
fiscalizadores ou, menos ainda, os meros receptores dos serviços educacionais. Na gestão democrática pais, mães, alunas, alunos,
professores e funcionários assumem sua parte de responsabilidade pelo projeto da escola.
Há pelo menos duas razões que justificam a implantação de um processo de gestão democrática na escola pública:
la) A escola deve formar para a cidadania e, para isso, ela deve dar o exemplo. A gestão democrática da escola é mu passo importante
no aprendizado da democracia. A escola não tem um fim em si mesma. Ela está a serviço da comunidade. Nisso, a gestão democrática da
escola está prestando um serviço também à comunidade que a mantém.
2a) A gestão democrática pode melhorar o que é específico da escola, isto é, o seu ensino. A participação na gestão da escola
proporcionará um melhor conhecimento do funcionamento da escola e de todos os seus atores; propiciará um contato permanente entre
professores e alunos, o que leva ao conhecimento mútuo e, em consequência, aproximará também as necessidades dos alunos dos
conteúdos ensinados pelos professores.
A autonomia e a participação — pressupostos do projeto político- pedagógico da escola — não se limitam à mera declaração de
princípios consignados em algum documento. Sua presença precisa ser sentida no Conselho de Escola ou Colegiado, mas também na
escolha do livro didático, no planejamento do ensino, na organização de eventos culturais, de atividades cívicas, esportivas, recreativas.
Não basta apenas assistir às reuniões.
A gestão democrática deve estar impregnada por certa atmosfera que se respira na escola, na circulação das informações, na divisão do
trabalho, no estabelecimento do calendário escolar, na distribuição das aulas, no processo de elaboração ou de criação de novos cursos ou
de novas disciplinas, na formação de grupos de trabalho, na capacitação dos recursos humanos etc. A gestão democrática é, portanto,
atitude e método. A atitude democrática é necessária, mas não é suficiente. Precisamos de métodos democráticos de efetivo exercício da
democracia. Ela também é um aprendizado, demanda tempo, atenção e trabalho.
Existem, certamente, algumas limitações e obstáculos à instauração de um processo democrático como parte do projeto político- -
pedagógico da escola. Entre eles, podemos citar:
a) a nossa pouca experiência democrática;
b) a mentalidade que atribui aos técnicos e apenas a eles a capacidade de planejar e governar e que considera o povo incapaz de
exercer o governo ou de participar de um planejamento coletivo em todas as suas fases;
c) a própria estrutura de nosso sistema educacional que é vertical;
d) o autoritarismo que impregnou nossa prática educacional;
e) o tipo de liderança que tradicionalmente domina nossa atividade política no campo educacional.
Enfim, um projeto político-pedagógico da escola apoia-se:
a) no desenvolvimento de uma consciência crítica;
b) no envolvimento das pessoas: comunidade interna e externa à escola;
c) na participação e na cooperação das várias esferas de governo;
d) na autonomia, responsabilidade e criatividade como processo e como produto do projeto.
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos

O projeto da escola depende, sobretudo, da ousadia dos seus agentes, da ousadia de cada escola em assumir-se como tal, partindo da
“cara” que tem, com o seu cotidiano e o seu tempo-espaço, isto é, o contexto histórico em que ela se insere.
Um projeto político-pedagógico constrói-se de forma interdisciplinar. Não basta trocar de teoria como se ela pudesse salvar a escola.
Pelo que foi dito até agora, o projeto pedagógico da escola pode ser considerado como um momento importante de renovação da
escola. Projetar significa “lançar-se para frente”, antever um futuro diferente do presente. Projeto pressupõe uma ação intencionada com
um sentido definido, explícito, sobre o que se quer inovar. Nesse processo podem-se distinguir dois momentos:
a) o momento da concepção do projeto;
b) o momento da institucionalização e implementação do projeto.
Todo projeto supõe rupturas com o presente e promessas para o futuro. Projetar significa tentar quebrar um estado confortável para
arriscar-se, atravessar um período de instabilidade e buscar uma nova estabilidade em função da promessa que cada projeto contém de
estado melhor do que o presente. Um projeto educativo pode ser tomado como promessa frente a determinadas rupturas. As promessas
tomam visíveis os campos de ação possível, comprometendo seus atores e autores.
A noção de projeto implica, sobretudo tempo:
a) Tempo político — define a oportunidade política de mn determinado projeto.
b) Tempo institucional — Cada escola encontra-se num detenninado tempo de sua história. O projeto que pode ser inovador para
uma escola pode não ser para outra.
c) Tempo escolar — O calendário da escola, o período no qual o projeto é elaborado é também decisivo para o seu sucesso.
d) Tempo para amadurecer as idéias — Só os projetos burocráticos são impostos e, por isso, revelam-se ineficientes em médio prazo.
Há um tempo para sedimentar idéias. Um projeto precisa ser discutido e isso leva tempo.
Como elementos facilitadores de êxito de um projeto, podemos destacar:
lo) Comunicação eficiente. Um projeto deve ser factível e seu enunciado facilmente compreendido.
2o) Adesão voluntária e consciente ao projeto. Todos precisam estar envolvidos. A corresponsabilidade é um fator decisivo no êxito
de um projeto;
3o) Suporte institucional e financeiro, que significa: vontade política, pleno conhecimento de todos — principalmente dos dirigentes
— e recursos financeiros claramente definidos.
4o) Controle, acompanhamento e avaliação do projeto. Um projeto que não pressupõe constante avaliação não consegue saber se seus
objetivos estão sendo atingidos.
5o) Uma atmosfera, mn ambiente favorável. Não se deve desprezar certo componente mágico-simbólico para o êxito de um projeto,
certa mística que cimenta a todos os que se envolvem no design de um projeto.
6o) Credibilidade. As idéias podem ser boas, mas, se os que as defendem não têm prestígio, comprovada competência e legitimidade,
o projeto pode ficar limitado.
T) Referencial teórico que facilite encontrar os principais conceitos estrutura ao projeto.
A falta desses elementos obstaculiza a elaboração e a implantação de um projeto novo para a escola. A implantação de mn novo
projeto político pedagógico da escola enfrentará sempre a descrença generalizada dos que pensam que de nada adianta projetar uma boa
escola enquanto não houver vontade política dos “de cima”. Contudo, o pensamento e a prática dos “de cima” não se modificarão enquanto
não existir pressão dos “de baixo”. Um projeto político-pedagógico da escola deve constituir-se num verdadeiro processo de
conscientização e de fonnação cívica; deve ser mn processo de recuperação da importância e da necessidade do planejamento na educação.
Tudo isso exige certamente uma educação para a cidadania.
• O que é “educar para a cidadania”?
A resposta a essa pergunta depende da resposta à outra pergunta: — “O que é cidadania?”.
Pode-se dizer que cidadania é essencialmente consciência de direitos e deveres e exercício da democracia. Não há cidadania sem
democracia.
A democracia fundamenta-se em três direitos:
• direitos civis, como segurança e locomoção;
• direitos sociais, como trabalho, salário justo, saúde, educação, habitação etc.
• direitos políticos, como liberdade de expressão, de voto, de participação em partidos políticos e sindicatos etc.
O conceito de cidadania, contudo, é um conceito ambíguo. Em 1789 a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão estabelecia as
primeiras nonnas para assegurar a liberdade individual e a propriedade. Existem diversas concepções de cidadania: a liberal, a neoliberal, a
progressista ou socialista democrática (o socialismo autoritário e burocrático não admite a democracia como valor universal e despreza a
cidadania como valor progressista).

MOVIA, Didatismo e Conhecimento


Moun
Existe hoje uma concepção consumista de cidadania (não ser enganado na compra de mn bem de consumo) e mna concepção oposta
que é uma concepção plena de cidadania, que consiste na mobilização da sociedade para a conquista dos direitos acima mencionados e que
devem ser garantidos pelo Estado. A concepção liberal e neoliberal de cidadania — que defende o “Estado mínimo”, a privatização da
educação e que estimula a concentração de renda — entende que a cidadania é apenas um produto da solidariedade individual (da “gente
de bem”) entre as pessoas e não uma conquista no interior do próprio Estado. A cidadania implica em instituições e regras justas. O Estado,
nmna visão socialista democrática, precisa exercer uma ação — para evitar, por exemplo, os abusos econômicos dos oligopólios —
fazendo valer as regras definidas socialmente.
Cidadania e autonomia são hoje duas categorias estratégicas de construção de uma sociedade melhor em tomo das quais há fre-
quentemente consenso. Essas categorias se constituem na base da nossa identidade nacional tão desejada e ainda tão longínqua, em função
do arraigado individualismo tanto das nossas elites, quanto das fortes corporações emergentes, ambas dependentes do Estado paternalista.
O movimento atual da chamada “escola cidadã” está inserido nesse novo contexto histórico de busca de identidade nacional. A
“escola cidadã” smge como resposta à burocratização do sistema de ensino e à sua ineficiência.
É nesse contexto histórico que vem se desenhando o projeto e a realização prática da escola cidadã em diversas partes do país, como
uma alternativa nova e emergente. Ela vem surgindo em numerosos municípios e já se mostra nas preocupações dos dirigentes
educacionais em diversos Estados brasileiros.
Movimentos semelhantes já ocorreram em outros países. Vejam-se as “Citizenship Schools” que surgiram nos Estados Unidos nos
anos 50, dentro das quais se originou o importante movimento pelos Direitos Civis naquele país, colocando dentro das escolas americanas
a educação para a cidadania e o respeito aos direitos sociais e humanos.
Do movimento histórico-cultural a que nos referimos, estão surgindo alguns eixos norteadores da escola cidadã: a integração entre
educação e cultura, escola e comunidade (educação multicultural e comunitária), a democratização das relações de poder dentro da escola,
o enfrentamento da questão da repetência e da avaliação, a visão interdisciplinar e transdisciplinar e a formação permanente dos
educadores. A interdisciplinaridade refere-se à estreita relação que as disciplinas mantém entre si e a transdisciplinaridade, à superação das
fronteiras existentes entre as disciplinas, indo, portanto, além da interação e reciprocidade existentes entre as ciências.
Da nossa experiência vivida nesses últimos anos, tentando entender esse movimento, algumas lições podemos tirar que nos levam a
acreditar nessa concepção/realização da educação. Por isso, baseado nessa crença, apresentamos um “decálogo” no livro Escola cidadã, em
1992. Para nós, a escola cidadã surge como uma realização concreta dos ideais da escola pública popular, cujos princípios vimos
defendendo, ao lado de Paulo Freire, nas últimas duas décadas. Concretamente, dessa experiência vivida, pudemos tirar algumas lições.
Para finalizar, gostaríamos de mencionar pelo menos quatro:
la) A escola não é o único local de aquisição do saber elaborado. Aprendemos também nos fins de semana, como costuma dizer
Emília Ferreiro.
2a) Não existe mn único modelo capaz de tomar exitosa a ação educativa da escola. Cada escola é fruto de suas próprias contradições.
Existem muitos caminhos, inclusive para a aquisição do saber elaborado. E o caminho que pode ser válido numa determinada conjuntura,
num determinado local ou contexto, pode não o ser em outra conjuntura ou contexto. Por isso, é preciso incentivar a experimentação
pedagógica e, sobretudo, ter uma mentalidade aberta ao novo e não atirar pedras no caminho daqueles que buscam melhorar a educação.
3a) Todos não terão acesso à educação enquanto todos — trabalhadores e não trabalhadores em educação, estado e sociedade civil —
não se interessarem por ela. A educação para todos supõe todos pela educação.
4a) Houve uma época em que pensávamos que as pequenas mudanças impediam a realização de uma grande” mudança. Por isso, no
nosso entender, elas deveríam ser evitadas e todo o investimento deveria ser feito numa transformação radical e ampla. Hoje, minha certeza
é outra: a grande mudança exige também o esforço contínuo, solidário e paciente das pequenas ações. Estas, no dia-a- -dia, construídas
passo a passo, numa certa direção, também são essenciais à grande mudança. E o mais importante: devem ser feitas hoje. Como dizia Paulo
Freire, “a melhor maneira que a gente tem de fazer possível amanha alguma coisa que não é possível ser feita hoje, é fazer hoje aquilo que
hoje pode ser feito. Mas se eu não fizer hoje o que hoje pode ser feito e tentar fazer hoje o que hoje não pode ser feito, dificilmente eu faço
amanhã o que hoje também não pude fazer.
Isso, de forma alguma, significa renunciar ao sonho da construção de uma sociedade justa e humana, nem jogar no lixo da História
nossa utopia revolucionária. Precisamos, sobretudo da utopia neo-socialista contra a ideologia neoliberal que prega o fim da utopia e da
história. Estamos convencidos, acima de tudo, que a educação, mais do que passar por uma melhoria da qualidade do ensino que está aí,
como sustenta o Banco Mundial, ela precisa de uma transformação radical, exigência premente e concreta de uma mudança estrutural
provocada pela inevitável globalização da economia e das comunicações, pela revolução da informática a ela associada e pelos novos
valores que estão refundando instituições e convivência social na emergente sociedade pós-modema. Por isso, como afirmamos no início
do texto, não se constrói um projeto político-pedagógico sem mna direção política, um norte, um ramo. (Texto extraído de GADOTTI,
Moacir. “Projeto político pedagógico da escola: fundamentos para sua realização”.
In: GADOTTI, Moacir & ROMÃO, José Eustaquio (orgs.). Autonomia da escola: princípios e propostas. 4. ed. São Paulo: Cor- tez,
2001.)
2 A DIDÁTICA E O PROCESSO DE ENSINO E
APRENDIZAGEM.
O que é didática?
É comentário comum entre alunos o fato de que mu professor é um ótimo conhecedor do assunto, mas falta-lhe Didática. Essa palavra,
então, passa a ter um valor mais signihcativo para quem está do outro lado da docência: o próprio discente. Muitas vezes sua utilização é
impregnada por esses atores com a impressão de que os alunos conhecem muito mais sobre sua dehnição do que o próprio professor.
Em se tratando das raízes do termo. Didática corresponde a uma expressão grega que, traduzindo-se para a linguagem vernacular,
signihca arte ou técnica de ensinar. Castro (2008), reportando-se sobre a história da Didática, apregoa que a mesma apesar do termo ter
surgido originalmente na Grécia Antiga veio a consolidar-se como campo de investigação cientíhca a partir da tentativa de atribuir à
Didática uma aglutinação de conhecimentos pedagógicos, devendo-se sua configuração atual a dois estudiosos: Ratíquio e Comênio, que
praticamente atribuíram à didática a identificação com a arte de ensinar tudo a todos .
Ao que parece, a excessiva preocupação com seus aspectos conceituais tem desviado, ao sabor dos tempos, uma interpretação mais
voltada para a concepção do que representa a Didática no campo educacional. Santos (2003) é quem dá respaldo a essa argumentação, ao
colocar que a Didática passou de apêndice de orientações mecânicas e tecnológicas para um atual modo crítico de desenvolver uma prática
educativa, forjadora de um projeto histórico, que não se fará tão-somente pelo educador, mas pelo educador, conjuntamente, com o
educando e outros membros dos diversos setores da sociedade.
Ainda na opinião desse autor, a partir desse enfoque a Didática começa a ser vista não como simplesmente um conjunto de técnicas e
saberes metodológicos que subsidiam a arte de ensinar algo a alguém, mas se reveste de uma construção pedagógica que por vezes é
confundida com a própria ciência da Pedagogia
Libâneo (1992) é um dos defensores desse pensamento. Sua principal argumentação é de que a didática é o principal ramo de estudo
da Pedagogia. Ela investiga os fundamentos, as condições e os modos de realização da instrução e do ensino. A ela cabe converter
objetivos sócio-políticos e pedagógicos em objetivos de ensino, selecionar conteúdos e métodos em função desses objetivos.
Tal exposto acima, representa um cenário deveras abrangente para se tentar explicitar o que efetivamente seja didática. Ao se
apresentar a Didática como responsável pela investigação dos fundamentos, condições e modos de realização da instrução e do ensino, a
mesma passa a ter caráter de ciência da educação e assume o lugar da própria Pedagogia.
Quando converte os objetivos sociopolíticos e pedagógicos em objetivos educacionais, mescla-se aos propósitos da Filosofia da
Educação. Quando seleciona conteúdos e métodos, se imbrica para o universo da Metodologia. Então, pelo que se verifica, há, mesmo
contemporaneamente, uma falta de uniformidade a respeito da intenção de se conceituar a Didática.
Portanto, o que descortina é uma atribuição conceituai se penneia em exatidões epistemológicas. Tanto assim que a didática passa, no
momento atual, por mna junção de tennos, como se verifica em Gil (1997), ao abordar sobre a metodologia didática , entendendo esta
como [...] a sistematização e racionalização do ensino, constituída de métodos e técnicas de ensino de que se vale o professor para efetivar
a sua intervenção no comportamento do estudante . Essa intervenção, na ótica do autor, é que seria a principal responsável pelo efeito da
aprendizagem.
O que é metodologia didática?
Aproveitando a explicitação do autor acima, tem-se que a metodologia é a parte da teoria do ensino que estuda os recursos mais
eficientes na direção da aprendizagem, para que os objetivos do ensino sejam alcançados.
Diferentemente de outras áreas do saber, onde os objetivos podem ser traduzidos em quantificação com a aplicação de metas, por
exemplo na educação os objetivos educacionais são abstratos, isso porque referem-se a mudanças de comportamento que se espera de
determinados indivíduos face à ação promovida pelo agente educador.
Segundo Santos (2003), não há uma nitidez perceptível entre Didática e Metodologia Didática. Analisando-se essa observação, e
comparando-se com os milhares de enfoques expostos tanto na literatura de fonte secundária quanto em diversos programas e ementas
disciplinares disponibilizados ao domínio público, verifica-se que é comum o emprego da expressão metodologia didática para identificar
os métodos e técnicas com os quais se irão trabalhar os conteúdos em detenninado curso ou disciplina.
Nesse ponto, Gil (1997) considera que os métodos e técnicas de ensino servem para [...] conduzir o estudante a integrar no seu
comportamento, conhecimentos, técnicas, habilidades, hábitos e atitudes que hão de enriquecer a sua personalidade .
Pela ótica do autor acima, então, a metodologia didática se faz valer de determinados métodos e técnicas que, a nosso ver, se juntam a
outros aspectos necessários para a formação do processo de ensino-aprendizagem.
Nesse ponto, pode-se retomar a discussão colocada no início dessa fundamentação teórica. O que seria mais passível de questio-
namento por alunos que consideram o professor sem didática: a Didática propriamente dita, ou a Metodologia Didática incorporada por
este para aplicação dos conteúdos?
Pode ser que aí resida a cabal diferenciação. Pelo verificado até aqui, existe certa composição hierárquica que busca facilitar a
compreensão dessas terminologias. Assim, Didática assumiría o posto-chave, de onde derivaria a Metodologia Didática. Esta, por sua vez,
se fragmentaria em métodos e técnicas didáticos ou de ensino, e estes ainda, obedecendo à cadeia lógica, seriam fragmentados em diversas
outras delimitações, ou seja, partir-se-ia do geral a Didática - para o particular o uso de métodos e técnicas voltadas para o ensino.
O que são métodos e técnicas de ensino?
Não se tem a intenção, nesse artigo, de promover uma explicitação acerca dos diversos métodos e técnicas apontados na literatura, até
porque nosso entendimento é de que essa explicação é por demais técnica para caber numa reflexão empírica, como a que se promove
nesse artigo.
Ao longo de seu processo histórico, várias alusões acerca dos processos pedagógicos têm levado autores a desenhar métodos e
técnicas subjacentes às diversas propostas pedagógicas constituídas. Desde que se concebia a aprendizagem como um processo passivo,
onde os métodos consistiam basicamente na memorização de regras, conceitos e fórmulas, ou verdades que se tinham como absolutas
várias outras abordagens foram sendo incluídas como propícias à facilitação do processo ensino-aprendizagem.
Iniciando-se esses apontamentos por Comenius, no século XVII, já identifica-se uma preocupação com a não-utilização pura e
simplesmente dos livros mortos , mas do contato com a natureza das coisas. Nesse ponto, os métodos e técnicas seriam dedicados a mostrar
ao discente como as coisas se situam em seu próprio universo.
Já no século XVIII, Rousseau contribuiu, dando destaque ao jogo, ao trabalho manual, à experiência direta das coisas como passíveis
de utilização visando ao processo natural de desenvolvimento do ser aprendente. Nesse aspecto, os métodos e técnicas tinham por
propósitos valorizar os aspectos biopsíquicos do aluno em desenvolvimento (FIORENTINI e AMORIM, 1995).
Pestalozzi, entre o final do século XVIII e início do século XIX, considerava como essencial que se utilizassem métodos e técnicas
que enfatizassem a postura ativa dos alunos. Nesse aspecto, apontava como fundamentais o canto, o desenho, a modelagem, jogos,
excursões ao ar livre, a manipulação de objetos onde as descrições antecederíam as definições, entre outros aspectos.
Mais adiante, os autores behavioristas se voltaram para a formação do conceito de que a aprendizagem se refere a uma mudança de
comportamento. Nesse sentido, Fiorentini e Amorim (1995) apresentam que suas principais idéias estariam voltadas para o desen-
volvimento de habilidades ou mudanças de atitudes. Portanto, as técnicas se voltariam para estimular respostas a fatores externos,
controladas por meio de reforços.
Para não nos detennos em exaustivas explanações históricas, entende-se que os clássicos acima já dão uma interpretação coerente com
o propósito dessa discussão. A pergunta que norteia, portanto, esse tópico é a seguinte: existiría um arcabouço de técnicas e métodos de
ensino adequados a mna metodologia didática que se pudesse considerar como uniforme dentro do ensino superior?
Começamos nossa explanação pelo argumento de que, para que haja uma aplicação de métodos e técnicas adequadas ao ensino, é
preciso que haja um lócus de aplicação. (Nesse âmbito, entende-se que a sala de aula que atualmente pode ser concebida como qualquer
ambiente propício a prática de ensino-aprendizagem, tais como: bibliotecas, laboratórios, oficinas, fóruns de discussão interativos, entre
outros) na da mais é do que um simples espaço físico que acomoda determinado conjunto de professores e alunos.
Para fugir dessa típica caracterização, nosso entendimento é de que o primeiro método a ser aplicado é o de construção da sala de aula
, obviamente que no sentido de sua organização para o desenvolvimento intelectual. Para o cumprimento dos objetivos didáticos, é
necessário que essa sala seja construída a partir da necessidade de coexistência de dois grupos distintos: o de ensino e o de aprendizagem.
O primeiro, constituído pelos professores; o segundo, pelo corpo discente.
Essa construção perpassa pelo estabelecimento de regras consensuais de convivência democrática, onde predominem o respeito
mútuo, a cordialidade, o companheirismo e, acima de tudo, o arbítrio. O método de construção da sala representa também o respeito à
pontualidade, o cumprimento de prazos e estrita observância aos deveres, e isso serve para os dois grupos em questão.
Estabelecida a construção desse espaço, através do método de construção da a verdadeira sala de aula , pode-se passar à utilização de
técnicas que visem à mudança de comportamento, já que, como visto em Gil (1997) essa é uma tônica indispensável para orientação da
aprendizagem.
Via de regra, esses comportamentos se associam a uma grande incidência de senso comum, em que predominam opiniões pessoais,
julgamentos difusos e acríticos, impregnados de subjetivismo. Os métodos e técnicas didáticos servem, então, para reordenar a passagem
do senso comum para a construção do pensamento científico. A metodologia, nesse sentido, é corretiva, com o intuito de promover a
objetividade e aguçar o espírito crítico.
Outro emprego dos métodos e técnicas didáticos se direciona para a transformação do aluno em estudante, fomentando neste um
razoável grau de autonomia acadêmico-intelectual, livrando este da situação de dependência básica quanto à necessidade de aplicação de
conteúdos.
Da mesma forma que o professor se utiliza de recursos que compõem o escopo dos métodos e técnicas de ensino, o aluno também se
utiliza de recursos para sua aprendizagem. Nesse sentido, os métodos e técnicas utilizados pelo professor devem direcionar-se para formar
nesse aluno mna capacidade de empreender sua própria trajetória em sua formação, mediante a utilização racional desses recursos.
Um dos maiores artifícios para a promoção de um ensino-aprendizagem com confiança e alocação sistêmica dos métodos e técnicas
perpassa pela execução de um inventário de desempenho escolar e a capacidade do professor em interferir pedagogicamente para um
processo de melhoria contínua desse desempenho.
Nesse sentido, a observação do que ocorre em sala de aula antecede toda e qualquer utilização de metodologia didática, sendo esta, na
verdade, a metodologia primeira. Somente a partir da observação que se podem ter condições concretas para orientar e acompanhar o que
se desenvolve em sala de aula. Essa observação se materializa com seus complementos, que são o acompanhamento, orientação e
avaliação, ciclos pedagógicos que considero essenciais para mn quefazer à altura de um profissional que se propõe a executar uma Didática
pautada por uma planejamento com objetivos educacionais definidos, mas que se encontra sempre atento a possíveis desvios de percurso
que possam interferir em sua execução.
Processo de ensino-aprendizagem
Para se analisar os vários conceitos que envolvem o processo ensino-aprendizagem é necessário ter-se em mente as diferentes épocas
nas quais estes se desenvolveram, como também compreender sua mudança no decorrer da história de produção do saber do homem.
O conceito de aprendizagem emergiu das investigações empiristas em Psicologia, ou seja, de investigações levadas a termo com base
no pressuposto de que todo conhecimento provém da experiência. Ora, se o conhecimento provém de outrem, externo ao indivíduo, isto
significa afirmar o primado absoluto do objeto e considerar o sujeito como uma tábula rasa, como um ser vazio, sem saberes e com a
função única de depositário de conhecimento.
Este conceito inicial é baseado no positivismo que influenciou diferentes conhecimentos, entre eles o behaviorismo. Neste, a
aprendizagem se dá pela mudança de comportamento resultante do treino ou da experiência. E se sustenta sobre os trabalhos dos
condicionamentos respondente e, posteriormente, operante.
Para refutar estes conceitos que determinam o ser humano como passivo e não produtor, surge a Gestalt, racionalista. Neste momento
histórico não se fala em aprendizagem mas em percepção, posto que tal corrente não acredita no conhecimento adquirido, mas defende o
conhecimento como resultado de estruturas pré-fonnadas, do biológico do indivíduo.
Por fim, há de se chegar à psicologia genética tendo como representantes nomes como Piaget, Vygotsky e Wallon e que segundo
Giusta, levam a uma concepção de aprendizagem a partir do confronto e colaboração do conhecimento destes três: empirismo, beha-
viorismo e gestáltico.
Atualmente, não só na área da educação mas também em outras áreas, como a da saúde, pensa-se no indivíduo como um todo -
paradigma holístico. Parte-se de uma visão sistêmica e portanto, amplia-se o conceito de educação, o conceito do processo de ensino-
aprendizagem.
O processo de ensino-aprendizagem tem sido historicamente caracterizado de formas diferentes que vão desde a ênfase no papel do
professor como transmissor de conhecimento, até as concepções atuais que concebem o processo de ensino-aprendizagem com um todo
integrado que destaca o papel do educando.
As reflexões sobre o estado atual do processo ensino-aprendizagem nos permite identificar um movimento de idéias de diferentes
correntes teóricas sobre a profundidade do binômio ensino e aprendizagem. Entre os fatores que estão provocando esse movimento
podemos apontar as contribuições da Psicologia atual em relação à aprendizagem, que leva todos a repensar a prática educativa, buscando
mna conceptualização do processo ensino-aprendizagem.
Apesar de tantas reflexões, a situação atual da prática educativa das escolas ainda demonstra a massificação dos alunos com pouca ou
nenhuma capacidade de resolução de problemas e poder crítico-reflexivo, a padronização dos mesmos em decorar os conteúdos, além da
dicotomia ensino-aprendizagem e do estabelecimento de uma lúerarquia entre educador e educando.
A solução para tais problemas está no aprofundamento de como os educandos aprendem e como o processo de ensinar pode conduzir
à aprendizagem.
Acrescenta-se ainda que a solução está em partir da teoria e colocar em prática os conhecimentos adquiridos ao longo do tempo de
forma crítica-reflexiva-laborativa: crítica e reflexiva para pensar os conceitos atuais e passados e identificar o que há de melhor; laborativa
não só para mudar como também para criar novos conhecimentos.
“Para que se repensem as ciências humanas e a possibilidade de um conhecimento científico humanizado há que se romper com a
relação hierárquica entre teoria, prática e metodologia. Teoria e prática não se cristalizam, mas se redimensionam, criam e são também
objetos de investigação. Nesse sentido, pesquisa é a atividade básica da ciência na sua indagação e construção da realidade. É a pesquisa
que alimenta a atividade de ensino/aprendizagem e a atualiza”.
Paulo Freire apud DIAS diz que daí que seja tão fundamental conhecer o conhecimento existente quanto saber que estamos abertos e
aptos à produção do conhecimento ainda não existente. Ensinar, aprender e pesquisar lidam com esses dois momentos do ciclo
gnosiológico: o que se ensina e se aprende o conhecimento já existente e o em que se trabalha a produção do conhecimento ainda não
existente. A dodiscência - docência-discência - e a pesquisa, indicotomizáveis, são assim práticas requeridas por estes momentos do ciclo
gnosiológico.
Pensar nesse processo ensino-aprendizagem de forma dialética associando-se à pesquisa, promove a formação de novos conhe-
cimentos e traz a ideia de seres humanos como indivíduos inacabados e passíveis de uma curiosidade crescente - aqui considerada como
uma curiosidade epistemológica, uma capacidade de refletir criticamente o aprendido - capaz de levar a um contínuo no processo ensinar-
aprender.
No processo pedagógico alunos e professores são sujeitos e devem atuar de forma consciente. Não se trata apenas de sujeitos do
processo de conhecimento e aprendizagem, mas de seres humanos imersos numa cultura e com histórias particulares de vida. O aluno que
o professor tem à sua frente traz seus componentes biológico, social, cultural, afetivo, linguístico entre outros. Os conteúdos de ensino e as
atividades propostas enredam-se nessa trama de constituição complexa do indivíduo.
O processo de ensino-aprendizagem envolve mn conteúdo que é ao mesmo tempo produção e produto. Parte de um conhecimento que
é formal (curricular) e outro que é latente, oculto e provém dos indivíduos.
Todo ato educativo depende, em grande parte, das características, interesses e possibilidades dos sujeitos participantes, alunos,
professores, comunidades escolares e demais fatores do processo. Assim, a educação se dá na coletividade, mas não perde de vista o
indivíduo que é singular (contextual, histórico, particular, complexo). Portanto, é preciso compreender que o processo ensino- -
aprendizagem se dá na relação entre indivíduos que possuem sua história de vida e estão inseridos em contextos de vida próprios.
Pela diversidade individual e pela potencialidade que esta pode oferecer à produção de conhecimento, consequentemente ao processo
de ensino e aprendizagem, pode-se entender que há necessidade de estabelecer vínculos significativos entre as experiências de vida dos
alunos, os conteúdos oferecidos pela escola e as exigências da sociedade, estabelecendo também relações necessárias para compreensão da
realidade social em que vive e para mobilização em direção a novas aprendizagens com sentido concreto.
Pensar cada indivíduo como um contribuinte no processo de ensinar-aprender é participar da colocação de Giusta sugerindo que se
deve superar a dicotomia transmissão x produção do saber levando a uma concepção de aprendizagem que permite resgatar: a) a unidade
do conhecimento, através de uma visão da relação sujeito/objeto, em que se afirma, ao mesmo tempo, a objetividade do mundo e a
subjetividade; b) a realidade concreta da vida dos indivíduos, como fundamento para toda e qualquer investigação.
Lembrando que o processo ensino-aprendizagem ocorre a todo o momento e em qualquer lugar questiona-se então neste processo,
qual o papel da escola? Como deve esta deve ser considerada? E qual o papel do professor?
É função de a escola realizar a mediação entre o conhecimento prévio dos alunos e o sistematizado, propiciando formas de acesso ao
conhecimento científico. Nesse sentido os alunos caminham, ao mesmo tempo, na apropriação do conhecimento sistematizado, na
capacidade de buscar e organizar informações, no desenvolvimento de seu pensamento e na formação de conceitos. O processo de ensino
deve, pois, possibilitar a apropriação dos conteúdos e da própria atividade de conhecer.
A escola é um palco de ações e reações, onde ocorre o saber-fazer. É constituída por características políticas, sociais, culturais e
críticas. Ela é um sistema vivo, aberto. E como tal, deve ser considerada como em contínuo processo de desenvolvimento influenciando e
sendo influenciada pelo ambiente, onde existe um feedback dinâmico e contínuo.
É neste ambiente de produções e produto que se insere o professor, o educador, não como um indivíduo superior, em lúerarquia com o
educando, como detentor do saber-fazer, mas como igual, onde o relacionamento ente ambos concretiza o processo de ensinar- -aprender.
O papel do professor é o de dirigir e orientar a atividade mental dos alunos, de modo que cada mn deles seja um sujeito consciente,
ativo e autônomo. É seu dever conhecer como funciona o processo ensino-aprendizagem para descobrir o seu papel no todo e
isoladamente. Pois, além de professor, ele será sempre ser humano, com direitos e obrigações diversas.
Pensar no educador como um ser humano é levar à sua formação o desafio de resgatar as dimensões cultural, política, social e
pedagógica, isto é, resgatar os elementos cruciais para que se possa redimensionar suas ações no/para o mundo.
Ainda no processo da história da produção do saber, permanece na atualidade o desafio de tomar as práticas educativas mais con-
dizentes com a realidade, mais humanas e, com teorias capazes de abranger o indivíduo como um todo, promovendo o conhecimento e a
educação. (Texto adaptado de RIBEIRO, S. L.).
2.1 ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO DIDÁTICO: PLANEJAMENTO,
ESTRATÉGIAS E METODOLOGIAS, AVALIAÇÃO.
Planejar para construir o ensino
Em uma sala de aula, durante a fala do professor, um aluno formula uma pergunta. O professor ouve atentamente e se vê diante de um
dilema: O que fazer? Responder a pergunta objetivamente e continuar a exposição? Anotar a questão no quadro e dizer que responderá ao
terminar o que está expondo? Anotar a pergunta e pedir a toda classe que pense na resposta? Solicitar ao aluno que anote a pergunta e a
repita ao final da exposição? Qual a conduta mais correta?
Escolher uma resposta adequada depende de vários fatores que devem ser considerados pelo professor. Entre eles, se a pergunta
contribui para o desenvolvimento da atividade de ensino e aprendizagem naquele momento, ou ainda se existe pertinência em relação ao
conteúdo em jogo na atividade.
A pergunta pode evidenciar um nível de compreensão conceituai mais elaborado de um aluno se comparado à maioria da classe.
Respondê-la naquele momento transformaria a aula em uma conversa entre o professor e aquele aluno, que dificilmente seria acompanhada
pelos demais. Pode também revelar uma criança ou jovem com dificuldade de compreender o conceito em questão, o que sugere algum
tipo de atenção mais individualizada. É possível concluir ainda que a questão seria uma ótima atividade de aprendizagem em um momento
posterior, quando certos aspectos do conteúdo já estiverem esclarecidos.
Planejar: coerência para as ações educativas
O professor tem um papel fundamental de coordenar o processo de ensino e aprendizagem da sua classe. “É preciso organizar todas as
suas ações em tomo da educação de seus alunos. Ou seja, promover o crescimento de todos eles em relação à compreensão do mundo e à
participação na sociedade”. Para isso, ele precisa ter claro quais são as intenções educativas que presidem esta ou aquela atividade
proposta. Na verdade, ele precisa saber que atitudes, habilidades, conceitos, espera que seus alunos desenvolvam ao final de um período
letivo.
Certamente isso significa fazer opções quanto aos conteúdos, às atividades, ao modo como elas serão desenvolvidas, distribuir o
tempo adequadamente, assim como fazer escolhas a respeito da avaliação pretendida. Se essas intenções estiverem claras, as respostas a
esta ou àquela pergunta ou a diferentes situações do cotidiano de uma sala de aula serão mais coerentes com os objetivos e propósitos
definidos.
O Planejamento do Ensino tem como principal função garantir a coerência entre as atividades que o professor faz com seus alunos e as
aprendizagens que pretende proporcionar a eles.
Planejamento de Ensino
Em muitos casos, quando o professor atua junto à sua classe sem ter refletido sobre a atividade que está em desenvolvimento, sem ter
registrado de alguma forma suas intenções educativas, a atividade pode se revelar contraditória com os objetivos educativos que levaram o
professor a selecioná-la.
Esse tipo de contradição é muito mais comum do que parece. No ensino da leitura, por exemplo, é frequente o professor exigir de um
aluno uma leitura em voz alta de um texto que o próprio aluno lerá pela primeira vez. Logo após essa leitura, o professor pede que ele
comente o que leu, ou faça mn resumo. Faz perguntas sobre as informações contidas no texto e pede-lhe que relacione idéias com outras
anteriormente tratadas em classe. Geralmente, os professores que propõem essa atividade a seus alunos dizem que ela tem o objetivo de
desenvolver a capacidade de ler e interpretar um texto. Mas esses professores se esquecem de que, para ler em voz alta, principalmente mn
texto que está sendo lido pela primeira vez, a atenção do leitor volta-se para a emissão da voz, a entonação, os cuidados com a pontuação.
Ou seja, o leitor, nessas ocasiões, preocupa-se em garantir a audição de sua leitura, não a compreensão lógica e conceituai do que está
lendo. Já uma leitura voltada à compreensão de um texto deve ser silenciosa, visando o entendimento dos raciocínios e, por isso, com idas
e vindas constantes. Se um parágrafo apresenta mna ideia mais difícil, pode-se lê-lo várias vezes. Se mna palavra tem significado
desconhecido, usa-se o dicionário. A leitura em voz alta é contraditória com mna leitura voltada ao estudo, à confecção de um resumo do
texto. A atividade proposta pelo professor fica comprometida por essa contradição.
Quem faz o planejamento
O planejamento é um trabalho individual e de equipe
A elaboração do Planejamento do Ensino é uma tarefa que cada professor deve realizar tendo em vista o conjunto de alunos de uma
determinada classe, sendo, por isso, intransferível. O ideal é desenvolver esse Planejamento em cooperação com os demais professores,
com a ajuda da coordenação pedagógica e mesmo da direção da escola, mas cada professor deve ser o autor de seu Planejamento do
Ensino. Quantas vezes nós, professores, ouvimos um aluno perguntar: - Professor, por que a gente precisa saber isso? Quantas vezes, no
tempo em que éramos alunos, fizemos essa mesma pergunta a nossos professores, sem nunca obter uma resposta satisfatória?
Flexibilidade
Vale lembrar que nenhum Planejamento deve ser uma camisa-de-força para o professor. Existem situações da vida dos alunos, da
escola, do município, do país e do mundo que não podem ser desprezadas no cotidiano escolar e, por vezes, elas têm tamanha importância
que justificam por si adequações no Planejamento do Ensino.
No processo de desenvolvimento do ensino e da aprendizagem, novos conteúdos e objetivos podem entrar em jogo; outros, escolhidos
na elaboração do plano, podem ser retirados ou adiados.
É aconselhável que o professor reflita sobre suas decisões durante e após as atividades, registrando suas idéias, que serão uma das
fontes de informação para melhor avaliar as aprendizagens dos alunos e decidir sobre que caminhos tomar.
Além disso, as pessoas aprendem o mesmo conteúdo de fonnas diferentes; portanto, o Planejamento do Ensino é mn orientador da
prática pedagógica e não mn “ditador de ritmo”, no qual todos os alunos devem seguir uniformemente. Ao longo do ano letivo e a partir
das avaliações, algumas atividades podem se mostrar inadequadas, e será necessário redirecionar e diversificá-las, rever os conteúdos,
fazer ajustes.
Registro
Registrar ajuda a avaliação.
Vale destacar que a fonna de organizar o Planejamento do Ensino aqui apresentado é uma escolha. O importante é o professor ter
alguma fonna de registro de suas intenções, procurando agir pedagogicamente de fonna coerente com os objetivos específicos e gerais
traçados no Projeto de Escola e em seu Planejamento do Ensino. A fonna como cada professor registra seu Planejamento não deve ser fixa,
para que cada profissional possa fazê-lo da fonna como se sente melhor. Mas, se um educador deseja ser um profissional reflexivo, que
pensa criticamente sobre sua prática pedagógica e se desenvolve profissionalmente com esse processo, ele precisa registrar seu
Planejamento do Ensino.
Redigir o projeto não é uma simples fonnalidade administrativa. É a tradução do processo coletivo de sua elaboração [...]. Deve
resultar em um documento simples, completo, claro, preciso, que constituirá um recurso importante para seu acompanhamento e avaliação.
Componentes do planejamento do ensino
O Planejamento do Ensino, chamado também de planejamento da ação pedagógica ou planejamento didático, deve explicitar:
- as intenções educativas - por meio dos conteúdos e dos objetivos educativos, ou das expectativas de aprendizagem;
- como esse ensino será orientado pelo professor - as atividades de ensino e aprendizagem que o professor seleciona para coordenar
em sala de aula, com o propósito de cumprir suas intenções educativas, o tempo necessário para desenvolvê-las;
- como será a avaliação desse processo.
Conteúdos e objetivos
Conteúdo é mna fonna cultural, um tipo de conhecimento que a escola seleciona para ensinar a seus alunos. Infonnações, conceitos,
métodos, técnicas, procedimentos, valores, atitudes e nonnas são tipos diferentes de conteúdos. Infonnações, por exemplo, podem ser
aprendidas em uma atividade, já o algoritmo da multiplicação de números inteiros, que é mn procedimento, não. Esse é um tipo de
conteúdo cuja aprendizagem envolve grandes intervalos de tempo e que necessita de atividades planejadas ao longo de meses, pelo menos.
Valores são conteúdos aprendidos nas relações humanas, ocorram elas no espaço escolar ou não. Muitas vezes, aprender um valor
pode significar também mudar de valor, o que toma o ensino e a aprendizagem de valores, e de atitudes também, um processo complexo,
que não se resolve apenas com a preparação de atividades localizadas. Em uma escola onde o respeito mútuo e o combate a qualquer tipo
de preconceito de gênero, de etnia ou de classe social estejam ausentes no dia-a-dia, não há como ensinar valores e atitudes por meio de
atividades ou “sérias conversas” sobre esses temas.
Os conteúdos do Planejamento do Ensino são aqueles que guiaram a escolha das atividades na elaboração do plano e são os conteúdos
em relação aos quais o professor tentará observar, e avaliar, como se desenvolvem as aprendizagens, pois isso não seria possível fazer com
relação a “todos” os conteúdos presentes na atividade.
Conteúdo do planejamento X Conteúdo das atividades
Em uma atividade de ensino e aprendizagem, os alunos trabalham com vários tipos de conteúdos ao mesmo tempo. Pensando sobre
um conceito de Matemática, os alunos podem estar mais ou menos mobilizados para essa ação, e a mobilização necessária pode ser fruto
de um valor anteriormente aprendido: são alunos que gostam do desafio de aprender, e que identificam na atividade problemas
interessantes que aguçam seu pensamento lógico.
Para resolver uma questão de História ou de Geografia, o aluno precisa mobilizar seus conhecimentos de leitura, lembrar dados e
relações que ele já aprendeu e que lhe permitam compreender a questão feita e pensar em possíveis respostas, ou em possíveis fontes para
obter informações ou esclarecer conceitos. Por fim, terá que mobilizar seus conhecimentos de escrita para redigir a resposta.
Durante uma atividade, alunos interagem com outros alunos e com o educador, e nessas relações inúmeros valores e atitudes entram
em jogo. Quando o professor, ao iniciar um debate, relembra as regras de participação com sua classe, está trabalhando conteúdos
atitudinais ainda que o debate seja sobre reprodução celular.
É preciso lembrar, ainda, que existem conteúdos, geralmente, valores ou atitudes, que são eleitos no Projeto de Escola, e que devem
ser trabalhados em todas as atividades de sala de aula, bem como em todas as relações pessoais ocorridas no espaço escolar. Respeito
mútuo e intolerância com qualquer tipo de discriminação étnica, de gênero ou classe social são dois exemplos desses conteúdos.
Objetivos
Os objetivos educativos do Planejamento do Ensino, também chamados objetivos didáticos ou específicos, ou ainda de expectativas
de aprendizagem, definem o que os professores desejam que seus alunos aprendam sobre os conteúdos selecionados. A fonna tradicional
de redigir um objetivo é utilizar a frase “ao final do conjunto de atividades, cada aluno deverá ser capaz de...”. Não há problema em definir
dessa fonna os objetivos no Planejamento do Ensino, desde que os alunos não sejam obrigados a atingi-los todos ao mesmo tempo.
É possível definir esses objetivos descrevendo as expectativas de aprendizagem da fonna que for mais fácil de compreendê-las.
Os objetivos educativos do Planejamento do Ensino são importantes porque muitos conteúdos, os conceitos científicos entre eles, são
aprendidos em processos que se complementam ao longo da escolaridade. Por exemplo, se um aluno das séries iniciais do Ensino
Fundamental afinnar que célula é uma “coisa” muito pequena que fonna o corpo dos seres vivos, pode-se considerar que seu conhecimento
sobre o conceito de célula está em bom andamento. Mas, se esse for um aluno de la série do Ensino Médio, então, ele está precisando
aprender mais sobre esse conceito.
Os objetivos educativos do Planejamento do Ensino definem o grau de aprendizagem a que se quer chegar com o trabalho pedagógico.
São faróis, guias para os professores, mas não devem se tomar “trilhos fixos”, em sequências que se repetem independentemente da
aprendizagem de cada aluno.
Organização das atividades
Organizar as atividades:
A principal função do conjunto articulado de atividades de ensino e aprendizagem que devem compor o Planejamento do Ensino é
provocar nos alunos uma atividade mental construtiva em tomo de conteúdo(s) previamente selecionado(s), no Projeto de Escola, no
Planejamento do Ensino ou durante sua realização.
Ao escolher uma atividade de ensino e aprendizagem para desenvolver com seus alunos, o professor precisa considerar principalmente
a coerência entre suas intenções - explicitadas pelos conteúdos e objetivos - e as ações que vai propor a eles. Precisa também pensar em
como aquela atividade irá se articular com a(s) anterior (es) e com a(s) seguinte(s). Uma atividade que está iniciando o trabalho sobre um
ou mais conteúdos é muito diferente de uma atividade na qual os alunos estão discutindo um problema real, visto no jornal, por exemplo,
baseados em seus estudos anteriores sobre conceitos que estão em jogo no problema.
As atividades devem ser de acordo com aquilo que se quer ensinar, seja a curto, médio ou longo prazo. A diversidade é uma de suas
características principais: assistir a um filme, a mna peça teatral ou a um programa de TV; realizar produções em equipe; participar de
debates e praticar argumentação e contra argumentação; fazer leituras compartilhadas (em voz alta); práticas de laboratório; observações
em matas, campos, mangues, áreas urbanas e agrícolas; observações do céu; acompanhamento de processos de médio e longo prazo em
Biologia e Astronomia. Idas a museus, bibliotecas públicas, exposições de arte. Pesquisa em livros e revistas, com ou sem uso de
informática e Internet. Assistir a mna exposição por parte do professor.
Novamente, deve-se insistir no fato de que a sequência de atividades que compõe o Planejamento do Ensino deve levar em conta as
experiências dos próprios alunos no decorrer de cada atividade escolhida. Existem planos que se realizam quase integralmente, os que se
realizam em grande parte, ou aqueles que, simplesmente, precisam ser refeitos tendo como critério a avaliação da aprendizagem dos
alunos.
Avaliação continuada
A avaliação continuada, ou mediadora da aprendizagem, indispensável no Planejamento do Ensino, é o instrumento por meio do qual
o professor procura observar o desenvolvimento de seus alunos à medida que o processo de ensino e aprendizagem está em andamento.
Essa observação tem por objetivo regular as atuações do professor, ou seja, dar a ele informações para que seja possível decidir se o que foi
traçado no planejamento está correspondendo ao esperado ou não. Sendo que, no segundo caso, o professor precisa, então, refletir sobre o
que deve mudar para que as aprendizagens esperadas comecem a se realizar ou melhorem. É importante frisar que essa avaliação não tem
por objetivo dar nota aos alunos, mas sim regular o processo de ensino e aprendizagem.
Quando mna professora inicia seu trabalho em uma 2a série e percebe que quase metade de seus alunos não consegue ler um pequeno
bilhete de boas-vindas que ela havia preparado, então, deve começar a pensar no que fazer imediatamente, ou seja, tem que pensar em
como irá articular as atividades de forma a proporcionar o desenvolvimento da leitura a todos os alunos, cada um partindo do estágio em
que se encontra.
Sempre que um professor dá início ao trabalho com algum conteúdo, deve observar o que os alunos já sabem sobre esse conteúdo.
Essa avaliação pode ser chamada de inicial Mas ela não se refere ao início do ano ou do bimestre e, sim, ao início do trabalho pedagógico
com mn determinado conteúdo. A avaliação inicial auxilia o professor a ajustar seu plano de ensino, principalmente considerando as
diferenças entre seus alunos no momento de desenvolver as atividades selecionadas no planejamento.
Quando um professor de Ciências descobre que seus alunos da 6a série não conseguem resolver problemas porque têm dificuldades de
leitura, deverá, então, colaborar com o desenvolvimento da competência leitora de seus alunos, ainda que trabalhando com textos
específicos de sua área, como por exemplo, de divulgação científica, textos expositivos ou argumentativos.
Ao refletirmos sobre a avaliação mediadora do ensino e da aprendizagem em sala de aula, explicitamos uma função importante do
Planejamento do Ensino: ser a referência que o professor utiliza para avaliar continuamente o processo de ensino e aprendizagem, com o
propósito de garantir as aprendizagens dos alunos naqueles conteúdos eleitos no Planejamento. (Texto adaptado de SIGNO- RELI, V.).
2.2 A SALA DE AULA COMO ESPAÇO DE APRENDIZAGEM E INTERAÇÃO.
Na teoria de Henri Wallon, a dimensão afetiva é destacada de forma significativa na construção da pessoa e do conhecimento.
Afetividade e inteligência, apesar de terem funções definidas e diferenciadas, são inseparáveis na evolução psíquica. Entre o aspecto
cognitivo e afetivo existe oposição e complementaridade. Dependendo da atividade há a preponderância do afetivo ou do cognitivo, não se
trata da exclusão de mn em relação ao outro, mas sim de alternâncias em que um se submerge para que o outro possa fluir. A escola é um
campo fértil, onde essas relações a todo tempo se evidenciam, seja através dos conflitos e oposições, seja do diálogo e da interação.
Para Wallon, os conflitos são essenciais ao desenvolvimento da personalidade. O conflito faz parte da natureza, da vida das espécies,
porque somente ele é capaz de romper estruturas prefixadas, limites predefinidos. O conflito atinge os planos sociais, morais, intelectuais e
orgânicos (Almeida, 2001).
Wallon deu destaque ao conflito eu-outro, característico da fase do personalismo (aproximadamente dos 3 aos 6 anos) e da ado-
lescência, segunda e última crise construtiva. O conflito emocional estimula o desenvolvimento, pois resolvê-los implica manter o
equilíbrio entre razão e emoção, o que levará a um maior amadurecimento tanto da afetividade quanto da inteligência.
Só há conflito onde há diferença e o homem sendo um ser múltiplo e diversificado não tem como evitá-lo. No cotidiano escolar,
essencialmente heterogêneo, é imprescindível que o conflito seja encarado como possibilidade favorável ao desenvolvimento emocional e
intelectual dos sujeitos envolvidos no processo ensino- aprendizagem.
Levando em consideração que o cenário educativo é espaço de desejos, afetos e conflitos que constituem a vida inter e intrap- síquica,
presentes em todos os momentos na relação ensino-aprendizagem; é um espaço dialético, onde convivem autoritarismo e diálogo, oposição
e interação, razão e emoção, achamos importante destacar, dentre as observações e entrevistas, realizadas com professores e alunos,
situações e falas que nos parecem importantes na análise do tema.
Conflitos
O foco de análise que iremos priorizar nesse momento é o conflito, entendido como componente de extrema afetividade que exerce
influência nas relações que se estabelecem no cotidiano escolar.
Foi possível perceber que os alunos quando repreendidos pelos professores ao solicitarem mais atenção às aulas, quando disputavam
determinado lugar na sala, quando recebiam apelidos por parte dos colegas, entre outras situações, apresentavam comportamento agressivo
e uma irritabilidade que dificultava as relações entre eles e os demais, chegando a agredir verbalmente os professores, às vezes de forma
direta, outras de forma velada, e principalmente o coordenador de turno e o inspetor de alunos, quando tentavam colocá-los na sala de aula,
pois é comum quererem ficar nos corredores e nas janelas das outras turmas. Porém, apresentavam atitudes antagônicas, pois ao mesmo
tempo em que eram “agressivos” e “sem limites”, momentos depois mostravam atitudes de carinho e companheirismo entre eles e com
alguns professores.
Essas observações nos remeteram à teoria de Wallon, quando ele diz que uma das situações de conflito comuns à realidade escolar é o
que chama de “atitudes de oposição”, que podem ocorrer quando há um motivo concreto como: atividades desinteressantes, atitude
autoritária do professor, dentre outras; ou pelo simples gosto de exercitar a oposição, que provavelmente não seja contra a pessoa, mas
contra o papel de elemento diferenciado que ela ocupa.
Alia-se a isso o fato do adolescente, segundo Wallon, se encontrar numa fase em que se faz necessária a reconstrução da per-
sonalidade. O conflito eu-outro, característico da fase personalista (por volta dos três anos), reaparece na adolescência, instalando uma
nova crise de oposição mais sofisticada do ponto de vista intelectual, no entanto continua sendo um importante recurso para a diferenciação
do eu.
O despreparo para lidar com as questões emocionais e a visão padronizada de comportamentos e valores, dos sujeitos envolvidos na
ação educativa - professores, diretores, coordenadores, inspetores - acirram de forma significativa esses conflitos, na medida em que os vê
como afronta e desrespeito. Sem ter clareza sobre os fatores que provocam tais conflitos, se contagiam com o descontrole emocional dos
alunos, o que os impede de racionalmente controlar a situação e encontrar possíveis caminhos para a sua resolução. Isso não significa que
tudo o que o aluno fizer deverá ser percebido e entendido numa visão psicologizante, mas se faz necessário encarar os conflitos, não
somente como transgressão e abuso e sim de modo que permita a construção de um sujeito consciente de seus limites e possibilidades. A
escola precisa ser espaço de formação de pessoas capazes de serem sujeitos de suas vidas, conscientes de suas opções, valores e projetos de
referência e atores sociais comprometidos com um projeto de sociedade e humanidade (Candau, 2000).
Uma situação vivenciada por nós foi o diálogo ocorrido entre um dos elementos do grupo de pesquisa com um aluno da turma de 5 a
série, turma esta constituída só por meninos repetentes, apresentando faixa etária acima do que naturalmente corresponde à série e
considerados “difíceis” no comportamento e na aprendizagem. Ao levantar questões sobre o trabalho na vida das pessoas, ouvimos o aluno
dizer que - ser ladrão é que é bom, não precisa estudar e ganha muito.
Essa fala fez com que refletíssemos sobre as expectativas em relação à vida, aos valores e projetos de referência construídos por esse
aluno. A escola será capaz de interferir nesse processo de construção, buscando uma mudança na sua expectativa de vida? Contextualiza
essa fala imbricada em questões econômicas e sociais, ou simplesmente confirma a visão dele, na medida em que se omite ou o exclui por
suas atitudes, que não são as esperadas pela escola?
Geralmente o que ocorre, quando se oportuniza situações em que o aluno pode expressar suas idéias, concepções e crenças, é encarar
com perplexidade falas como a citada, percebendo-a como uma atitude de confronto e de agressividade. Às vezes é ignorada por considerar
que o aluno em questão não merece ser levado em consideração ou se assume um discurso moralista, fundamentado nos valores de mna
sociedade conservadora e liberal que se supõe harmônica, e a qual responsabiliza o sujeito e a sua família por seus sucessos e fracassos
ignorando os condicionamentos históricos a que está submetido, ou seja, a origem social das diferenças. Essas atitudes acabam não
possibilitando a reflexão por parte do aluno e, portanto, não interfere em seus posicionamentos.
Refletindo ainda sobre esse fato, trazemos outra situação ocorrida com o mesmo aluno num dia em que o professor, ao constatar que
ele não fazia o exercício, riscou o seu caderno como forma de punição, o que fez com que ele imediatamente se tomasse agressivo, dizendo
que o professor não tinha o direito de fazer aquilo. Então o aluno jogou o caderno no chão e afirmou que não faria mais nada,
permanecendo agressivo durante todo o restante da aula.
Essa situação mostra o quanto a escola ainda não consegue lidar com as situações que se apresentam de fonna diferenciada dos valores
por ela cristalizados ao longo do tempo. O professor ao agir assim, provavelmente tinha como objetivo provocar no aluno a sua atenção e
despertá-lo para a necessidade de realizar a tarefa, mas o fez calcado em sua concepção sobre a importância do conhecimento e da tradição
histórica dos conteúdos escolares, valores esses construídos pela sociedade burguesa. E o aluno? Que valor ele dá ao conhecimento? Que
expectativas têm em relação ao que vai aprender na escola? Será que se julga capaz de aprender?
Retomando a fala do aluno, ser ladrão é que é bom, não precisa estudar e ganha muito, hca evidente que a concepção que tem sobre o
conhecimento não é a mesma da escola. O conhecimento que geralmente é valorizado pela escola nega a legitimidade de conhecimentos e
fonnas vividas pelas classes populares. Como ahnna Candau, a cultura escolar predominante nas nossas escolas se revela como
“engessada”, pouco penneável ao contexto em que se insere, aos universos culturais das crianças e jovens a que se dirige e a
multiculturalidade das nossas sociedades (2000).
Assim, hca claro um desencontro entre a dinâmica cristalizada pela cultura escolar e as diferentes fonnas de conhecimentos e
linguagens dos vários grupos presentes no contexto da escola.
Em algumas aulas observamos a tentativa por parte do professor de impor autoritariamente a disciplina aos alunos, mas apesar disso
não conseguiam fazer com eles se interessassem pela aula; no máximo, conseguiam uma atenção momentânea que rapidamente se
dispersava. Outros procuravam agir com mais democracia, mas não conseguiam ter autoridade suhciente para que fossem respeitados,
eram por muitos alunos ignorados. Esse antagonismo de atitudes nos levou a considerar que tanto o autoritarismo quanto a falta de
autoridade não encontra eco na organização da sala de aula, não favorece a criação de um clima participativo e reflexivo em que a
disciplina não seja vista como um adestramento, mas decorrente da necessidade de estruturação da relação pedagógica em favor da
autonomia e da apropriação do conhecimento. Pelo contrário, geravam conflitos que muitas vezes não conseguiam ser administrados e que
contribuíam para a não efetivação do processo ensino-aprendizagem. É oportuno esclarecer que ao apresentannos essa discussão não
estamos acenando para a falta de diretividade do professor e para a simples aceitação de atitudes dos alunos que em nada contribuem para a
sua fonnação. No entender de Freire, qualquer que seja a qualidade da prática educativa, autoritária ou democrática, ela é sempre diretiva.
No momento, porém, em que o educador ou a educadora interfere na capacidade criadora, fonnuladora, indagadora do educando, de
fonna restritiva, então a diretividade necessária se converte em manipulação, em autoritarismo (2000).
Outro conflito que daremos destaque é o que se refere à discriminação sofrida por um detenninado aluno que apresenta características
femininas e que a todo tempo se defronta com piadinhas feitas pelos colegas e sutilmente incentivadas por um professor. Comentários
como “homem que não gosta de mulher, tem que apanhar, tem que morrer” são constantes entre os alunos.
Que consequências atitudes como estas, podem trazer para as relações estabelecidas na sala de aula e para a visão de mundo que está
sendo construída por esses alunos? O professor, um dos elementos responsáveis pela fonnação do sujeito, mesmo discordando das atitudes
do aluno, podería estar incitando esse preconceito em relação ao diferente?
A contemporaneidade é caracterizada pela diversidade, pela multiplicidade de valores, estilos e comportamentos. Apesar disso, o
preconceito, a discriminação, a valorização de padrões, seja culturais, morais ou sociais, é ainda muito presente em nossas concepções e
atitudes. A proclamação de direitos, de liberdade de expressão, do respeito às diferenças é uma realidade, mas também, é real o hiato
existente entre esses ideais democráticos e as práticas discriminatórias sofridas por aqueles que são considerados como “diferentes” dos
estereótipos estabelecidos. É cada vez maior a conscientização de que estamos vivendo mudanças profundas, mas também que ainda não
somos capazes de entendê-las adequadamente. Nesse sentido, a escola, como lócus da diversidade, de sujeitos concretos e contextualizados
constitui-se em palco desses conflitos e contradições .
A escola vai além do desenvolvimento de um processo instrutivo, de um programa de estudo e teoria, nela se desenvolve também o
que é chamado de currículo oculto, que se refere às consequências não intencionais do processo de escolarização. Segundo McLaren, os
educadores críticos reconhecem que as escolas modelam os estudantes através de situações de aprendizado padronizado, e através de outras
agendas, incluindo regras de conduta, organização de sala de aula e procedimentos pedagógicos informais usados por professores com
grupos especíhcos de estudantes.
Assim, a responsabilidade da escola é imensa, o encaminhamento dado às questões pedagógicas e não-pedagógicas que surgem no seu
dia-a-dia, principalmente na sala de aula assume um importante signihcado na fonnação dos sujeitos, na construção de seus conceitos e
concepções. O desaho de enfrentar os problemas deconentes das diferenças e da pluralidade cultural, social, étnica, entre outras, é cada vez
mais patente no processo educativo e não pode ser silenciado.
Segundo Maturana, as relações humanas que não se baseiam na aceitação do outro como mn legítimo outro na convivência não são
relações sociais. Qualquer tipo de preconceito, seja social, racial, religioso ou de gênero, deve ser questionado, criticado e banido do
espaço escolar se quisennos educar para a aceitação e o respeito de si mesmo, que leva à aceitação e ao respeito do outro (Maturana, 1999,
p.32), para a reconstrução de uma sociedade mais justa e fraterna.
No cotidiano da sala de aula, essas situações de conflito aluno/aluno, aluno/professor são muito comuns. São decorrentes de fatores
diversos. Nesses momentos, a afetividade é intensa, há mn misto de irritação e medo e as crises emocionais são frequentes, gerando muitas
vezes, o descontrole e a redução do nível de discernimento para a resolução dos mesmos. A emoção só será compatí-
vel com os interesses e a segurança do indivíduo se souber se compor com o conhecimento e o raciocínio - seus sucessos - ou seja, se em
parte, deixar-se reduzir (Wallon apud Almeida, 2001, p. 82)
As crises emocionais geralmente impedem o exercício de detenninada atividade cognitiva.
Nas relações de sala de aula, é imprescindível identificar os fatores que agem como “combustíveis” dos conflitos, a fim de permitir
sua análise e suas possibilidades de solução. Portanto, o desafio é buscar o equilíbrio entre a razão e a emoção, indispensável para que a
tensão dialética que penneia a sala de aula possa contribuir na articulação entre o ensino e a aprendizagem.
As interações gestadas na relação eu-outro
Ensinar a condição humana, eis um dos setes saberes necessários à Educação do Futuro propostos por Edgar Morin. Ao falannos das
relações vividas em sala de aula, a citação de Morin assume crucial importância , pois estamos nos referindo à sala de aula não apenas
como espaço de construção de conhecimentos, mas de convivência, de fonnação de seres humanos.
A sala de aula é espaço vivo. Nela, além dos conflitos, há momentos de interação que ocorrem naturalmente entre alunos e professores
e há os que são provocados tanto pelo professor quanto pelo aluno e que se revestem de significado.
Nas observações em sala de aula percebemos, em algumas aulas, um interesse e uma participação maior por parte dos alunos.
Professores que em sua prática pedagógica procuravam criar um clima de respeito e amizade entre eles e os alunos, na medida em que os
tratava de fonna educada e respeitosa, mesmo quando os repreendia, não utilizava expressões que os rotulassem como incapazes, tinha
interesse em ouvi-los, procurando dar um sentido conceituai e significativo a essas falas, relacionando-as ao conteúdo da área e muitas
vezes à fonnação do aluno como pessoa, assim valorizava os conhecimentos e vivências trazidas por eles. Procuravam estimulá-los através
de palavras, gestos, manifestando interesse por eles, como sujeitos importantes e ativos nas relações estabelecidas, tentando delinear novos
percursos que rompessem com a noção de fracasso e de exclusão vivida por muitos alunos. Essas aulas significavam mais que um simples
conteúdo, havia mna relação direta com situações pertinentes a eles.
O que vimos nos pennitiu analisar esse fato embasados no pressuposto de que a construção e reconstrução do saber acontecem quando
se percebe o significado do que está sendo vivenciado, quando há a mobilização e a interação dos sujeitos nesse processo. Quando as
relações professor/aluno/conhecimento permitem a participação, a argumentação, o respeito pela palavra do outro, mesmo em meios aos
tropeços no caminho, há a possibilidade de avanço no processo de aprendizagem.
Nas entrevistas com os alunos foi possível perceber a importância do diálogo na sala de aula, a necessidade que o aluno tem de sentir
que o professor se interessa por ele e também a importância que dão ao que chamaremos aqui de “bom humor” por parte do professor,
definido de fonna variada pelos alunos, mas como referência comum entre eles.
Avaliamos que a não preocupação do professor em tecer uma relação de interação com os alunos acaba provocando uma reação - aí a
gente perturba mesmo - que dificilmente será vista por ele como uma resistência a sua atitude, e sim como desrespeito, rebeldia e falta de
interesse do aluno, que em nada contribuirá para o encaminhamento de possíveis soluções para os conflitos.
Não importa com que faixa etária trabalhe o educador ou a educadora. O nosso é um trabalho com gente, miúda, jovem ou adulta, mas
gente em pennanente processo de busca. Gente fonnando-se, mudando, crescendo, reorientando-se, melhorando, mas porque gente, capaz
de negar os valores, de distorcer-se, de recuar, de transgredir.
Sabemos que a atitude do professor, a fonna como ele interage com a classe, como direciona o seu fazer pedagógico está relacionado
às suas concepções de homem e de mundo, sejam elas conscientes ou inconscientes.
É relevante destacar essa fala para elucidannos a visão construída por muitos professores de que quando falamos de afetividade
estamos nos referindo apenas às manifestações de carinho. A afetividade abrange as paixões, os sentimentos e as emoções, portanto,
também estão nela inseridas as manifestações de agressividade, medo e raiva. O desconhecimento teórico desses conceitos dificulta a
compreensão das relações de reciprocidade e oposição entre afetividade e cognição, e o poder das emoções, sejam elas perturbadoras ou
ativadoras, influindo de fonna estimuladora ou desagregadora na aprendizagem. Isso pode acarretar enganos na interpretação de
detenninadas reações ou ações na sala de aula, levando à redução da capacidade de discernimento tanto do aluno quanto do professor.
O que queremos evidenciar, tanto dos alunos, quanto dos professores é a importância do diálogo na prática educativa. O diálogo
oferece oportunidades, segundo Hemández, para expandir, reconsiderar uma questão ou problema e procurar compreendê-lo de diferentes
maneiras. O que, por sua vez, pennite desenvolver a consciência de aprender e impulsionar estratégias de pensar sobre a própria
aprendizagem.
Além disso, a partir do diálogo, enfatiza-se a reflexão, a investigação crítica, a análise, a interpretação e a reorganização do co-
nhecimento.
O diálogo pode então, ser significativo para estimular o interesse, a necessidade e a conscientização na relação ensino-aprendiza- gem
e pode contribuir para a reciprocidade entre afetividade e aprendizagem, o que não deve ser confundido com pennissividade, o diálogo
entre professores ou professoras e alunos ou alunas não os toma iguais, mas marca a posição democrática entre eles ou elas. Os professores
não são iguais aos alunos por n razões, entre elas porque a diferença entre eles os faz ser como estão sendo. (Texto adaptado de LIMA, C.
A. F.).
2.3 A DIDÁTICA COMO FUNDAMENTO EPISTEMOL ÓGICO DO
FAZER DOCENTE.

Alunos costumam comentar entre si: “gosto desse professor porque ele tem didática”. Outros dizem: “com essa professora a gente tem
mais facilidade de aprender”. Provavelmente, o que os alunos estão querendo dizer é que esses professores têm um modo acertado de dar
aula, que ensinam bem, que com eles, de fato, aprendem. Então, o que é ter didática? A didática pode ajudar os alunos a melhorar seu
aproveitamento escolar?
O que um professor precisa conhecer de didática para que possa levar bem o seu trabalho em sala de aula? Considerando as mudanças
que estão ocorrendo nas formas de aprender e ensinar, principalmente pela forte influência dos meios de informação e comunicação, o que
mudar na prática dos professores?
É certo que a maioria do professorado tem como principal objetivo do seu trabalho conseguir que seus alunos aprendam da melhor
forma possível. Por mais limitações que um professor possa ter (falta de tempo para preparar aulas, falta de material de consulta,
insuficiente domínio da matéria, pouca variação nos métodos de ensino, desânimo por causa da desvalorização profissional, etc.), quando
entra em classe, ele tem consciência de sua responsabilidade em proporcionar aos alunos um bom ensino. Apesar disso, saberá ele fazer um
bom ensino, de modo que os alunos aprendam melhor? É possível melhorar seu desempenho como professor? Qual é o sentido de
“mediação docente” nas aulas?
Os estilos de professor
Há diversos tipos de professores. Os mais tradicionais contentam-se em transmitir a matéria que está no livro didático, por meio de
aula expositiva. É o estilo professor-transmissor de conteúdo. Suas aulas são sempre iguais, o método de ensino é quase o mesmo para
todas as matérias, independentemente da idade e das características individuais e sociais dos alunos. Pode até ser que essas práticas de
passar a matéria, dar exercícios e depois cobrar o conteúdo na prova, tenham algum resultado positivo. Mesmo porque alguns alunos
aprendem “apesar do professor”. O mais comum, no entanto, é o aluno memorizar o que o professor fala, decorar a matéria e mecanizar
fórmulas, definições etc. A aprendizagem que decorre desse tipo ensino (vamos chamá-la de mecânica, repetitiva) serve para responder
questões de uma prova, sair-se bem no vestibular ou num concurso, mas ela não é duradoura, ela não ajuda o aluno a formar esquemas
mentais próprios. O aluno que aprende mecanicamente, na maior parte dos casos, não desenvolve raciocínio próprio, não forma
generalizações conceituais, não é capaz de fazer relações entre um conceito e outro, não sabe aplicar uma relação geral para casos
particulares.
O professor transmissor de conteúdo não favorece uma aprendizagem sólida porque o conteúdo que ele passa não se transforma em
meio de atividade subjetiva do aluno. Ou seja, o aluno não dá conta de explicar uma ideia, uma definição, com suas próprias palavras, não
saber aplicar o conhecimento em situações novas ou diferentes, nem na sala de aula nem fora dela. A participação do aluno é pouco
solicitada, e quando o professor faz uma pergunta, ele próprio imediatamente a responde. É possível que entre os professores que se
utilizam desses procedimentos de ensino haja alguns que levem os alunos a aprender os conceitos de forma mais sólida, que saibam lidar
de forma autônoma com os conceitos. Mas não é o caso da maioria. O que se vê nas instituições de ensino superior é um ensino meramente
expositivo, empírico, repetitivo, memorístico. Os alunos desses professores não aprendem solidamente, ou seja, não sabem lidar de forma
independente com os conhecimentos, não “interiorizam” os conceitos, o modo de pensar, raciocinar e atuar, próprios da matéria que está
sendo ensinada e, assim, os conceitos não se transformam em instrumentos mentais para atuar com a realidade.

O estilo professor-facilitador aplica-se a professores que se julgam mais atualizados nas metodologias de ensino, eles tentam variar
mais os métodos e procedimentos. Alguns deles preocupam-se, realmente, com certas características individuais e sociais dos alunos,
procuram saber os conhecimentos prévios ou as experiências dos alunos, tentam estabelecer diálogo ou investir mais no bom
relacionamento com os alunos. Outros tentam inovar organizando trabalhos em grupo ou estudo dirigido, utilizando recmsos audiovisuais,
dando tarefas que requerem algum tipo de pesquisa. Há, também, em algumas áreas de conhecimento, professores que entendem que a
melhor forma de aprender é colocar os alunos no laboratório na crença de que, fazendo experiências, lidando com materiais, assimilam
melhor a matéria. Essas formas de trabalho didático, sem dúvida, trazem mais vantagens do que aquelas do ensino tradicional. Entretanto,
quase sempre esses professores acabam voltando às práticas tradicionais, por exemplo, não sabem utilizar a atividade própria do aluno para
eles próprios formando conceitos. Com efeito, ao avaliar a aprendizagem dos alunos pedem respostas memorizadas e a repetição de
definições ou fórmulas. Mesmo utilizando técnicas ativas e respeitando mais o aluno, as mudanças metodológicas ficam apenas na forma,
mantendo empobrecidos os resultados da aprendizagem, ou aluno não forma conceitos, não aprende a pensar com autonomia, não
interioriza ações mentais. Ou seja, sua atividade mental continua pouco reflexiva.
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos

Poderiamos mencionar outros estilos de professor: o professor-técnico (preocupado pelo lado operacional, prático da sua matéria, seu
objetivo é saber-fazer, não fazer-pensar-fazer); o professor-laboratório (acha que única forma eficaz de aprender é a pesquisa ou a
demonstração experimental); o professor-comunicador (o típico professor de cursinhos que só sabe trabalhar o conteúdo fazendo graça,
não dando conta de colocar o próprio conteúdo no campo de interesses e motivos do aluno).
Em resmno, muitos professores não sabem como ajudar o aluno a, através de fonnas de mobilização de sua atividade mental, elaborar
de fonna consciente e independente o conhecimento para que possa ser utilizado nas várias situações da vida prática. As atividades que
organizam não levam os alunos a adquirir conceitos e métodos de pensamento, habilidades e capacidades mentais, para poderem lidar de
fonna independente e criativa com os conhecimentos e a realidade, tomando esses conceitos e métodos meios de sua atividade.
Sugerimos para quem deseja um ensino eficaz, tendo em vista aprendizagens mais sólidas dos alunos, a metáfora do professor- -
mediador. Quais são as características do professor mediador? O que caracteriza uma didática baseada no princípio da mediação? Numa
fonnulação sintética, boa didática significa um tipo de trabalho na sala de aula em que o professor atua como mediador da relação
cognitiva do aluno com a matéria. Há uma condução eficaz da aula quando o professor assegura, pelo seu trabalho, o encontro bem
sucedido entre o aluno e a matéria de estudo. Em outras palavras, o ensino satisfatório é aquele em que o professor põe em prática e dirige
as condições e os modos que asseguram um processo de conhecimento pelo aluno. Vejamos isso mais detalhadamente.
Uma pedagogia que valoriza os conteúdos e as ações mentais correspondentes ao modo de constituição desses conteúdos
Uma boa didática, na perspectiva da mediação, é aquela que promove e amplia o desenvolvimento das capacidades intelectuais dos
alunos por meio dos conteúdos. Conforme a teoria lnstórico-cultural, fonnulada inicialmente pelo psicólogo e pedagogo russo Lev
Vigotsky, o objetivo do ensino é o desenvolvimento das capacidades mentais e da subjetividade dos alunos através da assimilação
consciente e ativa dos conteúdos, em cujo processo se leva em conta os motivos dos alunos . O ensino é meio pelo qual os alunos se
apropriam das capacidades humanas fonnadas historicamente e objetivadas na cultura material e espiritual. Essa apropriação se dá pela
aprendizagem de conteúdos, habilidades, atitudes, fonnadas pela humanidade ao longo da história. Confonne as próprias palavras de
Vigotsky:
A intemalização de fonnas culturais de comportamento envolve a reconstrução da atividade psicológica tendo como base as operações
com signos. (...) A intemalização das atividades socialmente enraizadas e historicamente desenvolvidas constitui o aspecto característico da
psicologia humana. (1984, p. 65)
Esse processo de interiorização ou apropriação tem as seguintes características:
a) O desenvolvimento mental dos alunos depende da transmissão-apropriação de conhecimentos, habilidades, valores, que vão sendo
constituídos na história da humanidade;
b) O papel do ensino é propiciar aos alunos os meios de domínio dos conceitos, isto é, dos modos próprios de pensar e de atuar da
matéria ensinada, de modo a fonnar capacidades intelectuais com base nos procedimentos lógicos e investigativos da ciência ensinada;
c) A ação de ensinar, mais do que “passar conteúdo”, consiste em intervir no processo mental de fonnação de conceitos por parte dos
alunos, com base na matéria ensinada;
d) As relações intersubjetivas na sala de aula implicam, necessariamente, a compreensão dos motivos dos alunos, isto é, seus
objetivos e suas razões para se envolverem nas atividades de aprendizagem.
e) A aprendizagem se consolida melhor se forem criadas situações de interlocução, cooperação, diálogo, entre professor e alunos e
entre os alunos, em que os alunos tenham chance de fonnular e opera com conceitos.
Na mesma linha teórica, Davydov afirma que o papel do ensino é desenvolver nos alunos as capacidades intelectuais necessárias para
assimilar e utilizar com êxito os conhecimentos. Ele escreve:
Os pedagogos começam a compreender que a tarefa da escola contemporânea não consiste em dar às crianças uma soma de fatos
conhecidos, mas em ensiná-las a orientar-se independentemente na informação científica e em qualquer outra. Isto significa que a escola
deve ensinar os alunos a pensar, quer dizer, desenvolver ativamente neles os fundamentos do pensamento contemporâneo para o qual é
necessário organizar um ensino que impulsione o desenvolvimento. Chamemos esse ensino de desenvolvimental. (Davydov, 1988).
Confonne Davidov, para que o ensino esteja voltado para o desenvolvimento das capacidades intelectuais dos alunos, é preciso que o
professor conheça quais são os métodos de investigação utilizados pelo cientista (em relação à matéria que ensina), pois é nesses métodos
que encontrará as capacidades intelectuais a serem fonnadas pelos estudantes enquanto estudam a matéria. Em outras palavras, para
aprender a pensar e a agir com base nos conteúdos de uma matéria de ensino é preciso que os alunos dominem aquelas ações mentais
associadas a esses conteúdos, as quais são encontradas nos procedimentos lógicos e investigativos próprios da ciência que dá origem a
esses conteúdos. Conclui-se, daí, que a um professor não basta dominar o conteúdo, é preciso que saiba mais três coisas: a) qual é o
processo de pesquisa pelo qual se chegou a esse conteúdo, ou seja, a epistemologia da ciência que ensina; b) por quais métodos e
procedimentos ensinará seus alunos a se apropriarem dos conteúdos da ciência ensinada e, especialmente, das ações mentais ligadas a esses
conteúdos; c) quais são as características individuais e socioculturais dos alunos e os motivos que os impulsionam, de modo a saber ligar
os conteúdos com esses motivos.

MOVIA, Didatismo e Conhecimento


Moun
Para M. Castells, a tarefa das escolas e dos processos educativos é o de desenvolver em quem está aprendendo a capacidade de
aprender, em razão de exigências postas pelo volume crescente de dados acessíveis na sociedade e nas redes infonnacionais, da
necessidade de lidar com um mundo diferente e, também, de educar a juventude em valores e ajudá-la a construir personalidades flexíveis
e eticamente ancoradas (in Hargreaves, 2001). Também E. Morin expressa com muita convicção a exigência de se desenvolver uma
inteligência geral que saiba discernir o contexto, o global, o multidimensional, a interação complexa dos elementos. Escreve esse autor:
(...) o desenvolvimento de aptidões gerais da mente permite melhor desenvolvimento das competências particulares ou especializadas.
Quanto mais poderosa é a inteligência geral, maior é sua faculdade de tratar problemas especiais. A compreensão dos dados particulares
também necessita da ativação da inteligência geral, que opera e organiza a mobilização dos conhecimentos de conjunto em cada caso
particular. (...) Dessa maneira, há correlação entre a mobilização dos conhecimentos de conjunto e a ativação da inteligência geral (Morin,
2000).
Em síntese, esses estudos destacam, nos processos do ensinar a aprender e a pensar em um campo de conhecimento, o papel ativo dos
sujeitos na aprendizagem e, especialmente, a necessidade dos sujeitos desenvolverem habilidades de pensamento, competências cognitivas,
como meio para compreender e atuar no mundo da profissão, da política, da cultura. Esses meios da atividade aprender são aprendidos pelo
estudante quando desenvolve as ações mentais conexas aos conteúdos, isto é, o modo próprio de pensar, pesquisar e agir que corresponde à
ciência, arte ou tecnologia ensinadas.
A didática e o trabalho dos professores
A didática é uma disciplina que estuda o processo de ensino no qual os objetivos, os conteúdos, os métodos e as formas de organi-
zação da aula se combinam entre si, de modo a criar as condições e os modos de garantir aos alunos uma aprendizagem significativa. Ela
ajuda o professor na direção e orientação das tarefas do ensino e da aprendizagem, fornecendo-lhe mais segurança profissional.
Em que consiste o processo de ensino e aprendizagem? O principio básico que define esse processo é o seguinte: o núcleo da atividade
docente é a relação ativa do aluno com a matéria de estudo, sob a direção do professor. O processo de ensino consiste de uma combinação
adequada entre o papel de direção do professor e a atividade independente, autônoma e criativa do aluno.
O papel do professor, portanto é o de planejar, selecionar e organizar os conteúdos, programar tarefas, criar condições de estudo
dentro da classe, incentivar os alunos para o estudo, ou seja, o professor dirige as atividades de aprendizagem dos alunos a fim de que estes
se tomem sujeitos ativos da própria aprendizagem. Não há ensino verdadeiro se os alunos não desenvolvem suas capacidades e habilidades
mentais, se não assimilam pessoal e ativamente os conhecimentos ou se não dão conta de aplicá-los, seja nos exercícios e verificações
feitos em classe, seja na prática da vida.
Podemos dizer, então, que o processo didático é o conjunto de atividades do professor e dos alunos sob a direção do professor,
visando à assimilação ativa pelos alunos dos conhecimentos, habilidades e hábitos, atitudes, desenvolvendo suas capacidades e habilidades
intelectuais. Nessa concepção de didática, os conteúdos escolares e o desenvolvimento mental se relacionam reciprocamente, pois o
progresso intelectual dos alunos e o desenvolvimento de suas capacidades mentais se verificam no decorrer da assimilação ativa dos
conteúdos. Portanto, o ensino e a aprendizagem (estudo) se movem em tomo dos conteúdos escolares visando o desenvolvimento do
pensamento.
Mas, qual é a dinâmica do processo de ensino? Como se garante o vínculo entre o ensino (professor) e a aprendizagem efetiva
decorrente do encontro cognitivo e afetivo entre o aluno e a matéria?
A pesquisa mais atual sobre a didática utiliza a palavra “mediação” para expressar o papel do professor no ensino, isto é, mediar a
relação entre o aluno e o objeto de conhecimento. Na verdade, trata-se de mna dupla mediação: primeiro, tem-se a mediação cognitiva, que
liga o aluno ao objeto de conhecimento; segundo, tem-se a mediação didática, que assegura as condições e os meios pelos quais o aluno se
relaciona com o conhecimento. Sendo assim, a especificidade de toda didática está em propiciar as condições ótimas de transformação das
relações que o aprendiz mantém com o saber. Escreve D'Ávila:
A relação com o saber é, portanto, duplamente mediatizada: uma mediação de ordem cognitiva (onde o desejo desejado é reconhecido
pelo outro) e outra de natureza didática que toma o saber desejável ao sujeito. É aqui que as condições pedagógicas e didáticas ganham
contornos, no sentido de garantir as possibilidades de acesso ao saber por parte do aprendiz educando. (2008)
A força impulsionadora do processo de ensino é mn adequado ajuste entre os objetivos/conteúdos/métodos organizados pelo professor
e o nível de conhecimentos, experiências e motivos do aluno. O movimento permanente que ocorre a cada aula consiste em que, por mn
lado, o professor propõe problemas, desafios, perguntas, relacionados com conteúdos significativos, instigantes e acessíveis; por outro
lado, os alunos, ao assimilar consciente e ativamente a matéria, mobilizam seus motivos, sua atividade mental e desenvolvem suas
capacidades e habilidades. Portanto, um bom planejamento de ensino depende da análise e organização dos conteúdos junto com a análise
e consideração dos motivos dos alunos.
Essa forma de compreender o ensino é muito diferente do que simplesmente passar a matéria ao aluno. É diferente, também, de dar
atividades aos alunos para que fiquem “ocupados” ou aprendam fazendo. O processo de ensino é um constante vai-e-vem entre conteúdos e
problemas que são colocados e as características de desenvolvimento e aprendizagem dos alunos. É isto que caracteriza a dinâmica da
situação didática, numa perspectiva liistórico-cultural.
Insistimos bastante na exigência didática de partir do nível de conhecimentos já alcançado, da capacidade atual de assimilação e do
desenvolvimento mental do aluno, dos motivos do aluno. Ou seja, não existe o aluno em geral, mas um aluno vivendo numa sociedade
determinada, que faz parte de um grupo social e cultural determinado, sendo que essas circunstâncias interferem na sua capacidade de
aprender, nos seus valores e atitudes, na sua linguagem e suas motivações. Ou seja, a subjetividade (os motivos) e a experiência
sociocultural concreta dos alunos são o ponto de partida para a orientação da aprendizagem. Um professor que aspira ter uma boa didática
necessita aprender a cada dia como lidar com a subjetividade dos alunos, seus motivos, sua linguagem, suas percepções, sua prática de
vida. Sem essa disposição, será incapaz de colocar problemas, desafios, perguntas, relacionados com os conteúdos, condição para se
conseguir uma aprendizagem significativa.
Essas considerações mostram o traço mais marcante de uma didática crítico-social na perspectiva histórico-cultural: o trabalho
docente como mediação entre a cultura elaborada, convertida em saber escolar, e o aluno que, para além de um sujeito psicológico, é um
sujeito portador da prática social viva. O modo adequado de realizar a mediação didática, pelo trabalho dos professores, é o provimento aos
alunos dos meios de aquisição de conceitos científicos e de desenvolvimento das capacidades cognitivas e operativas, dois elementos da
aprendizagem escolar interligados e indissociáveis.
O ensino e o desenvolvimento do pensamento - O ensino para o desenvolvimento humano
A teoria do ensino desenvolvimental de Vasíli Davydov, baseada na teoria histórico-cultural de Vvgotsky. sustenta tese de que o bom
ensino é o que promove o desenvolvimento mental, isto é, as capacidades e habilidades de pensamento. Segundo Vygotsky, a
aprendizagem e o ensino são fonnas universais de desenvolvimento mental. Para Davydov, a atividade de aprendizagem está assentada no
conhecimento teórico-científico, ou seja, no desenvolvimento do pensamento teórico e nas ações mentais que lhe correspondem. É
importante esclarecer que, na teoria histórico-cultural elaborada entre outros por Vygotsky, Leontiev e Davídov, pensamento teórico ou
conceito não tem o sentido de “estudar teoria”, de lidar com o conteúdo só na teoria. Em outro texto escreví sobre isso:
Na teoria lnstórico-cultural, conceito não se refere apenas às características e propriedades dos fenômenos em estudo, mas a uma ação
mental peculiar pela qual se efetua uma reflexão sobre um objeto que, ao mesmo tempo, é um meio de reconstrução mental desse objeto
pelo pensamento. Nesse sentido, pensar teoricamente é desenvolver processos mentais pelos quais chegamos aos conceitos e os
transformamos em ferramentas para fazer generalizações conceituais e aplicá-las a problemas específicos. Como escreve Seth Chaiklin,
conceito significa um conjunto de procedimentos para deduzir relações particulares de uma relação abstrata. (LIBÂNEO, 2008 ).
O ensino, portanto, propicia a apropriação da cultura e da ciência, e o desenvolvimento do pensamento, por meio da fonnação e
operação com conceitos. São dois processos articulados entre si, fonnando uma unidade: Podemos expressar essa ideia de duas maneiras:
• à medida que o aluno fonna conceitos científicos, incorpora processos de pensamento e vice-versa.
• enquanto fonna o pensamento teórico-científico, o aluno desenvolve ações mentais mediante a solução de problemas que suscitam
sua atividade mental. Com isso, o aluno assimila o conhecimento teórico e as capacidades e habilidades relacionadas a esse conhecimento.
Sendo assim, o papel da escola é ajudar os alunos a desenvolver suas capacidades mentais, ao mesmo tempo em que se apropriam dos
conteúdos. Nesse sentido, a metodologia de ensino, mais do que o conjunto dos procedimentos e técnicas de ensino, consiste em
instrumentos de mediação para ajudar o aluno a pensar com os instrumentos conceituais e os processos de investigação da ciência que se
ensina. Por exemplo, a boa pedagogia da física é aquela que consegue traduzir didaticamente o modo próprio de pensar, investigar e atuar
da própria física. Boa pedagogia da geografia é aquela cujo aluno sai das aulas pensando, raciocinando, investigando e atuando como o
modo próprio de pensar, raciocinar, investigar e atuar da geografia.
Trata-se, assim, de fazer a junção entre o conteúdo e o desenvolvimento das capacidades de pensar. A ideia central contida nessa
teoria é simples: ensinar é colocar o aluno numa atividade de aprendizagem. A atividade de aprendizagem é a própria aprendizagem, ou
seja, com base nos conteúdos, aprender habilidades, desenvolver capacidades e competências para que os alunos aprendam por si mesmos.
É essa ideia que Davydov defende: a atividade de aprender consiste em encontrar soluções gerais para problemas específicos, é apreender
os conceitos mais gerais que dão suporte a um conteúdo, para aplicá-los a situações concretas. Esse modo de ver o ensino significa dizer
que o ensino mais compatível com o mundo da ciência, da tecnologia, dos meios de comunicação, é aquele que contribui para que o aluno
aprenda a raciocinar com a própria cabeça, que fonne conceitos e categorias de pensamento decorrentes da ciência que está aprendendo,
para lidar praticamente com a realidade. Os conceitos, nessa maneira de ver, são ferramentas mentais para lidar praticamente com
problemas, situações, dilemas práticos, etc.
Explicitando essa ideia numa fonnulação mais completa, podemos dizer: o modo de lidar pedagogicamente com algo, depende do
modo de lidar epistemologicamente com algo, considerando as condições do aluno e o contexto sociocultural em que ele vive (vale dizer,
as condições da realidade econômica, social, etc.). Trata-se, portanto, de unir no ensino a lógica do processo de investigação com os
produtos da investigação. Ou seja, o acesso aos conteúdos, a aquisição de conceitos científicos, precisa percorrer o processo de
investigação, os modos de pensar e investigar da ciência ensinada. Não basta aprender o que aconteceu na história, é preciso pensar
historicamente. Pensar matematicamente sobre matemática, biologicamente sobre biologia, linguisticamente sobre português.
Essa fonna de entender a atividade de ensino das disciplinas específicas requer do professor não apenas o domínio do conteúdo mas,
também, dos procedimentos investigativos da matéria que está ensinando e das fonnas de pensamento, habilidades de pensamento que
propiciem uma reflexão sobre a metodologia investigativa do conteúdo que se está aprendendo. Ensinar, portanto, é adquirir meios do
pensar, através dos conteúdos. Em outras palavras, é desenvolver nos alunos o pensamento teórico, que é o processo através do qual se
revela a essência e o desenvolvimento dos objetos de conhecimento e com isso a aquisição de métodos e estratégias cognoscitivas gerais de
cada ciência, em função de analisar e resolver problemas. Escreve a esse respeito Rubtsov:
A aquisição de um método teórico geral visando à resolução de uma série de problemas concretos e práticos, concentrando-se naquilo
que eles têm em comum e não na resolução específica de um entre eles, constitui-se numa das características mais importantes da
aprendizagem. Propor um problema de aprendizagem a mn escolar é confrontá-lo com mna situação cuja solução, em todas as suas
variantes concretas, pede mna aplicação do método teórico geral. (...) Podemos definir o processo de resolução de mn problema como o da
aquisição das fonnas de ação características dos conteúdos teóricos. O tenno “fonna de ação geral”, também chamado de fonna de ação
universal, designa aquilo que é obtido como resultado ou modo de funcionamento essencial para trazer soluções para os problemas de
aprendizagem; mais do que soluções, é este resultado particular que constitui o objeto desses problemas (Rubtsov, 1996).
Nesses tennos, o papel da didática é: a) ajudar os alunos a pensar teoricamente (a partir da fonnação de conceitos); b) ajudar o aluno a
dominar o modo de pensar, atuar e investigar a ciência ensinada; c) levar em conta a atividade psicológica do aluno (motivos) e seu
contexto sociocultural e institucional.
Para chegar à consecução desses objetivos, o professor precisa saber como trabalhar a matéria no sentido da fonnação e operação com
conceitos. Para isso, no trabalho com os conteúdos, podem ser seguidos três momentos:
Io) Análise do conteúdo da matéria para identificar um princípio geral, ou seja, uma relação mais geral, um conceito nuclear, do qual
se parte para ser aplicado a manifestações particulares desse conteúdo.
2o) Realizar por meio da conversação dirigida, do diálogo com os alunos, da colocação problemas ou casos, tarefas que possibilitem
deduções do geral para o particular, ou seja, aplicação do princípio geral (relação geral, conceito nuclear) a problemas particulares.
3o) Conseguir com que o aluno domine os procedimentos lógicos do pensamento (ligados à matéria) que têm caráter generalizan- te.
Ao captar a essência, isto é, o princípio interno explicativo do objeto e suas relações internas, o aluno se apropria dos métodos e estratégias
cognitivas dos modos de atividades anteriores desenvolvidas pelos cientistas; o aluno reproduz em sua mente o percurso investigativo de
apreensão teórica do objeto realizado pela prática científica e social.
Todos esses momentos devem estar conectados com os motivos e objetivos subjetivos do aluno, ampliados com as necessidades
sociais de estudar e aprender interpostos pelo professor, na sua condição de educador.
O caminho didático: sugestões para elaboração de planos de ensino
Ao assmnir o ensino de uma matéria, os professores geralmente partem de mn conteúdo já estabelecido num projeto pedagógico- -
curricular. O procedimento da análise de conteúdo indicado na didática desenvolvimental pode levar a uma organização do conteúdo muito
diferente da existente na instituição, ou seja, os temas podem ser os mesmos, mas a sequência e a lógica de estruturação podem ser outras.
Os procedimentos a serem utilizados em relação à fonnulação de conteúdos, objetivos e metodologia podem ser os seguintes:
a) Identificar, o núcleo conceituai da matéria (essência, principio geral básico) e as relações gerais básicas que a definem e lhe dão
unidade. Este núcleo conceituai contém a generalização esperada para que o aluno a interiorize, de modo a poder deduzir relações
particulares da relação básica identificada.
b) Construir a rede de conceitos básicos que dão suporte a esse núcleo conceituai, com as devidas relações e articulações (mapa
conceituai).
c) Estudo da gênese e dos processos investigativos do conteúdo, de modo a extrair ações mentais, habilidades cognitivas gerais a
fonnar no estudo da matéria.
d) Fonnulação de tarefas de aprendizagem, com base em situações-problema, que possibilitem a fonnação de habilidades cognitivas
gerais e específicas em relação à matéria.
e) Prever fonnas de avaliação para verificar se o aluno desenvolveu ou está desenvolvendo a capacidade de utilizar os conceitos
como fenamentas mentais. (Texto adaptado de LIBÂNEO, J. C.).
3 PRINCIPAIS TEORIAS DA APRENDIZAGEM.
As Teorias de Aprendizagem estão abaixo discriminadas compreendendo o item 3.1 e 3.2:

3.1 INATISMO, COMPORTAMENTALISMO, BEHAVIORISMO,


INTERACIONISMO, COGNITIVISMO.
3.2 AS BASES EMPÍRICAS, METODOLÓGICAS E EPISTEMOLÓGICAS DAS
DIVERSAS TEORIAS DE APRENDIZAGEM.
Para entender os pontos centrais da natureza da aprendizagem é necessário reporta-se ao seu desenvolvimento histórico, filosófico e
psicológico. Várias correntes de pensamento se desenvolveram e se definiram para os modelos educacionais: “a corrente empi- rista, o
inatismo ou nativismo, as associacionistas, os teóricos de campos e os teóricos do processamento da informação ou psicologia cognitivista,
o construtivismo e sócio construtivismo”. (SILVA, 1998).
Segundo Mizukami (1986), a corrente empirista fundamenta-se no princípio de que o homem é considerado desde o seu nascimento
como sendo uma “tábula rasa”, mna folha de papel em branco, e sobre esta folha vão sendo impressas suas experiências sensório-motoras.
O conhecimento é mna cópia de algo dado no mundo externo, ou seja, é mna “descoberta” e é nova para o sujeito que a faz. Portanto, o
que foi descoberto já se encontrava presente na realidade exterior.
O inatismo ou nativismo refere-se a hereditariedade do sujeito. Suas características são determinadas desde o seu nascimento. A
hereditariedade permite argumentar que o sujeito é basicamente bom/mau/racional, ativo ou passivo em sua relação com o meio. Presume-
se nesta teoria que as propriedades básicas do sujeito como a inteligência, personalidade, motivos, percepções, emoções, existam pré-
fonnadas desde o nascimento.
Teorias de Aprendizagem: Associacionista/Behaviorista (Comportamentalismo)
Essas teorias se baseiam na similaridade das tarefas. A aprendizagem consiste em gravar respostas corretas e eliminar as incorretas. A
transferência da aprendizagem ocorre à medida que existem elementos idênticos em duas situações.
Segundo Barros (1998) os associacionistas têm como principal pressuposto explicar que o comportamento complexo é a combinação
de mna série de condutas simples. Os precursores dessa corrente foram Edward L. Thomdike e B. F. Skinner e suas expectativas teorias do
comportamento reflexo ou estímulo e resposta.
Associacionismo x Aprendizagem
A aprendizagem estabelece novas relações que tem como fundamento a lei da contiguidade (proximidade). De acordo com essa lei, as
associações se formam entre as experiências ou as tarefas realizadas pelo sujeito, entre os elementos estímulo percebido ou resposta
fornecida pelo próprio sujeito.
Isso ocorre quando esses elementos se encontram próximos uns dos outros quer no espaço ou no tempo.
Segundo Bill e Forisha (1978), o conceito de aprendizagem de Thomdike, consiste na fonnação de laços associativos ou conexões que
são os processos de ligação de acontecimentos físicos, estímulos e mentais, percebidos ou sentidos.
A aprendizagem é o processo de selecionar e associar as unidades físicas e as unidades mentais que são percebidas ou sentidas. Este
processo é passivo e mecânico. O tenno “selecionar e associar”, é conhecido populannente pelos educadores e psicólogos como “ensaio e
erro”.

Moun
APOCTIWS PARA CONCUBOÇ PÚBLICOS
A aprendizagem corresponde à atividade de gravar respostas corretas e eliminar as incorretas ou desagradáveis, isto é, dentro de um
processo de recompensas ou opiniões. Este processo denomina-se “Lei de Efeito”.
Behaviorismo/Aprendizagem
O comportamento segundo a psicologia é compreendido para poder prevê-lo e se possível modificá-lo.
Segundo Barros (1998), a relação estímulo-reposta é demonstrada através do esquema de comportamento E-R, onde E significa
estímulo ou conjunto de estímulos e R significa reação ou resposta. Sobre este esquema pode-se dizer que um estímulo provoca uma
reação (ou resposta) ou uma “reação (ou resposta) é provocada por um estímulo”.
Um aspecto central do comportamento como corrente associacionista é seu anticonstrutivismo. Sua teoria é do tipo E-R (estímulo e
resposta). Todo o comportamento, por mais complexo que seja, é redutível a uma série de associações entre elementos simples, ou seja,
entre estímulos e respostas.
O comportamento tem sido definido como “o conjunto das reações ou respostas que mn organismo apresenta às estimulações do
ambiente”. (Barros, 1998, p. 19). O comportamento é classificado em inato ou natural (invariável), adquirido ou aprendido (variável) e em
respondente ou operante.
No comportamento inato ou natural (invariável), os seres da mesma espécie apresentam reações quando recebem determinado
estímulo. Ao contrário no comportamento adquirido ou aprendido (variável), as reações necessitam de aprendizagem para se processarem
quando o organismo recebe o estímulo.
A aprendizagem é definida como sendo a modificação do comportamento ou aquisição de novas respostas ou reações. Toda a
aprendizagem consiste em condicionar respostas. A aprendizagem oral, da linguagem escrita, por exemplo, são reações apresentadas a
vários estímulos devido a certas condições de experiência anterior (Barros 1998).
Segundo Gates citado por (Barros 1998), exemplifica com muita clareza como se dá a aprendizagem pelo processo de condi-
cionamento: quando se mostra a uma criança uma folha, esta reage fazendo a representação mental do objeto. Se, ao mesmo tempo em que
o objeto é mostrado, se disser a palavra “folha “e se repetir esta certo número de vezes, a criança chegará a pensar no objeto apenas por
ouvir a palavra”“. Neste caso aprende a significação da linguagem falada. Mais tarde, podemos mostrar o objeto enquanto a criança olha a
palavra impressa.
Tempos depois, o objeto, um retrato do objeto, a palavra falada, escrita ou impressa podem se ligar às palavras francesas “la feuille”, e
reagindo aos estímulos simultâneos, a criança chegará a pensar no objeto ao ver a palavra francesa.
Na concepção behaviorista, educar seria estabelecer “condicionamentos” na infância. Skinner, em seus experimentos, observou que
uma reação é repetida quando é seguida de um efeito agradável. Edward Lee Tomdike fonnulou a Lei do Efeito que considera que o
organismo tende a repetir a reação do efeito agradável. Este efeito que ocorre após o sujeito apresentar uma reação é chamado de reforço
positivo. E, de acordo com Barros (1998), é um requisito necessário para que ocorra a aprendizagem. É neste sentido que o sujeito do
bahaviorismo é passivo, e a aprendizagem não é uma qualidade intrínseca do organismo, mas necessita ser impulsionada a partir do
ambiente.
Skinner (apud Barros 1998) conceitua os reforços como eventos que tomam mna reação mais frequente, e aumentam a probabilidade
de sua ocorrência. Os reforços se classificam em positivos e negativos. Os reforços positivos consistem na apresentação de estímulos, no
acréscimo de um evento à situação. Os reforços negativos por sua vez, consistem na remoção de um evento. Nestes dois tipos de reforços,
o efeito será o mesmo e a probabilidade da resposta será aumentada.
Os reforços positivos se constitui na apresentação de estímulos, no acréscimo de alguma coisa a situação e os reforços negativos é a
remoção de alguma coisa da situação. Classificam-se também em primários e secundários. Nos reforços primários a apresentação de
estímulos é de importância biológica, e o reforço secundário é a apresentação de mn estímulo, que antes era neutro, passa a associar-se a
estímulos de importância biológica e sua propriedade reforçada foi adquirida como, por exemplo, o elogio, o sorriso, o dinheiro, etc.
O organismo humano seria então, controlado pelas contingências primárias (naturais), e nisso consiste o processo de educação ou
treinamento social, isto é, aumentar as contingências de reforço e sua frequência utilizando-se de sistemas organizados, pragmáticos, que
lançam mão de reforços secundários associados aos primários (naturais). A finalidade dessa associação é de obter detenninados
comportamentos preestabelecidos, seja com maior ou menor rigor. O objetivo do reforço é, portanto, tomar mna resposta frequente, ou
seja, evitar a extinção (remoção) de mna resposta do comportamento do sujeito (Mizukami, 1986).
Aplicação no Processo Ensino-aprendizagem
Segundo Mizukami (1986), no ensino-aprendizagem os comportamentos dos alunos são listados e mantidos por condicionamentos e
reforçadores arbitrários tais como elogios, graus, notas, prêmios, reconhecimento do professor e colegas, prestígio, etc.; os mesmos estão
associados com uma classe reforçadora mais generalizadas como o diploma, vantagens da futura profissão, a aprovação final do curso,
status, etc.
O ensino para Skinner corresponde ao arranjo de contingências para uma aprendizagem eficaz. Este arranjo depende de elementos
observáveis na presença dos quais o comportamento ocorre, seja uma resposta, um evento antecedente um evento consequente (reforço) e
fatores contextuais.
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos

Para este mesmo autor, de acordo com a teoria do reforço, é possível programar o ensino para qualquer comportamento, como o
pensamento crítico e criatividade, desde que seja possível definir previamente o plano final desejado.
A proposta de aprendizagem será estruturada de maneira a dirigir os alunos pelos caminhos adequados que conduzirão ao com-
portamento final desejado. Ainda segundo Skinner, o comportamento humano é modelado e reforçado, o que implica em recompensa e
reforço. Para proceder a análise comportamental do ensino, é necessário considerar os elementos do ensino, bem como as respostas do
aluno, pois o ensino é composto por padrões de comportamento, seguindo objetivos prefixados (Mizukami, 1986).
No comportamentalismo, o homem é considerado como uma consequência das influências do meio ambiente é considerado como
produto do meio (Mizukami, 1986) e este pode ser manipulado. Para que a formulação das relações entre o organismo e seu meio ambiente
sejam adequadas, é necessário considerar três aspectos: a ocasião na qual a resposta ocorreu a própria resposta e as consequências
reforçadas. A relação entre esses elementos constituem as contingências de reforço.
Skinner (1986) considera que qualquer ambiente físico ou social, deve ser avaliado de acordo com seus efeitos sobre a natureza
humana. Para este autor, o conhecimento tem como base a experiência planejada, sendo resultado direto da experiência. Sua preocupação,
portanto, não é com a aprendizagem, e sim com o comportamento observável.
A educação está intimamente ligada à transmissão cultural, pois deverá transmitir os conhecimentos assim como os comportamentos
éticos, práticos e sociais. São habilidades consideradas básicas para a manipulação e controle do mundo/ambiente (cultural etc.). A
educação tem como objetivo básico promover mudanças desejáveis no sujeito. Essas mudanças implicariam na aquisição de novos
comportamentos e também na modificação dos comportamentos já existentes (Mizukami, 1986).
A escola direciona os comportamentos dos alunos segundo determinadas finalidades sociais. O conteúdo pessoal será socialmente
aceito. Os conteúdos programáticos serão estabelecidos e ordenados nmna sequência lógica e psicológica. É matéria de ensino apenas o
que é redutível ao conhecimento observável e mensurável.
Papel do professor e do aluno
- Papel do Professor
Em uma abordagem behaviorista (comportamentalista), o professor é considerado transmissor de conhecimento ao aluno e administra
as condições da transmissão do conteúdo. Nesta teoria o professor é considerado um planejador e mn analista de contingências. O
professor deverá decidir os passos de ensino, os objetivos intermediários e finais com base em critérios que fixam os comportamentos de
entrada e os comportamentos que o aluno deverá exibir durante o processo de ensino.
O professor tem uma função de arranjar as contingências de reforço de maneira a possibilitar o aumento da probabilidade de
ocorrência de uma resposta a ser aprendida. Ela deverá dispor e planejar melhor as contingências desses reforços em relação às respostas.
O professor acaba por ser um elo de ligação entre a verdade científica e o aluno.
O professor tem também a função de garantir a eficácia da transmissão do conhecimento, não importando as relações afetivas e
pessoais dos sujeitos envolvidos no processo ensino- aprendizagem. Sua tarefa é modelar respostas apropriadas aos objetivos instru-
cionais, sendo que a principal é conseguir um comportamento adequado.
Ao mestre cabe questionar cada conteúdo a ser apresentado. O aluno é incapaz de assimilar algo novo. Uma vez que o sujeito é
considerado totalmente determinado pelo mundo do objeto ou meio físico e social. Em uma sala de aula, o mundo é representado pelo
professor que acredita que somente ele pode produzir e transferir novos conhecimentos para o aluno. Este processo, portanto, não
considera o que o estudante sabe. Em nível de abstração ou formalização, tudo pode ser transferido ou transmitido para o aluno (Becker,
1989).
- Papel do aluno
Em uma abordagem behaviorista o aluno não possui qualquer conhecimento. A capacidade de conhecimento do aluno vem do meio
físico/social. O aluno recebe, escuta, escreve e repete as informações tantas vezes quanto forem necessárias, até acumular em sua mente o
conteúdo que o professor repassou.
O aluno aprende se executar os conteúdos que o professor determinar. Ele é responsivo, aprende se o professor ensinar (Becker,
1989). Com base nesta informação pode-se dizer que o professor transmite e ensina todo o conteúdo em questão ao aluno. O aluno não cria
nem inventa, reproduz o que aprende.

MOVIA, Didatismo e Conhecimento


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Tarefa prescrita do professor e do aluno no desenvolvimento ensino-aprendizagem

- Tarefa prescrita do professor

• Transmite o conhecimento;
• Detennina o objetivo;
• Detennina o ritmo do ensino;
• Fixa os comportamentos finais do aluno;
• Avalia o aluno segundo os objetivos alcançados.
Tarefa prescrita do aluno
• Escuta o professor;
• Repete as infonnações transmitidas pelo mestre, tantas vezes quanto forem necessárias, para aprender o conteúdo transmitido;
• Questiona pouco (ou quase nada);
• Procura repetir o conhecimento do professor (na maioria das vezes utilizando-se do mesmo vocabulário);
• É pouco criativo
Avaliação no Processo Ensino-aprendizagem
O aluno será avaliado ao atingir os objetivos propostos, isto é, quando o programa for conduzido até o final de maneira correta. A
avaliação será ligada aos objetivos estabelecidos. Pode-se fazer pré-testagem, com a finalidade de conhecer os comportamentos prévios e a
partir daí, planejar e executar as etapas seguintes do processo ensino-aprendizagem. Os alunos são modelados à medida que tem
conhecimento dos resultados de seu comportamento. No final do processo ocorre a avaliação com o objetivo de medir os comportamentos
finais.
Teorias de Aprendizagem: Gestalt
Esta teoria Tem com base a representação global de mna situação. As escolas da corrente dos teóricos de campo são representadas na
Gestalt e suas teorias são centradas sobre a atividade do indivíduo.
Segundo Barros (1988), a Gestalt é representada pelos alemães Wertheimer, Koffka e Kõhler, e Para os representantes da corrente
Gestáltica (psicologia da fonna) a atividade e o comportamento do sujeito são detenninados de acordo com o modo pelo qual vê e
compreende a estrutura dos elementos da situação problema. Para Koffka a percepção e pensamento não podem ser reduzidos a um
acúmulo de sensações ou associações individuais, mas, são detenninadas pela estrutura global.
Para Pozo (1988), o paradigma da aprendizagem consiste na solução de problemas que tem como princípio o todo (a globalidade) para
as partes (o todo não pode ser compreendido pela separação das partes) e na organização dos padrões de percepção.
Em Pozo (1998), na Gestalt, as idéias de Kõhler (1929) são opostas aos princípios do associacionismo (ou anticonstrutivista). Esta
escola não aceita a concepção do conhecimento como a soma de partes preexistentes. A unidade mínima de análise é a estrutura ou a
globalidade. Rejeita a ideia de que o conhecimento tenha natureza cumulativa ou quantitativa, de tal maneira que qualquer atividade ou
procedimento podería transfonnar-se em várias partes aleatoriamente separadas.
A insistência na estrutura global dos fatos e dos conhecimentos concede maior importância à compreensão do que a simples
acumulação de conhecimentos. Isso fez com que Wertheimer em 1945 distinguisse o pensamento reprodutivo do pensamento produtivo. O
pensamento reprodutivo se constitui de conhecimentos previamente adquiridos à situações novas e o pensamento produtivo por sua vez,
implica no descobrimento de uma organização perceptiva ou conceituai, com relação ao problema a ser tratado, isto é, a compreensão real
do problema, como compreender o problema que é vantajoso em relação a simples aprendizagem mnemônica ou reprodutiva. Isso porque
essa compreensão resulta mais fácil de ser generalizada a outros problemas estruturalmente semelhante.
Para este autor, obter a solução produtiva de um problema é algo fundamental para a compreensão do mesmo. Para que ocorra uma
solução produtiva de um problema, é necessário captar aspectos estruturais da situação além de elementos que a compõem (Pozo, 1998).
Gestalt x Aprendizagem
O psicólogo Wertheimer (1945) utiliza-se da história da ciência como área de estudo da psicologia do pensamento e da aprendizagem.
Este autor considera que cada um dos mecanismos de aprendizagem associativa corresponde a um mecanismo alternativo nas concepções
gestálticas (Pozo 1998).
Wertheimer considera ainda que a associação é como a compreensão da relação estrutural entre uma série de elementos que
necessitam uns dos outros, auxiliando dessa forma a captar as relações entre os elementos dentro da estrutura. O “ensaio e erro” deixaria de
ser aleatório (incerto), para se converter em mna comprovação estrutural de hipóteses significativas. O aluno aprende reinterpretando seus
erros e acertos, compreendendo as razões estruturais que o tomaram possível.
A compreensão de um problema para Wertheimer está vinculada a uma tomada de consciência de seus aspectos estruturais ou
“insight”, que significa “achar subitamente a solução para uma situação difícil”, “perceber relações entre os elementos de uma situação”. O
“insight” só é possível quando mna situação de aprendizagem é arranjada de maneira que se possa observar todos os seus aspectos. Se
houver a omissão de qualquer um dos aspectos, não ocorrerá o “insight”, portanto, não haverá solução.
Se um problema tiver várias estruturas e alguma delas resultar mais imediata ou mais fácil para que o sujeito perceba a reestruturação
dessas estruturas vai se apresentar mais facilmente, mais imediata.
Segundo Barros (1998), na teoria da Gestalt o sujeito tem várias formas de aprendizagem, que são: gradação, diferenciação,
assimilação e redefinição.
A aprendizagem por gradação implica em estabelecer um relacionamento sucessivo entre as várias partes de algo percebido. Kõlher,
em seus experimentos, demonstrou que o aluno quando do início de sua aprendizagem, percebe a forma total, a Gestalt das coisas. O autor
aconselha que o ensino inicial para os alunos, deve ser composto de frases e palavras completas oportunizando o estabelecimento deste
tipo de ralação. Em uma frase completa, o aluno percebe as sílabas e as letras.
O processo de diferenciação consiste em destacar, no todo, mna parte do objeto que se está percebendo. Isso ocorre quando um
elemento é apresentado em diferentes situações, permitindo que a mente o destaque como sendo o mais notado entre os demais, ou como
sendo uma figura, permitindo que as partes restantes formem o fundo. Este princípio é chamado de princípio da unidade dentro da
variedade de diferentes situações, sendo uma condição de extrema importância para que se diferencie um elemento entre os demais. Como
exemplo, pode-se apresentar no início da aprendizagem uma mesma palavra em várias frases de modo que a mesma se destaque. Como por
exemplo: Lili tem mna pata; A pata nada no lago; As penas da pata são brancas.
Ainda no processo de diferenciação, existe um segundo princípio que pennite o destaque de mn elemento da situação total de-
nominado princípio da variedade dentro da unidade. No ensino da leitura, introduz-se aos poucos alguns fatores novos entre os já
conhecidos. Nmn texto, por exemplo, aparece, dentro de sentenças já conhecidas e muito repetidas, algumas fonnas gráficas novas. Como
por exemplo: Lili tem um boné, Lalau tem uma boneca; olhe a bola, olhe o bolo; olhe o papel, olhe o papelão.
O processo de redefinição consiste em perceber um mesmo estímulo de modo inteiramente novo, segundo a situação total ou a fonna
que ele se apresenta, ou seja, sua posição em relação aos demais estímulos ou ainda segundo a natureza dos outros estímulos componentes
da situação em que ele nos é apresentado. Grisi esclarece este processo quando apresenta um exemplo que mostra formas diferentes de
perceber mn simples ponto”.”. Para ele, o ponto pode ser definido como ponto final em uma sentença, como um pingo da letra “i” ou ainda
como um sinal de abreviatura (Barros, 1998).
O processo de assimilação segue ao de diferenciação, onde uma parte da situação total é destacada pelo processo de diferenciação,
tomando-se figura. Esta figura pode se reunir às outras, constituindo novas estruturas pelo processo de assimilação. Em relação a leitura, o
aprendizado por assimilação ilustra-se pelo fato de que o aluno no início de sua aprendizagem por assimilação é capaz de escrever uma
palavra nova, a palavra camelo, por exemplo, por ter aprendido anteriormente as palavras boneca, menino e lobo.
A Gestalt defende o caráter inato das leis da percepção e da organização do conhecimento e, baseia-se na categorização direta dos
objetos, quase de fonna imediata. O pensamento encontra- se mediado por estruturas de conceitos de natureza e origens muito diferentes. A
tomada de consciência ou insight adquire dimensões diferentes em um e outro caso. A tomada de consciência conceituai requer uma
reflexão a respeito do próprio pensamento que, necessariamente, não está presente no insight perceptivo. O sujeito somente pode tomar
consciência de algo que já está presente nele, embora se desconheça as etapas precedentes (Pozo, 1998).
Essa teoria contribui com alguns conceitos que embora em sua fonnulação inicial sejam vagos ou pouco operacionais, lembram
conceitos nucleares de mna teoria de aprendizagem alternativa ao associacionismo. Assim, ela estabelece diferenças entre o pensamento
reprodutivo e produtivo (consiste na compreensão real do problema), e em consequência entre a aprendizagem mnemônica e compreensiva
considerando a aprendizagem compreensiva mn produto do insight, ou reestruturação súbita do problema. Esta estruturação está vinculada
ao conceito de equilíbrio que é desenvolvido por Piaget.
Papel do professor e papel do aluno
- Papel do professor
Na Gestalt, o ensino é centrado no aluno e o professor tem como função dar assistência ao aluno de fonna a não transmitir o co-
nhecimento. Ele deve ser um facilitador da aprendizagem, que consiste na compreensão, aceitação e confiança em relação ao aluno. Deve
aceitar o aluno como ele é.
O professor deve possuir um estilo próprio para “facilitar” a aprendizagem. Sua intervenção deverá ser a mínima possível, devendo
criar um clima favorável de aprendizagem. O conteúdo não deve ser repassado, uma vez que ele é adquirido da experiência vivida do
aluno.
Para o professor, qualquer ação que o aluno decide fazer deve ser considerada como boa e instrutiva. Cabe ao professor auxiliar a
aprendizagem do aluno de maneira a despertar o seu próprio conhecimento (Becker, 1992).
- Papel do Aluno
O aluno deve ser responsabilizar pelos objetivos referentes a aprendizagem que lhes são signihcativos. Ele é compreendido como um
ser que se autodesenvolve e o processo de aprendizagem deve facilitar este desenvolvimento. O aluno aprende por si mesmo, encontrando
o seu próprio caminho. Cabe aos alunos pesquisar os conteúdos, criticar, aperfeiçoar ou até mesmo modihcá-los (Becker, 1992).
Tarefa Prescrita do Professor e do Aluno no desenvolvimento Ensino - aprendizagem
• Tarefa prescrita do professor
- organizar o conteúdo do todo para as partes, isto é, do geral para o particular;
- divisão do problema em problemas menores para facilitar a compreensão do aluno;
- dehnição clara dos objetivos;
- apresentar o mesmo problema sob diferentes formas;
- intervir o mínimo possível.
• Tarefa prescrita do aluno
- analisar seus erros, encontrando assim a solução;
- avaliar seu processo de aprendizagem (auto avaliação);
Avaliação no Processo Ensino-aprendizagem
A avaliação só tem sentido como uma auto avaliação e deve estar de acordo com os padrões prehxados pelos alunos. Os alunos
aprendem o que desejam aprender. Não existe qualquer padronização. Ele deverá assumir a responsabilidade pelas formas de controle de
sua aprendizagem, dehnindo e aplicando critérios para avaliar se os objetivos foram atingidos. Após esta auto avaliação o professor faz a
sua avaliação de maneira a perceber se os objetivos foram atingidos atribuindo ao aluno um conceito.
Teorias de Aprendizagem: representativas, cognitivas e aprendizagem social.
Teorias Representativas
As teorias representativas centram-se sobre o estabelecimento de uma signihcação.
Na obra de Flávell (1975), encontra-se uma coletânea de idéias elaboradas por Piaget, que permite dizer que a representação tem início
no sujeito quando ele consegue diferenciar entre o “signihcante” e o “signihcado”. Entende-se por signihcante uma palavra, uma imagem
que representa intemamente o signihcado ausente. O signihcado é o conceito desta palavra ou imagem. Este é um requisito indispensável
para que exista a representação.
Piaget dehne a representação como sendo a “capacidade de evocar mna imagem simbólica, um objeto ausente ou a ação que não foi
realizada” Batro (1978).
Para Richard (1990) as representações são construções que constituem o conjunto das informações levadas em conta pelo sistema
cognitivo na realização da tarefa.
Já segundo Rosa (1998), a representação é uma forma estrutural que organiza os conhecimentos.
Representação x Aprendizagem
A aprendizagem acontece quando se estabelece uma relação signihcativa entre os elementos que constituem uma situação. A
transferência da aprendizagem ocorre quando existe similaridade (semelhança) entre as situações. A aprendizagem acontece quando o
sujeito consegue organizar ou estruturar uma dada situação.
O papel do professor e do aluno
- Papel do professor
O professor tem como função apresentar ao aluno problemas de modo que este identifique e diferencie o significante do significado.
Estes problemas devem apresentar-se de tal maneira que o aluno a partir de suas experiências anteriores, possa evocar (lembrar) os
elementos ausentes. Estes elementos contribuem para a estruturação do problema.
O professor deve conhecer as experiências anteriores do aluno para observar com profundidade suas representações com relação às
atividades ligadas à ação (execução do problema). A partir do momento que o aluno estruturar e conceituar um problema, estará
aprendendo.
- Papel do aluno
O aluno terá como atribuição, a resolução de problemas a partir da seleção de elementos que são úteis e estão relacionados à ação. A
seleção de elementos necessários à formação estrutural do problema dependerá da experiência vivida pelo aluno.
A facilidade ou dificuldade na diferenciação do significante e significado e, consequentemente, a formação do conceito durante a
aprendizagem são próprias do aluno em particular. A resolução de um problema pode seguir caminhos diferentes.

Tarefa prescrita do professor e do aluno

- Tarefa prescrita do professor

O professor deve propor um problema que:

• direcione o aluno a buscar elementos, conforme sua necessidade;


• propicie a identificação e diferenciação entre significante e significado;
• desperte no aluno a utilização de suas experiências anteriores para evocar os elementos ausentes;
• capacite o aluno a estruturá-lo;
• tenha caminhos diferentes que leve à solução.
- Tarefa prescrita do aluno
O aluno deve
• selecionar os elementos que são úteis à estruturação do problema;
• agrupar os elementos selecionados aos seus esquemas disponíveis;
• diferenciar significante de significado;
• atribuir significado aos elementos;
• atribuir o conceito ao significado da situação e interpretar o conjunto da mesma.
Avaliação no Processo Ensino-aprendizagem
A avaliação deve ser feita através da observação e da capacidade do aluno de diferenciar significante e significado. Deve-se observar a
capacidade do aluno de estruturar uma situação e os caminhos que percorre para buscar o resultado, que é a aprendizagem.
Teorias Cognitivas
O processamento da informação ou teoria cognitiva aborda o estudo da mente e da inteligência em termos de representações mentais e
dos “processos centrais” do sujeito, ambos dificilmente observáveis. Nesta teoria, o conhecimento consiste em integrar e processar as
informações.
Segundo Mizukami (1986), uma abordagem cognitiva envolve vários aspectos tais como, estudar cientificamente a aprendizagem
como sendo mn produto do ambiente das pessoas ou de fatores que são externos a elas. Estuda-se como as pessoas lidam com os estímulos
ambientais, organizam dados, sentem e resolvem problemas, adquirem conceitos e empregam símbolos, constituindo, assim, a investigação
como um todo.
Os teóricos cognitivistas se opõem à aprendizagem behaviorista que parte do princípio de que o aluno consegue o mesmo en-
tendimento daquele que transmite o conhecimento, uma vez que eles buscam pesquisar a mente humana. E para tanto estudam os
mecanismos subjacentes no comportamento humano.
Segundo Wadsworth (1993), Piaget define a inteligência como a adaptação que tem como característica o equilíbrio entre o organismo
e o meio, que resulta na interação entre o processo de assimilação e acomodação, que é o motor da aprendizagem. Este autor apresenta o
conceito do processo de assimilação e acomodação. O processo de assimilação consiste em mna mudança quantitativa no sujeito, mediante
a incorporação de elementos que vêm do meio para as suas estruturas mentais já existentes, o que implica no seu desenvolvimento
intelectual. O processo de acomodação consiste em uma mudança qualitativa na estrutura intelectual (esquema) do sujeito pelas quais se
adapta ao meio. Ele cria novas estruturas ou altera às já existentes em função das características de novas situações. A assimilação e a
acomodação juntas justificam a adaptação. As estruturas do conhecimento são como os esquemas, vão se tomando mais complexos sobre o
efeito combinado dos mecanismos da assimilação e acomodação. Comenta ainda que o sujeito ao nascer não possui qualquer estrutura de
conhecimento e sim reflexas como sucção e um modo de emprego destes reflexos para a elaboração dos esquemas que irão desenvolver.
Segundo Mizukami (1986) a aquisição do conhecimento cognitivo ocorre sempre que uma nova informação é assimilada à estrutura
mental existente (esquema) que ao fazer esta acomodação, modifica-se permitindo um processo contínuo dos mecanismos internos.
Nos vários trabalhos de Piaget, encontra-se o desenvolvimento da inteligência definido como um processo contínuo, e que as
mudanças no desenvolvimento intelectual, são gradativas, e os esquemas são construídos ou modificados de forma gradual. Então define o
crescimento cognitivo, e julga necessário dividir o desenvolvimento intelectual em estágios: da inteligência sensório- motora (0-2 anos), do
pensamento pré-operacional (2-7 anos), das operações concretas (7-11 anos) e das operações formais (7-15anos).
A primeira forma de inteligência é uma estrutura sensório-motora. Durante este estágio, o comportamento é basicamente motor. Não
há lógica. O sujeito não representa e não “pensa” conceitualmente. Esse estágio toma-se estável entre os 18 e 24 meses.
O estágio do pensamento pré-operacional, caracteriza-se pelo desenvolvimento da linguagem e outras formas de representação, e
também pelo rápido desenvolvimento conceituai. O raciocínio, nesse estágio, é pré-lógico ou semiológico. O que o sujeito adquire através
da ação, irá aprender a fazer em pensamento.
No estágio das operações concretas, o sujeito faz novas modificações, desenvolve a habilidade de aplicar o pensamento lógico a
problemas concretos. Esta fase precede a anterior e seu equilíbrio acontece ente os sete e 11 anos.
No estágio das operações formais, as estruturas cognitivas alcançam seu nível mais elevado de desenvolvimento; os sujeitos tomam-se
capazes de aplicar o raciocínio lógico a todas as classes de problemas, ou seja, aplicam não mais aos objetos presentes, mas aos objetos
ausentes e hipotéticos.
O desenvolvimento das estruturas mentais é um processo coerente de sucessivas mudanças qualitativas das estruturas cognitivas
(esquemas). A estrutura e a mudança lógica são resultantes da estrutura precedente.
Para Wadsworth (1993), o desenvolvimento da inteligência acontece desde o nascimento até a fase adulta. As estruturas da
inteligência e os esquemas estão em constante desenvolvimento a medida que o sujeito age de forma espontânea sobre o meio e assimila e
se acomoda a arranjos de estímulos do meio ambiente. Este autor considera quatro fatores relacionados ao desenvolvimento cognitivo:
• maturação, interação social, experiência ativa, e uma sucessão geral de equilíbrio.
• maturação: são os processos neuropsicológicos que o sujeito passa para adquirir a aprendizagem.
• interação social: é o relacionamento com a imposição do nível operatório das regras, valores e signos da sociedade na qual o sujeito
se desenvolve, e com as interações realizadas entre os sujeitos que compõem o grupo social;
• experiência ativa: segundo Mizukami (1986), este fator pode acontecer sob três tipos:
• devido ao exercício, resultando na consolidação e coordenação de reflexos hereditários, o exercício de operações intelectuais
aplicadas ao objeto;
• devido à experiência física, que comporta ações sobre o objeto para descobrir as propriedades que são abstraídas desses objetos, e
resultado da ação está vinculado ao objeto;
• a experiência lógico-matemática implica na ação sobre os objetos, de forma a descobrir propriedade que são abstraídas destas pelo
sujeito. Consistem em conhecimentos retirados das ações sobre os objetos típicos do estágio operatório formal, que é o resultado da
equilibração, cuja condição para obter é a interação do sujeito com o meio.
Os fatores relacionados ao desenvolvimento cognitivo como a maturação, interação social experiência ativa, não são suficientes para
explicar o desenvolvimento cognitivo necessitando segundo Piaget, de um quarto fator, a equilibração.
• Equilibração: é o mecanismo autorregulado necessário para assegurar uma eficiente interação do sujeito com o meio ambiente. É o
processo de passagem do desequilíbrio para o equilíbrio, cujos instrumentos são a assimilação e a acomodação.
Para Piaget a teoria epistemológica busca o saber como, quando e por que o conhecimento se constrói, cuja repercussão incide na área
educacional. Sua teoria segundo Mizukami (1986) é predominantemente interacionista e seus postulados sobre o desenvolvimento da
autonomia, cooperação, criatividade e atividades centradas no sujeito, influenciaram práticas pedagógicas ativas centradas nas tarefas
individuais, na solução de problemas, na valorização do erro dentre outras orientações pedagógicas.
Na área de Informática, esta teoria contribui para modelagens computacionais na área de Inteligência Aplicada (IA), no desen-
volvimento de linguagens e dentre outras modalidades, no ensino auxiliado por computador sob a orientação construtivista.
A linguagem LOGO, criado porPapert caracteriza-se como um ambiente de aprendizagem, embasado no construtivismo. O ambiente
LOGO dá condições ao aluno de construir os mecanismos do pensamento e os conhecimentos a partir das interações que têm relações com
seu ambiente psíquico e social.
Ensino Aprendizagem
Segundo Mizukami (1986), que se baseia nas idéias de Piaget, o ensino numa concepção cognitivista que procura desenvolver a
inteligência, deverá em primeiro lugar priorizar as atividades do sujeito considerando-o inserido em uma situação social. A concepção
piagentiana de aprendizagem tem caráter de abertura e comporta possibilidades de novas indagações, assim como toda a sua teoria e
epistemologia genética.
A aprendizagem consiste em assimilar o objeto a esquemas mentais. O aluno aprende dependendo da esquematização presente, do
estágio e da forma de relacionamento atual com o meio. Como consequência, o ensino deve assumir várias formas durante o seu
desenvolvimento.
Assim a aprendizagem ocorre com base em tentativas e erros através da pesquisa feita pelo aluno, eliminando-se as fórmulas,
nomenclaturas, definições, etc. O aluno parte de suas próprias descobertas, ele irá compreender o objetivo principal do ensino, que são os
processos e não os produtos de aprendizagem. A aprendizagem só ocorre a partir do momento em que o aluno elabora o seu próprio
conhecimento.
O ensino deve levar progressivamente ao desenvolvimento de operações, evitando a formação de hábitos que constituem a fixação de
uma forma de ação, sem reversibilidade e associatividade. O desenvolvimento seria os mecanismos gerais do ato de pensar e conhecer,
inerente à inteligência. O ensino dos fatos devem ser substituídos pelo ensino de relações, desenvolvendo a inteligência, uma vez que a
inteligência é um mecanismo de fazer relações. Nessa abordagem o ensino deve estar baseado em proposições de problemas. É necessário,
então, que se considere o “aprender a aprender” (Mizukami, 1986).
Papel do professor e do aluno
- Papel do Professor
O professor tem como função criar situações que propiciam condições que possam estabelecer reciprocidade intelectual e cooperação
ao mesmo tempo moral e racional. Ele deve evitar a rotina, e a fixação de respostas e hábitos.
Ele deve também propor problemas ao aluno, sem que lhes ensine a solução. Deve provocar desequilíbrios, desafios, mas para tanto é
importante que conheça o aluno. A orientação, a autonomia e a ampla margem de autocontrole aos alunos deve ser concedida pelo
professor.
O professor deve assumir o papel de mediador, investigador, pesquisador, orientador e coordenador. É necessário sua convivência
com os alunos para observar os seus comportamentos, promovendo diálogos com eles, perguntando e, sendo interrogado; realizar com os
alunos suas próprias experiências para auxiliar na sua aprendizagem e desenvolvimento.
- Papel do aluno
O aluno deve ser ativo e observador. Ele deve experimentar, comparar, relacionar, analisar, justapor, encaixar, levantar hipótese,
argumentar, etc. Cabe ao aluno encontrar a solução dos problemas que lhes são apresentados.
Tarefa prescrita do professor e do aluno no desenvolvimento ensino-aprendizagem
- Tarefa prescrita do professor
• criar condições propícias ao estabelecimento da reciprocidade intelectual;
• propor problemas que não exijam uma resposta única, evitando a fixação, rotina e hábitos; o problema deve ser construído de
maneira que o aluno tente e consiga resolvê-lo, sem que lhe ensine a solução;
• provocar desequilíbrios;
• observar o comportamento do aluno, através de conversas e perguntas, possibilitando o aluno fazer perguntas que possam auxiliar
na aprendizagem;
• construir os dispositivos de partida que possibilitem a apresentação de problemas úteis ao aluno e,
• deve organizar contraexemplos que levem o aluno a reflexão.
Tarefa prescrita do aluno
• ser observador;
• ser ativo;
• experimentar;
• comparar;
• relacionar;
Avaliação no Processo Ensino-aprendizagem
Na avaliação, deve-se proceder de fonna a verificar se o aluno adquiriu noções, conservações, se realizou operações, relações, etc. O
rendimento do aluno pode ser avaliado de acordo com a sua aproximação a uma nonna qualificativa pretendida. Uma das formas que se
pode verificar o rendimento é também através de reproduções livres, sob diferentes fonnas e ângulos, através explicações práticas,
explicações causais, expressões próprias, relacionamentos, etc.
Teoria de Aprendizagem Social
Ateoria de aprendizagem social, segundo Pfromm (1987) versa sobre o estudo da observação e a imitação feita pelo sujeito. Na década
de 60, Albert Bandura realizou pesquisas com crianças que incidiam sobre a imitação. Ele dedicou-se à pesquisa e à teorização sobre a
aprendizagem social por observação. Nesta abordagem, o comportamento de um observador se modifica em consequência da exposição do
comportamento de um modelo. A este tipo de aprendizagem o autor denominou de “modelação”. O modelo utilizado pode ser da vida real
como também mu modelo simbólico, observado em um filme na televisão, no rádio, livros e revistas, etc.
Na aprendizagem por observação, os comportamentos específicos exibidos pelo modelo são chamados de pistas de modelação. Para o
autor os sujeitos aprendem simplesmente olhando o que o modelo faz, embora não procurem ativa e espontaneamente imitá-lo.
A aprendizagem por observação ocorre em três estágios: exposição, aquisição e aceitação. Durante a exposição, o observador se vê
diante de pistas de modelação. A aquisição por sua vez, é comprovada pela capacidade do observador de reproduzir ou evocar os
comportamentos do modelo a que foi exposto e, aceitação, que é traduzida no uso, pelo observador das pistas de modelação adquiridas,
quer na imitação direta do comportamento do modelo, quer na contra imitação direta, que consiste em evitar o comportamento modelado.
O comportamento específico observado pode generalizar-se a tipos semelhantes de comportamentos e tratar ainda dos processos de
desinibição e inibição. Sendo o processo de inibição a não aceitação generalizada e o processo de desinibição, a aceitação generalizada
para uma classe geral de comportamentos, a partir de um comportamento modelado específico.
Na aprendizagem social por observação, destacam-se quatro processos: atenção, retenção, reprodução motora e motivacional. No
processo de atenção, o sujeito deve prestar atenção ao modelo e aos aspectos críticos do comportamento deste mesmo modelo. Na
retenção, o comportamento do modelo necessita ser codificado ou simbolicamente representado e retido na memória do observador.
A reprodução motora é responsável pela cópia fiel dos movimentos do modelo, e o processo motivacional, atua sob a fonna de reforço
da resposta aprendida que pode ser externo (como exemplo, mna recompensa dada ao observador), vicário (um modelo recompensado ou
punido).
Este reforço, pode ser visto em um detenninado programa de televisão, que se transfere ao observador ou do tipo conhecido como auto
reforço, que se pode exemplificar como no caso da satisfação pessoal em que o observador experimenta após imitar o comportamento
observado.
A noção de auto eficácia ultimamente passou a ocupar a posição central. Na teoria cognitiva de Albert Bandura, a auto eficácia refere-
se à convicção de que o sujeito tem que pode executar algo com êxito e à confiança em sua capacidade de alcançar objetivos em situações
específicas graças às próprias ações. A auto eficácia inclui também a percepção generalizada do sujeito capaz de controlar o ambiente
como uma percepção específica de sua capacidade de executar uma tarefa particular.
Qualquer aprendizagem ou modificação de comportamento segundo o autor só é bem sucedida quando se cria ou fortalece a crença do
sujeito em sua eficácia pessoal. Ele coloca ainda, como indispensável que o sujeito conte com as capacidades necessárias para a execução
da tarefa e com motivação ou incentivo para fazê-la. As mudanças no comportamento do sujeito são detenninadas pelos percepções de sua
auto eficácia. Nessas mudanças, considera-se as ações que o sujeito procura executar, o esforço dedicado a essas ações, sua persistência,
considerando obstáculos, pensamentos e sentimentos. A auto eficácia é influenciada de modos diferentes como: concretização do
desempenho, experiências vicárias, indução verbal e ativação emocional.
• concretização do desempenho, isto é, completa efetivamente a tarefa real, que constitui a principal fonte de elevação ou redução de
nossas expectativas de auto eficácia;
• experiências vicárias, consiste na observação de desempenhos de outros sujeitos;
• indução verbal, consiste em levar outra pessoa, oralmente ou por escrito à acreditar que pode ser bem sucedida;
• ativação emocional, trabalhar as pistas internas, de caráter afetivo ou hsiológico, que o sujeito usa para julgar seu entusiasmo ou
sua vulnerabilidade em relação a determinados desempenhos.
Papel do professor e do aluno
- Papel do professor
Na teoria de aprendizagem social, o professor tem como função apresentar um modelo que pode ser real ou simbólico. Ele deve criar
ou propor mu modelo que mostre, com evidência, as pistas de modelação (os comportamentos especíhcos). Este modelo proposto deve ser
codihcado ou ser simbolicamente representado para facilitar a memorização do aluno. O professor pode premiar, punir, motivar ou
incentivar o comportamento do aluno (do modelo).
- Papel do aluno
Na aprendizagem social, o aluno tem como papel principal aprender mediante a apresentação de um modelo que pode ser real ou
simbólico.
Ele desempenha a função de observador, lixando sua atenção nos aspectos críticos do modelo, ou seja, retendo os comportamentos
especíhcos desse modelo na sua memória. Este comportamento é aprendido através da imitação, onde buscará fazer a cópia hei dos
movimentos desse modelo que é facilitada através da identihcação das pistas de modelação. Pode-se dizer então, que os alunos aprendem
por meio da observação, imitando os comportamentos de outros sujeitos (modelo).

Tarefa prescrita do professor e do aluno no desenvolvimento no ensino-aprendizagem

- Tarefa prescrita do professor

• apresentar modelo real ou simbólico;


• criar um modelo em que as pistas de modelação estejam presentes;
•propor um modelo codihcado ou que esteja simbolicamente representado;
• motivar, premiar, punir, incentivar o comportamento do aluno.
- Tarefa prescrita do aluno
• aprender mediante apresentação de um modelo;
• prestar atenção ao modelo proposto, destacando os aspectos críticos;
• aprender através da imitação;
• reter o comportamento do modelo na memória;
• identihcar as pistas de modelação para facilitar sua aprendizagem;
• fazer cópia hei do movimento do modelo apresentado;
• aprender através da observação de outros sujeitos.
Avaliação no Processo Ensino-aprendizagem
Para avaliar o aluno, deve-se verihcar sua observação com relação ao modelo apresentado e suas respectivas pistas e consequen-
temente, verihcar a existência da cópia hei desse modelo.
Teoria Sócio Construtivista
Segundo Gilly (1995), a abordagem sócio construtivista do desenvolvimento cognitivo é centrada na origem social da inteligência e
no estudo dos processos sócio cognitivos de seu desenvolvimento. Os trabalhos sobre esses processos se fundamentam na teoria do
psicólogo Lev Vygotsky e é relativa aos processos físicos superiores.
Gilly (1995) e GaonnachTi (1995) apresentam duas fonnas de funcionamento mental chamadas de processos mentais elementares e os
processos superiores. Os processos metais elementares correspondem ao estágio da inteligência sensório-motora de Jean Piaget, que é
derivado do capital genético da espécie, e da maturação biológica e da experiência da criança com seu ambiente físico. Os processos
psicológicos superiores, de acordo com Oliveira (1993), são construídos ao longo da história social do homem.
Essa transformação acontece através da relação do homem com o mundo que é mediada pelos instrumentos simbólicos e são
desenvolvidos culturalmente, possibilitando uma diferenciação do homem em relação aos outros animais, na fonna de agir e na interação
com o mundo.
Gilly (1995) classifica três princípios fundamentais interdependentes que dão suporte à teoria de desenvolvimento dos processos
mentais superiores:
• relação entre a educação, a aprendizagem e ao desenvolvimento;
• função da mediação social nas relações entre o indivíduo e o seu meio (mediação por ferramenta);
• atividade psíquica intraindividuais (mediação por signos) e a passagem entre o interpsíquico para o intrapsíquico nas situações de
comunicação social.
Para Vygotsky o desenvolvimento é considerado como uma consequência das aprendizagem com que o sujeito é confrontado. Seu
estudo passa necessariamente, pela análise de situações sociais que favorecem ao sujeito construir seu meio físico pois, numa abordagem
sócio construtivista o desenvolvimento cognitivo envolve as interações sujeito-objeto-contexto social.
Em Pozo (1998), o funcionamento cognitivo superior considerado por Vygotsky está ligado às relações sociais pelas transformações
do processo interpessoal para o intrapessoal. Nessa teoria, o desenvolvimento resulta na zona de desenvolvimento proximal (ZDP).
Moll (1996) explica como o sujeito reorganiza o pensamento que se manifesta inicialmente, entre as pessoas e grupos de fonna tal que
os sujeitos, aos poucos, aumentam seu controle e direcionam o seu próprio pensamento e relações com o mundo no qual eles sempre se
mantêm interdependentes.
A ZDP compreende a diferença entre o desenvolvimento efetivo e o desenvolvimento potencial. No desenvolvimento efetivo, o
sujeito consegue resolver problemas sozinho, sem qualquer auxílio de outra pessoa ou mediadores externos. No desenvolvimento
potencial, o sujeito toma-se capaz de resolver problemas mas com o auxílio de outras pessoas ou instrumentos mediadores externos tais
como um professor, pais, colegas, etc.
Para Vygotsky a função da mediação social nas relações entre o indivíduo e o seu meio ocorre através de “ferramenta” (mediação por
ferramenta), e na atividade física intraindivíduo é feita através de sinais (mediação por sinais) (Oliveira, 1993).
A atividade humana deve ser socialmente mediatisada considerando a atividade exterior que envolve as relações do homem com a
natureza, ou de uma atividade interior que trata da atividade física. Essas atividades são socialmente mediatisadas ou instrumenta- das e
transformadas por ferramentas socialmente elaboradas.
Vygotsky afirma que o homem não age direto sobre a natureza. Ele faz uso de dois tipos de instrumentos em função do tipo de
atividade que a toma possível, considerando o mais simples instrumento a mediação por “ferramenta” que são elaboradas por gerações
anteriores. Elas atuam sobre o estímulo, modificando-o. A ferramenta transforma a atividade.
O outro tipo de instrumento mediador são os “sinais” ou símbolos, que medeiam as ações do sujeito. O sistema de sinais mais comum
é a linguagem falada. O sinal modifica o sujeito que dele faz uso como mediador. O sinal atua sobre a interação do sujeito com o seu meio.
A ferramenta serve de condutora da influência humana na resolução da atividade, provoca mudanças no objeto. O sinal é um meio da
atividade física interna e encontra-se orientado intemamente. Ele muda o sujeito e o sujeito muda o objeto.
Papel do professor e do aluno
- Papel do professor
A função do professor é a de orientar de fonna ativa e servir de guia para o aluno, de fonna a oferecer apoio cognitivo. O professor
deve ser capaz de ajudá-lo a entender um detenninado assunto e, ao mesmo tempo, relacioná-lo ao conteúdo com experiências pessoais e o
contexto no qual o conhecimento será aplicado. Ele deve também interferir na zona de desenvolvimento proximal de cada aluno,
provocando avanços não ocorridos espontaneamente por este aluno. Várias atividades oferecidas devem ser flexíveis, pennitindo ajustes no
plano de aula.
A intervenção por parte do professor é fundamental para o desenvolvimento do aluno. Ele deve intervir, questionando as respostas do
aluno, para observar como a interferência de outro sujeito atinge no seu desenvolvimento e observar os processos psicológicos em
transfonnação e não apenas os resultados do desempenho do aluno.
- Papel do aluno
O aluno deve construir a compreensão do assunto que lhe for apresentado. Ele é considerado possuidor de conhecimentos, devendo
integrar-se ao meio, mas guiado pelo professor.
Tarefa prescrita do professor e do aluno no desenvolvimento ensino-aprendizagem
- Tarefa prescrita do professor
• manter uma relação amigável com os alunos;
• servir de guia para os alunos;
• propor um plano de atividades que seja flexível às mudanças;
• propor várias atividades, das simples às complexas;
• criar um ambiente que proporcione ao aluno liberdade de expor suas experiências pessoais, de maneira a associá-las ao conteúdo
em estudo;
• deve preocupar-se com cada aluno em si, com o processo e não com os produtos da aprendizagem padronizada.
• promover diálogo, oportunizando a cooperação, a união e organização até alcançar a solução dos problemas;
• assmnir o papel de educando.
- Tarefa prescrita do aluno
• construir sua própria compreensão dos assuntos em estudo;
• trazer suas experiências para serem discutidas em sala de aula;
• ser amigo do professor e dos outros alunos;
• ser participante das reuniões promovidas em sala de aula;
• participar do processo de aprendizagem juntamente com o professor;
• assmnir o papel de educador;
• reelaborar os significados que lhes são transmitidos pelo grupo cultural;
• criar algo de novo a partir da observação feita nos outros ;
• interagir com outros alunos.
Avaliação no Processo Ensino-aprendizagem
A avaliação do processo consiste na auto avaliação e/ou avaliação mútua. A avaliação dispensa qualquer processo fonnal tais como
nota, exames, etc. neste processo, tanto o professor como o aluno saberão suas dificuldades e também seus processos. O professor pode
observar a evolução da representação do aluno, se ele construiu seu conhecimento com relação ao que se propõe.
3.3 CONTRIBUIÇÕES DE PIAGET, VYGOTSKYE WALLON PARA A
PSICOLOGL E PEDAGOGIA.
A história da ciência é cheia de desencontros e encontros memoráveis, datas coincidentes, inventos e descobertas concomitantes. É
curioso notar que Piaget e Vigotski nasceram no mesmo ano (1896) e apresentaram trabalhos em um mesmo Congresso, sobre o mesmo
tema, antes de terem seus trabalhos o reconhecimento mundial que têm hoje.
O evento ocorreu em 1929 no IX Congresso Internacional de Psicologia em Clúcago, EUA, no qual apresentaram a questão sobre fala
egocêntrica, sem, no entanto se encontrarem, pois Vigotski não pode viajar, porque piorou de sua tuberculose. O tema abordado pelos
autores não gerou muito interesse dos participantes, uma vez que o assunto central do evento foram os estudos sobre reflexo condicionado
de Pavlov, um dos interesses principais da psicologia estadunidense naquele período.
Outro encontro que deixou de ocorrer foi no famoso Segundo Congresso de Toda Rússia de Psiconeurologia ocorrida em São Pe-
tersburgo em 1924. Neste evento Vigotski fez sua primeira apresentação para os grandes nomes da psicologia soviética. Wallon, que
também participou deste evento para conhecer melhor a produção do país dos sovietes, não se encontrou pessoalmente com Vigotski.
É importante notar que, apesar de não terem se encontrado, muitas discussões foram desenvolvidas nos anos posteriores entre os
autores e seguidores dessas teorias. As discussões entre as produções piagetianas e histórico-culturais (considerando aqui as produções de
Vigotski, Luria e Leontiev, assim como de seus continuadores na ex- União Soviética e no Brasil) são bastante férteis e volumosas.
Já as discussões entre as produções dos soviéticos e wallonianas não são tão comuns assim. Em pesquisa realizada no portal de busca
do Scielo pode-se comprovar esta escassez de produção, pois se encontrou somente um artigo (Teixeira, 2003), cuja discussão é a
periodização proposta pelos autores da França e URSS.
Assim sendo, entende-se como necessária a comparação - o que significa estabelecer pontos de ligação e diferenciação - entre as
distintas produções. Para tal ela serão analisadas em três diferentes dimensões: epistemológica, metodológica e desenvolvimental.
Iniciar-se-á por aquela dimensão na qual há menos (ou não há) divergências, sendo o materialismo histórico e dialético a episte-
mologia fundante de ambas as teorias.
Epistemológico
Tanto Vigotski e seu grupo quanto Wallon procuraram construir uma teoria psicológica fundamentada no materialismo histórico e
dialético e, assim sendo, compromissada com o pleno desenvolvimento da hmnanização dos indivíduos. Isto implica em posicionamentos
em relação à educação, política e sociedade, assim como implica numa clareza de objetivos, ou em outras palavras, o que e para quem
elaboramos mna psicologia. Para evitar um sem número de citações dos autores, apresentaremos de forma geral os pressupostos nos quais
as obras foram fundamentadas.
Antes de tudo é preciso ressaltar que há uma diferença de estilo no que tange à apropriação da epistemologia. Wallon difere de seus
colegas soviéticos ao pouco fazer citações das obras de Marx, Engels e Lênin. Wallon utiliza os principais pressupostos teórico- -
metodológicos sem, no entanto, usar muitas referências diretas.
Isto não significa que sua produção é menos explicitamente marxista que a dos soviéticos, nem que os soviéticos faziam citações por
exigência do regime, apesar disto ser verdadeiro em alguns momentos históricos da União Soviética e em algumas teorias psicológicas
daquele país. Entendemos que a diferença é mais de estilo e de condições culturais e necessidades historicamente determinadas, do que um
maior ou menor grau de entendimento ou apropriação do marxismo.
O monismo materialista é mn dos pressupostos mais seriamente defendidos, isto é, os autores defendem que a existência precede a
essência, ou em outras palavras, entendem que o que somos é resultado de nossa relação com a realidade e não produto de pré- -
determinações como, por exemplo, as biológicas, ambientalistas ou metafísicas, assim como também sustentam a indissociabilidade entre
matéria e ideia, objetivo e subjetivo, pois é a unidade destes que constituem a essência humana.
Defendem que o psiquismo tem sua origem sócio histórica, e assim sendo, o cérebro não é seu demiurgo. No entanto, sem este não
existe psiquismo, pois é ele que lhe confere materialidade. Desta forma, o biológico não determina quem somos, mas não somos sem o
biológico. Há efetivamente uma integração orgânico-social, visto que o homem não vive e se desenvolve sozinho, mas é on- tologicamente
social.
Tanto Wallon quanto Vigotski e seu grupo, como base para suas críticas às concepções mecanicistas e idealistas de sua época,
realizam uma extensa análise histórico-comparativa da ciência psicológica existente, mostrando seus pontos frágeis e apropriando-se de
seus avanços e pontos relevantes. Esses conteúdos apropriados eram integrados à produção que estava sendo desenvolvida, superando por
incorporação as teorias analisadas.
Argumentavam que não bastava a análise do material produzido na época, era necessário também a análise genética do objeto de
estudo (desenvolvimento do psiquismo humano), investigando sua formação e transformação, movimento e desenvolvimento, tanto na
filogênese quanto na ontogênese, assim como no desenvolvimento histórico-cultural da humanidade.
O autor francês e os soviéticos explicitaram claramente em suas obras a preocupação com a questão da intencionalidade e elaboraram
teorias nas quais o desenvolvimento psíquico está relacionado com o domínio dos indivíduos sobre sua conduta e sociedade, sendo que
para isto faz-se necessário que estes mesmos indivíduos se apropriem dos conhecimentos historicamente elaborados pela humanidade.
Fica explícito que os autores defendiam que para o efetivo desenvolvimento dos indivíduos é necessária uma radical reestruturação da
sociedade. Tanto Wallon quanto Vigotski e seu grupo elaboraram um corpo teórico também com uma intencionalidade específica, qual
seja entender e promover o pleno desenvolvimento psíquico dos homens nmna sociedade mais justa e solidária. Enfim, suas produções
tinham como objetivo investigar o desenvolvimento sócio histórico do homem em sua gênese e multidetenninação, observando sempre a
totalidade dos fenômenos, na busca de sua essência. Afinal, como apontou Marx n’0 Capital, se aparência e essência coincidissem, toda
ciência seria supérflua.
Metodológico
Wallon, Vigotski e grupo procuraram construir, como já apontado, uma psicologia fundada nos princípios do materialismo histórico e
dialético, e assim sendo, também procuraram elaborar e desenvolver suas investigações e experimentações tendo essa sólida referência.
Desta forma, não podiam simplesmente utilizar os modelos experimentais empregados na psicologia de sua época, que eram ou
introspeccionistas ou então positivistas no sentido mais lato do termo, modelos severamente criticados. Tal posição é ricamente colocada
por Leontiev e também por Wallon.
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos

A Psicologia materialista nos requer mais que a incorporação dialética dos princípios materialistas para fundamentar os problemas
psicológicos ou exemplificar os princípios de dados psicológicos concretos: o método dialético deve tomar-se o método de análise
psicológico. Neste sentido, a psicologia contemporânea não pode descansar tranquila com a simples interpretação de sua matéria do ponto
de vista subjetivo enquanto se acomoda em dados da velha psicologia empírica; ela deve, na verdade, estudar seu material por meio do
método dialético, que deve desempenhar papel central, dominando outros métodos mais específicos. (Leontiev, 1977).
É ela (a dialética marxista) que dá à Psicologia o seu equilíbrio e a sua significação, que subtrai à alternativa dum materialismo
elementar ou dmn idealismo oco, dum substancialismo grosseiro ou dum irracionalismo sem horizontes. É ela quem mostra simul-
taneamente ciência da natureza e ciência do homem, suprimindo deste modo a ruptura que o espiritualismo procurava consumar no
universo entre a consciência e as coisas. É ela que lhe permite considerar numa mesma unidade o ser e o seu meio, as suas perpétuas
interações recíprocas. É ela que lhe explica os conflitos dos quais o indivíduo deve tirar a sua conduta e clarificar a sua personalidade. (...)
O materialismo dialético interessa a todos os domínios do conhecimento, tal como interessa ao domínio da ação. Mas a psicologia,
principal fonte das ilusões antropomórficas e metafísicas, devia, com mais relevo que qualquer outra ciência, encontrar nele a sua base e a
sua direção nonnais. (Wallon, 1975)
O psiquismo deve ser entendido como uma totalidade e em sua base material. Mas isto somente não é suficiente. É preciso realizar a
análise histórica dos processos psicológicos, buscando compreender seu movimento e sua historicidade, sendo assim possível investigá-los
dialeticamente: “Estudar algo historicamente significa estudá-lo em movimento. Esta é a exigência fundamental do método dialético.”
(Vygotski. 1995), ou como aponta Wallon (1975), estudar “(...) o psiquismo em sua fonnação e em suas transformações.”
Para investigar estes processos, Vigotski e seus colaboradores realizaram diversas pesquisas. Entendiam a experimentação como “(...)
o único caminho pelo qual podemos pesquisar por dentro nos padrões dos processos psicológicos superiores (...)” (Vygotsky, 1999). Além
da experimentação, um grande relevo era dado às observações, sejam estas nos espaços clínicos (como nos casos relatados porLuria em
seus romances científicos), sejam em escolas e outros espaços pedagógicos.
É importante notar que as pesquisas realizadas por Vigotski e seu grupo eram diferentes dos modelos predominantes. O rigor
científico na realização e análise dos experimentos era respeitado sem, no entanto, seguir o modelo positivista de ciência, com o qual se
buscava, por meio de experimentações imparciais, leis universais.
Um dos métodos de investigação mais utilizados pelos soviéticos na realização de experimentos - principalmente sobre desen-
volvimento infantil - é o método do experimento fonnativo. Este procedimento consiste em estudar as mudanças no desenvolvimento do
psiquismo por meio da ativa influência do pesquisador na experimentação, ou em outras palavras, pela fonnação dirigida dos processos
psicológicos que serão investigados (Davidov; Shuare, 1987). Vigotski (1995) nomeava este método de genético-causal ou genético-
experimental por ele pennitir o estudo dos processos psicológicos desde sua origem, suas multidetenninações e complexidade de
desenvolvimento.
Este modelo ganhou forte impulso com a sistematização realizada por Vigotski do conceito de zona de desenvolvimento proxi- mal.
Se nesta o autor propõe que o mais relevante é aquilo que o indivíduo sabe fazer com auxílio, deduz-se que os modelos experimentais
devem considerar esta zona de desenvolvimento.
Um rico exemplo deste modelo é apresentado na discussão vigotskiana de memória (um dos poucos que ele delineou).
Em um desses experimentos que foram mais bem explicitados, pediu-se para crianças de 6-7 anos recordarem 10 números lidos para
elas, sendo que estas conseguiam recordar poucos números (média de 3 números). Após isso, foi dado às mesmas crianças um instrumento
(pedaço de papel, corda ou madeira). Inicialmente as crianças não recorreram a esse auxílio; com a ajuda dos experimen- tadores, os
sujeitos começaram a utilizar os instrumentos, porém ainda de fonna rudimentar. (Almeida, 2004).
É importante ressaltar que outras fonnas de auxílio podem ser utilizadas como, por exemplo, a escrita, mas uma das mais importantes,
eram dicas dadas pelos pesquisadores para que os sujeitos pudessem ir além do que realizariam sozinhos.
Outro exemplo possível é a pesquisa de Zaporozhets (1987) sobre desenvolvimento de movimentos voluntários em crianças pré-
escolares. O experimento consiste no controle do ato motor por crianças em idade pré-escolar em atividades diversas, sendo elas: 1) saltar
sem impulso após ordem; 2) solução de uma tarefa prática dada pelo pesquisador que exija salto; 3) jogo (competição desportiva).
Observa-se que em todas essas atividades há participação do pesquisador. Em algumas delas, como a primeira, a participação é mais
fonnal, como em uma pesquisa tradicional; já nas demais há um efetivo envolvimento do pesquisador na preparação da atividade, assim
como no decorrer desta, coordenando e orientando a criança, inclusive jogando com ela. Uma tarefa semelhante seria o brincar de
escolinha com crianças, em uma pesquisa em que é necessário investigar a criança (principalmente pré-escolar) no espaço escolar.
Como isto os pesquisadores (...) não estão interessados somente nos resultados dos processos individuais do comportamento, mas
também nos modos que eles são fonnados. Deste modo, por exemplo, não estamos somente interessados em encontrar como os educandos
memorizam sob diferentes condições de aprendizado. Nós estamos também interessados no modo em que ele memoriza, e no curso dessa
memorização. Nós empregamos atenção especial para o aspecto qualitativo dos processos que estudamos. (Smimov, 1961).

MOVIA, Didatismo e Conhecimento


Moun
É importante ressaltar que este não era o único modelo existente e utilizado. Outros modelos mais tradicionais também o eram
(chamados por Luria de análise- estrutural), assim como o método de dupla dissociação ou patológico-experimental (Luria, 1981), cuja
principal característica é a análise de lesões cerebrais, observando quais comportamentos e processos psicológicos foram afetados ou não
pela lesão, possibilitando assim mna maior compreensão do encéfalo e do psiquismo.
Esse modelo foi também utilizado por Wallon. Durante a Ia Grande Guerra (1914-1918), convocado para prestar serviços médicos,
pode ampliar seus conhecimentos na área neurológica, estudando feridos de guerra lesionados, e reorganizando os dados de suas
observações com crianças gravemente perturbadas (de 2-3 anos a 14-15 anos), já feitas anteriormente. Desses estudos decorrem trabalhos
apresentados em revistas na área da Psicopatologia e em 1925, sua tese de doutorado publicada com o título: “L'enfant turbulent. Étude sur
les retards et les anomalies du développement moteur et mental”.
Em “L enfant turbulent” sua observação não é um olhar frio sobre o objeto, mas ela é animada por uma atitude de respeito e de
simpatia, bem como por uma atenção reflexiva para penetrar e compreender o ser observado. Aí, afirma Trant-Thong (1984), no prefácio
da referida obra, Wallon aparece como fundador de uma Psicologia integral da criança nas suas dimensões nonnais e patológicas e em sua
dupla direção de uma psicologia genética geral, que tende a por em evidência os estágios, os mecanismos, as leis e os fatores do
desenvolvimento, e de uma psicologia diferencial que tende a extrair as variações individuais no curso de desenvolvimento e a elaborar sua
tipologia genética. Nessa obra estão em genne as principais teses metodológicas e de conteúdo da psicologia walloniana. Nela, afirma a
necessidade de um método comparado, em que o patológico e o infantil sejam aproximados, na medida em que um corresponde à
dimensão involutiva, e outro à dimensão evolutiva do psiquismo. A teoria da emoção, uma das maiores contribuições da psicologia
walloniana, encontra-se também aí esboçada.
Mas é de 1934 o livro mais representativo de sua abordagem dialética: “Les origines du caractere chez 1'enfant”. Já no prefácio,
Wallon (1995a) se compromete com a psicogenética, declarando-a a mais fecunda para a psicologia, e dando-lhe lugar central para uma
metodologia psicológica. Fica evidente que considera a comparação com o patológico importante, porém insuficiente para compreender o
desenvolvimento do psiquismo humano. Inclui a psicologia animal como mais um campo de comparação. Mais tarde, Wallon vai recorrer
também a dados da antropologia, incluindo a dimensão histórica.
Os princípios metodológicos vão se tomar mais precisos em “L évolution psychologique de l enfant”, de 1941, na qual consagrou mn
capítulo a “Como estudar a criança” para definir as exigências e as condições de objetividade na utilização dos métodos de observação,
experimentação e de teste (Wallon, 1995).
A observação, para Wallon, é o instrumento adequado para a apreensão dos fenômenos psicólogos, porque permite a verificação, o
registro e a análise dos questionamentos que a própria observação levanta:
Observar é evidentemente registrar o que pode ser verificado. Mas registrar e verificar é ainda analisar, é ordenar o real em fórmulas,
é fazer-lhe perguntas. É a observação que permite levantar problemas, mas são os problemas levantados que tomam possível a observação
(Wallon, 1975).
A análise dos dados obriga o investigador a proceder a sucessivas comparações: internas e externas. A característica principal da
comparação interna é que ela utiliza apenas referências interiores à psicologia da criança, a criança com ela mesma, por oposição à
comparação externa: da criança com o animal, com o patológico, com o primitivo, com o adulto.
É o método genético comparativo multidimensional.
Comparar para Wallon implica em verificar semelhanças e diferenças de um mesmo fenômeno:
Demais, comparar não é necessariamente identificar. Com frequência as dessemelhanças se prestam mais á análise que as simili-
tudes. E estas não implicam forçosamente processos sobreporíeis. Para efeitos análogos, para fonnas de ação ou de pensamento que
ofereçam o mesmo aspecto, pode haver causas e condições diversas (Wallon, 1979, p. 36).
Para estudar as origens do pensamento, Wallon recorre a uma pesquisa na escola de Boulogne-Billancourt, onde se encontravam
representados todos os elementos componentes da população da cidade, população sem operária e semi-burguesa. Ressalta ele ser provável
que, se a pesquisa fosse feita numa escola rural, por exemplo, o conteúdo de certas respostas teria sido diferente, como as relativas às
plantas e à cultura. Mas, ressalta ainda, seu propósito não foi estabelecer um inventário de conhecimentos ou de crenças, mas de apreender
o funcionamento do pensamento em seus primórdios na criança. Para fazê-lo, “o único modo de por à prova as capacidades de pensamento
da criança é de questioná-la, de fonna a obter explicações dela” (Wallon 1989, p.XI). Mas, sem colocá-las em situação artificial, Wallon
desenvolve mn diálogo com as crianças (entre 5 anos e meio e 9 anos) levando-as habilmente a falar de realidades de sua ambiência
habitual, sem desprezar qualquer resposta. Surge, então, em
1945, “Les origines de la pensée”, estudo original e rigoroso sobre a inteligência teórica ou discursiva.
Desenvolvimental
As elaborações sobre a periodização do desenvolvimento nas obras de Wallon e de Vigotski e seu grupo seguiram caminhos diferentes
nas produções brasileiras. Enquanto a discussão sobre esta questão relacionada aos soviéticos é mínima - encontram-se poucas produções
dentre as quais se destacam a de Teixeira (2003), já citada, e de Facci (2004), esta temática é mais ressaltada nos autores que discutem a
obra de Wallon como pode ser observado em diversas publicações, entre elas Mahoney e Almeida (2000,2004, 2005).
Destaca-se que apesar das significativas diferenças entre as periodizações soviética e francesa, que serão observadas na apresentação
de cada urna dessas categorizações, há similaridades expressivas que devem ser apontadas, principalmente porque refletem a utilização
pelos dois grupos da mesma epistemologia.
Pode-se caracterizar cada período (ou estádio) para os autores, além do já apontado caráter ontológico sócio histórico, por uma série
de características e formações orgânicas e psíquicas idiossincráticas àqueles anos de vida e que são essenciais para o desenvolvimento do
indivíduo. É importante ressaltar que este desenvolvimento está estritamente vinculado à apropriação pelos indivíduos dos conhecimentos
historicamente acumulados pela humanidade.
Outro ponto a ser observado, cuja relação com a epistemologia marxiana é fundamental, é a elaboração de ambas as periodizações no
movimento de contradição (ou crises e rupturas) e síntese, destacando momentos de alternância e estabilidade, sendo estes momentos mais
ou menos geradores de sofrimento para o indivíduo e para o grupo, dependendo do papel da educação neste processo. Como aponta
Leontiev (...) as crises não são absolutamente acompanhantes do desenvolvimento psíquico. Não são as crises que são inevitáveis, mas o
momento crítico, a ruptura, as mudanças qualitativas no desenvolvimento. A crise, pelo contrário, é a prova de que um momento crítico ou
uma mudança não se deu a tempo. Não ocorrerão crises se o desenvolvimento psíquico da criança não tomar forma espontaneamente e,
sim, se for um processo racionalmente controlado, uma criação controlada. (Leontiev, 1994).
No início dos anos 1930, Vigotski (1996) desenvolveu uma interessante periodização, na qual o autor russo buscou romper com as
periodizações biologizantes, assim como com aquelas que não tinham critérios de análise que fossem válidos e relevantes para todas as
idades. Nesta o autor propôs os seguintes períodos de estabilidade, lembrando desde já, e isso vale para toda a discussão presente neste
texto, que são datas de referência, que podem variar de sociedade para sociedade e de uma época para outra: a) de 2 meses a um ano; b) de
1 a 3 anos; c) de 3 a 7 anos; d) de 7 a 13 anos; de 13 a 17; e por fim de 17 em diante (idade adulta).
Estes períodos de estabilidade são intercalados por momentos de ruptura (mudanças) sendo as idades de crises, segundo Vigotski, a
pós-natal, mu ano, três anos, sete, treze e dezessete anos. Cada momento de crise pode durar de alguns meses até um ano, assim como pode
não ser significativamente perceptível.
A particularidade de cada período está na mudança da situação social de desenvolvimento (Vvgotski. 1996), ou como nomeado por
Leontiev (1995), mudança em sua atividade principal. A atividade principal é aquela que desempenha papel central na relação indivíduo-
realidade, orientando as principais mudanças no desenvolvimento do psiquismo e com a qual as demais atividades estão relacionadas.
Elkonin (1987) e Davidov (1988) desenvolveram a discussão de Vigotski e Leontiev sistematizando e ampliando a discussão sobre a
periodização. Apontam que há três épocas no desenvolvimento, sendo elas: primeira infância (por volta de 0-6 anos), infância (por volta de
6-10 anos) e adolescência (por volta de 10-18 anos). O autor elaborou seis períodos, sendo eles aqui sucintamente apresentados:
a) comunicação emocional direta (0-la) - caracterizado pela relação direta adulto-bebê; b) atividade objetal-manipuladora (la- 3a) - aos
poucos o indivíduo começa a relacionar-se com a realidade de outra forma. A manipulação dos objetos da realidade passa a ser o principal
meio de conhecimento do mundo. Com o surgimento da fala, marcha, assim como do “eu” infantil, o indivíduo ganha novas estratégias de
apreender a realidade;
c) atividade de jogo (3a-6a) - o jogo é neste período a atividade principal. O desenvolvimento mais pleno da função simbólica e da
relação eu-outro são as principais formações psíquicas deste período, e estas são ao mesmo tempo um requisito para o jogo, assim como
são impulsionadas por este.
d) atividade de estudo (7a-10a) - a atividade escolar é a principal deste momento, pois é o principal meio para a apropriação pelo
indivíduo da realidade e formação do psiquismo. Há também um maior conhecimento dos motivos e necessidades individuais,
proporcionado pela maior capacidade de elaboração da realidade circundante e do próprio eu. Os processos psicológicos estão mais bem
formados (ganhos impulsionados pelo período anterior) e permitem ao indivíduo uma maior categorização (racionalização) do mundo.
e) comunicação íntima pessoal ou também chamada atividade socialmente útil (10a- 15a) - a atividade de estudo ainda está presente
neste momento, mas novos elementos surgem na vida do indivíduo, sendo a mais relevante a mudança de sua relação com o adulto. Os
sujeitos neste período conseguem lidar com o mundo com maior responsabilidade e independência (formações propiciadas pelo
desenvolvimento do pensamento hipotético-dedutivo), pois conseguem avaliar melhor a realidade e entender mais seus motivos e
necessidades assim como da sociedade. Outra característica é o aumento de atividades grupais, assim como mudanças fisiológicas
(sexuais) importantes.
f) atividade de estudo e profissional (15a-18a) - as atividades profissionais começam a tomar corpo e o estudar ganha novos
contornos (mudanças de motivos). Pode haver um aumento de interesse em questões relacionadas à ideologia e moral, seja no âmbito
macro nas relações com a sociedade, seja no micro, no que se refere às ações do indivíduo e do grupo de referência.
A utilização da categoria atividade (principal) como critério de referência é um aspecto a ser destacado neste processo, pois mantém a
proposição vigotskiana de que o desenvolvimento é ontologicamente social, assim como ratifica a posição marxiana de que o mediador
entre o homem e a natureza e entre os homens é a atividade (trabalho).
A educação ganha neste processo grande relevo, uma vez que o desenvolvimento do indivíduo está diretamente relacionado com a
apropriação dos conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade e esta é justamente uma das, se não a, principal função da
escola, a transmissão sistematizada de conhecimentos.
O processo educativo está diretamente envolvido também com a organização e orientação do desenvolvimento infantil, sistematizando
suas atividades tomando as leis do desenvolvimento infantil como referência e com o objetivo de impulsionar e dirigir o devir dos sujeitos,
permitindo a estes a construção da liberdade e universalidade.
A periodização walloniana, como já observado, tem pontos de intersecção com a soviética, assim como tem sua originalidade. Wallon
também ressalta que a idade não é o indicador principal de cada estágio; que cada estágio é um sistema completo em si mesmo, e as
características propostas para cada um deles se expressam através de conteúdos determinados culturalmente. Da mesma forma que o grupo
soviético de Vigotski, Wallon ahnna:
Efetivamente, as etapas seguidas pelo desenvolvimento da criança são marcadas, uma a uma, pela explosão de atividades que, por
algum tempo, parecem absorvê-la quase totalmente e das quais a criança não se cansa de tirar todos os efeitos possíveis. Elas assinalam a
sua evolução funcional e alguns dos seus traços poderíam ser consideradas como prova para descobrir e medir a ação correspondente...
(Wallon, 1995b).
Dado que o foco da teoria de desenvolvimento walloniana é a integração da criança como o meio, integração cognitiva-afetiva- -
motora, sua periodização vai levar em conta a predominância de um dos conjuntos funcionais (motor, afetivo, cognitivo) e da direção
(centrípeta - para o conhecimento de si ou centrífuga - para o conhecimento o mundo exterior). Tem-se então: Estágio impulsivo e
emocional (do nascimento há mn ano): predominância do conjunto motor-afetivo, e da direção centrípeta; estágio sensório-motor e
projetivo (de 1 ano a 3 anos): predominância do conjunto cognitivo, e da direção centrífuga; estágio do personalismo (de 3 a 6 anos):
predominância do conjunto afetivo, e da direção centrípeta; estágio categorial (de 6 a 11 anos): predominância do conjunto cognitivo, e da
direção centrífuga; estágio da puberdade e adolescência (acima de 11 anos): predominância do conjunto afetivo, e da direção centrípeta;
adulto: equilíbrio entre os conjuntos afetivo e cognitivo e entre as direções centrífuga e centrípeta.
Na perspectiva walloniana, tal qual a de Vigotski e grupo, a educação e particularmente a escola, ganha papel de relevo, tanto é que
Wallon colocou suas idéias de psicólogo e de educador a serviço da reformulação do ensino francês, colaborando no Plano Langevin-
Wallon (1969), ao qual emprestou o nome por ter assumido a presidência da Comissão que o elaborou, após a morte de Paul Langevin. A
diretriz norteadora do projeto foi construir uma educação mais justa para uma sociedade mais justa, com base na solidariedade.
A produção e a trajetória de Wallon apontam-no, e ele assim tem sido apresentado, como psicólogo da criança, do desenvolvimento,
da emoção e como educador. Mas ele pode ser apresentado também como psicólogo da educação pois, em suas pesquisas e estudos, não
havia mn pensar psicológico que não desembocasse em atos pedagógicos e não havia um pensar pedagógico que dispensasse o aporte
psicológico.
Vigotski e Wallon, partindo de contextos culturais tão diversos oferecem conceitos e princípios valiosos para a reflexão sobre a
educação dos dias atuais. Despertam a esperança que eles conseguiram visualizar para a construção de uma sociedade que pudesse superar
o mundo conturbado em que viviam, e no qual vivemos. (Texto adaptado MAHONEY, A. A; ALMEIDA, L. R; ALMEIDA, S.H.)

3.4 TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS DE GARDNER.


No início do século XX, as autoridades francesas solicitaram a Alfredo Binet que criasse mn instrumento pelo qual se pudesse prever
quais as crianças que teriam sucesso nos liceus parisenses. O instrumento criado por Binet testava a habilidade das crianças nas áreas
verbal e lógica, já que os currículos acadêmicos dos liceus enfatizavam, sobretudo o desenvolvimento da linguagem e da matemática. Este
instrumento deu origem ao primeiro teste de inteligência, desenvolvido por Tennan, na Universidade de Standford, na Califórnia: o
Standford-Binet Intelligence Scale.
Subsequentes testes de inteligência e a comunidade de psicometria tiveram enorme influência, dmante este século, sobre a ideia que se
tem de inteligência, embora o próprio Binet (Binet & Simon, 1905 Apud Komhaber & Gardner, 1989) tenha declarado que um único
número, derivado da performance de uma criança em um teste, não podería retratar uma questão tão complexa quanto à inteligência
humana. Neste artigo, pretendo apresentar uma visão de inteligência que aprecia os processos mentais e o potencial humano a partir do
desempenho das pessoas em diferentes campos do saber.

As pesquisas mais recentes em desenvolvimento cognitivo e neuropsicologia sugerem que as habilidades cognitivas são bem mais
diferenciadas e mais específicas do que se acreditava (Gardner, 1985). Neurologistas têm docmnentado que o sistema nervoso humano não
é um órgão com propósito único nem tão pouco é infinitamente plástico. Acredita-se, hoje, que o sistema nervoso seja altamente
diferenciado e que diferentes centros neurais processem diferentes tipos de informação (Gardner, 1987).
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos

Howard Gardner, psicólogo da Universidade de Hervard, baseou-se nestas pesquisas para questionar a tradicional visão da inte-
ligência, uma visão que enfatiza as habilidades linguística e lógico-matemática. Segundo Gardner, todos os indivíduos normais são capazes
de uma atuação em pelo menos sete diferentes e, até certo ponto, independentes áreas intelectuais. Ele sugere que não existem habilidades
gerais, duvida da possibilidade de se medir a inteligência através de testes de papel e lápis e dá grande importância a diferentes atuações
valorizadas em culturas diversas. Finalmente, ele define inteligência como a habilidade para resolver problemas ou criar produtos que
sejam significativos em um ou mais ambientes culturais.
A teoria
A Teoria das Inteligências Múltiplas, de Howard Gardner (1985) é mna alternativa para o conceito de inteligência como uma
capacidade inata, geral e única, que permite aos indivíduos uma performance, maior ou menor, em qualquer área de atuação. Sua
insatisfação com a ideia de QI e com visões unitárias de inteligência, que focalizam sobretudo as habilidades importantes para o sucesso
escolar, levou Gardner a redefinir inteligência à luz das origens biológicas da habilidade para resolver problemas. Através da avaliação das
atuações de diferentes profissionais em diversas culturas, e do repertório de habilidades dos seres humanos na busca de soluções,
culturalmente apropriadas, para os seus problemas, Gardner trabalhou no sentido inverso ao desenvolvimento, retroagindo para
eventualmente chegar às inteligências que deram origem a tais realizações. Na sua pesquisa, Gardner estudou também: (a) o
desenvolvimento de diferentes habilidades em crianças normais e crianças superdotadas; (b) adultos com lesões cerebrais e como estes não
perdem a intensidade de sua produção intelectual, mas sim uma ou algumas habilidades, sem que outras habilidades sejam sequer
atingidas; (c) populações ditas excepcionais, tais como idiot-savants e autistas, e como os primeiros podem dispor de apenas uma
competência, sendo bastante incapazes nas demais funções cerebrais, enquanto as crianças autistas apresentam ausências nas suas
habilidades intelectuais; (d) como se deu o desenvolvimento cognitivo através dos milênios.
Psicólogo construtivista muito influenciado por Piaget, Gardner distingue-se de seu colega de Genebra na medida em que Piaget
acreditava que todos os aspectos da simbolização partem de uma mesma função semiótica, enquanto que ele acredita que processos
psicológicos independentes são empregados quando o indivíduo lida com símbolos linguísticos, numéricos gestuais ou outros. Segundo
Gardner uma criança pode ter um desempenho precoce em uma área (o que Piaget chamaria de pensamento formal) e estar na média ou
mesmo abaixo da média em outra (o equivalente, por exemplo, ao estágio sensório-motor). Gardner descreve o desenvolvimento cognitivo
como uma capacidade cada vez maior de entender e expressar significado em vários sistemas simbólicos utilizados nmn contexto cultural,
e sugere que não há mna ligação necessária entre a capacidade ou estágio de desenvolvimento em uma área de desempenho e capacidades
ou estágios em outras áreas ou domínios (Malkus e col., 1988). Num plano de análise psicológico, afirma Gardner (1982), cada área ou
domínio tem seu sistema simbólico próprio; nmn plano sociológico de estudo, cada domínio se caracteriza pelo desenvolvimento de
competências valorizadas em culturas específicas.
Gardner sugere, ainda, que as habilidades humanas não são organizadas de forma horizontal; ele propõe que se pense nessas
habilidades como organizadas verticalmente, e que, ao invés de haver uma faculdade mental geral, como a memória, talvez existam formas
independentes de percepção, memória e aprendizado, em cada área ou domínio, com possíveis semelhanças entre as áreas, mas não
necessariamente uma relação direta.
As inteligências múltiplas
Gardner identificou as inteligências linguística, lógico-matemática, espacial, musical, cinestésica, interpessoal e intrapessoal. Postula
que essas competências intelectuais são relativamente independentes, têm sua origem e limites genéticos próprios e substratos
neuroanatômicos específicos e dispõem de processos cognitivos próprios. Segundo ele, os seres humanos dispõem de graus variados de
cada uma das inteligências e maneiras diferentes com que elas se combinam e organizam e se utilizam dessas capacidades intelectuais para
resolver problemas e criar produtos. Gardner ressalta que, embora estas inteligências sejam, até certo ponto, independentes uma das outras,
elas raramente funcionam isoladamente. Embora algumas ocupações exemplifiquem mna inteligência, na maioria dos casos as ocupações
ilustram bem a necessidade de uma combinação de inteligências. Por exemplo, um cirurgião necessita da acuidade da inteligência espacial
combinada com a destreza da cinestésica.
- Inteligência linguística - Os componentes centrais da inteligência linguística são uma sensibilidade para os sons, ritmos e sig-
nificados das palavras, além de uma especial percepção das diferentes funções da linguagem. É a habilidade para usar a linguagem para
convencer, agradar, estimular ou transmitir idéias. Gardner indica que é a habilidade exibida na sua maior intensidade pelos poetas. Em
crianças, esta habilidade se manifesta através da capacidade para contar histórias originais ou para relatar, com precisão, experiências
vividas.
- Inteligência musical - Esta inteligência se manifesta através de uma habilidade para apreciar, compor ou reproduzir uma peça
musical. Inclui discriminação de sons, habilidade para perceber temas musicais, sensibilidade para ritmos, texturas e timbre, e habilidade
para produzir e/ou reproduzir música. A criança pequena com habilidade musical especial percebe desde cedo diferentes sons no seu
ambiente e, frequentemente, canta para si mesma.

MOVIA, Didatismo e Conhecimento


Moun
- Inteligência lógico-matemática - Os componentes centrais desta inteligência são descritos por Gardner como uma sensibilidade para
padrões, ordem e sistematização. É a habilidade para explorar relações, categorias e padrões, através da manipulação de objetos ou
símbolos, e para experimentar de fonna controlada; é a habilidade para lidar com séries de raciocínios, para reconhecer problemas e
resolvê-los. É a inteligência característica de matemáticos e cientistas Gardner, porém, explica que, embora o talento científico e o talento
matemático possam estar presentes nmn mesmo indivíduo, os motivos que movem as ações dos cientistas e dos matemáticos não são os
mesmos. Enquanto os matemáticos desejam criar um mundo abstrato consistente, os cientistas pretendem explicar a natureza. A criança
com especial aptidão nesta inteligência demonstra facilidade para contar e fazer cálculos matemáticos e para criar notações práticas de seu
raciocínio.
- Inteligência espacial - Gardner descreve a inteligência espacial como a capacidade para perceber o mundo visual e espacial de fonna
precisa. É a habilidade para manipular fonnas ou objetos mentalmente e, a partir das percepções iniciais, criar tensão, equilíbrio e
composição, numa representação visual ou espacial.
É a inteligência dos artistas plásticos, dos engenheiros e dos arquitetos. Em crianças pequenas, o potencial especial nessa inteligência
é percebido através da habilidade para quebra-cabeças e outros jogos espaciais e a atenção a detalhes visuais.
- Inteligência cinestésica - Esta inteligência se refere à habilidade para resolver problemas ou criar produtos através do uso de parte
ou de todo o corpo. É a habilidade para usar a coordenação grossa ou fina em esportes, artes cênicas ou plásticas no controle dos
movimentos do corpo e na manipulação de objetos com destreza. A criança especialmente dotada na inteligência cinestésica se move com
graça e expressão a partir de estímulos musicais ou verbais demonstra uma grande habilidade atlética ou mna coordenação fina apurada.
- Inteligência interpessoal - Esta inteligência pode ser descrita como mna habilidade pare entender e responder adequadamente a
humores, temperamentos motivações e desejos de outras pessoas. Ela é melhor apreciada na observação de psicoterapeutas, professores,
políticos e vendedores bem sucedidos. Na sua fonna mais primitiva, a inteligência interpessoal se manifesta em crianças pequenas como a
habilidade para distinguir pessoas, e na sua fonna mais avançada, como a habilidade para perceber intenções e desejos de outras pessoas e
para reagir apropriadamente a partir dessa percepção. Crianças especialmente dotadas demonstram muito cedo mna habilidade para liderar
outras crianças, mna vez que são extremamente sensíveis às necessidades e sentimentos de outros.
- Inteligência intrapessoal - Esta inteligência é o conelativo interno da inteligência interpessoal, isto é, a habilidade para ter acesso
aos próprios sentimentos, sonhos e idéias, para discriminá-los e lançar mão deles na solução de problemas pessoais. É o reconhecimento de
habilidades, necessidades, desejos e inteligências próprios, a capacidade para fonnular mna imagem precisa de si próprio e a habilidade
para usar essa imagem para funcionar de fonna efetiva. Como esta inteligência é a mais pessoal de todas, ela só é observável através dos
sistemas simbólicos das outras inteligências, ou seja, através de manifestações linguísticas, musicais ou cinestésicas.
O desenvolvimento das inteligências
Na sua teoria, Gardner propõe que todos os indivíduos, em princípio, têm a habilidade de questionar e procurar respostas usando todas
as inteligências. Todos os indivíduos possuem, como parte de sua bagagem genética, certas habilidades básicas em todas as inteligências.
A linha de desenvolvimento de cada inteligência, no entanto, será detenninada tanto por fatores genéticos e neurobiológi- cos quanto por
condições ambientais. Ele propõe, ainda, que cada mna destas inteligências tem sua fonna própria de pensamento, ou de processamento de
infonnações, além de seu sistema simbólico. Estes sistemas simbólicos estabelecem o contato entre os aspectos básicos da cognição e a
variedade de papéis e funções culturais.
A noção de cultura é básica para a Teoria das Inteligências Múltiplas. Com a sua definição de inteligência como a habilidade para
resolver problemas ou criar produtos que são significativos em mn ou mais ambientes culturais, Gardner sugere que alguns talentos só se
desenvolvem porque são valorizados pelo ambiente. Ele afinna que cada cultura valoriza certos talentos, que devem ser dominados por
mna quantidade de indivíduos e, depois, passados para a geração seguinte.
Segundo Gardner, cada domínio, ou inteligência, pode ser visto em tennos de mna sequência de estágios: enquanto todos os
indivíduos nonnais possuem os estágios mais básicos em todas as inteligências, os estágios mais sofisticados dependem de maior trabalho
ou aprendizado.
A sequência de estágios se inicia com o que Gardner chama de habilidade de padrão cm. O aparecimento da competência simbólica é
visto em bebês quando eles começam a perceber o mundo ao seu redor. Nesta fase, os bebês apresentam capacidade de processar diferentes
infonnações. Eles já possuem, no entanto, o potencial para desenvolver sistemas de símbolos, ou simbólicos.
O segundo estágio, de simbolizações básicas, ocorre aproximadamente dos dois aos cinco anos de idade. Neste estágio as inteligências
se revelam através dos sistemas simbólicos. Aqui, a criança demonstra sua habilidade em cada inteligência através da compreensão e uso
de símbolos: a música através de sons, a linguagem através de conversas ou histórias, a inteligência espacial através de desenhos etc.
No estágio seguinte, a criança, depois de ter adquirido alguma competência no uso das simbolizações básicas, prossegue para adquirir
níveis mais altos de destreza em domínios valorizados em sua cultura. À medida que as crianças progridem na sua compreensão dos
sistemas simbólicos, elas aprendem os sistemas que Gardner chama de sistemas de segunda ordem, ou seja, a grafia dos sistemas (a escrita,
os símbolos matemáticos, a música escrita etc.). Nesta fase, os vários aspectos da cultura têm impacto considerável sobre o
desenvolvimento da criança, uma vez que ela aprimorará os sistemas simbólicos que demonstrem ter maior eficácia no desempenho de
atividades valorizadas pelo grupo cultural. Assim, mna cultura que valoriza a música terá um maior número de pessoas que atingirão uma
produção musical de alto nível.
Finalmente, durante a adolescência e a idade adulta, as inteligências se revelam através de ocupações vocacionais ou não vocacionais.
Nesta fase, o indivíduo adota um campo específico e focalizado, e se realiza em papéis que são significativos em sua cultura.
Teoria das inteligências múltiplas e a educação
As implicações da teoria de Gardner para a educação são claras quando se analisa a importância dada às diversas formas de
pensamento, aos estágios de desenvolvimento das várias inteligências e à relação existente entre estes estágios, a aquisição de co-
nhecimento e a cultura.
A teoria de Gardner apresenta alternativas para algumas práticas educacionais atuais, oferecendo uma base para: (a) o desenvol-
vimento de avaliações que sejam adequadas às diversas habilidades humanas (Gardner & Hatch, 1989; Blythe Gardner, 1 990) (b) uma
educação centrada na criança c com currículos específicos para cada área do saber (Konliaber & Gardner, 1989); Blythe & Gardner, 1390)
(c) um ambiente educacional mais amplo e variado, e que dependa menos do desenvolvimento exclusivo da linguagem e da lógica (Walters
& Gardner, 1985; Blythe & Gardner, 1990)
Quanto à avaliação, Gardner faz uma distinção entre avaliação e testagem. A avaliação, segundo ele, favorece métodos de levan-
tamento de informações durante atividades do dia-a-dia, enquanto que testagens geralmente acontecem fora do ambiente conhecido do
indivíduo sendo testado. Segundo Gardner, é importante que se tire o maior proveito das habilidades individuais, auxiliando os estudantes
a desenvolver suas capacidades intelectuais, e, para tanto, ao invés de usar a avaliação apenas como uma maneira de classificar, aprovar ou
reprovar os alunos, esta deve ser usada para informar o aluno sobre a sua capacidade e informar o professor sobre o quanto está sendo
aprendido.
Gardner sugere que a avaliação deve fazer jus à inteligência, isto é, deve dar crédito ao conteúdo da inteligência em teste. Se cada
inteligência tem certo número de processos específicos, esses processos têm que ser medidos com instrumento que permitam ver a
inteligência em questão em funcionamento. Para Gardner, a avaliação deve ser ainda ecologicamente válida, isto é, ela deve ser feita em
ambientes conhecidos e deve utilizar materiais conhecidos das crianças sendo avaliadas. Este autor também enfatiza a necessidade de
avaliar as diferentes inteligências em termos de suas manifestações culturais e ocupações adultas específicas. Assim, a habilidade verbal,
mesmo na pré-escola, ao invés de ser medida através de testes de vocabulário, definições ou semelhanças, deve ser avaliada em
manifestações tais como a habilidade para contar histórias ou relatar acontecimentos. Ao invés de tentar avaliar a habilidade espacial
isoladamente, deve-se observar as crianças durante uma atividade de desenho ou enquanto montam ou desmontam objetos. Finalmente, ele
propõe a avaliação, ao invés de ser um produto do processo educativo, seja parte do processo educativo, e do currículo, informando a todo
o momento de que maneira o currículo deve se desenvolver.
No que se refere à educação centrada na criança, Gardner levanta dois pontos importantes que sugerem a necessidade da indi-
vidualização. O primeiro diz respeito ao fato de que, se os indivíduos têm perfis cognitivos tão diferentes uns dos outros, as escolas
deveríam, ao invés de oferecer uma educação padronizada, tentar garantir que cada um recebesse a educação que favorecesse o seu
potencial individual. O segundo ponto levantado por Gardner é igualmente importante: enquanto na Idade Média um indivíduo podia
pretender tomar posse de todo o saber universal, hoje em dia essa tarefa é totalmente impossível, sendo mesmo bastante difícil o domínio
de um só campo do saber.
Assim, se há a necessidade de se limitar a ênfase e a variedade de conteúdos, que essa limitação seja da escolha de cada um,
favorecendo o perfil intelectual individual.
Quanto ao ambiente educacional, Gardner chama a atenção pare o fato de que, embora as escolas declarem que preparam seus alunos
pare a vida, a vida certamente não se limita apenas a raciocínios verbais e lógicos. Ele propõe que as escolas favoreçam o conhecimento de
diversas disciplinas básicas; que encorajem seus alunos a utilizar esse conhecimento para resolver problemas e efetuar tarefas que estejam
relacionadas com a vida na comunidade a que pertencem; e que favoreçam o desenvolvimento de combinações intelectuais individuais, a
partir da avaliação regular do potencial de cada um. (Texto adaptado de GAMA, M. C. S. S.).
3.5 PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO: ASPECTOS HISTÓRICOS E
BIOPSICOSSOCIAIS.
A Psicologia do Desenvolvimento como ramo da ciência psicológica constitui-se no estado sistemático da personalidade humana,
desde a fonnação do indivíduo, no ato da fecundação até o estágio tenninal da vida, ou seja, a velhice.
Como ciência comportamental, a psicologia do desenvolvimento ocupa-se de todos os aspectos do desenvolvimento e estuda homem
como mn todo, e não como segmentos isolados de dada realidade biopsicológica. De modo integrado, portanto, a psicologia do
desenvolvimento estuda os aspectos cognitivos, emocionais, sociais e morais da evolução da personalidade, bem como os fatores
determinantes de todos esses aspectos do comportamento do indivíduo.
Como área de especialização no campo das ciências comportamentais, argumenta Charles Woorth (1972), a psicologia do desen-
volvimento se encarrega de salientar o fato de que o comportamento ocorre num contexto histórico, isto é, ela procura demonstrar a
integração entre fatores passados e presentes, entre disposições hereditárias incorporadas às estruturas e funções neuroíisiológicas, as
experiências de aprendizagem do organismo e os estímulos atuais que condicionam e detenninam seu comportamento.
Processos básicos no Desenvolvimento Humano
Muitos autores usam indiferentemente as palavras desenvolvimento e crescimento. Entre estes encontram-se Mouly (1979) e Sawrey e
Telford (1971). Outros, porém, como Rosa, Nerval (1985) e Bee (1984-1986), preferem designar como crescimento as mudanças em
tamanho, e como desenvolvimento as mudanças em complexidade, ou o plano geral das mudanças do organismo como mn todo.
Mussen (1979), associa a palavra desenvolvimento a mudanças resultantes de influências ambientais ou de aprendizagem, e o
crescimento às modificações que dependem da maturação.
Diante dos estudos e leituras realizados, toma-se evidente e necessário o estabelecimento de uma diferenciação conceituai desses
tennos, vez que, constantemente encontramos os estudiosos dessa área referindo-se a outro tenno, de acordo com a situação focalizada.
Desta fonna, preferimos conceituar o crescimento como sendo o processo responsável pelas mudanças em tamanho e sujeito às
modificações que dependem da maturação, e o desenvolvimento como as mudanças em complexidade ou o plano geral das mudanças do
organismo como mn todo, e que sofrem, além da influência do processo maturacional, a ação maciça das influências ambientais, ou da
aprendizagem (experiência, treino).
Através da representação gráfica, que se segue, ilustramos o conceito de crescimento e desenvolvimento, evidenciando a interve-
niência dos fatores que o detenninam: Hereditariedade, meio ou ambiente, maturação e aprendizagem (experiência, treino).
Processo de Desenvolvimento
Exemplificando o uso do conceito de crescimento e desenvolvimento:
É evidente que a mão de uma criança é bem menor do que a mão de mn adulto nonnal. Pelo processo nonnal do crescimento, a mão da
criança atinge o tamanho nonnal da mão do adulto na medida em que ela cresce fisicamente. Dizemos, portanto, que, no caso, houve
crescimento dessa parte do corpo. A mão de mn adulto nonnal é diferente da mão de uma criancinha, não somente por causa do seu
tamanho. Ela é diferente, sobretudo, por causa de sua maior capacidade de coordenação de movimentos e de uso. Neste caso, podemos
fazer alusão ao processo de desenvolvimento, que se refere mais ao aspecto qualitativo (coordenação dos movimentos da mão,
desempenho), sem excluir, todavia, alguns aspectos quantitativos (aumento do tamanho da mão). Nota-se, entretanto, que essa distinção
entre crescimento e desenvolvimento nem sempre pode ser rigorosamente mantida, porque em determinadas fases da vida os dois
processos são, praticamente, inseparáveis.
A questão da hereditariedade e do meio no desenvolvimento humano
A controvérsia hereditariedade e meio como influências geradoras e propulsoras do desenvolvimento humano tem ocupado, através
dos anos, lugar de relevância no contexto geral da psicologia do desenvolvimento.

A princípio, o problema foi estudado mais do ponto de vista filosófico, salientando-se, de mn lado, teorias nativistas, como a de
Rousseau, que advogava a existência de idéias inatas, e, de outro lado, as teorias baseadas no empirismo de Locke, segundo o qual todo
conhecimento da realidade objetiva resulta da experiência, através dos órgãos sensoriais, dando, assim, mais ênfase aos fatores do meio.
Particularmente, no contexto da psicologia do desenvolvimento, o problema da hereditariedade e do meio tem aparecido em relação a
vários tópicos. Por exemplo, no estudo dos processos perceptivos, os psicólogos da Gestalt advogaram que os fatores genéticos são mais
importantes à percepção do que os fatores do meio. Por outro lado, cientistas como Hebb (1949) defendem a posição empirista, segundo a
qual os fatores da aprendizagem são de essencial importância ao processo perceptivo. Na área de estudo da personalidade encontramos
teorias constitucionais como as de Kretschmer e Sheldon que advogam a existência de fatores inatos determinantes do comportamento do
indivíduo, enquanto outros, como Bandura, em sua teoria da aprendizagem social, afirmam que os fatores de meio é que, de fato, modelam
a personalidade humana. Na pesquisa sobre o desenvolvimento verbal, alguns psicólogos como Gesell e Thompson (1941) se preocupam
mais com o processo da maturação como fato biológico, enquanto outros se preocupam, mais, com o processo de aprendizagem, como é o
caso de Gagné (1977), Deese e Hulse (1967) e tantos outros. Com relação ao estudo da inteligência, o problema é o mesmo: uns dão maior
ênfase aos fatores genéticos, como é o caso de Jensen (1969), enquanto outros salientam mais os fatores do meio, como o faz Kagan
(1969).
Em 1958, surgiu uma proposta de solução à questão, por Anne Anastasi, que publicou um artigo no Psychological Review, sobre o
problema da hereditariedade e meio na determinação do comportamento humano.
O trabalho de Anastasi lançou considerável luz sobre o problema, tanto do ponto de vista teórico como nos seus aspectos meto-
dológicos. Isso não significa que o problema tenha sido resolvido mas, pelo menos, ajudou os estudiosos a formularem a pergunta
adequada pois, como se sabe, fazer a pergunta certa é fundamental a qualquer pesquisa científica relevante.
Faremos, a seguir, uma breve exposição da solução proposta por Anne Anastasi (1958), contando com o auxílio de outras fontes de
informação.
A discussão do problema hereditariedade versus meio encontra-se, hoje, num estágio em que ordinariamente se admite que tanto os
fatores hereditários como os fatores do meio são importantes na determinação do comportamento do indivíduo. A herança genética
representa o potencial hereditário do organismo que poderá ser desenvolvido dependendo do processo de interação com o meio, mas que
determina os limites da ação deste.
Anastasi afirmou que mesmo reconhecendo que determinado traço de personalidade resulte da influência conjunta de fatores
hereditários e mesológicos, uma diferença específica nesse traço entre indivíduos ou entre grupos pode resultar de um dos fatores apenas,
seja o genético seja o ambiente. Determinar exatamente qual dos dois ocasiona tal diferença ainda é um problema na metodologia da
pesquisa.
Segundo Anastasi, a pergunta a ser feita, hoje, não mais deve ser qual o fator mais importante para o desenvolvimento, ou quanto
pode ser atribuído à hereditariedade e quanto pode ser atribuído ao meio, mas como cada um desses fatores opera em cada circunstância. É,
pois, portanto, mais preocupada com a questão de como os fatores hereditários e ambientais interagem do que propriamente com o
problema de qual deles é o mais importante, ou de quanto entra de cada um na composição do comportamento do indivíduo.
Anastasi procurou demonstrar que os mecanismos de interação variam de acordo com as diferentes condições e, com respeito aos
fatores hereditários, ela usa vários exemplos ilustrativos desse processo interativo.
O primeiro exemplo é o da oligofrenia fenilpirúvica e a idiotia amurótica. Em ambos os casos o desenvolvimento intelectual do
indivíduo será prejudicado como resultado de desordens metabólicos hereditárias. Até onde se sabe, não há qualquer fator ambiental que
possa contrabalançar essa deficiência genética. Portanto, o indivíduo que sofreu essa desordem metabólica no seu processo de formação
será mentalmente retardado, por mais rico e estimulante que seja o meio em que viva.
A questão da MATURAÇÃO e da APRENDIZAGEM no desenvolvimento humano
A partir do patrimônio hereditário e tendo, do outro lado, o meio para complementar o processo de desenvolvimento, temos dois
processos fundamentais: o da MATURAÇÃO e o da APRENDIZAGEM ou EXPERIÊNCIA.
Segundo Schneirla (1957), o desenvolvimento se refere a mudanças progressivas na organização de um organismo. Este, por sua vez,
é encarado como um sistema funcional e adaptativo através de toda a vida. Portanto, desenvolvimento implica em mudança progressiva
num sistema vivo, individual, funcional e adaptativo. Nessa mudança progressiva do desenvolvimento há dois fatores gerais de alta
complexidade e de grande importância - maturação e experiência.
Maturação significa crescimento e diferenciação dos sistemas físicos e fisiológicos do organismo. Crescimento se refere a mudanças
resultantes de acréscimo de tecidos. É portanto, de natureza quantitativa. Diferenciação se refere a mudanças nos aspectos estruturais dos
tecidos. Um exemplo típico de diferenciação seria o caso do embrião, que em determinada fase de seu desenvolvimento é dividido em três
camadas ou folhetos - o mesodenna, o endodenna e o ectodenna - dos quais se originam os vários órgãos e sistemas do corpo.
Maturação, portanto, se refere a mudanças que ocorrem no organismo como resultado de crescimento e diferenciação de seus tecidos e
órgãos.
Para elucidar, mais um pouco, a questão, faremos as seguintes colocações;
- O crescimento refere-se a alguns tipos de mudanças, passo a passo em quantidade, como por exemplo, em tamanho. Falamos do
crescimento do vocabulário da criança ou do crescimento do seu corpo. Tais mudanças em quantidade podem ser em função da maturação,
mas não necessariamente. O corpo de uma criança pode mudar de tamanho porque sua alimentação mudou, o que é efeito externo, ou
porque seus músculos e ossos cresceram, o que é, provavelmente, um efeito maturacional.
Note-se, entretanto, que a maturação não ocorre à revelia da contribuição do meio. Segundo Sclmeirla, o processo maturacional deve,
sempre, ocorrer no contexto de mn ambiente favorável. Visto que existe essa interdependência, a direção exata que a maturação tomará
será afetada por aquilo que acontece no contexto em que vive o oiganismo.
- Experiência se refere a todas as influências que agem sobre o organismo através de sua vida. A experiência pode afetar o organismo
em qualquer fase de sua ontogênese. Há experiência com ações químicas, ou enfermidades, que podem afetá-lo na vida intrauterina, e há
outras que podem afetá-lo depois do nascimento. Quer se trate, portanto, de experiência endógena ou exógena, ela constitui, sempre, um
dos fatore s de interação que deter minam o desenvolvimento.
Maturação e experiência, portanto, interagem no processo do desenvolvimento, e isso se dá de modo específico. Há experiências, por
exemplo, que produzem o que Sclmeirla chamou de efeitos de traços, que são mudanças orgânicas que, por sua vez, afetam experiências
futuras. Isto é, há experiências que produzem mudanças no organismo, e estas mudanças detenninam o modo como experiências futuras
afetarão o organismo. Exemplo, se uma criança passa por uma experiência que a incapacita para atividades esportivas, um programa de
educação física a afetará de modo diferente do que afetaria sem tal experiência traumática - exemplificar dentro do nosso sujeito.
Acontece, porém, que os efeitos que determinada experiência pode causar são limitadas pelo nível de maturação do organismo. A
mesma experiência poderá produzir diferentes efeitos, dependendo do nível de maturação do organismo. Aparentemente, não será de
grande proveito submeter o organismo a um processo de aprendizagem para o qual ele não tenha um mínimo de condições em tennos de
seu processo maturacional. Por outro lado, entretanto, a experiência impõe limites à maturação. O crescimento e diferenciação do processo
maturacional não ocorrerão sem os efeitos facilitadores da experiência. Portanto, maturação e experiência devem interagir para que o
desenvolvimento possa ocorrer.
Passamos a ilustrar, com exemplos, situações práticas, através das quais venha a ser evidenciada a questão da maturação versus
aprendizagem/experiência. É necessário que compreendamos que o desenvolvimento determinado pela maturação ocorre, na sua fonna
pura, independentemente da prática ou tratamento, pois as sequências maturacionais são poderosas. Você não precisa praticar o
crescimento dos pelos pubianos, não precisou que lhes ensinassem como andar. Mas essas mudanças não ocorrem no vácuo. A criança
amadurece num ambiente específico, e mesmo tais padrões maturacionais poderosos podem ser perturbados pela privação ou por acidentes.
Uma criança que não come o suficiente pode andar depois que outra que recebeu uma boa dieta. Durante o desenvolvimento pré- -
natal a sequência de mudanças pode ser perturbada por coisas, como por exemplo, doenças na mãe. Mesmo as mudanças físicas na
puberdade podem ser alteradas em circunstâncias extremas, particularmente pela desnutrição. Por exemplo, meninas severamente
subnutridas não menstruam. Dennis (1960), observou o desenvolvimento físico de crianças criadas em orfanato no Irã, durante os anos 50.
Em um dos orfanatos, as crianças eram colocadas em seus berços deitadas de costas, sobre colchões que já estavam tão afundados que se
tomava extremamente difícil para os bebês rolarem, ou virarem.
Na medida em que eles raramente ficavam deitados de barriga para baixo, tinham poucas oportunidades para praticar os movimentos
que compõem os primeiros estágios da sequência que leva ao engatinhar e andar. Em função disso, muitos bebês não engatinhavam. Ao
invés disso, eles conseguiram se movimentar “patinando”, uma fonna de locomoção na qual a criança senta e impulsiona- se para frente
através de mn movimento de flexionar e esticar as pernas. Todas as crianças acabavam andando, mas os “patinadores” eram muito
atrasados, e sua sequência de movimentos pré-marcha estava alterada. Portanto, embora as sequências maturacionais sejam poderosas, elas
são afetadas pelo tipo de estimulação disponível para a criança.
Com referência às influências ambientais, tem havido grande quantidade de pesquisas de psicologia do desenvolvimento sobre os
efeitos de influências ambientais, como a pobreza ou classe social. Estas pesquisas e estudos equivalentes sobre os efeitos dos padrões
familiares, dieta ou diferenças étnicas envolvem, basicamente, a comparação de grupos que tenham sofrido experiências bastante
diferentes. As questões básicas respondidas são perguntas do tipo o que mais, do que, por que. Qual é o efeito da pobreza sobre o
desenvolvimento da linguagem ou crescimento físico da criança?
O que acontece com o conceito de gênero da criança se ela não tem o pai ou a mãe em casa? Podemos descobrir, por exemplo, que as
crianças criadas em famílias pobres conhecem mn número menor de palavras que as crianças em famílias financeiramente mais seguras.
Mas, por quê? Esta pergunta “por que” nos leva, inevitavelmente, ao exame mais detalhado dos ambiente desses dois tipos de crianças.
Quem conversa com a criança? Com que frequência? Que tipos de palavras são usados? Quando abordamos perguntas como essas saímos
dos efeitos ambientais amplos e caímos no campo das experiências individuais específicas. Na verdade, os dois aspectos do
desenvolvimento, maturação e aprendizagem, são tão intimamente ligados que não é possível isolar a influência de um e de outro. A pessoa
baixa pode sê- lo devido a mna tendência hereditária, ou devido a mna doença que impediu o seu crescimento. A capacidade herdada não
pode desenvolver-se num vácuo, nem pode ser medida a não ser através do estado atual de de-
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senvolvimento, e este, naturalmente, resulta em parte da aprendizagem. Se uma pessoa se comporta de maneira não-inteligente, não existe
forma infalível de saber se tal comportamento resulta de limitações herdadas ou de limitações de seu ambiente na estimulação do
crescimento. Apenas no caso em que podemos, com razoável certeza, eliminar as possibilidades de insuficiente oportunidade para
aprender, podemos considerar o comportamento inadequado como indicador de deficiências herdadas. Dessa maneira, se alguém parece
estúpido em um problema de cálculo adiantado, isso pode ou não implicar falta de inteligência, o que depende da experiência do indivíduo
nesse campo; ao contrário, a incapacidade para compreender relações entre idéias comuns pode ser interpretada, com mais segurança,
como resultado de insuficiência mental.
Segundo Samuel Pfroimn Neto (1976), pode-se inferir a atuação de dois processos básicos no desenvolvimento: a maturação e a
aprendizagem. A maturação, responsável pela diferenciação ou desenvolvimento de traços potencialmente presentes no indivíduo, ocorre
independentemente da experiência. Frank (1963), entretanto, assinala que “mais do que a emergência de padrões não aprendidos, a noção
de maturação implica na reorganização e recombinação da sequência total de funções e comportamentos anteriormente padronizados,
possibilitando a emergência de novos padrões essenciais ao desenvolvimento humano. De tal processo resultam as mudanças ordenadas no
comportamento, que se dão de modo universal e ocorrem, mais ou menos na mesma época, em todos os indivíduos. A aprendizagem
refere-se a mudanças no comportamento e nas características físicas do indivíduo que implicam em treino, exercício e, por vezes, em
esforço consciente, deliberado, do próprio indivíduo. É de particular importância, em se tratando de seres humanos, a aprendizagem que
ocorre em situação social.
Embora a maturação possa ser tratada separadamente da aprendizagem, nmna exposição teórica sobre o desenvolvimento humano não
é fácil fazer tal separação na prática. Quase todos os comportamentos resultantes de maturação sofrem a influência da aprendizagem e os
dois processos se apresentam de tal modo inter-relacionados que raramente é possível distinguir o primeiro do segundo. No
desenvolvimento da linguagem da criança, por exemplo, a maturação de estruturas e funções envolvidas na produção e reconhecimento de
sons interage estreitamente com a aprendizagem de um idioma específico. A maturação, na verdade, fornece as mesmas bases para a
aprendizagem de quaisquer idiomas.
O desenvolvimento psicossexual do adolescente, segundo Samuel Pfroimn Neto, serve, também, para ilustrar a interação acima
referida. Não basta a maturação sexual ligada às transformações pubertárias para garantir a efetivação do comportamento sexual. Um
complexo de aprendizagens sociais-sexuais deve ter lugar, antes que o jovem possa ser considerado seguro, bem ajustado e bem aceito em
suas relações com o sexo.
Não obstante a dificuldade de diferenciar, na prática, as influências da maturação e da aprendizagem, numerosas pesquisas realizadas
com êxito, com animais e seres humanos, permitiram melhor conhecimento das relações entre os dois processo. Eis algumas
generalizações, derivadas de tais pesquisas:
a) As habilidades alicerçadas de modo mais direto sobre padrões de desenvolvimento do comportamento que resulta de maturação
são mais facilmente aprendidas (por exemplo, a aprendizagem universal de pa-pa e ma-ma, palavras que se ajustam mais facilmente ao
balbucio natural da criancinha).
b) Quanto mais amadurecido o organismo, tanto menor treino é necessário para atingir um determinado nível de proficiência.
c) A aprendizagem ou treino antes da maturação pode resultar em melhoria nula ou apenas temporária.
d) Quando o treino prematuro é frustrado, seus efeitos podem ser prejudiciais (Hitgard -1962).
Princípios Gerais do Desenvolvimento Humano
O desenvolvimento é um processo contínuo que começa com a vida, isto é, na concepção, e a acompanha, sendo agente de mo-
dificações e aquisições.
A sequência do desenvolvimento no período pré-natal, isto é, antes do nascimento, é fixa e invariável. A cabeça, os olhos, o tronco, os
braços, as pernas, os órgãos genitais e os órgãos internos desenvolvem-se na mesma ordem, e aproximadamente nas mesmas idades pré-
natais em todos os fatos.
Embora os processos subjacentes ao crescimento sejam muito complexos, tanto antes quanto após o nascimento, o desenvolvimento
humano ocorre de acordo com certo número de princípios gerais, os quais veremos a seguir.
Primeiro: O crescimento e as mudanças no comportamento são ordenados e, na maior parte das vezes, ocorrem em sequências
invariáveis. Todos os fetos podem mover a cabeça antes de poderem abrir as mãos. Após o nascimento, há padrões definidos de cres-
cimento físico e de aumentos nas capacidades motoras e cognitivas. Toda criança consegue sentar-se antes de ficar de pé, fica de pé antes
de andar e desenha um círculo antes de poder desenhar um quadrado. Todos os bebês passam pela mesma sequência de estágios no
desenvolvimento da fala: balbuciam antes de falar, pronunciam certos sons antes de outros e formam sentenças simples antes de
pronunciar sentenças complexas. Certas capacidades cognitivas precedem outras, invariavelmente. Todas as crianças podem classificar
objetos ou colocá-los em série, levando em consideração o tamanho, antes de poder pensar logicamente, ou formular hipóteses.
A natureza ordenada do desenvolvimento físico e motor inicial está ilustrada pelas tendências “direcionais”. Uma dessas tendências é
chamada cefalocaudal ou da cabeça aos pés, isto é, a direção do desenvolvimento de qualquer forma e função vai da cabeça para os pés.
Por exemplo, os “botões” dos braços do feto surgem antes dos “botões” das pernas, e a cabeça já está bem desenvolvida antes que as
pernas estejam bem formadas.

MOVIA, Didatismo e Conhecimento


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EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos
No instante, a fixação visual e a coordenação olho-mão estão desenvolvidas muito antes que os braços e as mãos possam ser usadas
com eficiência para tentar alcançar e agarrar objetos. A direção seguinte do desenvolvimento é chamada próximo-distal, ou de dentro para
fora. Isso significa que as partes centrais do corpo amadurecem mais cedo e se tomam funcionais antes das partes que se situam na
periferia. Movimentos eficientes do braço e antebraço precedem os movimentos dos pulsos, mãos e dedos. O braço e a coxa são
controlados voluntariamente antes do antebraço, da pema, das mãos e dos pés. Os primeiros atos do infante são difusos grosseiros e
indiferenciados, envolvendo o corpo todo ou grandes segmentos do mesmo. Pouco a pouco, no entanto, esses movimentos são substituídos
por outros, mais refinados, diferenciados e precisos - uma tendência evolutiva do maciço para o específico dos grandes para os pequenos
músculos. As tentativas iniciais do bebê para agarrar um cubo, por exemplo, são muito desajeitadas quando comparadas aos movimentos
refinados do polegar e do indicador que ele poderá executar alguns meses depois. Seus primeiros passos no andar são indecisos e implicam
movimentos excessivos. No entanto, pouco a pouco, começa a andar de modo mais gracioso e preciso.
Segundo: O desenvolvimento é padronizado e contínuo mas nem sempre uniforme e gradual. Há períodos de crescimento físico muito
rápido - nos chamados surtos do crescimento - e de incrementos extraordinários nas capacidades psicológicas. Por exemplo, a altura do
bebê e seu peso aumentam enormemente durante o primeiro ano, e os pré-adolescentes e adolescentes também crescem de modo
extremamente rápido. Os órgãos genitais desenvolve-se muito lentamente durante a infância, mas de modo muito rápido durante a
adolescência. Durante o período pré-escolar, ocorrem rápidos aumentos no vocabulário e nas habilidades motoras e, por volta da
adolescência, a capacidade individual para resolver problemas lógicos apresenta um progresso notável.
Terceiro: Interações complexas entre a hereditariedade, isto é, fatores genéticos, e o ambiente (a experiência) regulam o curso do
desenvolvimento humano. É, portanto, extremamente difícil distinguir os efeitos dos dois conjuntos de determinantes sobre características
específicas observadas. Considere- se, por exemplo, o caso da filha de um bem sucedido homem de negócios e de uma advogada. O
quociente intelectual da menina é 140, o que é muito alto. Esse resultado é o produto de sua herança de um potencial alto ou de um
ambiente mais estimulante no lar? Muito provavelmente, é o resultado da interação dos dois fatores.
Podemos considerar as influências genéticas sobre características específicas como altura, inteligência ou agressividade, mas, na
maior parte dos casos de funções psicológicas as contribuições exatas dos fatores hereditários são desconhecidas. Para tais características,
as perguntas relevantes são: quais das potencialidades genéticas do indivíduo serão realizadas no ambiente físico, social e cultural em que
ele ou ela se desenvolve? Que limites para o desenvolvimento das funções psicológicas são detenninados pela constituição genética do
indivíduo?
Muitos aspectos do físico e da aparência são fortemente influenciados por fatores genéticos - sexo, cor dos olhos e da pele, fonna do
rosto, altura e peso. No entanto, fatores ambientais podem exercer forte influência mesmo em algumas dessas características que são
basicamente detenninadas pela hereditariedade. Por exemplo, os filhos de judeus, nascidos na América do Norte, de pais que para lá
imigraram há duas gerações, tomaram-se mais altos e mais pesados do que seus pais, innãos e innãs nascidos no estrangeiro. As crianças
da atual geração, nos Estados Unidos e em outros países do Ocidente, são mais altas e pesadas e crescem mais rapidamente do que as
crianças de gerações anteriores. Evidentemente, os fatores ambientais, especialmente a alimentação e as condições de vida afetam o físico
e a rapidez do crescimento.
Fatores genéticos influenciam características do temperamento, tais como tendência para ser calmo e relaxado ou tenso e pronto a
reagir. A hereditariedade pode também estabelecer os limites superiores, além dos quais a inteligência não pode se desenvolver. Como e
sob que condições as características temperamentais ou de inteligência se manifestarão, depende, não obstante de muitos fatores do
ambiente. Crianças com bom potencial intelectual, geneticamente detenninado, não parecem muito inteligentes se são educadas em
ambientes monótonos e não estimulantes, ou se não tiverem motivação para usar seu potencial.
Em smna, as contribuições relativas das forças hereditárias e ambientais variam de características para características. Quando se
pergunta sobre as possíveis influências genéticas no comportamento, devemos sempre estar atentos às condições nas quais as
características se manifestam. No que diz respeito à maior parte das características comportamentais, as contribuições dos fatores
hereditários são desconhecidas e indiretas.
Quatro: Todas as características e capacidades do indivíduo, assim como as mudanças de desenvolvimento, são produtos de dois
processos básicos, embora complexos, que são os seguintes: maturação (mudanças orgânicas neurofisiológicas e bioquímicas que ocorrem
no corpo do indivíduo e que são relativamente independentes de condições ambientais externas, de experiências ou de práticas) e
experiência (aprendizagem e treino).
Como a aprendizagem e a maturação quase sempre interagem é difícil separar seus efeitos ou especificar suas contribuições relativas
ao desenvolvimento psicológico. Com certeza, o crescimento pré-natal e as mudanças na proporção do corpo e na estrutura do sistema
nervoso são antes produtos de processos de maturação que de experiências. Em contraste, o desenvolvimento das habilidades motoras e
das funções cognitivas depende da maturação, de experiência e da interação entre os dois processos. Por exemplo, são as forças de
maturação entre os dois processos que determinam, em grande parte, quando a criança está pronta para andar. Restrições ao exercício da
locomoção não adiam seu começo, a nãos ser que sejam extremas. Muitos infantes dos índios bopis são mantidos em berços durante a
maior parte do tempo de seus primeiros três meses de vida, e mesmo durante parte do dia, após esse período inicial. Portanto, têm muito
pouca experiência ou oportunidade de exercitar os músculos utilizados habitualmente no andar. No entanto, começam a andar com a
mesma idade que as outras crianças. Reciprocamente, nãos e pode ensinar recém-nascidos e ficar de pé ou andar antes que ser equipamento
neural e muscular tenha amadurecido o suficiente.

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APCXTUAK PARA COhCLMOÇ PÚBLICOÇ

MOVIA, Didatismo e Conhecimento


Quando essas habilidades motoras básicas forem adquiridas, no entanto, elas melhoram com a experiência e prática. O andar toma-se
mais coordenado e mais gracioso à medida que os movimentos inúteis são eliminados; os passos mais longos, coordenados e rápidos.
A aquisição da linguagem e o desenvolvimento das habilidades cognitivas são, também, resultados da interação entre as forças de
experiência e da maturação. Assim, embora as crianças não comecem a falar ou juntar palavras antes de atingirem certo nível de
maturidade física, pouco importando quanto “ensinamento” lhes for ministrado, obviamente a linguagem que vierem a adquirir depende de
suas experiências, isto é, da linguagem que ouvem os outros falar. Sua facilidade verbal será, pelo menos parcialmente, função do apoio e
das recompensas que recebem quando expressam verbalmente.
Qualogamente, as crianças não adquirirão certas habilidades intelectuais ou cognitivos, enquanto não tiverem atingido determinado
grau de maturidade. Por exemplo, até o estágio o que Piaget denomina operacional - aproximadamente entre seis e sete anos as crianças só
conseguem lidar com objetos, eventos e representações desses. Mas não conseguem lidar com idéias ou conceitos. Antes de atingirem o
estágio operacional, não dispõem do conceito de conservação a ideia de que a qualidade de mna substância, como a argila não muda
simplesmente porque sua forma mudou de esférica, digamos a cilíndrica. Uma vez atingido o estágio das operações concretas e tendo
acumulado mais experiências ligadas à noção de conservação, podem, agora aplicá-la a outras qualidades. Podem compreender que o
comprimento, a massa, o número e o peso permanecem constantes, apesar de certas mudanças na aparência externa.
Quinto: características de personalidade e respostas social, incluindo-se motivos, respostas emocionais e modos habituais de reagir,
são em grande proporção aprendidos, isto é, são o resultado de experiência e prática ou exercício. Com isso, não se pretende negar o
princípio de que fatores genéticos e de maturação desempenham importante papel na determinação do que e como o indivíduo aprende.
A aprendizagem vem sendo, desde há muito, uma das áreas centrais de pesquisa e teoria em psicologia e muitos princípios im-
portantes de aprendizagem foram estabelecidos. Há três tipos de aprendizagem que são de importantes critica no desenvolvimento da
personalidade e no desenvolvimento social.
A primeira e mais tradicional abordagem da aprendizagem é c condicionamento operante ou instrumental, uma resposta que já está no
repertório da criança é recompensada ou reforçada por alimento, prazer, aprovação ou alguma outra recompensa material. Tome-se, em
consequência, fortalecida, isto é, há maior probabilidade de que essa resposta se repita. Por exemplo, ao reforçarmos ou recompensarmos
crianças de três meses cada vez que elas vocalizem (sorrindo-lhes ou tocando- lhes levemente na barriga), ocorre um aumento marcante na
frequência de vocalização das crianças.
Muitas das respostas das crianças são modificadas ou modeladas através do condicionamento operante. Num estudo, cada criança de
uma classe pré-escolarfoi recompensada pela aprovação do professor por toda resposta social que desse e outras crianças e cada vez que
manifestasse um comportamento de cooperação ou de ajuda a outras crianças. Respostas agressivas, como bater, importunar, gritar e
quebrar objetos, foram ignoradas ou punidas por repreensão. Dentro de muito pouco tempo, houve aumentos notáveis no número de
respostas dirigidos aos colegas, de respostas agressivas declinou rapidamente. Do mesmo modo, diversas características de personalidade,
muitos motivos e respostas sociais são aprendidos através do contato direto com um ambiente que reforça certas respostas e pune ou ignora
outras.
Respostas complexas podem, também, ser aprendidas de outro modo pela observação dos outros. O repertório comportamental de
uma criança expande-se consideravelmente, através da aprendizagem por observação. Esse fato tem sido muitas vezes demonstrado em
experimentos envolvendo grande variedade de respostas. Nesses experimentos, as crianças são expostas a um modelo que executa diversos
tipos de ações, simples ou complexas, verbais ou motoras, agressivas, dependentes ou altruísticas. As crianças do grupo de controle não
observam o modelo. Posteriormente, as crianças são observadas para se determinar até que ponto copiam e imitam o comportamento
mostrado pelo modelo. Os resultados demonstram que aprendizagem por observação é muito eficiente. As crianças do grupo experimental
geralmente imitam as respostas do modelo, ao passo que as do grupo de controle não exibem essas respostas. Note-se que não foi
necessário o reforço para adquirir ou para provocar respostas imitativas.
Obviamente, a criança não tem de aprender como responder a cada situação nova. Depois de uma resposta ter-se associado a um
estímulo ou arranjo ambiental, ela têm probabilidade de ser transferida a situações similares. Esse é o princípio da generalização do
estímulo. Se a criança aprendeu a acariciar seu próprio cão, poderá acariciar outros cães, especialmente os semelhantes ao seu.
Sexto: Há períodos críticos ou sensíveis ao desenvolvimento a certos órgãos do corpo e de certas funções psicológicas. Se ocorrem
interferências no desenvolvimento normal durante esses períodos, é possível que suijam deficiências, ou disfunções permanentes. Por
exemplo, há períodos críticos no desenvolvimento do coração, olhos, rins e pulmões do feto. Se o curso do desenvolvimento normal for
interrompido em um desses períodos por exemplo, em consequência de rubéola ou de infecção causada por algum vírus da mãe, a criança
pode sofrer um dano orgânico permanente.
Erick Erikson, psicanalista eminente de crianças, além de teórico, considera que o primeiro ano de vida é mn período crítico para o
desenvolvimento de confiança nos outros. O infante que não for objeto de calor humano e de amor, e que não for satisfeito em suas
necessidades durante esse período, corre o risco de não desenvolver mn sentido de confiança, por conseguinte, de não ser sucedido
posteriormente na fonnação de relações sociais satisfatórias: De mó análogo, parece haver um período crítico ou de “prontidão” para a
aprendizagem de várias tarefas, como ler ou andar de bicicleta. A criança que não aprende tais tarefas durante esses períodos pode ter
grandes dificuldades em aprende- las posterionnente.
Sétimo: As experiências das crianças, em qualquer etapa do desenvolvimento, afetam ser desenvolvimento posterior. Se uma mulher
grávida sofrer problemas severos de desnutrição, a criança em fonnação pode não desenvolver o número nonnal de células cerebrais e,
portanto, nasce com deficiência mental.
Os infantes que passam os primeiros meses em ambientes muitos monótonos e não estimulantes parecem ser deficientes em atividades
cognitivas e apresentam desempenho muito fraco em testes de funcionamento intelectual em idades posteriores.
A criança que recebe pouco afeto, amor e atenção no primeiro ano de vida não desenvolve a autoconfiança nem a confiança nos outros
no início da vida e, provavelmente, será, na adolescência, desajustada e emocionalmente instável.
Estágios evolutivos e tarefas evolutivas
Embora criticado por algumas teorias, o conceito de estágios evolutivos é uma ideia constante nos estudos atuais da psicologia do
desenvolvimento. Enquanto aquelas teorias interpretam o desenvolvimento humano como algo contínuo, desenvolvendo-se o com-
portamento humano de maneira gradual, na direção de sua maturidade, as teorias que preconizam a existência de estágios evolutivos (de
Freud, Erickson. Sullivan, Piaget e muitos outros) tendem a ver o desenvolvimento humano como algo descontínuo. Segundo essas teorias,
o curso do desenvolvimento humano se dá por meio de mudanças mais ou menos bruscas, na história do organismo.
Mussem et ah (1974), afinnam que cada estágio do desenvolvimento humano, segundo essas teorias, representam um padrão de
características inter-relacionadas. Cada estágio de desenvolvimento representa uma evolução de estágio anterior, mas, ao mesmo tempo,
cada um deles se caracteriza por funções qualitativamente diferentes. De acordo com essas teorias o desenvolvimento psicológico do
indivíduo ocorrem de maneira progressiva através de estágios fixos e invariáveis, cada indivíduo tendo que atravessar os mesmos estágios,
na mesma sequência. Conforme Jean Piaget (1973) existe fundamento biológico para a teoria de estágios evolutivos, em outro contexto
(1997), considerando as estruturas principais, diz que os estágios cognitivos tem uma propriedade sequencial, isto é, aparecem em ordem
fixa de sucessão, pois cada um deles é necessário para a fonnação do seguinte.
Os embriologistas dão evidências em favor da teoria dos estágios evolutivos. Falam da existência de períodos críticos para o
desenvolvimento do zigoto, ou seja “fases críticas” em que se detenninadas mudanças não oconem na célula dentro de cada intervalo e em
dada sequência, o desenvolvimento do organismo pode sofrer danos pennanentes. Os estágios do desenvolvimento humano se caracterizam
pela organização dos comportamentos típicos que ocorrem simultaneamente em detenninado estádio evolutivo. Há, portanto, certos
padrões de comportamento que caracterizam cada estágio da evolução psicológica do indivíduo, sem, contudo, implicar que tais
comportamentos sejam de natureza estática. Os estágios evolutivos se caracterizam, também por mudanças qualitativas, com relação a
estágios anteriores. Pode acontecer, também, que num detenninado estágio evolutivo várias mudanças oconam simultaneamente. É o caso,
por exemplo, da adolescência. Num período relativamente curto, o indivíduo muda em muitas significativas maneiras. Nesta fase da vida o
adolescente se toma biologicamente capaz de reproduzir a espécie, experimenta acelerado crescimento físico, seguido, logo depois , por
uma quase paralisação nesse processo, e seu desenvolvimento mental atinge praticamente o ponto culminantes, em tennos de suas
potencialidades para o raciocínio abstrato.
Outro conceito de fundamental importância para o estudo da psicologia do desenvolvimento é a noção de tarefa evolutiva. De-
senvolvido, principalmente, por Havighurst (1953), esse conceito tem sido de grande utilidade para o estudo da evolução do com-
portamento humano.
A pressuposição fundamental desse conceito é a de que “viver é aprender, e crescer ou desenvolver- se é, também, aprender”. Há
certas tarefas ou habilidades que o indivíduo tem que aprender para poder ser considerado como pessoa de desenvolvimento adequado e
satisfatoriamente ajustado, conforme as expectativas da sociedade. Segundo essa teoria, à semelhança do que acontece nas teorias de
estágios evolutivos, há fases críticas no processo do desenvolvimento humano, isto é, período em que tais tipos de aprendizagem ou
ajustamento devem acontecer. O organismo, por assim dizer, encontra- se em condições ótimas para que tal ajustamento ocorra. Por
exemplo, há um momento em que o organismo da criança está maturacionalmente pronto para aprender a falar, a andar, etc. Se a aquisição
dessas habilidades se der no tempo próprio, os ajustamento delas dependentes serão feitos naturalmente, através de todo o processo
evolutivo. Caso contrário, haverá, sempre, déficits em todo tipo de ajustamento que requer tais habilidades como condição fundamental.
Em tennos gerais do organismo, podemos dizer que se uma tarefa evolutiva for realizada na fase crítica adequada, as fases subsequentes da
evolução do indivíduo serão mais facilmente alcançadas em tennos do seu ajustamento pessoal. Se, por outro lado, o organismo deixar de
realizar uma tarefa evolutiva, ou se houver falhas no processo em qualquer das suas partes, os ajustamentos nas fases subsequentes serão
mais difíceis e, em alguns casos, podem até deixar de oconer. As tarefas evolutivas abrangem vários aspectos do processo evolutivo,
incluindo o crescimento físico, o desempenho intelectual, ajustamento emocionais e sociais, as atitudes com relação ao próprio eu, é
realidade objetiva, bem como a fonnação dos padrões típicos de comportamento e a elaboração de um sistema de valores.
Segundo Havighurst, há três aspectos principais da tarefa evolutiva.
O primeiro se refere à maturação biológica, tal como aprender e andar, a falar, etc. O segundo se refere às pressões sociais, tais como
aprender a ler, a comportar-se como cidadão responsável e várias outras formas do comportamento social. O terceiro aspecto se refere aos
valores pessoais que constituem a personalidade de cada indivíduo, que resulta de processos de interação das forças orgânicas e ambientais.
Para cada estágio da vida humana, há certas tarefas evolutivas que devem ser incorporadas aos padrões de experiências e de
comportamento do indivíduo.
Teorias do desenvolvimento humano
A complexidade do desenvolvimento humano de certo modo exige uma complexa metodologia para seu estudo. Dentre as estratégias
para o estudo de desenvolvimento da personalidade salientam- se a teoria dos estágios evolutivos, as teorias diferenciais, ipsativas e da
aprendizagem social.
A teoria dos estágios evolutivos procura estabelecer leis gerais do desenvolvimento humano. Advogando a existência de diferentes
níveis qualitativos da organização, através dos quais, invariavelmente, passam todos os indivíduos de determinada espécie.
As teorias diferenciais, por outro lado, procuram estabelecer leis que permitem predizer os fatores determinados das diferenças
individuais de subgrupos no processo evolutivo. Para os adeptos das teorias ipsativas o que interessa é verificar o que muda e o que
permanece constante através da história evolutiva de cada indivíduo. As teorias da aprendizagem social procuram explicar o processo
evolutivo do ser humano em temos das técnicas de condicionamento, e tentam explicar o comportamento como simples relação estímulo-
resposta.
Dentre as muitas teorias do desenvolvimento humano salientamos quatro que evidenciam como de maior importância: a teoria
psicanalítica de Freud, a teoria interpessoal de Sullivan, a teoria psicossocial de Erickson, e a teoria cognitiva de Jean Piaget.
Teoria Psicanalítica de Freud - Existem críticas a essa teoria pelo fato de não haver Freud, para estabelecer suas conclusões, feito seus
estudos com crianças, e sim, com adultos psicologicamente doentes. E há sérias restrições à teoria freudiana da personalidade,
especialmente por ela baseada, exclusivamente, no método de observação clínica e fundamentada na psicopatologia. Reconhecemos,
entretanto, a grande intuição de Freud e sua notável contribuição para o estudo do comportamento humano. Convém salientar que mais
recentemente tem havido sérias tentativas no sentido de testar, experimentalmente, algumas das hipóteses levantadas por Freud, como
atestam o trabalho de Lindzey e Hall, Silvennam e outros. Segundo Hall e Lindzey (1970), Freud foi o primeiro a reconhecer a estrita
relação existente sobre o processo evolutivo e a personalidade humana.
Embora hoje a influência da teoria psicanalítica não seja tão grande como antes, no campo da psicologia do desenvolvimento, ela
perdura através de reformulações que procuram operacionalizar, para fins de pesquisa experimental, alguns dos conceitos fundamentais
elaborados pelo criador da Psicanálise.
Parece razoável dizer-se que, de todas as teorias de personalidade até hoje formuladas, a teoria de Freud é a que mais se aproxima
daquilo que chamam os autores de “paradigma” na história das ciências.
É verdade que podemos fazer restrições à teoria freudiana do desenvolvimento da personalidade, mas há certos pontos que mesmo os
que não concordam com Freud têm dificuldade em negar. Por exemplo, a tese de que existe uma relação de causa e efeito no processo
evolutivo, partindo da infância até a vida adulta, parece indiscutível à luz das evidências disponíveis. Se bem que o determinismo absoluto
do passado, implícito na teoria freudiana, mereça restrições, não se pode negar que experiências prévias são importantes na determinação
de futuros padrões de comportamento.
A grande ênfase da teoria freudiana, quanto ao processo da evolução psicológica do homem, concentra-se nos primeiros anos de vida.
Daí o fato de que, até recentemente os estudos da psicologia do desenvolvimento, que sofreram durante muito tempo grande influência da
psicanálise, limitavam-se à infância e à adolescência. A rigor, a psicanálise clássica não tem muito a dizer sobre o desenvolvimento da
personalidade após a adolescência, pois o estágio genital representa, praticamente, o ponto final e até mesmo, ideal da evolução
psicossexual do ser humano. Mais tarde, Freud tentou ampliar a extensão desse processo evolutivo, ao elaborar a teoria do impulso para a
morte, ou, mais especificamente, a teoria do comportamento agressivo. Não chegou a deixar marcas significativas às demais fases da
evolução psicológica do homem, além da infância e da adolescência. Coube a outros psicanalistas a tarefa de ampliar a teoria freudiana
quanto a esse aspecto. É o caso, por exemplo, de Harry Sullivan e especialmente o de Erik Erikson.
A teoria freudiana salienta os conceitos de energia psíquica e de fatores inconscientes de comportamento como ponto de partida. Os
impulsos básicos são eros - impulso para a vida, e agressão - impulso para a morte. A estrutura da personalidade concebida originalmente,
em termos topográficos como consciente, pré-consciente e inconsciente, é substituída pelo conceito dinâmico do id, que representa as
forças biológicas, instintivas da personalidade; e ego, que representa o princípio da realidade, e o superego, que representa as forças
repressivas da sociedade. Há cinco estágios da evolução psicossexual: a fase oral, período da vida em que, praticamente, a única fonte de
prazer é a zona oral do corpo, e que apresenta como principal característica psicológica a dependência emocional.
A fase anal, caracterizada pela retentividade, a fase fálica, na qual surge o Complexo de Édipo, e o que se caracteriza pelo exi-
bicionismo. A fase latente, em que a energia libidinosa é canalizada para outros fins e a fase genital, que representa o alvo ideal do
desenvolvimento humano. No processo evolutivo o indivíduo pode parar nmna fase imatura. Nesse caso se diz que houve uma fixação. O
indivíduo pode, também, voltar a fonnas imaturas do comportamento, em cujo caso se diz que houve uma regressão. Mecanismos de
defesas são fonnas pelas quais o eu procura manter sua integridade. Dentro de certos limites são considerados nonnais. Quando, porém,
ultrapassam esses limites, tomam-se patogênicos.
Sullivan é psicanalista, mas dá muita ênfase aos fatores sociais do comportamento humano. As relações interpessoais constitui a base
da personalidade. Na infância, a experiência básica é o medo ou ansiedade, resultante da inter-relação com a figura materna. Através da
empatia a criança incorpora personificações positivas e negativas. Nesse período ela fonna, também, diferentes auto- -imagens: o “bom-
eu”, o “mau-eu” e o “não-eu”. A idade juvenil é a grande fase do processo de socialização. A criança aprende a subordinação e a
acomodação social bem como a lidar com o conceito de autoridade. A pré-adolescência se caracteriza pela necessidade de companheirismo
com pessoas do mesmo sexo e pela capacidade de apreciar as necessidades e sentimentos do outro. Na primeira adolescência o indivíduo
se toma cônscio de três necessidade básicas: paixão, intimidade e segurança pessoal, e procura meios de integrá-los adequadamente. A
segunda adolescência marca o início das relações interpessoais amadurecidas. Na fase adulta o eu se apresenta estável e idealmente livre da
excessiva ansiedade.
Erickson salienta os aspectos culturais do processo evolutivo da personalidade. Há oito estágios nesse processo, cada um deles
apresenta duas alternativas: quando o estágio evolutivo é satisfatoriamente alcançado, o produto será uma personalidade saudável; quando
não é atingido, o resultado será uma personalidade emocionalmente imatura ou desajustada. Na infância o indivíduo adquire confiança
básica ou desconfiança básica. Na meninice ele pode adquirir o senso de autonomia ou, então, o sentimento de vergonha e dúvida.
Na fase lúdica a criança pode desenvolver a atitude de iniciativa ou, quando lhe falta o estímulo do meio, pode desenvolver o
sentimento de culpa e de inadequação. Na idade escolar o indivíduo se identifica com o ethos tecnológico de sua cultura adquirindo o
senso de indústria ou, na ausência dessas condições, pode desenvolver o sentimento de inferioridade. Na adolescência a crise psicossocial é
o encontro da identidade do indivíduo. Quando isso não ocorre, dá- se a difusão da identidade com repercussões negativas através de toda a
vida.
A vida adulta compreende três fases: adulto jovem, caracterizada por intimidade e solidariedade, do ângulo positivo, e isolamento, do
lado negativo; adultícia que se caracteriza ou pela geratividade ou pela estagnação; e a maturidade que apresenta a integridade ou
desespero como alternativas.
A teoria cognitiva de Jean Piaget exerce hoje relevante papel em todas as áreas da psicologia e, principalmente, nos campos aplicados
da educação e da psicoterapia. Abandonando a ideia de avaliar o nível de inteligência de um indivíduo por meio de suas respostas aos itens
de detenninados testes, Piaget adotou um método clínico através do qual procura acompanhar o processo do pensamento da criança para
daí chegar ao conceito de inteligência como capacidade geral de adaptação do organismo. Os conceitos fundamentais da teoria de Piaget
são: esquema, ou estrutura, que é a unidade estrutural do desenvolvimento cognitivo; assimilação, processo pelo qual novos objetos são
incorporado aos esquemas; acomodação, que ocorre quando novas experiências modificam esquemas; equilibração, resolução de tensão
entre assimilação e acomodação; operação, rotina mental caracterizada por sua reversi- bilidade e que representa o elemento principal do
processo do desenvolvimento cognitivo. O desenvolvimento cognitivo se dá em quatro período: o período sensório-motor, caracterizado
pelas atividades reflexas; o período pré-operacional, em que a criança pode lidar simbolicamente com certos aspectos da realidade, mas seu
pensamento ainda se caracteriza pela responsabilidade; o período das operações concretas, em que a criança adquire o esquema de
conservação; e o período das operações fonnais, caracterizado pelo pensamento proposicional e que representa o ideal da evolução
cognitiva do ser humano.
Estágio ou períodos de desenvolvimento da vida humana
Os psicólogos do desenvolvimento humano são unânimes em estabelecerem fases, períodos para detenninar nas várias etapas da vida
do indivíduo.
São assim circunscritas por apresentarem características e padrões de si mesmas semelhantes. Sucedem-se, naturalmente, uma a outra,
desde o momento da concepção até à velhice.
Para atender aos objetivos do trabalho, focalizaremos as primeiras fases de vida até à adolescência.
Tomando por base a classificação dos estágios evolutivos segundo Jean Piaget, o grande estudioso da gênese e desenvolvimento dos
processos cognitivos da criança, existem quatro períodos no desenvolvimento humano:
1 - Período sensório-motor: de 0 a 2 anos
2 - Período pré-operacional: de 2 a 7 anos
2.1. Pensamento simbólico pré-conceitual: 2 a 4 anos
2.2. Pensamento intuitivo: 4 a 7 anos
3 - Período das operações intelectuais concretas: 7 a 12 anos
4 - Período das operações intelectuais abstratas: dos 12 anos em diante.
Além de serem observados os períodos ou estágios acima, os estudiosos da psicologia do desenvolvimento humano estabeleceram
áreas ou aspectos para esse estudo. Embora o ser humano seja um todo, integrado, sabemos que existem setores ou áreas para as quais são
dirigidas as atividades e o comportamento humanos, ainda que sejam profundamente interligados. Desta forma, para estudo e análise
apropriados, o desenvolvimento é estudado nos aspectos físico, mental/cognitivo, emocional/ afetivo, social. Muitas vezes empregam-se
outras divisões, agrupando diferentemente as áreas: psicofísica, sócio emocional, psicossocial, psicomotora, etc.
As tarefas evolutivas do processo de desenvolvimento humano são, sobretudo:
a) ter um corpo sadio, forte, residente, desenvolvido;
b) usá-lo como instrumento de expressão e de comunicação social, como meio de participar da vida social, de colaborar com os
outros na responsabilidade de fazer sua vida e de melhorar sua qualidade e, enfim, uma base consistente sobre a qual a pessoa possa
desenvolver o seu espírito;
c) formar o intelecto até alcançar a etapa do pensamento abstrato, imprescindível para se compreender com mais profundidade e
realidade humana;
d) alcançar o equilíbrio emocional;
e) a integração social;
f) a consciência moral;
g) compreender o seu papel, em seu tempo, na comunidade em que vive e ter condições de assumi-lo, decisão e capacidade de
realizá-lo.
Para iniciar o estudo das fases do desenvolvimento humano, é necessário que seja focalizado o período que antecede o nascimento, tão
importante e decisivo que é para o desenvolvimento, anterior ao período pré-natal. A vida começa, a rigor, no momento em que as células
germinais procedentes de seus pais se encontram. Modemamente, o desenvolvimento pré-natal tem sido focalizado sob três perspectivas, a
saber: do ponto de vista dos fatores hereditários, da influência do ambiente durante a vida intrauterina, e do efeito das atitudes das pessoas
que constituem o mundo significativo da criança. O estudo da inter-relação entre esses fatores revela a importância do desenvolvimento
pré-natal sobre as fases subsequentes do processo evolutivo do ser humano.
O mecanismo de transmissão hereditária é altamente complexo, mas ao nível do presente texto ele consiste essencialmente no
encontro de uma célula germinal masculina e uma feminina. Os genes, unidades genéticas que fornecem a base do desenvolvimento, são
diretamente responsáveis pela transmissão do patrimônio hereditário.
Existe uma diferença fundamental entre fatores genéticos e fatores congênitos no processo de desenvolvimento. Genético só é aquilo
que o indivíduo recebe através dos genes. Congênito é tudo aquilo que influencia desenvolvimento do indivíduo, e que foi adquirido
durante a vida intrauterina, mas não é transmitido através dos genes. Ex.: a sífilis é mna doença congênita, porque pode ser adquirida
durante a vida intrauterina, mas não é transmitida através dos genes. Logo, a sífilis não é hereditária.
Durante a vida intrauterina, o indivíduo pode receber a influência de vários fatores que determinarão o curso do seu desenvolvimento.
Dentre esses fatores, salientam-se a idade e a dieta da gestante e o uso abusivo de tóxicos, infecções e da própria irradiação. Enfermidades
que podem ser transmitidas ao indivíduo na vida intrauterina, como a sífilis, a rubéola e a diabete, prejudicam o desenvolvimento normal
do ser humano.
Qualisaremos, a seguir, de maneira muito sucinta, os períodos do desenvolvimento humano, a partir do nascimento, focalizando as
áreas ou aspectos em cada um deles.
Segundo Piaget, cada período é caracterizado pelo que de melhor o indivíduo consegue fazer nessas faixas etárias. Todos os
indivíduos passam por todas essas fases ou períodos, nessa sequência, porém o início e o término de cada uma delas dependem das
características biológicas do indivíduo e de fatores educacionais, sociais. Portanto, a divisão nessas faixas etárias é mna referência, e não
uma norma rígida.
Período sensório-motor - O há 2 anos
Esse período diz respeito ao desenvolvimento do recém-nascido e do latente.
É a fase em que predomina o desenvolvimento das percepções e dos movimentos.
O desenvolvimento físico é acelerado, pois constitui-se no suporte para o aparecimento de novas habilidades. O desenvolvimento
ósseo, muscular e neurológico permite a emergência e novos comportamentos, como sentar-se, engatinhar, andar, o que propiciará um
domínio maior do ambiente. Essa fase do processo é caracterizada por uma série de ajustamentos que o organismo tem de fazer, em função
das demandas do meio. É evidente que o processo de adaptação do organismo não se limita a essa fase da vida, mas o que acontece ao
indivíduo nessa fase é crucial na importância para todo o processo do desenvolvimento.
Em termos do conceito de tarefas evolutivas, Havighurst assinala como sendo as principais dessa fase da vida as seguintes: aprender a
andar e a tomar alimentos sólidos. Aprender a falar e a controlar o processo de eliminação de produtos excretórios. Aprender a diferença
básica entre os sexos e a alcançar estabilidade fisiológica. Formar conceitos sobre a realidade física e social, aprender as formas básicas do
relacionamento emocional e a adquirir as bases de um sistema de valores.
Segundo Piaget, nessa etapa inicial o indivíduo se encontra na fase sensório-motora do seu desenvolvimento cognitivo. Essa fase
compreende seis sub-fases, a saber: o uso dos reflexos, as reações circulares primárias e secundárias, reações circulares, terciárias, e a
invenção de novos significados para as coisas através de combinações mentais.
Apesar da importância dos aspectos biológicos do desenvolvimento humano nessa fase, os aspectos psicossociais dessa evolução são
os de maior interesse para a psicologia do desenvolvimento. Dentre os aspectos mais importantes do desenvolvimento psicosso- cial
salientam-se os seguintes: a aquisição da linguagem articulada, cujo processo se completará no período pré-operacional, é que constitui
elementos de fundamental importância para os outros aspectos do desenvolvimento humano; o desenvolvimento emocional, através do
qual o indivíduo deixa de funcionar a nível puramente biológico e passa ao processo de socialização dos seus próprios atributos
fisiológicos e a aquisição do senso moral, que permite ao indivíduo a formulação de um sistema de valores no qual, em muitas
circunstâncias, as necessidades secundárias se tomam mais salientes e decisivas do que as próprias necessidades psicológicas ou primárias.
Na fase do nascimento aos dois anos de vida as estruturas básicas da personalidade são lançadas. Afigura materna, ou substituta, é
muito importante para essa formação, bem como a forma ou a maneira como o indivíduo recebe o alimento da figura materna tem
profundas repercussões sobre seu futuro comportamento em termos da modelagem de sua personalidade. O contato físico é, também, de
vital importância para o desenvolvimento emocional do indivíduo.
Com relação à aquisição do senso moral, sabemos que o mesmo vai ser incorporado através da aprendizagem social dos valores. Ela é
relativa ao meio que o produziu. A princípio o comportamento moral da criança é de caráter imitativo e mais ou menos guiado pelos
impulsos. O conceito de certo ou errado para a criança é mna função de prazer ou de sofrimento que sua ação é capaz de produzir. Esse
conceito ainda não é concebido em termos do bem ou do mal que a criança fez aos outros. Nessa idade a criança ainda não tem a
capacidade intelectual de considerar os efeitos de sua ação sobre outras pessoas. Consequentemente ela não sente a necessidade de
modificar seu comportamento, a não ser quando sua ação lhe produz algum desconforto. Isto quer dizer que a criança nessa idade ainda
não tem propriamente uma consciência moral; ela ainda não tem a capacidade de sentir-se “culpada”.
Segundo a teoria psicanalítica, o período de treinamento de toalete desempenha importante papel na formação dos conceitos morais do
indivíduo. Aqui pela primeira vez, o indivíduo se defronta com os conceitos do certo e do errado. Daí, segundo a teoria, o começo de mn
superego ou de uma consciência moral. Do ponto de vista do desenvolvimento da personalidade, a natureza desse treino de toalete é de
grande significação.
Se o indivíduo foi educado com excessivo rigor nesse particular, ele poderá tomar-se uma pessoa extremamente meticulosa e
supersensível, sempre perseguido pelo sentimento de culpa. Se, por outro lado, não houve qualquer restrição ao seu comportamento nesse
período, ele pode se tomar um tipo humano desorganizado e com tendências absolutistas prejudiciais a si mesmo e à sociedade. O ideal,
portanto, seria uma atitude comedida para que se possa antecipar um desenvolvimento normal da personalidade do indivíduo.
De acordo com Freud, ao primeiro ano de vida o indivíduo está na fase ORAL da evolução psicossexual, ou seja, todo o senso de
prazer que o indivíduo experimenta provem das zonas orais do seu corpo. A primeira ou única sensação de prazer que a criança
experimenta é através da boca, pela ingestão de alimentos. O alimento não se refere a simples incorporação de material nutritivo, mas
inclui uma gama de relações humanas e de afetos implícitos no processo da alimentação. Uma das características mais óbvias de uma
criança nessa idade é sua dependência do mundo adulto, especialmente da figura materna. A criança depende dos outros não só para lhe
fornecer o senso do prazer e conforto através da alimentação e de outros cuidados, mas por sua própria sobrevivência. Nesta fase da vida, a
mãe é praticamente a única fonte de prazer da criança e a atitude básica da mãe para com ela determinará a sua atitude básica perante a
vida. A essa fase oral corresponde uma característica psicológica chamada caráter oral. O indivíduo é dependente emocionalmente de
outros. Aparece aglutonomia, o alcoolismo.
Período pré-operacional - 2 a 7 anos
É grande o interesse dos estudiosos sobre a fase da vida humana. Corresponde ao período pré- escolar, considerado a idade áurea da
vida, pois é nesse período que o organismo se toma estruturalmente capacitado para o exercício de atividades psicológicas mais complexas,
como o uso da linguagem articulada. Quase todas as teorias do desenvolvimento humano admitem que a idade de estudo seja de
fundamental importância na vida humana, por ser esse o período em que os fundamentos da personalidade do indivíduo lançados na fase
anterior começam a tomar formas claras e definidas. Existe um enorme volmne de trabalho científico sobre esse período, que em termos de
pesquisa, em consequente formulação de teorias sobre esta fase do desenvolvimento.
O período pré-operacional é caracterizado por consideráveis mudanças físicas, as quais são um desafio para os pais e educadores,
como para as próprias crianças. Atenninologia período pré- operacional foi dada por Piaget e se refere ao desenvolvimento cognitivo. No
mundo moderno Piaget é, talvez, a figura de maior relevo no estudo do desenvolvimento dos processos cognitivos do ser humano. De
acordo com esse cientista, o período pré-operacional é dividido em dois estágios: de dois a quatro anos de idade, em que a criança se
caracteriza pelo pensamento egocêntrico, e dos quatro aos sete anos, em que ela se caracteriza pelo pensamento intuitivo. As operações
mentais da criança nessa idade se limitam aos significados imediatos do mundo infantil.
Enquanto no período anterior ao pensamento e raciocínio da criança são limitados a objetos e acontecimentos imediatamente presentes
e diretamente percebidos, no período pré-operacional, ao contrário a criança começa a usar símbolos mentais _ imagens ou palavras que
representam objetos que não estão presentes. São características dessa fase o egocentrismo infantil, o animismo, o artiíicialismo e o
íinalismo. Também inexiste o conceito de invariância e a noção de reversibilidade.
É adquirida a linguagem articulada, e passa por uma sequência de aquisições. A criança nesta fase precisa aprender novas maneiras de
se comportar em seus relacionamentos. Freud descreve os anos pré-escolares como sendo o tempo do conflito de Édipo (para os meninos)
e do complexo de Eletra (para as meninas). Segundo Erikson, a tarefa primordial da criança nessa idade é resolver o conflito entre a
iniciativa e a culpa. Quando os pais são capazes de tratar os filhos aplicando a dosagem certa da pennissividade e de autoridade, as crianças
acham mais fácil desenvolver um senso de autonomia pessoal.
Nesse estágio, a criança aprende a assumir os papéis sexuais considerados aceitáveis pelos pais e pela sociedade.
Os relacionamentos sociais e as atividades lúdicas preparam a criança para lidar com um mundo mais vasto, fora do círculo familiar.
Os aspectos mais importantes do desenvolvimento psicossexual da idade pré-operacional abrangem os seguintes pontos:
1) a fonnação de um conceito do “eu”, facilitado pela aquisição da linguagem articulada;
2) a definição da identidade sexual do indivíduo através da qual ele aprende a se comportar de acordo com as expectações da
sociedade;
3) a aquisição de sua consciência moral que vai além da simples limitação do comportamento do mundo adulto e que é capaz de levar
o indivíduo a se sentir culpado em face da violação das regras de conduta do seu meio social;
4) o desenvolvimento dos padrões de agressão que resulta de vários fatores dentre os quais se salientam: a severa punição física,
identificação com o agressor e a frustração;
5) as motivações básicas do senso de competência e a necessidade de realização, ambas muito dependentes das condições do meio e
da fundamental importância para o desenvolvimento adequado do ser humano.
Período das operações concretas - 7 a 12 anos
É a fase escolar, também chamada de período das operações concretas. Nesta fase da vida, o crescimento físico é mais lento do que
em fases anteriores, as diferenças resultantes do fator sexo começam a se acentuar mais nitidamente.
Do ponto de vista do desenvolvimento cognitivo o indivíduo se encontra, na idade escolar, no estágio das operações concretas,
segundo a teoria de Piaget. O pensamento da criança nessa idade apresenta as características de reversibilidade e de associação que lhe
permitem interpretar eventos independentemente do seu arranjo atual. Nesse estágio, entretanto, a criança ainda se limita, em tennos
cognitivos, ao seu mundo imediato e concretamente real.
Este período, ou idade escolar, segundo a teoria freudiana, corresponde ao estágio latente, assim designado por que nela a libido não
exerce grande influência no comportamento observável do indivíduo, visto que praticamente toda a sua energia é utilizada no sentido de
adquirir as competências básicas para a vida em sociedade. O ponto mais importante a salientar nesta fase da vida, no contexto da teoria
psicanalítica, é o conceito de mecanismo de defesa, dos quais se distinguem a negação, a identificação com o agressor, a repressão a
sublimação, o deslocamento, a regressão, a racionalização e a projeção.
Segundo a teoria de Erickson, a crise psicossocial da idade escolar se encontra nos pólos industriais versus inferioridade. Dependendo
do resultado da solução dessa crise evolutiva, o indivíduo pode emergir como ser capaz e produtivo, ou como alguém com um profundo e
persistente sentimento de incompetência e de inferioridade.
Nessa idade, advogada Sullivan, o indivíduo adquire os conceitos de “subordinação social” que podem ajudá-lo a ajustar-se à vida em
sociedade. Nesta idade, os “padrões supervisores” contribuem para a fonnação de uma autoimagem através das expectativas do mundo
social do indivíduo. Mas, sobretudo, a idade escolar é importante porque nela a criança adquire o conceito de “orientação na vida”, através
do qual ela realiza a integração dos vários fatores sócio- emocionais do processo de desenvolvimento.
No ajustamento psicossocial os grupos de parceria e a escola representam relevante papel. Os grupos de parceria oferecem à criança
nessa idade certo apoio social, modelos humanos a imitar, a noção fundamental dos diferentes papéis que os indivíduos exercem na
sociedade, e certos padrões de auto avaliação. Por sua vez, a escola oferece à criança a oportunidade de lidar com figuras que representam
autoridade fora do ambiente do lar.
No período das operações concretas, ou seja, época denominada fase escolar, o autoconceito assume fonna mais definida, espe-
cialmente porque aqui a criança aprende que é um indivíduo diferente dos demais. É assim que ela é tratada por seus professores e colegas.
Esse tratamento recebido e também dispensado aos outros contribui para acentuar a identidade sexual da criança de idade escolar. Quanto
ao conceito de moralidade nessa fase da vida, talvez o ponto mais importante seja a mudança quanto à orientação ou ponto de referência.
Antes, a decisão moral da criança era inteiramente heteronômica, segundo Piaget, agora ela tende a ser auto- nômica. Uma das melhores
evidências dessa mudança de orientação é a capacidade de sentir-se culpada, e não somente com medo de ser apanhada em falta e
castigada.
Os padrões de agressão da criança de idade escolar são influenciados por três fatores principais, a saber: pelos pais, pelos compa-
nheiros e pelos meios de comunicação de massa. Quanto aos pais, os fatores que mais afetam esses padrões de agressão são a rejeição e o
castigo físico demasiado severo. Os grupos de parceria modificam esses padrões criando rivalidade intergrupal e reduzindo a cooperação
entre grupos competitivos. Os meios de comunicação de massa oferecem modelos de violência, que tendem a aumentar a agressão dos
indivíduos que já possuem certo grau de revolta contra as instituições sociais.
O fenômeno PUBERDADE
A puberdade é considerada uma fase de transição no processo evolutivo porque ela abrange parte da infância e parte da adolescência.
Representa o início de uma das fases mais importantes do desenvolvimento humano. Ela é um período relativamente curto de vida, com
duração de dois a quatro anos, e os estudiosos da psicologia do desenvolvimento a dividem em três fases, a saber:
- o estágio pré-pubescente, durante o qual as características sexuais secundárias começam a aparecer. Nesse estágio, entretanto, os
órgãos reprodutivos ainda não se encontram plenamente desenvolvidos;
- o estágio pubescente, durante o qual as características sexuais secundárias continuam a se desenvolver e os órgãos sexuais começam
nonnalmente a produzir células genninativas;
- o estágio pós-pubescente, durante o qual as características sexuais secundárias continuam a se desenvolver e os órgãos sexuais
começam a funcionar de maneira amadurecida.
São muitas e profundas as mudanças fisiológicas e estruturais que ocorrem no corpo das meninas e meninos púberes, porém podemos
afirmar não estarem aptos para o exercício da atividade sexual. Com relação aos meninos, e as características sexuais primárias e
secundárias, as gônadas masculinas ou testículos, até a idade de catorze anos, aproximadamente, representam cerca de dez por cento do seu
tamanho nonnal no adulto.
Durante um ano ou dois, então, ocorre um crescimento rápido, que logo depois começa a decrescer até que pelos vinte ou vinte e um
anos de idade os testículos atingem seu desenvolvimento pleno.
Com relação às meninas, temos a constatação muito válida e útil para o objeto do nosso estudo, que o seu aparelho reprodutor vai-se
desenvolvendo ao longo da puberdade, mas não bruscamente. A exemplo, o útero de uma garota de onze ou doze anos de idade pesa, em
média, quarenta e três gramas. Os demais órgãos _ trompas, ovários, vaginas _ crescem rapidamente. A ação dos hormônios é determinante
para essas mudanças do organismo.
Ao lado dos efeitos físicos mencionados, verificam-se, também, efeitos psicológicos de consequências consideráveis. Nesta fase tende
a criança a isolar-se do convívio com outras pessoas, toma-se, geralmente, mais hostil para com os companheiros e para com os seus
próprios familiares. Passa muito tempo sozinha, sentindo-se mal compreendida, entregando-se ao auto-erotismo ou masturbação. Perde o
interesse pelas atividades de que gostava e o entusiasmo pelas atividades escolares. Possui um autogonismo social, negando sua
cooperação e se tomando hostil à criança do sexo oposto. É instável emocionalmente, sujeita a irritabilidade e a demonstração de
ansiedades. Passa a ter um elevado grau de falta de confiança própria e medo de falhar socialmente. Muitos não alcançam o grau de
ajustamento nessa fase e atravessam a existência dominados pelo chamado complexo de inferioridade. Outro problema é a excessiva
timidez, ou acanhamento natural, resultante do fato de que a criança teme que os outros vão notar as mudanças porque está passando e
também por ignorar qual a atitude que essas pessoas terão com ela. Existe mna falta de coordenação motora resultante do rápido
crescimento de certas áreas do corpo que toma a criança desajeitada e tímida e receosa de dar má impressão aos que a cercam. Esses
problemas serão esclarecidos e solucionados com a definição da identidade do indivíduo, que nonnalmente ocone na adolescência.
Período das operações formais -12 anos aos 21 anos
Conesponde ao período chamado adolescência, que significa crescer ou desenvolver-se até a maturidade.
Durante muitos séculos, o tenno adolescência foi definido quase que exclusivamente, em função dos seus aspectos biológicos.
Adolescência e puberdade eram usadas como palavras sinônimas. Modemamente, entretanto, a adolescência deixou de ser um conceito
puramente biológico e passou a ter, sobretudo, uma conotação psicossocial. É baseado neste conceito que Munuss (1971), define
adolescência em tennos sociológicos, psicológicos e cronológicos.
Cronologicamente, a adolescência, ao menos nas culturas ocidentais, é o período da vida humana que vai dos doze ou treze anos até
mais ou menos aos vinte dois ou vinte e quatro anos de idade, admitindo-se consideráveis variações. Tanto de ordem individual e,
sobretudo, de ordem cultural.
Sociologicamente, adolescência seria o período de transição em que o indivíduo passa de um estado de dependência do seu mundo
maior para uma condição de autonomia e, sobretudo, em que o indivíduo começa a assumir determinadas funções e responsabilidades
características do mundo adulto.
Do ponto de vista psicológico, a adolescência é o período crítico de definição da identidade do “eu”, cujas repercussões podem ser de
graves consequências para o indivíduo e a sociedade.
Vale ressaltar a diferença entre os tennos puberdade, pubescência e adolescência. A puberdade é o estágio evolutivo em que o
indivíduo alcança a sua maturidade sexual. A data exata em que ocorre o amadurecimento sexual do ser humano, diz Munuss, varia de
acordo com fatores de ordem sócio- econômica e geográfica. Por exemplo, a maturidade sexual tende a ocorrer mais cedo em indivíduos
que vivem em climas temperados e que pertencem a classes sociais mais elevadas. Em zonas tropicais, e também por influência de fatores
nutricionais, esse amadurecimento sexual tende há ocorrer um pouco mais tarde. Pubescência seria o período, também chamado de pré-
adolescência, caracterizado pelas mudanças biológicas associadas com a maturação sexual. É o período de desenvolvimento fisiológico
durante o qual as funções reprodutoras amadurecem; é filogenético e inclui o aparecimento de características sexuais secundárias e a
maturidade fisiológica dos órgãos sexuais primários. Estas mudanças ocorrem num período de aproximadamente dois anos. Adolescência é
um conceito mais amplo e inclui mudanças consideráveis nas estruturas da personalidade e nas funções que o indivíduo exerce na
sociedade. Em síntese, o conceito moderno de adolescência não se confunde com puberdade, como fato biológico, nem tampouco com
pubescência, como estágio de transição marcada por grandes mudanças fisiológicas. Adolescência é um conceito psicossocial. Representa
uma fase crítica no processo evolutivo me que o indivíduo é chamado a fazer importantes ajustamentos de ordem pessoal e de ordem
social. Entre estes ajustamentos, temos a luta pela independência financeira e emocional, a escolha de uma vocação e a própria identidade
sexual. Como conceito psicossocial, a adolescência não está necessariamente limitada aos fatores cronológicos. Em determinadas
sociedades primitivas, a adolescência é bastante curta e termina com os ritos de passagem em que os indivíduos, principalmente os de sexo
masculino, são admitidos no mundo adulto. Na maioria das culturas ocidentais, entretanto, a adolescência se prolonga por mais tempo e
pode-se dizer que a ausência de ritos de passagem toma essa fase de transição um período ambíguo da vida humana. Portanto, diz Munuss,
só se pode falar sobre o término da adolescência em termos de idade cronológica à luz do contexto sociocultural do indivíduo. O que, de
fato, marca o fim da adolescência são os ajustamentos nonnais do indivíduo aos padrões de expectativas da sociedade com relação às
populações adultas.
Do ponto de vista de um conceito psicossocial da adolescência, podemos dizer, como observa Hurlock (1975), que ela é mn período
de transição na vida humana. O adolescente não é mais criança, porém, ainda não é adulto. Esta condição ambígua tende a gerar confusão
na mente do adolescente, que não sabe exatamente qual o papel que tem na sociedade. Esta confusão começa a desaparecer na medida em
que o adolescente define sua identidade psicológica. A adolescência é, também, mn período de mudanças significativas na vida humana.
Hurlock fala de quatro mudanças de profunda repercussão nessa fase. A primeira delas é a elevação do tônus emocional, cuja intensidade
depende da rapidez com que as mudanças físicas e psicológicas ocorrem na experiência do indivíduo.
A segunda mudança significativa dessa fase da vida é decorrente do amadurecimento sexual que ocorre quando o adolescente se
encontra inseguro com relação a si mesmo, a suas habilidades e seus interesses. O adolescente experimenta nesta fase da vida o sentimento
de instabilidade, especialmente em face do tratamento muito ambíguo que recebe do seu mundo exterior. Em terceiro lugar, as mudanças
que ocorrem no seu corpo, nos seus interesses e nas suas funções sociais, criam problemas para o adolescente porque, muitas vezes, ele não
sabe o que o grupo espera dele. E, finalmente, há mudanças consideráveis na vida do adolescente quanto ao sistema de valores. Muitas
coisas que antes eram importantes, para ele, passam a ser consideradas como algo de ordem secundária, a capacidade intelectual do
adolescente lhe dá condição de analisar de modo crítico o sistema de valores a que foi exposto e a que, até então, respondem de modo mais
ou menos automático. Porém, agora o adolescente está em busca de algo que lhe seja próprio, algo pelo qual ele possa assumir
responsabilidade pessoal. Daí, então, as lutas por que passa o ser humano nessa fase da vida, no sentido da vida, no sentido de definir seu
próprio sistema de valores, seus próprios padrões de comportamento moral.
A adolescência é, também, um período em que o indivíduo tem que lutar contra o estereótipo social e contra uma autoimagem
distorcida dele decorrente. A cultura tende a ver o adolescente como um indivíduo desajeitado, irresponsável e inclinado às mais variadas
fonnas de comportamento antissocial. Por sua vez, o adolescente vai desenvolvendo uma autoimagem que reflete, de alguma fonna, esse
estereótipo da sociedade. Essa condição indesejável ordinariamente cria conflitos entre pais e filhos, entre o adolescente e a escola, entre o
adolescente e a sociedade em geral.
A adolescência é o período de grandes sonhos e aspirações, mesmo que não sejam sempre, realistas. De acordo com o próprio Piaget,
nessa fase da vida a possibilidade é mais importante do que a realidade. Com o amadurecimento normal do ser humano é que ele vai
aprendendo a discriminar entre o possível e o desejável.
Na adolescência, como nas demais fases da vida, o indivíduo tem que cumprir tarefas evolutivas.
As principais tarefas evolutivas da adolescência, segundo Havighurst, são as seguintes: aceitar e aproveitar ao máximo o próprio
corpo; estabelecer relações sociais mais adultas com companheiros de ambos os sexos; chegar a ser independente dos pais e de outros
adultos, dos pontos de vista emocional e pessoal; escolha de uma ocupação e preparação para a mesma; preparação para o noivado e o
matrimônio; desenvolvimento de civismo; conquista de uma identidade pessoal, uma escala de valores e mna filosofia de vida.
Do ponto de vista cognitivo e segundo Jean Piaget, o adolescente está no estágio das operações fonnais. Segundo Piaget, o
amadurecimento biológico do adolescente toma possível a aquisição das operações fonnais, que representam o ponto máximo do processo
do desenvolvimento cognitivo. As operações fonnais, entretanto, não são um dado a priori, mas dependem da interação do organismo com
o meio. A aquisição das operações fonnais é de fundamental importância, especialmente em face do enonne progresso das ciências naturais
em nosso século. Elas são, também, necessárias a todo o processo de ajustamento social do adolescente. (Texto adaptado de PINHEIRO,
M. S.).
3.6 TEMAS CONTEMPORÂNEOS: BULLYING, O PAPEL DA ESCOLA, A ESCOLHA DA
PROFISSÃO, TRANSTORNOS ALLMENTARES NA ADOLESCÊNCLA, FAMÍLLA, ESCOLHAS SEXUAIS.
Não é de hoje que a “crueldade” das crianças chama a atenção, principalmente nas escolas, onde, reunidas em grupos, muitas vezes
eles elegem aquele que estará, constantemente, na mira de suas “brincadeiras”. Em geral, as vítimas são aquelas que possuem
características que tradicionalmente já são alvo de preconceito. Os escolhidos, normalmente, são: “o gordo”,” o magro”, “o negro”,” o
nerd”,” o tímido”.
O que passou a causar estranhamento, entretanto, é o número cada vez maior de situações de discriminação e a agressividade crescente
nos atos entre as crianças. Com isso, passou-se a adotar a palavra de origem inglesa “bullying” para caracterizar um conjunto de atitudes de
violência física e/ou psicológica nas instituições de ensino. Bullying pode ser como um conjunto de atitudes agressivas, intencionais e
repetitivas que ocorrem sem motivação evidente adotada por um ou mais alunos contra outros. Os mais fortes utilizam os mais frágeis
como meros objetos de diversão e prazer, cujas “brincadeiras” têm como propósito maltratar, intimidar, humilhar e amedrontar, causando
dor, angústia e sofrimento às suas vitimas. A caracterização do bullying se dá quando o comportamento dos agressores ou “bullies” é
agressivo, negativo e executado repetidamente. Podemos separá-lo em duas categorias: o bullying direto (agressão física) e o bullying
indireto (agressão social). Além das escolas de ensino fundamental e médio, o bullying também pode ocorrer em faculdades, locais de
trabalho, entre vizinhos e até mesmo entre países. Os atos de bullying são ilícitos, pois desrespeitam princípios constitucionais como a
dignidade da pessoa humana, e o Código Civil, que determina que todo ato ilícito que cause dano a outro gera o dever de indenizar.
De acordo com a pesquisa Bullying no Ambiente Escolar, realizada pela organização não-govemamental Plan, cerca de 70% dos
alunos já assistiram algum colega ser maltratado pelo menos uma vez na escola. O levantamento aponta que 28% dos alunos afirmam já ter
sofrido maus-tratos na escola praticados por colegas, e cerca de 10% são considerados vítimas de bullying. A maior incidência de maus-
tratos nas relações entre estudantes está na faixa de 11 a 15 anos, e independente do sexo, raça ou classe social.
Outra revelação é que os meninos se envolvem com maior frequência em situações de bullying que as meninas. Mais de 34,5% dos
garotos pesquisados foram vítimas de maus-tratos aos menos uma vez no ano, sendo 12,5% vítimas de bullying, caracterizado por
agressões com frequência superior a três vezes. Os pesquisadores entrevistaram mais de cinco mil estudantes em 25 escolas públicas e
particulares nas cinco regiões do país. Eles também realizaram 14 grupos focais com 55 alunos, 14 pais/responsáveis e 64 técnicos,
professores ou gestores de escolas localizadas nas capitais pesquisadas.
A variação do bullying é o chamado cyberbullying, uma prática que envolve o uso de tecnologias de informação e comunicação para
dar apoio a comportamentos repetidos e hostis praticados por uma pessoa ou um grupo com a intenção de prejudicar alguém. Exemplos
clássicos são a criação de páginas e perfis falsos em sites de relacionamento e envio de e-mails com informações inverídi- cas e/ou
ofensivas sobre uma pessoa. Exemplos:
- Insultar a vítima;
- Ataques físicos repetidos contra o corpo ou propriedade de uma pessoa;
- Espalhar rumores negativos sobre a vítima;
- Depreciar alguém (ou algum parente) sem qualquer motivo;
- Obrigar uma pessoa a fazer o que ela não quer, ameaçando-a;
- Colocar a vítima em situação problemática com alguém (geralmente, uma autoridade) ou conseguir mna ação disciplinar contra a
vítima por algo que ela não cometeu ou que foi exagerado pelo bullying.
- Fazer comentários depreciativos sobre o local de moradia de alguém, aparência pessoal, orientação sexual, religião, etnia, nível de
renda, nacionalidade ou qualquer outra particularidade.
- Isolar socialmente mna pessoa.
- Usar as tecnologias de informação para praticar o cyberbullying (criar páginas falsas em sites de relacionamento, de publicação de
fotos etc.).
- Chantagem
- Ameaças
- Grafitagem depreciativa
- Agressões físicas
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos

É cada vez mais frequente o número de casos de bullying que vão parar nas manchetes de jornais e nos tribunais. Em geral ganham
mais visibilidade aqueles que são mais violentos e chocam a opinião pública. Abaixo, alguns exemplos recentes.
- O estudante Matheus Abvragov Dalvit, 15 anos, foi morto com um tiro nas costas, quando descia de um ônibus na Zona Norte de
Porto Alegre. Segundo a Polícia Civil, Matheus era alvo frequente de piadas dos colegas de escola. Por isso, ele teria agredido um colega.
Um amigo do rapaz foi tirar satisfações e acabou atirando no adolescente. O jovem procurou a polícia um dia depois do crime e se
entregou. Ele foi recolhido a uma instituição para menores infratores.
- Um estudante de uma escola de Belo Horizonte foi condenado a pagar indenização de R$ 8 mil pela prática de bullying. O juiz Luiz
Artur Rocha Hilário, da 27a Vara Cível de Belo Horizonte, considerou comprovada a existência do bullying diante das provas
apresentadas. Segundo a vítima, o colega a insultou durante grande parte do período letivo. O agressor chegou a receber uma advertência
escolar, mas seu comportamento não mudou. Os parentes da adolescente decidiram, então, ajuizar uma ação contra o menino. O juiz ainda
entendeu que o comportamento do garoto era excessivo e que mesmo mna adolescente deve respeitar os limites necessários para uma boa
convivência. A decisão foi dada em primeira instância. Ainda cabe recurso.
- O bullying não se restringe apenas a pessoas “comuns”. A princesa Aiko, 9 anos, filha única do herdeiro do trono do Japão,
Naruhito, passou mna semana longe da escola.
O motivo teriam sido as “brincadeiras e zoações” feitas por um grupo de alunos a vários colegas, entre eles a princesa Aiko. Um
responsável da escola negou que a menina tivesse sofrido “diretamente” um caso de bullying. Filha única de Naruhito e Masako, Aiko é
conhecida como “a princesa triste” por causa da depressão da qual sofre.
- Uma adolescente ganhou mna indenização de 290 mil dólares australianos (cerca de R$ 474 mil), após passar anos sendo
perseguida por colegas na escola. Os colegas chegaram a bater na adolescente, colar clúcletes em seu cabelo, jogar cadeiras nela e esvaziar
seu armário, jogando as coisas no chão. Quando um deles ameaçou dar um tiro na garota, o diretor da escola em que ela estudava pediu aos
pais que a levassem, pois disse não poder garantir sua segurança. Isso fez com que a família se mudasse da cidade. Na justiça, os danos
causados à adolescente, hoje com 17 anos, foram detalhados como distúrbios psicológicos, síndrome do pânico, insônia, dificuldade de
alimentação, psoríase e pensamentos suicidas. A indenização será paga pelo Departamento de Educação do Estado de Victoria.
- Seis adolescentes de um povoado de Massachusetts, nos Estados Unidos, estão sendo acusados após uma colega de classe a quem
supostamente perseguiam se suicidar. As acusações são de violação dos direitos civis de Phoebe Prince, uma colega de classe irlandesa que
se suicidou aos 15 anos. Desde que chegou da Irlanda, a garota sofreu bullying por parte de colegas. A menina foi vítima de assédio verbal,
ameaça de agressão física e mensagens hostis através da rede social Facebook. Até ser encontrada enforcada em um anuário de casa. Os
jovens se declararam inocentes e terão nova audiência.
- Doze adolescentes com idades entre 12 e 15 anos foram mortos na Escola Municipal Tasso da Silveira, no baino do Realengo, zona
oeste do Rio de Janeiro, num ataque sem precedentes no Brasil. O atirador, Wellington Menezes de Oliveira, 23 anos, se matou após ser
confrontado por um policial militar. Outros seis adolescentes, atingidos pelos disparos, de um total de 13 feridos, ficaram internados em
hospitais da região. O crime comoveu o país, que nunca havia sido palco de uma tragédia em proporções semelhantes dentro de uma
escola. Nos últimos dez anos, ataques a escolas e universidades tomaram-se comuns nos Estados Unidos, com registros também na Europa.
De acordo com o relato de familiares, Wellington sofria de esquizofrenia. Esquizofrenia é um grave distúrbio mental caracterizado
pela perda de contato com a realidade. A psicose provoca isolamento social e, em alguns casos, delírios e alucinações.
Textos escritos pelo atirador e encontrados pela polícia revelaram fixação por terrorismo e religião. Ele também teria sido vítima de
bullying (abuso emocional e físico) na época em que cursou o ensino fundamental no mesmo colégio. Em anotações e vídeos encontrados
pela polícia, o assassino aponta a humilhação sofrida como motivo para o massacre. O rapaz estava armado com dois revólveres calibres
32 e 38, além de farta munição. Ele usava colete à prova de balas, um cinturão artesanal e uma ferramenta chamada speadloader, que
municia a arma com todas as balas de uma vez.
Por volta das 8h, Wellington chegou à escola e se identificou como ex-aluno. Ele alegou que iria buscar mn histórico escolar.
Em seguida, foi até o segundo pavimento, onde entrou em uma das salas, da 8 a. Série, disse que daria uma palestra e, na sequência,
sacou as duas armas de dentro de uma mochila e começou a atirar. O atirador entrou ainda numa outra sala, em frente, e fez mais disparos.
Os alvos preferenciais eram as meninas. Dos 12 estudantes mortos, 10 eram do sexo feminino. E, de um total de 13 feridos, 10 também são
meninas. As vítimas tiveram ferimentos em regiões vitais: cabeça e tórax. A matança durou 15 minutos. Segundo a polícia, o assassino
recarregou a arma três vezes e disparou mais de 30 tiros.
Parte dos 400 alunos da escola no período da manhã se refugiou num auditório no terceiro andar do prédio. Outros se trancaram em
salas de aulas com os professores.
Durante o ataque, um aluno, mesmo ferido, conseguiu escapar e avisar mna guarnição da Polícia Militar que fazia uma blitz no
trânsito. O terceiro-sargento. Márcio Alexandre Alves, encontrou o assassino nas escadarias que dão acesso ao terceiro andar do prédio. De
acordo com a polícia, Wellington foi baleado com um tiro de fuzil e, em seguida, se matou com um tiro na cabeça.

MOVIA, Didatismo e Conhecimento


Moun
O massacre em Realengo reabriu o debate sobre a venda de annas no Brasil. Após o episódio, o Governo Federal anunciou que
anteciparia a campanha de desarmamento. Por meio da campanha, o governo indenizará donos de annas que as entreguem às autoridades.
Nas campanhas anteriores, eram pagos entre R$ 100 e R$ 300 por annas entregues à Polícia Federal, fossem ou não registradas.
No Congresso, o presidente do Senado, José Samey (PMDB-AP) apresentou aos líderes de partidos a proposta de realização de um
novo referendo sobre desannamento. No primeiro referendo, realizado em 23 de outubro de 2005, 63,94% dos eleitores votaram contra a
proibição do comércio de anna de fogo e munição no país. A lei do Estatuto do Desannamento, regulamentada por decreto de I o de julho de
2004, tomou mais rigorosos os critérios para aquisição e porte de anna de fogo no país, além de prever penas específicas e mais severas
para o comércio e porte ilegal.
O bullying sempre existiu entre nós, mas só hoje é amplamente discutido na mídia e vem despertando um interesse crescente nos
nossos meios acadêmicos. Este trabalho tem a intenção de divulgar esse fato social e suas consequências no nosso país. Multidis- ciplinar,
o bullying tem despertado o interesse de diferentes ramos de atividade, como a educação, a saúde, e, recentemente, a área jurídica.
Trataremos do bullying escolar no Brasil tendo como base as últimas pesquisas nacionais sobre o tema. Iremos conceituar e caracterizar o
bullying. Logo após, conheceremos o posicionamento de alguns especialistas no assunto sobre as providências a serem tomadas na
ocorrência deste fato em ambientes escolares.
O depoimento de uma vítima de bullying
No blog Observatório da Criminologia, encontramos o seguinte depoimento: Meu nome é Daniele Vuoto, uma gaúcha de 22 anos.
Vim aqui contar um pouco da minha vida escolar para vocês. Desde a pré-escola, quando via alguma coleguinha sendo motivo de risada,
eu ia lá e defendia. Não achava certo! Com o tempo, isso virou contra mim: por virar amiga das vítimas, passei a ser uma.
As desculpas utilizadas na época eram coisas banais: eu ser muito branca, muito loira, as notas altas, e mais tarde minha tendinite
virou motivo de piada também. [...] com 14 anos resolvi mudar de escola. Achava que a mudança seria um recomeço, e não sofreria mais.
Isso foi mn grande engano. Aquela escola foi um pesadelo:
Lá, eu era vista como assombração, as pessoas me tratavam como se fosse mna aberração. Berravam quando me viam, empurravam,
davam muita risada, roubavam coisas, e o pior: alguns professores apoiavam as atitudes dos meus colegas. Troquei de escola no meio
daquele ano. [...] No ano seguinte, fui para outra escola: a última escola que estudei. Lá, fiz como sempre: via quem estava sozinho, e fazia
amizade. Mais do que nunca, eu era tida como a diferente. [...] Mas consegui fazer duas amigas, e no ano seguinte fiz amizade com mais
duas meninas.
Logo, uma delas começou a dizer o quanto as outras falavam mal de mim. Aquilo foi me incomodando muito, pois já era humilhada
todos os dias. [...] Com isso me deprimi mais ainda. Ia caminhando até a escola, e parei de olhar ao atravessar a rua. Para mim, morrer seria
lucro. Estava novamente sozinha nmna escola enonne, tentando me refugiar na biblioteca, e até lá sendo perseguida. Passei a comer menos,
a me cortar e ver tudo como uma possível anna para acabar meu sofrimento.
Nas férias de inverno, me fechei mais ainda, não podería voltar para escola nenhuma. Via meus pais feito loucos me procurando uma
escola nova, e piorava mais ainda por isso. Foi ai que pedi para ir numa psicóloga, e ela contou aos meus pais que, naquele estado, eu não
teria condições de enfrentar uma nova escola. Comecei um tratamento com ela, e em seguida, com um psiquiatra. [...] Hoje tenho 22 anos,
[...] Não tomo mais remédios, nem faço tratamentos. A maior lição que tirei do que aconteceu é que não podemos acreditar em tudo que
dizem de nós, e sim acreditar que as coisas podem mudar, e lutar pra isso! Afinal, enquanto estamos vivos, ainda temos chance de mudar a
nossa história.
O bullying faz muitas vítimas. Em 2005, logo após receber alta do tratamento a que tinha se submetido por ter sido vítima de bullying,
Daniele criou mn blog para divulgar o tema no Brasil. Hoje, ela não atualiza mais seu blog, mas, além de colaborar com a divulgação do
assunto, deixou para todos nós um excelente exemplo de superação.
Bullying: conceito, características epersonagens
A palavra bullying tem origem no tenno inglês bully que significa: brigão, mandão, valentão. A educadora e pesquisadora CLÉO
FANTE descreve esse fenômeno social da seguinte maneira: Bullying é um tenno utilizado na literatura psicológica anglo-saxônica, para
designar comportamentos agressivos e antissociais, nos estudos sobre o problema da violência escolar. Universalmente, o bullying é
conceituado como sendo um “conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas, que ocorrem sem motivação evidente, adotadas
por mn ou mais alunos contra outro(s), causando dor, angústia e sofrimento, e executadas dentro de mna relação desigual de poder,
tomando possível a intimidação da vítima.” Acrescenta a educadora que “ridicularizações, intimidações, apelidos pejorativos, ameaças,
perseguições, difamações, humilhações, são algumas das condutas empregadas por autores de bullying.”
Além dessas condutas comissivas, existe o bullying por omissão, que também pode ser devastador, conforme explica o promotor Lélio
Braga Calhau: Ele pode ser produzido com atos de ignorar, “dar mu gelo” ou isolar a vítima. Se provocados por mu grupo de alunos numa
sala de aula podem ser devastadores para a autoestima de uma criança, por exemplo. Em geral, o bullying praticado com omissão é mais
afeto ao praticado por meninas e é bem sutil. É quase invisível. Se você analisar o ato isolado ele pode não significar nada, mas são como
pequenas agressões, que pouco a pouco vão minando a integridade psicológica da vítima. O pesquisador norueguês Dan Olweus
estabeleceu alguns critérios importantes para que possamos identificar corretamente os casos de bullying escolar.
Os três critérios estabelecidos por Dan Olweus são os seguintes:
- Ações repetitivas contra a mesma vítima num período prolongado de tempo;
- Desequilíbrio de poder, o que dificulta a defesa da vítima;
- Ausência de motivos que justifiquem os ataques.
O conhecimento desses critérios, ou características, é fundamental para identificarmos o bullying e para o distinguinnos das outras
formas de violência não relacionadas ao fenômeno em estudo. Também não são caracterizadas como bullying aquelas brincadeiras
impetuosas próprias dessa faixa etária, provenientes daquela busca natural de autoafinnação. Sinteticamente, o bullying tem três
personagens: o agressor, a vítima e o espectador.
Mas, segundo CLÉO FANTE, os estudiosos identificam e classificam os tipos de papéis sociais desempenhados pelos protagonistas
de bullying de cinco maneiras:
- A vítima típica: que serve de bode expiatório para um grupo;
- A vítima provocadora: que provoca reações que não possui habilidades para lidar;
- A vítima agressora: que reproduz os maus-tratos sofridos;
- O agressor: que vitimiza os mais fracos;
- O espectador: que presencia os maus-tratos. LÉLIO BRAGA CALHAU acrescenta a esses cinco tipos a figura do:
- Novato: aluno transferido de escola que fica fragilizado nas situações de bullying.
As consequências do bullying
Sobre as possíveis consequências dessas agressões, extraímos da cartilha lançada recentemente pelo Conselho Nacional de Justiça,
Bullying - Projeto Justiça nas Escolas, a seguinte informação: a vítima dessa agressão social pode enfrentar ainda na escola e
posteriormente ao longo de sua vida as mais variadas consequências. Tudo vai depender da estrutura da vítima, de suas vivências, da sua
predisposição genética e, também, da fonna e da intensidade das agressões sofridas. No entanto, todas as vítimas, em maior ou menor
proporção, sofrem com os ataques de bullying. Muitas dessas pessoas levarão para a vida adulta marcas profundas e, muito provavelmente,
necessitarão de apoio psicológico e/ou psiquiátrico para superar seus traumas.
Após um prolongado período de estresse ao qual a vítima é submetida, o bullying poderá provocar um agravamento de problemas
preexistentes ou desencadear as seguintes consequências: desinteresse pela escola, problemas psicossomáticos, transtorno do pânico,
depressão, fobia escolar, fobia social, ansiedade generalizada, dentre outros. Em casos mais graves, podem-se observar quadros de
esquizofrenia e até homicídio e suicídio. Segue abaixo alguns casos onde, infelizmente, tivemos um final trágico: Em 1999, no Instituto
Colmnbine (Colorado, EUA), Eric Harris e Dylan Klebold, vítimas de bullying, entraram na escola e passaram a disparar contra
professores e colegas. Após matar doze colegas e um professor, eles se suicidaram.
Em 2005, um aluno de 16 anos matou cinco colegas, um professor e um segurança numa escola de Minnesota (EUA). Em 2006, na
Alemanha, um ex-aluno abriu fogo nmna escola e deixou onze feridos (cometeu suicídio em seguida). Em 2007, um estudante, vítima de
bullying, na escola Virgínia Tech (EUA) assassinou trinta e duas pessoas e feriu outras quinze. Em novembro de 2007, em Jokela
(Finlândia), oito pessoas foram assassinadas por um aluno, que divulgou um vídeo no YouTube, o qual anunciava o massacre. No dia 25
de maio de 2008, um aluno de 22 anos matou nove estudantes e mn professor em Kauhajoki (Finlândia). Em seguida se suicidou. - No
Brasil, não são incomuns casos de alunos que são flagrados dentro de escolas com annas de fogo. Em 2003, em Taiúva (SP), um ex-aluno
voltou à escola e atirou em seis alunos e numa professora, que sobreviveram ao ataque. Era ex-obeso e vítima de bullying, e após o
atentado, cometeu suicídio. Em 2004, em Remanso (BA), um adolescente matou dois e feriu três, após sofrer humilhações (era também
vítima de bullying).
A origem dos estudos sobre bullying
O bullying é tão antigo quanto os estabelecimentos de ensino. Apesar de existir a muito tempo, somente no início dos anos 70 esse
fenômeno passou a ser objeto de estudo científico. Tudo começou na Suécia, quando a sociedade, em sua maioria, demonstrou
preocupação com a violência entre estudantes e suas consequências no âmbito escolar. Essa onda de interesse social em pouco tempo
contagiou os demais países escandinavos. Na Noruega, pais e professores se utilizaram durante anos dos meios de comunicação para
tomar público a sua preocupação com o bullying. No entanto, jamais as autoridades educacionais se pronunciaram oíicialmente sobre o
assunto. No final de 1982, ocorreu uma tragédia ao norte daquele país que marcou a história do bullying nacional.
Três crianças com idade entre 10 e 14 anos se suicidaram. Logo após, as investigações concluíram que elas resolveram se matar
porque foram submetidas a situações de maus-tratos pelos colegas da escola onde estudavam. No ano seguinte, em resposta a grande
mobilização nacional fruto desse acontecimento, foi realizada uma ampla campanha com o objetivo de combater o bullying escolar. Foi
nesse contexto que o pesquisador Dan Olweus iniciou mn estudo pioneiro em que participaram aproximadamente 84 mil estudantes, 1000
pais de alunos e 400 professores. O objetivo desse estudo foi avaliar em detalhes como o bullying se apresentava na Noruega.
A pesquisa concluiu que um em cada sete alunos entrevistados estava envolvido com o bullying escolar como vítima ou agressor. Essa
revelação mobilizou grande parte da sociedade civil daquele país e deu origem a uma campanha nacional antibullying, que recebeu amplo
apoio do governo. A iniciativa de Olweus fez tanto sucesso que desencadeou outras campanhas semelhantes em diversos países do mundo.
Os primeiros estudos sobre bullying escolar realizados no Brasil, além de restritos à esfera municipal, apenas refletiam os trabalhos
europeus existentes até o momento: No Brasil, como reflexo dos trabalhos europeus, encontramos alguns estudos sobre Bullying no
ambiente escolar, realizadas recentemente:
a) O trabalho realizado pela Prof.a Marta Canfield e colaboradores (1997), em que as autoras procuraram observar os comporta-
mentos agressivos apresentados pelas crianças em quatro escolas de ensino público em Santa Maria (RS), usando mna forma adaptada pela
própria equipe do questionário de Dan Olweus (1989);
b) As pesquisas realizadas pelos Profs. Israel Figueira e Carlos Neto, em 2000/2001, para diagnosticar o Bullying em duas Escolas
Municipais do Rio de Janeiro, usando uma forma adaptada do modelo de questionário do TMR;
c) As pesquisas realizadas pela Prof.a Cleodelice Aparecida Zonato Fante, em 2002, em escolas municipais do interior paulista,
visando ao combate e à redução de comportamentos agressivos. Em 2002 e 2003, a ABRAPIA (Associação Brasileira Multiprofis- sional
de Proteção à Infância e à Adolescência) realizou uma pesquisa em 11 escolas municipais do Rio de Janeiro e um dos dados levantados que
surpreendeu a todos foi que as ocorrências de bullying aconteceram, na sua maioria, em sala de aula (60,2%).
Aramis Lopes Neto, médico do Município do Rio de Janeiro e sócio fundador da ABRAPIA, em artigo científico publicado em 2005,
acrescentou que: O bullying é mais prevalente entre alunos com idades entre 11 e 13 anos, sendo menos frequente na educação infantil e
ensino médio. Entre os agressores, observa-se um predomínio do sexo masculino, enquanto que, no papel de vítima, não há diferenças
entre gêneros. O fato de os meninos envolverem-se em atos de bullying mais comumente não indica necessariamente que sejam mais
agressivos, mas sim que têm maior possibilidade de adotar esse tipo de comportamento. Já a dificuldade em identificar-se o bullying entre
as meninas pode estar relacionada ao uso de formas mais sutis. Considerando-se que a maioria dos atos de bullying ocorre fora da visão
dos adultos, que grande parte das vítimas não reage ou fala sobre a agressão sofrida, pode-se entender por que professores e pais têm pouca
percepção do bullying, subestimam a sua prevalência e atuam de forma insuficiente para a redução e interrupção dessas situações.
As pesquisas nacionais sobre bullying
Recentemente, o tema atraiu a atenção de mna Organização Não Governamental de origem inglesa, que atua no Brasil desde 1997 e
do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em parceria com o Ministério da Saúde. Destacamos a seguir alguns dados que
foram coletados por essas pesquisas, que foram considerados por nós, relevantes para este artigo: A PLAN BRASIL realizou em 2009 a
pesquisa Bullying no Ambiente Escolar. Esse estudo, que foi o primeiro com abrangência nacional, permitiu conhecer as situações de maus
tratos nas relações entre estudantes dentro da escola, nas cinco regiões do País. Para essa pesquisa foram selecionadas cinco escolas de
cada uma das cinco regiões geográficas do País onde 5.168 alunos responderam ao questionário apresentado. Os fatos colhidos nesse
trabalho foram os seguintes: Presenciaram cenas de agressões entre colegas no ano letivo 70 % dos estudantes pesquisados, enquanto 30%
deles vivenciaram ao menos uma situação violenta no mesmo período.
O bullying foi praticado e sofrido por 10% do total de alunos pesquisados, sendo mais comum nas regiões Sudeste e Centro-oeste do
País. Considerando a idade dos alunos, foi na faixa de 11 a 15 anos de idade onde se observou a maior incidência de bullying e durante esta
ocorrência os alunos estavam matriculados na sexta série do ensino fundamental. O IBGE, em parceria com o Ministério da Saúde, na
Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar de 2009, coletou dados importantes junto aos estudantes do 9 o ano (8a série) do ensino fundamental
nos Municípios das Capitais Brasileiras e no Distrito Federal. Inicialmente foi levantado que 69,2% dos alunos disseram não ter sofrido
bullying.
O percentual dos que foram vítimas deste tipo de violência, raramente ou às vezes, foi de 25,4% e a proporção dos que disseram ter
sofrido bullying na maior parte das vezes ou sempre foi de 5,4%. O Distrito Federal com (35,6%) seguido por Belo Horizonte com (35,3%)
e Curitiba com (35,2 %) foram às capitais com maiores frequências de escolares que declararam ter sofrido esse tipo de violência alguma
vez nos últimos 30 dias. Foram observadas diferenças por sexo, sendo mais frequente entre os meninos (32,6%) do
que entre as meninas (28,3%). Quando comparada a dependência administrativa das escolas, a ocorrência de bullying foi verificada em
maior proporção entre os escolares de escolas privadas (35,9%) do que entre os de escolas públicas (29,5%). Destacamos nas pesquisas
acima relatadas dois importantes dados: O primeiro foi a faixa etária da maioria dos alunos envolvidos em casos de bullying. O segundo foi
a maior incidência de bullying nos estabelecimentos de ensino privados.
O bullying e os direitos da criança e do adolescente
1 Estatuto da Criança e do Adolescente positivou diversas garantias e medidas protetivas com o propósito de afiançar um de-
senvolvimento sadio aos infanto-juvenis. O comportamento discriminatório e agressivo dos bullies atenta acintosamente contra o respeito e
a dignidade de suas vítimas ferindo os direitos estatutários transcritos abaixo: Estatuto. Ari. 5 o Nenhuma criança ou adolescente será objeto
de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado,
por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
Ari. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de de-
senvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.[...].
Ari. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente,
abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
Ari. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano,
violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
A violação de quaisquer desses direitos afeta a dignidade do infanto-juvenil, incidindo, portanto, em dano moral. Sendo assim, as
vítimas de bullying poderão contender judicialmente pelo devido ressarcimento, conforme orienta o Professor Fábio Maria De Mattia: O
atentado ao direito à integridade moral gera a configuração de dano moral, que, no caso, será pleiteado pela criança ou adolescente através
de seu representante legal. A indenização por dano moral não mais suscita dúvidas, é a consagração do dano moral direto, em face dos
termos do princípio constitucional previsto no art. 5o, X, que dispõe: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”
Mas, antes que o dano moral ao infanto-juvenil efetivamente ocorra, temos o dever de comunicar essa iminência ao Conselho Tutelar
que é o órgão - administrativo, municipal, permanente e autônomo - encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da
criança e do adolescente. O artigo 13 do Estatuto trata dessa obrigatoriedade de comunicação à autoridade competente no caso de
conhecimento de maus tratos perpetrados contra crianças e adolescentes. Aqueles que não o fizerem incorrerão na pena prevista no art.
245: Estatuto.
Art. 13. Os casos de suspeita ou confirmação de maus tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao
Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais. Art. 245.
Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de
comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra
criança ou adolescente:
Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.
Quanto ao contexto em que está inserido o artigo 13 no Estatuto, Rossato, Lépore e Cunha comentam: Vale ressaltar que apesar de
alocado em meio a dispositivos que versam sobre o direito à saúde e obrigações dos profissionais dessa área, o dever de comunicação de
maus tratos também se estende a outros profissionais, a exemplo de professores, responsáveis por estabelecimentos de ensino, dentre
outros, conforme explicita a redação do art. 245 do Estatuto, que considera infração administrativa o descumprimento dessa determinação
legal. Mesmo porque, em se tratando de responsáveis por escolas de ensino fundamental - etapa de ensino onde, conforme pesquisa da
PLAN BRASIL, se verificou a maior incidência de bullying - a lei foi específica ao tratar do assunto:
“Art. 56. Os dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar os casos de:
2 - maus-tratos envolvendo seus alunos;[...].”
Na cartilha lançada pelo Conselho Nacional de Justiça encontramos a seguinte orientação dada aos responsáveis pelos estabele-
cimentos de ensino nos casos de bullying:
A escola é corresponsável nos casos de bullying, pois é lá onde os comportamentos agressivos e transgressores se evidenciam ou se
agravam na maioria das vezes. A direção da escola (como autoridade máxima da instituição) deve acionar os pais, os Conselhos Tutelares,
os órgãos de proteção à criança e ao adolescente etc. Caso não o faça poderá ser responsabilizada por omissão. Em situações que envolvam
atos infracionais (ou ilícitos) a escola também tem o dever de fazer a ocorrência policial. Dessa forma, os fatos podem ser devidamente
apurados pelas autoridades competentes e os culpados responsabilizados. Tais procedimentos evitam a impunidade e inibem o crescimento
da violência e da criminalidade infanto-juvenil.
No entanto, na opinião do Procurador Guilhenne Zanina Schelb “a intervenção deve ser ponderada, na medida em que, se, por um
lado, deve fazer cessar a humilhação, por outro, deve estimular na vítima do bullying a capacidade de autodefesa, evitando uma
superproteção prejudicial.” Considerando o caráter multidisciplinar do tema em questão e a necessidade das escolas estarem preparadas
para lidar com a questão, Lélio Braga Calhau diz que: Atualmente um grande número de escolas mantém em seus quadros pedagogos e
psicólogos, que, em sendo chamados para ajudar, poderão contribuir muito com a solução dos problemas. A orientação deve nortear a ação
desses profissionais. Chamar a polícia e o Ministério Público, a meu ver, somente nos casos mais graves.
A solução, dentro do possível, deve ser conseguida compartilhando o problema com o grupo de alunos, tendo em vista que os alunos
tendem a voltar a praticar os atos de bullying assim que se colocarem sem supervisão. Sobre a atuação das escolas, também acrescenta o
Professor NELSON JOAQUIM: Cabe, também, às instituições escolares, se necessário, reprimir atos de indisciplina praticados por alunos
e aplicar as penalidades pedagógicas nos casos previstos no regimento escolar ou interno. Entretanto, deve esgotar todos os recursos
sociopedagógicos a ela inerente, inclusive ter uma equipe especializada de profissionais, como psicope- dagogos e profissionais afins, para
atuar de fonna preventiva nos distúrbios ou problemas de aprendizagem. Porém, sendo inócua a tentativa de resolver o problema
diretamente com os alunos e esgotadas todas as possibilidades pertinentes ao caso concreto “é o caso de acionar o Conselho Tutelar e o
Ministério Público.” complementa Lélio Braga Calhau.
Ao final, acrescenta o eminente Promotor que “embora a polícia possa participar hoje com grupos de acompanhamento escolar,
chamar a polícia pode assustar demasiadamente os alunos e provocar o retraimento, o que dificultaria qualquer medida negociada.”
Finalmente, gostaríamos de destacar que, antes que seja necessário o acionamento das autoridades competentes, a prevenção sempre será o
melhor a ser feito pelos estabelecimentos de ensino. As escolas têm feito isso através de programas ou campanhas esclarecedoras sobre o
tema. Considerando que o bullying é uma realidade nas escolas do nosso país, encerraremos este artigo com mn programa de intervenção
escolar criado pelo professor Dan Olweus que é referência internacional. Esse programa tem sido implementado preventivamente em
diversas escolas pelo mundo. Resumidamente, o programa tem as seguintes propostas:

Requisitos prévios gerais: Consciência e implicação.

Medidas para aplicar na escola:

- estudo de questionário;
-jornada escolar com debates sobre os problemas de agressores e vítimas;
- melhor vigilância durante o recreio e na hora da alimentação;
- zonas de descanso da escola mais atrativas;
- telefone para contato; reunião de pais e funcionários da escola;
- grupos de professores para o desenvolvimento do meio social da escola;
- círculos de pais.
Medidas para aplicar em sala de aula:
- nonnas da classe contra agressões: clareza, elogio e sanções;
- reuniões de classe regulares;
-jogos de simulação, literatura etc.;
- aprendizagem cooperativa;
- atividades de classe comuns positivas; reuniões de professores, pais e alunos da classe.
Medidas individuais:
- falar seriamente com agressores e vítimas; falar seriamente com os pais dos envolvidos;
- uso de criatividade por parte dos professores e pais;
- ajuda de alunos “neutros”;
- ajuda e apoio para os pais (cartilhas para os pais etc.);
- grupos de debate para pais de agressores e de vítimas; troca de turma ou de escola.
Ao prevenir, os estabelecimentos de ensino estarão em consonância com o prudente artigo 70 do Estatuto da Criança e do Adolescente
que institui: “É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente.” Os estudos levados a
efeito sobre a ocorrência do bullying no Brasil e os direitos da criança e do adolescente autorizam as seguintes conclusões: A vítima de
bullying pode enfrentar ainda na escola e posteriormente ao longo de sua vida as mais variadas consequên-
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos

cias. Muitas dessas pessoas levarão para a vida adulta marcas profundas e, muito provavelmente, necessitarão de apoio psicológico e/ ou
psiquiátrico para superar seus traumas. De acordo com pesquisas realizadas no Brasil: foi na faixa de 11 a 15 anos de idade onde se
observou a maior incidência de bullying entre os alunos e foi em estabelecimentos de ensino privado onde o bullying ocorreu em maior
proporção.
O comportamento discriminatório e agressivo dos bullies atenta acintosamente contra o respeito e a dignidade de suas vítimas,
violando direitos que afeta a dignidade do ofendido, incidindo, portanto, em dano moral. Caracterizado o dano moral por terem sido
ofendidas em sua dignidade, as vítimas de bullying poderão contender judicialmente pelo devido ressarcimento. Diante da iminência do
dano moral ao infanto-juvenil, todos têm o dever de comunicar o fato ao Conselho Tutelar, que é o órgão encarregado de zelar pelo
cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. Aqueles que não o fizerem incorrerão na pena prevista no art. 245 do Estatuto da
Criança e do Adolescente.
Antes que seja necessário o acionamento das autoridades competentes para se resolva os casos de bullying, a prevenção sempre será o
melhor a ser feito pelos estabelecimentos de ensino. Permanecendo o problema, deve-se tentar resolve-lo diretamente com os alunos.
Sendo inócua essa tentativa e esgotadas todas as possibilidades pertinentes ao caso concreto o estabelecimento de ensino deve acionar o
Conselho Tutelar e o Ministério Público.
O papel da escola
A sociedade tem avançado em vários aspectos, e mais do que nunca é imprescindível que a escola acompanhe essas evoluções, que ela
esteja conectada a essas transformações, falando a mesma língua, favorecendo o acesso ao conhecimento que é o assunto crucial a ser
tratado neste trabalho.
É importante refletirmos sobre que tipo de trabalho temos desenvolvido em nossas escolas e qual o efeito, que resultados temos
alcançado. Qual é na verdade a função social da escola? A escola está realmente cumprindo ou procurando cumprir sua função, como
agente de intervenção na sociedade? Eis alguns pressupostos a serem explicitados nesse trabalho. Para se conquistar o sucesso se faz
necessário que se entenda ou e que tenha clareza do que se quer alcançar, a escola precisa ter objetivos bem definidos, para que possa
desempenhar bem o seu papel social, onde a maior preocupação - o alvo deve ser o crescimento intelectual, emocional, espiritual do aluno,
e para que esse avanço venha fluir é necessário que o canal (escola) esteja desobstruído.
A Escola no Passado
A escola é um lugar que oportuniza, ou deveria possibilitar as pessoas à convivência com seus semelhantes (socialização). As
melhores e mais conceituadas escolas pertenciam à rede particular, atendendo um grupo elitizado, enquanto a grande maioria teria que lutar
para conseguir mna vaga em escolas públicas com estrutura física e pedagógica deficientes.
O país tem passado por mudanças significativas no que se refere ao funcionamento e acesso da população brasileira ao ensino público,
quando em um passado recente era privilégio das camadas sociais abastadas (elite) e de preferência para os homens, as mulheres mal
apareciam na cena social, quando muito as únicas que tinham acesso à instrução formal recebiam alguma iniciação em desenho e música.
Atuação da equipe pedagógica - coordenação
A política de atuação da equipe pedagógica é de smna importância para a elevação da qualidade de ensino na escola, existe a ne-
cessidade urgente de que os coordenadores pedagógicos não restrinjam suas atribuições somente à parte técnica, burocrática, elaborar
horários de aulas e ainda ficarem nos corredores da escola procurando conter a indisciplina dos alunos que saem das salas durante as aulas,
enquanto os professores ficam necessitados de acompanhamento. A equipe de suporte pedagógico tem papel determinante no desempenho
dos professores, pois dependendo de como for a política de trabalho do coordenador o professor se sentirá apoiado, incentivado. Esse deve
ser o trabalho do coordenador: incentivar, reconhecer, e elogiar os avanços e conquistas, em fim o sucesso alcançado no dia a dia da escola
e consequentemente o desenvolvimento do aluno em todos os âmbitos.
Função do Professor
Ao professor compete a promoção de condições que favoreçam o aprendizado do aluno, no sentido do mesmo compreender o que está
sendo ministrado, quando o professor adota o método dialético; isso se toma mais fácil, e essa precisa ser a preocupação do mesmo:
facilitar a aprendizagem do aluno, aguçar seu poder de argumentação, conduzir ás aulas de modo questionador, onde o aluno- sujeito ativo
estará também exercendo seu papel de sujeito pensante; que dá ótica construtivista constrói seu aprendizado, através de lúpóteses que vão
sendo testadas, interagindo com o professor, argumentando, questionando em fim trocando idéias que produzem inferências.

MOVIA, Didatismo e Conhecimento


O planejamento é imprescindível para o sucesso cognitivo do aluno e êxito no desenvolvimento do trabalho do professor, é como uma
bússola que orienta a direção a ser seguida, pois quando o professor não planeja o aluno é o primeiro a perceber que algo ficou a desejar,
por mais experiente que seja o docente, e esse é um dos fatores que contribuem para a indisciplina e o desinteresse na sala de aula. É
importante que o planejar aconteça de fonna sistematizada e contextualizado com o cotidiano do aluno - fator que desperta seu interesse e
participação ativa.
Um planejamento contextualizado com as especificidades e vivências do educando, o resultado será aulas dinâmicas e prazerosas, ao
contrário de uma prática em que o professor cita somente o número da página e alunos abrem seus livros é feito uma explicação superficial
e dá-se por cumprido a tarefa da aula do dia, não houve conversa, dialética, interação.
Ação do gestor escolar
A cultura organizacional do gestor é decisiva para o sucesso ou fracasso da qualidade de ensino da escola, a maneira como ele conduz
o gestionamento das ações é o foco que determinará o sucesso ou fracasso da escola. De acordo com Libâneo (2005), características
organizacionais positivas eficazes para o bom funcionamento de uma escola: professores preparados, com clareza de seus objetivos e
conteúdos, que planejem as aulas, cativem os alunos.
Um bom clima de trabalho, em que a direção contribua para conseguir o empenho de todos, em que os professores aceitem aprender
com a experiência dos colegas.
Clareza no plano de trabalho do Projeto pedagógico-curricular que vá de encontro às reais necessidades da escola, primando por sanar
problemas como: falta de professores, cumprimento de horário e atitudes que assegurem a seriedade, o compromisso com o trabalho de
ensino e aprendizagem, com relação a alunos e funcionários.
Quando o gestor, com seu profissionalismo conquista o respeito e admiração da maioria de seus funcionários e alunos, há um clima de
harmonia que predispõe a realização de um trabalho, onde, apesar das dificuldades, os professores terão prazer em ensinar e alunos prazer
em aprender.
Função Social da Escola
A escola é mna instituição social com objetivo explícito: o desenvolvimento das potencialidades físicas, cognitivas e afetivas dos
alunos, por meio da aprendizagem dos conteúdos (conhecimentos, habilidades, procedimentos, atitudes, e valores) que, aliás, deve
acontecer de maneira contextualiazada desenvolvendo nos discentes a capacidade de tomarem-se cidadãos participativos na sociedade em
que vivem.
Eis o grande desafio da escola, fazer do ambiente escolar um meio que favoreça o aprendizado, onde a escola deixe de ser apenas um
ponto de encontro e passe a ser, além disso, encontro com o saber com descobertas de fonna prazerosa e funcional, confonne Libâneo
(2005) devemos inferir, portanto, que a educação de qualidade é aquela mediante a qual a escola promove, para todos, o domínio dos
conhecimentos e o desenvolvimento de capacidades cognitivas e afetivas indispensáveis ao atendimento de necessidades individuais e
sociais dos alunos.
A escola deve oferecer situações que favoreçam o aprendizado, onde haja sede em aprender e também razão, entendimento da
importância desse aprendizado no futuro do aluno. Se ele compreender que, muito mais importante do que possuir bens materiais, é ter
uma fonte de segurança que garanta seu espaço no mercado competitivo, ele buscará conhecer e aprender sempre mais.
Analisando os resultados da pesquisa de campo (questionário) observamos que os jovens da tunna analisada não possuem perspectivas
definidas quanto à seriedade e importância dos estudos para suas vidas profissional, emocional, afetiva. A maioria não tem hábito de
leitura, frequenta pouquíssimo a biblioteca, outros nunca foram lá. A escola é na verdade um local onde se encontram, conversam e até
namoram. Há ainda, a questão de a família estar raramente na escola, não existe parceria entre a escola e família, comunidade a escola
ainda tem dificuldades em promover ações que tragam a família para ser aliadas e não rivais, a família por sua vez ainda não concebeu a
ideia de que precisa estar incluída no processo de ensino e aprendizagem independente de seu nível de escolaridade, de acordo com
Libâneo (2005), “o grande desafio é o de incluir, nos padrões de vida digna, os milhões de indivíduos excluídos e sem condições básicas
para se constituírem cidadãos participantes de uma sociedade em pennanente mutação”.
Políticas que fortaleçam laços entre comunidade e escola é uma medida, um caminho que necessita ser trilhado, para assim alcançar
melhores resultados. O aluno é parte da escola, é sujeito que aprende que constrói seu saber, que direciona seu projeto de vida, assim sendo
a escola lida com pessoas, valores, tradições, crenças, opções e precisa estar preparada para enfrentar tudo isso.
Informar e fonnar precisa estar entre os objetivos explícitos da escola; desenvolver as potencialidades físicas, cognitivas e afetivas dos
alunos, e isso por meio da aprendizagem dos conteúdos (conhecimentos, habilidades, procedimentos, atitudes e valores), fará com que se
tomem cidadãos participantes na sociedade em que vivem.
Uma escola voltada para o pleno desenvolvimento do educando valoriza a transmissão de conhecimento, mas também enfatiza outros
aspectos: as fonnas de convivência entre as pessoas, o respeito às diferenças, a cultura escolar. (Progestão 2001).
Ao ouvir depoimentos de alunos que afirmaram que a maioria das aulas são totalmente sem atrativos, professores chegam à sala
cansados, desmotivados, não há nada que os atraem a participarem, que os desafiem a querer aprender. È importante ressaltar a
importância da unidade de propostas e objetivos entre os coordenadores e o gestor, pois as duas partes falando a mesma linguagem o
resultado será muito positivo que terá como fruto a elevação da qualidade de ensino.
Contudo, partindo do pressuposto de que a escola visa explicitamente à socialização do sujeito é necessário que se adote uma prática
docente lúdica, uma vez que ela precisa estar em sintoma com o mundo, a mídia que oferece: informatização e dinamismo.
Considerando a leitura, a pesquisa e o planejamento ferramentas básicas para o desenvolvimento de um trabalho eficaz, e ainda
fazendo uso do método dialético, o professor valoriza as teses dos alunos, cultivando neles a autonomia e autoestima o que conse-
quentemente os fará ter interesse pelas aulas e o espaço escolar então deixará de ser apenas ponto de encontro para ser também lugar de
crescimento intelectual e pessoal.
Para que a escola exerça sua função como local de oportunidades, interação e encontro com o outro e o saber, para que haja esse
paralelo tão importante para o sucesso do aluno o bom desenvolvimento das atribuições do coordenador pedagógico tem grande relevância,
pois a ele cabe organizar o tempo na escola para que os professores façam seus planejamentos e ainda que atue como formador de fato;
sugerindo, orientando, avaliando juntamente os pontos positivos e negativos e nunca se esquecendo de reconhecer, elogiar, estimular o
docente a ir em frente e querer sempre melhorar, ir além.
O fato de a escola ser um elemento de grande importância na formação das comunidades toma o desenvolvimento das atribuições do
gestor um componente crucial, é necessário que possua tendência crítico-social, com visão de empreendimento, para que a escola esteja
acompanhando as inovações, conciliando o conhecimento técnico à arte de disseminar idéias, de bons relacionamentos interpessoais,
sobretudo sendo ético e democrático. Os coordenadores por sua vez precisam assumir sua responsabilidade pela qualidade do ensino,
atuando como formadores do corpo docente, promovendo momentos de trocas de experiências e reflexão sobre a prática pedagógica, o que
trará bons resultados na resolução de problemas cotidianos, e ainda fortalece a qualidade de ensino, contribui para o resgate da autoestima
do professor, pois o mesmo precisa se libertar de práticas não funcionais, e para isso a contribuição do coordenador será imprescindível, o
que resultará no crescimento intelectual dos alunos.
Transtornos alimentares na adolescência
Irritabilidade, isolamento, tristeza e queda no rendimento escolar são comuns em adolescentes em determinados momentos do
desenvolvimento. Mas, se esses sintomas vêm acompanhados da recusa alimentar progressiva ou dos excessos à mesa, é bom ficar atento.
Esses são os sinais mais comuns de transtorno alimentar, um problema que vem crescendo em todo o mundo.
Em geral, esses males levam o jovem a assumir mna mudança repentina de comportamento em relação à comida, seja por meio da
rejeição ou da compulsão. Outro indício claro de transtorno alimentar é a insatisfação com o próprio corpo. “Durante a adolescência, os
transtornos alimentares mais frequentes são a anorexia nervosa, a bulimia nervosa e a compulsão alimentar”, afirma o psiquiatra Adriano
Segai, diretor de psiquiatria e transtornos alimentares da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome
Metabólica).
De acordo com o psiquiatra da Abeso, os transtornos alimentares são mais comuns entre as meninas, mas podem atingir meninos
também.
Cada um dos problemas possui sintomas específicos. No caso da anorexia nervosa, é comum que o adolescente apresente baixo peso
para sua altura e idade, medo exagerado de engordar e distorção da imagem corporal. Assim, uma garota que sofre desse transtorno verá
sua imagem diferente no espelho e, mesmo sendo magra, poderá se enxergar com medidas mais avantajadas.
O bulímico, pelo contrário, não costuma ter oscilações de peso, o que dificulta o diagnóstico da doença pela família. “Ele normal-
mente come de forma compulsiva, em grandes quantidades. Porém, logo após a refeição, para compensar o abuso, induz o vômito, toma
laxantes, diuréticos ou se submete a dietas extremamente restritivas e à prática de atividade física compulsiva”, diz o psiquiatra Glauber
Higa Kaio, do Programa de Atenção aos Transtornos Alimentares da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Assim como a bulimia, a compulsão alimentar é caracterizada pelo descontrole diante da comida, porém quem sofre desse mal não
cria nenhuma estratégia de compensação e acaba ganhando peso. “A pessoa fica deprimida e com forte sentimento de culpa por ter comido
em excesso. Com o tempo, isso pode levar a uma condição de isolamento”, afirma a psicóloga Marilice Rubbo de Carvalho, especialista
em transtornos alimentares pela Escola Paulista de Medicina.
Outros sinais ajudam a fechar o diagnóstico de transtorno alimentar, como, por exemplo, evitar fazer as refeições com os pais, passar
muito tempo no banheiro logo depois de comer, ter certa obsessão por alimentos lights e diets e contar as calorias de tudo o que consome.
“Obviamente, cabe aos pais estimular hábitos saudáveis. Mas é preciso estar atento para perceber quando esse aspecto da preocupação
com o que come se toma exacerbado. Na dúvida, vale procurar orientação profissional”, declara o psicólogo Marco Antonio De Tommaso.
De acordo com o especialista, esses transtornos são mais comuns no final da adolescência. Porém, vêm crescendo significativamente
os casos entre jovens a partir dos 12 anos, em grande parte por conta do padrão de beleza valorizado atualmente, que parte do corpo esguio
como um modelo a ser perseguido.
O papel dos pais
Pediatras ou mesmo clínicos gerais fazem o diagnóstico do transtorno alimentar, porém, uma vez descoberto o problema, o ideal é
procurar um psiquiatra ou um profissional especializado na doença.
Ignorar os sinais ou adiar o tratamento pode ser perigoso. “O risco é o adolescente desenvolver um quadro de desnutrição grave, que
certamente vai deixá-lo debilitado. No caso da compulsão alimentar, o perigo é ganhar peso e desenvolver doenças crônicas associadas à
obesidade, como diabetes e colesterol alto”, afirma a endocrinologista Maria Edna de Melo, do Grupo de Obesidade e Síndrome
Metabólica do Hospital das Clínicas de São Paulo.
E, muito além de levar o filho ao médico, é importante que os pais se orientem e acompanhem de perto o tratamento, já que a taxa de
reincidência é grande. “Os pais devem ser um modelo de comportamento dentro de casa, alimentando-se adequadamente e mantendo
hábitos de vida saudáveis, mas sem exageros”, diz Kaio, da Unifesp.
Segundo o psiquiatra, é necessário conversar bastante com o adolescente. “Os pais devem se colocar sempre na posição de quem quer
ajudar a encontrar recursos para vencer o problema, evitando julgar, criticar ou resolver na base do conflito. Se o adolescente se sente
acuado ou confrontado, as chances do tratamento dar certo diminuem”, declara a psicanalista Dirce de Sá Freire, professora do curso de
transtornos alimentares da PUC do Rio de Janeiro.
Escolhas sexuais
Escolher por quais caminhos seguir e que decisões tomar é difícil em qualquer fase da vida. Durante a juventude tomar decisões e
fazer escolhas são grandes tormentos, gerando dúvidas e conflitos. Quando o assunto é a sexualidade as dúvidas parecem ser ainda
maiores.
O comportamento do jovem mudou nos últimos anos, a sexualidade é vista de maneira bastante banalizada, assim como também os
relacionamentos afetivos. A aparente liberdade gera conflito, principalmente entre os jovens que estão vivendo mn momento de transição
entre a adolescência e a vida adulta.
Seguir os valores herdados da família, ou assumir o comportamento adotado pelo grupo? Essa segundo Ana Cláudia Bortolozzi Maia,
professora do departamento de Psicologia da Unesp de Bauru é mna dúvida muito frequente entre os jovens. Ela ressalta que para se
sentirem inseridos no grupo, os jovens adotam comportamentos, como consmnir bebidas alcoólicas e drogas ou assumir determinados
comportamentos sexuais, sem estarem de fato conscientes dessas atitudes e, portanto, preparados para as possíveis consequências dessas
escolhas. É preciso refletir sempre os “porquês” das nossas atitudes, especialmente quando elas exigem responsabilidades pessoais e
sociais.
Atualmente, os jovens estão iniciando a vida sexual mais cedo. A sexualidade tem sido discutida de forma mais “aberta”, nos
discursos pessoais, nos meios de comunicação, na literatura e artes. Entretanto, segundo a professora Ana Cláudia, essa aparente “liberdade
sexual” não toma as pessoas mais “livres”, pois ainda há bastante repressão e preconceito sobre o assunto. Além disso, as regras de como
devemos nos comportar sexualmente prevalecem em todos os discursos, o que toma uma questão velada de repressão.
Ela cita a questão da virgindade feminina, que antes era supervalorizada e hoje é vista como um problema para muitas meninas.
Muitas garotas iniciam a vida sexual de forma precipitada, mais para responder a uma exigência do grupo do que a uma escolha
pessoal, o que as tomam menos propensas a assmnir as responsabilidades que uma vida sexual ativa requer. Ana Cláudia explica que essa
cobrança do gmpo, também é vista como um tipo de repressão, pois parece que hoje as pessoas perderam a possibilidade de assumir ‘ser’
ou ‘não ser’ virgem, diante da cobrança do gmpo social. Outro exemplo diz respeito às cobranças exigidas ao papel feminino. Atualmente,
cobra-se da mulher a entrada no mercado de trabalho, e por consequência isso pode resultar em uma maior autonomia. Mas, apesar disso,
ainda hoje é exigido também da mulher que ela se case, tenha filhos e seja uma boa mãe. Ter que se casar ou ter filhos parecem condições
inerentes à felicidade pessoal. A mulher que tem uma opção de vida diferente dessa é vista como infeliz.
Outro exemplo ainda, diz respeito aos relacionamentos amorosos. Na década de 80 surge a expressão “ficar com”. Essa expressão
representa uma nova condição de relacionamento em que as pessoas irão manter contatos físicos e afetivos durante mn curto tempo, sem
que isso signifique um vínculo duradouro. O “ficar com”, apesar de aparentar uma grande liberdade sexual está repleto de regras. Essas
regras dependem do gmpo social (idade, classe social e educacional) e momento histórico. Ana Cláudia considera esse comportamento um
avanço nas relações afetivas, pois acredita que há mna maior possibilidade de escolher parceiros e de experimentar as sensações prazerosas
do toque com o outro, sem que esse relacionamento necessariamente leve ao “casamento”. Isso, para ela, é um fator importante no
desenvolvimento afetivo do jovem. No entanto, alerta para uma possível banalização das relações, quando jovens ficam com “usando o
outro como objeto”, o que muitas vezes pode provocar frustrações para ambas as partes envolvidas.
O jovem do século XXI é visto como livre, bem informado, “antenado” com os acontecimentos, mas as pesquisas mostram que
quando o assunto é sexo há muitas dúvidas e conflitos. Desde dúvidas específicas sobre questões biológicas, como as doenças sexualmente
transmissíveis, até conflitos sobre os valores e as atitudes que devem tomar em determinadas situações.
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos

Apesar de iniciarem a vida sexual mais cedo, os jovens não têm informações e orientações suficientes. A mídia, salvo exceções,
contribui para a desinformação sobre sexo e a deturpação de valores. A superbanalização de assuntos relacionados à sexualidade e das
relações afetivas gera dúvidas e atitudes precipitadas. Isso pode levar muitos jovens a se relacionarem de fonna conflituosa com os outros e
também com a própria sexualidade.
Existe muita preocupação por parte dos jovens em entrar em um padrão. Tanto meninas quando meninos, ainda reproduzem o
comportamento machista de anos atrás. Para a professora Ana Cláudia as garotas ainda sonham com um “príncipe encantado” (que seja um
bom partido: fiel e bem sucedido na vida) e os garotos com uma “bela princesa” (que seja adequada aos padrões de beleza física, com
indícios de mna futura boa dona de casa e mãe de família, mesmo que possa almejar o mercado de trabalho). Essas expectativas retratam
detenninadas características, que só reproduzem a repressão e o machismo, que atualmente se encontra mascarado.
Os jovens, de maneira geral, ainda se preocupam em seguir padrões de comportamento. Ana Cláudia ressalta que ainda que sociedade
imponha certo tipo de comportamento sexual e afetivo considerado normal, o que dever ser levado em conta é o bem estar de cada um.
Enfim, hoje existe uma aparente liberdade sexual. Ao mesmo tempo em que as pessoas são, em comparações há anos anteriores, mais
livres para fazer escolhas no campo afetivo e sexual, ainda há muita cobrança por parte da sociedade, e esta cobrança acaba sendo
internalizada, e assim as pessoas acabam assumindo comportamentos e valores adotados pela maioria.
Apesar da necessária identificação com o grupo, para que nos reconheçamos no outro, todos nós temos as nossas individualidades que
devem ser respeitadas. Devemos refletir que nossas atitudes refletem nossa história pessoal de educação sexual, repleta de valores e
concepções. Parece arriscado assumir comportamentos apenas para seguir os padrões, por considera-los certos, sem refletir sobre eles.
Seria melhor se vivéssemos de acordo com nossos valores, mas sempre tendo consciência das responsabilidades das escolhas que fazemos,
não só durante a juventude, mas ao longo de toda a vida. Você já pensou sobre isso? (Texto adaptado de MAIA, A. C.B.).
4 TEORIAS DO CURRÍCULO.
Princípios básicos de currículo e ensino
Ao entender educação como um processo que consiste em modificar padrões de comportamento das pessoas, Tyler compreende o
currículo como o conjunto de objetivos educacionais e conteúdos que visam desenvolver determinados comportamentos, os quais se
delineiam a partir dos objetivos e se concretizam a partir dos conteúdos. A partir destes pressupostos defendidos pelo autor, este texto visa
discorrer sobre os argumentos e exemplos utilizados na obra de Tyler, Princípios Básicos de Currículo e Ensino, os quais compõem um
arcabouço teórico que se propõe a servir como referencial na elaboração de currículos eficazes.
O autor compreende como essencial a definição dos objetivos educacionais coerentes a cada projeto educacional. Por isso, ele inicia
com uma exposição sobre fontes para a construção de tais objetivos. Tyler acredita que é possível realizar pesquisas que forneçam
informações e conhecimentos úteis na decisão a respeito de objetivos educacionais. Assim, o autor apresenta três fontes (estudos dos
próprios alunos, da vida contemporânea fora da escola e dos conhecimentos científicos acumulados, representados pelas sugestões
fornecidas por especialistas em disciplinas) que podem ser utilizadas para obter informações que sejam satisfatórias nesse sentido. Para
isso, o autor expõe brevemente que tipos de informação podem ser obtidos de cada uma dessas fontes e como essas informações podem
sugerir objetivos educacionais significativos.
A primeira fonte destacada, um estudo dos próprios alunos, procuraria identificar as mudanças necessárias nos padrões de com-
portamento dos estudantes que competiría à educação produzir.
Desse modo, esses estudos devem investigar quais as necessidades/carências e os interesses dos alunos. Pois, os esforços da escola
devem ser focados, particularmente, em falhas sérias no desenvolvimento atual dos estudantes e não reproduzir experiências educacionais
já fornecidas de uma fonna adequada fora desta. Assim, a escola pode dar motivação e significado às suas próprias atividades, oferecendo
aos alunos meios de atenderem as necessidades que não foram devidamente satisfeitas fora desta. E também porque, a educação é um
processo ativo, que envolve os esforços ativos dos próprios alunos. Geralmente, estes só aprendem aquelas coisas que fazem. Portanto, se
as situações escolares versam sobre assuntos de interesse do aluno, ele participará ativamente dessas situações e aprenderá a lidá-las com
eficiência.
Porém, Tyler afirma que, embora esses estudos sejam úteis, não há uma fórmula única para inferir objetivos educacionais dos dados
sobre alunos, o que pode resultar em várias interpretações possíveis; ou seja, a filosofia de vida e de educação que orienta o professor influi
na interpretação dos dados dessa espécie. Dessa fonna, segundo o autor, fica evidente que os objetivos não são identificados
automaticamente pela coleta de infonnações sobre os estudantes. Além disso, ainda sobre esses estudos, ele sugere que o professor, ao
derivar objetivos de estudo das necessidades dos alunos, deve identificar as implicações relevantes aos objetivos educacionais e não
confundi-las com aquelas que não se relacionam ao alcance da educação.

MOVIA, Didatismo e Conhecimento


Moun
A segunda fonte, estudos da vida contemporânea, é considerada importante para derivação de objetivos educacionais, porque, ao focar
os esforços da educação sobre aspectos essenciais da vida e sobre aqueles aspectos que têm importância atualmente, não ocorrería
desperdício do tempo dos alunos na aprendizagem de coisas que eram importantes tempos atrás, mas que já não têm significação hoje, ao
mesmo tempo em que se identificaria as áreas da vida que são importantes agora e que não são oferecidas pelas escolas. Além disso, o
aluno teria muito mais chance de aplicar a sua aprendizagem, quando reconhecesse a semelhança entre as situações encontradas na vida e
as situações em que ocorreu a aprendizagem.
No entanto, Tyler destaca várias críticas que são feitas a esses estudos. Segundo ele, a identificação das atividades contemporâneas
não indica, por si mesma, a desejabilidade das mesmas. Isto pelo fato de a vida estar em contínua transformação, preparar os alunos para
resolver os problemas de hoje é tomá-los incapazes de fazer frente aos problemas que encontrarão como adultos, pois estes terão mudando;
entre outras. Em geral, de acordo com o autor, essas críticas se aplicam à derivação de objetivos unicamente a partir desses estudos, o que
não aconteceria se os objetivos fossem derivados em conjunto com outras fontes.
A terceira fonte, sugestões sobre objetivos, fornecidos por especialistas em disciplinas, é a mais usada em escolas e faculdades típicas,
de acordo com Tyler. Os livros e textos escolares e universitários são geralmente escritos por especialistas na matéria e refletem, em
grande parte, as opiniões desses especialistas. O autor afirma que muitas críticas têm sido feitas à adoção dessas sugestões, porque os
objetivos que eles propõem são demasiado técnicos e especializados, ou inadequados, sob outros pontos de vista, a um grande número de
alunos.
Ele acredita ser provável que a inadequação de muitas listas de objetivos sugeridos por esses especialistas provenha de não terem feito
a estes as perguntas apropriadas, como por exemplo, “Com que pode contribuir a sua disciplina para a educação de jovens que não se
destinam a ser especialistas no seu campo; qual pode ser a contribuição da sua disciplina para o leigo, o cidadão comum?
Tyler também ressalta que os relatórios mais recentes sobre currículos indicam que os especialistas em disciplinas podem fazer
sugestões de muito proveito em resposta a essa pergunta. Ele cita os relatórios de grupos de inglês, literatura, de ciências e de artes
plásticas. De acordo com o autor, geralmente, duas espécies de sugestões podem ser obtidas desses relatórios no que se relaciona aos
objetivos: mna lista de sugestões sobre as funções amplas que uma determinada matéria pode desempenhar e outra que diz respeito a
contribuições particulares que uma disciplina pode trazer para outras grandes funções educacionais e que talvez não sejam consideradas
como funções exclusivas da disciplina em causa.
O posicionamento de Tyler é claro quando afirma que nenhuma fonte pode ser exclusiva na definição dos objetivos educacionais, pois
nenhuma fonte isolada de informação é adequada para fornecer uma base para decisões amplas e criteriosas sobre objetivos educacionais.
Ele defende a necessidade de dar a cada uma das fontes alguma consideração no planejamento de qualquer programa curricular que
procure ser tão completo quanto possível, ou seja, todas elas devem auxiliar na composição dos objetivos.
No entanto, como todos os métodos utilizados em cada uma das fontes resultam em um número muito grande de sugestões, é
necessário, como crivo, mna base filosófica da instituição educacional que determina o que é essencial para os pressupostos educativos e
uma orientação psicológica que distingue o que é possível ou não de se atingir no processo de aprendizagem de determinados grupos; ou
seja, quais as metas que são atingíveis. Uma vez definidos os objetivos educacionais, elencam-se os conteúdos e temas a serem
desenvolvidos, os quais tendem a corresponder, no processo pedagógico, de forma mais eficaz, para alcançar o comportamento desejável,
que será avaliado por uma série de métodos e procedimentos tão complexos quanto aqueles realizados para construir os objetivos.
Dessa forma, os objetivos educacionais são o ponto de partida e de chegada da avaliação. De um lado, os objetivos definem as formas
de avaliação, de outro estas formas de avaliação analisam em que medida estes objetivos estão sendo alcançados. Vale ressaltar que o autor
aponta a avaliação como instrumento para averiguar de que forma os planos de experiências de aprendizagem (que foram construídos com
base nos objetivos educacionais e conteúdos definidos por estes) estão conseguindo funcionar como “guias para obtenção dos resultados
desejados” (TYLER, 1979). Dessa forma, a avaliação visa “medir” o processo de desenvolvimento do aluno no período de início ao
término das experiências de aprendizagens previstas. Para Tyler, só assim será possível identificar as modificações ocorridas.
Tendo em vista que os objetivos educacionais apontam para o desenvolvimento de comportamentos desejáveis e que tais com-
portamentos envolvem pensamento, sentimento e ação, não é possível utilizar um único instrumento de avaliação. Nesse ponto, Tyler se
distancia da avaliação como conjunto de testes e exames, unicamente.
Embora, sem descartar estas formas de avaliação, o autor acrescenta também instrumentos de avaliação como observação de
comportamentos diários, como de alimentação, uso dos espaços da escola (biblioteca, sala de artes, laboratórios, etc.), relações sociais no
âmbito escolar, entrevistas, questionários, amostragens e produções em sala de aula. Os métodos podem ser tão variados quanto forem os
objetivos educacionais.
Diante da proposição do autor sobre a função da avaliação no processo educativo, de um lado, ressaltamos duas questões que
entendemos como positivas: a compreensão de avaliação como um processo e não apenas resultado, e a valorização de variados ins-
trumentos de avaliação. Esta postura frente à avaliação permite o acompanhamento do processo de aprendizagem do aluno, da mesma
forma que permite ao mesmo ser avaliado não apenas sob um aspecto, democratizando as formas de expressão de sua aprendizagem.
Por outro lado, questionamos o objetivo da avaliação frente ao processo educativo. A nosso ver, a avaliação está centrada no aluno e na
metodologia, tendo como norte os objetivos educacionais, o que abre pouco espaço para repensar os objetivos educacionais e conteúdos
traçados para o processo educativo.
O autor defende a ideia de que os objetivos educacionais, cerne do currículo, devam estar relacionados diretamente ao comportamento
desejado. Analisa o comportamento sob o aspecto lato, ou seja, pensamento, sentimento e ação. O currículo visto assim é entendido como
uma organização estabelecida e direcionada, com intenções definidas e claras. Pode-se perceber uma ideia de currículo extremamente
ligada a uma preocupação: ele é incisivo na definição dos objetivos. Embora defenda que tais objetivos sejam construídos a partir de
diversas fontes, estes serão o resultado do crivo de mn “elaborador”, que à luz de sua neutralidade e cientifi- cidade irá apontar quais os
objetivos mais adequados para determinado projeto educacional.
Sua obra escrita, no contexto da racionalidade e do positivismo, evidencia várias lacunas de reflexão, como por exemplo, uma
discussão de classes, sujeitos e poder. Poderiamos nos perguntar: de que sujeito e experiências, Tyler se refere? Por tratar-se de um
contexto histórico e social, onde as relações são pautadas por teorias positivistas, e o autor emerge deste tempo, sua definição de
comportamento desejado, parece ser um sujeito submergido em uma ordem histórica, econômica e social de uma sociedade linear e que
deseja o sucesso do progresso. Uma obra clássica, mas, não podemos nos esquecer que o autor é um sujeito de seu tempo e de sua História.
Devemos pensar o quanto ainda trazemos em nossa concepção curricular, mesmo no tempo presente, o currículo como objetivo já
definido e que os educadores (as) são instrumentos de sua operacionalização. Uma reflexão para uma escola que não consegue distanciar-
se da racionalidade e que deseja sujeitos preparados para a construção de uma sociedade, que busca sempre o progresso. Devemos nos
indagar: que progresso? Que escola? Que sujeitos?
Entendemos que a constituição desse arcabouço teórico que visa colaborar no desenvolvimento de currículos eficazes possui uma
orientação positivista do conhecimento da realidade. Como exemplo, na fase da avaliação, utiliza-se levantamento de dados, variáveis,
verificação, medida, amostragem, entre outros. E, como essa corrente filosófica aposta na neutralidade científica, aqueles que a buscam
para construir os pressupostos educativos também propõem uma educação neutra na teoria, mas que na prática tenta modelar o
comportamento para uma adaptação às necessidades sociais vigentes, evitando, sempre quando possível, os conflitos gerados pelas
contradições imanentes dessa sociedade. Tal padronização do comportamento para uma harmonização social, toma-se evidente quando o
autor afirma ser “necessário passar pelo crivo a coleção heterogênea de objetivos que se obteve até agora, a fim de eliminar os menos
importantes e os contraditórios” (TYLER, 1979).
Mesmo oferecendo uma base teórica à elaboração de objetivos que visam uma educação comprometida com a democracia, esta não se
concretiza. Isso porque, a validade, principal categoria de análise da avaliação, “se aplica ao método e indica o grau em que um dispositivo
de avaliação realmente fornece evidências sobre o comportamento desejável” (TYLER, 1979). É uma educação que não permite escolhas,
o que fere os princípios democráticos, impedindo de que as pessoas sejam sujeitos de sua história e, quando o “instrumento tem muito
pouca objetividade ou fidedignidade, será necessário melhorá-lo” (TYLER, 1979). Isto é, será necessário ajustar melhor a fôrma.
Essa concepção de educação encontrou seu amadurecimento nesses últimos anos. O currículo e seus objetivos educacionais, que
anteriormente se desenvolvia nos contextos escolares, mesmo considerando seu método positivista, era uma possibilidade de pensar a
educação pelos próprios que a elaboravam, o que permitia alguns espaços para uma reflexão crítica. Atualmente, os métodos de elaboração
dos objetivos educacionais estão restritos a pequenos grupos de especialistas, muitos ligados a organizações políticas e econômicas, os
quais eram vistos com muita cautela pelos primeiros. Os professores passaram de elaboradores a meros executores de tarefas. (Texto
adaptado de DRABACH, N. P.; FRUET, F. S. O.; LUCIANO, C. L. P.; VELÁSQUEZ, C. D. C.).

4.1 ACESSO, PERMANÊNCIA E SUCESSO DO AL UNO NA ESCOLA.


O sucesso e a permanência do aluno fundamentados na Pedagogia Histórico-Crítica se consolidam com a apropriação do conhe-
cimento científico e cultural, de forma contextualizada, considerando para isto uma nova postura do professor como do aluno frente ao
processo de ensino e aprendizagem, por isso o docente precisa rever a prática pedagógica, visto que há contradição entre o que apregoa
teoricamente na pesquisa e o que realmente se efetiva em sala de aula. Na metodologia utilizada, evidenciaram-se as aulas expositivas,
tanto no parecer do aluno, quanto do docente, o que se contrapõe à didática defendida na Pedagogia Histórico-Crítica.

O professor parece ter consciência sobre as mudanças que ainda se fazem necessárias na sua prática pedagógica, porém, há influências
que acabam por interferir neste processo, como a falta de continuidade das Políticas Públicas na área educacional, a diversidade social,
cultural e econômica presente na sala de aula, recaindo no desinteresse do aluno pela aprendizagem.
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos

O aluno, por sua vez, relata ver a importância da escola e afirma estar aprendendo. O que então está faltando para que a permanência e
o sucesso sejam garantidos, visto que os dados estatísticos de evasão e reprovação divergem do que o aluno descreve? Neste contexto,
sugere-se maior envolvimento da família e do aluno nas atividades desenvolvidas pela escola. O processo é lento, mas só oportunizando
esta integração, onde a família e aluno possam interagir sobre a importância do conhecimento é que se saberá se o objetivo será atingido ou
não.
A Escola, enquanto instituição formadora, precisa assumir a responsabilidade de atuar na transformação e na busca do desenvol-
vimento dos sujeitos que dela fazem parte, assegurando a construção coletiva do Projeto Político Pedagógico, fazendo com que todos se
sintam co-responsáveis na concretização do que foi discutido e elaborado.
A escola desempenha um papel importante na construção da “nova” sociedade, elevando o nível de conhecimento e conscientização
de seus educandos e educadores, pois na sociedade em que vivemos, alicerçada nos marcos da contradição, todos os que vivem em tomo e
dentro dela, participam do processo em busca de uma sociedade justa e igualitária, assumida por todos que fazem parte, conforme afirma
Gadotti, (2000): “A escola precisa ter projeto, precisa de dados, precisa fazer sua própria inovação, planejar-se a médio e longo prazo,
fazer sua própria reestruturação curricular,... enfim ser cidadã. As mudanças que vêm de dentro das escolas são mais duradouras”
Quanto ao Governo, compete-lhe garantir as condições básicas para que a Escola Pública possa ser vista com qualidade, destinando os
recursos financeiros necessários à infraestrutura, bem como, promover a democratização no âmbito escolar, oportunizando a autonomia da
gestão escolar e investindo na formação dos profissionais. Dessa forma, atingir-se-á a organização do trabalho pedagógico, fundamentado
em princípios democráticos e comprometidos com uma escola que contemple as reais necessidades da sociedade.
Ciente das dificuldades na busca pelo êxito do aluno na aprendizagem, acredita-se que somente com o envolvimento dos que fazem
parte do cotidiano da escola é que se chegará ao sucesso. Por isso, compromissos e responsabilidades precisam ser assumidos
coletivamente, pois ninguém conseguirá mudar o quadro educacional atual, se não se retomar a concepção de que cada um precisa fazer a
sua parte de forma integrada, para que o todo tenha sucesso. (Texto adaptado de GUILHERME, M. A.).
4.2 GESTÃO DA APRENDIZAGEM.
A prática pedagógica reflexiva tem sido evidenciada como sendo de extrema importância na constituição do ser professor advindo de
todo o processo formativo onde o saber é vital, necessário e indispensável, frente aos novos desafios sócios educativos. O importante papel
que o professor exerce no sistema de ensino exige o reconhecimento de que este profissional necessita de uma formação continuada através
de capacitação, qualificação, aperfeiçoamento e antes de tudo, ter o propósito da reflexão inovadora, reelaborando continuamente suas
práticas docentes. Além disso, este profissional enfrenta grande desafio de se consolidar como profissional reflexivo frente às dificuldades
e aos obstáculos do cotidiano escolar, onde a base de sua prática é a sala de aula.
É evidente que este agente pedagógico constitui-se através do reconhecimento e da compreensão do próprio fazer e a possibilidade da
transformação da própria prática, sendo a reflexão entendida como um compromisso ético-social. Esta ideia de profissional docente supõe
o reconhecimento e a consciência nas ações, numa perspectiva de valores pessoais que sustentam a condição humana de analisar seus
erros, interrogando suas práticas de ensino, a fim de melhorá-las cotidianamente, tendo como compromisso pessoal, o pensamento voltado
a educação como “processo de humanização” (UTSUM, 2006). Perceber no ensino reflexivo, onde a condição ética é imprescindível nos
espaços de aprendizagem, implica uma prática “catalisadora” de melhores práticas, contemplando um ensino no sentido “de ensinar, de
educar, de formar, de construir, enfim, de viver”. (UTSUM, 2006).
O compromisso ético-social tem de ser discutido e classificado, não só como processo, e sim, como ação reflexivo-transfonnado- ra,
pois, não é qualquer pensamento sobre a prática ou ação, pode-se dizer que é reflexiva. Deve-se assumir e levar em conta que, este
pensamento reflexivo “tem subjacente uma avaliação continua de crenças, de princípios e de hipóteses” (OLIVEIRA, 2009). Nessa
perspectiva, a prática pedagógica aponta para mudanças, transformando o professor num profissional reflexivo dentro da complexidade do
trabalho docente, frente às incertezas pedagógicas cotidianas. Assim, em um primeiro momento discorreremos sobre os desafios do
docente como profissional reflexivo, pressupondo a respeito da nova realidade de onde está, requer o comprometimento e a redefinição nas
ações reflexivas, de forma persistente e cuidadosa, tendo a docente consciência de seu papel, acrescentando a isso, o princípio da dialogia
reflexivo-transfonnadora. A seguir, destacaremos a questão do perfil conceituai inerente à profissão docente do profissional reflexivo,
apontando para a necessidade de um docente estudioso, que objetiva reestruturar estratégias de ação-reflexão-ação, possibilitando uma
análise, de forma crítica, numa dialogia entre a realidade da política profissional e o contexto social.

Os desafios do professor como profissional reflexivo


A ação reflexiva no processo de ensino e aprendizagem nos remete identificar a importância e os novos desafios que predominam na
prática onde o profissional consiga dar respostas às situações que emergem no dia-a-dia, criando um repertório de soluções às situações
complexas no cotidiano escolar.
A tenninologia “desafio”, dentro do contexto educacional, remete-nos a busca e a superação de limites previamente impostos e que
precisam ser superados onde exige um grande esforço de ações que atendam as exigências de um mundo contemporâneo, objetivando
potencializar os saberes docentes e discentes.

MOVIA, Didatismo e Conhecimento


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EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da educação Nacional (LDB, nos tennos do inciso II, artigo 67) cita o direito de aper-
feiçoamento profissional continuado.
O que se tem observado é que esta preocupação, muitas vezes, só é sentida pelo docente na fonna de cumprir com “status de obri-
gação” (KRAHE, WIELEWICKI, 2008) em decorrência das exigências institucionais transfonnando assim o professor um “refém”, de
uma necessidade fonnativa. Acrescenta a isso que a fonna como esta fonnação vem sendo conduzida coloca o professor nmn papel
secundário seja “... pela rigidez dos currículos ou pela lógica avaliativa que confina o professor a uma condição passiva” (KRAHE,
WIELEWICKI, 2008), no que diz respeito às definições curriculares.
E citando Zeiclmer onde este afinna que para haverem “mudanças” na prática, o docente terá que aceitar e entender “como sendo suas
próprias” (Ibidem). Na busca de construir-se, como docente reflexivo, não existe uma receita para se definir o “bom professor”, é preciso
ter consciência e saber enfrentar o desafio docente, onde Zeiclmer afirma que para haverem “mudanças na prática, o professor terá de
aceitar e entender como sendo suas próprias” (KRAHE, WIELEWICKI, 2008), na intenção de compreender o processo de autoconstrução
do saber como instrumento de desenvolvimento do pensamento e da ação. Acrescenta que, para o professor empreender mudanças como
sendo suas Zeichmer aponta quatro problemas os quais podem explicar a dificuldade que a prática reflexiva enfrenta para a promoção dos
avanços no desenvolvimento profissional do docente “reflexão com a conotação de auxiliar o professor a replicar em sua prática aquilo que
a pesquisa acadêmica contempla como válido e adequado [...] a limitação do processo reflexivo para levar em conta as habilidades,
competências e vivências do professor [...] a falta de consideração dos aspectos ou condições sociais da escolarização [...] a insuficiente
ênfase no discurso da prática reflexiva que tipifique a reflexão como prática social” (KRAHE, WIELEWICKI, 2008).
Nesta perspectiva, apesar de tennos clareza das incertezas e das profundas transfonnações, a “fonte” da aprendizagem do docente está
na sua incessante e incansável atualização, este exercício possibilita ao mesmo, tomar-se qualificado transfonnando sua prática em
constante construção do conhecimento como bem disse Benincá “a prática pedagógica é o objeto de investigação e uma fonte de
conhecimento” (BENINCÁ, 2004). Sendo assim é fundamental “não perder de vista os espaços institucionalizados de atuação e enxergar
seu potencial!” (KRAHE, WIELEWICKI, 2008).
As “luzes’ que podem aclarar caminhos seguros para enfrentar os problemas que se apresentam frente ao grande desafio de uma
educação de qualidade serão na formação continuada do profissional de educação, na ação reflexiva, no comprometimento individual, na
participação ativa no ato e no processo da construção dialógica do conhecimento, na valorização do profissional cidadão, na não
banalização do ensino por parte dos órgãos governamentais.
Tenho a concepção real de que o ser humano é finito e, inacabado em relação à prática pedagógica. Assim sendo, precisa-se ter
consciência que ao término da formação profissional, o docente não é possuidor da verdade e do conhecimento pleno, portanto, precisa
constantemente e continuamente buscar aprimoramento no ato de desenvolver suas habilidades pedagógicas “a pedagogia tradicional
compreende o ser humano como profissionalmente pronto a partir da diplomação” (BENINCÁ, 2004). Acrescente que “o saber é um
processo pennanente de construção [...] sua compreensão precisa de aprendizagem”.
Esta busca vem ao encontro de um ideal de educação, ideal este, que nos remete a pensarmos os modelos de fonnação docente, como
processo de aprendizagem o qual envolvem atos de desacomodação, de se abrir para o novo, de encarar os desafios no enfrentamento do
desconhecido, superando os medos, adotando um novo agir pedagógico, Benincá considera que na “pedagogia da práxis... requer a
transfonnação dos sujeitos nela envolvidos, por isso, gera medo” (BENINCÁ, 2004).
A insatisfação com a profissão docente, em todos os níveis é grande como é colocado por Selma Pimenta em seu texto-Professor
Reflexivo: construindo uma crítica, quando diz que “além dos salários considerados baixos, os docentes sentem “falta de didática” para
ensinar melhor e a perda crescente de seu status profissional na sociedade” (PIMENTA, 2005). A desmotivação não pode assim fazer parte
da rotina do docente, e, é preciso ter bem claro o seu papel enquanto educador, independendo de qualquer obstáculo.
Apontando a problematicidade desta situação, cabe neste momento a consciência de que a ação reflexiva é uma necessidade constante
para “... as transfonnações sociais” as quais “... irão gerar transfonnações no ensino” (ROBERTO, 2009).
Na busca de amenizar e/ou evitar o “caos”, é importante ressaltar que “a aprendizagem toma-se um elemento essencial durante toda a
vida do indivíduo” (DELORS, 2005). Dessa fonna as práticas de fonnação continuada devem ser o polo referencial das escolas.

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APCXTUAK PARA COhCLMOÇ PÚBLICOÇ

MOVIA, Didatismo e Conhecimento


Na concepção de Nóvoa, são indispensáveis duas competências para a prática do professor “a competência de organização, isto é, o
professor não é [...] um mero transmissor de conhecimento [...] é um organizador de aprendizagens [...] por via das novas realidades
virtuais”, em segundo “a competência da compreensão do conhecimento”, em que Nóvoa cita Bemard Shaw referindo-se a ação docente,
“quem sabe faz quem não sabe ensina” (NÓVOA, 2001). Nóvoa assim argumenta que para compreender o conhecimento “não basta deter
o conhecimento para o saber transmitir a alguém, é preciso compreender o conhecimento, ser capaz de reorganizar, ser capaz de reelaborá-
lo e de transformá-lo...” (NÓVOA, 2001).
Nesta perspectiva a concepção da qualihcação docente “precisa ser cada vez mais abrangente: o docente não precisa apenas de
‘didática’ e ‘metodologia’, ele precisa de uma fonnação que o construa como intelectual público [...] por meio de processos constantes de
aprendizagem em fonnação continuada” (PIMENTA, 2005). A efetivação deste processo de fonnação implica, não somente num ato
mecânico de adquirir conhecimento e ou saberes; o grande desaho está em compreender este conhecimento como produto histórico e
humano, onde construímos fonnas plurais de dialogar com o mundo.
Esta dialogia reporta para a importância da reflexão coletiva remetendo-a a reconstrução da prática individual docente. “Na dialética
do local/global [...] docente/intelectual/público” (PIMENTA, 2005).
Na acepção de Nóvoa “o aprender contínuo é essencial e se concentra em dois pilares: na própria pessoa, como agente, e a escola
como lugar de crescimento profissional pennanente [...] a fonnação continuada se dá de maneira coletiva e depende da experiência e da
reflexão como instrumentos contínuos...” (ROBERTO, 2009).
Isto requer então um repensar crítico perante a dimensão da condição reflexiva dialógica que viabilize a fonnação efetiva dos
envolvidos no processo. Na teoria do desenvolvimento intelectual Vygotsky “sustenta que todo conhecimento é construído socialmente, no
âmbito das relações”. Nóvoa afinna que “a troca de experiências e a partilha de saberes consolidam espaços de formação mútua...”
(ROBERTO, 2009).
Pode-se dizer então que o grande desafio do profissional em educação é a reflexão contínua e dialógica das suas práticas pedagógicas,
é estar disposto ao enfrentamento dos conflitos ideológicos internos e externos presente nas práticas dos processos educativos.
Professor reflexivo: o perfil conceituai inerente à profissão docente
Sabemos que o ato de “pensar” é mna capacidade inata a qual nos difere dos ditos, seres irracionais, já que o ato da reflexão necessita
de aprendizagem a qual nos impulsiona na melhoria das práticas profissionais docentes e nas demais esferas de convívio social.
Dentro desta mesma perspectiva “o pensar reflexivo abrange um estado de dúvida, hesitação, perplexidade, dificuldade mental e um
ato de pesquisa procura e inquietação” (UTSUMI, 2009), esta necessidade de buscar soluções para as dúvidas que se colocam de fonna
desafiadora, vem assim, como fator básico e orientador de todo o mecanismo da reflexão.
Esta busca constante é que projeta o profissional para que este se envolva em atividades de pesquisa, investigando o ato docente,
problematizando a realidade, levantando possibilidades na busca de respostas, através do ato reflexivo.
Nesta lógica não se pode conceber que haja mna separação entre o profissional que pensa e planeja e o outro que realiza o trabalho
pedagógico. Nessa perspectiva “o professor reflexivo como um ser humano criativo, capaz de pensar, analisar, questionar a sua prática a
fim de agir sobre ela e não como mn mero reprodutor de idéias e práticas [...] espera-se que o professor reflexivo seja capaz de atuar de
mna fonna mais autônoma, inteligente, flexível, buscando construir e reconstruir conhecimentos”. Diante disso, a prática docente reflexiva
requer mn profissional capaz de ser autor na construção e execução das suas ações pedagógicas.
E, prossegue citando Shon onde este “valoriza a prática profissional como momento de construção de conhecimento e esta se realiza
por meio da reflexão, análise e problematização”. Nóvoa julga que “através da troca de experiências, através da partilha - seja possível dar
origem a mna atitude reflexiva [...] A experiência é muito importante, mas a experiência de cada mn só se transfonna em conhecimento
através da análise sistemática das práticas” (NÓVOA, 2009).
Como bem disse Schon “a atuação do educador implica o conhecimento prático (saber- fazer), a reflexão-na-ação [...] e mna reflexão-
sobre-a-ação e sobre a reflexão-na-ação”.
Na concepção inerente ao professor pesquisador e reflexivo Nóvoa coloca que ambos fazem parte de mna mesma realidade e mn
mesmo objetivo em que “eles fazem parte de mn mesmo movimento de preocupação com mn professor que é mn professor indaga- dor,
que é mn professor que assume a sua própria realidade escolar como mn objeto de pesquisa, como mn objeto de reflexão, como objeto de
análise (NÓVOA, 2009).
Ao longo do tempo percebe-se mna cobrança cada vez maior do próprio docente com seu compromisso social e profissional; em
contra partida a isso, a sociedade espera e exige deste, além do exercício da sua prática, que gerencie o seu percurso profissional.
Ainda tem-se a concepção de que o docente exerce mna “missão”, onde de acordo com Nóvoa “... pede-se demais dos profissionais,
pede-se demais das escolas [...] as escolas valem o que vale a sociedade. Não podemos imaginar escolas extraordinárias, espantosas, onde
tudo funciona bem numa sociedade onde nada funciona” (NÓVOA, 2009). O grande paradoxo desta questão é que, é inaceitável e
insustentável que a sociedade projete na escola/docente, responsabilidades as quais não conseguem dar cabo. As tendências de
sobrecarregar os professores com “mn excesso de missões” (NÓVOA, 2009) onde a família sequer consegue cumprir com seu papel
primeiro na educação dos seus filhos.
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos

Creio não ser uma tentativa de justificar a ação da escola e do docente não reflexivo, perante os papéis sociais e profissionais exercido
por ambos: a questão é que em meio às condições colocadas no capítulo I, que trata do desafio do docente reflexivo, é importante
questionar se vivemos numa sociedade reflexiva, onde esta se coloca por vezes, na posição de algoz da instituição e do docente, acerca da
realidade escolar complexa, como reflexo de mna sociedade paradoxal.
Julgo poder dizer que a escola/educando tem de cumprir com sua função social, dialogando com a sociedade, consolidando suas
práticas reflexivas de fonna a comprometer todos os envolvidos, pais, alunos, colegas, sociedade, numa questão central que é o envol-
vimento, a cumplicidade, nos fundamentos de mna reflexão coletiva, indo em direção à emancipação do cidadão no processo humano da
constituição do saber. Ghedin coloca “a capacidade de questionamento e de auto questionamento é pressuposto para a reflexão [...] onde o
individualismo” (GHEDIN, 2009) vem em contraposição aos idéias de transformação e mudança social na ação reflexiva.
Refletir criticamente significa então colocar-se no contexto das ações como atores nas práticas institucionalizadas da educação. Em
face de tais observações, o universo escolar tem de se organizar de modo a criar condições para a prática reflexiva individual e coletiva, a
fim de melhorar as práticas cotidianas do ensino, com competência e consciência profissional em uma sociedade complexa. Nesse sentido
Ghedin diz que “os professores não estão à margem da discussão pública sobre a finalidade do ensino e sua organização [...] se encontram
no meio das contradições presentes na sociedade” (GHEDIN, 2009).
Se a sociedade vai se modificando, os aspectos voltados à cultura e educação devem pela lógica, acompanhar estas transformações
para atender ao propósito social. A instituição educacional, neste sentido deveria investir na qualificação dos seus profissionais. A
fonnação e a qualificação docente oferecidas, muitas vezes, vêm de encontro às exigências sócias educacionais, dentro de um contexto
contemporâneo.
A efetivação de mna resposta que não vem deixa a questão com um grande desafio ao docente que necessita de uma fonnação
qualificada como possibilidade transfonnadora onde lhe resta educar seu alunado como cidadãos críticos ativos e comprometidos na
construção de mna vida individual e pública digna de ser vivida (CONTRERAS, Apud, GHEDIN, 2009). A ação crítica e reflexiva
concebe colocar-se como agente de todo o processo de construção humana.
Contudo, este texto teve a pretensão de suscitar não somente o debate, mas, principalmente, a consolidação de práticas que efetivem a
construção e a realização de ações transfonnadoras advindas ao encontro da consciência dos valores e significados ideológicos na atuação
docente através das práticas reflexivas na construção do saber docente. O que sugere um professor crítico da ação e fonnação profissional.
Esta ação emancipadora das fonnas e do pensamento prático educativo tem sua vertente nos processos de fonnação e nos processos
contínuos de descoberta e redescoberta destas ações transfonnadoras, nmna postma crítica diante do seu fazer docente tendo como eixo
central a “reflexão na ação e a ação reflexiva”.
Neste processo, o professor tem papel decisivo, enquanto profissional deve possibilitar e conduzir à reflexão exercendo seu papel de
líder na preparação dos educandos, objetivando a fonnação de cidadãos ativos e críticos em que “o professor tem um papel decisivo: tem o
poder de se comunicar [...] um porta voz de princípios, conceitos e hábitos [...] deixa o papel de mero infonnante e passa a interagir com o
aluno, construindo junto o conhecimento e o saber” (BENINCÁ, 2004). Acrescentando a isso, faz-se necessário o rompimento das
“amanas” da “zona de conforto”, onde os modelos metodológicos ultrapassados vêm, por comprometer um ensino de qualidade, onde o
grande fantasma dos docentes são as pressões e os rótulos pré-estabelecidos que acabem por engessá-los, fazendo com que permaneçam
executando mna prática pedagógica distante da dialogia, ação-reflexão-ação, através do conhecimento cientifico e da prática cotidiana,
referindo-se a isso Benincá aponta que ”é preciso rever posições, revisar roteiros, romper os quadros esquemáticos que relegam nossa
prática a um status submisso aos chavões advindos do senso- comum”(BENINCÁ, 2004). (Texto de adaptado de CASTELLI, M. D. B.).
4.3 PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL.
Planejar para construir o ensino
Em mna sala de aula, durante a fala do professor, um aluno fonnula uma pergunta. O professor ouve atentamente e se vê diante de um
dilema: O que fazer? Responder a pergunta objetivamente e continuar a exposição? Anotar a questão no quadro e dizer que responderá ao
terminar o que está expondo? Anotar a pergunta e pedir a toda classe que pense na resposta? Solicitar ao aluno que anote a pergunta e a
repita ao final da exposição? Qual a conduta mais correta?
Escolher uma resposta adequada depende de vários fatores que devem ser considerados pelo professor. Entre eles, se a pergunta
contribui para o desenvolvimento da atividade de ensino e aprendizagem naquele momento, ou ainda se existe pertinência em relação ao
conteúdo em jogo na atividade.
A pergunta pode evidenciar um nível de compreensão conceituai mais elaborado de um aluno se comparado à maioria da classe.
Respondê-la naquele momento transformaria a aula em uma conversa entre o professor e aquele aluno, que dificilmente seria acompanhada
pelos demais. Pode também revelar uma criança ou jovem com dificuldade de compreender o conceito em questão, o que sugere algum
tipo de atenção mais individualizada. É possível concluir ainda que a questão seria uma ótima atividade de aprendizagem em um momento
posterior, quando certos aspectos do conteúdo já estiverem esclarecidos.

MOVIA, Didatismo e Conhecimento


Moun
Planejar: coerência para as ações educativas
O professor tem um papel fundamental de coordenar o processo de ensino e aprendizagem da sua classe. “É preciso organizar todas as
suas ações em tomo da educação de seus alunos. Ou seja, promover o crescimento de todos eles em relação à compreensão do mundo e à
participação na sociedade”. Para isso, ele precisa ter claro quais são as intenções educativas que presidem esta ou aquela atividade
proposta. Na verdade, ele precisa saber que atitudes, habilidades, conceitos, espera que seus alunos desenvolvam ao final de um período
letivo.
Certamente isso significa fazer opções quanto aos conteúdos, às atividades, ao modo como elas serão desenvolvidas, distribuir o
tempo adequadamente, assim como fazer escolhas a respeito da avaliação pretendida. Se essas intenções estiverem claras, as respostas a
esta ou àquela pergunta ou a diferentes situações do cotidiano de uma sala de aula serão mais coerentes com os objetivos e propósitos
definidos.
O Planejamento do Ensino tem como principal função garantir a coerência entre as atividades que o professor faz com seus alunos e as
aprendizagens que pretende proporcionar a eles.
Planejamento de Ensino
Em muitos casos, quando o professor atua junto à sua classe sem ter refletido sobre a atividade que está em desenvolvimento, sem ter
registrado de alguma forma suas intenções educativas, a atividade pode se revelar contraditória com os objetivos educativos que levaram o
professor a selecioná-la.
Esse tipo de contradição é muito mais comum do que parece. No ensino da leitura, por exemplo, é frequente o professor exigir de um
aluno uma leitura em voz alta de um texto que o próprio aluno lerá pela primeira vez. Logo após essa leitura, o professor pede que ele
comente o que leu, ou faça mu resumo. Faz perguntas sobre as informações contidas no texto e pede-lhe que relacione idéias com outras
anteriormente tratadas em classe. Geralmente, os professores que propõem essa atividade a seus alunos dizem que ela tem o objetivo de
desenvolver a capacidade de ler e interpretar um texto. Mas esses professores se esquecem de que, para ler em voz alta, principalmente mu
texto que está sendo lido pela primeira vez, a atenção do leitor volta-se para a emissão da voz, a entonação, os cuidados com a pontuação.
Ou seja, o leitor, nessas ocasiões, preocupa-se em garantir a audição de sua leitura, não a compreensão lógica e conceituai do que está
lendo.
Já mna leitura voltada à compreensão de mu texto deve ser silenciosa, visando o entendimento dos raciocínios e, por isso, com idas e
vindas constantes. Se um parágrafo apresenta uma ideia mais difícil, pode-se lê-lo várias vezes. Se mna palavra tem significado
desconhecido, usa-se o dicionário. A leitura em voz alta é contraditória com uma leitura voltada ao estudo, à confecção de um resmno do
texto. A atividade proposta pelo professor fica comprometida por essa contradição.
Quem faz o planejamento
O planejamento é um trabalho individual e de equipe
A elaboração do Planejamento do Ensino é uma tarefa que cada professor deve realizar tendo em vista o conjunto de alunos de uma
determinada classe, sendo, por isso, intransferível. O ideal é desenvolver esse Planejamento em cooperação com os demais professores,
com a ajuda da coordenação pedagógica e mesmo da direção da escola, mas cada professor deve ser o autor de seu Planejamento do
Ensino. Quantas vezes nós, professores, ouvimos um aluno perguntar: - Professor, por que a gente precisa saber isso? Quantas vezes, no
tempo em que éramos alunos, fizemos essa mesma pergunta a nossos professores, sem nunca obter uma resposta satisfatória?
Flexibilidade
Vale lembrar que nenhum Planejamento deve ser uma camisa-de-força para o professor. Existem situações da vida dos alunos, da
escola, do município, do país e do mundo que não podem ser desprezadas no cotidiano escolar e, por vezes, elas têm tamanha importância
que justificam por si adequações no Planejamento do Ensino.
No processo de desenvolvimento do ensino e da aprendizagem, novos conteúdos e objetivos podem entrar em jogo; outros, escolhidos
na elaboração do plano, podem ser retirados ou adiados. É aconselhável que o professor reflita sobre suas decisões durante e após as
atividades, registrando suas idéias, que serão uma das fontes de informação para melhor avaliar as aprendizagens dos alunos e decidir
sobre que caminhos tomar.
Além disso, as pessoas aprendem o mesmo conteúdo de formas diferentes; portanto, o Planejamento do Ensino é mn orientador da
prática pedagógica e não mn “ditador de ritmo”, no qual todos os alunos devem seguir uniformemente. Ao longo do ano letivo e a partir
das avaliações, algumas atividades podem se mostrar inadequadas, e será necessário redirecionar e diversificá-las, rever os conteúdos,
fazer ajustes.
Registro
Registrar ajuda a avaliação.
Vale destacar que a forma de organizar o Planejamento do Ensino aqui apresentado é uma escolha. O importante é o professor ter
alguma forma de registro de suas intenções, procurando agir pedagogicamente de forma coerente com os objetivos específicos e gerais
traçados no Projeto de Escola e em seu Planejamento do Ensino. A forma como cada professor registra seu Planejamento não deve ser fixa,
para que cada profissional possa fazê-lo da forma como se sente melhor.
Mas, se um educador deseja ser um profissional reflexivo, que pensa criticamente sobre sua prática pedagógica e se desenvolve
profissionalmente com esse processo, ele precisa registrar seu Planejamento do Ensino.
Redigir o projeto não é uma simples formalidade administrativa. É a tradução do processo coletivo de sua elaboração [...]. Deve
resultar em um documento simples, completo, claro, preciso, que constituirá um recurso importante para seu acompanhamento e avaliação.
Componentes do planejamento do ensino
O Planejamento do Ensino, chamado também de planejamento da ação pedagógica ou planejamento didático, deve explicitar:
- as intenções educativas - por meio dos conteúdos e dos objetivos educativos, ou das expectativas de aprendizagem;
- como esse ensino será orientado pelo professor - as atividades de ensino e aprendizagem que o professor seleciona para coordenar
em sala de aula, com o propósito de cumprir suas intenções educativas, o tempo necessário para desenvolvê-las;
- como será a avaliação desse processo.
Conteúdos e objetivos
Conteúdo é uma forma cultural, um tipo de conhecimento que a escola seleciona para ensinar a seus alunos. Informações, conceitos,
métodos, técnicas, procedimentos, valores, atitudes e normas são tipos diferentes de conteúdos. Informações, por exemplo, podem ser
aprendidas em uma atividade, já o algoritmo da multiplicação de números inteiros, que é um procedimento, não. Esse é um tipo de
conteúdo cuja aprendizagem envolve grandes intervalos de tempo e que necessita de atividades planejadas ao longo de meses, pelo menos.
Valores são conteúdos aprendidos nas relações humanas, ocorram elas no espaço escolar ou não. Muitas vezes, aprender um valor
pode significar também mudar de valor, o que toma o ensino e a aprendizagem de valores, e de atitudes também, um processo complexo,
que não se resolve apenas com a preparação de atividades localizadas. Em uma escola onde o respeito mútuo e o combate a qualquer tipo
de preconceito de gênero, de etnia ou de classe social estejam ausentes no dia-a-dia, não há como ensinar valores e atitudes por meio de
atividades ou “sérias conversas” sobre esses temas.
Os conteúdos do Planejamento do Ensino são aqueles que guiaram a escolha das atividades na elaboração do plano e são os conteúdos
em relação aos quais o professor tentará observar, e avaliar, como se desenvolvem as aprendizagens, pois isso não seria possível fazer com
relação a “todos” os conteúdos presentes na atividade.
Conteúdo do planejamento X Conteúdo das atividades
Em uma atividade de ensino e aprendizagem, os alunos trabalham com vários tipos de conteúdos ao mesmo tempo. Pensando sobre
um conceito de Matemática, os alunos podem estar mais ou menos mobilizados para essa ação, e a mobilização necessária pode ser fruto
de um valor anteriormente aprendido: são alunos que gostam do desafio de aprender, e que identificam na atividade problemas
interessantes que aguçam seu pensamento lógico.
Para resolver uma questão de História ou de Geografia, o aluno precisa mobilizar seus conhecimentos de leitura, lembrar dados e
relações que ele já aprendeu e que lhe permitam compreender a questão feita e pensar em possíveis respostas, ou em possíveis fontes para
obter informações ou esclarecer conceitos. Por fim, terá que mobilizar seus conhecimentos de escrita para redigir a resposta.
Durante uma atividade, alunos interagem com outros alunos e com o educador, e nessas relações inúmeros valores e atitudes entram
em jogo. Quando o professor, ao iniciar um debate, relembra as regras de participação com sua classe, está trabalhando conteúdos
atitudinais ainda que o debate seja sobre reprodução celular.
É preciso lembrar, ainda, que existem conteúdos, geralmente, valores ou atitudes, que são eleitos no Projeto de Escola, e que devem
ser trabalhados em todas as atividades de sala de aula, bem como em todas as relações pessoais ocorridas no espaço escolar. Respeito
mútuo e intolerância com qualquer tipo de discriminação étnica, de gênero ou classe social são dois exemplos desses conteúdos.
Objetivos
Os objetivos educativos do Planejamento do Ensino, também chamados objetivos didáticos ou específicos, ou ainda de expectativas
de aprendizagem, definem o que os professores desejam que seus alunos aprendam sobre os conteúdos selecionados. A forma tradicional
de redigir mn objetivo é utilizar a frase “ao final do conjunto de atividades, cada aluno deverá ser capaz de...”. Não há problema em definir
dessa forma os objetivos no Planejamento do Ensino, desde que os alunos não sejam obrigados a atingi-los todos ao mesmo tempo. É
possível definir esses objetivos descrevendo as expectativas de aprendizagem da forma que for mais fácil de compreendê-las.
Os objetivos educativos do Planejamento do Ensino são importantes porque muitos conteúdos, os conceitos científicos entre eles, são
aprendidos em processos que se complementam ao longo da escolaridade. Por exemplo, se um aluno das séries iniciais do Ensino
Fundamental afirmar que célula é uma “coisa” muito pequena que forma o corpo dos seres vivos, pode-se considerar que seu
conhecimento sobre o conceito de célula está em bom andamento. Mas, se esse for um aluno de la série do Ensino Médio, então, ele está
precisando aprender mais sobre esse conceito.
Os objetivos educativos do Planejamento do Ensino definem o grau de aprendizagem a que se quer chegar com o trabalho pedagógico.
São faróis, guias para os professores, mas não devem se tomar “trilhos fixos”, em sequências que se repetem independentemente da
aprendizagem de cada aluno.
Organização das atividades
Organizar as atividades:
A principal função do conjunto articulado de atividades de ensino e aprendizagem que devem compor o Planejamento do Ensino é
provocar nos alunos uma atividade mental construtiva em tomo de conteúdo(s) previamente selecionado(s), no Projeto de Escola, no
Planejamento do Ensino ou durante sua realização.
Ao escolher mna atividade de ensino e aprendizagem para desenvolver com seus alunos, o professor precisa considerar principalmente
a coerência entre suas intenções - explicitadas pelos conteúdos e objetivos - e as ações que vai propor a eles. Precisa também pensar em
como aquela atividade irá se articular com a(s) anterior (es) e com a(s) seguinte(s). Uma atividade que está iniciando o trabalho sobre um
ou mais conteúdos é muito diferente de uma atividade na qual os alunos estão discutindo um problema real, visto no jornal, por exemplo,
baseados em seus estudos anteriores sobre conceitos que estão em jogo no problema.
As atividades devem ser de acordo com aquilo que se quer ensinar, seja a curto, médio ou longo prazo. A diversidade é mna de suas
características principais: assistir a um filme, a mna peça teatral ou a um programa de TV; realizar produções em equipe; participar de
debates e praticar argumentação e contra argumentação; fazer leituras compartilhadas (em voz alta); práticas de laboratório; observações
em matas, campos, mangues, áreas urbanas e agrícolas; observações do céu; acompanhamento de processos de médio e longo prazo em
Biologia e Astronomia. Idas a museus, bibliotecas públicas, exposições de arte. Pesquisa em livros e revistas, com ou sem uso de
informática e Internet. Assistir a mna exposição por parte do professor.
Novamente, deve-se insistir no fato de que a sequência de atividades que compõe o Planejamento do Ensino deve levar em conta as
experiências dos próprios alunos no decorrer de cada atividade escolhida. Existem planos que se realizam quase integralmente, os que se
realizam em grande parte, ou aqueles que, simplesmente, precisam ser refeitos tendo como critério a avaliação da aprendizagem dos
alunos.
Avaliação continuada
A avaliação continuada, ou mediadora da aprendizagem, indispensável no Planejamento do Ensino, é o instrumento por meio do qual
o professor procura observar o desenvolvimento de seus alunos à medida que o processo de ensino e aprendizagem está em andamento.
Essa observação tem por objetivo regular as atuações do professor, ou seja, dar a ele informações para que seja possível decidir se o que
foi traçado no planejamento está correspondendo ao esperado ou não. Sendo que, no segundo caso, o professor precisa, então, refletir sobre
o que deve mudar para que as aprendizagens esperadas comecem a se realizar ou melhorem. É importante frisar que essa avaliação não tem
por objetivo dar nota aos alunos, mas sim regular o processo de ensino e aprendizagem.
Quando uma professora inicia seu trabalho em uma 2 a série e percebe que quase metade de seus alunos não consegue ler um pequeno
bilhete de boas-vindas que ela havia preparado, então, deve começar a pensar no que fazer imediatamente, ou seja, tem que pensar em
como irá articular as atividades de forma a proporcionar o desenvolvimento da leitura a todos os alunos, cada um partindo do estágio em
que se encontra.
Sempre que mn professor dá início ao trabalho com algum conteúdo, deve observar o que os alunos já sabem sobre esse conteúdo.
Essa avaliação pode ser chamada de inicial Mas ela não se refere ao início do ano ou do bimestre e, sim, ao início do trabalho
pedagógico com um determinado conteúdo. A avaliação inicial auxilia o professor a ajustar seu plano de ensino, principalmente con-
siderando as diferenças entre seus alunos no momento de desenvolver as atividades selecionadas no planejamento.

Quando um professor de Ciências descobre que seus alunos da 6a série não conseguem resolver problemas porque têm dificuldades de
leitura, deverá, então, colaborar com o desenvolvimento da competência leitora de seus alunos, ainda que trabalhando com textos
específicos de sua área, como por exemplo, de divulgação científica, textos expositivos ou argumentativos.
Ao refletirmos sobre a avaliação mediadora do ensino e da aprendizagem em sala de aula, explicitamos uma função importante do
Planejamento do Ensino: ser a referência que o professor utiliza para avaliar continuamente o processo de ensino e aprendizagem, com o
propósito de garantir as aprendizagens dos alunos naqueles conteúdos eleitos no Planejamento.

4.4AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL, DE DESEMPENHO E DE APRENDIZAGEM.


A avaliação se faz presente em todos os domínios da atividade humana. O “julgar”, o “comparar”, isto é, “o avaliar” faz parte de
nosso cotidiano, seja através das reflexões informais que orientam as frequentes opções do dia-a-dia ou, formalmente, através da reflexão
organizada e sistemática que define a tomada de decisões.
Como prática formalmente organizada e sistematizada, a avaliação no contexto escolar realiza-se segundo objetivos escolares
implícitos ou explícitos, que, por sua vez, refletem valores e normas sociais. Segundo Villas-Boas, as práticas avaliativas podem, pois,
servir à manutenção ou à transformação social. Ainda para a referida autora, a avaliação escolar não acontece em momentos isolados do
trabalho pedagógico; ela o inicia, permeia todo o processo e o conclui.
No entanto, em qualquer nível de ensino em que ocorra, a avaliação não existe e não opera por si mesma; está sempre a serviço de um
projeto ou de um conceito teórico, ou seja, é determinada pelas concepções que fundamentam a proposta de ensino, como afirma Caldeira
(2000):
A avaliação escolar é um meio e não um fim em si mesma; está delimitada por uma determinada teoria e por uma determinada prática
pedagógica. Ela não ocorre num vazio conceituai, mas está dimensionada por um modelo teórico de sociedade, de homem, de educação e,
consequentemente, de ensino e de aprendizagem, expresso na teoria e na prática pedagógica.
Essa ideia de que avaliar o processo de ensino e de aprendizagem não é uma atividade neutra ou destituída de intencionalidade nos faz
compreender que há um estatuto político e epistemológico que dá suporte a esse processo de ensinar e de aprender que acontece na prática
pedagógica na qual a avaliação se inscreve.
Sobre a importância dessa compreensão. Cunha (1998), que pesquisou as concepções de conhecimento que fundamentam a prática
pedagógica no ensino superior, afirma:
A compreensão de que a concepção de conhecimento preside a definição da prática pedagógica desenvolvida na Universidade foi
muito importante para ultrapassar a análise simplista, realizada sobre as regras didáticas aplicadas ao ensino superior. Compreender que
ensinar e aprender estão alicerçados numa concepção de mundo e de ciência facilitou uma visão mais global e elucidativa, especialmente
numa época em que a supremacia da ciência tem sido amplamente reconhecida.
Endossando essa mesma posição, Álvarez Méndez (2002), ao indagar a respeito do objetivo da avaliação, ou sobre o porquê e para
quê avaliar, sustenta que a resposta nos remete, necessariamente, ao sentido que tenha o conhecimento ou que a ele seja atribuído. Segundo
o autor, o conhecimento deve ser o referente teórico que dá sentido global ao processo de realizar uma avaliação, podendo diferir segundo
a percepção teórica que guia a avaliação. Aqui está o sentido e o significado da avaliação e, como substrato, o da educação.
Portanto, para esse autor, a avaliação está estritamente ligada à natureza do conhecimento, e uma vez reconhecida essa natureza, a
avaliação deverá ajustar-se a ela se quiser ser fiel e manter a coerência epistemológica.
Nessa direção, podemos partir do pressuposto de que a avaliação, como prática escolar, não é uma atividade neutra ou meramente
técnica, isto é, não se dá num vazio conceituai, mas é dimensionada por um modelo teórico de mundo, de ciência e de educação, traduzida
em prática pedagógica.
Um segundo pressuposto é que a prática de avaliação dos processos de ensino e de aprendizagem ocorre por meio da relação
pedagógica que envolve intencionalidades de ação, objetivadas em condutas, atitudes e habilidades dos atores envolvidos.

Na condição de avaliador desse processo, o professor interpreta e atribui sentidos e significados à avaliação escolar, produzindo
conhecimentos e representações a respeito da avaliação e acerca de seu papel como avaliador, com base em suas próprias concepções,
vivências e conhecimentos. Nesse sentido, uma avaliação espelha um juízo de valor, uma dada concepção de mundo e de educação, e por
isso vem impregnada de um olhar absolutamente intencional que revela quem é o educador quando interpreta os eventos da cena
pedagógica.
Considerando, então, essa condição do professor, como avaliador, de atribuir sentidos e significados à avaliação, cabe-nos questionar:
que concepções pedagógicas subjazem à atual prática de avaliação do processo de ensino e de aprendizagem no contexto escolar?
Para responder a essa indagação, nos propomos a resgatar o significado de avaliação nas concepções pedagógicas dominantes no
contexto escolar, a partir dos séculos XVI e XVII, quando surge a prática dos exames escolares e, em seguida, analisar em que medida tais
concepções se encontram, ainda hoje, presentes e dominantes, na atual prática de avaliação do processo de ensino e de aprendizagem no
contexto escolar.
As Concepções Pedagógicas que permeiam a avaliação no contexto escolar
Utilizaremos quatro categorias para a análise da relação entre concepções pedagógicas e os significados de avaliação.
Em um primeiro momento, situaremos os exames e as provas escolares como práticas de avaliação, utilizadas a partir do século XVI,
no que se convencionou chamar de “Pedagogia Tradicional”, da qual decorre a concepção de que avaliação e exame se equivalem. Em mn
segundo momento, analisaremos a concepção de avaliação como medida, que teve o seu auge com a denominada “Pedagogia Tecnicista”.
A seguir, passaremos à concepção da avaliação como instrumento para a classificação e regulação do desempenho do aluno. Finalmente,
em mn quarto momento, trataremos da concepção qualitativa da avaliação.
Examinar para Avaliar
Numa perspectiva diacrônica, podemos remontar às práticas de avaliação sob a fonna de exames e provas, usadas em colégios
católicos da Ordem Jesuítica e em escolas protestantes, a partir do século XVI. Confonne Luckesi (2003): a tradição dos exames escolares,
que conhecemos hoje, em nossas escolas, foi sistematizada nos séculos XVI e XVII, com as configurações da atividade pedagógica
produzidas pelos padres jesuítas (séc. XVI) e pelo Bispo John Amós Comênio (fim do séc. XVI e primeira metade do século XVII).
No entanto, há registros de que tal prática antecede a esse período, pois, na China, três mil anos antes de Cristo, já se usavam os
exames para selecionar homens para o exército. Todavia, os exames escolares, como praticados hoje em nossas escolas, foram
sistematizados com o advento da modernidade e sua consequente prática educativa.
A prática dos exames atinge o seu apogeu com a ascensão e consolidação da burguesia, mna vez que desprovida dos privilégios
garantidos por nascimento e da fortuna da aristocracia recorre ao trabalho e aos estudos como fonna de ascensão social. Contudo, toma-se
importante ressaltar que a introdução generalizada do exame de admissão para o serviço público foi um grande passo na democratização do
Estado e na configuração de mna sociedade meritocrática.
Mediante o desenvolvimento do modo de produção capitalista, o exame continuou a ser “mna das peças do sistema” e, nesse sentido,
Afonso (2000) sustenta:
É, portanto, ao longo do século XIX que se assiste à multiplicação de exames e diplomas, pondo em evidência o contínuo controle por
parte do Estado dos processos de certificação. Como Karl Marx observou, o exame passa a mediar as relações mais amplas da cultura com
o Estado, constituindo-se num vínculo objetivo entre o saber da sociedade civil e o saber do Estado.
Defendendo a tese de que, ainda hoje, na escola brasileira, pública e particular, do ensino básico ao superior, praticamos exames
escolares em vez de avaliação da aprendizagem, Luckesi, afirma: historicamente, passamos a denominar a prática de acompanhamento da
avaliação da aprendizagem do educando de “Avaliação da aprendizagem escolar”, mas, na verdade, continuamos a praticar “exames”. Por
essa razão, o autor denomina de Pedagogia do Exame essa prática que, segundo ele, ainda se faz presente em nossas escolas. Para esse
autor, também podemos verificar os resquícios dessa Pedagogia do Exame em algumas práticas nacionais de avaliação, tais como o Exame
Nacional do Ensino Médio - Enem e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior - Sinaes (o extinto “Provão”), e que, segundo
ele, mais reforçam a cultura do exame do que a cultura da avaliação.
Embora o autor reconheça a utilidade e a necessidade dos exames nas situações que exigem classificação, como os concursos, e
naquelas que requerem certificação de conhecimentos, para ele, a sala de aula é o lugar onde, em tennos de avaliação, deveria predominar
o diagnóstico como recurso de acompanhamento e reorientação da aprendizagem, em vez de predominarem os exames como recursos
classificatórios.
Essa breve análise a respeito da prática de exames possibilitou-nos identificar uma primeira concepção sobre a avaliação ainda
presente em nossas escolas, ou seja, a de que avaliar é examinar.
Outro conceito dominante é o de que avaliar é medir o desempenho e, nessa perspectiva, será discutido a seguir.
Medir para Avaliar
A concepção de avaliação como processo de medida teve sua origem no início do século XX, nos Estados Unidos, com os estudos de
Thomdike acerca dos testes educacionais. Tais estudos prosperaram muito e resultaram no desenvolvimento de testes padronizados para
medir habilidades e aptidões dos alunos. Paralelamente, há de se considerar, no início do século XX, a contribuição da Psicologia à
avaliação educacional. Essa contribuição pode ser vista sob dois ângulos. O primeiro diz respeito aos testes psicológicos, com base nos
estudos de Spennan, sobre a Psicometria, e de Binet e Simon (1905), que criaram o primeiro teste de inteligência para crianças e adultos.
Essa possibilidade de mensuração de comportamentos por meio de testes propiciou a expansão de uma cultura dos testes e medidas na
educação e, por essa razão. Dias Sobrinho (2003) afirma que, nas primeiras décadas do século passado, avaliar se confundia com medir:
Embora consideremos hoje importante distinguir avaliação e medida, naquele momento, esses tennos se tomavam um pelo outro. A
avaliação era eminentemente técnica, consistindo basicamente em testes de verificação, mensuração e quantificação de resultados.
O segundo ângulo por meio do qual se pode focalizar a contribuição da Psicologia à avaliação educacional refere-se aos estudos da
Psicologia Comportamental sobre a aprendizagem. Essa abordagem considera que a aprendizagem pode ser quantificada e, portanto,
medida. Tais estudos fundamentam a chamada Pedagogia Tecnicista.
A Pedagogia Tecnicista busca sua concepção de aprendizagem na psicologia comportamental. Esta sempre buscou adquirir o “status”
de ciência, libertando-se da introspecção e fundamentando-se na lógica científica dominante que lhe garantisse a objetividade das ciências
da natureza. Seu principal foco de preocupação são as mudanças comportamentais que possam ser cientificamente observadas, portanto,
quantificadas.
A ideia de avaliar, não só para medir mudanças comportamentais, mas também a aprendizagem, portanto para quantificar resultados,
encontra-se apoiada na racionalidade instrumental preconizada pelo Positivismo.
Coerente com essa visão de quantificação de resultados, a avaliação é conceituada como a sistemática de dados por meio da qual se
determinam as mudanças de comportamento do aluno e em que medida estas mudanças ocorrem. Portanto, ela visa a comprovar o
rendimento do aluno com base nos objetivos (comportamentos) predefinidos e, desse modo, a avaliação é reduzida à medida e separa o
processo de ensino de seu resultado.
Mas afinal o que é mna medida?
Segundo Hadji (2001), medir significa atribuir um número a um acontecimento ou a um objeto, de acordo com uma regra logicamente
aceitável.
Para esse autor, a ideia de que a avaliação é uma medida dos desempenhos dos alunos encontra-se fortemente enraizada na mente dos
professores e, frequentemente, na mente dos alunos, e a dificuldade para a superação dessa concepção reside na suposta “confiabilidade”
das medidas em educação e nos parâmetros “objetivos” utilizados pelos professores para atribuir notas às tarefas dos alunos:
Uma medida é objetiva no sentido de que, uma vez definida a unidade, deve-se ter sempre a mesma medida do mesmo fenômeno.
Certamente, um erro é sempre possível, devido às imperfeições da instrumentação, pois ele resulta então das condições de operacio-
nalização dos instrumentos. Ele provém da operação de medida. Por essa razão, pode ser calculado e, portanto, neutralizado.
Desse modo, para o referido autor, reduzir a avaliação à medida ou mais especificamente à prova implica aceitar a confiabilidade da
prova como instrumento de medida e desconsiderar que a subjetividade do avaliador pode interferir nos resultados da avaliação.
Em razão disso, ele nos alerta, registraremos aqui o fato de que hoje se sabe que a avaliação não é uma medida pelo simples fato de
que o avaliador não é um instrumento, e porque o que é avaliado não é um objeto no sentido imediato do tenno. Todos os professores-
avaliadores deveríam, portanto, ter compreendido definitivamente que a “nota verdadeira” quase não tem sentido.
Avaliar para Classificar ou para Regular
Uma das concepções mais tradicionais sobre a avaliação na escola refere-se à possibilidade de classificar o desempenho do aluno por
meio da avaliação.
Nessa perspectiva, Perrenoud (1999) declara:
A avaliação é tradicionalmente associada, na escola, à criação de hierarquias de excelência [grifo do autor]. Os alunos são comparados
e depois classificados em virtude de mna nonna de excelência, definida em absoluto ou encarnada pelo professor e pelos melhores alunos.
Para esse autor, outra função tradicional que a avaliação assume no contexto escolar é a certificação, isto é, o diploma garante que o
seu portador recebeu uma fonnação e, portanto, não necessita se submeter a novos exames.
Uma certificação fornece poucos detalhes dos saberes e competências adquiridos e do nível de domínio precisamente adquirido em
cada campo abrangido. Ela garante, sobretudo, que mn aluno sabe globalmente “o que é necessário saber” para passar para a série seguinte
no curso, ser admitido em uma habilitação ou começar uma profissão (...). A vantagem de uma certificação instituída é justamente a de não
precisar ser controlada ponto por ponto, de servir de passaporte para o emprego ou para uma formação posterior.
Segundo Perrenoud (1999), nossas práticas de avaliação são atravessadas por duas lógicas não necessariamente excludentes: a
fonnativa e a somativa.
No que se refere à lógica da avaliação somativa, Sordi (2001), apoiando-se em Perrenoud (1999), afirma:
Esta se relaciona mais ao produto demonstrado pelo aluno em situações previamente estipuladas e definidas pelo professor, e se
materializa na nota, objeto de desejo e sofrimento dos alunos, de suas famílias e até do próprio professor. Predomina nessa lógica o viés
burocrático que empobrece a aprendizagem, estimulando ações didáticas voltadas para o controle das atividades exercidas pelo aluno, mas
não necessariamente geradoras de conhecimento.
Já a outra lógica - a fonnativa - preocupa-se com o processo de apropriação dos saberes pelo aluno, os diferentes caminhos que
percorre, mediados pela intervenção ativa do professor, a fim de promover a regulação das aprendizagens, revertendo a eventual rota do
fracasso e reinserindo o aluno no processo educativo.
Assim, podemos depreender que a avaliação somativa apoia-se em uma lógica ou em uma concepção classificatória de avaliação cuja
função, ao final de uma unidade de estudos, semestre ou ano letivo, é a de verificar se houve aquisição de conhecimento.
Quanto a essa modalidade de avaliação, Azzi (2001) declara:
A avaliação que acontece ao final nos dá uma dimensão do significado e da relevância do trabalho realizado. Difundida nos meios
educacionais com a denominação de somativa, é sempre associada à ideia de classificação, aprovação e reprovação. Tal associação tem
sentido e não é errada em uma proposta que tenha esses objetivos. Nmna proposta que vise à inclusão do aluno, a avaliação final necessita
ser redimensionada, sem perder seu caráter de seriedade e rigor.
Com relação à avaliação fonnativa, Hadji (2001) sustenta que sua função principal é a de contribuir para uma boa regulação da
atividade de ensino (ou da fonnação, no sentido amplo). Trata-se, portanto, de levantar infonnações úteis à regulação do processo de
ensino-aprendizagem. Todavia, ele nos lembra: uma avaliação não precisa confonnar-se a nenhum padrão metodológico para ser fonnativa.
Nessa medida, observa-se que, na prática, essas lógicas convivem entre si. Para Sordi (200i), porém, a diferença reside na posição do
educador diante delas, ou seja, na coragem do professor em assumir a sua titularidade e sua autonomia na definição do que vale em
avaliação.
Avaliar para Qualificar
Como reação às concepções tecnicista e quantitativa da avaliação, segundo Saul (1988), a partir da década de 1960, surgem inúmeras
críticas sobre os modelos e práticas da avaliação em nossas escolas, verificando-se mn rápido desenvolvimento de enfoques de avaliação
alternativos, com pressupostos éticos, epistemológicos e teóricos bem diferentes. Nesse sentido, a autora se refere à busca de alternativa
para a avaliação escolar:
Produziu-se um acelerado desenvolvimento do interesse sobre a perspectiva chamada de avaliação “qualitativa”. Esse movimento
deveu-se em grande parte ao reconhecimento de que os testes padronizados de rendimento não ofereciam toda a informação necessária
para compreender o que os professores ensinavam e o que os alunos aprendem.
Caracteriza que na concepção qualitativa de avaliação há uma preocupação em compreender o significado de produtos complexos a
curto e a longo prazos, explícitos e ocultos, o que requer uma mudança de orientação, uma troca de polo: da ênfase nos produtos à ênfase
no processo.
Por essa razão, para a autora, a “avaliação qualitativa” passa a incorporar um conjunto de técnicas, orientações e pressupostos da
metodologia etnográfica, da investigação de campo.
Outra característica dessa avaliação é o delineamento flexível que permita um enfoque progressivo, isto é, a avaliação centrada em
processos é em si mesma mn processo que evolui em virtude de descobertas sucessivas e de transfonnações do contexto; supõe, então, um
enfoque seletivo e progressivo.
Na esteira de uma avaliação de cunho qualitativo, a autora propõe uma modalidade, por ela denominada de avaliação emanci- patória,
cujas três vertentes teórico-metodológicas são: a avaliação democrática; crítica institucional e criação coletiva; e a pesquisa participante.
Observamos, portanto, que essa proposta de avaliação qualitativa surgiu a partir da necessidade de uma revisão e ultrapassagem das
premissas epistemológicas até então vigentes. Demo (2004) declara: a avaliação qualitativa pretende ultrapassar a avaliação quantitativa,
sem dispensar esta. Entende que no espaço educativo os processos são mais relevantes que os produtos, não fazendo jus à realidade, se
reduzida apenas às manifestações empiricamente mensuráveis. Estas são mais fáceis de manipular metodologicamen-
te, porque a tradição científica sempre privilegiou o tratamento mensurado da realidade, avançando, por vezes, de maneira incisiva em
algumas disciplinas sociais, como a economia e psicologia. Todavia, não se pode transferir a limitação metodológica a pretensa redução do
real. Este é mais complexo e abrangente do que sua face empírica. A avaliação qualitativa gostaria de chegar até à face qualitativa da
realidade, ou pelo menos de se aproximar dela.
Na opinião de Esteban (2003), a avaliação qualitativa configura-se como um modelo em transição por ter como centralidade a
compreensão dos processos dos sujeitos e da aprendizagem, o que produz mna ruptura com a primazia do resultado característico do
processo quantitativo. Nesse sentido, a autora afirma:
A avaliação qualitativa tenta responder à imposição de a avaliação qualitativa apreender a dinâmica e a intensidade da relação
aprendizagem-ensino, porém articulada por princípios que sustentam o conhecimento-regulação-mercado. Estado e comunidade.
Suas pesquisas sobre a avaliação do rendimento do aluno indicam que a construção de um modelo híbrido, que mantém como
perspectiva global o modelo quantitativo, de alguma maneira suavizado pela inclusão da análise de alguns fatores subjetivos nessa
avaliação, não chega a significar uma real transformação no paradigma da avaliação. Nesse sentido, Esteban (2001) assinala: Muitas vezes
observamos, tanto na sala de aula quanto nas propostas que chegam à escola, a manutenção da prática de avaliação fundamentada na lógica
classificatória e excludente, ainda que a prática adquira uma aparência inovadora e que o conceito de avaliação escolar associado à
quantificação do rendimento do/a aluno/a seja objeto de inúmeras e profundas críticas.
De acordo com Santos Guerra, fala-se em avaliação de conteúdos, conceitos, procedimentos, atitudes, mas há que se sintetizar todo o
processo nmn conceito ou número.
Desta análise, podemos depreender que embora não se possa negar a incorporação da abordagem qualitativa como um avanço na
proposta de avaliação escolar ela ainda não é suficiente para a reconstrução global da práxis avaliativa. Segundo Esteban (2001), as
concepções qualitativa e quantitativa mantêm o sujeito individualizado e não consideram a dimensão social da constituição da
subjetividade, de suas características peculiares, de suas possibilidades, de suas dificuldades, etc.; conservam a concepção de que é
necessário harmonizar o indivíduo às condições postas.
Assim, ao abordar as concepções pedagógicas que permeiam a avaliação no contexto escolar, pudemos verificar, inicialmente, que
avaliar e examinar se equivalem. Esteban (2004) declara: embora muito criticada, a avaliação do desempenho escolar, como resultado do
exame que o professor ou professora realiza sobre o aluno ou aluna, ainda é predominante.
Observa-se também que avaliar tem-se confundido com a possibilidade de medir a quantidade de conhecimentos adquiridos pelos
alunos e alunas, considerando o que foi ensinado pelo professor ou professora. Nesse sentido, Gatti (2003) afirma:
É preciso ter presente, também, que medir é diferente de avaliar. Ao medirmos um fenômeno por intermédio de uma escala, de provas,
de testes, de instrumentos calibrados ou por uma classificação ou categorização, apenas estamos levantando dados sobre uma grandeza do
fenômeno. (...) Mas, a partir das medidas, para termos uma avaliação é preciso que se construa o significado dessas grandezas em relação
ao que está sendo analisado quando considerado com um todo, em suas relações com outros fenômenos, suas características historicamente
consideradas, o contexto de sua manifestação, dentro dos objetivos e metas definidos para o processo de avaliação, considerando os valores
sociais envolvidos.
Outra concepção sobre a avaliação escolar refere-se à classificação dos alunos e alunas em uma escala que opera com pares
excludentes, tais como: maduro/imaturo, capaz/incapaz, forte/fraco, bom/mau, entre outros. Essa classificação possibilita a delimitação dos
lugares dos estudantes na escola, seus limites e possibilidades de aprendizagem. Para Esteban (2004, p. 85), a avaliação classificatória não
é somente um elemento justificador da inclusão/exclusão, ela está constituída pela lógica excludente dominante em nossa sociedade.
O conceito de avaliar para qualificar exige que a questão metodológica da avaliação seja tratada com pluralidade e maior flexibilidade,
a fim de contemplar as diferenças. Contudo, em relação ao processo de avaliação qualitativa no cotidiano escolar, Esteban (2003) assinala:
Não obstante a crítica ao modelo quantitativo e a redefinição das práticas em consonância às novas perspectivas teórico-meto-
dológicas apresentadas, a avaliação qualitativa continua sendo uma prática classificatória. Vemos, na escola, as provas únicas com
questões objetivas serem substituídas por testes ou provas distribuídas ao longo de um período letivo trazendo questões mais abertas, que
solicitam opiniões e reflexões dos estudantes, que propõem o estabelecimento de questões mais amplas. As questões pretendem estimular
uma maior participação do sujeito que aprende na elaboração de respostas e captar o processo de aprendizagem; os exames passam a ser
complementados pela observação da professora sobre o movimento dos alunos e alunas que aprendem.
Assim, há evidências de que a vertente qualitativa da avaliação introduz aspectos que nos conduzem à reflexão epistemológica sobre a
práxis da avaliação escolar, pois, embora a prática pedagógica permaneça delimitada pelo modelo positivista, observamos o movimento
que denuncia sua insuficiência para responder às demandas cotidianas.
Portanto, a análise do contexto escolar aponta o esgotamento do modelo teórico-epistemológico que define a avaliação e confirma a
ideia apresentada por Barriga (1982) segundo a qual é indispensável a ruptura com o paradigma epistemológico que circunscreve o
processo avaliativo, para que se possa formular uma teoria de avaliação que ultrapasse os limites da teoria da medida e implemente práticas
pedagógicas com novos significados.
Além disso, com base nesta análise acerca das concepções que penneiam a avaliação no contexto escolar, concluímos que elas estão
intimamente relacionadas às mudanças que vêm ocorrendo em relação às concepções de educação que orientam as práticas pedagógicas
desde que a escola foi instituída como espaço de educação fonnal.
Nessa perspectiva, o processo escolar, constituído sob o prisma do pensamento liberal e do paradigma positivista, detenninou uma
prática de avaliação essencialmente classiíicatória.
Por essa razão, consideramos que a implementação de políticas educativas, aliada a uma atuação pedagógica atenta a conflitos,
contradições, fissuras, fragmentos, vozes que constituem o panorama escolar, poderá dar novos sentidos à práxis da avaliação. (Texto
adaptado de Mary Stela F. C., Mestre em Educação).
4.5 0PROFESSOR: FORMAÇÃOE PROFISSÃO.
Processo de Profissionalização do Professorado
ETAPAS: Corpo de conhecimentos e técnicas e conjunto de nonnas e valores
Ia etapa: Exercício em tempo integral (ou como ocupação principal) da atividade docente. Isto começa a partir do momento, em que a
atividade não mais passa a ser encarada de fonna passageira, mas sim como mn trabalho ao qual consagram uma parte importante de sua
vida profissional.
2a etapa: Estabelecimento de um (estatuto) suporte legal para o exercício da atividade docente. Isto começa a se efetivar a partir do
momento em que para a realização desta atividade, sejam detentores de uma licença oficial, que confirma a condição de “Profissionais do
Ensino” e funciona como instrumento de controle e de defesa do corpo docente (licenças para lecionar).
3a etapa: Criação de Instituições específicas para a fonnação de professores: sugeriram uma fonnação profissional, especializada e
relativamente longa, no seio de instituições expressamente destinadas para tal fim. AEscola Nonnal: “para garantir um aprendizado
mínimo em um tempo relativamente longo” e para instituir mna titulação.
4a etapa: Constituição de Associações profissionais; os professores agora começam a organizar-se em associações profissionais, que
desempenham mn papel central e ponto de apoio no desenvolvimento de mn espírito de corpo na defesa do estatuto socioprofis- sional dos
professores.
Neste processo devem ser consideras duas dimensões:
1. Possuem um conjunto de conjunto de conhecimentos e de técnicas necessárias ao exercício qualificado da atividade docente: seus
saberes não são meramente instrumentais, devendo integrar perspectivas teóricas de tender para um contato cada vez mais estreito com as
disciplinas cientificas.
2. Aderem a valores éticos e nonnas deontológicas, que regem não apenas o quotidiano educativo, mas também as relações no interior
e no exterior do corpo docente.
Mesmo que a análise do processo de profissionalização possa sugerir sempre mna evolução linear inexorável. Nada de mais errado. A
afinnação profissional dos professores é mn percurso repleto de conflitos, de hesitações e de recuos. O campo educativo está ocupado por
inúmeros atores (Estado, Igreja, Família, etc.) e muitas vezes, imbricado de interesses e ideologias que sentem a consolidação do corpo
docente como uma ameaça aos seus interesses de projetos.
Neste sentido, a história nos aponta que o movimento associativo docente tem uma história de poucos consensos e de muitas divisões:
norte/sul, progressistas/conservadores, católicos/laicos, nacionalistas/ intemacionalistas, etc. A compreensão do processo de
profissionalização exige, portanto um olhar atento às tensões que o atravessam e que se movimentam, assmnindo fonnas e identidades que
constantemente vão se reconstruindo e reconfigurando.
Vivenciamos a passagem do século XX para XXI e um dos fatos mais importantes que estamos presenciando é a globalização ou a
mundialização da economia, um momento repleto de “novos conflitos”, de “novas hesitações” e de “novos recuos” e de “novas
hesitações”, que podem não ser tão novos assim, mas este fenômeno está diretamente relacionado ao desenvolvimento histórico da
sociedade capitalista, estratificada em classes sociais, a qual produz mudanças de relações de produção e consumo e para tal requer
trabalhadores, novos consumidores e “novos profissionais do ensino” e “um novo homem”.
Novas tecnologias são inventadas a todo instante, demandando dos profissionais de todas as áreas mn novo perfil na condução dos
trabalhos. O mercado do trabalho está exigindo e valorizando homens competitivos, que saibam se utilizar da infonnática. Internet, que
tenham habilidades comunicativas e cognitivas. A questão da “competência” também tem sido constantemente enfatizada e o lema
“aprender a aprender” tem recebido grande destaque nos últimos tempos. Todas essas transfonnações interferem em várias esferas da vida
social, provocando mudanças no âmbito social, político, cultural, assim como nas escolas e no exercício da profissão do docente.
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos

Tal preocupação também vem permeado as discussões sobre o processo de formação de professores, que, de acordo com Marin
(1996), é bastante antiga, no entanto, continua uma problemática atual, uma vez que a produção teórica em tomo desta temática, para quem
trabalha na área é objeto fundamental de investigação.
Nóvoa (1995,1995,1995), ao escrever sobre as dimensões pessoais e profissionais dos professores, valendo-se de uma retrospectiva
histórica, mostra que os estudos sobre a formação e atuação de professores, de forma geral, foram marcados por uma separação entre o eu
pessoal e o eu profissional. No final da década 80, começaram a ocorrer estudos que tiveram o mérito de “recolocar os professores no
centro de debates educativos e das problemáticas da investigação” (Nóvoa, 1995), contribuindo para compreender a complexidade dessa
profissão e das atuais sociedades, o que exige por parte dos professores uma ampla preparação profissional e maior autonomia na condução
de suas atividades profissionais.
Os trabalhos de Nóvoa e de muitos outros trouxeram uma nova perspectiva nos estudos dos professores, resgatando a influência da
individualidade do professor no desempenho de sua profissão.
Referindo-se à questão da profissão professor, Sacristán (1995) entende “por profissionalidade a afirmação do que é específico na
ação docente, isto é, o conjunto de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade de ser
professor”.
A profissão, no entendimento de Pophkewitz (1995), “é uma palavra de construção social”, cujo conceito muda em função das
condições sociais em que as pessoas o utilizam. Tem relação com o modo como o termo profissionalização é usado no contexto
propriamente sócio- político onde a prática pedagógica se desenvolve. O conceito do que é profissionalidade docente não é estático, sendo,
portanto, constantemente elaborado.
Para Libâneo (1998), profissionalismo “significa compromisso com mn projeto político-democrático, participação na construção
coletiva do projeto pedagógico, dedicação ao trabalho de ensinar a todos, domínio da matéria e dos métodos de ensino, respeito à cultura
dos alunos, assiduidade, preparação de aulas, etc.” Os professores, no contexto atual, vivenciam as consequências de uma situação de mal-
estar, provocadas por mudanças recentes na educação. Essa situação de mal-estar pode ser representada pelos sentimentos que os mesmos
têm diante das circunstâncias que o próprio processo histórico produziu em termos de educação, como desmotivação pessoal e, muitas
vezes, abandono da própria profissão, insatisfação profissional, percebida através de pouco investimento e indisposição na busca de
aperfeiçoamento, esgotamento e “stress”, como consequência do acúmulo de tensões, depressões, ausência de uma reflexão crítica sobre a
ação profissional e outras reações que permeiam a prática educativa e que acabam, em vários momentos, provocando um sentimento de
autodepreciarão (Esteve, 1995).
Além de abordar sobre essa situação de mal-estar, a produção científica em tomo de questões da profissionalização docente tem
destacado a necessidade da formação reflexiva dos professores, Alarcão (1996) esclarece que, na década de 80, começaram a ser
difundidas as idéias de Donald Schõn, que despertaram considerações sobre a abordagem reflexiva na formação de professores.
O conceito de professor reflexivo emergiu, inicialmente, nos Estados Unidos em oposição ao movimento que enfatizava a
aprendizagem de técnicas, ao racionalismo técnico, considerando, então, que o professor deve ser encarado como um intelectual em
contínuo processo de formação.
Schõn fundamentou suas pesquisas na teoria da indagação de John Dewey, filósofo, psicólogo e pedagogo norte-americano que muito
influenciou o pensamento pedagógico contemporâneo e o movimento da Escola Nova.
Campos e Pessoa (1998) afirmam que Dewey foi um crítico das práticas pedagógicas que pregavam a obediência e a submissão e que
a educação, no seu entender, “está continuamente reconstruindo a experiência concreta, ativa e produtiva de cada um” (p. 187). Gerardi,
Messias e Guerra (1998, p. 248) esclarecem que Dewey “definiu a ação reflexiva como uma ação que implica uma consideração ativa e
cuidadosa daquilo que se acredita ou que se pratica, iluminada pelos motivos que a justificam e pelas consequências a que conduz” e que
“a busca do professor reflexivo é a busca do equilíbrio entre a reflexão e a rotina, entre o ato e o pensamento”. A ação reflexiva envolve
intuição, emoção e não é somente um conjunto de técnicas que podem ser ensinadas aos professores.
Zeichener e Liston, nos Estados Unidos, também trabalham com a perspectiva do professor reflexivo. No entanto, seus estudos
distinguem- se dos de Schõn e mesmo de sua fonte inspiradora básica, Dewey. Para estes autores, conforme Geraldi, Messias e Guerra
(1998, a reflexão não é mn ato solitário, como Schõn propõe, mas um ato coletivo.
Diante das atuais circunstâncias, a proposta de formação de professores na perspectiva do professor reflexivo salienta o aspecto da
prática como fonte de conhecimento através da reflexão e da experimentação. Onde o papel do formador consiste mais em facilitar a
aprendizagem, em ajudar a aprender, o que sugere um repensar o processo de formação dos processos de formação de professores, que
devem então, propor situações de experimentação que permitam a reflexão, assim como os professores precisam refletir sobre o papel de
ensinar.
Nesse sentido, Libâneo (1998) esclarece que a tarefa de ensinar a pensar exige do professor o conhecimento de estratégias de ensino e
o desenvolvimento de competências de ensinar. O professor necessita então, aprender a regular as suas próprias atividades de pensamento
e, principalmente, “aprender a aprender”.
O ensino reflexivo, mesmo quando analisado sob diferentes óticas teórico-metodológicas, dá ênfase às preocupações com a
experiência pessoal e com o desenvolvimento profissional de professores. Retomando as idéias de Nóvoa, é necessário um investimento na
pessoa do professor e na sua profissão. O que pode constituir-se numa política de valorização do desenvolvimento pessoal- -profissional
dos professores.

MOVIA, Didatismo e Conhecimento


Moun
Diante das abordagens acima, apontadas e perante as transformações e inovações tecnológicas que na atualidade se processam de
fonna cada vez mais rápida, exigindo das pessoas novas habilidades e novos conhecimentos, muitos ainda não dominados, é oportuno e
nunca demais lembrar que o conhecimento e a capacidade de lidar com inúmeras informações se toma cada vez mais uma exigência a
todos os profissionais, em particular dos profissionais da educação.
Além de ter de enfrentar esses novos desafios, na sua própria profissão, e considerando a função de preparar seus alunos para as
exigências do mundo globalizado onde lhes são exigidas cada vez mais uma visão do todo, que sejam capazes de agir diante das mais
diversas situações, que sejam críticos e criativos, capazes de desenvolver o pensamento reflexivo e interagindo com todos e tudo o que está
à sua volta, para que o aluno possa então, atingir o conhecimento (episteme). Essa busca não se limita a descobrir apenas a verdade dos
objetos, mas algo bem mais superior: chegar à contemplação das idéias morais que regem a sociedade - o bem (agathón), o belo (to kalón)
e a justiça (dikaiosyne).
Posto isso, cabe-nos o desafio: Diante das atuais transformações em curso na sociedade e no mundo do trabalho, quais passam ser as
novas exigências educacionais da profissão docente?
Até que ponto, a nossa ação pedagógica está contribuindo para que os alunos possam desenvolver na totalidade suas potencialidades e
contribuir, para numa ação constante para atingir o conhecimento construir e reconstruir a sociedade humana fundamentada no bem, no
belo e na justiça?
Eis o desafio que nos pode ser cobrado e renovado a cada momento, sob novas luzes, que devemos desvendar e enfrentar. (Texto
adaptado de Rauber, P.).
4.6 A PESQUISA NA PRÁTICA DOCENTE.
Até princípios da década de 1980, as pesquisas em docência e fonnação de professores no Brasil investigavam fundamentalmente
sobre a prática docente, e isso configurava, na maioria dos casos, uma relação de distanciamento entre pesquisador e escola, fazendo com
que esta fosse retratada a partir de um olhar externo. Empregando abordagens metodológicas que dialogavam com a intencionalidade de
investigar sobre a escola, essas pesquisas educacionais produziam, muitas vezes, uma imagem negativa dessa escola, e, sobretudo, de
professores e professoras. Isso conduzia a um distanciamento entre a produção acadêmica e a prática escolar, fazendo com que as pessoas
que trabalham nas escolas não se interessassem pelos conhecimentos produzidos nas universidades, ao mesmo tempo em que dificultava
aos próprios pesquisadores conhecer e investigar os interesses daqueles profissionais.
Pesquisar sobre a escola, sobre os professores, enfim, sobre o outro, era algo que não contribuía de fonna significativa para o
conhecimento do cotidiano escolar e para a necessária aproximação entre universidade e escola. Esse modelo de pesquisa começava a
mostrar sua insuficiência. Já não bastava olhar para o outro, observar suas práticas e desenvolver análises sobre tudo isso. Era preciso
repensar o lugar do pesquisador, questionar as abordagens metodológicas empregadas e, acima de tudo, abandonar qualquer tentativa de
explicar as práticas para, diferente disso, tentar compreender os significados que as perpassavam.
Têm início, então, pesquisas na e com a escola. Os professores e as professoras, antes tomados na qualidade de meros “objetos”,
passam a ser vistos como sujeitos, participantes do processo de investigação. Preocupações epistemológicas levam os pesquisadores a
questionar o conhecimento que produzem, sua relevância e capacidade de contribuir com a escola por meio dos resultados de suas
investigações. Assim, de objeto de pesquisa, a prática docente passa a ser compreendida como espaçotempol de fonnação e de investigação
coletiva.
Neste artigo, trazemos para a discussão algumas questões, tais como: quais os possíveis significados da pesquisa na prática docente?
Quais as dificuldades e os desafios, em nosso país, para a realização da investigação na escola pelos próprios profissionais que lá
trabalham? Qual a relevância desse tipo de pesquisa para a introdução de inovações no currículo escolar e para a fonnação docente? Ainda
em tennos da fonnação, se um dia enfatizamos o domínio dos conteúdos para depois nos concentrannos no domínio dos métodos, não seria
o enfoque na pesquisa mais uma escolha arbitrária que estaria negando outras possibilidades fonnativas também relevantes?
Dessa maneira, com a intenção de fomentar o debate sobre o tema, o que pretendemos abordar neste artigo é discutir possíveis
significados da pesquisa na prática docente, e não o que ela de fato significa. É muito importante que destaquemos este nosso propósito
uma vez que a problematização que traremos a seguir se refere às nossas preocupações somente, e não se trata de questões que tenhamos
recebido de um coletivo de professores e professoras, até porque, enquanto estamos aqui pensando sobre este assunto, eles estão na escola
tratando de outras coisas que demandam deles uma resposta muito mais imediata.
Mas, afinal, o que denominamos de pesquisa na prática docente?
O significado da palavra “pesquisa” é polissêmico - portanto, dependendo de quem a utiliza, e do contexto que a envolve, pode
apresentar significados diferentes para pessoas diferentes. Tomemos, a princípio, a pesquisa como atividade científica desenvolvida no
universo acadêmico. Não obstante as diversas orientações teóricas, metodológicas e epistemológicas, a pesquisa científica busca dialogar
com o paradigma no qual se inscreve. Tradicionalmente, as pesquisas percorrem caminhos os quais as caracterizam como científicas, com
a intencionalidade de conhecer determinado objeto para posteriormente socializar esse conhecimento. Como já nos ensinou Thomas Kulm
(2001), imersos em atividades de investigações acadêmicas, pesquisadores e pesquisadoras utilizam uma linguagem comum aos membros
da comunidade científica da qual participam, e que os distingue como tais.
O desenvolvimento de pesquisas na prática docente é algo ainda polêmico no meio acadêmico, especialmente entre aqueles que,
abusando de uma linguagem prescritiva, apresentam e formulam as direções que os currículos escolares e a formação de professores devem
seguir. Essa polêmica provavelmente não existiría caso se tratasse de algo a ser mantido sob o controle dessas mesmas pessoas, algo que
pudesse ser administrado por elas - mas, daí perguntamos: quem pode controlar a produção de conhecimentos do outro? A polêmica no
meio acadêmico acerca da possibilidade (ou não) de haver pesquisas na prática encontra-se relacionada a questões de poder, e isso porque
ainda há quem olhe para a pesquisa na prática como algo que possa competir com a pesquisa acadêmica, abalando sua legitimidade.2
Assim, podemos encontrar nas universidades quem defenda e quem critique, com bastante intensidade, o desenvolvimento da pesquisa
na prática docente. Examinando o que dizem, podemos notar que ambos os grupos, embora discordem entre si, dispõem de concepções
semelhantes acerca do que seria essa pesquisa. Grande parte dos acadêmicos envolvidos nessa discussão toma a pesquisa científica como
modelo para a investigação na prática, e parece-nos que reside aí a razão de toda a discórdia, pois o que caracteriza a segunda é a
simultaneidade entre trabalho e pesquisa - o que, para alguns acadêmicos, configura essa investigação como qualquer outra coisa que não a
pesquisa científica. A investigação desenvolvida na prática dispõe, portanto, de mn estatuto epistemológico e metodológico próprio e ainda
pouco conhecido, e que em muito pouco se assemelha à pesquisa científica.
A pesquisa na prática docente trata-se de uma investigação desenvolvida no cotidiano escolar e compreendida como discussão
permanente acerca do currículo, da prática e da problemática social. Trata-se ainda de uma pesquisa que possibilita a professores e
professoras das escolas se firmarem na qualidade de sujeitos que autogerenciam sua própria formação, auxiliados pelo conhecimento
teórico tomado como texto dialógico junto à tessitura do cotidiano escolar. Refere-se também a uma pesquisa que minimiza a tutela e
legitima a emancipação docente, no sentido de romper com essa pretensiosa via de mão única em que a palavra externa historicamente vem
tentando dizer o que deve ser a escola. Uma pesquisa que possibilita o conhecimento das teorias presentes nas práticas pedagógicas, as
quais possam dialogar com o conhecimento teórico produzido fora da escola. Remete ainda a um trabalho que potencializa a atitude
investigativa no cotidiano escolar e propicia a discussão acerca de mna epistemologia das classes populares, inserindo na prática a
discussão pennanente sobre as relações entre sociedade e escola. Por fim, significa também uma pesquisa que fortalece na escola o trabalho
coletivo entre professores e professoras, levando-os a sistematizar o conhecimento que produzem.
A pesquisa na prática docente, desenvolvida por professores e professoras das escolas, é, além do mencionado anteriormente, uma
forma bastante interessante e eficaz de desenvolvimento profissional (Zeiclmer & Diniz-Pereira, 2005). É inegável a contribuição da
pesquisa nos processos fonnativos, mna vez que a prática investigativa pressupõe a articulação de processos cognitivos, linguísticos,
criativos, dialógicos e outros mais. A pesquisa, portanto, interfere positivamente na constituição dos saberes docentes e na compreensão de
sua própria prática profissional. Favorece a tessitura de mna escola em que o conhecimento produzido passa a ser sistematizado, discutido,
socializado - uma escola em que as proposições externas se misturam às proposições internas.
Por fim, do ponto de vista político, a pesquisa na prática docente também pode ser vista como um movimento contra hegemônico que
contribui para a ruptura de uma determinada forma de saber e poder (Diniz-Pereira, 2002). Socializando os saberes oriundos da prática, e
tomando a teoria como texto cuja serventia é a interlocução com esses saberes, a prática investigativa na escola favorece o esfacelamento
de uma relação endurecida, onde tradicionalmente a teoria era tomada como texto a ser transformado em método e aplicado na prática.
Desenvolveremos um pouco mais, na seção seguinte, o tema da relação teoria e prática, procurando explicitar a necessidade de outra
compreensão para que se aceite e se admita a legitimidade e a relevância da pesquisa na prática docente. Porém, como essa temática já tem
sido bastante explorada na literatura especializada, não é nosso objetivo apresentar aqui uma discussão aprofundada sobre o assunto.
Pesquisa na prática docente: necessidade de uma mudança de olhar sobre a relação teoria e prática
Como sabemos, tradicionalmente, espera-se que a teoria educacional seja aplicada de forma direta à prática docente. Nos programas
de formação profissional e nas escolas, é bastante comum ouvinnos frases do tipo: “Conheça a teoria e aplique-a em sua sala de aula”. E,
então, dispomo-nos a conhecer a teoria, para depois descobrir que ela não se encaixa perfeitamente em nossas salas de aula.
E isso acontece porque a primeira lição que nos ensina a teoria - e isso dificilmente aprendemos - é que ela só nos oferece serventia se a
transfonnannos em outra coisa: em conhecimento. Teoria alguma se aplica diretamente a prática alguma, mas toda teoria se entrega
facilmente aos desdobramentos que alguém faz dela.
Desse modo, de acordo com a visão tradicional, a prática é concebida como ponto de chegada. A teoria, o método e, na atualidade, a
pesquisa destinam-se e devem se aplicar à prática. Tudo isso deveria nos causar estranhamento, afinal o lugar de chegada remete-nos à
ideia de ponto final, de tenninalidade, e, em se tratando da teoria, do método e da pesquisa, a prática podería ser entendida, então, apenas
como campo de aplicabilidade. Essa relação linear em direção à prática desconsidera justamente duas de suas mais significativas
características: o movimento e a imprevisibilidade. Aprática docente, portanto, não pode ser considerada ponto de chegada, não pode ser
considerada espaço tempo de aplicabilidade de qualquer coisa que seja, e isso porque a prática não é um lugar inerte onde algo possa ser
simplesmente depositado.
É possível encontrar, na literatura educacional, no que diz respeito não somente às refonnas curriculares, mas também aos programas
de fonnação, muitas críticas a ações verticalizadas, ou seja, aquelas implementadas de cima para baixo. Essas ações são pensadas em
esferas que não a escola, mas que deveríam ser por ela executadas. Aparentemente, há aqueles que pensam e aqueles que executam e, se
assim fosse, a implementação da pesquisa na prática docente seria algo simples de ser efetivado - bastaria um decreto e professores e
professoras das escolas se tomariam pesquisadores na próxima segunda-feira. Isso, porém, não se passa assim. Se buscannos nos estudos
sobre currículo, por exemplo, poderiamos perceber a distância que há entre as diretrizes propostas por um poder central e o que
efetivamente acontece nas escolas. Isso nos leva a desconfiar de que as pessoas produzem coisas, e Certeau (1994) já nos disse isso há
tempos.
Proposições verticalizadas só existem na intenção de quem ocupa o lugar de poder e na crítica de quem procura desvendá-las, porque,
nas escolas, as pessoas tomam essas proposições e fazem outras coisas com elas.
E se isso realmente acontece, é preciso então saber o que fazem, para, assim, podennos compreender como é possível a pesquisa na
prática de quem trabalha na escola, o que, além de ser algo diferente da pesquisa científica, também é algo bastante diferente da
investigação desenvolvida por alguém que se encontra no momento da fonnação inicial.
As implicações do desenvolvimento da pesquisa na prática docente para a fonnação de professores serão discutidas mais adiante neste
texto. Antes, diante de todas as dificuldades enfrentadas pela educação fonnal no Brasil, não podemos de maneira alguma romantizar esse
tema e, por isso mesmo, mencionaremos, a seguir, alguns desafios que a pesquisa na prática docente enfrenta em nosso país.
Desafios do desenvolvimento da pesquisa na prática docente no Brasil
Como se sabe, quem trabalha em escolas brasileiras - e, talvez, isso não seja muito diferente em vários outros lugares do mundo -
envolve-se, na maior parte do tempo, apenas com atividades de ensino - o que não garante, necessariamente, a aprendizagem efetiva e
significativa entre os alunos. A carga horária dos docentes concentra-se nas salas de aula e pressupõe a elaboração de planejamentos,
cumprimento de propostas curriculares, processos diferenciados de avaliação e todas as demais atividades relacionadas ao ensino. Além
disso, quem trabalha na escola também precisa destinar uma parcela de seu tempo às reuniões pedagógico-administrativas, em que,
geralmente, as ações limitam-se a questões técnicas e burocráticas. A fonnação continuada, desenvolvida a partir dos problemas que
emergem da própria sala de aula, praticamente não existe.
Além disso, as condições desfavoráveis de trabalho dos nossos docentes - salários aviltantes, dupla ou até mesmo tripla jornada de
trabalho, sobrecarga de aulas, número excessivo de alunos por sala de aula etc. -, na maioria das redes de ensino brasileiras, praticamente
inviabilizam a pesquisa na escola. Estamos bastante conscientes de que, mantidas essas condições, a pesquisa na escola podería significar
apenas a intensificação do trabalho docente. Assim, poderiamos perguntar: como desenvolver, na escola, ensino e pesquisa ao mesmo
tempo?
Se tomannos o modelo de pesquisa científica como norteador da investigação desenvolvida na prática docente, podemos afirmar que
ensinar e pesquisar concomitantemente na escola é algo impossível. É preciso, pois, desvencilhanno-nos desse modelo de investigação e
tentannos, junto com professores e professoras de escolas, discutir possibilidades de inserção da pesquisa no ensino, ao mesmo tempo em
que se lute para que as condições de trabalho dos docentes melhorem significativamente. Para tal, precisamos pensar em uma investigação
que não objetive perseguir os mesmos caminhos metodológicos da pesquisa científica, que contribua para transfonnar as práticas
pedagógicas, registrar conhecimentos que vêm sendo produzidos, redimensionar a relação com a teoria e, finalmente, problematizar a
relação entre sociedade e escola. Se a pesquisa científica parte de um problema delimitado no interior de mn tema mais amplo, a pesquisa
desenvolvida na prática docente é algo que não começa em um lugar predeterminado, mas que reside na complexidade da prática, na
necessidade de compreender o cotidiano escolar, no desejo de compreender algo que venha causando indignação e surpresa. Como fazer
isso, então?
Não há respostas simples para esta pergunta. Tampouco acreditamos que será por meio da apresentação de uma receita que as
dificuldades e os desafios em relação ao desenvolvimento da pesquisa na prática docente serão resolvidos. Pensamos que o lugar para
começar a buscar uma pluralidade de posicionamentos a respeito desse assunto - e disso não temos dúvidas - é a própria escola. Se a
pesquisa tem o potencial para transformar a escola em um lugar melhor - do ponto de vista intelectual, humano e da aprendizagem (mais
do que do ensino propriamente) - e se os professores e as professoras devem investigar suas próprias práticas para que isso aconteça, então
é imperativo que sejam inseridos na discussão dessa proposição os que têm sido incluídos apenas como executores. Se a professores e
professoras continuar sendo relegado o lugar de executores de idéias pensadas por outros, essas proposições muito dificilmente farão parte
da tessitura escolar e continuarão sendo mu apêndice - não importa o quanto essas idéias sejam coerentes e interessantes.
Implicações para a formação docente
Sabemos, por meio da literatura especializada e pelas práticas que ainda se perpetuam em muitas instituições de ensino superior no
país, que um dia a fonnação de professores se preocupou enormemente com o domínio dos conteúdos, e, assim, professores e professoras
concluíam sua fonnação inicial supostamente dominando os conteúdos das disciplinas que iriam ministrar. Isso, contudo, foi mostrando sua
insuficiência, e, assim, também os programas de fonnação profissional, baseados no modelo da racionalidade técnica, em que o conteúdo,
desprovido dos meios, não respondia às necessidades educativas.
Minimizando os conteúdos e intensificando os métodos e as técnicas, os programas de fonnação promoveram mna mudança
significativa, mas quase nenhuma transfonnação. Aqueles e aquelas que estavam sendo fonnados continuavam sendo vistos como alguém
que precisava conhecer algo e que, para conhecer, precisava dominar esse algo conhecido. Esse conhecimento, contudo, estava fora do
sujeito conhecedor, não era produzido por ele e tampouco se originava a partir da prática. Substituindo a ênfase nos conteúdos pela ênfase
nos métodos, houve mudança de enfoque, mas a professores e professoras coube manter-se no extremo de um processo verticalizado, no
lugar de quem recebe, e por isso afirmamos que se tratou somente de mna mudança, não de mna transfonnação.
Não queremos com isso afinnar que os programas de fonnação devam relegar a segundo plano o ensino dos conteúdos a serem
ministrados, nem que também não devam problematizar os métodos utilizados. Qualquer atividade de ensino precisa estar articulada,
necessariamente, a um currículo, a uma teoria, a um método, mas, se quisennos uma transfonnação e não somente uma mudança, é preciso
que as atividades de ensino estejam articuladas a currículos, teorias e métodos que sejam problematizados pennanentemente por aqueles e
aquelas que trabalham nas escolas, por quem os precisa articular, compreender, refutar e inventar cotidianamente em meio às práticas
pedagógicas.
No modelo atual, em se tratando da pesquisa na prática docente, quando esta se refere à investigação como eixo fonnativo dos cursos
de licenciatura, podemos notar grande semelhança com o que se faz na pesquisa científica: os alunos e alunas das licenciaturas delimitam
um objeto, fazem mna revisão de literatura sobre o tema, detalham a metodologia de pesquisa, coletam e analisam dados para, por fim,
produzirem um trabalho de conclusão de curso - geralmente chamado de monografia - que é considerado um dos pré-requisitos da
habilitação. Embora não desconsideremos a relevância de todo esse trabalho de iniciação científica, pensamos que ainda precisamos
avançar na discussão acerca da fonnação do professor e da professora pesquisadores tendo como atividade fonnativa o desenvolvimento de
mna monografia.3 Mas esta é outra questão, que não pretendemos abordar neste artigo.
Simplesmente inserir a dimensão da pesquisa nos cursos de licenciatura não garante, porém, a fonnação do professor e da professora
na qualidade de pesquisadores, e, mesmo que isso fosse possível, o estatuto epistemológico e metodológico empregado na investigação
desenvolvida durante a fonnação inicial muito dificilmente podería ser utilizado em meio à prática pedagógica desenvolvida no cotidiano
escolar. Pensamos que a inserção da dimensão da pesquisa nos cursos de licenciatura em muito tem ajudado a desconstruir a artificialidade
que havia na parte prática desses cursos, mas em pouco tem auxiliado para a compreensão de como isso podería dar-se no chão da escola.
Se a pesquisa na prática docente, tomada como eixo articulador dos cursos de licenciatura, em diálogo com o estágio e a prática de
ensino, pode ressignificar as disciplinas de conteúdo, também a pesquisa na prática docente, desenvolvida por professores e professoras das
escolas, pode imprimir movimento ao conhecimento teórico que, tradicionalmente, vem sendo tomado com a intenção de ser aplicável.
Cabe aqui, então, fonnular outra questão que deixamos para o debate: se não pretendemos minimizar o acesso à teoria intensificando a
investigação sobre a prática, como poderemos estabelecer mna relação dialógica entre ambas?
Por fim, acreditamos que o movimento de pesquisa na prática docente pode influenciar os cursos de licenciatura, minimizando o
enfoque anterionnente oferecido aos conteúdos e aos métodos, e inserindo a pesquisa como eixo articulador da fonnação. As exigências
legais pela distribuição da parte prática no deconer dos cursos, bem como a articulação entre a pesquisa, o estágio e a prática de ensino,
também contribuem para que, na atualidade, a pesquisa seja tomada como importante componente dos programas de fonnação de
professores.4 Quais interpretações estão sendo realizadas, nas universidades e demais instituições de ensino superior, sobre esse princípio
norteador? Como tais interpretações estão sendo traduzidas em tennos de propostas curriculares para os cursos de fonnação inicial de
professores nas diversas instituições de ensino superior brasileiras? Estas são questões também urgentes de serem pesquisadas e debatidas
em nosso país. (Texto adaptado de Pereiral, J. E. D; Lacerda, M. P.)
4.7 A DIMENSÃO ÉTICA DA PROFISSÃO.
Para começar a tratar sobre ética é preciso fazer a distinção entre ética e moral, já que estas duas palavras, frequentemente, são
empregadas como sinônimos (mores, no latim, e ethos, no grego) uma vez que as duas indicam um significado comum, remetendo à ideia
de costume. De acordo com o Dicionário Aurélio Buarque de Holanda, ética e moral são “o estudo dos juízos de apreciação que se referem
à conduta humana susceptível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente à determinada sociedade, seja de
modo absoluto”.
Embora as palavras que os designam tenham a mesma origem etimológica, os conceitos de ética e moral incorporam, em seu percurso
histórico, significações diferenciadas. No âmbito da filosofia faz-se uma distinção entre eles, definindo a moral como um conjunto de
princípios, crenças, regras que orientam o comportamento dos indivíduos nas diversas sociedades, e a ética como a reflexão crítica sobre a
moral.
Após a distinção entre os tennos, este artigo propõe discutir como a escola vem trabalhando com a ética, mna vez que os projetos
políticos pedagógicos, em sua maioria, têm como objetivo tomar os educandos cidadãos conscientes, capazes de interferir no meio em que
vivem, despertando-lhes o senso crítico e a autonomia.
A moral na escola se apresenta através de regras, nonnas a serem cumpridas, expressas nos seus regimentos, planos de estudos e
projetos políticos pedagógicos. A escola ainda é o principal caminho para se discutir questões éticas uma vez que o âmbito escolar está
repleto de possibilidades que evidenciam a ética como necessária e capaz de pennitir um relacionamento mais amistoso entre os atores
educacionais. No entanto, a escola não necessariamente conseguirá responder a todas as questões levantadas quando se trata de ética, nem
deverá se considerar fracassada por não conseguir atingir tal objetivo. Pode então, insistir na sua função fomentadora de conhecimento.
A ética na educação
Como a ética penneia as relações socioeducativas entre os atores da instituição denominada escola? Qual a função da ética no
cotidiano escolar? Que pressupostos estão vinculados à ideia de ética? Essas foram as questões norteadoras das discussões que se
estenderam às escolas e permitiram então, a possibilidade de articular temas e propostas colocadas nos projetos políticos pedagógicos com
a ética na educação.
Presença constante nas falas dos educadores, ser ético pressupõe mna carga de obrigatoriedade e compromisso para com o outro. Com
a ética, instala-se no espaço escolar a necessidade de reconhecimento dos sujeitos enquanto atuantes no seu microuniverso, responsáveis
pela problematização das ações e dos saberes instituídos. Para os educadores, a ética é vinculada como norteadora do comportamento dos
atores, das ações e atitudes que estes praticam no ambiente escolar permitindo assim, o diálogo constante na intencionalidade de melhor
resolver os problemas educativos.
Nesse sentido, ser ético para a maioria dos educadores é estar aberto ao diálogo, uma vez que acreditam que ele é uma poderosa
ferramenta para a fonnação de cidadãos conscientes, críticos e responsáveis. Esse estado de ser ético, também possibilita ao educador atuar
de fonna digna na execução de sua profissão construindo saberes no seu cotidiano.
A ética é a responsável pela possibilidade atribuída à escola de conduzir o ser à condição de crítico e responsável pelos seus atos, no
entanto, ela entrelaça a estas condições a capacidade de definir o que seja justo e injusto, moral e imoral, uma vez que atribui valores às
atitudes dos educandos e os vigia, como se a qualquer momento pudessem fazer, falar ou sentir algo que não é permitido eticamente.
Respeitar a liberdade do outro é conhecer os direitos e deveres de cada um dos atores do ambiente escolar. Para Kant, na escola
ninguém tem privilégios, mas apenas direitos. Ela corporifica assim, o local privilegiado que pennite ao ser reconhecer a sua função social
no mundo, compreendendo sua posição, se de explorado ou de explorador, mediatizado ou mediatizador.
Nas interlocuções, os educadores ressaltaram a fonnação moral como componente imprescindível na fonnação do ser enquanto crítico
e proativo. No entanto, proporcionar ao educando tomar-se um cidadão crítico, autônomo, capaz de interferir e dialogar com o meio em
que vive parece não ser tarefa fácil. Uma das alternativas para a escola é criar condições para que isso possa ocorrer, proporcionando
espaços para discussão, não ficando presa apenas a questões individualistas e autoritárias. A escola pode se tomar o ponto de partida para
uma melhor intervenção do homem no seu meio social e servir como suporte para então ampliar o leque de discussão, da escola, para o
bairro, para as associações de moradores, para os órgãos públicos e assim por diante até abranger a sociedade globalmente.
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos

Participar e comprometer-se com a prática de valores que estimulem os princípios educativos no âmbito escolar exige muito mais do
que uma compreensão da realidade. Exige transparência e consciência da verdadeira função que cada ator tem em estruturar as suas ações e
seus diálogos vislumbrando uma convivência harmoniosa e ponderada.
Os educadores participantes das discussões evidenciaram ainda a ética como construtora da felicidade humana baseada na liberdade e
no respeito às diferenças individuais.
Pressupostos vinculados à ética
Todos têm direitos e deveres no meio em que vivem. Cabe a escola questionar como eles se apresentam. Até que ponto a comunidade
onde se está inserido não está abnegando estes direitos, cada um cumpre com os seus deveres para cobrar os seus direitos? Questões que
podem ser levantadas constantemente pela escola.
Alguns pressupostos estão vinculados à ética como a justiça, a solidariedade, o respeito mútuo e o diálogo. Temas importantes para
serem inseridos nas aulas de diferentes disciplinas de maneira transversal, permitindo desmitiíicar a questão ética como sendo restrita à
área da Filosofia.
A justiça já era mna preocupação dos filósofos gregos, pois Platão em sua República já pensava como deveria ser tratado um ato justo,
qual a relação entre justiça e injustiça. No entanto, há de ser questionado como despertar no educando a noção de justiça. A escola pode
propiciar situações onde seja exercitada a criticidade do educando oportunizando-lhe a distinção entre um ato justo e um injusto. Fazer essa
distinção na escola faz com que o educando reflita sobre a diferença e possa a partir de suas vivências criar relações que exemplifiquem
tais questões.
A escola pública possui uma diversidade cultural, étnica, religiosa, sexual e social muito grande. Nesse contexto, a solidariedade
assume um lugar de comprometimento com o aprendizado. Ser solidário no ambiente escolar é respeitar as diferenças que constituem os
atores educacionais, não ocultando a sua existência, mas trabalhando estas diferenças no coletivo. Solidariedade. A partir dela, os
educadores sentiram-se mais confiantes no que realmente podem ser enquanto profissionais da educação comprometidos com a vida de
cada mn de seus educandos. Faz-se necessário superar as barreiras do Capitalismo, do corre-corre diário, de competição desenfreada, onde
a vantagem está em primeiro lugar, para triunfar a solidariedade, a compreensão e o respeito. Respeito mútuo. Sem ser unilateral. Respeitar
com reciprocidade.
E ainda, dialogar. Manter o diálogo em sala de aula é uma atividade muito importante para criar condições de discussão, sobre temas
relacionados a questões sociais, políticas e econômicas. Essas discussões criam conceitos ou os reformulam, ou até mesmo constroem
outros a partir da vivência de cada um.
Contudo, de acordo com os PCN’s a distinção que se faz contemporaneamente entre ética e moral tem a intenção de salientar o caráter
crítico da reflexão, que permite um distanciamento da ação, para analisá-la constantemente e reformulá-la, sempre que necessário. Por ser
reflexiva, a ética tem, sem dúvida, um caráter teórico. Isso não significa, entretanto, que seja abstrata, ou metafísica, descolada das ações
concretas. Não se realiza o gesto da reflexão por mera vontade de fazer um “exercício de crítica”. A crítica é provocada, estimulada, por
problemas, questões-limites que se enfrentam no cotidiano das práticas. A reflexão ética só tem possibilidade de se realizar exatamente
porque se encontra estreitamente articulada a essas ações, nos diversos contextos sociais. É nessa medida que se pode afirmar que a prática
cotidiana transita continuamente no terreno da moral, tendo seu caminho iluminado pelo recurso à ética.
No contexto escolar, âmbito de diversos atores, a ética faz-se presente em momentos imensuráveis, uma vez que está vinculada às
relações que se processam entre esses atores.
Assim, os professores da rede pública estadual compreendem por ética as relações estabelecidas entre os seres humanos e a
valorização das relações interpessoais. A partir daí busca-se o respeito mútuo criando um espaço de discussão, aberto ao diálogo
possibilitando aos envolvidos no processo de ensinar e aprender a compreensão da ética como eixo condutor das atitudes morais.
Por fim, foi salientada a valorização do diálogo enquanto mna prática possível e viável para a solução dos problemas escolares
vislumbrando a pretensão de que a escola possa um dia aprender a trabalhar com as diferenças onde todos sejam possuidores de direitos e
deveres, sentenciando o fim das desigualdades. (Texto adaptado dos professores Edson Carpes Camargo, e Jorge Alberto Lago Fonseca)

MOVIA, Didatismo e Conhecimento


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5 ASPECTOS LEGAIS E POLÍTICOS DA ORGANIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA.

A educação nas Constituições Brasileiras


A educação sempre foi, direta ou indiretamente, tema presente nas constituições brasileiras. Naquelas outorgadas, a educação teve um
papel secundário, pois se entendia que a responsabilidade de educar crianças e adolescentes era dos pais e da sociedade civil
(personificada, sobretudo, nas instituições de cunho religioso ligadas, em sua maioria, à Igreja Católica).
Nas Constituições promulgadas (exceto na primeira Constituição republicana, que se ateve aos aspectos formais, ou seja, estabelecer
as competências dos níveis de ensino), a temática educacional teve um espaço mais destacado. Na Constituição de 1988, por exemplo, a
educação é considerada responsabilidade do Estado, da família e da sociedade, devendo propiciar ao educando o pleno desenvolvimento
enquanto pessoa, o seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (art. 205 da atual Constituição Federal).
A educação na Constituição Política do Império do Brasil de 1824
A Magna Carta outorgada em 1824 assegurava a gratuidade da instrução primária e inseria a criação de colégios e universidades no rol
dos direitos civis e políticos (art. 179, XXXII e XXXIII).
A centralização administrativa foi uma das características preponderantes do governo imperial e marcou profundamente a questão
educacional. A administração do ensino estava centralizada na Coroa que, por sua vez, delegou às Câmaras Municipais a incumbência de
realizar a inspeção das escolas primárias.
Com o advento do Ato Adicional de 1834 ocorreu mna relativa descentralização administrativa da educação, na qual as Assembléias
Legislativas Provinciais passaram a ter competência para legislar sobre instrução pública e sobre a criação dos estabelecimentos destinados
a promovê-la.
Traço marcante da educação na Constituição Imperial foi a obrigatoriedade do ensino da doutrina católica em todos os estabele-
cimentos educacionais. Tal medida se justificava pelo fato do Estado imperial brasileiro possuir uma religião oficial a ser transmitida a
todos os seus cidadãos.
Mesmo contendo medidas que regulavam o ensino no país, a Constituição de 1824 não pode ser caracterizada por seu cuidado com a
questão educacional. De acordo com os princípios que orientaram o conteúdo da Constituição Imperial, o Estado não era responsável pela
educação; esta deveria caber, principalmente, à família e à Igreja.
A educação na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891
A primeira carta constitucional da República preocupou-se mais com questões de ordem formal - como estabelecer competências - do
que com questões propriamente educacionais.
Da aplicação do princípio de competência residual instituído por esta Constituição resultou que aos Estados-Membros competia:
legislar sobre o ensino primário e secundário; criar, sem prejuízo da competência da União, instituições de ensino superior e secundário;
além de se responsabilizar, inteiramente, pela criação e manutenção das escolas primárias (arts. 34 e 35).
Um dos maiores avanços da primeira Constituição republicana foi a determinação do ensino leigo em todas as instituições públicas.
Inconcebível manter-se o ensino de uma única doutrina religiosa em um Estado oficialmente laico e, por isso, desprovido de religião
oficial.
A obrigatoriedade do ensino leigo nos estabelecimentos oficiais estava prevista no capítulo que tratava dos direitos e garantias dos
cidadãos:
Art. 72. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes á
liberdade, á segurança individual e á propriedade nos termos seguintes:
§6° Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos.
A educação na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934

Com uma série de avanços na área educacional, a Constituição de 1934 foi uma das Constituições brasileiras que mais reconheceu a
importância da educação para o desenvolvimento sócio cultural do país.
Deve-se ressaltar que os progressos na área educacional inseridos no texto final da Carta Constitucional de 1934 se deram em virtude
do grande debate acerca do tema existente à época. De mn lado estavam os defensores da chamada “Educação Nova” - influenciados pelas
doutrinas pedagógicas surgidas na década de 30 - e, de outro, os adeptos da corrente católica que continuavam a exercer grande influência
na área educacional. O resultado dessa discussão foi a inserção de mn capítulo especial na Constituição sobre família, educação e cultura.
A educação passava a ser vista como um direito de todos, devendo ser ministrada pelo Estado e pela família. Neste sentido, cabería ao
Estado traçar, com exclusividade, as diretrizes da educação nacional. Esta foi a primeira tentativa na história constitucional brasileira de se
estabelecer bases concretas para a criação de um projeto educacional de longo prazo que contemplasse todo o território nacional.
Os Estados e o Distrito Federal deveríam organizar os seus próprios sistemas de ensino, tendo sempre em vista as diretrizes es-
tabelecidas pela União. Além disso, deveríam ser organizados os conselhos estaduais de educação com funções semelhantes àquelas
atribuídas ao Conselho Nacional.
A liberdade de cátedra foi uma das maiores conquistas atribuídas ao magistério no texto constitucional. É impossível imaginar uma
verdadeira educação baseada na liberdade e no respeito mútuo sem que o professor tenha a plena garantia de que não sofrerá retaliações
por manifestar seu pensamento.
Pela primeira vez a Constituição estabeleceu valores mínimos a serem aplicados em educação:
Art. 156. A União e os Municípios aplicarão nunca menos de dez por cento, e os Estados e o Distrito Federal nunca menos de vinte
por cento, da renda resultante dos impostos, na manutenção e no desenvolvimento dos sistemas educativos.
Parágrafo único. Para a realização do ensino nas zonas rurais, a União reservará, no mínimo, vinte por cento das quotas destinadas á
educação no respectivo orçamento annual.3
A Constituição determinou, ainda, a prestação de auxílios subsidiários à educação, tais como: atendimento médico-dentário e
alimentação aos alunos mais carentes (art. 157, §2°).
A Constituição de 1934 se preocupou também com a qualificação dos professores. Neste sentido, estabeleceu a realização de concurso
de títulos e provas para o provimento em cargos do magistério que, a partir de então, passavam a contar com a garantia de vitaliciedade e
inamovibilidade. Somente poderíam ser contratados professores sem concurso por prazo determinado.
A educação na Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937
A Carta Constitucional outorgada em 1937 foi instrumento de notável retrocesso em matéria educacional. Parte das conquistas
alcançadas com a Constituição de 1934 foi descaracterizada pela Constituição do “Estado Novo”.
João Baptista Herkenlioff define muito bem quais os princípios norteadores da política educacional getulista:
Sob a inspiração do fascismo, via-se o Estado promovendo a disciplina moral e o adestramento físico da juventude, de maneira a
prepará-la para o cumpri- mento de seus deveres com a economia e a defesa da Nação. Foi dada ênfase ao ensino cívico, que se confundia
com o culto ao regime e à pessoa do ditador.
A política educacional assumiu um caráter centralizador, em consonância com o centralismo do Estado autoritário. Suprimido o
Parlamento, o chefe de Estado legislou, discricionariamente, em matéria de ensino, como em todas as outras matérias.
Concedeu-se grande privilégio ao ensino particular. Exemplo disso é a subsidiariedade do ensino público em relação ao ensino
privado. A preferência pelo ensino particular demonstrava a intenção do governo getulista em se eximir da responsabilidade no que tange à
matéria educacional. A educação tomara-se, deste modo, responsabilidade exclusiva das famílias e da sociedade civil.
No texto constitucional não havia nenhuma indicação de recursos a serem utilizados pela União e pelos Estados na criação e
manutenção dos sistemas de ensino.
Para que os objetivos político-econômicos da gestão de Getúlio Vargas fossem plenamente realizáveis, deu-se preferência ao ensino
profissionalizante das classes menos favorecidas. Esta “preferência” demonstrava uma política educacional totalmente discriminatória: aos
pobres era oferecido ensino profissionalizante e aos ricos cabia o privilégio de frequentar uma escola secundária voltada à formação
intelectual da elite. Depreende- se da leitura do art. 129 da Constituição de 1937 a opção pela distinção na educação de ricos e pobres:
Art. 129. À infância e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à educação em instituições particulares, é dever da Nação,
dos Estados e dos Municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em todos os seus graus, a possibilidade de
receber mna educação adequada às suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais.
O ensino pré vocacional e profissional destinado às classes menos favorecidas é, em matéria de educação, o primeiro dever do Estado.
Cumpre-lhe dar execução a esse dever, fundando institutos de ensino profissional e subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos
Municípios e dos indivíduos ou associações particulares e profissionais.
É dever das indústrias e dos sindicatos econômicos criar, na esfera de sua especialidade, escolas de aprendizes, destinadas aos filhos
de seus operários ou de seus associados. A lei regulará o cumprimento desse dever e os poderes que caberão ao Estado sobre essas escolas,
bem como os auxílios, facilidades e subsídios a lhes serem concedidos pelo poder público.
A educação na Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946
A Constituição promulgada após o fim do “Estado Novo” procurou restabelecer a ordem democrática e, em matéria educacional,
buscou re- compor o modelo educacional idealizado pela Constituição de 1934 e que fora completamente esquecido pela Carta outorgada
em 1937.
Estabeleceu que a União seria competente para legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional, modificando sensivelmente a
centralização das políticas educacionais adotada por Getúlio Vargas.
A educação volta a ser direito de todos, a ser ministrada no lar e na escola, devendo inspirar-se nos princípios da liberdade e nos ideais
de solidariedade humana (art. 166). O Estado deveria assegurar a oferta de ensino público em todos os níveis, sendo, no entanto, livre o
ensino pela iniciativa particular desde que respeitadas as leis reguladoras.
Retomou a obrigação da aplicação de percentuais mínimos da renda dos impostos em educação: 10% para a União e 20% para os
Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 169).
A Constituição determinou a criação dos sistemas estaduais de ensino, tendo o sistema federal atuação supletiva, ou seja, atuaria
somente para suprir eventuais deficiências locais (art. 171).
A educação na Constituição do Brasil de 1967
Continuando a alternância entre Constituições outorgadas e promulga- das, chega-se à primeira Constituição pós Golpe Militar: a
Constituição de 1967. O “Novo Regime” necessitava legitimar seu poder e a melhor maneira encontrada foi a outorga de uma Constituição
aparentemente legítima, mas que, na verdade, não passava de mais uma imposição da Ditadura.
A educação era mn importante instrumento para que o governo mi- litar pudesse implantar sua política da “unidade e da segurança
nacional”, ou seja, o ensino era a melhor fonna de impor posições ideológicas capazes de atender a todos os interesses dos novos
governantes do país. A educação serviría para legitimar os princípios da “Revolução”:
Ao definir as diretrizes ideológicas da educação, a Constituição de 1967 acrescentou, entre os princípios que deveríam ser objetivados,
o da unidade nacional, conceito bastante equívoco no Brasil pós-64, quando unidade e segurança nacional foram confundidos com unidade
ideológica e segurança do regime ditatorial.
Dando força à privatização no ensino, a Carta de 67 determinou aos poderes públicos que prestassem assistência técnica e financeira
ao ensino particular, sem cogitar de quaisquer regras ou restrições para essa ajuda.
Uma notável contradição acompanhou o advento da Carta de 67: ao mesmo tempo em que o texto constitucional estendia a obri-
gatoriedade do ensino para a faixa dos sete aos quatorze anos (art. 168, §3°, II), permitia o trabalho infantil a partir dos doze anos (art. 158,
X). Mais um retrocesso da política social do Governo Militar, uma vez que a Carta de 46 estipulara em quatorze anos a idade mínima para
o trabalho de adolescentes.
O acesso gratuito ao ensino pós-primário foi restringido, pois se passou a exigir a demonstração de aproveitamento escolar para que a
continuação dos estudos fosse patrocinada pelo Poder Público (art. 168, §3°, III). Isto significa, mais uma vez, a valorização do ensino
particular em detrimento do dever estatal de oferecer educação gratuita em todos os níveis de fonnação.
Foram abolidos os percentuais orçamentários a serem aplicados em educação, perpetuando o desinteresse dos governantes em
propiciar condições econômicas mínimas para o desenvolvimento das atividades escolares.
A educação na Emenda Constitucional n. 1, de 1969
A Emenda Constitucional n.° 1/69 funcionou como uma dura continuação dos princípios arbitrários estabelecidos em 1967. No que se
refere à educação, todos os retrocessos foram mantidos, amnentando, inclusive, o caráter ditatorial instituído em 1964. Exemplo disso foi a
substituição da liberdade de cátedra pela “liberdade de comunicação dos conhecimentos” (art. 176, §3°, VII), em nítido prejuízo a qualquer
processo educacional baseado na liberdade como ferramenta mais eficaz de construção do saber.
Como exposto acima, a Emenda Constitucional de 1969 apenas ratificou os princípios de ensino que interessavam ao Regime
Ditatorial.
A educação na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente
A educação na Constituição Federal de 1988
No que respeita ao mundo infanto-juvenil, as políticas públicas de- vem estar voltadas à garantia dos direitos estabelecidos no art. 227
da Constituição Federal (CF). Os direitos garantidos por este artigo são: direito à sobrevivência, ao desenvolvimento e à integridade.
O caput do artigo 227 da Constituição consagra toda esta luta em tomo dos direitos da criança e do adolescente ao estabelecer
que:
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos

Art. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida,
à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, crueldade e opressão.
O direito à sobrevivência significa garantir a vida, a saúde e a alimentação de todas as crianças do país. Já o direito ao desen-
volvimento deve ser efetivado com a garantia principal do acesso à educação e, também, da garantia de acesso à cultura, ao lazer e à
profissionalização. O direito à integridade (física, psicológica e moral) dar-se-á pela garantia da dignidade, da liberdade, do respeito e da
convivência familiar e comunitária.
A garantia da educação, como concretização do direito ao desenvolvimento de crianças e adolescentes, está expressa de forma muito
clara na Constituição (arts. 205 - 214), na Lei n.° 9.394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e nos artigos 53 a 59
da Lei n.° 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Até 1988 não havia uma preocupação real em criar mecanismos que fossem eficazes na garantia do direito à educação. Durante muito
tempo a única ação do Poder Público foi tomar obrigatória a matrícula escolar, como se isto fosse suficiente para garantir a educação. A
Constituição Federal (art. 208, §1°) estabelece que o ensino obrigatório gratuito (ensino fundamental) é direito público subjetivo (pode ser
exigido do Estado a qualquer tempo). O Estatuto da Criança e do Adolescente reforçou a disciplina constitucional ao estabelecer a proteção
judicial para combater a não oferta ou o oferecimento irregular do ensino obrigatório (art. 208,1).
A Constituição e o Estatuto não deixam toda a responsabilidade de garantir tal direito ao Estado. Tanto a Carta Constitucional quanto
o Estatuto da Criança sepultam a visão de Estado paternalista ao estabelecerem que a responsabilidade no que tange aos direitos de
crianças e adolescentes não é exclusiva: cabe ao Estado, à família e à sociedade civil (art. 205, CF).
O processo constituinte que resultou na Constituição de 1988 foi o que contou com a maior participação popular na história do
constitucionalismo pátrio. A comunidade educacional se mobilizou e se fez presente nos debates que acompanharam a Assembléia
Nacional Constituinte. Como resposta a esta ampla participação da comunidade interessada, a educação ocupou lugar de destaque em todos
os anteprojetos de Constituição.
O Regimento da Assembléia Nacional Constituinte acolheu pedido do Plenário Nacional Pró-Participação Popular na Constituinte e
admitiu a iniciativa de populares, de modo a permitir que a população tivesse participação mais direta na elaboração constituinte. Assim,
nada menos que dezoito emendas populares trataram direta e exclusivamente do problema da educação ou, abrangendo também outros
assuntos, tocaram em pontos relacionados com a questão educacional. Essas dezoito emendas populares alcançaram o total de 2.678.973
assinaturas, o que demonstra o interesse pela discussão da escola, no amplo leque da mobilização popular em tomo da Constituinte.
Um dos maiores reflexos da efetiva participação popular nas discussões em tomo da educação foi a exigência constitucional de
democratizar a gestão do ensino público (art. 206, VI, CF). Tal dispositivo foi regula- mentado pelo art. 14 da Lei de Diretrizes e Bases
que estabelece como princípios da gestão democrática da educação básica a participação dos profissionais da educação na elaboração do
projeto pedagógico da escola, bem como a participação das comunidades escolar e local nos conselhos escolares ou seus equivalentes.
Outro ponto a ser destacado é o dispositivo constitucional que prevê o regime de colaboração entre os sistemas de ensino da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 211, caput, CF). A União deve exercer, no que se refere à matéria educacional,
função redistributiva e supletiva, garantindo igualdade de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante
assistência técnica e financeira aos demais entes federados (art. 211, §1°, CF). Aprioridade de atuação dos Municípios deve ser a educação
infantil e o ensino fundamental (art. 211, §2°, CF). Já os Estados e o Distrito Federal devem priorizar o ensino funda- mental e médio (art.
211, §3°, CF). Edivaldo Boaventura define muito bem o que se deve entender pelo termo “sistema” quando aplicado à educação.
Em educação, o vocábulo sistema é entendido como um conjunto de instituições educacionais e de normas vinculadas a determinada
esfera da administração, seja a União, estados e ou municípios. Esse conjunto de normas e instituições que formam um sistema é uma
realidade, objetiva e atuante, principalmente, no que toca à criação, autorização de funcionamento e reconhecimento de cursos e
estabelecimentos. Essas normas têm consequências diretas para o aluno, especialmente na regularização de sua vida escolar, e para o
professor, no particular de sua carreira docente. Atingem também o servidor, o próprio estabelecimento e representantes legais, pelo direito
de recorrer às instâncias superiores, e a toda a comunidade educacional.
O texto constitucional demonstra grande preocupação com a questão específica da escolarização em detrimento de um processo
educativo mais abrangente. Todavia, falar em direito à educação implica falar em direito à educação escolar. O acesso à educação escolar
se realiza através da concretização de vários direitos presentes na legislação e que podem ser classificados da seguinte forma:
• Universalidade do acesso e da permanência: art. 206,1, da CF e art. 3o, I, da LDB. O acesso à educação escolar deve ser dado a todos
indistintamente, ou seja, qualquer forma de discriminação deve ser repelida. A universalidade implica, além do acesso à vaga, também o
acesso ao ingresso, à permanência na escola e ao sucesso dentro dos estudos;

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Moun
• Gratuidade e obrigatoriedade do ensino fundamental: art. 208,
§1°, da CF e art. 54,1. A Constituição estabelece que é direito público subjetivo o ensino fundamental gratuito e obrigatório para
qualquer cidadão brasileiro maior de 7 anos. Se o Estado não ofertar esse ensino, as autoridades competentes podem responder por crime
de responsabilidade. Os pais, por sua vez, têm o dever de matricular os filhos em idade escolar, sendo que se assim não fizerem poderão ser
responsabilizados pelo crime de abandono intelectual (art.246 do Código Penal);
• Atendimento especializado aos portadores de necessidades especiais: arts. 58 a 60 da LDB e art. 203, IV e V, da CF. A inclusão
escolar é um dos aspectos da inclusão social dos portadores de necessidades especiais;
• Creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos: art. 11, V, da LDB. O oferecimento de vagas em creches e pré-escolas é de
competência do sistema de ensino municipal. A oferta deste tipo de ensino deve ser vista como uma política social básica da educação e
não como forma de apoio sócio familiar;
• Ensino noturno regular e adequado às condições do adolescente trabalhador: art. 54, VI, do ECA e art. 4°,VI e VII, da LDB. A
universalidade do acesso deve atender também àqueles adolescentes que necessitam, para a própria subsistência ou a de sua família,
trabalhar;
• Programas suplementares: além da obrigatoriedade de matrícula e da oferta de vaga, todas as outras condições necessárias para a
educação escolar, como material didático, transporte, alimentação e saúde, devem estar presentes no dia-a-dia do educando;
• Direito de ser respeitado pelos educadores: art. 227, caput, da CF e art. 17, do ECA. O respeito mútuo é a base fundamental sobre a
qual vai se desenvolver todo o processo educativo;
• Direito de contestar critérios avaliativos e de recorrer às instâncias escolares superiores: art. 53, III do ECA. Este direito representa
a clara manifestação da cidadania. É muito importante que crianças e adolescentes possam exercer a prerrogativa de cidadãos já dentro do
universo escolar;
• Direito de organização e participação em entidades estudantis: a liberdade de associação e de reunião é assegurada pelo art. 5o, XVI
e XVII, da CF. Aos estudantes é assegurado o direito de participar de entidades estudantis independentes das escolas ou dos sistemas de
ensino;
• Participação dos pais no processo pedagógico e na proposta educacional: como os pais são responsáveis pelos filhos e estão sujeitos
a várias obrigações, nada mais justo que lhes atribuir o direito de participar do processo educacional do filho.
Para que a educação funcione como instrumento de construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3 o, I, CF) é im-
prescindível que o modelo pedagógico adotado esteja baseado em um novo paradigma: a opressão deve ceder lugar à liberdade e os valores
inerentes à condição humana devem ter presença garantida nos currículos escolares de todos os níveis de ensino. 10 Além disso, é
necessário que a mudança do sistema educacional seja acompanhada de uma mudança no sistema econômico a fim de acabar com
diferenças no acesso à educação formal.
A transformação do nosso sistema pedagógico deve ser feita, entretanto, à base de uma mudança do sistema econômico, pois a escola
sempre corresponde a novas estruturas sociais. Só uma política de planejamento educacional levada em termos integrais, acarretando de
outro lado um desenvolvimento do poder de assimilação das classes deserdadas, mediante mna melhor nutrição, despertando-lhe o
interesse pelo ensino e renovando os métodos de ensino à base de um novo esquema pedagógico, poderá concorrer para uma revitalização
do ensino no país.
A educação no Estatuto da Criança e do Adolescente
Após as garantias constitucionais era preciso elaborar a Lei Ordinária que regulamentasse a proteção da criança e do adolescente,
revogando definitivamente toda a legislação do período autoritário.
Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, desaparece a figura do menor, expressão estigmatizada, e passa-se a falar em
crianças e adolescentes, agora como sujeitos de direitos, protegidos juridicamente, alvo de respeito e preocupação através da Doutrina da
Proteção Integral. Referida doutrina afirma que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e que, pela condição peculiar na qual se
encontram, devem ter prioridade absoluta no estabelecimento das políticas públicas.
1 Estatuto da Criança e do Adolescente veio para ser o instrumento de garantia da satisfação das necessidades de crianças e
adolescentes, as- segurando o cumprimento dos seus direitos à proteção integral.
A educação de crianças e adolescentes é regulada no Livro I, Capítulo IV - Do Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer -
do Esta- tuto da Criança e do Adolescente. O art. 53 do Estatuto estabelece:
Art. 53 - A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício
da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se lhes:
2 - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - direito de ser respeitado por seus educadores;
III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores;
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos

IV - direito de organização e participação em entidades estudantis; V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.
Parágrafo único - É direito dos pais ou responsáveis ter ciência no processo pedagógico, bem como participar da definição das
propostas educacionais.
O dispositivo supra mencionado (juntamente com o art. 54 do ECA) praticamente reproduz o texto da Seção I (Da educação). Capítulo
III (Da educação, da cultura e do desporto). Título VIII (Da ordem social) da Constituição de 1988, confirmando os deveres do Estado, da
família e da sociedade para com a educação de crianças e adolescentes.
O art. 57 do Estatuto estabelece que o Poder Público deve estimular pesquisas, experiências e novas propostas relativas a calendário,
seriação, currículo, metodologia, didática e avaliação, com o objetivo de inserir crianças e adolescentes excluídos do ensino fundamental
obrigatório. Esta imposição legal mostra-se extremamente necessária no contexto educacional brasileiro, tendo em vista a dificuldade em
manter na escola crianças e adolescentes oriundos de famílias mais pobres. A pobreza, aliada a concepções conservadoras de ensino, leva
ao desmantelamento da estrutura escolar:
O fracasso institucional escolar tem raízes históricas. Além das já mencionadas a pobreza, por exemplo], ousamos elencar, dentre
outras, o próprio acesso não democratizado à escola, a falta de qualidade do ensino, a inadequação na for- mação do educador, além da
degradação das condições de seu trabalho - e não podemos esquecer-nos da proposta ‘político-pedagógica’ imposta e definida para
sacramentar a incompetência, intelectual, emotiva e de aprendizagem, dos poucos que conseguem nela permanecer; materializada não só
por currículo irreal, bem como por uma concepção metodológica, formal, mecanicista e aviltadora dos que participam do ato educativo.
A educação na Lei de Diretrizes e Bases da educação
A Constituição Federal de 1988 veio trazer novas perspectivas ao país. Também quanto à educação era necessário reformular
estruturas e conceitos com o intuito de tomar realidade as expectativas trazidas pelo novo texto constitucional.
Diferentemente da tradição brasileira, na qual todas as iniciativas de refonnas educacionais sempre foram propostas pelo Poder
Executivo, a iniciativa de criar uma nova Lei de Diretrizes e Bases partiu do Legislativo, tendo por base uma proposta de lei nascida na
comunidade educacional brasileira.
Este projeto de lei começou a tramitar na Câmara dos Deputados em dezembro de 1988, tendo por relator o Dep. Jorge Hage. O
substitutivo elaborado pelo deputado apresentava vários aspectos positivos, dentre os quais:
• significativa abrangência da lei;
• criação de um sistema nacional de educação;
• regulamentação da pré-escola como parte da educação infantil;
• avanços no ensino médio;
• redução na jornada de trabalho para aqueles que cursassem o ensino noturno;
• instituição do salário-creche;
• descrição de quais despesas poderíam ser consideradas como despesas referentes à educação.
Concomitantemente ao projeto da Câmara, passou a tramitar também no Senado, em maio de 1992, um projeto de lei, de autoria do
Senador Darcy Ribeiro, que buscava adiantar-se ao projeto em tramitação na Câmara dos Deputados. Interessante notar que o projeto do
Senador era bastante diferente do projeto em tramitação na Câmara e parecia ter sofrido certa influência do governo Collor, deixando de
contemplar aspectos importantes como o Sistema Nacional de Educação.
O substitutivo da Câmara demonstrava estar ligado à democracia participativa já que seu projeto tinha origens na comunidade
educacional. O projeto do Senado, por sua vez, deixava claro que o princípio da representação deveria preponderar no que se refere à
criação das leis e que, portanto, não cabia à comunidade educacional elaborar um projeto de Lei de Diretrizes e Bases para a educação
nacional. Em 1993, por questões de regimento interno, o primeiro projeto do Senador Darcy Ribeiro é definitivamente abandonado.
O substitutivo do Deputado Jorge Hage é aprovado com algumas alterações de índole conservadora pela Câmara dos Deputados
sendo, em seguida, enviado ao Senado Federal.
Arelatoria do projeto na Comissão de Educação do Senado coubera ao Senador Cid Saboia (que já havia relatado o I o projeto de Darcy
Ribeiro). O substitutivo apresentado por esse Senador levou em conta a opinião da comunidade educacional, bem como a opinião do
governo e dos partidos políticos. No final, o substitutivo incorporou algumas partes do projeto original do Senador Darcy Ribeiro e deu
uma fonna mais rebuscada ao projeto.
O substitutivo Cid Saboia, depois de aprovado na Comissão de Educação, foi encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça do
Senado. Nesta Comissão, a relatoria do substitutivo coube ao Senador Darcy Ribeiro.
Segundo parecer emitido pelo Senador Darcy Ribeiro, em 1995, tanto o projeto original da Câmara quanto o substitutivo Cid Saboia
eram inviáveis por apresentarem inconstitucionalidades de todo tipo. As inconstitucionalidades apresentadas se referiam, de maneira
particular, à criação do Conselho Nacional de Educação que, segundo interpretação do Senador, seria prejudicial ao princípio da
democracia representativa, pois, como órgão decisório, estaria influenciando nas atividades administrativas do poder Executivo.

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Com isso, abriu-se espaço para que Darcy Ribeiro pudesse apresentar um novo substitutivo de sua autoria. Em virtude de inúmeras
contestações feitas à “manobra regimental” utilizada, o Senador Ribeiro apresentou várias emendas que atenuariam as resistências ao seu
projeto, até que o mesmo fosse aprovado pelo plenário do Senado, em 8 de agosto de 1996.
O projeto então voltou à Câmara dos Deputados, sendo aprovado em 17 de dezembro de 1996, e sancionado, sem vetos (fato raro na
história da legislação educacional), pelo Presidente da República, em 20 de dezembro de 1996, exatamente 35 anos depois da aprovação da
primeira Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional.
Pode-se dizer que prevaleceu a concepção neoliberal de educação no texto da nova Lei de Diretrizes, favorecendo, destarte, um
modelo de política educacional pautado por transformações parciais em detrimento da aplicação de um plano de mudanças estruturais.
ALei n.° 9.394/96 é, segundo Denneval Saviani, “minimalista”, 13 ou seja, está centrada na concepção de Estado Mínimo. Como
todas as propostas de LDB, esta também se preocupou em reduzir investimentos e despesas do Estado através de uma divisão (que é
normalmente denominada de “parceria”) de responsabilidades com a iniciativa privada e com oiganizações não governamentais.
No entanto, aspectos positivos também estão presentes no texto da Lei de Diretrizes e Bases. Pedro Demo apresenta vários deles. 14 À
presença do Senador Darcy Ribeiro, mesmo que contestada por seu aspecto antidemocrático, podem ser atribuídos alguns dos aspectos
positivos da LDB, como por exemplo:
• espírito de progressividade representado pela não imposição do ensino de tempo integral;
• abertura no que diz respeito à organização da educação nacional
(art. 8o e seguintes da LDB);
• autonomia administrativa, pedagógica e financeira ;
• sistemas de ensino organizados através da cooperação entre União, Estados e Municípios;
• valorização do Município como local propício para organizar a educação, já que vivência de perto os problemas relacionados a esta
área.
Segundo o texto da nova Lei de Diretrizes e Bases, a educação básica é composta pela educação infantil, pelo ensino fundamental e
pelo ensino médio - art. 21,1. No momento, é a que interesse analisar, uma vez que é a educação básica o modelo educacional a atuar
diretamente na formação escolar das crianças e adolescentes.
O art. 22 da Lei n.° 9.394/96 caracteriza quais são as quatro dimensões essenciais da formação da criança e do adolescente e que
devem ser objeto da ação da educação básica: a pessoa humana, o cidadão, o trabalhador e o indivíduo preparado para estudos posteriores.
Para entender melhor as alterações (ou mesmo a perpetuação de certas realidades) trazidas pela nova Lei de Diretrizes e Bases da
educação, faz-se necessário traçar um paralelo entre a legislação anterior, ou seja, entre a antiga Lei de Diretrizes - e as alterações por ela
sofrida durante o regime ditatorial através das Leis n.° 5.692/71 e 7.044/82 - e a atual Lei n.° 9.394/96.
A educação infantil
Aúnica referência à educação infantil feita na legislação anterior se encontra no § 2o do art. 19 da lei n.° 5.692/71: “Os sistemas de
ensino velarão para que as crianças de idade inferior a sete anos recebam conveniente educação em escolas maternais, jardins de infância e
instituições equivalentes.”
A educação infantil não era valorizada nem mesmo dentro da estrutura educacional, pois não fazia parte de nenhum sistema de ensino.
Pode- se perceber que, diferentemente dos estudos mais avançados na área educacional, não se fazia necessário assegurar a oferta do que a
nova Lei de Diretrizes passou a denominar, com muita propriedade, de educação infantil. Tem-se a impressão de que a única necessidade
era a criação de espaços nos quais os pais poderíam colocar seus filhos enquanto estives- sem trabalhando, sem com eles se preocupar, já
que estariam sendo “velados” em maternais e jardins de infância.
ALei n.° 9.394/96 trouxe mna grande novidade nesta área, talvez um dos maiores avanços do novo texto legal. Em uma seção própria,
dentro do capítulo que trata da educação básica, as mudanças podem ser percebidas. O art. 29 proclama: “A educação infantil, primeira
etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico,
psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da escola.”
Mesmo no plano estrutural há uma mudança relevante já que as instituições de educação infantil, públicas e privadas, passam a
compor o sistema municipal de ensino (art. 18, LDB).
É interessante notar como a visão de educação infantil inserida no texto da Lei de Diretrizes está em plena sintoma com a Constituição
Federal de 1988 e com o Estatuto da Criança e do Adolescente. Este último visa garantir a proteção integral das crianças e adolescentes, o
que inclui o disposto no art. 29 da LDB: o desenvolvimento integral da criança de até seis anos. Além disso, este artigo reafirma outro
princípio da Constituição, qual seja: a responsabilidade quanto à educação cabe ao Estado, à família e à comunidade (sociedade civil).
A educação infantil tem se desenvolvido tanto nos últimos anos a ponto de permitir às crianças que a ela tiveram acesso já cheguem
alfabetizadas ao ensino fundamental. Isto demonstra como a educação infantil não é mera “pré-escola”, mas sim aspecto importante no
desenvolvimento integral da criança. É necessário, por isso, que o acesso à educação infantil seja garantido a todos, a fim de não se
constituir em mais um fator de exclusão social.
O ensino fundamental
Talvez o art. 30 da lei n.° 4.024/61 (antiga Lei de Diretrizes, revogada pela lei de 1996) possa representar, um pouco, o espírito da
legislação anterior no que diz respeito ao ensino fundamental:
Art. 30- Não poderá exercer função pública, nem ocupar emprego em sociedade de economia mista ou empresa concessionária de
serviço público, o pai de família ou responsável por criança em idade escolar sem fazer prova de matrícula desta, em estabelecimento de
ensino, ou de que lhe está sendo ministrada educação no lar.
Parágrafo único: Constituem casos de isenção, além de outros previstos em lei:
a) comprovado estado de pobreza do pai ou responsável;
b) insuficiência de escolas;
c) matrícula encerrada;
d) doença ou anomalia grave da criança.
Parece louvável a intenção do caput deste artigo quando condiciona o exercício de função pública à matrícula do filho na rede escolar.
Toda- via, é difícil de compreender a lógica dos critérios de isenção enmnera- dos no parágrafo único.
O estado de pobreza do pai o eximiría da responsabilidade da educação de seu filho. Este fato demonstra claramente que o Estado
estava se desobrigando quanto à responsabilidade de oferecer a educação funda- mental, repassando-a aos pais.
No segundo e terceiro casos - insuficiências de escolas e matrícula encerrada - o descaso para com a educação por parte do Poder
Público era, da mesma forma, notório. Se não existissem escolas ou se as matrículas já estivessem encerradas, ninguém era
responsabilizado e as crianças que não tivessem condições de estudar por tais motivos estariam jogadas à sorte, sem a possibilidade de
exigir a garantia de um dos seus direitos mais fundamentais.
Uma das poucas alterações feitas na Lei de Diretrizes de 1961 pelo governo militar foi referente ao ensino fundamental. A Lei n.°
5.692/71 alterou as bases e as diretrizes da educação nacional no tocante ao que hoje se denomina ensino fundamental.
O antigo ensino primário passou a ser chamado de ensino de Io grau e o ensino médio tomou o nome de ensino de 2o grau. O ensino de
o
I grau era obrigatório, cabendo aos Estados e Municípios fiscalizarem e incentivarem a frequência dos alunos.
No que se refere à finalidade do ensino de Io grau, a Lei n.° 5.962/71 era bastante sintética. O art. 17 desta Lei estabelecia que o ensino
o
de I grau destinava-se à fonnação da criança e do pré-adolescente, variando em conteúdo e métodos segundo as fases de desenvolvimento
dos alunos.
Com a entrada em vigor da nova Lei de Diretrizes e Bases da educação ocorreram algumas mudanças referentes ao modo de entender
as finalidades e os meios de implantação do ensino fundamental.
Contudo, as alterações realizadas não são tão radicais no sentido de favorecer a democratização e a melhoria na qualidade da educação
neste nível de ensino.
A primeira alteração diz respeito à nomenclatura: o antigo ensino de Io grau passa a ser chamado de ensino fundamental. Mudança
mais consistente talvez fosse a substituição do termo “ensino” pelo termo “educação”, que traria consigo uma nova postura, ou seja, o
processo educacional seria visto não mais do ponto de vista do ensino, mas do ponto de vista do processo de aprendizagem.
Uma das alterações mais significativas foi elevar o ensino fundamental à categoria de direito público subjetivo, exigível a qualquer
tempo (art.5°, LDB e art. 208,1, CF). Todo e qualquer cidadão pode exigi-lo, sendo que a oferta irregular ou a não oferta podem acarretar
crime de responsabilidade para a autoridade competente.
A duração do ensino fundamental é de 8 anos (dos 7 aos 14 anos, de preferência), sendo que sua oferta é responsabilidade dos
sistemas de ensinos estadual e municipal (arts.10, VI, e 11, V, da LDB).
A progressão da permanência na escola, uma das idéias mais defendidas por Darcy Ribeiro, é uma das metas estabelecidas no art. 34
da LDB. Tal progressão não foi imposta na lei, demonstrando um de seus fatores positivos: a flexibilização, que favorece uma prática mais
democrática no desenvolvimento da educação.
Ao contrário da lei anterior, extremamente sintética quanto às finalidades do ensino fundamental, a atual LDB apresenta uma série de
finalidades que devem ser alcançadas através do ensino fundamental (art. 32 e incisos, LDB). Algumas dessas finalidades são mais do que
lógicas: certamente a educação deve proporcionar o domínio da leitura, da escrita e do cálculo (art. 32,1). O que não pode acontecer é fazer
com que o ensino fundamental restrinja sua atuação somente à obrigação de ensinar a leitura, a escrita e os números. A educação deve ir
além, se deseja ser instrumento na construção de uma sociedade cidadã, proporcionando aos educandos o diálogo e conscientização como
fatores de produção do conhecimento.

O inciso IV do mesmo artigo estabelece que o ensino fundamental deve favorecer “[...] o fortalecimento dos vínculos de família, dos
laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social”. Se o inciso I pode restringir a educação ao ensino
da leitura, da escrita e dos números, o inciso IV representa a importância do ensino fundamental na conscientização de crianças e
adolescentes sobre a necessidade de estabelecer detenninados valores essenciais para o convívio em sociedade, tais como solidariedade e
tolerância.
O ensino médio
Denominado de 2o grau pela Lei n.° 5.692/71, a nova Lei de Diretrizes e Bases passou a chamar de ensino médio a etapa posterior ao
ensino fundamental.
Na antiga legislação, a ênfase maior era dada à educação profissional tanto que a 5692/71 obrigava a profissionalização em todos os
cursos de 2o grau. Em virtude de fortes contestações (vindas, de maneira particular, da classe média, que exigia fonnas de ensino voltadas
para a preparação ao ensino superior), esta obrigatoriedade foi, mais tarde, revogada.
Como fonna de assentar a preponderância do ensino de 2o grau voltado para a fonnação profissional, surge a Lei n.° 7.044/82 que
regulamentava a profissionalização do ensino de 2o grau. De acordo com estas alterações, o art. Io da Lei n.° 5.692/71 passou a vigorar com
a seguinte redação: “o ensino de Io e 2o graus tem por objetivo geral proporcionar ao educando a fonnação necessária ao desenvolvimento
de suas potencialidades como elemento de auto realização, preparação para o trabalho e para o exercício consciente da cidadania”.
A grande crise do ensino médio sempre residiu no fato de sua indefinição: ora deve ser mn fim em si mesmo e, desta fonna, ser
profissionalizante, ora deve ser mn meio para atingir realidades subsequentes, isto é, o ensino médio deve ser instrumento de preparação
para o ensino superior.
No contexto desta eterna indefinição, e na tentativa de encontrar uma posição capaz de amenizar este quadro, surgem os debates em
tomo de uma nova lei de Diretrizes e Bases da Educação. A proposta feita pela comunidade educacional, através do Fórum Nacional em
Defesa da Escola Pública, foi a concepção da politécnica (não fonnar exclusivamente técnicos, mas dar-lhes a possibilidade de ter uma
fonnação mais geral) unida a mna proposta de educação geral. “Tais cursos teriam, necessariamente, a educação geral como eixo
unificador, ficando a oferta de disciplinas e atividades profissionalizantes condicionadas à ampliação de sua duração, sem dispensar mn
conteúdo organicamente estruturado”.
A Lei n°. 9.394/96, contudo, não trouxe a perspectiva da politécnica já que a tramitação da lei no Congresso Nacional não permitiu
esta alteração. A educação profissional, assim como está regulada pela LDB, mostra-se ineficiente para efetivar a inserção da
profissionalização como aspecto ligado à educação.
Uma mudança, porém, representa mn avanço: a denominação do capítulo passou de “Educação técnico-profissional” para “Educação
Profissional”. A Lei de Diretrizes e Bases trata da educação profissional nos artigos 39 a 42. Estes artigos foram regulamentados pelo
Decreto Federal n.° 2.208, de 17 de abril de 1997.
A Emenda Constitucional n.° 14, ao alterar a expressão do art. 208,1, da Constituição de “extensão da obrigatoriedade” para
“progressiva universalização do ensino médio”, reduziu a obrigatoriedade constitucional no que se refere ao ensino médio. Este fato
demonstra mn retrocesso, visto que quanto maior a obrigação no oferecimento de níveis educacionais maior a possibilidade de tomar
conscientes e livres os membros de mna sociedade. (VERONESE J. R. P. e Vieira C. E.)

6POLÍTICAS EDUCACIONAISPARAA EDUCAÇÃO BÁSICA.


Políticas e gestão da educação básica no Brasil: descontinuidade e centralização
A constituição e a trajetória histórica das políticas educacionais no Brasil, em especial os processos de organização e gestão da
educação básica nacional, têm sido marcadas hegemonicamente pela lógica da descontinuidade, por carência de planejamento de longo
prazo que evidenciasse políticas de Estado em detrimento de políticas conjunturais de governo. Tal dinâmica tem favorecido ações sem a
devida articulação com os sistemas de ensino, destacando-se, particularmente, gestão e organização, fonnação inicial e continuada,
estrutura curricular, processos de participação.

Desde a redemocratização do país, houve mudanças acentuadas na educação brasileira, com destaque para a aprovação e
promulgação da Constituição Federal de 1988, que garantiu mna concepção ampla de educação e sua inscrição como direito social
inalienável, bem como a partilha de responsabilidade entre os entes federados e a vinculação constitucional de recursos para
a educação. No âmbito das políticas educacionais, destacaram-se, sobremaneira, as modificações de ordem jurídico institucional.
!ssc contexto, é fundamental ressaltar a busca de organicidade das políticas, sobretudo no âmbito do governo federal e de alguns governos
estaduais, na década de 1990, quando, em consonância com a refonna do Estado e a busca de sua “modernização”, se implementaram
novos modelos de gestão, cujo norte político-ideológico objetivava, segundo Oliveira (2000, p. 331), “(...) introjetar na esfera pública
as noções de eficiência, produtividade e racionalidade inerentes à lógica capitalista”. No campo educacional, há que se destacar,
ainda, o importante papel desempenhado pelos organismos multilaterais na fonnulação de políticas educacionais no período.

Ijl
Nesse c
Tais constatações evidenciam limites estruturais à lógica político pedagógica dos processos de proposição e materialização das
políticas educacionais, configurando-se, desse modo, em claro indicador de gestão centralizada e de pouca eficácia pedagógica para
mudanças substantivas nos sistemas de ensino, ainda que provoque alterações de rotina, ajustes e pequenas adequações no cotidiano
escolar, o que pode acarretar a suspensão de ações consolidadas na prática escolar sem a efetiva incorporação de novos fonnatos de
organização e gestão. Isto não redundou em mudança e, sim, em um cenário de hibridismo no plano das concepções e das práticas que,
historicamente, no Brasil, têm resultado em realidade educacional excludente e seletiva. Vivencia-se, no país, um conjunto de ações, de
modo parcial ou pouco efetivo, sob a ótica da mudança educacional, mas que, de maneira geral, contribui para desestabili- zar o instituído,
sem a força política de instaurar novos parâmetros orgânicos à prática educativa.
Nessa direção, houve um conjunto de políticas de reestruturação da gestão, organização e financiamento da educação básica. Segundo
Cury (2002, p. 197), nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998; 1999-2002) promoveram-se diversas alterações
fortemente marcadas (...) por políticas focalizadoras, com especial atenção ao ensino fundamental, a fim de selecionar e destinar os
recursos para metas e objetivos considerados urgentes e necessários. Tais políticas vieram justificadas por um sentido, por vezes
satisfatório, do princípio da equidade como se este fosse substituto do da igualdade.
Desse quadro, é possível depreender que as políticas focalizadas propiciaram a emergência de programas e ações orientados pelo
governo federal aos estados e municípios, destacando-se: a disseminação de Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), a
implantação do Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE) pelo FUNDESCOLA, a criação do Programa Dinheiro Direto
na Escola (PDDE) e a implementação de uma política de avaliação fortemente centralizada, em detrimento de um sistema que
propiciasse a colaboração recíproca entre os entes federados. A rapidez com que se processaram as políticas para a educação básica se deu
em função da centralização no âmbito federal. Segundo Cury (2002, p. 199), sem a elaboração de lei complementar que defina o que é re-
gime de colaboração entre os entes federados, prevista no § único do artigo 23, da CF/88, o país vivência tensões no tocante ao pacto
federativo, por meio de “um regime de decisões nacionalmente centralizadas e de execuções de políticas sociais subnacionalmente
desconcentradas em que se percebe mna situação de competitividade recíproca (guerra fiscal) entre os subnacionais”.
Tal cenário contribuiu, sobremaneira, para a desarticulação de experiências e projetos em andamento e para a adoção de medidas
ligadas às políticas federais para a educação básica, em função da necessidade dos sistemas e escolas buscarem fontes complementares de
recursos. Tal adesão, contudo, não provocou, necessariamente, a mudança da cultura institucional dos sistemas e das escolas. Em muitos
casos, resultou em ajustes e arranjos funcionais dos processos em curso nesses espaços, alterando, por vezes, a lógica e a natureza das
escolas e, em alguns casos, a sua concepção pedagógica, a fim de cumprir obrigações “contratuais” com o governo federal no âmbito da
prestação de contas.
Essa lógica e dinâmica política é, ainda, uma realidade no cenário educacional brasileiro, na medida em que não se elaborou a lei
complementar que definiría o regime de colaboração recíproca entre os entes federados, manteve-se a indução de políticas, por meio de
financiamento de programas e ações priorizadas pela esfera federal, e não se adotou o Plano Nacional de Educação (PNE)
como referência base para as políticas educacionais. Adicione-se a isso, mais recentemente, a apresentação pelo MEC de mn Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE), que não contou, na sua elaboração, com a participação efetiva de setores organizados da sociedade
brasileira, de representantes dos sistemas de ensino e de setores do próprio Ministério. O PDE apresenta indicações de grandes e
importantes ações direcionadas à educação nacional. No entanto, não está balizado por fundamentação técnico pedagógica suficiente e
carece de articulação efetiva entre os diferentes programas e ações em desenvolvimento pelo próprio MEC e as políticas propostas. Tal
constatação revela a necessidade de planejamento sistemático, que, após avaliar o conjunto de ações, programas e planos em
desenvolvimento, contribua para o estabelecimento de políticas que garantam organicidade entre as políticas, entre os diferentes órgãos do
MEC, sistemas de ensino e escola e, ainda, a necessária mediação entre o Estado, demandas sociais e o setor produtivo, em um cenário
historicamente demarcado pela fragmentação e/ou superposição de ações e programas, o que resulta na centralização das políticas de
organização e gestão da educação básica no país. Trata-se de um cenário ambíguo, no qual um conjunto de programas parece
avançar na direção de políticas com caráter inclusivo e democrático, enquanto, de outro lado, prevalece a ênfase gerencial,
com forte viés tecnicista e produtivista, que vislumbra nos testes estandardizados a naturalização do cenário desigual em
que se dá a educação brasileira. Os programas federais de educação básica, atravessados por concepções distintas e até antagônicas,
realçam o cenário contra-ditório das ações governamentais. Tal perspectiva enseja a necessidade de maior organicidade entre as políticas,
ações e programas.

Na década atual, várias políticas, programas e ações foram realizados pelo governo federal, após a aprovação de um PNE sob a ótica
gerencial e patrimonial. É oportuno destacar, contudo, que grande parte das políticas educacionais foi reorientada, a partir de 2003,
implicando alterações nos marcos regulatórios vigentes para a educação básica e superior. Nesse sentido, o governo federal pautou sua
atuação pelo princípio da defesa da educação de qualidade, a partir do binômio inclusão e democratização. Algumas ações
mereceram particular destaque, como a ampliação do ensino fundamental de oito para nove anos, as políticas de ação afinnativa e,
de modo estrutural, a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação (FUNDEB).
Atualmente, articulam-se esforços dos entes federados para garantir a regulamentação do FUNDEB, de natureza contábil, cujo
desenho pode representar um avanço na dinâmica e lógica do financiamento da educação básica nacional, sobretudo quanto à sua
caracterização (direcionado à educação infantil, ensino fundamental e médio).
Aliados ao redimensionamento do financiamento da educação básica, destacam-se os planos de educação, notadamente o PNE, os
Planos Estaduais de Educação (PEE) e os Planos Municipais de Educação (PME). Se entendidos como planos de Estado, estes deveríam
implicar redimensionamento das políticas e gestão e, fundamentalmente, da lógica de financiamento e, portanto, do orçamento público. Tal
dinâmica encontra-se desarticulada e associada à lógica de desconcentração que tem marcado a educação nacional. Merece ser destacado,
contudo, o esforço desenvolvido para estimular a fonnação de conselhos, bem como a sua capacitação.
Quanto ao PNE, é importante ressaltar que, aliado às metas vetadas, ele não foi integrado efetivamente ao processo de elaboração do
Plano Plurianual (PPA) e suas revisões. Considerando que o PPA é um instrumento fundamental do orçamento público, juntamente com a
Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual, esse processo não resultou em organicidade orçamentária que viesse dar
efetividade às metas do PNE.
Apesar desse cenário de mudanças na área da gestão educacional, vários programas foram mantidos no fonnato original, destacando-
se o Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE). Por outro lado, novos programas foram implantados, a fim de contribuir com os
processos de democratização da escola, com destaque para o Programa Nacional de Fortalecimento de Conselhos Escolares.
Políticas e gestão da educação básica: democratizando o acesso e a permanência com qualidade
Algumas políticas, programas e ações têm se desencadeado nos âmbitos federal, estadual e municipal, a fim de contribuir para a
ampliação das oportunidades educacionais na educação básica, tarefa constitucionalmente de competência direta dos estados. Distrito
Federal e municípios. A iniciativa da União, por meio da indução do financia- mento de ações, programas e políticas, nem sempre tem se
realizado de modo orgânico, na medida em que se caracteriza pela superposição e pela ingerência direta nas escolas vinculadas aos
sistemas de ensino, entre outros. Nesse cenário, assiste-se a um discurso marcadamente voltado à descentralização do ensino, por meio do
regime de colaboração entre os entes federados, e à proposição de políticas centralizadas no âmbito de programas e ações do MEC, nem
sempre articuladas e cuja adesão por estados e municípios se efetiva, historicamente, sem clara conexão com prioridades estabelecidas
pelos respectivos sistemas de ensino.
Dessa fonna, assegurar condições políticas e de gestão para o envolvimento e a participação da sociedade civil na formulação,
implementação das ações e programas de universalização da educação básica, bem como a melhoria da educação nos diferentes níveis e
modalidades, é tarefa dos poderes públicos. No Brasil, dada a natureza patrimonial do Estado, muito há que ser feito, a fim de garantir a
participação da sociedade civil nas políticas públicas, especialmente na educação.
Essas constatações contribuem para a compreensão de que a democratização do ensino não se dá somente pela garantia do acesso,
reque- rendo sua oferta com qualidade social, para otimizar a pennanência dos estudantes e, desse modo, contribuir para a melhoria dos
processos fonnativos e a participação cidadã.
Todas essas questões se articulam às condições objetivas da população, em um país historicamente demarcado por forte desigualdade
social, revelada nos indicadores sociais preocupantes e que, nesse sentido, carece de amplas políticas públicas, incluindo a garantia de
otimização nas políticas de acesso, pennanência e gestão, com qualidade social, na educação básica.
Políticas e gestão para uma educação básica de qualidade: desafio nacional
O investimento em educação básica, tendo a qualidade como parâmetro de suas diretrizes, metas e ações e conferindo a essa qualidade
uma dimensão sócio histórica e, portanto, inclusiva, é um grande desafio para o país, em especial para as políticas e gestão desse nível de
ensino. Pensar a qualidade social da educação implica assegurar um pro- cesso pedagógico pautado pela eficiência, eficácia e efetividade
social, de modo a contribuir com a melhoria da aprendizagem dos educandos, em articulação à melhoria das condições de vida e de
fonnação da população.

A busca por melhoria da qualidade da educação exige medidas não só no campo do ingresso e da pennanência, mas requer ações que
possam reverter a situação de baixa qualidade da aprendizagem na educação básica, o que pressupõe, por um lado, identificar os
condicionantes da política de gestão e, por outro, refletir sobre a construção de estratégias de mudança do quadro atual.
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EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos

O conceito de qualidade, nessa perspectiva, não pode ser reduzido a rendimento escolar, nem tomado como referência para o
estabelecimento de mero ranking entre as instituições de ensino. Assim, uma educação com qualidade social é caracterizada por um
conjunto de fatores intra e extra-escolares que se referem às condições de vida dos alunos e de suas famílias, ao seu contexto social,
cultural e econômico e à própria escola - professores, diretores, projeto pedagógico, recursos, instalações, estrutura organizacional,
ambiente escolar e relações intersubjetivas no cotidiano escolar. Segundo Dourado, Oliveira e Santos (2007), (...) a qualidade da educação
é mn fenômeno complexo, abrangente, e que envolve múltiplas dimensões, não podendo ser apreendido apenas por um reconhecimento de
variedade e das quantidades mínimas de insmnos considerados indispensáveis ao desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem e
muito menos sem tais insmnos (...). Desse modo, a qualidade da educação é definida envolvendo a relação entre os recursos materiais e
humanos, bem como a partir da relação que ocorre na es- cola e na sala de aula (...).
É em consonância com essa perspectiva e no intuito de melhorar a qualidade da educação brasileira que devem se situar as ações,
medi- adas por efetiva regulamentação do regime de colaboração entre a União, estados. Distrito Federal e municípios, objetivando, de
fato, as- segurar um padrão de acesso, pennanência e gestão na educação básica, pautado por políticas e ações que promovam a educação
democrática e de qualidade social para todos. (Texto adaptado DOURADO, L. F.).
6.1 ENSINO MÉDIO.
Ensino médio
O ensino médio é a etapa final da educação básica e prepara o jovem para a entrada na faculdade. Com duração mínima de três anos,
esse estágio consolida e aprofunda o aprendizado do ensino fundamental, além de preparar o estudante para trabalhar e exercer a cidadania.
Ensina teoria e prática em cada disciplina, facilitando a compreensão das profissões, e desenvolve o pensamento crítico e a autonomia
intelectual do aluno.
Nesta nova etapa do ensino, é obrigatória a inclusão de uma língua estrangeira moderna, como o inglês ou o espanhol. Desde 2008, o
ensino de Filosofia e Sociologia em todas as séries do ensino médio também é obrigatório.
Última etapa do curso básico visa preparar candidatos para o
vestibular
As escolas de educação profissional, científica e tecnológica também fazem parte do ensino médio. Existem hoje 314 unidades voltadas
para este tipo de educação em todos os estados do Brasil entre Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, Cen-tros Federais de
Educação Tecnológica, Escolas Técnicas vinculas às Universidades Federais e Universidades Tecnológicas indus-triais. A expectativa é
que mais 81 unidades sejam entregues pelo MEC até o primeiro semestre de 2012.
Números do ensino médio
Segundo dados do Censo Escolar 2009, um total de 8.337.160 estudantes está matriculado no ensino médio regular - 1,1% em escolas
federais (90.353), 85,9% em estaduais (7.163.020), 1,33% em municipais (110.780) e 11,67% em instituições privadas (973.007). A região
Sudeste tem o maior número de matrículas no ensino médio com 3.356.293 alunos, seguida pela região Nordeste, com 2.512.783. O
Centro-Oeste tem o menor número de alunos matriculados nessa etapa de ensino, com 609.722 estudantes. Ainda segundo o Censo Escolar
2009, o ensino médio brasileiro conta com 25.923 instituições.
Iniciativas importantes
o MEC, por meio da Secretaria de Educação Básica, promove diversas iniciativas e programas voltados ao Ensino Médio. O Ensino
Médio Inovador, por exemplo, estimula as redes estaduais de educação a pensar em novas soluções que tomem o currículo escolar
desta etapa mais interessante e atraente para o estudante. Entre as propostas em estudo, está mudança da carga horária mínima do
ensino médio para três mil horas e a possibilidade de o aluno escolher as atividades de 20% de sua carga horária e grade curricular. O
Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio também merece destaque (PNLEM). Implantado em 2004, o
programa investiu R$ 184,8 milhões em 2010 na compra e na distribuição de livros de português e
matemática para escolas de todo país.
O MEC também possui outros programas voltados ao ensino médio, como o Prêmio Ciências no Ensino Médio, as Olimpíadas de
Matemática, as Olimpíadas da Língua Portuguesa, entre outros.
Saiba mais sobre Enem no Portal Brasil.

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6.1.1 DIRETRIZES, PARÂMETROS CURRICULARES, CURRÍCULO
EAVALIAÇÃO.
O Ministério da Educação, por intennédio da Secretaria de Educação Média e Tecnológica, organizou, na atual administração, o
projeto de reforma do Ensino Médio como parte de uma política mais geral de desenvolvimento social, que prioriza as ações na área da
educação.
O Brasil, como os demais países da América Latina, está empenhado em promover reformas na área educacional que permitam
superar o quadro de extrema desvantagem em relação aos índices de escolarização e de nível de conhecimento que apresentam os países
desenvolvidos.
Particularmente, no que se refere ao Ensino Médio, dois fatores de natureza muito diversa, mas que mantêm entre si relações
observáveis, passam a determinar a urgência em se repensar as diretrizes gerais e os parâmetros curriculares que orientam esse nível de
ensino.
Primeiramente, o fator econômico se apresenta e se dehne pela ruptura tecnológica característica da chamada terceira revolução
técnico-industrial, na qual os avanços da micro- eletrônica têm um papel preponderante, e, a partir década de 80, se acentuam no País.
A denominada “revolução informática” promove mudanças radicais na área do conhecimento, que passa a ocupar um lugar central nos
processos de desenvolvimento, em geral. É possível ahnnar que, nas próximas décadas, a educação vá se transformar mais rapidamente do
que em muitas outras, em função de uma nova compreensão teórica sobre o papel da escola, estimulada pela incorporação das novas
tecnologias.
As propostas de reforma curricular para o Ensino Médio se pautam nas constatações sobre as mudanças no conhecimento e seus
desdobramentos, no que se refere à produção e às relações sociais de modo geral.
Nas décadas de 60 e 70, considerando o nível de desenvolvimento da industrialização na América Latina, a política educacional
vigente priorizou, como hnalidade para o Ensino Médio, a formação de especialistas capazes de dominar a utilização de maquinarias ou de
dirigir processos de produção. Esta tendência levou o Brasil, na década de 70, a propor a prohssionalização compulsória, estratégia que
também visava a diminuir a pressão da demanda sobre o Ensino Superior.
Na década de 90, enfrentamos um desaho de outra ordem. O volume de informações, produzido em decorrência das novas
tecnologias, é constantemente superado, colocando novos parâmetros para a formação dos cidadãos. Não se trata de acumular co-
nhecimentos.
A formação do aluno deve ter como alvo principal a aquisição de conhecimentos básicos, a preparação cientíhca e a capacidade de
utilizar as diferentes tecnologias relativas às áreas de atuação.
Propõe-se, no nível do Ensino Médio, a formação geral, em oposição à formação especíhca; o desenvolvimento de capacidades de
pesquisar, buscar informações, analisá-las e selecioná-las; a capacidade de aprender, criar, formular, ao invés do simples exercício de
memorização.
São estes os princípios mais gerais que orientam a reformulação curricular do Ensino
Médio e que se expressam na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação - Lei 9.394/96.
Se é necessário pensar em reformas curriculares, levando em conta as mudanças estruturais que alteram a produção e a própria
organização da sociedade que identihcamos como fator econômico, não é menos importante conhecer e analisar as condições em que se
desenvolve o sistema educacional do País.
No Brasil, o Ensino Médio foi o que mais se expandiu, considerando como ponto de partida a década de 80. De 1988 a 1997, o
crescimento da demanda superou 90% das matrículas até então existentes. Em apenas um ano, de 1996 a 1997, as matrículas no Ensino
Médio cresceram 11,6%.
É importante destacar, entretanto, que o índice de escolarização líquida neste nível de ensino, considerada a população de 15 a 17
anos, não ultrapassa 25%, o que coloca o Brasil em situação de desigualdade em relação a muitos países, inclusive da América Latina.
Nos países do Cone Sul, por exemplo, o índice de escolarização alcança de 55% a 60%, e na maioria dos países de língua inglesa do
Caribe, cerca de 70%.
O padrão de crescimento das matrículas no Ensino Médio no Brasil, entretanto, tem características que nos permitem destacar as suas
relações com as mudanças que vêm ocorrendo na sociedade.
As matrículas se concentram nas redes públicas estaduais e no período noturno.
Os estudos desenvolvidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), quando da avaliação dos con- cluintes
do Ensino Médio em nove Estados, revelam que 54% dos alunos são originários de famílias com renda mensal de até seis salários mínimos
e, na Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte, mais de 50% destes têm renda familiar de até três salários mínimos.

Moun
APCXTUAÇ PARA coroMOÇ PÚBLICOS
É possível concluir que parte dos grupos sociais até então excluídos tenha tido oportunidade de continuar os estudos em função do
término do Ensino Fundamental, ou que esse mesmo grupo esteja retomando à escola, dada a compreensão sobre a importância da
escolaridade, em função das novas exigências do mundo do trabalho.
Pensar um novo currículo para o Ensino Médio coloca em presença estes dois fatores: as mudanças estruturais que decorrem da
chamada “revolução do conhecimento”, alterando o modo de organização do trabalho e as relações sociais; e a expansão crescente da rede
pública, que deverá atender a padrões de qualidade que se coadunem com as exigências desta sociedade.
O processo de trabalho
O projeto de refonna curricular do Ensino Médio teve como estrutura, desde sua origem, um modelo cuja principal preocupação era
proporcionar um diálogo constante entre os dirigentes da Secretaria de Educação Média e Tecnológica, a equipe técnica coordenadora do
projeto da refonna e os diversos setores da sociedade civil, ligados direta ou indiretamente à educação.
Dehniu-se que, para a fonnulação de uma nova concepção do Ensino Médio, seria fundamental a participação de professores e
técnicos de diferentes níveis de ensino.
A primeira reunião entre os dirigentes, a equipe técnica da Secretaria de Educação Média e Tecnológica e professores convidados de
várias universidades do País apontou para a necessidade de se elaborar uma proposta que, incorporando os pressupostos acima citados e
respeitando o princípio de flexibilidade, orientador da Lei de Diretrizes e Bases, se mostrasse exequível por todos os Estados da Federação,
considerando as desigualdades regionais.
A primeira versão da proposta de refonna foi elaborada pelo então diretor do Departamento de Desenvolvimento da Educação Média e
Tecnológica, professor Ruy Leite Berger Filho, e pela coordenadora do projeto, professora Eny Marisa Maia.
Propôs-se, numa primeira abordagem, a reorganização curricular em áreas de conhecimento, com o objetivo de facilitar o desen-
volvimento dos conteúdos, numa perspectiva de interdisciplinaridade e contextualização.
Foram convidados a participar do processo de elaboração da proposta de refonna curricular professores universitários com reco-
nhecida experiência nas áreas de ensino e pesquisa, os quais atuaram como consultores especialistas.
As reuniões subsequentes foram organizadas com a participação da equipe técnica de coordenação do projeto e representantes de
todas as Secretarias Estaduais de Educação, para as discussões dos textos que fundamentavam as áreas de ensino.
A metodologia de trabalho visava a ampliar os debates, tanto no nível acadêmico quanto no âmbito de cada Estado, envolvendo os
professores e técnicos que atuavam no Ensino Médio. Os debates realizados nos Estados, coordenados pelos professores representantes,
deveríam permitir uma análise crítica do material, contendo novas questões e/ou sugestões de aperfeiçoamento dos documentos.
Concluída esta primeira etapa, os docmnentos foram submetidos à apreciação dos Secretários de Estado em reuniões do CON- SED e
outras, organizadas pela Secretaria de Educação Média e Tecnológica com esse objetivo específico.
O debate ampliou-se por meio da participação dos consultores especialistas em diversas reuniões nos Estados e pela divulgação dos
textos de fundamentação das áreas entre os professores de outras universidades.
Concomitantemente à reformulação dos textos teóricos que fundamentavam cada área de conhecimento, foram realizadas duas
reuniões nos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro com professores que lecionavam nas redes públicas, escolhidos aleatoriamente, com
a finalidade de verificar a compreensão e a receptividade, em relação aos documentos produzidos.
Obtivemos índices de aceitação muito satisfatórios nesses dois encontros, o que se considerou como um indicador da adequação da
proposta ao cotidiano das escolas públicas.
O projeto foi também discutido em debates abertos à população, como o organizado pelo jornal Folha de S. Paulo no início de 1997.
Neste debate, do qual participaram os sindicatos de professores, a associação de estudantes secundaristas, representantes de escolas
particulares e outros segmentos da sociedade civil, o professor Ruy Leite Berger Filho apresentou a proposta de refonna curricular, que
obteve dos participantes mna aprovação consensual.
Os trabalhos de elaboração da refonna foram concluídos em junho de 1997, a partir de uma série de discussões internas que
envolveram os dirigentes, a equipe técnica de coordenação do projeto e os professores consultores.
O docmnento produzido foi apresentado aos Secretários de Educação das Unidades Federadas e encaminhado ao Conselho Nacional
de Educação em 7 de julho de 1997, solicitando-se o respectivo parecer. Nessa etapa, a Secretaria de Educação Média e Tecnológica
trabalhou integradamente com a relatora indicada pelo Conselho, a professora Guiomar Namo de Mello, em reuniões especialmente
agendadas para este fim e por meio de assessorias específicas dos professores consultores especialistas.
O Parecer do Conselho Nacional de Educação foi aprovado em 1/06/98 - Parecer n° 15/98 da Câmara de Educação Básica (CEB), do
Conselho Nacional de Educação (CNE), seguindo- se a elaboração da Resolução que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Ensino Médio, Resolução CEB/CNE n° 03/98 e à qual o Parecer se integra.
Os textos de fundamentação das áreas de conhecimento, elaborados pelos professores especialistas, foram submetidos à apreciação de
consultores visando ao aperfeiçoamento dos mesmos. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional foi a principal referência legal
para a fonnulação das mudanças propostas, na medida em que estabelece os princípios e finalidades da Educação Nacional.
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos

A Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional e a reforma curricular do Ensino Médio


• Ensino Médio é Educação Básica
A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96) vem conferir uma nova identidade ao Ensino Médio,
determinando que Ensino Médio é Educação Básica.
A Constituição de 1988 já prenunciava essa concepção, quando, no inciso II do Ari. 208, garantia como dever do Estado “a pro-
gressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio”. Posteriormente, a Emenda Constitucional n° 14/96 modificou a
redação desse inciso sem alterar o espírito da redação original, inscrevendo no texto constitucional “a progressiva universalização do
ensino médio gratuito”. A Constituição, portanto, confere a esse nível de ensino o estatuto de direito de todo cidadão.
A alteração provocada pela Emenda Constitucional merece, entretanto, um destaque. O Ensino Médio deixa de ser obrigatório para as
pessoas, mas a sua oferta é dever do Estado, numa perspectiva de acesso para todos aqueles que o desejarem. Por sua vez, a LDB reitera a
obrigatoriedade progressiva do Ensino Médio, sendo esta, portanto, uma diretriz legal, ainda que não mais constitucional.
A LDB confere caráter de nonna legal à condição do Ensino Médio como parte da
Educação Básica, quando, por meio do Ari. 21, estabelece:
“Ari. 21. A educação escolar compõe-se de:
I - Educação básica, fonnada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio; II - Educação superior”
Isso significa que o Ensino Médio passa a integrar a etapa do processo educacional que a Nação considera básica para o exercício da
cidadania, base para o acesso às atividades produtivas, para o prosseguimento nos níveis mais elevados e complexos de educação e para o
desenvolvimento pessoal, referido à sua interação com a sociedade e sua plena inserção nela, ou seja, que “tem por finalidades desenvolver
o educando, assegurar-lhe a fonnação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e
em estudos posteriores” (Art.22, Lei n° 9.394/96).
• O Ensino Médio como etapa final da Educação Básica
ALei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional explicita que o Ensino Médio é a “etapa final da educação básica” (Art.36), o que
concorre para a construção de sua identidade. O Ensino Médio passa a ter a característica da tenninalidade, o que significa assegurar a
todos os cidadãos a oportunidade de consolidar e aprofundar os conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental; aprimorar o educando
como pessoa humana; possibilitar o prosseguimento de estudos; garantir a preparação básica para o trabalho e a cidadania; dotar o
educando dos instrumentos que o permitam “continuar aprendendo”, tendo em vista o desenvolvimento da compreensão dos “fundamentos
científicos e tecnológicos dos processos produtivos” (Art.35, incisos I a IV).
O Ensino Médio, portanto, é a etapa final de uma educação de caráter geral, afinada com a contemporaneidade, com a construção de
competências básicas, que situem o educando como sujeito produtor de conhecimento e participante do mundo do trabalho, e com o
desenvolvimento da pessoa, como “sujeito em situação” - cidadão.
Nessa concepção, a Lei n° 9.394/96 muda no cerne a identidade estabelecida para o Ensino Médio contida na referência anterior, a Lei
n° 5.692/71, cujo 2o grau se caracterizava por uma dupla função: preparar para o prosseguimento de estudos e habilitar para o exercício de
uma profissão técnica.
Na perspectiva da nova Lei, o Ensino Médio, como parte da educação escolar, “deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática
social” (Art.l0 § 2o da Lei n° 9.394/96). Essa vinculação é orgânica e deve contaminar toda a prática educativa escolar.
Em suma, a Lei estabelece mna perspectiva para esse nível de ensino que integra, numa mesma e única modalidade, finalidades até
então dissociadas, para oferecer, de fonna articulada, uma educação equilibrada, com funções equivalentes para todos os educan- dos:
• a fonnação da pessoa, de maneira a desenvolver valores e competências necessárias à integração de seu projeto individual ao projeto
da sociedade em que se situa;
• o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a fonnação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do
pensamento crítico;
• a preparação e orientação básica para a sua integração ao mundo do trabalho, com as competências que garantam seu aprimo-
ramento profissional e pennitam acompanhar as mudanças que caracterizam a produção no nosso tempo;
• o desenvolvimento das competências para continuar aprendendo, de fonna autônoma e crítica, em níveis mais complexos de
estudos.
O papel da educação na sociedade tecnológica
A centralidade do conhecimento nos processos de produção e organização da vida social rompe com o paradigma segundo o qual a
educação seria um instrumento de “confonnação” do futuro profissional ao mundo do trabalho. Disciplina, obediência, respeito restrito às
regras estabelecidas, condições até então necessárias para a inclusão social, via profissionalização, perdem a relevância, face às novas
exigências colocadas pelo desenvolvimento tecnológico e social.

A nova sociedade, decorrente da revolução tecnológica e seus desdobramentos na produção e na área da informação, apresenta
características possíveis de assegurar à educação uma autonomia ainda não alcançada. Isto ocorre na medida em que o desenvolvimento
das competências cognitivas e culturais exigidas para o pleno desenvolvimento humano passa a coincidir com o que se espera na esfera da
produção.

MOVIA, Didatismo e Conhecimento


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EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos
O novo paradigma emana da compreensão de que, cada vez mais, as competências desejáveis ao pleno desenvolvimento humano
aproximam-se das necessárias à inserção no processo produtivo. Segundo Tedesco, aceitar tal perspectiva otimista seria admitir que
vivemos “uma circunstância histórica inédita, na qual as capacidades para o desenvolvimento produtivo seriam idênticas para o papel do
cidadão e para o desenvolvimento social”. Ou seja, admitindo tal correspondência entre as competências exigidas para o exercício da
cidadania e para as atividades produtivas, recoloca-se o papel da educação como elemento de desenvolvimento social.
Em contrapartida, é importante compreender que a aproximação entre as competências desejáveis em cada uma das dimensões sociais
não garante uma homogeneização das oportunidades sociais. Há que considerar a redução dos espaços para os que vão trabalhar em
atividades simbólicas, em que o conhecimento é o instrumento principal, os que vão continuar atuando em atividades tradicionais e, o mais
grave, os que se veem excluídos.
A expansão da economia pautada no conhecimento caracteriza-se também por fatos sociais que comprometem os processos de
solidariedade e coesão social, quais sejam a exclusão e a segmentação com todas as consequências hoje presentes: o desemprego, a
pobreza, a violência, a intolerância.
Essa tensão, presente na sociedade tecnológica, pode se traduzir no âmbito social pela definição de quantos e quais segmentos terão
acesso a mna educação que contribua efetivamente para a sua incorporação.
Outro dado a considerar diz respeito à necessidade do desenvolvimento das competências básicas tanto para o exercício da cidadania
quanto para o desempenho de atividades profissionais. A garantia de que todos desenvolvam e ampliem suas capacidades é indispensável
para se combater a dualização da sociedade, que gera desigualdades cada vez maiores.
De que competências se está falando? Da capacidade de abstração, do desenvolvimento do pensamento sistêmico, ao contrário da
compreensão parcial e fragmentada dos fenômenos, da criatividade, da curiosidade, da capacidade de pensar múltiplas alternativas para a
solução de um problema, ou seja, do desenvolvimento do pensamento divergente, da capacidade de trabalhar em equipe, da disposição
para procurar e aceitar críticas, da disposição para o risco, do desenvolvimento do pensamento crítico, do saber comunicar-se, da
capacidade de buscar conhecimento. Estas são competências que devem estar presentes na esfera social, cultural, nas atividades políticas e
sociais como um todo, e que são condições para o exercício da cidadania num contexto democrático.
O desafio a enfrentar é grande, principalmente para um País em processo de desenvolvimento, que, na década de 90, sequer oferece
mna cobertura no Ensino Médio, considerado como parte da Educação Básica, a mais que 25% de seus jovens entre 15 e 17 anos.
Não se pode mais postergar a intervenção no Ensino Médio, de modo a garantir a superação de mna escola que, ao invés de se colocar
como elemento central de desenvolvimento dos cidadãos, contribui para a sua exclusão. Uma escola que pretende fonnarpor meio da
imposição de modelos, de exercícios de memorização, da fragmentação do conhecimento, da ignorância dos instrumentos mais avançados
de acesso ao conhecimento e da comunicação. Ao manter mna postura tradicional e distanciada das mudanças sociais, a escola como
instituição pública acabará também por se marginalizar.
Uma nova concepção curricular para o Ensino Médio, como apontamos anteriormente, deve expressar a contemporaneidade e,
considerando a rapidez com que ocorrem as mudanças na área do conhecimento e da produção, ter a ousadia de se mostrar prospec- tiva.
Certamente, o ponto de partida para a implementação da refonna curricular em curso é o reconhecimento das condições atuais de
organização dos sistemas estaduais, no que se refere à oferta do Ensino Médio.
Constata-se a necessidade de investir na área de macroplanejamento, visando a ampliar de modo racional a oferta de vagas. Também é
essencial investir na fonnação dos docentes, mna vez que as medidas sugeridas exigem mudanças na seleção, tratamento dos conteúdos e
incorporação de instrumentos tecnológicos modernos, como a informática.
Essas são algumas prioridades, indicadas em todos os estudos desenvolvidos recentemente pela Secretaria de Educação Média e
Tecnológica e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), por meio do Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Básica (SAEB), e que subsidiaram a elaboração da proposta de refonna curricular.
Mesmo considerando os obstáculos a superar, mna proposta curricular que se pretenda contemporânea deverá incorporar como um dos
seus eixos as tendências apontadas para o século XXI. A crescente presença da ciência e da tecnologia nas atividades produtivas e nas
relações sociais, por exemplo, que, como consequência, estabelece um ciclo pennanente de mudanças, provocando rupturas rápidas,
precisa ser considerada.
Comparados com as mudanças significativas observadas nos séculos passados - como a máquina a vapor ou o motor a explosão -, cuja
difusão se dava de modo lento e por um largo período de tempo, os avanços do conhecimento que se observam neste século criam
possibilidades de intervenção em áreas inexploradas.
Estão presentes os avanços na biogenética e outros mais, que fazem emergir questões de ordem ética merecedoras de debates em nível
global. Em contrapartida, as inovações tecnológicas, como a informatização e a robótica, e a busca de maior precisão produtiva e de
qualidade homogênea têm concorrido para acentuar o desemprego.

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APOCTIWS PARA CONCUBOÇ PÚBLICOS

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É possível afirmar que o crescimento econômico não gera mais empregos ou que concorre para a diminuição do número de horas de
trabalho e, principalmente, para a diminuição de oportunidades para o trabalho não qualificado.
Se o deslocamento das oportunidades de trabalho do setor industrial para o terciário é uma realidade, isso não significa que seja menor
nesse a exigência em relação à qualificação do trabalhador.
Nas sociedades tradicionais, a estabilidade da organização política, produtiva e social garantia um ambiente educacional relativamente
estável. Agora, a velocidade do progresso científico e tecnológico e da transformação dos processos de produção toma o conhecimento
rapidamente superado, exigindo-se uma atualização contínua e colocando novas exigências para a formação do cidadão.
A transformação do ciclo produtivo, a partir da década de 40, provocou a migração campo-cidade. Houve uma diminuição gradativa,
mas significativa, de empregos na agricultura. Atualmente, observa-se uma situação semelhante na indústria e isso ocorre não apenas em
função das novas tecnologias, como também em função do processo de abertura dos mercados, que passam a exigir maior precisão
produtiva e padrões de qualidade de produção dos países mais desenvolvidos.
A globalização econômica, ao promover o rompimento de fronteiras, muda a geografia política e provoca, de forma acelerada, a
transferência de conhecimentos, tecnologias e informações, além de recolocar as questões da sociabilidade humana em espaços cada vez
mais amplos.
A revolução tecnológica, por sua vez, cria novas formas de socialização, processos de produção e, até mesmo, novas definições de
identidade individual e coletiva. Diante desse mundo globalizado, que apresenta múltiplos desafios para o homem, a educação surge como
uma utopia necessária indispensável à humanidade na sua construção da paz, da liberdade e da justiça social. Deve ser encarada, conforme
o Relatório da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, da UNESCO, “entre outros caminhos e para além deles, como
uma via que conduz a um desenvolvimento mais harmonioso, mais autêntico, de modo a fazer recuar a pobreza, a exclusão social, as
incompreensões, as opressões e as guerras”.
Considerando-se tal contexto, buscou-se construir novas alternativas de organização curricular para o Ensino Médio comprometidas,
de um lado, com o novo significado do trabalho no contexto da globalização e, de outro, com o sujeito ativo, a pessoa humana que se
apropriará desses conhecimentos para se aprimorar, como tal, no mundo do trabalho e na prática social. Há, portanto, necessidade de se
romper com modelos tradicionais, para que se alcancem os objetivos propostos para o Ensino Médio.
A perspectiva é de uma aprendizagem permanente, de uma formação continuada, considerando como elemento central dessa formação
a construção da cidadania em função dos processos sociais que se modificam.
Alteram-se, portanto, os objetivos de formação no nível do Ensino Médio. Prioriza-se a formação ética e o desenvolvimento da
autonomia intelectual e do pensamento crítico.
Não há o que justifique memorizar conhecimentos que estão sendo superados ou cujo acesso é facilitado pela moderna tecnologia. O
que se deseja é que os estudantes desenvolvam competências básicas que lhes permitam desenvolver a capacidade de continuar
aprendendo.
É importante destacar, tendo em vista tais reflexões, as considerações oriundas da Comissão Internacional sobre Educação para o
século XXI, incorporadas nas determinações da Lei n° 9.394/96:
a) a educação deve cumprir um triplo papel: econômico, científico e cultural;
b) a educação deve ser estruturada em quatro alicerces: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver e aprender a ser.
A reforma curricular e a organização do Ensino Médio
O currículo, enquanto instrumentação da cidadania democrática, deve contemplar conteúdos e estratégias de aprendizagem que
capacitem o ser humano para a realização de atividades nos três domínios da ação humana: a vida em sociedade, a atividade produtiva e a
experiência subjetiva, visando à integração de homens e mulheres no tríplice universo das relações políticas, do trabalho e da simbolização
subjetiva.
Nessa perspectiva, incorporam-se como diretrizes gerais e orientadoras da proposta curricular as quatro premissas apontadas pela
UNESCO como eixos estruturais da educação na sociedade contemporânea:
• Aprender a conhecer
Considera-se a importância de uma educação geral, suficientemente ampla, com possibilidade de aprofundamento em determinada
área de conhecimento.
Prioriza-se o domínio dos próprios instrumentos do conhecimento, considerado como meio e como fim. Meio, enquanto forma de
compreender a complexidade do mundo, condição necessária para viver dignamente, para desenvolver possibilidades pessoais e
profissionais, para se comunicar. Fim, porque seu fundamento é o prazer de compreender, de conhecer, de descobrir.
O aumento dos saberes que permitem compreender o mundo favorece o desenvolvimento da curiosidade intelectual, estimula o senso
crítico e permite compreender o real, mediante a aquisição da autonomia na capacidade de discernir.
Aprender a conhecer garante o aprender a aprender e constitui o passaporte para a educação permanente, na medida em que fornece as
bases para continuar aprendendo ao longo da vida.
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• Aprender a fazer
O desenvolvimento de habilidades e o estímulo ao surgimento de novas aptidões tomam- se processos essenciais, na medida em que
criam as condições necessárias para o enfrentamento das novas situações que se colocam. Privilegiar a aplicação da teoria na prática e
enriquecer a vivência da ciência na tecnologia e destas no social passa a ter uma significação especial no desenvolvimento da sociedade
contemporânea.
• Aprender a vive
Trata-se de aprender a viver juntos, desenvolvendo o conhecimento do outro e a percepção das interdependências, de modo a permitir
a realização de projetos comuns ou a gestão inteligente dos conflitos inevitáveis.
• Aprender a ser
A educação deve estar comprometida com o desenvolvimento total da pessoa. Aprender a ser supõe a preparação do indivíduo para
elaborar pensamentos autônomos e críticos e para fonnular os seus próprios juízos de valor, de modo a poder decidir por si mesmo, frente
às diferentes circunstâncias da vida. Supõe ainda exercitar a liberdade de pensamento, discernimento, sentimento e imaginação, para
desenvolver os seus talentos e pennanecer, tanto quanto possível, dono do seu próprio destino.
Aprender a viver e aprender a ser decorrem, assim, das duas aprendizagens anteriores - aprender a conhecer e aprender a fazer - e
devem constituir ações pennanentes que visem à fonnação do educando como pessoa e como cidadão.
A partir desses princípios gerais, o currículo deve ser articulado em tomo de eixos básicos orientadores da seleção de conteúdos
significativos, tendo em vista as competências e habilidades que se pretende desenvolver no Ensino Médio.
Um eixo liistórico-cultmal dimensiona o valor histórico e social dos conhecimentos, tendo em vista o contexto da sociedade em
constante mudança e submetendo o currículo a uma verdadeira prova de validade e de relevância social. Um eixo epistemológico
reconstrói os procedimentos envolvidos nos processos de conhecimento, assegurando a eficácia desses processos e a abertura para novos
conhecimentos.
• A Base Nacional Comum
É no contexto da Educação Básica que a Lei n° 9.394/96 determina a construção dos currículos, no Ensino Fundamental e Médio,
“com uma Base Nacional Comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diver-
sificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela” (Art. 26).
A Base Nacional Comum contém em si a dimensão de preparação para o prosseguimento de estudos e, como tal, deve caminhar no
sentido de que a construção de competências e habilidades básicas, e não o acúmulo de esquemas resolutivos pré-estabelecidos, seja o
objetivo do processo de aprendizagem. É importante, por exemplo, operar com algoritmos na Matemática ou na Física, mas o estudante
precisa entender que, frente àquele algoritmo, está de posse de uma sentença da linguagem matemática, com seleção de léxico e com regras
de articulação que geram uma significação e que, portanto, é a leitura e escrita da realidade ou de uma situação desta. Para tanto, deve-se
entender que a linguagem verbal se presta à compreensão ou expressão de um comando ou instrução clara, precisa, objetiva.
A Base Nacional Comum também traz em si a dimensão de preparação para o trabalho. Esta dimensão tem que apontar para que
aquele mesmo algoritmo seja um instrumento para a solução de um problema concreto, que pode dar conta da etapa de planejamento,
gestão ou produção de um bem. E, indicando e relacionando os diversos contextos e práticas sociais, além do trabalho, requer, por
exemplo, que a Biologia dê os fundamentos para a análise do impacto ambiental, de uma solução tecnológica ou para a prevenção de uma
doença profissional. Enfim, aponta que não há solução tecnológica sem uma base científica e que, por outro lado, soluções tecnológicas
podem propiciar a produção de um novo conhecimento científico.
Essa educação geral, que pennite buscar infonnação, gerar informação, usá-la para solucionar problemas concretos na produção de
bens ou na gestão e prestação de serviços, é preparação básica para o trabalho. Na verdade, qualquer competência requerida no exercício
profissional, seja ela psicomotora, sócio afetiva ou cognitiva, é um afinamento das competências básicas. Essa educação geral pennite a
construção de competências que se manifestar-se-ão em habilidades básicas, técnicas ou de gestão.
A Base Nacional Comum destina-se à fonnação geral do educando e deve assegurar que as finalidades propostas em lei, bem como o
perfil de saída do educando sejam alcançadas de fonna a caracterizar que a Educação Básica seja uma efetiva conquista de cada brasileiro.
O desenvolvimento de competências e habilidades básicas comuns a todos os brasileiros é mna garantia de democratização. A
definição destas competências e habilidades servirá de parâmetro para a avaliação da Educação Básica em nível nacional.
O Art. 26 da LDB detennina a obrigatoriedade, nessa Base Nacional Comum, de “estudos da Língua Portuguesa e da Matemática, o
conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil, o ensino da arte [...] de fonna a promover
o desenvolvimento cultural dos alunos, e a Educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola”.
Quando a LDB destaca as diretrizes curriculares específicas do Ensino Médio, ela se preocupa em apontar para um planejamento e
desenvolvimento do currículo de fonna orgânica, superando a organização por disciplinas estanques e revigorando a integração e
articulação dos conhecimentos, num processo pennanente de interdisciplinaridade e transdiciplinaridade. Essa proposta de organici- dade
está contida no Art.36, segundo o qual o currículo do Ensino Médio “destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do
significado da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transfonnação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como
instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania”.

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Aorganicidade dos conhecimentos fica mais evidente ainda quando o Art. 36 da LDB estabelece, em seu parágrafo I o, as competências
que o aluno, ao final do Ensino Médio, deve demonstrar :
Art. 36, § Io. “Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizados de tal forma que ao final do ensino médio o
educando demonstre:
I - domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna; II - conhecimento das fonnas contemporâneas
de linguagem;
III - domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania.”
1 perfil de saída do aluno do Ensino Médio está diretamente relacionado às finalidades desse ensino, confonne determina o Art. 35
da Lei:
Art. 35
“O Ensino Médio, etapa final da Educação Básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidade :
2 - a consolidação e aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de
estudos;
II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desen-
volvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;
III - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino
de cada disciplina.”
É importante compreender que a Base Nacional Comum não pode constituir uma camisa- de-força que tolha a capacidade dos
sistemas, dos estabelecimentos de ensino e do educando de usufruírem da flexibilidade que a lei não só permite, como estimula. Essa
flexibilidade deve ser assegurada, tanto na organização dos conteúdos mencionados em lei, quanto na metodologia a ser desenvolvida no
processo de ensino-aprendizagem e na avaliação.
As considerações gerais sobre a Lei indicam a necessidade de construir novas alternativas de organização curricular comprometidas,
de um lado, com o novo significado do trabalho no contexto da globalização econômica e, de outro, com o sujeito ativo que se apropriar-
se-á desses conhecimentos, aprimorando-se, como tal, no mundo do trabalho e na prática social.
Ressalve-se que uma base curricular nacional organizada por áreas de conhecimento não implica a desconsideração ou o esvaziamento
dos conteúdos, mas a seleção e integração dos que são válidos para o desenvolvimento pessoal e para o incremento da participação social.
Essa concepção curricular não elimina o ensino de conteúdos específicos, mas considera que os mesmos devem fazer parte de um processo
global com várias dimensões articuladas.
O fato de estes Parâmetros Curriculares terem sido organizados em cada uma das áreas por disciplinas potenciais não significa que
estas são obrigatórias ou mesmo recomendadas. O que é obrigatório pela LDB ou pela Resolução n° 03/98 são os conhecimentos que estas
disciplinas recortam e as competências e habilidades a eles referidos e mencionados nos citados documentos.
• As três áreas
A reforma curricular do Ensino Médio estabelece a divisão do conhecimento escolar em áreas, mna vez que entende os conhecimentos
cada vez mais imbricados aos conhecedores, seja no campo técnico-científico, seja no âmbito do cotidiano da vida social. A organização
em três áreas - Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias e Ciências Humanas e suas
Tecnologias - tem como base a reunião daqueles conhecimentos que compartilham objetos de estudo e, portanto, mais facilmente se
comunicam, criando condições para que a prática escolar se desenvolva numa perspectiva de interdis- ciplinaridade.
A estruturação por área de conhecimento justifica-se por assegurar mna educação de base científica e tecnológica, na qual conceito,
aplicação e solução de problemas concretos são combinados com mna revisão dos componentes socioculturais orientados por mna visão
epistemológica que concilie humanismo e tecnologia ou humanismo nmna sociedade tecnológica.
O desenvolvimento pessoal permeia a concepção dos componentes científicos, tecnológicos, socioculturais e de linguagens. O
conceito de ciências está presente nos demais componentes, bem como a concepção de que a produção do conhecimento é situada sócio,
cultural, econômica e politicamente, num espaço e num tempo. Cabe aqui reconhecer a historicidade do processo de produção do
conhecimento. Enfim, preconiza-se que a concepção curricular seja transdiciplinar e matricial, de fonna que as marcas das linguagens, das
ciências, das tecnologias e, ainda, dos conhecimentos históricos, sociológicos e filosóficos, como conhecimentos que permitem mna leitura
crítica do mundo, estejam presentes em todos os momentos da prática escolar.
A discussão sobre cada mna das áreas de conhecimento será apresentada em documento específico, contendo, inclusive, as com-
petências que os alunos deverão alcançar ao concluir o Ensino Médio. De modo geral, estão assim definidas.
• Linguagens, Códigos e suas Tecnologia
A linguagem é considerada aqui como capacidade humana de articular significados coletivos em sistemas arbitrários de representação,
que são compartilhados e que variam de acordo com as necessidades e experiências da vida em sociedade. A principal razão de qualquer
ato de linguagem é a produção de sentido.
Podemos, assim, falar em linguagens que se inter-relacionam nas práticas sociais e na história, fazendo com que a circulação de
sentidos produza fonnas sensoriais e cognitivas diferenciadas. Isso envolve a apropriação demonstrada pelo uso e pela compreensão de
sistemas simbólicos sustentados sobre diferentes suportes e de seus instrumentos como instrumentos de organização cognitiva da realidade
e de sua comunicação. Envolve ainda o reconhecimento de que as linguagens verbais, icônicas, corporais, sonoras e fonnais, dentre outras,
se estruturam de fonna semelhante sobre um conjunto de elementos (léxico) e de relações (regras) que são significativas: a prioridade para
a Língua Portuguesa, como língua materna geradora de significação e integradora da organização do mundo e da própria interioridade; o
domínio de língua(s) estrangeira(s) como fonna de ampliação de possibilidades de acesso a outras pessoas e a outras culturas e
infonnações; o uso da infonnática como meio de infonnação, comunicação e resolução de problemas, a ser utilizada no conjunto das
atividades profissionais, lúdicas, de aprendizagem e de gestão pessoal; as Artes, incluindo-se a literatura, como expressão criadora e
geradora de significação de uma linguagem e do uso que se faz dos seus elementos e de suas regras em outras linguagens; as atividades
físicas e desportivas como domínio do corpo e como fonna de expressão e comunicação.
Importa ressaltar o entendimento de que as linguagens e os códigos são dinâmicos e situados no espaço e no tempo, com as im-
plicações de caráter histórico, sociológico e antropológico que isso representa.
É relevante também considerar as relações com as práticas sociais e produtivas e a inserção do aluno como cidadão em um mundo
letrado e simbólico. A produção contemporânea é essencialmente simbólica e o convívio social requer o domínio das linguagens como
instrumentos de comunicação e negociação de sentidos.
No mundo contemporâneo, marcado por um apelo informativo imediato, a reflexão sobre a linguagem e seus sistemas, que se
mostram articulados por múltiplos códigos e sobre os processos e procedimentos comunicativos, é, mais do que uma necessidade, uma
garantia de participação ativa na vida social, a cidadania desejada.
• Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias
A aprendizagem das Ciências da Natureza, qualitativamente distinta daquela realizada no Ensino Fundamental, deve contemplar
fonnas de apropriação e construção de sistemas de pensamento mais abstratos e ressignificados, que as trate como processo cumulativo de
saber e de ruptura de consensos e pressupostos metodológicos. A aprendizagem de concepções científicas atualizadas do mundo físico e
natural e o desenvolvimento de estratégias de trabalho centradas na solução de problemas é finalidade da área, de fonna a aproximar o
educando do trabalho de investigação científica e tecnológica, como atividades institucionalizadas de produção de conhecimentos, bens e
serviços.
Os estudos nessa área devem levar em conta que a Matemática é mna linguagem que busca dar conta de aspectos do real e que é
instrumento fonnal de expressão e comunicação para diversas ciências. É importante considerar que as ciências, assim como as
tecnologias, são construções humanas situadas historicamente e que os objetos de estudo por elas construídos e os discursos por elas
elaborados não se confundem com o mundo físico e natural, embora este seja referido nesses discursos. Importa ainda compreender que,
apesar de o mundo ser o mesmo, os objetos de estudo são diferentes, enquanto constructos do conhecimento gerado pelas ciências através
de leis próprias, as quais devem ser apropriadas e situadas em uma gramática interna a cada ciência. E, ainda, cabe compreender os
princípios científicos presentes nas tecnologias, associá-las aos problemas que se propõe solucionar e resolver os problemas de fonna
contextualizada, aplicando aqueles princípios científicos a situações reais ou simuladas.
Enfim, a aprendizagem na área de Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias indica a compreensão e a utilização dos
conhecimentos científicos, para explicar o funcionamento do mundo, bem como planejar, executar e avaliar as ações de intervenção na
realidade.
• Ciências Hmnanas e suas Tecnologias
Nesta área, que engloba também a Filosofia, deve-se desenvolver a tradução do conhecimento das Ciências Humanas em consciências
críticas e criativas, capazes de gerar respostas adequadas a problemas atuais e a situações novas. Dentre estes, destacam-se a extensão da
cidadania, que implica o conhecimento, o uso e a produção histórica dos direitos e deveres do cidadão e o desenvolvimento da consciência
cívica e social, que implica a consideração do outro em cada decisão e atitude de natureza pública ou particular.
A aprendizagem nesta área deve desenvolver competências e habilidades para que o aluno entenda a sociedade em que vive como uma
construção humana, que se reconstrói constantemente ao longo de gerações, num processo contínuo e dotado de historicidade; para que
compreenda o espaço ocupado pelo homem, enquanto espaço construído e consumido; para que compreenda os processos de sociabilidade
humana em âmbito coletivo, definindo espaços públicos e refletindo-se no âmbito da constituição das individualidades; para que construa a
si próprio como um agente social que intervém na sociedade; para que avalie o sentido dos processos sociais que orientam o constante
fluxo social, bem como o sentido de sua intervenção nesse processo; para que avalie o impacto das tecnologias no desenvolvimento e na
estruturação das sociedades; e para que se aproprie das tecnologias produzidas ou utilizadas pelos conhecimentos da área.
• Interdisciplinaridade e Contextualização
Através da organização curricular por áreas e da compreensão da concepção transdisciplinar e matricial, que articula as linguagens, a
Filosofia, as ciências naturais e humanas e as tecnologias, pretendemos contribuir para que, gradativamente, se vá superando o tratamento
estanque, compartimentalizado, que caracteriza o conhecimento escolar.
A tendência atual, em todos os níveis de ensino, é analisar a realidade segmentada, sem desenvolver a compreensão dos múltiplos
conhecimentos que se interpenetram e confonnam determinados fenômenos. Para essa visão segmentada contribui o enfoque meramente
disciplinar que, na nova proposta de refonna curricular, pretendemos superado pela perspectiva interdisciplinar e pela contextualização dos
conhecimentos.
Na perspectiva escolar, a interdisciplinaridade não tem a pretensão de criar novas disciplinas ou saberes, mas de utilizar os co-
nhecimentos de várias disciplinas para resolver um problema
concreto ou compreender um detenninado fenômeno sob diferentes pontos de vista. Em suma, a interdisciplinaridade tem uma função
instrumental. Trata-se de recorrer a mn saber diretamente útil e utilizável para responder às questões e aos problemas sociais
contemporâneos.
Na proposta de refonna curricular do Ensino Médio, a interdisciplinaridade deve ser compreendida a partir de uma abordagem
relacionai, em que se propõe que, por meio da prática escolar, sejam estabelecidas interconexões e passagens entre os conhecimentos
através de relações de complementaridade, convergência ou divergência.
A integração dos diferentes conhecimentos pode criar as condições necessárias para uma aprendizagem motivadora, na medida em
que ofereça maior liberdade aos professores e alunos para a seleção de conteúdos mais diretamente relacionados aos assuntos ou problemas
que dizem respeito à vida da comunidade. Todo conhecimento é socialmente comprometido e não há conhecimento que possa ser
aprendido e recriado se não se parte das preocupações que as pessoas detêm. O distanciamento entre os conteúdos programáticos e a
experiência dos alunos certamente responde pelo desinteresse e até mesmo pela deserção que constatamos em nossas escolas.
Conhecimentos selecionados a priori tendem a se perpetuar nos rituais escolares, sem passar pela crítica e reflexão dos docentes, tomando-
se, desta fonna, mn acervo de conhecimentos quase sempre esquecidos ou que não se consegue aplicar, por se desconhecer suas relações
com o real.
A aprendizagem significativa pressupõe a existência de mn referencial que permita aos alunos identificar e se identificar com as
questões propostas. Essa postura não implica pennanecer apenas no nível de conhecimento que é dado pelo contexto mais imediato, nem
muito menos pelo senso comum, mas visa a gerar a capacidade de compreender e intervir na realidade, numa perspectiva autônoma e
desalienante. Ao propor uma nova fonna de organizar o currículo, trabalhado na perspectiva interdisciplinar e contextualizada, parte-se do
pressuposto de que toda aprendizagem significativa implica mna relação sujeito-objeto e que, para que esta se concretize, é necessário
oferecer as condições para que os dois pólos do processo interajam.
• A parte diversificada do currículo
A parte diversificada do currículo destina-se a atender às características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da
clientela (Art. 26 da LDB). Complementa a Base Nacional Comum e será definida em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar.
Do ponto de vista dos sistemas de ensino, está representada pela formulação de mna matriz curricular básica, que desenvolva a Base
Nacional Comum, considerando as demandas regionais do ponto de vista sociocultural, econômico e político. Deve refletir mna concepção
curricular que oriente o Ensino Médio no seu sistema, ressignificando-o, sem impedir, entretanto, a flexibilidade da manifestação dos
projetos curriculares das escolas.
Aparte diversificada do currículo deve expressar, ademais das incorporações dos sistemas de ensino, as prioridades estabelecidas no
projeto da unidade escolar e a inserção do educando na construção do seu currículo. Considerará as possibilidades de preparação básica
para o trabalho e o aprofundamento em mna disciplina ou mna área, sob fonna de disciplinas, projetos ou módulos em consonância com os
interesses dos alunos e da comunidade a que pertencem.
O desenvolvimento da parte diversificada pode ocorrer no próprio estabelecimento de ensino ou em outro estabelecimento con-
veniado. É importante esclarecer que o desenvolvimento da parte diversificada não implica profissionalização, mas diversificação de
experiências escolares com o objetivo de enriquecimento curricular, ou mesmo aprofundamento de estudos, quando o contexto assim
exigir. O seu objetivo principal é desenvolver e consolidar conhecimentos das áreas, de fonna contextualizada, referindo-os a atividades
das práticas sociais e produtivas.
Estas são as questões consideradas centrais para a compreensão da nova proposta curricular do Ensino Médio. As infonnações
apresentadas neste texto têm como objetivo discutir, em linhas gerais, a refonna curricular do Ensino Médio em seus principais elementos.
A intenção é situar os leitores - professores, técnicos de educação e demais interessados na questão educacional - sobre os aspectos
considerados centrais da nova concepção para o Ensino Médio.
Desta fonna, procuramos discutir:
• as relações entre as necessidades contemporâneas colocadas pelo mundo do trabalho e outras práticas sociais, a Educação Básica e a
refonna curricular do Ensino Médio;
• a metodologia de trabalho utilizada para a elaboração da proposta;
• os fundamentos legais que orientam a proposta de refonna curricular do Ensino Médio, extraídos da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, Lei n° 9.394/96;
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• o papel da educação e da formação no Ensino Médio na sociedade tecnológica;


• os fundamentos teóricos da reforma curricular do Ensino Médio;
• a organização curricular na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, na regulamentação do Conselho Nacional de Educação e nos
textos produzidos pela Secretaria de Educação Média e Tecnológica.
Seguem-se os textos legais:
• Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional - LDB.
• Parecer n° 15/98 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação.
• Resolução n° 03/98 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação - Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Ensino Médio (DCNEM).
Serão apresentados, em outros volumes, os textos que se referem a cada área de conhecimento, conforme a disposição da Resolução
CEB/CNE n° 3/98:
• Linguagens, Códigos e suas Tecnologias;
• Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias;
• Ciências Humanas e suas Tecnologias.
Nesses textos, o leitor encontrará a fundamentação teórica de cada área, orientações quanto à seleção de conteúdos e métodos a serem
desenvolvidos em cada disciplina potencial e as competências e habilidades que os alunos deverão ter construído ao longo da Educação
Básica.
Diretrizes Curriculares: o papel do Conselho Nacional de Educação
Assim, ninguém discutiría que o legislador deve ocupar-se sobretudo da educação dos jovens. De fato, nas cidades onde não ocorre
assim, isso provoca danos aos regimes, uma vez que a educação deve adaptar-se a cada um deles: pois o caráter particular a cada regime
não apenas o preserva, como também o estabelece em sua origem; por exemplo, o caráter democrático engendra a democracia e o
oligárquico a oligarquia, e sempre o caráter melhor é causante de um regime melhor.
Fica claro, portanto, que a legislação deve regular a educação e que esta deve ser obra da cidade. Não se deve deixar no esquecimento
qual deve ser a educação e como se há de educar. Nos tempos modernos, as opiniões sobre este tema diferem. Não há acordo sobre o que
os jovens devem aprender, nem no que se refere à virtude nem quanto ao necessário para uma vida melhor. Tampouco está claro se a
educação deveria preocupar-se mais com a formação do intelecto ou do caráter. Do ponto de vista do sistema educativo atual, a
investigação é confusa e não há certeza alguma sobre se devem ser praticadas as disciplinas úteis para a vida ou as que tendem à virtude,
ou as que se sobressaem do ordinário (pois todas elas têm seus partidários). No que diz respeito aos meios que conduzem à virtude, não há
acordo nenhum (de fato não honram, todos, a mesma virtude, de modo que diferem logicamente também sobre seu exercício).
Obrigatoriedade legal e consenso político
A Lei n° 9.394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), prevê em seu Artigo 9 o inciso IV, entre as
incumbências da União, estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a
educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar
formação básica comum.
Essa incumbência que a lei maior da educação atribui à União reafirma dispositivos legais anteriores, uma vez que, já em 1995, a Lei
n° 9.131, que trata do Conselho Nacional de Educação (CNE), define em seu Artigo 9 o alínea c, entre as atribuições da Câmara de
Educação Básica (CEB) desse colegiado, deliberar sobre as diretrizes curriculares propostas pelo Ministério da Educação e do Desporto. A
mencionada incumbência da União estabelecida pela LDB deve efetuar-se, assim, por meio de uma divisão de tarefas entre o MEC e o
CNE.
No entanto, apesar de delegar ao Executivo Federal e ao CNE o estabelecimento de diretrizes curriculares, a LDB não quis deixar
passar a oportunidade de ser, ela mesma, afirmativa na matéria. Além daquelas indicadas para a Educação Básica como um todo no Artigo
27, diretrizes específicas para os currículos do Ensino Médio constam do Artigo 36 e seus incisos e parágrafos.
A este Conselho cabe tomar decisões sobre matéria que já está explicitamente indicada no diploma legal mais abrangente da educação
brasileira, o que imprime às Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM), objeto de o presente Parecer e Deliberação,
significado e magnitude específicos.
“Diretriz” refere-se tanto a direções físicas quanto a indicações para a ação. Linha reguladora do traçado de um caminho ou de uma
estrada, no primeiro caso, conjunto de instruções ou indicações para se tratar e levar a termo um plano, uma ação, um negócio, etc.

MOVIA, Didatismo e Conhecimento


Moun
Utilizando a analogia, pode-se dizer que as diretrizes da educação nacional e de seus currículos, estabelecidas na LDB, correspondem
à linha reguladora do traçado que indica a direção e devem ser mais duradouras. Sua revisão, ainda que possível, exige a convocação de
toda a sociedade, representada no Congresso Nacional.
Por tudo isso são mais gerais, refletindo a concepção prevalecente na Constituição sobre o papel do Estado Nacional na educação. As
diretrizes deliberadas pelo CNE estarão mais próximas da ação pedagógica, são indicações para um acordo de ações e requerem revisão
mais frequente.
A expressão “diretrizes e bases” foi objeto de várias interpretações ao longo da evolução da educação nacional. Segundo Horta, a
interpretação dos educadores liberais para a expressão “diretrizes e bases”, durante os embates da década de 40, contrapunha-se à ideia
autoritária e centralizadora de que a União deveria traçar valores universais e “preceitos diretores”, na
expressão de Gustavo Capanema. Segundo o autor, para os liberais: “Diretriz” é a linha de orientação, nonna de conduta. “Base” é
superfície de apoio, fundamento. Aquela indica a direção geral a seguir, não as minudências do caminho. Esta significa o alicerce do
edifício, não o próprio edifício que sobre o alicerce será construído. Assim entendidos os tennos, a Lei de Diretrizes e Bases conterá tão-só
preceitos genéricos e fundamentais.
Na Constituição de 1988, a introdução de competência de legislação concorrente em matéria educacional para Estados e municípios
reforça o caráter de “preceitos genéricos” das nonnas nacionais de educação. Fortalece-se, assim, o federalismo pela ampliação da
competência dos entes federados, promovida pela descentralização.
Oito anos depois, a LDB confirma e dá maior consequência a esse sentido descentralizador, quando afirma, no Parágrafo 2o de seu
Artigo 8: Os sistemas de ensino terão liberdade de organização nos tennos desta Lei. Mais ainda, adotando a flexibilidade como um de seus
eixos ordenadores3 , a LDB cria condições para que a descentralização seja acompanhada de uma desconcentração de decisões que, a
médio e longo prazo, pennita às próprias escolas construírem “edifícios” diversificados sobre a mesma “base”.
A Lei indica explicitamente essa desconcentração em pelo menos dois momentos: no Artigo 12, quando inclui a elaboração da
proposta pedagógica e a administração de seus recursos humanos e financeiros entre as incumbências dos estabelecimentos de ensino; e no
Artigo 15, quando afirma: Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram
progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as nonnas gerais de direito financeiro
público.
Mas ao mesmo tempo, a Constituição e a legislação que a seguiu pennanecem reafinnando que é preciso garantir mna base comum
nacional de fonnação. A preocupação constitucional é indicada no Artigo 210 da Carta Magna: Serão fixados conteúdos mínimos para o
ensino fundamental, de maneira a assegurar fonnação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.
ALei n° 9.131/95 e a LDB ampliam essa tarefa para toda a Educação Básica e delegam, em caráter propositivo ao MEC e deliberativo
ao CNE, a responsabilidade de trazer as diretrizes curriculares da LDB para um plano mais próximo da ação pedagógica, para dar maior
garantia à fonnação nacional comum.
É, portanto, no âmago da tensão entre o papel mais centralizador ou mais descentralizador do Estado Nacional que se situa a tarefa da
Câmara de Educação Básica do CNE ao estabelecer as Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio. Cumprindo seu papel de colocar as
diferentes instâncias em sintoma, estas terão de administrar aquela tensão para lograr equilíbrio entre diretrizes nacionais e proposta
pedagógica da escola, mediada pela ação executiva, coordenadora e potencializadora dos sistemas de ensino.
Essa concepção resgata a interpretação federalista que foi dada ao tenno “diretriz” na Constituinte de 1946. Não deixa sem aca-
bamento o papel da União, mas o redefine como iniciativa de um acordo negociado sob dois pressupostos. O primeiro diz respeito à
natureza da doutrina pedagógica, sempre sujeita a questionamentos e revisões. O segundo refere-se à legitimidade do CNE como
organismo de representação específica do setor educacional e apto a interagir com a comunidade que representa.
É esse o sentido que Cury dá às Diretrizes Curriculares para a Educação Básica deliberadas pela CEB do CNE: Nascidas do dissenso,
unificadas pelo diálogo, elas não são uniformes, não são toda a verdade, podem ser traduzidas em diferentes programas de ensino e, como
toda e qualquer realidade, não são uma fonna acabada de ser.
Vale dizer que a legitimidade do CNE, quando, ao fixar diretrizes curriculares, intervém na organização das escolas, se está respaldada
nas funções que a lei lhe atribui, subordina-se aos princípios das competências federativas e da autonomia. Por outro lado, a competência
dos entes federados e a autonomia pedagógica dos sistemas de ensino e suas escolas serão exercidas de acordo com as Diretrizes
Curriculares Nacionais.
Nessa perspectiva, a tarefa do CNE, no tocante às DCNEM, se exerce visando a três objetivos principais:
• sistematizar os princípios e diretrizes gerais contidos na LDB;
• explicitar os desdobramentos desses princípios no plano pedagógico e traduzi-los em diretrizes que contribuam para assegurar a
fonnação básica comum nacional;
• dispor sobre a organização curricular da fonnação básica nacional e suas relações com a parte diversificada, e a fonnação para o
trabalho.
Estas DCNEM não pretendem, portanto, ser as últimas, porque no âmbito pedagógico nada encerra toda a verdade, tudo comporta e
exige contínua atualização. Enquanto expressão das diretrizes e bases da educação nacional, serão obrigatórias uma vez aprovadas e
homologadas. Enquanto contribuição de mn organismo colegiado, de representação convocada, sua obrigatoriedade não se dissocia da
eficácia que tenham como orientadoras da prática pedagógica e subordina-se à vontade das partes envolvidas no acordo que representam.
A título de conclusão, e usando de licença poética incommn nos documentos deste Conselho, as DCNEM poderíam ser comparadas a
certo objeto efêmero cantado pelo poeta: não podem ser imortais porque nascidas da chama indispensável a qualquer afirmação
pedagógica. Mas espera-se que sejam infinitas enquanto durem.
As bases legais do Ensino Médio brasileiro
1 marco desse momento histórico está dado pela LDB, que aponta o caminho político para o novo Ensino Médio brasileiro. Em
primeiro lugar destaca-se a afirmação do seu caráter de fonnação geral, superando no plano legal a histórica dualidade dessa etapa de
educação:
Artigo 21. A educação escolar compõe-se de:
2 - educação básica, fonnada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio;
II - educação superior.
Como bem afirma o documento do MEC que encaminha ao CNE a proposta de organização curricular do Ensino Médio, ao incluir
este último na Educação Básica, a LDB transfonna em nonna legal o que já estava anunciado no texto constitucional. Na verdade, a
Constituição de 1988 já prenunciava isto quando, no inciso II do Artigo 208, garantia como dever do Estado a “progressiva extensão da
obrigatoriedade e gratuidade ao Ensino Médio”. Posteriormente, a Emenda Constitucional n° 14/96 altera a redação desse inciso, sem que
se altere neste aspecto o espírito da redação original, inscrevendo no texto constitucional a “progressiva universalização do Ensino Médio
gratuito”. A Constituição, portanto, confere a esse nível de ensino o estatuto de direito de todo cidadão. O Ensino Médio passa, pois, a
integrar a etapa do processo educacional que a Nação considera básica para o exercício da cidadania, base para o acesso às atividades
produtivas, inclusive para o prosseguimento nos níveis mais elevados e complexos de educação, e para o desenvolvimento pessoal.l4(...)
1 caráter de educação básica do Ensino Médio ganha conteúdo concreto quando, em seus Artigos 35 e 36, a LDB estabelece suas
finalidades, traça as diretrizes gerais para a organização curricular e define o perfil de saída do educando:
Art. 35: O Ensino Médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades:
2 - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de
estudos;
II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar
com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a fonnação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e
do pensamento crítico;
IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no
ensino de cada disciplina.
Art. 36: O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste Capítulo e as seguintes diretrizes:
I - destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de
transfonnação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da
cidadania;
II - adotará metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a iniciativa dos estudantes;
III - será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda,
em caráter optativo dentro das disponibilidades da instituição.
Parágrafo primeiro. Os conteúdos, as metodologias e as fonnas de avaliação serão organizados de tal fonna que, ao final do ensino
médio, o educando demonstre:
I - domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna; II - conhecimento das fonnas contemporâneas
de linguagem;
III - domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania.
Parágrafo segundo. O ensino médio, atendida a fonnação geral do educando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas.
Parágrafo terceiro . Os cursos de ensino médio terão equivalência legal e habilitarão ao prosseguimento de estudos.
Parágrafo quarto . A preparação geral para o trabalho e, facultativamente, a habilitação profissional, poderão ser desenvolvidas nos
próprios estabelecimentos de ensino médio ou em cooperação com instituições especializadas em educação profissional.

Moun
APOCTIWS PARA CONCUBOÇ PÚBLICOS
A lei sinaliza, pois, que mesmo a preparação para o prosseguimento de estudos terá como conteúdo não o acúmulo de informações,
mas a continuação do desenvolvimento da capacidade de aprender e a compreensão do mundo físico, social e cultural, tal como prevê o
Artigo 32 para o Ensino Fundamental, do qual o nível médio é a consolidação e o aprofundamento.
A concepção da preparação para o trabalho, que fundamenta o Artigo 35, aponta para a superação da dualidade do Ensino Médio: essa
preparação será básica, ou seja, aquela que deve ser base para a fonnação de todos e para todos os tipos de trabalho. Por ser básica, terá
como referência as mudanças nas demandas do mercado de trabalho, daí a importância da capacidade de continuar aprendendo; não se
destina apenas àqueles que já estão no mercado de trabalho ou que nele ingressarão em curto prazo; nem será preparação para o exercício
de profissões específicas ou para a ocupação de postos de trabalho determinados.
Assim entendida, a preparação para o trabalho - fortemente dependente da capacidade de aprendizagem - destacará a relação da teoria
com a prática e a compreensão dos processos produtivos enquanto aplicações das ciências, em todos os conteúdos curriculares. A
preparação básica para o trabalho não está, portanto, vinculada a nenhum componente curricular em particular, pois o trabalho deixa de ser
obrigação - ou privilégio - de conteúdos detenninados para integrar-se ao currículo como um todo. Finalmente, no Artigo 36, as diretrizes
para a organização do currículo do Ensino Médio, a fim de que o aluno apresente o perfil de saída preconizado pela lei, estabelecem o
conhecimento dos princípios científicos e tecnológicos da produção no nível do domínio, reforçando a importância do trabalho no
currículo.
Destaca-se a importância que o Artigo 36 atribui às linguagens: à Língua Portuguesa, não apenas enquanto expressão e comunicação,
mas como fonna de acessar conhecimentos e exercer a cidadania; às linguagens contemporâneas, entre as quais é possível identificar
suportes decisivos para os conhecimentos tecnológicos a serem dominados.
Entendida a preparação para o trabalho no contexto da Educação Básica, da qual o Ensino Médio passa a fazer parte inseparável, o
Artigo 36 prevê a possibilidade de sua articulação com cursos ou programas diretamente vinculados à preparação para o exercício de uma
profissão, não sem antes: reiterar a importância da fonnação geral a ser assegurada; e definir a equivalência de todos os cursos de Ensino
Médio para efeito de continuidade de estudos. Neste sentido, e coerente com o princípio da flexibilidade, a LDB abre aos sistemas e
escolas muitas possibilidades de colaboração e articulação institucional a fim de que os tempos e espaços da fonnação geral fiquem
preservados e a experiência de instituições especializadas em educação profissional seja aproveitada, de modo a responder às necessidades
heterogêneas dos jovens brasileiros.
O Ensino Médio no mundo: uma transformação acelerada
O desafio de ampliar a cobertura do Ensino Médio ocone no Brasil ao mesmo tempo em que, no mundo todo, a educação posterior à
primária passa por revisões radicais nas suas fonnas de organização institucional e nos seus conteúdos curriculares.
Etapa da escolaridade que tradicionalmente acumula as funções propedêuticas e de tenninalidade, ela tem sido a mais afetada pelas
mudanças nas fonnas de conviver, de exercer a cidadania e de organizar o trabalho, impostas pela nova geografia política do planeta, pela
globalização econômica e pela revolução tecnológica.
A facilidade de acessar, selecionar e processar infonnações está pennitindo descobrir novas fronteiras do conhecimento, nas quais este
se revela cada vez mais integrado. Integradas são também as competências e habilidades requeridas por uma organização da produção na
qual criatividade, autonomia e capacidade de solucionar problemas serão cada vez mais importantes, comparadas à repetição de tarefas
rotineiras. E mais do que nunca, há mn forte anseio de inclusão e de integração sociais como antídoto à ameaça de fragmentação e
segmentação. Essa mudança de paradigmas - no conhecimento, na produção e no exercício da cidadania - colocou em questão a dualidade,
mais ou menos rígida dependendo do país, que presidiu a oferta de educação pós-obrigatória.
Inicia-se, assim, em meados dos anos 80 e primeira metade dos 90 um processo, ainda em curso, de revisão das funções tra-
dicionalmente duais da Educação Secundária, buscando mn perfil de fonnação do aluno mais condizente com as características da
produção pós- industrial. O esforço de refonna teve com forte motivação inicial as mudanças econômicas e tecnológicas.
Descontadas as peculiaridades dos sistemas educacionais dos diferentes países e até mesmo o grau de sucesso até hoje alcançado pelos
esforços de refonna, destacam-se duas características comuns a todas elas: progressiva integração curricular e institucional entre as várias
modalidades da etapa de escolaridade média; e visível desespecialização das modalidades profissionalizantes 15 .
Numa velocidade nunca antes experimentada, esse processo de refonna, que podería ter evoluído para o reforço - apenas mais otimista
- da subordinação do Ensino Médio às necessidades da economia, rapidamente incorpora outros elementos. No bojo das iniciativas que
começaram em meados dos 80, a segunda metade dos anos 90 assiste ao surgimento de uma nova geração de refonnas.
Estas já não pretendem apenas a desespecialização da fonnação profissional. Tampouco se limitam a tomar menos “acadêmica” e mais
“prática” a fonnação geral. O que se busca agora é mna redefinição radical e de conjunto do segmento de educação pós- -obrigatoriedade.
À forte referência às necessidades produtivas e à ênfase na unificação, características da primeira fase de refonnas, agregam-se agora
os ideais do humanismo e da diversidade.

Segundo Azevedo: [...] Neste conflito de finalidades parece, por vezes, emergir a oportunidade “histórica”, segundo Tedesco (1995),
de aproximar ambas as finalidades, numa nova tensão, esta agora mais potenciadora do desenvolvimento humano. E prossegue: [...] não é
tanto o ensino técnico e a formação profissional que carecem de reformas mais ou menos desespecializadoras e unificadoras, é também o
ensino geral que precisa de profunda revisão, ou seja, todas as vias e modalidades de ensino, desde as mais profissionais até as mais
“liberais” para usar o termo inglês, são chamadas a contribuir de outro modo para um desenvolvimento mais equilibrado da personalidade
dos indivíduos .
A União Européia manifestou-se de forma contundente a favor da unificação do Ensino Médio, mas alerta para a exigência de
considerar outras necessidades, além das que são sinalizadas pela organização do trabalho. E busca sustentação para sua posição no
pensamento do próprio empresariado europeu: a missão fundamental da educação consiste em ajudar cada indivíduo a desenvolver todo o
seu potencial e a tomar-se um ser humano completo, e não um mero instrumento da economia; a aquisição de conhecimentos e
competências deve ser acompanhada pela educação do caráter, a abertura cultural e o despertar da responsabilidade social.
A mesma orientação segue a UNESCO no relatório da Reunião Internacional sobre Educação para o Século XXI. Esse documento
apresenta as quatro grandes necessidades de aprendizagem dos cidadãos do próximo milênio às quais a educação deve responder: aprender
a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. E insiste em que nenhuma delas deve ser negligenciada.
É sintomático que, diante do desafio que representam essas aprendizagens, se assista a uma revalorização das teorias que destacam a
importância dos afetos e da criatividade no ato de aprender. A integração das cognições com as demais dimensões da personalidade é o
desafio que as tarefas de vida na sociedade da informação e do conhecimento estão (re) pondo à educação e à escola.
A reposição do humanismo nas reformas do Ensino Médio deve ser entendida então como busca de saídas para possíveis efeitos
negativos do pós-industrialismo. Diante da fragmentação gerada pela quantidade e velocidade da informação, é para a educação que se
voltam as esperanças de preservar a integridade pessoal e estimular a solidariedade.
Espera-se que a escola contribua para a constituição de uma cidadania de qualidade nova, cujo exercício reúna conhecimentos e
informações a um protagonismo responsável, para exercer direitos que vão muito além da representação política tradicional: emprego,
qualidade de vida, meio ambiente saudável, igualdade entre homens e mulheres, enfim, ideais afirmativos para a vida pessoal e para a
convivência.
Diante da violência, do desemprego e da vertiginosa substituição tecnológica, revigoram- se as aspirações de que a escola, espe-
cialmente a média, contribua para a aprendizagem de competências de caráter geral, visando a constituição de pessoas mais aptas a
assimilar mudanças, mais autônomas em suas escolhas, mais solidárias, que acolham e respeitem as diferenças, pratiquem a solidariedade e
superem a segmentação social.
Nos países de economia emergente, a essas preocupações somam-se ainda aquelas geradas pela necessidade de promover um
desenvolvimento que seja sustentável em longo prazo e menos vulnerável à instabilidade causada pela globalização econômica. A
sustentabilidade do desenvolvimento, até os anos 70 considerada apenas em termos de acumulação de capital físico e financeiro, revelou-se
a partir dos 80 fortemente associada à qualidade dos recursos humanos, à adoção de formas menos predatórias de utilização dos recursos
naturais. Mais uma vez é sobre a educação média, ou sobre a sua ausência em quantidade e qualidade satisfatórias, que converge o centro
de gravidade do sistema educacional.
Nas condições contemporâneas de produção de bens, serviços e conhecimentos, a preparação de recursos humanos para um
desenvolvimento sustentável supõe desenvolver a capacidade de assimilar mudanças tecnológicas e adaptar-se a novas formas de
organização do trabalho. Esse tipo de preparação faz necessário o prolongamento da escolaridade e a ampliação das oportunidades de
continuar aprendendo. Formas equilibradas de gestão dos recursos naturais, por seu lado, exigem políticas de longo prazo, geridas ou
induzidas pelo Estado e sustentadas de modo contínuo e regular por toda a população, na forma de hábitos preservacionistas racionais e
bem informados.
Contextualizada no cenário mundial, e vista sob o prisma da extrema desigualdade que marca seu sistema de ensino, a situação do
Brasil é verdadeiramente alarmante. O Ensino Médio de maioria é ainda um ideal a ser colocado em prática. Para isso será necessário sair
do século XIX e chegar ao XXI suprimindo etapas nas quais, ao longo do século XX, muitos países ousaram experimentar e aprender.
No entanto, vista sob o prisma da vontade nacional expressa na LDB, a situação brasileira é rica de possibilidades. O projeto de
Ensino Médio do país está definido, nas suas diretrizes e bases, em admirável sintoma com a última geração de reformas do Ensino Médio
no mundo. O exercício de aproximação dos séculos poderá ser feito de forma inteligente se tivermos presente a experiência de outros
países para evitar os equívocos que eles não puderam evitar.
Fundamentos estéticos, políticos e éticos do novo Ensino Médio brasileiro
Houve tempo em que os deuses existiam, mas não as espécies mortais. Quando chegou o momento assinalado pelo destino para sua
criação, os deuses fonnaram-nas nas entranhas da terra, com uma mistura de terra, de fogo e dos elementos associados ao fogo e à terra.
Quando chegou a ocasião de as trazer à luz, encarregaram Prometeu e Epimeteu de as prover de qualidades apropriadas.

Moun
APCXTUAK PARA COhCLMOÇ PÚBLICOÇ

Mas Epimeteu pediu a Prometeu que lhe deixasse fazer sozinho a partilha. “Quando acabar, disse ele, tu virás examiná-la”. Satisfeito o
pedido, procedeu à partilha, atribuindo a uns a força sem a velocidade, aos outros a velocidade sem a força; deu anuas a estes, recusou-as
àqueles, mas concedeu-lhes outros meios de conservação; aos que tinham pequena corpulência deu asas para fugirem ou refúgio
subterrâneo; aos que tinham a vantagem da corpulência esta bastava para os conservar; e aplicou este processo de compensação a todos os
animais. Estas medidas de precaução eram destinadas a evitar o desaparecimento das raças. Então, quando lhes havia fornecido os meios
de escapar à mútua destruição, quis ajudá-los a suportar as estações de Zeus; para isso, lembrou-se de os revestir de pelos espessos e peles
fortes, suficientes para os abrigar do frio, capazes também de os proteger do calor e destinados, finalmente a servir, durante o sono, de
coberturas naturais, próprias de cada um deles; deu- lhes, além disso, como calçado, sapatos de como ou peles calosas e desprovidas de
sangue; em seguida deu- lhes alimentos variados, segundo as espécies: a uns, ervas do chão, a outros frutos das árvores, a outros raízes; a
alguns deu outros animais a comer, mas limitou sua fecundidade e multiplicou a das vítimas, para assegurar a preservação da raça.
Todavia, Epimeteu, pouco reflectido, tinha esgotado as qualidades a distribuir, mas faltava-lhe ainda prover a espécie humana e não
sabia como resolver o caso. Prometeu veio examinar a partilha; viu os animais bem providos de tudo, mas o homem nu, descalço, sem
cobertura nem armas, e aproximava-se o dia fixado em que ele devia sair do seio da terra para a luz. Então Prometeu, não sabendo que
inventar para dar ao homem um meio de conservação, roubou a Hefaisto e a Ateneia o conhecimento das artes com o fogo, pois sem o fogo
o conhecimento das artes é impossível e inútil, e presenteou com isto o homem. O homem ficou assim com ciência para conservar a vida,
mas faltava-lhe a ciência política; esta, possuía-a Zeus, e Prometeu já não tinha tempo de entrar na acrópole que Zeus habita e onde velam,
aliás, temíveis guardas. Introduziu-se, pois, furtivamente na oficina comum em que Ateneia e Hefaisto cultivavam o seu amor às artes,
furtou ao Deus a sua arte de manejar o fogo e à Deusa a arte que lhe é própria, e ofereceu tudo ao homem, tomando-o apto a procurar
recursos para viver. Diz-se que Prometeu foi depois punido pelo roubo que tinha cometido, por culpa de Epimeteu.
Quando o homem entrou na posse do seu quinhão divino, a princípio, por causa da sua afinidade com os deuses, acreditou na
existência deles, privilégio só a ele atribuído, entre todos os animais, e começou a erguer- lhes altares e estátuas; seguidamente, graças à
ciência que possuía, conseguiu articular a voz e formar os nomes das coisas, inventar as casas, o vestuário, o calçado, os leitos e tirar
alimentos da terra. Com estes recursos, os homens, na sua origem, viviam isolados e as cidades não existiam; por isso, morriam sob os
ataques dos animais selvagens, mais fortes do que eles; bastavam as artes mecânicas, para os fazer viver; mas tinham insuficientes recursos
na guerra contra os animais, porque não possuíam ainda a ciência política de que a arte militar faz parte. Por consequência, procuraram
reunir-se e pôr-se em segurança, fundando cidades; mas, quando se reuniam, faziam mal uns aos outros, porque lhes faltava a ciência
política, de modo que se separavam novamente e morriam.
Então Zeus, receando que a nossa raça se extinguisse, encarregou Hermes de levar aos homens o respeito e a justiça para servirem de
normas às cidades e unir os homens pelos laços da amizade. Então Hermes perguntou a Zeus de que maneira devia dar aos homens a
justiça e o respeito. “Devo distribuí-los, como se distribuíram as artes? Ora, as artes foram divididas de maneira que um único homem,
especializado na arte médica, basta para mu grande número de profanos e o mesmo quanto aos outros artistas. Devo repartir assim a justiça
e o respeito pelos homens, ou fazer que pertençam a todos?” - “Que pertençam a todos, respondeu Zeus; que todos tenham a sua parte,
porque as cidades não poderíam existir se estas virtudes fossem, como as artes, quinhão exclusivo de alguns; estabelece, além disso, em
meu nome, esta lei: que todo homem incapaz de respeito e de justiça seja exterminado como flagelo da sociedade”.
Eis como e por que, Sócrates, os atenienses e outros povos, quando se trata de arquitetura ou de qualquer arte profissional, entendem
que só um pequeno número pode dar conselhos, e se qualquer outra pessoa, fora deste pequeno número, se atreve a emitir opinião, eles não
o toleram, como acabo de dizer, e têm razão, ao que me parece. Mas, quando se delibera sobre política, em que tudo assenta na justiça e no
respeito, têm razão de admitir toda a gente, porque é necessário que todos tenham parte na virtude cívica. Doutra forma, não pode existir a
cidade.
A prática administrativa e pedagógica dos sistemas de ensino e de suas escolas, as formas de convivência no ambiente escolar, os
mecanismos de formulação e implementação de políticas, os critérios de alocação de recursos, a organização do currículo e das situações
de aprendizagem, os procedimentos de avaliação deverão ser coerentes com os valores estéticos, políticos e éticos que inspiram a
Constituição e a LDB, organizados sob três consignas: sensibilidade, igualdade e identidade.
Diretrizes para uma pedagogia da qualidade
Nós criamos mna civilização global em que os elementos mais cruciais - o transporte, as comunicações e todas as outras indústrias, a
agricultura, a medicina, a educação, o entretenimento, a proteção ao meio ambiente e até a importante instituição democrática do voto -
dependem profundamente da ciência e da tecnologia. Também criamos uma ordem em que quase ninguém compreende a ciência e a
tecnologia. É uma receita para o desastre. Podemos escapar ilesos por algum tempo, porém mais cedo ou mais tarde essa mistura
inflamável de ignorância e poder vai explodir na nossa cara.

Moun
APCXTUAK PARA COhCLMOÇ PÚBLICOÇ
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos

Todo aluno de nível médio deveria ser capaz de responder a seguinte questão: Qual é a relação entre as ciências e as humanidades e
quão importante é essa relação para o bem estar dos seres humanos? Todo intelectual e líder político também deveria ser capaz de
responder a essa questão. Metade da legislação com a qual o Congresso Americano tem de lidar contém componentes científicos e
tecnológicos importantes. Muitos dos problemas que afligem a humanidade diariamente - conflitos étnicos, corrida annamentista,
superpopulação, aborto, meio ambiente, pobreza, para citar alguns dos que mais persistentemente nos perseguem - não podem ser
resolvidos sem integrar conhecimentos das ciências naturais com conhecimentos das ciências sociais e humanas. Somente a flexibilidade
que atravessa as fronteiras especializadas pode fornecer uma visão do mundo tal como ele realmente é, e não como é visto pela lente das
ideologias, dos dogmas religiosos ou tal como é comandado pelas respostas míopes a necessidades imediatas.
Não se pode educar sem ao mesmo tempo ensinar; uma educação sem aprendizagem é vazia e portanto degenera, com muita
facilidade, em retórica moral e emocional.
De acordo com os princípios estéticos, políticos e éticos da LDB, sistematizados anteriormente, as escolas de Ensino Médio
observarão, na gestão, na organização curricular e na prática pedagógica e didática, as diretrizes expostas a seguir.
Um currículo voltado para as competências básicas
Do ponto de vista legal, não há mais duas funções difíceis de conciliar para o Ensino Médio, nos termos em que estabelecia a Lei n°
5.692/71: preparar para a continuidade de estudos e habilitar para o exercício de uma profissão. A duplicidade de demanda continuará
existindo porque a idade de conclusão do ensino fundamental coincide com a definição de um projeto de vida, fortemente determinado
pelas condições econômicas da família e, em menor grau, pelas características pessoais. Entre os que podem custear uma carreira
educacional mais longa, esse projeto abrigará mn percurso que posterga o desafio da sobrevivência material para depois do curso superior.
Entre aqueles que precisam arcar com sua subsistência precocemente, ele demandará a inserção no mercado de trabalho logo após a
conclusão do ensino obrigatório, durante o Ensino Médio ou imediatamente depois deste último.
Vale lembrar, no entanto, que, mesmo nesses casos, o percurso educacional pode não excluir, necessariamente, a continuidade dos
estudos. Ao contrário, para muitos, o trabalho se situa no projeto de vida como uma estratégia para tomar sustentável financeiramente um
percurso educacional mais ambicioso. E, em qualquer de suas variantes, o futuro do jovem e da jovem deste final de século será sempre um
projeto em aberto, podendo incluir períodos de aprendizagem - de nível superior ou não - intercalados com experiências de trabalho
produtivo de diferente natureza, além das escolhas relacionadas à sua vida pessoal: constituir família, participar da comunidade, eleger
princípios de consumo, de cultura e lazer, de orientação política, entre outros. A condução autônoma desse projeto de vida reclama uma
escola média de sólida formação geral.
Mas o significado de educação geral no nível médio, segundo o espírito da LDB, nada tem a ver com o ensino enciclopedista e
academiciza dos currículos de Ensino Médio tradicionais, reféns do exame vestibular. Vale a pena examinar o já citado Artigo 35 da lei, na
ótica pedagógica.
Enquanto aprofundamento dos conhecimentos já adquiridos, o perfil pedagógico do Ensino Médio tem como ponto de partida o que a
LDB estabelece em seu Artigo 32 como objetivo do Ensino Fundamental31 . Deverá, assim, continuar o processo de desenvolvimento da
capacidade de aprender, com destaque para o aperfeiçoamento do uso das linguagens como meios de constituição dos conhecimentos, da
compreensão e da formação de atitudes e valores.
O trabalho e a cidadania são previstos como os principais contextos nos quais a capacidade de continuar aprendendo deve se aplicar, a
fim de que o educando possa adaptar-se às condições em mudança na sociedade, especificamente no mundo das ocupações. A LDB, nesse
sentido, é clara: em lugar de estabelecer disciplinas ou conteúdos específicos, destaca competências de caráter geral, dentre as quais a
capacidade de aprender é decisiva. O aprimoramento do educando como pessoa humana destaca a ética, a autonomia intelectual e o
pensamento crítico. Em outras palavras, convoca a constituição de uma identidade autônoma.
Ao propor a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos do processo produtivo, a LDB insere a experiência cotidiana e o
trabalho no currículo do Ensino Médio como um todo e não apenas na sua Base Comum, como elementos que facilitarão a tarefa educativa
de explicitar a relação entre teoria e prática. Sobre este último aspecto, dada sua importância para as presentes diretrizes, vale a pena deter-
se.
Os processos produtivos dizem respeito a todos os bens, serviços e conhecimentos com os quais o aluno se relaciona no seu dia- -a-
dia, bem como àqueles processos com os quais se relacionará mais sistematicamente na sua formação profissional. Para fazer a ponte entre
teoria e prática, de modo a entender como a prática (processo produtivo) está ancorada na teoria (fundamentos científico- -tecnológicos), é
preciso que a escola seja uma experiência permanente de estabelecer relações entre o aprendido e o observado, seja espontaneamente, no
cotidiano em geral, seja sistematicamente, no contexto específico de um trabalho e suas tarefas laborais.
Castro, ao analisar o Ensino Médio de formação geral, observa: Não se trata nem de profissionalizar nem de deitar água para fazer
mais rala a teoria. Trata-se, isso sim, de ensinar melhor a teoria - qualquer que seja - de forma bem ancorada na prática. As pontes entre a
teoria e a prática têm que ser construídas cuidadosamente e de forma explícita. Para Castro, essas pontes implicam em fazer

a relação, por exemplo, entre o que se aprendeu na aula de matemática na segunda-feira com a lição sobre atrito na aula de física da terça e
com a sua observação de um automóvel cantando pneus na tarde da quarta. E conclui afirmando que [...] para a maioria dos alunos,

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EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos
infelizmente, ou a escola o ajuda a fazer estas pontes ou elas pennanecerão sem ser feitas, perdendo-se assim a essência do que é uma boa
educação32 .
Para dar conta desse mandato, a organização curricular do Ensino médio deve ser orientada por alguns pressupostos indicados a
seguir:
• visão orgânica do conhecimento, afinada com as mutações surpreendentes que o acesso à informação está causando no modo de
abordar, analisar, explicar e prever a realidade, tão bem ilustradas no hipertexto que cada vez mais entremeia o texto dos discursos, das
falas e das construções conceituais;
• disposição para perseguir essa visão organizando e tratando os conteúdos do ensino e as situações de aprendizagem, de modo a
destacar as múltiplas interações entre as disciplinas do currículo;
• abertura e sensibilidade para identificar as relações que existem entre os conteúdos do ensino e das situações de aprendizagem e os
muitos contextos de vida social e pessoal, de modo a estabelecer uma relação ativa entre o aluno e o objeto do conhecimento e a
desenvolver a capacidade de relacionar o aprendido com o observado, a teoria com suas consequências e aplicações práticas;
• reconhecimento das linguagens como fonnas de constituição dos conhecimentos e das identidades, portanto como o elemento- -
chave para constituir os significados, conceitos, relações, condutas e valores que a escola deseja transmitir;
• reconhecimento e aceitação de que o conhecimento é uma construção coletiva, forjada sócio interativamente na sala de aula, no
trabalho, na família e em todas as demais fonnas de convivência;
• reconhecimento de que a aprendizagem mobiliza afetos, emoções e relações com seus pares, além das cognições e habilidades
intelectuais.
Com essa leitura, a fonnação básica a ser buscada no Ensino Médio se realizar-se-á mais pela constituição de competências, habi-
lidades e disposições de condutas do que pela quantidade de infonnação. Aprender a aprender e a pensar, a relacionar o conhecimento com
dados da experiência cotidiana, a dar significado ao aprendido e a captar o significado do mundo, a fazer a ponte entre teoria e prática, a
fundamentar a crítica, a argumentar com base em fatos, a lidar com o sentimento que a aprendizagem desperta.
Uma organização curricular que responda a esses desafios requer:
• desbastar o currículo enciclopédico, congestionado de informações, priorizando conhecimentos e competências de tipo geral, que
são pré-requisito tanto para a inserção profissional mais precoce quanto para a continuidade de estudos, entre as quais se destaca a
capacidade de continuar aprendendo;
• (re)significar os conteúdos curriculares como meios para constituição de competências e valores, e não como objetivos do ensino
em si mesmos;
• trabalhar as linguagens não apenas como fonnas de expressão e comunicação, mas como constituidoras de significados, conhe-
cimentos e valores;
• adotar estratégias de ensino diversificadas, que mobilizem menos a memória e mais o raciocínio e outras competências cognitivas
superiores, bem como potencializem a interação entre aluno-professor e aluno-aluno para a pennanente negociação dos significados dos
conteúdos curriculares, de fonna a propiciar fonnas coletivasde construção do conhecimento;
• estimular todos os procedimentos e atividades que pennitam ao aluno reconstruir ou “reinventar” o conhecimento didaticamente
transposto para a sala de aula, entre eles a experimentação, a execução de projetos, o protagonismo em situações sociais;
• organizar os conteúdos de ensino em estudos ou áreas interdisciplinares e projetos que melhor abriguem a visão orgânica do
conhecimento e o diálogo pennanente entre as diferentes áreas do saber;
• tratar os conteúdos de ensino de modo contextualizado, aproveitando sempre as relações entre conteúdos e contexto para dar
significado ao aprendido, estimular o protagonismo do aluno e estimulá-lo a ter autonomia intelectual;
• lidar com os sentimentos associados às situações de aprendizagem para facilitar a relação do aluno com o conhecimento.
A doutrina de currículo que sustenta a proposta de organização e tratamento dos conteúdos com essas características envolve os
conceitos de interdisciplinaridade e contextualização que requerem exame mais detido.
Os saberes das áreas curriculares
Na área de LINGUAGENS E CÓDIGOS estão destacadas as competências que dizem respeito à constituição de significados que
serão de grande valia para a aquisição e fonnalização de todos os conteúdos curriculares, para a constituição da identidade e o exercício da
cidadania. As escolas certamente identificarão nesta área as disciplinas, atividades e conteúdos relacionados às diferentes fonnas de
expressão, das quais a Língua Portuguesa é imprescindível. Mas é importante destacar que o agrupamento das linguagens busca estabelecer
correspondência não apenas entre as fonnas de comunicação - das quais as artes, as atividades físicas e a infonnática fazem parte
inseparável - como evidenciar a importância de todas as linguagens enquanto constituintes dos conhecimentos e das identidades dos
alunos, de modo a contemplar as possibilidades artísticas, lúdicas e motoras de conhecer o mundo. A utilização dos códigos que dão
suporte às linguagens não visa apenas ao domínio técnico, mas principalmente à competência de desempenho, ao saber usar as linguagens
em diferentes situações ou contextos, considerando inclusive os interlocutores ou públicos.

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APOCTIWS PARA CONCUBOÇ PÚBLICOS

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Na área das CIÊNCIAS DA NATUREZA E MATEMÁTICA incluem-se as competências relacionadas à apropriação de conheci-
mentos da Física, da Química, da Biologia e suas interações ou desdobramentos como fonnas indispensáveis de entender e significar o
mundo de modo organizado e racional, e também de participar do encantamento que os mistérios da natureza exercem sobre o espírito que
aprende a ser curioso, a indagar e descobrir. O agrupamento das Ciências da Natureza tem ainda o objetivo de contribuir para a
compreensão do significado da ciência e da tecnologia na vida humana e social, de modo a gerar protagonismo diante das inúmeras
questões políticas e sociais para cujo entendimento e solução as Ciências da Natureza são uma referência relevante. A presença da
Matemática nessa área se justifica pelo que de ciência tem a Matemática, por sua afinidade com as Ciências da Natureza, na medida em
que é um dos principais recursos de constituição e expressão dos conhecimentos destas últimas, e finalmente pela importância de integrar a
Matemática com os conhecimentos que lhe são mais afins. Esta última justificativa é, sem dúvida, mais pedagógica do que epistemológica,
e pretende retirar a Matemática do isolamento didático em que tradicionalmente se confina no contexto escolar.
Na área das CIÊNCIAS HUMANAS, da mesma fonna, destacam-se as competências relacionadas à apropriação dos conhecimentos
dessas ciências com suas particularidades metodológicas, nas quais o exercício da indução é indispensável. Pela constituição dos
significados de seus objetos e métodos, o ensino das Ciências Humanas e Sociais deverá desenvolver a compreensão do significado da
identidade, da sociedade e da cultura, que configuram os campos de conhecimentos de História, Geografia, Sociologia, Antropologia,
Psicologia, Direito, entre outros. Nesta área incluir-se-ão também os estudos de Filosofia e Sociologia necessários ao exercício da
cidadania, para cumprimento do que manda a letra da lei. No entanto, é indispensável lembrar que o espírito da LDB é muito mais
generoso com a constituição da cidadania e não a confina a nenhuma disciplina específica, como podería dar a entender uma interpretação
literal da recomendação do inciso III do Parágrafo primeiro do Artigo 36. Neste sentido, todos os conteúdos curriculares desta área, embora
não exclusivamente dela, deverão contribuir para a constituição da identidade dos alunos e para o desenvolvimento de um protagonismo
social solidário, responsável e pautado na igualdade política.
A presença das TECNOLOGIAS em cada uma das áreas merece um comentário mais longo. A opção por integrar os campos ou
atividades de aplicação, isto é, os processos tecnológicos próprios de cada área de conhecimento, resulta da importância que ela adquire na
educação geral - e não mais apenas na profissional -, em especial no nível do Ensino Médio. Neste, a tecnologia é o tema por excelência
que permite contextualizar os conhecimentos de todas as áreas e disciplinas no mundo do trabalho.
Como analisa Menezes46 , no Ensino Fundamental, a tecnologia comparece como “alfabetização científico-tecnológica”,
compreendida como a familiarização com o manuseio e com a nomenclatura das tecnologias de uso universalizado, como, por exemplo, os
cartões magnéticos.
No Ensino Médio, a presença da tecnologia responde a objetivos mais ambiciosos. Ela comparece integrada às Ciências da Natureza,
uma vez que uma compreensão contemporânea do universo físico, da vida planetária e da vida humana não pode prescindir do
entendimento dos instrumentos pelos quais o ser humano maneja e investiga o mundo natural. Com isso se dá continuidade à compreensão
do significado da tecnologia enquanto produto, num sentido amplo .
Mas a tecnologia na educação contemporânea do jovem deverá ser contemplada também como processo. Em outras palavras, não se
trata apenas de apreciar ou dar significado ao uso da tecnologia, mas de conectar os inúmeros conhecimentos com suas aplicações
tecnológicas, recurso que só pode ser bem explorado em cada nucleação de conteúdos, e que transcende a área das Ciências da Natureza. A
este respeito é significativa a observação de Menezes: A familiarização com as modernas técnicas de edição, de uso democratizado pelo
computador, é só um exemplo das vivências reais que é preciso garantir. Ultrapassando assim o “discurso sobre as tecnologias”, de
utilidade duvidosa, é preciso identificar nas matemáticas, nas ciências naturais, nas ciências humanas, na comunicação e nas artes, os
elementos de tecnologia que lhes são essenciais e desenvolvê-los como conteúdos vivos, como objetivos da educação e, ao mesmo tempo,
meio para tanto48 .
Dessa maneira, a presença da tecnologia no Ensino Médio remete diretamente às atividades relacionadas à aplicação dos
conhecimentos e habilidades constituídos ao longo da Educação Básica, dando expressão concreta à preparação básica para o trabalho
prevista na LDB. Apenas para enriquecer os exemplos citados, é interessante lembrar-se do uso de recursos de comunicação como vídeos e
infográficos e todo o mundo da multimídia; das técnicas de trabalho em equipe; do uso de sistemas de indicadores sociais e tecnologias de
planejamento e gestão. Para não mencionar a incorporação das tecnologias e de materiais os mais diferenciados na arquitetura, escultura,
pintura, teatro e outras expressões artísticas. Se muitas dessas aplicações, como produto, têm afinidade com as Ciências Naturais, como
processos identificam-se com as Linguagens e as Ciências Humanas e Sociais.
Estas e muitas outras facetas do múltiplo fenômeno que é a tecnologia no mundo contemporâneo constituem campos de aplicação -
portanto, de conhecimento e uso de produtos tecnológicos - ainda inexplorados pelos planos curriculares e projetos pedagógicos. No
entanto, além de sua intensa presença na vida cotidiana, essas tecnologias são as que mais se identificam com os setores nos quais a
demanda de recursos humanos tende a crescer. Sem abrir mão do “discurso sobre as tecnologias”, as Linguagens e as Ciências Humanas e
Sociais só se enriquecerão se atentarem mais para as aplicações dos conhecimentos e capacidades que querem constituir nos alunos do
Ensino Médio.
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A implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio: transição e ruptura
Em nosso modo de ver, mna implicação que vale a pena destacar, derivada desta visão problemática, incerta e imprevisível das
mudanças em educação, deveria afetar nosso modo de nos posicionannos frente às mesmas. Não procede esperar soluções salvadoras de
refonnas em grande escala, nem tampouco extrair conclusões precipitadas de seus primeiros fracassos, para escudar atitudes derrotistas e
desencantadas, fatalistas ou elusivas. Uma refonna não é boa ou má pelos problemas e dificuldades que possam surgir em seu
desenvolvimento. Estes não só são naturais, como necessários. Só encarando as mudanças educacionais numa perspectiva de conflito,
evitaremos a tentação de considerá-las más só por terem vindo da administração ou de um grupo de especialistas sisudos, e poderemos
esquadrinhá-las pessoal e coletivamente em seus valores e propósitos, em suas políticas concretas e decisões, em suas incidências positivas
ou naquelas outras que não o sejam tanto, e que servirão para manter uma atitude pennanente de crítica e reflexão, de compromisso e
responsabilidade com a tarefa de educar. Esta é, em última instância, a postura mais responsável que nós, profissionais da educação,
podemos e devemos adotar diante das mudanças, sejam as propostas desde fora, sejam aquelas outras que somos capazes de orquestrar
desde dentro: pensar e refletir, criticar e valorar o que está sendo e o que deve ser a educação que nos ocupa em nossos respectivos âmbitos
escolares nos tempos em que vivemos e naqueles que estão por vir, e não iludir as responsabilidades inescapáveis que nos tocam, a partir
de uma profissionalidade eticamente construída, que há de perseguir a transfonnação e melhoria da sociedade por meio da educação.
O real não está nem na chegada nem na saída. Ele se dispõe prá gente no meio da travessia.
A implementação destas DCNEM será ao mesmo tempo um processo de ruptura e de transição. Ruptura porque sinaliza para um
Ensino Médio significativamente diferente do atual, cuja construção vai requerer mudanças de concepções, valores e práticas, mas cuja
concepção fundante está na LDB.
No entanto, seria ignorar a natureza das mudanças sociais, entre elas as educacionais, supor que o novo Ensino Médio deverá surgir do
vácuo ou da negação radical da experiência até agora acumulada, com suas qualidades e limitações. De fato, como já se manifestou esta
Câmara a respeito das Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental, os saberes e práticas já instituídos constituem referência dos
novos, que operam como instituintes num dado momento histórico: A nossa relação com o instituído não deve ser, portanto, de querer
destruí-lo ou cristalizá-lo. Sem um olhar sobre o instituído, criamos lacunas, desfiguramos memórias e identidades, perdemos o vínculo
com a nossa história, quebramos os espelhos que desenham nossas fonnas.
Dessa dinâmica entre transição e ruptura vai surgir a aprendizagem com os acertos e erros do passado e a incorporação dessa
aprendizagem para construir modelos, práticas e alternativas curriculares novas, mais adequadas a uma população que, pela primeira vez,
chegará ao Ensino Médio. Esse processo que se inicia formalmente, neste final de milênio, com a homologação e publicação destas
Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio, não tem data marcada para terminar. Como toda refonna educacional, terá etapas de
desequilíbrios, seguidas por ajustes e reequilíbrios.
Por mais que as burocracias e os meios de comunicação esperem a tradução destas Diretrizes Curriculares com lógica e racionalidade
cartesianas - de preferência por meio de uma tabela de dupla entrada que diga exatamente “como está” e “como fica” o Ensino Médio
brasileiro -, nem mesmo com a ajuda de um martelo a realidade do futuro próximo cabería num modelo desse tipo. O resultado de uma
refonna educacional tem componentes imprevisíveis, que não pennitem dizer com exatidão como vai ficar o Ensino Médio no momento
em que estas diretrizes estiverem implementadas.
O produto mais importante de um processo de mudança curricular não é um novo currículo materializado em papel, tabelas ou
gráficos. O cunículo não se traduz em uma realidade pronta e tangível, mas na aprendizagem pennanente de seus agentes, que leva a um
aperfeiçoamento contínuo da ação educativa. Nesse sentido, uma refonna como a que aqui se propõe será tanto mais eficaz quanto mais
provocar os sistemas, escolas e professores para a reflexão, análise, avaliação e revisão de suas práticas, tendo em vista encontrar respostas
cada vez mais adequadas às necessidades de aprendizagem de nossos alunos. Em suma, o Ensino Médio brasileiro vai ser aquilo que
nossos esforços, talentos e circunstâncias forem capazes de realizar.
Papel decisivo caberá aos órgãos estaduais fonnuladores e executores das políticas de apoio à implementação dos novos currículos de
Ensino Médio. E aqui é imprescindível lembrar dois eixos norteadores50 da Lei n° 9.394/97, que deverão orientar a ação executiva e
nonnativa tanto dos sistemas como dos próprios estabelecimentos de Ensino Médio:
• o eixo da flexibilidade, em tomo do qual se articulam os processos de descentralização, desconcentração, desregulamentação e
colaboração entre os atores, culminando com a autonomia dos estabelecimentos escolares na definição de sua proposta pedagógica.
• o eixo da avaliação, em tomo do qual se articulam os processos de monitoramento de resultados e coordenação, culminando com as
ações de compensação e apoio às escolas e regiões que maiores desequilíbrios apresentem, e de responsabilização pelos resultados em
todos os níveis.
Esses papéis, complementares na pennanente tensão que mantêm entre si, desenham mn novo perfil de gestão educacional no nível
dos sistemas estaduais. O aprendizado desse novo perfil de gestão será talvez mais importante do que aquele que as escolas deverão viver
para converter suas práticas pedagógicas, porque a autonomia escolar é, ainda, mais visão que realidade. Depende, portanto, do fomento e
do apoio das instâncias centrais, executivas e nonnativas.

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Tal como estão formuladas, a implementação destas DCNEM, mais do que outras normas nacionais, requer esse fomento e apoio às
escolas para estimulá-las, fortalecê-las e qualificá-las a exercer uma autonomia responsável por seu próprio desenvolvimento curricular e
pedagógico. Em outras palavras, o paradigma de currículo proposto não resiste ao enrijecimento e à regulamentação que compõem o estilo
dominante de gestão até o presente.
Do comportamento das universidades e outras instituições de Ensino Superior dependerá também, em larga medida, o êxito da
concretização destas Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio, com o qual elas mantêm dois tipos de articulação importantes: como
nível educacional que receberá os alunos egressos e como responsável pela fonnação dos professores.
No primeiro tipo de articulação está colocada toda a problemática do exame de ingresso no Ensino Superior, que, até o presente, tem
sido a referência da organização curricular do Ensino Médio. A continuidade de estudos é e continuará sendo - com atalhos exigidos pela
inserção precoce no mercado de trabalho, ou de modo mais direto - um percurso desejado por muitos jovens que concluem a Educação
Básica. E possível, com diferentes graus de dificuldades, para uma parte deles.
O Ensino Superior está, assim, convocado a examinar sua missão e seus procedimentos de seleção, na perspectiva de um Ensino
Médio que deverá ser mais unificado quanto às competências dos alunos e mais diversificado quanto aos conhecimentos específicos que
darão suporte à constituição dessas competências. E deverão fazê-lo com a ética de quem reconhece o poder que as exigências para
ingresso no Ensino Superior exercem, e continuarão exercendo, sobre a prática curricular e pedagógica das escolas médias.
A preparação de professores, pela qual o Ensino Superior mantém articulação decisiva com a Educação Básica, foi insistente e
reiteradamente apontada como a maior dificuldade para a implementação destas DCNEM, por todos os participantes, em todos os
encontros mantidos durante a preparação deste parecer. Maior mesmo que os condicionantes financeiros. Uma unanimidade de tal ordem
possui peso tão expressivo que dispensa maiores comentários ou análises. Um peso que deve ser transferido às instituições de Ensino
Superior, para que o considerem quando, no exercício de sua autonomia, assumirem as responsabilidades com o País e com a Educação
Básica que considerem procedentes.
É preciso lembrar, no entanto, que a deficiência quantitativa e qualitativa de recursos docentes para o Ensino Fundamental e Médio há
muito se converteu num problema crônico. Essa deficiência afetará qualquer medida de melhoria ou refonna da educação que o País se
proponha a adotar. Resolver esse problema, portanto, não é condição para a implementação destas DCNEM. É questão de sobrevivência
educacional, cuja dimensão vai muito além dos limites deste parecer, embora se inclua entre os desafios, felizmente não exclusivos, do
Conselho Nacional de Educação. Das instituições de Ensino Superior, espera-se que sejam parceiras no enfrenta- mento do desafio e na
solução, não apenas na denúncia do problema.
O próximo Plano Nacional de Educação será uma oportunidade para discutir questões como a fonnação de professores, entre outras a
serem equacionadas durante a implementação destas DCNEM. Mas a negociação de metas entre atores políticos para um plano dessa
natureza não o toma necessariamente eficaz. Mais importante será a negociação que essas metas terão de fazer com as próprias realidades
diversas do País, nas quais se incluem os gestores dos sistemas e os agentes educativos que estão em cada escola.
Para finalizar, reconhecendo a limitação de inovações cuniculares no nível de sua proposição, mas também convencida do imperativo
de orientações propositivas num país diverso socialmente e federativo politicamente, a Câmara de Educação Básica do CNE reitera, a
propósito destas DCNEM, aquilo que já afirmou: As medidas legais representam, no entanto, passos preparatórios para as mudanças reais
na educação brasileira, em sintoma com as novas demandas de mna economia aberta e de uma sociedade democrática. Estará nas mãos das
instituições escolares e respectivas às comunidades a construção coletiva e pennanente de propostas e práticas pedagógicas inovadoras que
possam dar resposta novas demandas.
Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
1 Presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, de confonnidade com o disposto no art. 9 o § Io,
alínea “c”. da Lei 9.131, de 25 de novembro de
1995, nos artigos 26, 35 e 36 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e tendo em vista o
Parecer CEB/CNE 15/98, homologado pelo Senhor Ministro da Educação e do Desporto em
25 de junho de 1998, e que a esta se integra, RESOLVE:
Art. Io. As Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio - DCNEM -, estabelecidas nesta Resolução, se constituem num
conjunto de definições doutrinárias sobre princípios, fundamentos e procedimentos a serem observados na organização pedagógica e
curricular de cada unidade escolar integrante dos diversos sistemas de ensino, em atendimento ao que manda a lei, tendo em vista vincular
a educação com o mundo do trabalho e a prática social, consolidando a preparação para o exercício da cidadania e propiciando preparação
básica para o trabalho.
Art. 2o. A organização curricular de cada escola será orientada pelos valores apresentados na Lei 9.394, a saber:
2 - os fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática;
II - os que fortaleçam os vínculos de família, os laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca.
Art. 3o. Para observância dos valores mencionados no artigo anterior, a prática administrativa e pedagógica dos sistemas de ensino e
de suas escolas, as fonnas de convivência no ambiente escolar, os mecanismos de fonnulação e implementação de política educacional, os
critérios de alocação de recursos, a organização do currículo e das situações de ensino aprendizagem e os procedimentos de avaliação
deverão ser coerentes com princípios estéticos, políticos e éticos, abrangendo:
I - a Estética da Sensibilidade, que deverá substituir a da repetição e padronização, estimulando a criatividade, o espírito inventivo, a
curiosidade pelo inusitado, e a afetividade, bem como facilitar a constituição de identidades capazes de suportar a inquietação, conviver
com o incerto e o imprevisível, acolher e conviver com a diversidade, valorizar a qualidade, a delicadeza, a sutileza, as fonnas lúdicas e
alegóricas de conhecer o mundo e fazer do lazer, da sexualidade e da imaginação um exercício de liberdade responsável.
II - a Política da Igualdade, tendo como ponto de partida o reconhecimento dos direitos humanos e dos deveres e direitos da ci-
dadania, visando à constituição de identidades que busquem e pratiquem a igualdade no acesso aos bens sociais e culturais, o respeito ao
bem comum, o protagonismo e a responsabilidade no âmbito público e privado, o combate a todas as fonnas discriminatórias e o respeito
aos princípios do Estado de Direito na fonna do sistema federativo e do regime democrático e republicano.
III - a Ética da Identidade, buscando superar dicotomias entre o mundo da moral e o mundo da matéria, o público e o privado, para
constituir identidades sensíveis e igualitárias no testemunho de valores de seu tempo, praticando um humanismo contemporâneo, pelo
reconhecimento, respeito e acolhimento da identidade do outro e pela incorporação da solidariedade, da responsabilidade e da
reciprocidade como orientadoras de seus atos na vida profissional, social, civil e pessoal.
Art. 4o. As propostas pedagógicas das escolas e os currículos constantes dessas propostas incluirão competências básicas, conteúdos e
fonnas de tratamento dos conteúdos, previstas pelas finalidades do ensino médio estabelecidas pela lei:
I - desenvolvimento da capacidade de aprender e continuar aprendendo, da autonomia intelectual e do pensamento crítico, de modo a
ser capaz de prosseguir os estudos e de adaptar-se com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento;
II - constituição de significados socialmente construídos e reconhecidos como verdadeiros sobre o mundo físico e natural, sobre a
realidade social e política;
III - compreensão do significado das ciências, das letras e das artes e do processo de transfonnação da sociedade e da cultura, em
especial as do Brasil, de modo a possuir as competências e habilidades necessárias ao exercício da cidadania e do trabalho;
IV - domínio dos princípios e fundamentos científico-tecnológicos que presidem a produção moderna de bens, serviços e conhe-
cimentos, tanto em seus produtos como em seus processos, de modo a ser capaz de relacionar a teoria com a prática e o desenvolvimento
da flexibilidade para novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
V - competência no uso da língua portuguesa, das línguas estrangeiras e outras linguagens contemporâneas como instrumentos de
comunicação e como processos de constituição de conhecimento e de exercício de cidadania.
Art. 5o. Para cumprir as finalidades do ensino médio previstas pela lei, as escolas organizarão seus currículos de modo a:
I - ter presente que os conteúdos curriculares não são fins em si mesmos, mas meios básicos para constituir competências cognitivas
ou sociais, priorizando-as sobre as infonnações;
II - ter presente que as linguagens são indispensáveis para a constituição de conhecimentos e competências;
III - adotar metodologias de ensino diversificadas, que estimulem a reconstrução do conhecimento e mobilizem o raciocínio, a
experimentação, a solução de problemas e outras competências cognitivas superiores;
IV - reconhecer que as situações de aprendizagem provocam também sentimentos e requerem trabalhar a afetividade do aluno.
Art. 6o. Os princípios pedagógicos da Identidade, Diversidade e Autonomia, da Interdisciplinaridade e da Contextualização
serão adotados como estruturadores dos currículos do ensino médio.
Art. T. Na observância da Identidade, Diversidade e Autonomia, os sistemas de ensino e as escolas, na busca da melhor adequação
possível às necessidades dos alunos e do meio social:
I - desenvolverão, mediante a institucionalização de mecanismos de participação da comunidade, alternativas de organização
institucional que possibilitem:
a) identidade própria enquanto instituições de ensino de adolescentes, jovens e adultos, respeitadas as suas condições e necessidades
de espaço e tempo de aprendizagem;
b) uso das várias possibilidades pedagógicas de organização, inclusive espaciais e temporais;
c) articulações e parcerias entre instituições públicas e privadas, contemplando a preparação geral para o trabalho, admitida a
organização integrada dos anos finais do ensino fundamental com o ensino médio;
II - fomentarão a diversificação de programas ou tipos de estudo disponíveis, estimulando alternativas, a partir de uma base comum,
de acordo com as características do alunado e as demandas do meio social, admitidas as opções feitas pelos próprios alunos, sempre que
viáveis técnica e financeiramente;
III - instituirão sistemas de avaliação e/ou utilizarão os sistemas de avaliação operados pelo Ministério da Educação e do Desporto, a
fim de acompanhar os resultados da diversificação, tendo como referência as competências básicas a serem alcançadas, a legislação do
ensino, estas diretrizes e as propostas pedagógicas das escolas;
IV - criarão os mecanismos necessários ao fomento e fortalecimento da capacidade de fonnular e executar propostas pedagógicas
escolares características do exercício da autonomia;
V - criarão mecanismos que garantam liberdade e responsabilidade das instituições escolares na fonnulação de sua proposta
pedagógica, e evitem que as instâncias centrais dos sistemas de ensino burocratizem e ritualizem o que, no espírito da lei, deve ser
expressão de iniciativa das escolas, com protagonismo de todos os elementos diretamente interessados, em especial dos professores;
VI - instituirão mecanismos e procedimentos de avaliação de processos e produtos, de divulgação dos resultados e de prestação de
contas, visando a desenvolver a cultura da responsabilidade pelos resultados e utilizando os resultados para orientar ações de compensação
de desigualdades que possam resultar do exercício da autonomia.
Ari. 8o. Na observância da Interdisciplinaridade, as escolas terão presente que:
I - a Interdisciplinaridade, nas suas mais variadas fonnas, partirá do princípio de que todo conhecimento mantém mn diálogo
pennanente com outros conhecimentos, que pode ser de questionamento, de negação, de complementação, de ampliação, de iluminação de
aspectos não distinguidos;
II - o ensino deve ir além da descrição e procurar constituir nos alunos a capacidade de analisar, explicar, prever e intervir, objetivos
que são mais facilmente alcançáveis se as disciplinas, integradas em áreas de conhecimento, puderem contribuir, cada uma com sua
especihcidade, para o estudo comum de problemas concretos, ou para o desenvolvimento de projetos de investigação e/ou de ação;
III - as disciplinas escolares são recortes das áreas de conhecimentos que representam, carregam sempre um grau de arbitrariedade e
não esgotam isoladamente a realidade dos fatos físicos e sociais, devendo buscar entre si interações que permitam aos alunos a
compreensão mais ampla da realidade;
IV - a aprendizagem é decisiva para o desenvolvimento dos alunos, e por esta razão as disciplinas devem ser didaticamente solidárias
para atingir esse objetivo, de modo que disciplinas diferentes estimulem competências comuns, e cada disciplina contribua para a
constituição de diferentes capacidades, sendo indispensável buscar a complementaridade entre as disciplinas a hm de facilitar aos alunos
um desenvolvimento intelectual, social e afetivo mais completo e integrado;
V - a característica do ensino escolar, tal como indicada no inciso anterior, amplia signihcativamente a responsabilidade da escola
para a constituição de identidades que integram conhecimentos, competências e valores que permitam o exercício pleno da cidadania e a
inserção flexível no mundo do trabalho.
Ari. 9o. Na observância da Contextualização, as escolas terão presente que:
I - na situação de ensino e aprendizagem, o conhecimento é transposto da situação em que foi criado, inventado ou produzido, e por
causa desta transposição didática deve ser relacionado com a prática ou a experiência do aluno a fim de adquirir significado;
II - a relação entre teoria e prática requer a concretização dos conteúdos curriculares em situações mais próximas e familiares do
aluno, nas quais se incluem as do trabalho e do exercício da cidadania;
III - a aplicação de conhecimentos constituídos na escola às situações da vida cotidiana e da experiência espontânea permite seu
entendimento, crítica e revisão.
Ari. 10 . A base nacional comum dos currículos do ensino médio será organizada em áreas de conhecimento, a saber:
I - Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, objetivando a constituição de competências e habilidades que permitam ao educando:
a) Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da realidade pela
constituição de significados, expressão, comunicação e informação.
b) Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas.
c) Analisar, interpretar e aplicar os recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a
natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção.
d) Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização do mundo e
da própria identidade.
e) Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) modema(s) como instrumento de acesso a infonnações e a outras culturas e grupos sociais.
f) Entender os princípios das tecnologias da comunicação e da informação, associá-las aos conhecimentos científicos, às linguagens
que lhes dão suporte e aos problemas que se propõem solucionar.
g) Entender a natureza das tecnologias da informação como integração de diferentes meios de comunicação, linguagens e códigos,
bem como a função integradora que elas exercem na sua relação com as demais tecnologias.
h) Entender o impacto das tecnologias da comunicação e da infonnação na sua vida, nos processos de produção, no desenvolvimento
do conhecimento e na vida social.
i) Aplicar as tecnologias da comunicação e da infonnação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para sua vida.
II - Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias, objetivando a constituição de habilidades e competências que penni- tam
ao educando:
a) Compreender as ciências como construções humanas, entendendo como elas se desenvolvem por acumulação, continuidade ou
ruptura de paradigmas, relacionando o desenvolvimento científico com a transfonnação da sociedade.
b) Entender e aplicar métodos e procedimentos próprios das ciências naturais.
c) Identificar variáveis relevantes e selecionar os procedimentos necessários para a produção, análise e interpretação de resultados de
processos ou experimentos científicos e tecnológicos.
d) Compreender o caráter aleatório e não detenninístico dos fenômenos naturais e sociais e utilizar instrumentos adequados para
medidas, determinação de amostras e cálculo de probabilidades.
e) Identificar, analisar e aplicar conhecimentos sobre valores de variáveis, representados em gráficos, diagramas ou expressões
algébricas, realizando previsão de tendências, extrapolações e interpolações e interpretações.
f) Analisar qualitativamente dados quantitativos representados gráfica ou algebricamente relacionados a contextos socio-econô-
micos, científicos ou cotidianos.
g) Apropriar-se dos conhecimentos da Física, da Química e da Biologia e aplicar esses conhecimentos para explicar o funcionamento
do mundo natural, planejar, executar e avaliar ações de intervenção na realidade natural.
h) Identificar, representar e utilizar o conhecimento geométrico para o aperfeiçoamento da leitura, da compreensão e da ação sobre a
realidade.
i) Entender a relação entre o desenvolvimento das ciências naturais e o desenvolvimento tecnológico e associar as diferentes
tecnologias aos problemas que se propuseram e propõem solucionar.
j) Entender o impacto das tecnologias associadas às ciências naturais na sua vida pessoal, nos processos de produção, no desen-
volvimento do conhecimento e na vida social.
l) Aplicar as tecnologias associadas às ciências naturais na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para sua vida.
m) Compreender conceitos, procedimentos e estratégias matemáticas e aplicá-las a situações diversas no contexto das ciências, da
tecnologia e das atividades cotidianas.
III - Ciências Humanas e suas Tecnologias, objetivando a constituição de competências e habilidades que permitam ao educando:
a) Compreender os elementos cognitivos, afetivos, sociais e culturais que constituem a identidade própria e dos outros.
b) Compreender a sociedade, sua gênese e transfonnação e os múltiplos fatores que nelas intervém, como produtos da ação humana;
a si mesmo como agente social; e os processos sociais como orientadores da dinâmica dos diferentes grupos de indivíduos.
c) Compreender o desenvolvimento da sociedade como processo de ocupação de espaços físicos e as relações da vida humana com a
paisagem, em seus desdobramentos político- sociais, culturais, econômicos e humanos.
d) Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as às práticas dos di-
ferentes grupos e atores sociais, aos princípios que regulam a convivência em sociedade, aos direitos e deveres da cidadania, à justiça e à
distribuição dos benefícios econômicos.
e) Traduzir os conhecimentos sobre a pessoa, a sociedade, a economia, as práticas sociais e culturais em condutas de indagação,
análise, problematização e protagonismo diante de situações novas, problemas ou questões da vida pessoal, social, política, econômica e
cultural.
f) Entender os princípios das tecnologias associadas ao conhecimento do indivíduo, da sociedade e da cultura, entre as quais as de
planejamento, organização, gestão, trabalho de equipe, e associá-las aos problemas que se propõem resolver.
g) Entender o impacto das tecnologias associadas às ciências humanas sobre sua vida pessoal, os processos de produção, o de-
senvolvimento do conhecimento e a vida social.
h) Entender a importância das tecnologias contemporâneas de comunicação e informação para o planejamento, gestão, organização,
fortalecimento do trabalho de equipe.
i) Aplicar as tecnologias das ciências humanas e sociais na escola, no trabalho e outros contextos relevantes para sua vida.
§ Io. A base nacional comum dos currículos do ensino médio deverá contemplar as três áreas do conhecimento, com tratamento
metodológico que evidencie a interdisciplinaridade e a contextualização.
§ 2o. As propostas pedagógicas das escolas deverão assegurar tratamento interdisciplinar e contextualizado para:
a) Educação Física e Arte, como componentes curriculares obrigatórios;
b) Conhecimentos de Filosofia e Sociologia necessários ao exercício da cidadania. Art. 11 . Na base nacional comum e na parte
diversificada será observado que:
I - as definições doutrinárias sobre os fundamentos axiológicos e os princípios pedagógicos que integram as DCNEM aplicar-se-ão a
ambas;
II - a parte diversificada deverá ser organicamente integrada com a base nacional comum, por contextualização e por complemen-
tação, diversificação, enriquecimento, desdobramento, entre outras fonnas de integração;
III - a base nacional comum deverá compreender, pelo menos, 75% (setenta e cinco por cento) do tempo mínimo de 2.400 (duas mil
e quatrocentas) horas, estabelecido pela lei como carga horária para o ensino médio;
IV - além da carga mínima de 2.400 horas, as escolas terão, em suas propostas pedagógicas, liberdade de organização curricular,
independentemente de distinção entre base nacional comum e parte diversificada;
V - a língua estrangeira moderna, tanto a obrigatória quanto as optativas, serão incluídas no computo da carga horária da parte
diversificada.
Art. 12 . Não haverá dissociação entre a fonnação geral e a preparação básica para o trabalho, nem esta última se confundirá com a
fonnação profissional.
§ Io. A preparação básica para o trabalho deverá estar presente tanto na base nacional comum como na parte diversificada.
§ 2°. O ensino médio, atendida a fonnação geral, incluindo a preparação básica para o trabalho, poderá preparar para o exercício de
profissões técnicas, por articulação com a educação profissional, mantida a independência entre os cursos.
Art. 13 . Estudos concluídos no ensino médio, tanto da base nacional comum quanto da parte diversificada, poderão ser aproveitados
para a obtenção de uma habilitação profissional, em cursos realizados concomitante ou sequencialmente, até o limite de 25% (vinte e cinco
por cento) do tempo mínimo legalmente estabelecido como carga horária para o ensino médio.
Parágrafo único. Estudos estritamente profissionalizantes, independentemente de serem feitos na mesma escola ou em outra escola ou
instituição, de fonna concomitante ou posterior ao ensino médio, deverão ser realizados em carga horária adicional às 2.400 horas (duas
mil e quatrocentas) horas mínimas previstas na lei.
Art. 14. Caberá, respectivamente, aos órgãos nonnativos e executivos dos sistemas de ensino o estabelecimento de nonnas com-
plementares e políticas educacionais, considerando as peculiaridades regionais ou locais, observadas as disposições destas diretrizes.
Parágrafo único. Os órgãos nonnativos dos sistemas de ensino deverão regulamentar o aproveitamento de estudos realizados e de
conhecimentos constituídos tanto na experiência escolar como na extraescolar.
Art. 15. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação e revoga as disposições em contrário.
ULYSSES DE OLIVEIRA PANISSET Presidente da Câmara de Educação Básica
6.1.2 INTERDISCIPLINARIDADE E CON- TEXTUALIZA ÇÃO NO ENSINO
MÉDIO.
Identidade e projeto escolar
O Ensino Médio tem sido um sobrevivente: sem recursos próprios, vem existindo das sobras do Ensino Fundamental, não recebendo a
devida atenção tanto no que diz respeito às necessidades de investimento quanto no que se refere à reflexão sobre seu papel na fonnação do
estudante. As exigências da modernidade, porém, fazem crescer a procura por esse nível de ensino e nos obrigam a repensá-lo. É preciso
definir que Ensino Médio queremos, dar-lhe identidade.
ALDB de 1996 define a identidade do Ensino Médio com relação ao seu papel na fonnação do aluno: parte final da educação básica, o
Ensino Médio deixa de ser um curso de “passagem” para o Ensino Superior ou para uma qualificação profissional específica que assegure
fonnação geral ao estudante.
A identidade também se define no universo das unidades escolares. Constrói-se na elaboração do projeto escolar. O projeto escolar
expressa o pensamento, a cultura da comunidade escolar, composta por pais. alunos, professores, professor (es) coordenador (es), diretor.
Essa participação legitima o projeto na medida em que toma toda a comunidade responsável pela sustentação do que ele propõe.
Ao ser fonnalizado, esse projeto define os rumos e objetivos do trabalho a ser desenvolvido: o que ensinar; para que ensinar; como
ensinar; quais os materiais mais adequados e mais estimulantes para que o aluno se motive e aprenda; como avaliar, entendendo-se
avaliação como bússola que reorienta o trabalho da equipe escolar. O projeto também delineia como a escola, em seu conjunto, irá se
organizar para desenvolvê-lo: os modos de gestão do tempo e da vida escolar; a participação da APM, do Conselho de Escola e do Grêmio
Estudantil; o plano de investimento dos recursos financeiros recebidos.
Ao elaborar seu projeto, a escola expressa necessidades, desejos e objetivos que definem, afinal, sua identidade. Uma reavaliação
periódica desse projeto pennite um atendimento mais afinado com o perfil da clientela da escola, amplia a eficácia do trabalho e contribui
para o crescimento de quem trabalha nele.
Competência e aprendizagem no centro do processo educativo
A Reunião Internacional sobre Educação para o Século XXI, organizada pela UNESCO, aponta quatro necessidades básicas de
aprendizagem para o cidadão deste novo milênio: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver, aprender a ser. Ao adotá-las
como eixos organizadores do currículo, as DCNEM introduzem, ao mesmo tempo, duas mudanças.
Em primeiro lugar, colocam a aprendizagem (e não o ensino) no centro do processo educativo. Essa colocação reforça a respon-
sabilidade dos professores sobre o sucesso da aprendizagem do aluno: não basta ensinar; é preciso comprometer-se com o efetivo
aprendizado do aluno. Em segundo lugar, colocam os conteúdos como meios de se desenvolverem competências que garantam aos alunos
condições de exercerem plenamente seu potencial no mundo do trabalho e seu papel como cidadãos. A complexidade do mundo atual
exige mais que o domínio de conteúdos: é preciso saber operacionalizá-los, relacioná-los, mobilizá-los em situações concretas de qualquer
natureza. A construção das competências básicas - aprender a ser, a fazer, a conviver, a conhecer - se dá em cada área e disciplina, segundo
as especiíicidades de cada mna.
Interdisciplinaridade
A construção de competências passa, necessariamente, pelo desenvolvimento de conteúdos. Mas é necessário dar sentido a esses
conteúdos, tratar o conhecimento do modo como ele de fato se faz: da conjunção de vários saberes que se comunicam e produzem novos
saberes. É preciso tratá-lo de uma forma orgânica, promovendo o diálogo entre o que se vem desenvolvendo fragmentadamente na escola,
tomando a interdisciplinaridade uma prática pedagógica que se realize em projetos de estudo, pesquisas e atividades que, mesmo mantida a
integridade disciplinar do currículo, ponham em contato os saberes em favor de uma compreensão de mundo mais integrada, mais próxima
do modo como a realidade de fato se apresenta.
“Há inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave entre os saberes separados, fragmentados, compartimentados entre dis-
ciplinas, e, por outro lado, realidades ou problemas cada vez mais polidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais,
globais, planetários” . Compreender, analisar, imaginar interferências para os problemas ambientais, para ficarmos em mn exemplo
simples, exige a mobilização de conhecimentos tradicionalmente desenvolvidos em diferentes disciplinas. Só um tratamento interdis-
ciplinar permite conjugá-los e dirigi-los para o estudo e/ou a resolução de problemas complexos como, por exemplo, os ambientais.
Contextualização
A construção de competências e o desenvolvimento mais integrado, interdisciplinar, dos conteúdos passam necessariamente pela
contextualização, ou seja, pela relação entre os conteúdos e as situações nas quais eles se produziram ou se aplicam.
A vida cotidiana é profícua em situações que podem contextualizar conteúdos das diferentes áreas. O jornal, por exemplo, constitui-se
nmn grande contexto que oferece inúmeras possibilidades de se desenvolver um trabalho interdisciplinar. A simples leitura de um artigo
pode iluminar de sentido conteúdos de mais de uma área: além do uso da língua, cabe discutir público, intenções de um texto, imaginar
mais de uma estratégia de leitura, conjugá-la com a leitura de textos não-verbais. Cabe também, obviamente, uma leitura do conteúdo do
artigo, que pode manter conexão com várias e diferentes disciplinas. Talvez caiba uma leitura histórica do texto, investigando variáveis que
tenham participado da produção do fato em si e a versão dada pelo artigo. Os processos de produção, os quais permitiram que aquele artigo
tenha chegado a seu leitor, são complexos: envolvem cálculo em mais de um momento, demandam tecnologia, aliando-a o tempo todo ao
que o trabalho tem de mais humano - decisões, riscos, possibilidades de erro.
Este é apenas um exemplo. Mas é suficiente para mostrar como a contextualização pode garantir sentido a esse conteúdo, propiciando
não só a construção de competências, mas também a legitimação da escola como espaço de convivência, aprendizado, acesso, construção e
partilha do conhecimento.
O exemplo também esclarece sobre a articulação natural entre contextualização e interdisciplinaridade: o contexto, sendo mais amplo
que o objeto imediato de estudo, lança-se em direções que a escola trata em disciplinas diferentes. Só o diálogo entre essas disciplinas,
portanto, pode de fato compor o contexto em seu conjunto. Em outras palavras, a interdisciplinaridade se dá pela con- textualização.
De acordo com as DCNEM, o contexto explícito é o mundo do trabalho - aqui entendido em seu sentido geral, e não prático - e o
exercício da cidadania.
Flexibilidade no ensino e autonomia
A construção de um projeto pedagógico e a realização de um trabalho interdisciplinar e contextualizado são espaços de exercício de
flexibilidade e autonomia.
O projeto pedagógico deve pensar, dentro do currículo proposto, na criação de condições que assegurem mna “aprendizagem
motivadora e significativa”, cercada de elementos que digam respeito à vida dos alunos e da comunidade em que vivem. É essa perspectiva
que ampara a decisão sobre o recorte dos conteúdos de cada disciplina, as estratégias para abordá-los e os materiais a serem utilizados para
desenvolvê-los. Essas definições exercitam a autonomia do professor e da equipe escolar: ao decidir sobre diferentes aspectos do processo
de aprendizagem, esses agentes tomam-se responsáveis pela aprendizagem do aluno, pelos resultados do processo.
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos

A ênfase dada às áreas na proposta de organização do currículo ressalta a articulação interdisciplinar, mas pressupõe a permanência
das disciplinas: “A construção do conhecimento ... é claramente disciplinar e dificilmente se podería conceber mn aprendizado que não o
fosse (...) A interdisciplinaridade é também construída no aprendizado ou no seu exame, não pela fusão de disciplinas, mas pela realidade
das questões tratadas, por sua contextualização” .
A flexibilidade também marca as possibilidades de organização do curso. Além da organização anual que distribui a carga horária de
todas as disciplinas ao longo do ano letivo, o Ensino Médio pode, ainda que anual, ser estruturado semestralmente, concentrando em cada
um dos semestres a carga horária total de disciplinas da série. Há ainda a possibilidade de se estruturar o curso em períodos semestrais ou
módulos.
É flexível a organização dos cursos de Língua Estrangeira Moderna, Educação Física e Educação Artística, que podem ser dados em
classes não seriadas, com base na idade e no nível de conhecimento dos alunos.
As alternativas ao trajeto escolar do aluno mostram novamente a flexibilidade da lei: a escola tem autonomia para, a partir de uma
avaliação de competências, determinar a série em que um aluno será matriculado, mesmo que ele não tenha cursado todas as séries
anteriores, desde que respeitada a correlação idade-série; a escola pode também reclassificá-lo em séries posteriores, de modo a promover
o avanço ou a aceleração dos estudos. A progressão parcial permite que, se retido em até três disciplinas, o aluno passe à série seguinte e
curse, ao mesmo tempo, as disciplinas em que teve desempenho insatisfatório.
A flexibilidade fortalece a autonomia da escola, transferindo-lhe a responsabilidade pela organização dos tempos e espaços escolares,
por alternativas ao trajeto do aluno, de modo que possa atender de modo mais eficaz e adequado a sua clientela.
Preparar para o mundo do trabalho não é o mesmo que preparar para um posto de trabalho
O Ensino Médio dissociou-se do ensino profissionalizante, realizado agora ao mesmo tempo ou depois desse nível de ensino. Assim, o
Ensino Médio não é mais profissionalizante, não prepara para o exercício desta ou daquela profissão específica, mas está atrelado à
formação geral do aluno.
Mas o mundo do trabalho é contexto privilegiado, ao qual deve voltar-se o olhar de quem trabalha com jovens em vias de completar
sua formação básica e cujo interesse pelo mercado de trabalho é de curto ou médio prazo, se não imediato. Ao aluno deve ser garantida
formação geral pensando-se no trabalho como uma das principais atividades humanas, como espaço de exercício de cidadania, como
espaço de produção de bens e serviços e essencial na compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos.
Assim, o mundo do trabalho se apresenta como contexto extremamente oportuno e rico para dar sentido aos conhecimentos desenvolvidos
na escola.
É importante estimular o protagonismo juvenil
O jovem hoje tem expectativas bastante sensatas em relação à escola: quer que ela seja limpa, agradável, bem equipada, um lugar
onde possa de fato aprender. Espera sentir-se parte dela e poder dela se orgulhar. Para isso, quer que ela tenha mna “cara própria” e que lhe
ofereça canais de participação, além da oportunidade de se envolver em questões que digam respeito a ele mesmo e a sua comunidade,
como as relacionadas a saúde (sexualidade, drogas), meio ambiente e qualidade de vida.
Para grande parcela dos jovens, a escola tem sido um espaço de desalento e de desesperança. Com efeito, na escola que aí está, os
verdadeiros e únicos protagonistas têm sido os adultos. Essa situação necessita ser invertida urgentemente, ou melhor, precisa encontrar
um novo ponto de equilíbrio. Sem isso, não é possível fazer do jovem coautor do processo de ensino e aprendizagem, elemento capaz de
exercer e aprofundar sua autonomia e cidadania.
Como espaço de aprender a ser e de aprender a conviver, a escola é também um espaço onde o jovem pode e deve exercitar o pro-
tagonismo, atuando efetivamente na escola, apresentado propostas, promovendo discussões que digam respeito à vida escolar ou ao
interesse da comunidade; ou participando de organizações como, por exemplo, o grêmio ou outros grupos em interesses específicos; seja
participando de grupos que a própria escola propõe como aglutinadores de interesse: teatro, dança, banda ou jornal são atividades que,
dentre outras, podem reunir interesses e contribuir para a construção ou o fortalecimento da identidade da escola.
As mudanças de dentro e as outras mudanças
Afinal, por que se fala tanto do novo Ensino Médio? Teria ele mudado tão radicalmente, a ponto de ser chamado de novo?
Se o analisarmos, por exemplo, sob o prisma da organização do tempo na escola, ou das possibilidades de organização curricular, que
mantêm a alternativa disciplinar, vamos constatar que mudou muito pouco. As mudanças mais profundas e verdadeiras transitam nmn
espaço interno, exigindo de nós, profissionais da educação, alterações no nosso modo de nos relacionarmos com o conhecimento, com o
trabalho, com nosso próprio desenvolvimento.
Mudar, no contexto do que se propõe hoje para o Ensino Médio, significa abandonar alguns paradigmas sobre o que é ensinar e
aprender, revendo e revitalizando nossos compromissos com a escola e o aluno.

MOVIA, Didatismo e Conhecimento


Moun
Isso não é pouco, nem é fácil. Mas é o desafio do nosso tempo: trabalhar de modo interdisciplinar e contextualizado, a fim de atender
a um projeto que não é mais individual, mas coletivo, impõe mudanças cuja operacionalização exige esforço pessoal de cada um dos
agentes envolvidos no processo educacional. Em nossa resposta a esse desafio reside a grande mudança que se pode dar na qualidade da
educação oferecida no Ensino Médio.
Várias escolas do Estado de São Paulo têm realizado experiências bastante interessantes, que contemplam, por exemplo, a
flexibilização curricular, a interdisciplinaridade e o protagonismo juvenil. Os resultados mostram o quanto podemos avançar com relação à
melhoria da qualidade do ensino se ampliarmos e intensificarmos essas experiências. Mostram, em smna, que, por mais desafiadoras que
sejam as propostas, não só é possível responder a elas, como também perceber que os esforços têm sido extremamente compensadores:
alunos, professores, pais e mães, professores-coordenadores, diretores têm encontrado aí um caminho para um trabalho aliado da
solidariedade, da convivência, do respeito pelas diferenças, da pluralidade e da democracia. (Texto adaptado de Silveira, G. T.).
6.1.3 ENSINO MÉDIO INTEGRADO: FUNDAMENTAÇÃO LEGAL E
CURRICULAR.
A temática do Currículo Integrado é apresentada neste texto a partir de três aspectos considerados relevantes na revisão bibliográfica e
na análise da mesma: uma abordagem sobre a origem e os compromissos político-ideológicos que norteiam a defesa da sua realização,
partindo de uma interpretação do conceito de trabalho em Marx, da Escola Unitária de Gramsci e dos atuais proponentes do Currículo
Integrado e o debate que se estabeleceu sobre o tema nas últimas décadas; o aparecimento da definição de currículo como espaço de
organização do conhecimento escolar, na concepção de John Franklin Bobbit (apud SILVA, 2009), como um processo de seleção de
conhecimentos para serem abordados na escola, segundo Silva (2009) ou, ainda, um “plano pedagógico e institucional” (DAVINI, 2009);
e, por último, a construção teórica que fundamenta o Currículo Integrado e sua intencionalidade como proposta de educação
transfonnadora.
O Currículo Integrado faz parte de mna concepção de organização da aprendizagem que tem como finalidade oferecer uma educação
que contemple todas as fonnas de conhecimento produzidas pela atividade humana. Trata-se de uma visão progressista de educação à
medida que não separa o conhecimento acumulado pela humanidade na fonna de conhecimento científico daquele adquirido pelos
educandos no cotidiano das suas relações culturais e materiais. Por essa razão, possibilita uma abordagem da realidade como totalidade,
permitindo um cenário favorável a que todos possam ampliar a sua leitura sobre o mundo e refletir sobre ele para transfonná-lo no que
julgarem necessário. O ensino integrado tem por objetivo “disponibilizar aos jovens que vivem do trabalho a nova síntese entre o geral e o
particular, entre o lógico e o histórico, entre a teoria e a prática, entre o conhecimento, o trabalho e a cultura” (KUENZER, 2002).
Por se tratar da integração da fonnação básica com a fonnação profissional, o Currículo Integrado possibilita que os trabalhadores
tenham acesso aos bens científicos e culturais da humanidade ao mesmo tempo em que realizam sua fonnação técnica e profissional. Esta
fonnação se diferencia dos projetos vinculados aos interesses de mercado, uma vez que é bem mais que isso. É mn ensino que pretende
fonnar um profissional crítico, que seja capaz de refletir sobre sua condição social e participar das lutas em favor dos interesses da
coletividade.
Como fonnação humana, o que se busca é garantir ao adolescente, ao jovem e ao adulto trabalhador o direito a uma fonnação
completa para a leitura do mundo e para a atuação como cidadão pertencente a um país, integrado dignamente à sua sociedade política.
Fonnação que, neste sentido, supõe a compreensão das relações sociais subjacentes a todos os fenômenos (CIAVATTA, 2005).
O currículo escolar, em uma sociedade de classes, constitui a representação dos interesses do pensamento dominante, mas também
traz em si contradições que podem ser identificadas pelo princípio básico da dialética. O Currículo Integrado é uma fonna de organização
do conhecimento escolar que pennite a compreensão das relações complexas que compõem a realidade e possibilita a emancipação dos
educandos. Seu caráter transfonnador está em romper com as fragmentações que dificultam o desvelamento das contradições presentes
nessa sociedade.
A integração curricular, no entanto, não se realiza apenas pela oferta de disciplinas da Educação Profissional e da educação básica.
Integrar requer mna leitura da realidade concreta, com a participação dos sujeitos envolvidos na aprendizagem, para desvelar suas relações
e suas especificidades. Para isso, é necessário mais do que práticas de cooperação entre as disciplinas do conhecimento científico. “A
integração exige que a relação entre conhecimentos gerais e específicos seja construída continuamente ao longo da fonnação, sob os eixos
do trabalho, da ciência e da cultura” (RAMOS, 2005). O exercício da aprendizagem, nesta perspectiva, tem relações estreitas com as
condições específicas dos educandos e educadores. Por isso, integrar sob os eixos do trabalho, da ciência e da
cultura como operação didática e pedagógica pressupõe mu olhar comprometido com as relações estabelecidas no lugar da aprendizagem.
Este compromisso é político e, como tal. requer a compreensão de que educar exige interferir em determinada realidade e tomar posição.
“Não posso ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não poder ser neutra, minha prática exige de mim uma definição”
(FREIRE, 2010). O Currículo Integrado, portanto, inscreve-se entre as propostas de educação, cujo objetivo é romper com a ideia de
neutralidade e é favorável aos processos de ensino e aprendizagem que concorram para a emancipação dos trabalhadores.
É importante lembrar que a ideia de formação completa do homem por meio de processos educacionais é anterior à sociedade
industrial e, portanto, ao marxismo e à Escola Unitária de Gramsci. Já entre os pensadores do período renascentista estava presente a
preocupação com a formação completa do ser humano. Comenius (1985), em sua Didática Magna, recomenda:
Importa agora demonstrar que, nas escolas, se deve ensinar tudo a todos. Isto não quer dizer, todavia, que exijamos a todos o
conhecimento de todas as ciências e de todas as artes (sobretudo se se trata de um conhecimento exato e profundo). Com efeito, isso, nem,
de sua natureza, é útil, nem, pela brevidade da nossa vida, é possível a qualquer dos homens.
A preocupação do autor é no sentido de que todas as pessoas devem ter uma noção, mesmo que genérica, dos fenômenos que, de uma
forma ou de outra, interferem no curso da vida humana. Complementa o autor:
Pretendemos apenas que se ensine a todos a conhecer os fundamentos, as razões e os objetivos de todas as coisas principais, das que
existem na natureza como das que se fabricam, pois somos colocados no mundo, não somente para que façamos de espectadores, mas
também de atores (COMENIUS, 1985).
Para atuar no mundo, pensava Comenius (1985), não se pode ignorar a existência das coisas. É o que no mundo contemporâneo se
chama de conhecimento ou cultura geral. Ter uma compreensão do todo no que se refere à ciência, à técnica, à cultura e às artes não
significa tomar-se um especialista em cada uma delas. Importante é perceber o objetivo de que todos os seres humanos sejam atores, isto é,
tenham uma postura ativa no mundo. Particularmente neste aspecto, o objetivo perseguido por este pensador do século XVII aproxima-se
dos postulados da educação unitária de Gramsci, ou do Currículo Integrado, hoje defendido porFrigotto, Ciavatta e Ramos. “[...] os
socialistas utópicos da primeira metade do século XIX [...] Saint-Simon, Robert Owen e François Fourier” (CIAVATTA, 2005), também
“levantaram o problema de uma formação completa para os produtores”.
Parece importante esclarecer que a proposta de Currículo Integrado se insere no conjunto mais amplo de compromissos que um
determinado grupo de homens e mulheres assume diante das circunstâncias do trabalho alienado e da exploração do homem pelo homem,
mais especificamente, da alienação produzida pelas relações capitalistas de produção. A defesa de mna formação integral, no sentido de
alcançar uma formação omnilateral do ser humano, não foi chamada de Currículo Integrado na sua origem, já que as reflexões sobre
educação não contavam com formulações teóricas específicas sobre currículo. Gramsci defendeu a formação completa através de uma
Escola Unitária que unisse a formação que chamou de desinteressada (cultura geral, sem objetivo imediato) com a formação de caráter
técnico, voltada para a produção. Os pressupostos que sustentam teoricamente este movimento estão no conjunto de idéias defendidas por
Marx e Engels, cujas obras têm como eixo central a crítica à exploração estabelecida pela sociedade capitalista.
Para estudar e descrever a formação da sociedade capitalista e seu modelo econômico e social, Marx analisou o trabalho como um dos
temas centrais. Não somente na sua forma histórica, tal qual se apresentava na sociedade industrial da sua época, mas também o trabalho
como algo inerente ao homem, isto é, o meio pelo qual os seres humanos se diferenciam dos demais seres da natureza, embora façam parte
dela. Neste sentido, mostrou que o homem, pela sua condição de espécie diferenciada dos outros animais, é capaz de estabelecer relações
mais complexas com o meio em que vive e com os próprios homens. Ao descrever essa condição, que se pode entender como condição
humana, Marx (2003) afirma: “A atividade vital lúcida diferencia o homem da atividade vital dos animais”. Por atividade vital lúcida,
Marx (2003) quer dizer que o homem, apesar de necessitar do trabalho como meio de existência, o faz como um ser livre e consciente. No
entanto, em determinadas circunstâncias, o homem perde esta liberdade, pois já não se sente mais livre para agir, não se reconhece como
tal e não se identifica com o produto do seu trabalho. É o que este autor chamou de trabalho alienado. “O trabalho alienado inverte a
relação, uma vez que o homem, enquanto ser lúcido transforma sua atividade vital, o seu ser, em simples meio da sua existência” (MARX,
2003).
Ao afirmar que o trabalho alienado reduz o homem à condição de ser que apenas produz através dele a sua existência física, Marx
(2003) denuncia a violação da própria condição humana, aquela que permite a sua criatividade e o seu reconhecimento como parte ativa da
natureza como ser da humanidade. Ao fazer esta denúncia, afirma que:
Na medida em que o trabalho alienado tira do homem o elemento da sua produção, rouba-lhe do mesmo modo a sua vida genérica, a
sua objetividade real como ser genérico, e transforma em desvantagem a sua vantagem sobre o animal, então lhe é arrebatada a natureza, o
seu corpo inorgânico.
Por vida genérica, entende o autor a condição humana de produzir na liberdade, além da necessidade da existência, uma atuação sobre
o mundo objetivo.
Ao analisarem o trabalho no seu aspecto histórico, isto é, como a produção da vida material se apresenta nas sociedades, Marx e
Engels (2005) afirmam que o movimento da história se dá pela luta de classes. Esta luta advém da condição de uma parcela da sociedade
ser constituída por homens expropriados do produto do seu trabalho nas sociedades escravistas, feudal e capitalista, sendo esta última, seu
objeto especial de análise. É esta condição de exploração que tomou o homem alheio à condição humana de criar e de se apropriar da sua
criação (alienação).
No capitalismo, através da propriedade privada dos meios de produção e do trabalho assalariado, a burguesia se apropria da riqueza
gerada pelos trabalhadores e a reproduz em forma de capital acumulado. O salário pago é apenas a quantidade necessária para que o
operário possa subsistir e repor a força de trabalho acima da demanda de empregos da indústria. A oferta superior de trabalhadores
pressiona os salários para baixo e garante as taxas de lucro.
O preço médio do trabalho assalariado é o mínimo de salário, ou seja, a soma dos meios de subsistência necessários para que o
operário viva como operário. Portanto, o que o operário assalariado obtém com sua atividade apenas é suficiente para reproduzir sua pura e
simples existência (MARX; ENGELS, 2005).
Sob as condições históricas descritas anteriormente e considerando que desde a Primeira Revolução Industrial, ocorrida inicialmente
na Inglaterra na segunda metade do século XVIII, as jornadas de trabalho eram de até 16 horas diárias, fica difícil pensar que houvesse
tempo para o trabalho criativo, para o exercício da liberdade, que faz com que o homem se reconheça como homem. O industrialismo de
Ford, como observou Gramsci (2008), não se preocupou com a perda da espiritualidade e da humanidade, antes alimentadas com o
trabalho dos artesãos que as vinculavam à arte. O Fordismo se encarregou de aniquilar este vínculo e construiu outras formas de evitar o
total desequilíbrio psicofísico do trabalhador ao dar outros sentidos ao tempo disponível:
[...] os industriais estão preocupados em ocupar os cérebros dos trabalhadores livres da produção (antes, durante e depois do trabalho)
através de “escolas” que ponham no centro do estudo não o homem e sua liberdade, mas a máquina ou a ciência, metafisi- camente e não
historicamente concebidas. As escolas profissionalizantes, politécnicas, tecnológicas, os círculos de cultura e de lazer, as leituras e os
clubes dos industriais correspondem a essa preocupação: ocupar o tempo e o cérebro do trabalhador centrando-os na máquina (ciência)
dogmaticamente estudada. É justamente nesse ponto (de metodologia da técnica e da ciência) que a proposta educativo-escolar de Gramsci
se destacou em Turim como contraponto à educação burguesa do trabalhador, do técnico e do cientista da produção (NOSELLA, 2010).
Poder-se-ia pensar, no entanto, que o avanço tecnológico fosse gerar mna realidade nova. Um suporte capaz de libertar o homem das
tarefas repetitivas, das longas jornadas de trabalho e devolver a ele o tempo e as condições para o trabalho criativo, aquele inerente à sua
condição humana. Para que isso venha a ser possível, as tecnologias devem fazer o papel de facilitadoras da produção da existência, ou
seja, dar sustentação material para que a sociedade possa viver “O momento da omnilateralidade humana (que tem como formas mais
elevadas a ética, a filosofia, a ciência, etc.)” (ANTUNES, 2010). Porém, pela natureza do próprio modo de produção capitalista, as
inovações estão a serviço de uma maior acmnulação de riquezas e não do bem-estar social. Por isso, “Tanto o trabalho quanto a
propriedade, a ciência e a tecnologia, sob o capitalismo, deixam de ter centralidade como produtores de valores de uso para os
trabalhadores: resposta a necessidades vitais destes seres humanos” (FRIGOTTO, 2005). Assim, as inovações tecnológicas são apropriadas
pelos donos dos meios convencionais de produção e, aos trabalhadores, fica o encargo de “qualificar-se” o suficiente para operar os novos
equipamentos e lidar com as novas tecnologias.
Nessas condições, o trabalho restringe-se à ação pela qual o homem produz e reproduz a riqueza material, e sua dimensão criativa, que
é inerente à condição humana, perde vários espaços possíveis de se realizar. Não por acaso, uma das bandeiras de luta dos trabalhadores,
em todos os tempos, é a diminuição da jornada de trabalho.
A luta dos trabalhadores, desde a lendária “Arca de Noé”, dá-se no sentido de abreviar o tempo de trabalho necessário à produção dos
bens e serviços imprescindíveis à sua reprodução físico-biológica, às suas necessidades básicas historicamente determinadas para dispor de
tempo livre, tempo de escolha verdadeiramente criativo e, portanto, genuinamente humano (FRIGOTTO, 2005).
Embora os trabalhadores tenham alcançado algumas conquistas, na essência o sistema os obriga a permanecerem realizando o
trabalho “necessário” e cada vez menos o trabalho criativo capaz de promover a realização do indivíduo como ser que recria a própria
natureza. Não parece exagero dizer, portanto, que o modo de produção capitalista tem reduzido o trabalho à esfera da necessidade. Os
meios pelos quais esta condição se impõe são os mais variados. Parece ter assumido mais frequentemente a condição de crise estrutural do
próprio sistema, como a Crise de 1929; desemprego estrutural; crises financeiras que afetam as economias em determinadas conjunturas; e
mudanças operadas pelo campo científico e tecnológico, cujos efeitos agem no sentido de pressionar os trabalhadores para que se adaptem
à nova dinâmica dos aparatos de produção. Na educação escolar e nas demais formas de educação popular, esses processos de adaptação
aparecem como novas demandas a serem atendidas, o que demonstra uma relação entre os processos educativos e as estruturas da
totalidade social e econômica.
Nos países em que o capitalismo se estruturou até o início do século XX e que subordinaram um conjunto de nações vítimas das
diversas formas de colonização operadas a partir do século XVI e, em especial no século XIX, foi possível desenvolver uma política de
proteção social (Estado do Bem-estar). Esta política serviu para sustentar um modelo ancorado na sociedade de consumo em que o Estado
garantiu o acesso da população a um padrão razoável de existência. A exploração de uma classe sobre a outra, entretanto, não desapareceu.
Tampouco o trabalho voltou a ser realizado na sua dimensão de produção criativa. As formas de realização pessoal foram vinculadas à
lógica do mercado, que é controlado pela classe detentora do capital, quer no que se refere ao comportamento de consumo como
realização, quer nas atividades de recreação e lazer, hoje, mais do que nunca, totalmente atreladas aos interesses de mercado via contratos
de imagem e propagandas da grande mídia.
Os efeitos desse cenário descrito atingem também um conjunto de países periféricos que se industrializaram através da transposição de
capitais dos países centrais, em circunstâncias favoráveis a estes e suas corporações empresariais. Este é o caso do Brasil que, em boa parte
do século XX, esteve em busca da industrialização como sinônimo de desenvolvimento e modernização. Isto significou construir mna base
industrial e uma modernização acelerada das atividades primárias, liberando um enonne contingente de trabalhadores para o emprego na
indústria. Este processo se intensificou nas décadas de 1950 e 1960. No entanto, tratava-se, em grande parte, de pessoas com baixa ou
nenhuma escolaridade. Dessa fonna, o Estado e algumas organizações mantidas pelas empresas ocuparam-se em oferecer possibilidades de
fonnação básica e profissional para atender à demanda crescente de trabalhadores para a indústria nascente. Por algum tempo, o meio
urbano acenou para os trabalhadores com a possibilidade da profissionalização, tomando-a sinônimo de segurança social, considerando
que, “Sob a cultura industrialista do projeto nacional-desenvolvimentista e nmn contexto de pleno emprego, a razão de ser da educação
brasileira esteve predominantemente centrada no mercado de trabalho” (RAMOS, 2005).
A terceira Revolução Industrial que ocorrera na segunda metade do século XX, nos países centrais do capitalismo, alterou o papel do
trabalho e feriu a organização dos trabalhadores. No Brasil, em especial, o Estado tratou de adequar os trabalhadores aos interesses do
grande capital nacional e estrangeiro. Assim, a cada ciclo de mudanças operadas nas relações de dominação capitalista correspondeu uma
ordem de prioridades no país, tanto na adequação das relações de trabalho, quanto na conformação dos movimentos sociais e nas fonnas de
“qualificação dos trabalhadores”, encobrindo os reais interesses e efeitos produzidos pelo sistema capitalista como um todo.
Com base nessa trajetória, Frigotto (2005) lembra que: “A educação, mediante as noções de capital humano, sociedade do conhe-
cimento e pedagogia das competências para a empregabilidade, tem sido utilizada em contextos lústóricos diferentes, como suportes
ideológicos [...]” para dissimular os reais interesses em jogo e as estratégias do capital para perpetuar a sua reprodução e responsabilizar
suas vítimas pelas mazelas por ele geradas. Em análise do tema, Rodrigues (2005), por meio do conceito de “metamorfose teleológica”
oferece vários argumentos que corroboram para sustentar a ideia de que a classe dominante faz do seu projeto de classe uma espécie de
“desígnio do bem” para toda a sociedade. Ele demonstra que a Confederação Nacional da Indústria (CNI), desde a sua criação, transfonna
os seus interesses de classe em meta a ser atingida por toda a sociedade, e como se fosse a favor de todos.
Em síntese, a CNI - através da metamorfose teleológica - visa a aglutinar e exprimir os interesses das classes produtoras industriais,
identificando os seus interesses particulares aos dos demais setores da sociedade; isto é, o discurso da burguesia industrial mimetiza-se,
buscando colocar-se acima dos antagônicos interesses das classes em luta (RODRIGUES, 2005).
A cada meta estabelecida pelas classes dominantes brasileiras, já lideradas pelo segmento industrial, correspondeu uma espécie de
chamada de todos aos sacrifícios de construção de um grande projeto. Como esclareceu Rodrigues (2005), entre os anos de 1930 e 1950,
tratava-se de fazer do Brasil mn país industrializado. Ajustificativa, segundo a CNI, era de que os problemas do Brasil estavam
relacionados à sua condição de país agrário-exportador. Também fez parte desse discurso, a defesa de um novo modelo de Educação
Profissional, voltado para a fonnação aligeirada dos trabalhadores, através do sistema S.
A partir de 1960, quando a industrialização foi alcançada, passou a CNI a perseguir o tê-los de país desenvolvido, pois a indus-
trialização não eliminou os graves problemas sociais brasileiros. Ao contrário, aprofundou alguns problemas estruturais, devido à
urbanização acelerada. Certamente, a passagem da condição de país industrializado subdesenvolvido para país desenvolvido geraria um
grande custo para o capital. Assim, ao invés das refonnas de bascó. veio o Golpe Militar de 1964, que durou 20 anos. Foi um desses
momentos identificados por Gramsci em que o consenso não é suficiente para enfrentar as contradições de uma lógica de acumulação. Aí
entra em cena a força.
A partir da década de 1970, o capitalismo mundial entrou na fase da revolução tecnocientífica e infonnacional. Esta gerou mudanças
importantes nas relações sociais de produção, impostas pelo novo padrão de acumulação do capital. A adequação a este novo padrão impôs
também mudanças no papel do Estado frente ao intenso processo de globalização das economias e da competição exacerbada. Países,
como o Chile, a Inglaterra e os Estados Unidos, promoveram refonnas que diminuíram os compromissos sociais do Estado. No Brasil, as
refonnas que adequaram o país ao receituário neoliberal foram implementadas somente na década de 1990. Verifica-se, a partir daí, um
processo de privatização das empresas estatais e a adoção, por parte dos empresários, de mn discurso fundamentado na ideia de
competitividade. Neste novo cenário, o “mundo do trabalho” é chamado a aderir aos ditames da economia competitiva, e os trabalhadores
são empurrados para a busca da manutenção da empregabilidade. Nas palavras de Rodrigues (2005): “A busca da competitividade
internacional da indústria brasileira, portanto, passa a modelar as propostas para a reestruturação do Estado (stritu sensu), da educação e da
fonnação profissional”.
Neste novo contexto, algumas mudanças devem ser consideradas: o cenário de afinnação das políticas neoliberais adotadas por vários
governos e, consequentemente, as mudanças ocorridas nas relações de trabalho, que se tomaram significativas no final do século passado;
na esfera da produção, o Toyotismo apresentou uma nova dinâmica de produção que teve repercussões sobre as relações no trabalho e de
trabalho, bem como na organização dos trabalhadores. Quanto às primeiras, estas seguem uma lógica “[...] mais consensual, mais
envolvente, mais participativa, em verdade mais manipulatória” (ANTUNES, 2010). Esta manipulação, ainda confonne o autor gera um
tipo especial de “estranhamento” dos trabalhadores, pela diferença que apresenta em relação ao Fordismo,
mas “[...] que possibilita ao capital apropriar-se do saber e do fazer do trabalho”. No que diz respeito à organização e resistência dos
trabalhadores, o modelo japonês, ao se expandir, e o neoliberalismo como macropolítica produziram uma verdadeira crise no movimento
sindical. Entre os componentes dessa crise está a flexibilização, que compromete conquistas históricas dos trabalhadores (típico receituário
neoliberal) e:
Uma crescente individualização das relações de trabalho, deslocando o eixo das relações entre capital e trabalho da esfera nacional
para os ramos de atividade econômica e destes para o universo micro, para o local de trabalho, para a empresa e, dentro desta, para uma
relação cada vez mais individualizada (ANTUNES, 2010).
A cada processo de mudança e de novas relações ditadas pelo próprio capitalismo, constroem-se também as justificativas para que o
trabalho não tenha o papel do fazer criativo nas demais dimensões da vida e permaneça como mero ato de luta pela subsistência, além de
produção de mercadorias para o capital. Os cenários que legitimam o pensamento dominante fazem parte das suas próprias contradições,
mas, ao menos por enquanto, têm sido capazes de manter o consenso muito mais pelo discurso do que pela força. Nessas condições,
permanece a segregação imposta pelos processos produtivos e pelos sistemas educativos que, por estarem comprometidos com uma visão
elitista, separam os homens entre os que pensam e os que executam; entre os que criam e os que apenas operam os novos instrumentos de
trabalho, como algo alheio a sua natureza de classe, o que se pode entender como a continuidade da alienação. Mesmo quando sistemas
produtivos como o Toyotismo oferecem maior integração entre “pensar e agir” (ANTUNES, 2010), a lógica do capital continua presente.
Conforme o autor, o fim da separação entre os que elaboram e os que executam é apenas aparente.
Em condição histórica “privilegiada”, e com especial preocupação com a dimensão do embate político e ideológico por que passava a
Europa nas décadas de 20 e 30 do século passado, Gramsci deixou uma grande contribuição para o debate pedagógico e a construção de
alternativas de educação, numa perspectiva socialista.
Frente ao movimento da Escola Nova, da Reforma Gentili e da experiência socialista na Rússia, propôs uma Escola Unitária, capaz de
superar aquilo que considerou o esgotamento da escola tradicional e a necessidade de uma escola típica da sociedade industrial, porém, do
ponto de vista dos trabalhadores. Pela filosofia da práxis, Gramsci (apud NOSELLA, 2010) analisa as condições tecnológicas da sociedade
industrial, não apenas como meio, mas como propriedade de determinados grupos e como resultado de relações sociais do momento
histórico. Propõe, então, não uma escola para reocupar os cérebros dos trabalhadores, como queriam e querem os industriais, mas, “a
escola onde se ensina a radicalização e a universalização do processo de libertação do operário, justamente a partir do estudo da fábrica e
da máquina modernas concebidas histórica e politicamente” (NOSELLA, 2010).
A escola capaz de promover essa radicalização e universalização da liberdade, segundo Gramsci, é a Escola Unitária, isto é, um
currículo de escola formal que contemple a formação humanista (o que ele frequentemente chamou de cultura fonnativa desinteressada) e a
formação técnico-profissional. “A chegada da escola unitária significa o começo de novas relações entre trabalho intelectual e trabalho
industrial não apenas na escola, mas em toda a vida social” (GRAMSCI apud NOSELLA, 2010). O pensador e dirigente político italiano
estava preocupado com aquilo que acreditava ser mu passo fundamental na definição dos rumos de uma sociedade moderna, qual seja o
seu pensamento hegemônico. Acreditava, portanto, que a superação de determinados preconceitos e o avanço cultural das massas teriam
papel importante na construção de uma sociedade igualitária.
Tendo como ponto de partida a concepção marxista de trabalho, cujos pressupostos diferenciam o trabalho como ação da condição
humana daquele cujas características são inerentes a determinado período histórico, procurou-se identificar o seu caráter educativo e o seu
significado dentro da luta política anticapitalista. Com isto, pode-se dizer que a defesa de um Currículo Integrado para a formação escolar
básica se originou do esforço de pensadores libertários de tradição marxista, como Gramsci ao defender a Escola Unitária e Denneval
Saviani, na defesa da formação politécnica, no sentido de superar a dicotomia entre os processos educacionais do cotidiano e o processo
educacional escolar.
É a partir das preocupações de Marx que nasce a proposta de formação omnilateral do homem e de uma educação que contribua para a
superação das relações de subordinação da classe trabalhadora aos interesses da classe dominante. No início do século XX, a educação
como meio de formação completa foi para o centro do debate. Isto ocorreu tanto pela experiência socialista da Revolução Russa, quanto
pela proposta de Gramsci na escola de partido e na análise crítica que realiza sobre a educação dos seus familiares. Nas concepções de
Gramsci, encontra-se a valorização da educação formal como meio fundamental de formação da cultura. Neste sentido, a Escola Unitária
por ele proposta está vinculada ao seu projeto de luta política e ao seu modo de ver as relações que se estabelecem na sociedade industrial
da época. Como método, “[...] a unitariedade se constrói a partir do elemento produtivo de cada dicotomia: a filosofia, a política e a
liberdade se foijam no sólido terreno da economia e da necessidade” (NOSELLA, 2010).
Quanto à luta política, seu objetivo maior é a liberdade, e esta “É a liberdade foijada no e pelo trabalho moderno, administrado pelo
próprio trabalhador o qual produz e define a política de produção e de distribuição” (NOSELLA, 2010). É perceptível o papel central que
atribui ao trabalho em sentido amplo e à necessidade de se estabelecer compromissos históricos de reciprocidade entre todos que o
realizam.
Obviamente, a questão é complexa, mas a solidariedade recíproca entre o operário e o intelectual, sua unitariedade deverão ser
construídos a partir da única base que sustenta os dois tipos de trabalho: o intelectual não pode esquecer que o trabalhador pensa, nem que
seu próprio oficio é também um trabalho; o operário, por sua vez, não pode esquecer que a função do intelectual não consiste em
genialidades misteriosas, mas no esforço disciplinado, e que ele próprio é mn criador e pensador (GRAMSCI apud NOSELLA, 2010).
Para Gramsci (apud MANACORDA, 2008), todo um conjunto de fatores da sociedade industrial concorre na formação do homem do
século XX e, por isso mesmo, o mundo do trabalho é educativo e a escola é o primeiro passo na formação da cultura. Quando se atribui ao
trabalho, no sentido dado por Gramsci, um princípio educativo, não se está referindo àquilo que é corrente no senso comum, isto é, que o
trabalho é um meio pelo qual os indivíduos se tomam disciplinados para reger a sua vida individual e social, embora não se possa
desconsiderar totalmente este aspecto. Também, segundo Frigotto (2001), com base na dimensão ontológica apontada por Marx, o trabalho
educativo é aquele que, livre da “esfera da necessidade”, pode realizar-se na “esfera da liberdade”. Assim, toda a atividade humana é
trabalho, independentemente do seu valor de mercado.
Ao se considerar que a liberdade é um espaço de possibilidades para múltiplas realizações de tudo aquilo que permite ao ser humano o
seu auto reconhecimento, é possível entender a complexidade que envolve propor um processo de ensino e de aprendizagem que ofereça
mna formação sob os eixos do trabalho, da ciência e da cultura. Por este prisma, percebe-se o quanto tal proposição se distancia das
práticas educativas que visam preparar o indivíduo para o mundo do trabalho, no sentido da empregabilidade. Parece necessário
considerar, por esta razão, que a proposta de Currículo Integrado é uma ação contra hegemônica em relação às metodologias que a escola
tem adotado nos processos educacionais desenvolvidos no interior da sociedade capitalista.
O conceito de currículo
O currículo tem significados que vão muito além daqueles aos quais as teorias tradicionais nos confinaram. O currículo é lugar,
espaço, território. O currículo é relação de poder. O currículo é trajetória, viagem, percmso. O currículo é autobiografia, nossa vida,
curriculum vitae: no currículo se foija nossa identidade. O currículo é texto, discurso, docmnento. O currículo é documento de identidade
(SILVA, 2009).
Tentar captar de mna forma abrangente todo o movimento que o currículo, entendido como proposta de organização escolar, fez desde
que foi concebido como tal, é uma tarefa difícil, especialmente pela variedade de teorias e ou discursos sobre ele produzidos no último
século, em especial na segunda metade do século XX. Porém, há produções de fôlego para apoiar a elaboração deste trabalho em sua
proposta: descrever e analisar um pouco do que já se disse sobre o tema, à luz das elaborações produzidas na esfera mais ampla do
pensamento sobre a Educação, seu caráter na sociedade capitalista e seu papel nos processos de superação do capitalismo e proposição de
mna sociedade mais justa e mais fraterna.
O texto que aqui se apresenta sobre o currículo de forma geral tem o objetivo de fazer mna descrição e algumas observações através
do seguinte fio condutor: o currículo escolar e o papel da educação escolar e dos educadores na construção de uma proposta capaz de
oferecer formação que possibilite a apreensão do mundo nas suas relações econômicas, políticas e culturais. Pretende-se, ainda,
caracterizar a formação escolar, através da sua organização, chamada currículo, como um espaço de afirmação e contestação de projetos de
sociedade. Portanto, interpreta-se o que se chama de “movimento do currículo” a partir da perspectiva das teorias críticas de currículo,
conforme define Silva (2009). A escola não determina a estrutura social e não é totalmente determinada por ela, mas tem papel importante
na reprodução do modelo social e na produção de referenciais culturais que contribuem na sustentação ou desestabilização da ordem posta
em mna sociedade. O foco de observação escolhido é o currículo na perspectiva de construção e ou manutenção do poder.
Pela origem etimológica, curriculum é uma palavra latina que designa caminho, ou caminho a percorrer, referindo-se às corridas de
biga na Roma Antiga. Se considerar- se que a vivência no ambiente escolar está para o percurso da vida humana, assim como as pistas
estavam para os carros de competição dos romanos, pode-se dizer que a palavra currículo está bem apropriada para referir-se ao conjunto
de conhecimentos e práticas que a educação formal adota diante do desafio de preparar as novas gerações para a vida social. Por este olhar,
currículo pode ser um objeto a ser definido e estudado, ou, como diz Silva (2009), algo a ser descoberto e descrito. Portanto, desse ponto
de vista parece que currículo é algo dado na história da escola, como que se existisse a priori. Para se fazer uma boa educação, portanto,
bastaria conhecer o currículo, isto é, o conjunto de conhecimentos e práticas inerentes à vida escolar, compreendê-lo e bem aplicá-lo. Em
se tratando de currículo escolar, este aparece em uma realidade específica, embora as preocupações com as questões escolares já tenham
sido objeto de preocupação muito antes.
Provavelmente o currículo aparece pela primeira vez com mu objeto específico de estudo e pesquisa nos Estados Unidos dos anos
vinte. Em conexão com o processo de industrialização e os movimentos imigratórios, que intensificavam a massificação da es- colarização,
houve um impulso, por parte de pessoas ligadas, sobretudo à administração da educação, para racionalizar o processo de construção e
desenvolvimento e testagem de currículos. As idéias desse grupo encontram sua máxima expressão no livro de Bobbitt, The Curriculum
(1918). Aqui, o currículo é visto como um processo de racionalização de resultados educacionais, cuidadosa e rigorosamente especificados
e medidos. O modelo institucional dessa concepção de currículo é a fábrica (SILVA, 2009).
O estudo específico sobre currículo escolar nasce com mna característica importante: que ele deve seguir os padrões de como fazer,
típicos da sociedade industrial, já que esta determina o método de organização que deve ser utilizado em todas as organizações. Ainda,
segundo Silva (2009), no modelo de Bobbitt, o currículo é um conjunto de procedimentos que visa alcançar determinados resultados
mensuráveis. Trata-se de mna proposta de organização escolar que atende aos interesses das práticas econômicas dominantes.
Não menos importante é o fato de que muito antes dos estudos de currículo propriamente dito, já havia uma preocupação com o papel
da formação escolar, por exemplo, entre os renascentistas e, mais tarde, os socialistas utópicos, em dar à educação um caráter de formação
completa. Quando se consideram as características determinantes de um currículo, percebe-se que ele é objeto de debate, pelo menos nos
últimos três séculos. Já no Ilmninismo, houve grande preocupação com o conhecimento escolar e seu papel na formação da sociedade.
Assim, cada período histórico apresenta preocupações específicas em relação à educação e, por esta razão, “O currículo é sempre o
resultado de mna seleção: de um universo mais amplo de conhecimentos e saberes selecionados aquela parte que vai constituir,
precisamente, o currículo” (SILVA, 2009). Inegavelmente, a discussão mais intensa sobre currículo, considerando que ela se refere,
conforme Silva (2009), ao conhecimento que deve ser ensinado, se fez presente no século XX, com a consolidação da sociedade industrial
capitalista. Em especial, porque um novo conteúdo escolar se fez necessário, isto é, a fonnação profissional para as atividades urbano-
industriais. É neste contexto que se ampliam os debates sobre os modelos de escola, uma vez que, para pensadores como Gramsci, por
exemplo, a escola clássica já não respondia aos interesses dos novos grupos sociais emergentes. Assim, Nosella (2010) descreve o
raciocínio de Gramsci no terceiro texto dos Cadernos do Cárcere n° 12: se a escola tradicional morreu, pois seu tecido social natural em
que se baseava havia se dilacerado e a pedagogia moderna (ativa), mesmo tendo compreendido a natureza dessa crise, não soube oferecer
alternativa pedagógica adequada, cabe a nós, isto é, ao Partido Comunista que representa a classe social historicamente emergente, oferecer
a correta solução da crise pedagógica, como de fato já ensaiamos fazer, diz ele, com sucesso, na “escola” de Ordine Nuovo (1919-1920),
instituição fonnativa desinteressada, que substituiu o fulcro pedagógico do ensino tradicional do grego e do latim (a civilização antiga e a
lógica gramatical) por um novo fulcro pedagógico, isto é, a civilização moderna do trabalho industrial através do estudo da técnica-ciência
(tecnologia) à luz da história do trabalho.
Nessa descrição, evidencia-se uma discussão de natureza curricular, ou seja, conforme explica Silva (2009), a discussão é o que
ensinar na busca de contribuir naquilo que as pessoas deverão ser. É preciso destacar, por isso, a importância do currículo na determinação
do êxito ou fracasso dos modelos sociais, tanto no caso de Bobbitt, que notadamente pensa um currículo escolar para sustentar a sociedade
americana, quanto no que se pode facilmente concluir sobre os objetivos de Gramsci, no sentido de romper com as estruturas de
pensamento vigentes, na construção da sociedade comunista. Dito de outra fonna, a defesa de mu determinado currículo escolar tem
relação direta com o que se quer dos sujeitos de uma sociedade. Dessa maneira, afirma Silva (2009), antes mesmo de se pensar em “o
quê?” ensinar, deve-se ter em mente o que se deseja que as pessoas se tomem. Aqui se evidencia, também, um dos objetivos deste trabalho:
caracterizar a intencionalidade presente nos currículos escolares, porém, sem reduzir toda a prática escolar a mu projeto político
determinado, pois a escola abriga relações e intenções bem mais complexas.
Dessas primeiras assertivas acerca do currículo e de seu lugar na atividade escolar, pode-se apreender que, quando se trata de currículo
escolar, está em jogo bem mais do que a escolha do que ensinar e de uma metodologia adequada para isso. Muito mais do que uma escolha
restrita ao ambiente escolar, o currículo abrange um determinado projeto de homem e de sociedade. Se assim não fosse, o debate sobre
currículo não teria ocupado mu espaço tão grande entre sociólogos, filósofos e dirigentes políticos. Da mesma fonna, não teria se tomado
um tema que move o interesse de tantos segmentos sociais, como as Igrejas, as Empresas Privadas e os Sindicatos de Trabalhadores. Fica
claro que o currículo envolve uma questão de poder e, como tal, não há como deixar de perceber o caráter de disputa de modelos de
homem e de sociedade a ele subjacente. “As teorias do cunículo”, portanto, trazem consigo a defesa de detenninados projetos históricos.
As teorias tradicionais, segundo Silva (2009), mais detidas nos aspectos técnicos e científicos atuam em acordo com os saberes
dominantes. No entanto, esta pretensa neutralidade contribui para a preservação dos valores dominantes em uma sociedade penneada de
desigualdades e injustiças. Já as teorias críticas e pós-críticas desenvolvem seus postulados a partir de conceitos que levam ao
questionamento sobre os interesses em jogo quando da escolha de detenninados processos e conteúdos escolares em detrimento de outros.
Parece dispensável acrescentar mais argumentos sobre a relação existente entre currículo e poder. As teorias críticas e pós- -críticas,
ao identificarem essa relação, passam a analisar a Educação e o currículo como mu espaço de disputa pela hegemonia do pensamento a ser
legitimado, confonne definiu Gramsci ao analisar o papel dos intelectuais na manutenção ou superação do status quo vigente. Apesar de
existir um elevado número de teorias que fundamentam o caráter político das opções de currículo, o cotidiano da vida escolar, e mesmo
uma boa parte da produção teórica realizada sobre cunículo escolar dão ênfase aos aspectos metodológicos de planejamento e avaliação.
Durante a maior parte deste século, a educação em geral, e a área do cunículo em particular, têm dedicado uma boa dose de sua
energia à busca de mna coisa específica: um conjunto geral de princípios que oriente o planejamento e a avaliação educacionais. Em
grande parte, isto tem se reduzido a tentativas para criar o método mais eficiente de elaboração de currículos. Não precisamos mais do que
descrever a história interna das tradições dominantes na área - desde Thomdike, Bobbitt e Charters nos primeiros anos do século vinte até
Tyler, incluindo os mais vulgares behavioristas e gerenciadores de sistemas instrucionais dos dias de hoje - para começar a nos dar conta
de quanto esta ênfase na busca de um método eficiente de elaboração de currículo tem sido sua característica principal (APPLE, 1989).
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos

Ainda, segundo este autor, a preocupação com o planejamento e a crença em certa neutralidade das instituições distanciaram em muito
os educadores da ideia da educação como “um empreendimento político”. Esta perda do viés político teria afastado a pesquisa de currículo
do questionamento sobre o porquê de se utilizar o conhecimento validado por determinados grupos e não outro. Apple (1989) não nega a
existência de intenções progressistas e que muitas vezes conseguem obter alguns resultados. Ele chama a atenção para o fato de os
educadores e as demais pessoas envolvidas não se darem conta de poderosos mecanismos de reprodução do sistema dentro da escola e por
meio do currículo.
Esta constatação permite fazer uma associação com discursos muito recentes pronunciados por dirigentes e educadores progressistas:
mna linha de defesa da qualidade da educação, sem precisar a que tipo de educação e estrutura escolar se pretende dar maior qualidade. Se
a escola que reproduz e, conforme Apple (1989), também produz condições para a ahnnação do capitalismo e das suas formas de
acumulação, ou uma escola cujo currículo abra maiores espaços para a contestação, já que ela existe em função da própria capacidade das
pessoas de fazerem seus próprios juízos. “[...] as escolas não são Tneramente’ instituições de reprodução, instituições em que o
conhecimento explícito e implícito ensinado molda os estudantes como seres passivos que estarão então aptos e ansiosos para adaptar-se a
uma sociedade injusta” (APPLE, 1989). O autor chama a atenção para determinados papéis de legitimação exercidos pela escola, como a
meritocracia e o desenvolvimento do senso crítico. Ele aponta o caráter contraditório do discurso sobre esses dois aspectos. Por mu lado,
há a crença e a defesa de que os “bons” terão seu espaço, porém numa sociedade concentradora e excludente, onde começa a faltar lugar
mesmo para esses. Por outro, há a questão do desenvolvimento do senso crítico. A escola não pode delimitar em que os seus educandos
deverão ser críticos. Logo, essas condições podem servir como momentos privilegiados de percepção das contradições e espaço para um
discurso contra hegemônico.
Como ahnnou Freire (2010), “[...] a educação é uma forma de intervenção no mundo. Intervenção que além dos conhecimentos dos
conteúdos bem ou mal ensinados e/ou aprendidos implica tanto o esforço da reprodução da ideologia dominante quanto o seu
desmascaramento” (grifo do autor). Dessa fonna, pode-se apreender que, em se tratando de currículo, fala-se no que está ou deveria estar
posto na organização do processo de ensino e aprendizagem escolar, confonne o desejo de perfil de ser humano e de sociedade
pretendidos.
Nas discussões cotidianas quando pensamos em currículo pensamos apenas em conhecimento, esquecendo-nos de que o conhe-
cimento que constitui o currículo está inextricavelmente, centralmente, vitalmente, envolvido naquilo que somos, naquilo que nos
tomamos: a nossa identidade, na nossa subjetividade (SILVA, 2009).
Dessa afirmação também se pode inferir que, além das escolhas do tipo de conhecimento, da sua produção e do seu compromisso
histórico, entra em cena a comunidade escolar, em especial os educadores e educadoras que atuam a partir do currículo estabelecido em
determinadas condições históricas. Gramsci, segundo Nosella (2010), ao ser questionado sobre o papel do professor nos momentos em que
a escola não representa a “unitariedade entre seu ensino e a realidade objetiva dos alunos”, respondeu que a “prática social e profissional
do professor deverá ser pedagogicamente orientada por outro Estado, paralelo (antitético), isto é, pelo Partido mais avançado que
representa o mundo do trabalho”. Esta ideia de “transgressão ou rebeldia” tem sido muito presente nas perspectivas críticas do discurso
sobre o currículo.
As dificuldades do discurso contra hegemônico parecem estar numa espécie de “autoridade” e “legitimidade” alcançadas pelas idéias
e práticas do currículo tradicional. A ciência e, em especial, a sua aplicação técnica, como afinna Santos (2009), tem desempenhado um
papel muito forte. Educadores e educadoras tomam os conhecimentos científicos eleitos pelas estruturas escolares, que não têm sido mais
do que o reflexo do pensamento dominante, como “senhores” do seu discurso, sem ao menos questionarem seus reais resultados no último
século. A modernidade como promessa de vida melhor para a humanidade não se cumpriu. Ao contrário, o modelo de desenvolvimento
baseado na cientificidade, que prepondera nos sistemas educacionais, acumulou grandes prejuízos para a humanidade e não solucionou
problemas sociais já presentes no século XIX.
Por isso, o modelo de aplicação técnica da ciência não tem hoje a credibilidade que tinha no século XIX. Aliás, é o descrédito deste
modelo uma das dimensões principais do descrédito no futuro já que o progresso que este prometeu foi sempre concebido como
consequência do progresso da ciência. O fato de um modelo de aplicação técnica da ciência continuar hoje a subjazer ao sistema educativo
só é compreensível por inércia ou por má fé, ou por ambas: pela inércia da cultura oficial e das burocracias educativas, pela má fé da
institucionalidade capitalista que utiliza o modelo de aplicação técnica para ocultar o caráter político e social da desordem que instaura
(SANTOS 2009).
Como alternativa à aplicação técnica da ciência, o autor apresenta a aplicação edificante da ciência. Dessa fonna, oferece alternativas
às práticas dominantes, isto é, ao que chamou de know-how técnico propõe o know-how ético. Outro elemento importante no esforço de
Santos (2009), ao sugerir um projeto pedagógico emancipatório, refere-se às duas fonnas de conhecimento que considera importantes: o
conhecimento como regulação e o conhecimento como emancipação. Para o autor, o projeto original de ciência moderna consistia em mn
equilíbrio entre os dois. Nas suas palavras, porém, [...] à medida que a ciência moderna foi ganhando terreno sobre as fonnas alternativas
de conhecimento - dos saberes locais à religião, da filosofia às humanidades - e, sobretudo, à medida que foi se convertendo em força
produtiva do capitalismo industrial, o equilíbrio entre essas duas fonnas de conhecimento rompeu-se e a ciência moderna passou a ser
conhecimento- como-regulação por excelência (SANTOS 2009).

MOVIA, Didatismo e Conhecimento


Moun
O autor propõe que uma pedagogia do conflito oponha à forma de conhecimento como regulação, que é dominante, a forma de
conhecimento como emancipação. Este processo é considerado por ele como um campo de muitas possibilidades à nossa subjetividade. Ao
defender esta pedagogia. Santos está requerendo novo papel a um tipo de intelectual que, com certeza, se diferencia, em muito, daqueles
que legitimam as categorias cristalizadas pela classe dominante.
Conforme chama atenção Apple (1989), referindo-se a Gramsci, ao sustentar que a classe dominante tem seus intelectuais - aqueles
que legitimam determinadas categorias para que pareçam neutras. O Currículo Integrado, por olhar o conhecimento no seu todo, pode dar
importante contribuição à ideia de “ciência edificante”, pois abre espaço para que o “know-how ético” alcance maior consideração.
Fundamento teórico do Currículo Integrado e sua intencionalidade
No primeiro item deste capítulo, procurou-se apresentar o nascedouro da concepção de educação e de sociedade que deu origem à
abordagem do ensino de Currículo Integrado. Uma proposta que se insere numa teoria crítica de currículo, comprometida com as
transformações estruturais da sociedade contemporânea para a superação das relações de opressão produzidas pelo capitalismo. Qualquer
definição de Currículo Integrado que procure diminuir o seu caráter transformador nega sua origem e seus compromissos. Por esta razão,
faz-se necessário: identificar o início de seu percurso como proposta para a educação brasileira; analisar o debate em tomo da revogação do
Decreto n° 2.208/1997, através do Decreto n° 5.154/2004; definir o ensino integrado como caminho na construção do ensino unitário e
politécnico, capaz de proporcionar a compreensão do real como totalidade.
O Brasil é um país de grandes desigualdades sociais e, conforme Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), de dualismos que se apresentam
na apropriação dos bens e serviços produzidos pelo conjunto da sociedade. Em se tratando de escolarização, houve diferentes formas de
segregação. Inicialmente, ela ocorreu entre analfabetos e pessoas com algum grau de escolarização. Mais tarde, as políticas públicas de
educação instituíram formas distintas de educação formal, destinadas a determinados grupos sociais e com o objetivo de atender demandas
específicas, o que significa que a tradição dualista não foi superada.
Na educação, apenas na metade do século XX, o analfabetismo se coloca como uma preocupação das elites intelectuais, e a educação
do povo se toma objeto de políticas de Estado. Mas sua organicidade social está em reservar a educação geral para as elites dirigentes e
destinar a preparação para o trabalho para os órfãos, os desamparados (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005).
Por meio da Lei Orgânica, promulgada sob o governo do Estado Novo, foi instituído o ensino secundário e reforçada a dicotomia
entre a formação geral e a formação profissional, esta última regulada por leis orgânicas específicas. “O caminho escolar dos setores mais
pobres da população, caso chegassem à escola e, nela, escapassem de se transformar em índice de evasão, que não era pequeno, era o do
primário aos diversos cursos profissionalizantes” (GHIRALDELLI JÚNIOR, 2009). Mais tarde, com as Leis de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), a questão da dicotomia entre formação geral e formação para o trabalho não foi superada. Apesar de a Lei n°
5.692/1971 ter estabelecido a união entre elas, não tardaram medidas para que houvesse um afrouxamento desta determinação em favor
dos segmentos sociais que reclamavam por uma educação propedêutica, uma vez que seus integrantes tinham como objetivo o êxito no
processo seletivo ao ensino superior.
A Lei n° 7.044/1982 e mesmo o Decreto n° 2.208/1997, este já produzido na vigência da Lei n°9. 394/1996, representaram, com
nuances, o interesse da classe dominante, pois cada um, a seu modo, estabeleceu mna dualidade entre a formação propedêutica e a
formação profissional. Esta dualidade como interesse de classe fica clara ao se perceber o caráter elitista de todos os governos que
aprovaram os marcos legais anteriormente mencionados e o seu pronto atendimento às demandas dos segmentos empresariais.
O Currículo Integrado e a educação brasileira
Segundo Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), a proposta de integração entre formação geral e formação profissional no Brasil tem
origem nas lutas pela democracia e em defesa da escola pública, nos anos 80, no projeto de LDB, em que o Fórum Nacional em Defesa da
Escola Pública teve grande importância ao propor a superação da dicotomia entre cultura geral e cultura técnica. O meio para superar este
caráter dual da educação brasileira pode ser encontrado na proposta de educação politécnica, sendo que “o conceito de politecnial3 implica
a união entre escola e trabalho ou, mais especificamente, entre instrução intelectual e trabalho produtivo” (SAVIANI, 2007). O autor,
apesar de ter gerado algumas controvérsias em tomo do termo, sustenta que o mesmo, embora do ponto de vista etimológico não
corresponda à definição que tem dado no que se refere ao aspecto semântico, é coerente com a tradição socialista e com os objetivos de
formação integrada no ensino básico. Esta possibilidade, no que se refere à formação escolar, foi aberta somente com a implantação do
governo Lula, em 2003.
Com o Decreto n° 5.154/2004 foi criado amparo legal, embora tímido, que permite outras formas de ensino profissional, para que se
desenvolva uma abordagem curricular mais progressista- o Currículo Integrado. Esta organização curricular possibilita que o aluno cmse a
formação básica e a formação profissional ao mesmo tempo. No entanto, não basta que se faça uma “mistura mecânica de conteúdos” das
duas formações. “A forma integrada de oferta do ensino com a educação profissional, caso não esteja sustentada por uma concepção de
formação omnilateral, é extremamente frágil e não lograria mais do que suas finalidades formais” (RAMOS, 2005).
O debate em torno da revogação do Decreto n° 2.208/1997 por meio do Decreto n° 5.154/2004
O Decreto n° 2.208/1997, no seu art. 5o, dispõe que “A educação profissional de nível técnico terá organização curricular própria e
independente do ensino, podendo ser oferecida de fonna concomitante sequencial a este”. Por este ato, o governo afastou qualquer
possibilidade de integração entre a fonnação geral e a fonnação técnica, e teve como um de seus objetivos atender às demandas do mercado
de trabalho. Pode-se identificar neste fato o compromisso com os interesses do capital, que se realiza através da concepção de educação
que mantém a dicotomia entre o ensino oferecido para os trabalhadores e o ensino para as camadas sociais que ambicionam as funções
dirigentes.
Esta fonna histórica de segregação social vem sustentando a separação entre o trabalho manual e o trabalho intelectual, entre o
conhecimento científico e a relação do homem com a natureza, da qual a ciência é sua expressão elaborada.
Com a chegada do governo Lula, em 2003, e a implantação de compromissos com políticas educacionais mais progressistas, abriu-se
ampla discussão em tomo da educação de nível médio e da Educação Profissional. Na verdade, de acordo com Frigotto, Cia- vatta e Ramos
(2005), havia três posicionamentos diferentes: um grupo pretendia apenas revogar o Decreto n° 2.208/1997; mn segundo grupo, por razões
ideológicas, desejava mantê-lo e; mn terceiro posicionamento, o qual, em tese, estava de acordo com o primeiro quanto à necessidade de
revogação, porém entendia que um novo decreto se fazia necessário para garantir mudanças fundamentais. Considerando que para o
objetivo desta análise não se faz necessário abordar a discussão a respeito dos aspectos processuais legais da questão, isto é, da
controvérsia sobre a necessidade de um novo decreto ou não, importa apenas sublinhar o fundamental que se pode constatar, que é a
existência de dois projetos distintos: mn de caráter conservador, que pretendeu manter separadas educação de nível médio e Educação
Profissional, e outro que protagonizou amplo debate em tomo da necessidade de se estabelecer a integração entre o ensino médio e a
Educação Profissional.
A ideia de um novo decreto que contemplasse a possibilidade de adoção do ensino integrado à Educação Profissional, mas que não
restringisse outras fonnas de oferta da Educação Profissional obrigou vários dos seus defensores a optar em,
[...] manter-se afastado do processo, movimentando-se na crítica, buscando criar forças para mn governo com opção e força de corte
revolucionário, ou entender que é possível trabalhar dentro das contradições do governo que possam impulsionar um avanço no sentido de
mudanças estmturais que apontem, no mínimo, mais realisticamente, o efetivo compromisso com um projeto nacional popular de massa
(FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005).
Os autores afirmam terem seguido a segunda opção por compreender os limites do governo, devido à sua composição de forças.
Também o processo de elaboração da minuta que deu origem ao Decreto n° 5.154/2004 apresentou diversidade de propostas. “O
documento é fruto de um conjunto de disputas e, por isso mesmo, é um híbrido, com contradições que, para expressar a luta dos setores
progressistas envolvidos, precisa ser compreendido nas disputas internas na sociedade, nos estados, nas escolas” (FRIGOTTO;
CIAVATTA; RAMOS, 2005). As controvérsias relatadas não ficaram restritas ao processo que deu origem ao referido decreto. Elas
também estão presentes nas diferentes interpretações da concepção de Currículo Integrado entre os educadores das escolas brasileiras e nos
interesses político-ideológicos que permeiam a sua implementação. Quanto à interpretação, uma análise mais profunda dos fundamentos
teóricos e das circunstâncias históricas que inspiraram o Currículo Integrado pode contribuir nesse processo. Quanto aos interesses
político-ideológicos, o constante debate pode abrir novos caminhos para a superação de valores que sustentam uma sociedade tão desigual,
não apenas no acesso aos bens materiais, mas aos saberes construídos por homens e mulheres, nas diferentes ocupações humanas.
6.2 EDUCAÇÃO INCLUSIVA.
Os Fundamentos da Educação Inclusiva
Mas afinal, por que a pessoa com deficiência tem direito a frequentar a escola comum? Por que ela tem direito a apreender? Quais são
os fundamentos filosóficos, psicológicos e legais dos que defendem a inclusão escolar das pessoas com deficiências?
Os fundamentos filosóficos:
O fundamento filosófico mais radical para a defesa da inclusão escolar de pessoas com deficiências é, sem dúvida, o fato de que todos
nascemos iguais e com os mesmos direitos, entre eles o direito de convivennos com os nossos semelhantes. Não importam as diferenças,
não importam as deficiências: o ser humano tem direito de viver e conviver com outros seres humanos, sem discriminação e sem
segregações odiosas. E quanto mais “diferente” o ser humano, quanto mais deficiências ele tem, mais esse direito se impõe. E este é um
direito natural, que nem precisaria estar positivado em lei. Não precisava constar na Constituição.
Assim, o direito de estar numa sala de aula, junto com crianças da mesma idade, com ou sem deficiência, é anterior ao direito do
professor de dar aula. O direito da criança e do adolescente de estar numa sala de aula é um direito que decorre do fato de ele ser cidadão, é
um direito natural. O direito do professor de dar aula decorre de uma portaria, que, em certos casos, pode ser revogada a qualquer
momento. Ninguém pode revogar o direito à convivência e à educação.
Em certo sentido, a escola é a continuação e a amplificação da família. A segregação, a discriminação, a exclusão é odiosa, tanto na
família quanto na escola. No dizer de BOAVENTURADE SOUZA SANTOS: “Temos o direito de sermos iguais quando a diferença nos
inferioriza; temos o direito a sennos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza”.
O direito à educação, o direito de frequentar a escola comum (junto com os ditos “normais”), o direito a aprender nos “limites” das
próprias possibilidades e capacidades, são decorrentes do direito primordial à convivência, até porque é na convivência com seres humanos
- “normais” ou diferentes - que o ser humano mais aprende. Nesse sentido, o professor precisa perder a ilusão de que é com ele que a
criança vai aprender as coisas mais importantes para a vida, aquelas das quais ele mais vai precisar. A maior parte do que o ser humano
aprende, o aprende na convivência, na interação, através dos mecanismos que Piaget denomina de acomodação e adaptação, enfrentando os
problemas do dia-a-dia. A boa escola é aquela que, ombreando com a escola da vida, oferece ao aluno bons “cardápios”, com produtos de
boa qualidade, através de situações-problema, de questões bem elaboradas, de roteiros de trabalho, de projetos, de aulas onde o ator
principal é o aluno e não o professor.
Os fundamentos psicológicos:
Do ponto de vista psicológico e afetivo, não há dúvida de que é na interação com o grupo e com as diferenças de sexo, de cor, de
idade, de condição social e com as diferenças de aptidões e de capacidades físicas e intelectuais existentes no grupo que a criança vai
construindo sua identidade, vai testando seus limites, desafiando suas possibilidades e, consequentemente, aprendendo. Este é o mundo
real. E quanto mais diversificadas forem essas experiências, quanto mais instigantes esses desafios, mais a criança aprende. Segregar a
pessoa com deficiência é negar-lhe o direito a viver num mundo real, é negar-lhe o direito a aprender pela convivência com pessoas ditas
não deficientes.
“Os diferentes ritmos, comportamentos, experiências imprimem ao cotidiano escolar a possibilidade de troca de repertórios, de visões
de mundo, confrontos, ajuda mútua e consequente ampliação das capacidades individuais.”
As mesmas autoras, com base na teoria de VIGOTSKY (Afonnação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos
superiores. São Paulo. Martins Fontes. 1998), ressaltam:
“Se construir conhecimentos implica uma ação compartilhada, já que é através dos outros que as relações entre sujeito e objeto de
conhecimento são estabelecidas, a diversidade de níveis de conhecimento de cada criança pode propiciar uma rica oportunidade de troca de
experiências, questionamentos e cooperação. A aceitação da criança deficiente pelos colegas vai depender muito do professor colocar em
prática uma pedagogia inclusiva que não pretenda a correção do aluno com deficiência, mas a manifestação do seu potencial. A escola,
nesta perspectiva, deve buscar consolidar o respeito às diferenças, vistas não como um obstáculo para o cumprimento da ação educativa,
mas como fator de enriquecimento e melhoria da qualidade de ensino e aprendizagem para todos, tanto para alunos com deficiência quanto
para aqueles sem deficiência.”
Por isso, numa perspectiva de escola inclusiva, o ambiente escolar deve representar, com a maior fidelidade possível, a diversidade
dos indivíduos que compõem a sociedade. São as diferenças que possibilitam enriquecer as experiências curriculares e que ajudam a
melhor assimilar o conhecimento que se materializa nas disciplinas do currículo. Somente numa escola em que a sociedade, sempre plural
e heterogênea, esteja equitativamente representada, com alunos com deficiências ou não, é que o currículo escolar pode cumprir sua
função: construir a cidadania e preparar os alunos para viverem em harmonia fora da escola, dotados de habilidades e competências que a
experiência de escola e o conhecimento nela construído os ajudou a desenvolver.
Nessa concepção de escola que não exclui ninguém, em que a deficiência, seja ela qual for, não deve constituir barreira para a criança
pennanecer na escola e aprender, vem assumindo particular importância e papel decisivo o atendimento educacional especializado, que tem
como pressuposto fundamental o direito da criança com deficiência a frequentar a escola comum e de nela progredir, dentro de seus limites
e possibilidades.
Os fundamentos legais:
A rigor, como já dito acima, os direitos da pessoa com deficiência em relação à educação nem precisariam estar positivados em lei:
são direitos originários, fundamentais, que decorrem do simples fato de o sujeito desses direitos ser pessoa humana.
Em geral, porém, para, de um lado, serem melhor explicitados e ganharem mais força cogente, e, por outro, para que fiquem mais
claras as responsabilidades de quem lhes deve garantir a eficácia, esses direitos acabam sendo recepcionados em textos legais que vão
desde os tratados internacionais até uma simples portaria ministerial ou parecer de um órgão colegiado, passando pelas leis ordinárias e
pela própria constituição do país. Foi o que aconteceu com os direitos das pessoas com deficiências, particularmente, com o direito à
educação, visto na perspectiva da educação inclusiva, não como um movimento de mão única, mas como um processo de mão dupla, onde,
por mu lado, se reconhece à pessoa com deficiência direito a frequentar e a usufruir todos os espaços e condições de vida, as mais normais
possíveis, e, por outro, se atribui à sociedade, através do poder público, a responsabilidade de garantir à pessoa com deficiência reais
condições de acessibilidade a todos os bens materiais e culturais socialmente produzidos e disponíveis, eliminando toda e qualquer barreira
- física, cognitiva, cultural - que se interponha entre a pessoa com deficiência e esses bens.
Do conceito de integração, que acentua o processo de adaptação do aluno com deficiência ao grupo, passa-se ao conceito de inclusão,
que enfatiza a responsabilidade da sociedade de se reorganizar de forma a garantir, por meio de políticas públicas definidas e concretas,
condições físicas, materiais, de recursos humanos, de equipamentos e de instrumentos legais que permitam à pessoa com deficiência ser
um cidadão como qualquer outro e ter a possibilidade concreta de usufruir de tudo o que a sociedade oferece para que a inclusão escolar
realmente se efetive, na sua total dimensão.
Sem ter a pretensão de esgotar o tema referente às bases legais de uma concepção de educação inclusiva, vamos fazer referência
apenas aos documentos que nos parecem fundamentais e que, na sua essência, apontam para a mesma direção: o direito da criança com
deficiência à educação, e, decorrente dele, o direito dessa criança de ser matriculada numa turma de escola comum, junto com as crianças
da sua idade, com garantia de meios e recursos que supram os seus impedimentos à aprendizagem e ao seu desenvolvimento afetivo e
cognitivo.
Fundamentado em sólidos pressupostos filosóficos e psicológicos, o direito da criança com deficiência de frequentar a escola comum
e de receber nela um atendimento educacional especializado encontra-se hoje legalmente reconhecido e solidamente regulamentado.
Esse direito, na verdade, foi reconhecido pela primeira vez, de forma solene, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, em
1948, onde se proclama que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos, sem distinção de raça, cor, sexo, língua,
religião, opinião política ou de qualquer outra natureza. Ao afirmar que todas as pessoas nascem iguais em dignidade e direitos, os
signatários dessa declaração estavam dizendo também, indubitavelmente, que o direito à educação, pública e gratuita, não está
condicionado a nenhum tipo de performance, seja ela física, auditiva, visual ou cognitiva.
Passo importante no caminho do reconhecimento dos direitos das pessoas deficientes foi a resolução aprovada pela Assembléia Geral
da Organização das Nações Unidas em 9 de dezembro de 1975, conhecida como Declaração dos direitos das pessoas deficientes, na qual se
afirma que a pessoa com deficiência, qualquer que seja a origem, a natureza e a gravidade dessa deficiência, tem os mesmos direitos
fundamentais que seus concidadãos da mesma idade, o que implica, antes de tudo, o direito de desfrutar de uma vida decente, tão normal e
plena quanto possível, inclusive, e sobretudo, no que diz respeito à educação.
Quarenta anos depois da Declaração Universal dos Direitos Humanos, sensível à reflexão que se vinha fazendo no mundo inteiro, e,
particularmente, aqui no Brasil, acerca do tema, o constituinte de 1988, ao explicitar os deveres do Estado brasileiro em relação à
educação, estabelece que um dos serviços que devem ser garantidos para o cumprimento desse dever é o do atendimento educacional
especializado às pessoas com deficiência, que deve ser oferecido preferencialmente na rede regular de ensino (CF, art. 208, inciso III).
A partir dos anos 90, a reflexão em tomo da natureza e das políticas relativas à educação especial foram se intensificando e vários
documentos foram aprovados, tanto no âmbito nacional quanto internacional, consolidando em leis a linha de discussão que se vinha
fazendo em tomo do tema, sempre no sentido de que a criança com deficiência, seja essa deficiência física, visual, auditiva, cognitiva ou de
qualquer outro tipo, tem direito de ser matriculada em escolas comuns, nelas permanecer e de receber nelas o atendimento de que necessita
para superar os impedimentos e as barreiras que lhe dificultam a aprendizagem, o pleno exercício da cidadania e a inserção no mundo do
trabalho, nos limites de suas capacidades.
No âmbito internacional, apenas para citar os mais importantes, e os que mais diretamente tratam do direito das pessoas deficientes à
educação em escolas comuns, destacamos os seguintes documentos:
- Em 1990, em Washington DC, a XXIII Conferência Sanitária Panamericana OPS Organização Mundial de Saúde.
- Em 1990, em Jon Tien, Tailândia, a Declaração Mundial de Educação para Todos -UNICEF.
- Em 1994, em Salamanca, Espanha, a Declaração de Salamanca: princípios, políticas e prática em Educação Especial, que trata
especificamente da criação e manutenção de sistemas educacionais inclusivos. “Todas as escolas devem acolher todas as crianças,
independentemente de suas condições pessoais, culturais e sociais, crianças com deficiências e bem dotadas, crianças de ma, de minorias
étnicas, linguísticas ou culturais, de zonas desfavorecidas ou marginais.”
- Em 1999, em Londres, Carta para o 3o Milênio, aprovada pela Assembléia Governativa da Rehabilitation International, que
estabelece oportunidades iguais para pessoas com deficiência.)
- Em 1999, na Guatemala, a Convenção interamericana para eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas
portadoras de deficiências, promulgada, no Brasil, pelo Decreto n° 3.956, de outubro de 2001. A Convenção proclama que as pessoas com
deficiência têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que as demais pessoas, e define como discriminação toda e
qualquer diferenciação ou exclusão com base na deficiência, que impeça ou negue o exercício dos direitos humanos e das liberdades
fundamentais.
- Em 2001, a Declaração Internacional de Montreal sobre Inclusão, aprovada em 5 de junho de 2001 pelo Congresso Internacional
“Sociedade Inclusiva”, realizado em Montreal, Canadá.
- Em 2002, em Madrid, Espanha, a Declaração de Madrid, onde se reconhece e se proclama que as pessoas com deficiência têm os
mesmos direitos humanos de todos os demais cidadãos.
- Em 2007, promulgação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada pela ONU em dezembro de 2006, e
firmada pelo Brasil em março de 2007.
No Brasil, após a Constituição de 1988, a discussão em tomo do tema da educação especial ganhou espaço e se aprofundou. Fruto
dessa reflexão, foram sendo editados textos legais nos quais, não obstante alguns recuos, a ideia da inclusão escolar entendida como direito
de acesso da criança com deficiência na escola comum e de nela receber o atendimento de que necessita para vencer as barreiras que lhe
dificultam a aprendizagem se consolida em definitivo. Dois anos após a promulgação da Constituição, em 1990, esse direito foi reforçado
no Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 54, inciso III).
Sem querer esgotar a matéria, elencamos a seguir os principais textos legais que se referem ao tema:
Lei n° 7.853/89. Dispõe sobre o apoio às pessoas com deficiências, sua integração social e pleno exercício de direitos sociais e
individuais.
LDB n° 9.394/96. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. ALDB dedica à educação especial os artigos 58, 59 e 60 do
Capítulo V. A exemplo do que fizera o Estatuto da Criança e do Adolescente, a LDB considera a educação especial uma modalidade de
educação escolar, a ser oferecida, preferencialmente, na rede regular de ensino.
Parecer CNE/CEB n° 16/99. Dispõe sobre educação profissional de alunos com necessidades educacionais especiais.
Resolução CNE/CEB n° 4/99. Dispõe sobre educação profissional de alunos com necessidades educacionais especiais.
Decreto n° 3.298/99. Regulamenta a Lei 7.853/89, dispõe sobre a política nacional para integração da pessoa portadora de defi-
ciências, consolida as nonnas de proteção ao portador de deficiências.
Lei n° 10.098/2000. Estabelece nonnas gerais e critérios básicos para a promoção de acessibilidade das pessoas portadoras de
deficiência ou com mobilidade reduzida e dá outras providências.
Resolução CNE/CEB n° 2/2001. Institui Diretrizes e Nonnas para a Educação Especial na Educação Básica. No seu art. 2o, assim
dispõe a Resolução: “Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizar-se para o atendimento aos
educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para mna educação de qualidade para todos.”
(MEC/SEESP, 2001).
Parecer CNE/CEB n° 17/2001. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica.
Lei n° 10.172/2001. Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras providências.
No tópico 8 do texto aprovado, o PNE aponta diretrizes para a política de educação especial no Brasil e indica objetivos e metas para a
política de educação de pessoas com necessidades educacionais especiais.
Decreto n° 6.094/2007. Dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. No art. 2o, inciso IX, o
documento aponta como uma das diretrizes do plano, na qual devem se empenhar Municípios, Estados, Distrito Federal e União, a garantia
de acesso e pennanência das pessoas com necessidades educacionais especiais nas classes comuns do ensino regular, fortalecendo a
inclusão educacional nas escolas públicas.
Decreto n° 186/2008. Aprova o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo,
assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2006.
Decreto n° 6571/2008. Dispõe sobre o atendimento educacional especializado.
Resolução CNE/CEB n° 4/2009. Institui as diretrizes operacionais para o atendimento educacional especializado na Educação Básica,
modalidade Educação Especial.
Além desses documentos, de natureza legal, cabe referir, ainda, como textos fundamentais na reflexão e na difusão de idéias, conceitos
e diretrizes afinadas com a concepção de educação especial na perspectiva da educação inclusiva, os seguintes documentos:
2004 - O Acesso de Alunos com Deficiência às Escolas e Classes Comuns da Rede Regular, do Ministério Público Federal, que teve
por objetivo disseminar os conceitos e diretrizes mundiais para a inclusão, reafirmando o direito e os benefícios da escolarização de alunos
com e sem deficiência nas tunnas comuns do ensino regular.
2008 - O documento Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, elaborado pelo Grupo de Trabalho
nomeado pela Portaria n° 555/2007, prorrogada pela Portaria n° 948/2007, entregue ao Ministro da Educação em 07 de janeiro de 2008.
2010 - ANota Técnica SEESP n° 10/2010 Orientações para institucionalização da oferta do atendimento educacional especializado
(AEE) em Salas de Recursos Multifuncionais implantadas nas escolas regulares.
2010 - O documento Construindo o Sistema Nacional Articulado de Educação: o Plano Nacional de Educação - Diretrizes e
Estratégias de Ação, aprovado pela Assembléia da Conferência Nacional da Educação (CONAE), em Io de abril de 2010. No Eixo VI do
referido documento - Justiça Social, Educação e Trabalho: Inclusão, diversidade e igualdade - ao tratar especificamente da educação
especial, o texto aponta as responsabilidades do poder público no que tange à educação especial, as metas a serem perseguidas, os
instrumentos, os recursos e os modos operacionais para atingi-las, enfatizando sempre o direito da criança com deficiência de ser atendida
na escola comum.
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos

O conjunto de documentos oficiais e textos legais relacionados acima, certamente incompleto, aponta para uma concepção de
educação especial de natureza inclusiva, não divorciada da escola comum. Ao ler esses documentos, não obstante as resistências que ainda
se esboçam e as contestações que ainda se ouvem, não há como ignorar o fato de que, sobretudo nas últimas duas décadas, o direito da
criança com deficiência de frequentar a escola comum e de nela encontrar os meios e recursos necessários para superar suas deficiências,
encontra-se irreversivelmente estabelecido. Nesse ponto da caminhada, não há como voltar atrás.
O que importa agora é pais, professores, gestores educacionais. Municípios, Estados e União atuarem como parceiros a fim de que se
garantam os recursos, os meios e os instrumentos para que as experiências de inclusão escolar de crianças com deficiência bem sucedidas
se multipliquem, e aquilo que está contemplado em lei se concretize na prática de todas as escolas do país. (Texto adaptado
SARTORETTO, M. L.).
6.3 EDUCAÇÃO, TRABALHO, FORMAÇÃO PROFISSIONAL EAS
TRANSFORMAÇÕES DO ENSINO MÉDIO.
Formação geral e preparação básica para o trabalho
Sobre esse aspecto é preciso destacar que a letra e o espírito da lei não identificam a preparação para o trabalho ou a habilitação
profissional com a parte diversificada do currículo. Em outras palavras, não existe nenhuma relação biunívoca que faça sentido, nem pela
lei nem pela doutrina curricular que ela adota, identificando a Base Nacional Comum com a fonnação geral do educando e a parte
diversificada com a preparação geral para o trabalho ou, facultativamente, com a habilitação profissional. Na dinâmica da organização
curricular descrita anteriormente, elas podem ser combinadas de muitas e diferentes maneiras para resultar nmna organização de estudos
adequada a uma escola detenninada.
A segunda observação importante diz respeito ao uso, pelos sistemas e pelas escolas, da possibilidade de preparar para o exercício de
profissões técnicas (Parágrafo 2o do Artigo 36) ou da faculdade de oferecer habilitação profissional (Parágrafo 4o Artigo 36). Essa questão
implica considerar vários aspectos e deve ser examinada com cuidado, pois toca o princípio de autonomia da escola:
• o primeiro aspecto refere-se à finalidade de Educação Básica do Ensino Médio, que não está em questão, pois a LDB é clara a
respeito;
• o segundo refere-se à duração do Ensino Médio, que também não deixa dúvidas quanto ao mínimo de 2.400 horas, distribuídas em 3
anos de 800 horas, distribuídas em pelo menos
200 dias letivos;
• o terceiro aspecto a considerar é que a LDB presmne uma diferença entre “preparação geral para o trabalho” e “habilitação
profissional”.
Essa diferença presmnida deve ser explicitada. Por opção doutrinária, a lei não dissocia a preparação geral para o trabalho da fonnação
geral do educando, e isso vale tanto para a Base Nacional Comum como para a parte diversificada do currículo e é por essa razão que se dá
ênfase neste parecer ao tratamento de todos os conteúdos curriculares no contexto do trabalho.
Essa preparação geral para o trabalho abarca, portanto, os conteúdos e competências de caráter geral para a inserção no mundo do
trabalho e aqueles que são relevantes ou indispensáveis para cursar uma habilitação profissional e exercer uma profissão técnica.
No primeiro caso, estariam as noções gerais sobre o papel e o valor do trabalho, os produtos do trabalho, as condições de produção,
entre outras.
No caso dos estudos que são necessários para o preparo profissional, quer seja em curso fonnal, quer seja no ambiente de trabalho,
estariam, por exemplo, conhecimentos de Biologia e Bioquímica para as áreas profissionais da saúde, a Química para algumas profissões
técnicas industriais, a Física para as atividades profissionais ligadas à mecânica ou eletroeletrônica, as Línguas para as habilitações ligadas
a comunicações e serviços, as Ciências Humanas e Sociais para as áreas de administração, relações públicas, mercadologia, entre outras.
Dependendo do caso, essa vinculação pode ser mais estreita e específica, como seria, por exemplo, o conhecimento de História para
técnico de turismo ou de redação de textos e cartas comerciais para alunos que farão secretariado e contabilidade.
Enquanto a duração da fonnação geral, aí incluída a preparação básica para o trabalho, é inegociável, a duração da fonnação
profissional específica será variável. Um dos fatores que afetará a quantidade de tempo a ser alocado à fonnação profissional será a maior
ou menor proximidade desta última com a preparação básica para o trabalho que o aluno adquiriu no Ensino Médio. Quanto

MOVIA, Didatismo e Conhecimento


Moun
maior a proximidade, mais os estudos de formação geral poderão propiciar a aprendizagem de conhecimentos e competências que são
essenciais para o exercício profissional em uma profissão ou área ocupacional determinada. Esses estudos podem, portanto, ser
aproveitados para a obtenção de uma habilitação profissional em cursos complementares, desenvolvidos concomitante ou sequencialmente
ao Ensino Médio.
Essa é a interpretação a ser dada ao Parágrafo único do Artigo 5 o do Decreto 2.208/97: a expressão caráter profissionalizante, utilizada
para adjetivar as disciplinas cursadas no Ensino Médio que podem ser aproveitadas, até o limite de 25%, no currículo de habilitação
profissional, só pode referir-se às disciplinas de formação básica ou geral que, ao mesmo tempo, são fundamentais para a formação
profissional, e por isso mesmo, podem ser aproveitadas em cursos específicos para obtenção de habilitações específicas. Não é relevante,
para estas DCNEM, indicar se tais disciplinas seriam cursadas na parte diversificada ou no cumprimento da Base Nacional Comum, se
aceito o pressuposto de que ambas devem estar organicamente articuladas.
Quando o mesmo Decreto 2.208/97 afirma em seu Artigo 2o: A educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino
regular [...], e depois, no já citado Artigo 5o, reafirma que: A educação profissional terá organização curricular própria e independente do
ensino médio, podendo ser oferecida de forma concomitante ou sequencial a este, estabelece as regras da articulação, sem que nenhuma
das duas modalidades de Educação, a Básica, do Ensino Médio, e a Profissional de nível técnico, abram mão da especificidade de suas
finalidades.
Esse tipo de articulação entre formação geral e profissional já foi considerado por vários educadores dedicados à educação técnica,
entre eles Castro45 , que aponta ocupações para as quais o preparo é mais próximo da formação geral. Este é o caso, entre outros, de
algumas ocupações nas áreas de serviços, como as de escritório, por exemplo.
Outras ocupações, diz esse autor, requerem uma maior quantidade de conhecimentos e habilidades que não são de formação geral.
Entre estas últimas, estariam as profissões ligadas à produção industrial, cujo tempo de duração dos cursos técnicos será provavelmente
mais longo por envolverem estudos mais especializados e, portanto, mais distantes da educação geral.
Assim, a articulação entre o Ensino Médio e a Educação Profissional, dar-se-á por mna via de mão dupla e poderá gerar inúmeras
formas de preparação básica para o trabalho, no caso do primeiro, e aproveitamento de estudos, no caso do segundo, respeitadas as normas
relativas à duração mínima da educação básica de nível médio, que inclui - repita-se - a formação geral e a preparação para o trabalho:
• às escolas de Ensino Médio cabe contemplar, em sua proposta pedagógica e de acordo com as características regionais e de sua
clientela, aqueles conhecimentos, competências e habilidades de formação geral e de preparação básica para o trabalho que, sendo
essenciais para mna habilitação profissional específica, poderão ter os conteúdos que lhe deram suporte igualmente aproveitados no
respectivo curso dessa habilitação profissional;
• às escolas ou programas dedicados à formação profissional cabe identificar que conhecimentos, competências e habilidades
essenciais para cursar uma habilitação profissional específica já foram adquiridos pelo aluno no Ensino Médio, e considerar as disciplinas
ou estudos que lhes deram suporte como de caráter profissionalizante para essa habilitação e, portanto, passíveis de serem aproveitados;
• como a articulação não se dá por sobreposição, os estudos de formação geral e de preparação básica para o trabalho que sejam ao
mesmo tempo essenciais para uma habilitação profissional podem ser incluídos na duração mínima prevista para o Ensino Médio e
aproveitados na formação profissional;
• estudos estritamente profissionalizantes, independentemente de serem feitos na mesma ou em outra instituição, concomitante ou
posteriormente ao Ensino Médio, deverão ser realizados em carga horária adicional às 2.400 previstas pela LDB como mínimas;
• as várias habilitações profissionais terão duração diferente para diferentes alunos, dependendo do perfil do profissional a ser
habilitado, dos estudos que cada um deles esteja realizando ou tenha realizado no Ensino Médio e dos critérios de aproveitamento
contemplados nas suas propostas pedagógicas.
As fronteiras entre estudos de preparação básica para o trabalho e educação profissional no sentido restrito nem sempre são fáceis de
estabelecer. Além disso, como já se observou, depende do perfil ocupacional a maior ou menor afinidade entre as competências exigidas
para o exercício profissional e aquelas de formação geral.
É sabido, no entanto, que em cada habilitação profissional ou profissão técnica existem conteúdos, competências e mesmo atitudes,
que são próprios e específicos. Apenas a título de exemplo, seria possível mencionar: o domínio da operação de um tomo mecânico, ou do
processo de instalação de circuitos elétricos para os técnicos dessas áreas; a operação de uma agência de viagens para o técnico de turismo;
o uso de aparelhagem de tradução simultânea para o tradutor; a manipulação de equipamentos para diagnóstico especializado no caso do
técnico de laboratório; o domínio das técnicas de esterilização no caso do enfermeiro.
Conhecimentos e competências específicos, tais como os exemplificados, não devem fazer parte da formação geral do educando e da
preparação geral para o trabalho. Caracterizam uma habilitação profissional ou o preparo para o exercício de profissão técnica.
Considerando que a LDB prioriza a formação geral quando define os mínimos de duração do Ensino Médio e apenas faculta o ofe-
recimento da habilitação profissional, garantida a formação geral, aquela só pode ser oferecida como carga adicional dos mínimos
estabelecidos, podendo essa adição ser em horas diárias, dias da semana ou períodos letivos.
Caberá aos sistemas de ensino, às escolas médias e às profissionais definir e tomar decisões, em cada caso, sobre quais estudos são de
fonnação geral, aí incluída a preparação básica para o trabalho, e quais são de fonnação profissional específica. Não há como estabelecer
critérios a priori. Este é mais mn aspecto no qual nenhum controle prévio ou fonnal substitui o exercício da autonomia responsável.
Em resumo:
• os conteúdos curriculares da base nacional comum e da parte diversificada devem ser tratados também, embora não exclusivamente,
no contexto do trabalho, como meio de produção de bens, de serviços e de conhecimentos;
• de acordo com as necessidades da clientela e as características da região, contempladas na proposta pedagógica da escola média, os
estudos de fonnação geral e preparação básica para o trabalho, tanto da Base Nacional Comum como da parte diversificada, podem ser
tratados no contexto do trabalho em mna ou mais áreas ocupacionais e, portanto, são de caráter profissionalizante para esses cursos
profissionais, ainda que cursadas dentro da carga horária mínima prevista para o Ensino Médio;
• os estudos realizados em disciplinas de caráter profissionalizante, assim entendidas, podem ser aproveitados, até o limite de 25% da
carga horária total, para eventual habilitação profissional, somando-se aos estudos específicos necessários para obter a certificação exigida
para o exercício profissional;
• esses estudos específicos, que propiciam preparo para postos de trabalho detenninados ou são especializados para o exercício de
profissões técnicas, só podem ser oferecidos se e quando atendida a formação geral do educando, e mesmo assim facultativamente;
• em virtude da prioridade da fonnação geral, a eventual oferta desses estudos específicos de habilitação profissional, ou de preparo
para profissões técnicas, não poderá ocupar o tempo de duração mínima do Ensino Médio previsto pela LDB, sem prejuízo do eventual
aproveitamento de estudos já referido;
• o sistema ou escola que decida oferecer fonnação para uma profissão técnica, usando a faculdade que a lei outorga, deverá
acrescentar aos mínimos previstos, o número de horas diárias, dias da semana, meses, semestres, períodos ou anos letivos necessários para
desenvolver os estudos específicos conespondentes.
É interessante observar que essa diretriz já vem sendo colocada em prática por sistemas ou escolas de Ensino Médio que oferecem
também habilitação profissional. Nesses casos, ainda poucos, os cursos já são mais longos, seja em termos de horas anuais, distribuídas por
cargas horárias diárias maiores, seja em tennos do número de anos ou semestres letivos, dependendo da conveniência em fazer os estudos
especificamente profissionalizantes em concomitância ou em sequência ao Ensino Médio. Esse fato é indicativo da adequação desta
diretriz e da convicção que vem ganhando terreno quanto à necessidade de dedicar mais tempo, esforços e recursos para a finalidade de
Educação Básica no Ensino Médio.
Nos tennos deste parecer, portanto, não há dualidade entre fonnação geral e preparação básica para o trabalho. Mas há uma clara
prioridade de ambas em relação a estudos específicos que habilitem para uma profissão técnica ou preparem para postos de trabalho
definidos. Tais estudos devem ser realizados em cursos ou programas complementares, posteriores ou concomitantes ao Ensino Médio.
Finalmente, é preciso deixar bem claro que a desvinculação entre o Ensino Médio
e o Ensino Técnico introduzida pela LDB é totalmente coerente com a concepção de Educação Básica adotada na lei. Exatamente
porque a base para inserir-se no mercado de trabalho passa a ser parte integrante da etapa final da Educação Básica como um todo, sem
dualidades, toma-se possível separar o Ensino Técnico. Este passa a assumir mais plenamente sua identidade e sua missão específicas de
oferecer habilitação profissional, a qual poderá aproveitar os conhecimentos, competências e habilidades de fonnação geral obtidos no
Ensino Médio.
6.4PROTAGONISMO JUVENIL E CIDADANIA.
Protagonismo juvenil e a concepção de sujeitos de direitos.
Emergindo no cenário político e econômico do final da década de 1980, a expressão protagonismo juvenil tem sido identificada à
concepção de empoderamento e participação democrática da juventude, associando-se à noção de sujeito de direitos, presente nas diretrizes
do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 2000a), da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996), e do Estatuto da
Juventude (2007).
Apropria origem etimológica da palavra, derivada do grego protagnistés, que se refere ao ator principal no teatro grego ou o que ocupa
papel central em um acontecimento (FERRETTI et alli, 2004), afinna o protagonismo como tema fundante de uma perspectiva com relação
à juventude, que remete ao fortalecimento da participação do jovem no processo de transfonnação política e social, abrindo espaço para o
resgate de sua condição de sujeito de direitos e cidadão.
O pleno exercício da cidadania começa na garantia legal dos direitos civis, políticos e sociais, prevista na Constituição de 1988
(BRASIL, 1988) e nas legislações dela decorrentes - ECA (BRASIL, 2000a), LDB (BRASIL, 1996) e Estatuto da Juventude (BRASIL,
2007). Mas para se tomar cidadão é preciso mais do que isso, é preciso se sentir com direitos, um efetivo sujeito de direitos, um
protagonista.
O texto legal do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 2000a) não utiliza a expressão protagonismo juvenil, mas a
concepção de sujeitos de direitos nele presente se aproxima deste, na medida em que garante, às crianças e aos jovens, a possibilidade de
usufruto de todos os direitos inerentes à pessoa humana, em condições de liberdade e dignidade.
Em mn breve olhar, o ECA afirma a plena capacidade jurídica e a perfeita correspondência entre a situação legal da criança e do
adolescente e a situação legal do adulto, com relação aos direitos fundamentais, independentemente das diferenças decorrentes da faixa
etária. Mas, na verdade, ela embute uma contradição básica, principalmente com relação à adolescência, em função da confluência de
atribuição de direitos, com destaque para a liberdade e a igualdade, e a atribuição de proteção especial. A proteção pressupõe um ser
humano que tem necessidade de outro ser humano, ou seja, uma desigualdade e uma redução real da liberdade do ser humano protegido.
Neste contexto, por um lado o Estatuto atribui formalmente a crianças e adolescentes a categoria de cidadãos, com interesses
específicos e diferentes do adulto, a serem levados em conta na elaboração e execução de políticas públicas. Mas, por outro, limita a
liberdade do jovem e contradiz a concepção de protagonismo juvenil, na medida em que define um sujeito titular de direitos, sem
capacidade plena para exercê- los, gerando uma dicotomia entre competência “de direito” e competência “de fato”.
Assim, a especificidade da condição infantil e juvenil, matriz de definição dos direitos a serem garantidos para um desenvolvimento
saudável, acaba se tomando limitante para a universalização destes direitos e para o exercício pleno da cidadania, levando o jovem a viver
uma “cidadania regulada” (SANTOS, 1999).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) representa um importante avanço na política educacional para a
juventude, por alçar o ensino médio ao patamar de direito a ser garantido pelo Estado, e situar o jovem como sujeito produtor de
conhecimento e participante do mundo do trabalho, favorecendo o seu desenvolvimento como cidadão.
Pautando a organização curricular do ensino médio no significado do trabalho no contexto da globalização e no sujeito ativo, que se
apropria dos conhecimentos para se aprimorar, como tal, no mundo do trabalho e na prática social, a LDB (BRASIL, 1996) propõe um
processo de aprendizagem pennanente, centralizado na construção da cidadania. E operacionalizado por meio de um currículo voltado para
a capacitação para a vida em sociedade, a atividade produtiva e a experiência subjetiva, visando à integração dos jovens no tríplice
universo das relações políticas, do trabalho e da simbolização subjetiva.
Esse currículo, referenciado nos quatro eixos estruturais da educação propostos pela UNESCO - aprender a conhecer, aprender a fazer,
aprender a viver e aprender a ser
-, é regulamentado e organizado nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (BRASIL, 2000).
No texto das Diretrizes, a expressão protagonismo aparece explicitada em três artigos (3 o, T e 10) e subentendida em vários outros,
definindo os mecanismos de participação da comunidade, o exercício da autonomia, a responsabilidade, a participação do jovem, e o
exercício pleno da cidadania, elementos que se alinham à prática do protagonismo juvenil.
Entretanto, este protagonismo é associado a diversas posturas, ações e atores, sem deixar claro o referencial metodológico, ou seja, as
estratégias e condições para sua operacionalização, o que impede que saia da teorização e se tome realidade no interior da dinâmica
pedagógica, abrindo espaço para o “protagonismo regulado”, obediente às orientações e objetivos definidos pelos adultos.
O Estatuto da Juventude (BRASIL, 2007), em trâmite na Câmara dos Deputados, define os direitos básicos da população entre 15 e 19
anos e garante a participação dos jovens na fonnulação e avaliação das políticas públicas voltadas para a juventude, por meio de
representações escolares e de garantia de espaço nos Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional da Juventude.
No Parágrafo 10 conceitua o protagonismo juvenil, tendo como base a concepção de sujeitos de direitos, mas de fonna bastante
confusa, colocando no mesmo nível, pressupostos (concepção de jovem), ação (participação, interlocução), posturas (posicionamento) e
atitudes (estímulo à participação), o que o toma pouco objetivo e operacional. Além disso, não inclui a participação o jovem na definição
das políticas de saúde, que enfatizam aspectos como sexualidade, prevenção e controle do HIV, uso de drogas. Outra falha é que, ao incluir
o jovem como pessoa ativa, livre e responsável no conceito de protagonismo, pode fortalecer os argumentos dos movimentos que
defendem o rebaixamento da idade penal, pois se um jovem entre 15 e 19 anos é mna pessoa responsável, poderá ser criminalizado
judicialmente por atos contrários às leis.
A análise das leis aqui expostas revela a complexidade da conceituação e da concretização do protagonismo juvenil, apontando a
necessidade do aprofundamento de estudos e pesquisas, de fonna a impedir que a imprecisão conceituai seja utilizada para embasar
posturas conservadoras com relação à juventude, ao invés de promover sua autonomia e emancipação.
O resgate da dimensão social da educação.
Entender que a categoria juventude se constrói nas e pelas relações sociais contribui para resgatar a dimensão social da educação, seu
caráter de instrumento mediador de conhecimentos historicamente acumulados pelo homem, e mediado pela construção de sentidos e de
novas relações no e com o mundo.
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos

Esta concepção se ancora em Charlot (2000), para quem a relação com o saber é uma relação social de um sujeito com o mundo, com
ele mesmo e com os outros, mna relação permeada por sistemas simbólicos, notadamente pela linguagem, que implica em uma atividade
do jovem sobre o mundo, apoderando-se dele materialmente, moldando-o e transformando-o.
Integrando saber e aprender, Charlot (2001) analisa o processo de aprendizagem a partir da dimensão antropológica, para a qual
aprender é inserir-se em um mundo humano, e da dimensão didática, em que aprender é ser confrontado com objetos de saber específicos.
Assim, aprender é apropriar-se de enunciados, transmitidos pelas palavras, e dominar detenninadas fonnas de se relacionar com os outros e
consigo, com seus sentimentos. Pela aprendizagem, o jovem se toma capaz de atribuir sentido às suas vivências, de se humanizar, se
socializar, se tomar um sujeito singular e, ao mesmo tempo, agir no mundo, modificando-o.
Outro aspecto enfatizado por Charlot (2001) é a importância da afetividade na educação, o resgate do saber como prazer, como reforço
à autoestima do jovem, fundamental para o fortalecimento da confiança e da segurança de se expressar e agir no mundo.
Ressaltando que a aprendizagem só ocorre quando o que é aprendido tem algum sentido para o jovem, ele rebate categorias
consideradas estanques, como a motivação, e propõe em seu lugar a mobilização, que implica em fazer uso de si, para si, o que movimenta
a atividade intelectual e dá sentido aos saberes.
Numa perspectiva interativa, se contrapõe à ideia de “influência”, que coloca de um lado o indivíduo como ser inacabado, incompleto,
e de outro, o mundo pré- existente, estruturado, afinnando que a “influência” é mna relação, uma vez que o ser humano sempre está em
relação com o meio e não situado em um ambiente.
A superação da ideia de “influência” é fundamental para a construção de uma proposta pedagógica de protagonismo juvenil que se
contraponha à perspectiva de desenvolvimento do “potencial” do jovem, predominante no modelo dos 4 pilares - aprender a ser, aprender a
conviver, aprender a aprender e aprender a fazer -, onde a força do ambiente surge como impulsionadora de algo que está adonnecido em
todos os jovens, aguardando apenas mn “start” para despertar.
Charlot (2001) analisa ainda que a escola deve levar em conta a cultura da comunidade, mas deve também ampliar o mundo do jovem
para além desta cultura, levando-o a buscar outras possibilidades e construir projetos fora da comunidade. Assim, para que o jovem
desenvolva uma cultura de resistência, de luta, de mudança, é preciso que a escola lhe pennita compreender que a vida é diferente em
outras classes sociais e em outros lugares, que foi diferente no passado e que pode ser diferente amanhã.
Resgatar a dimensão social da educação envolve um processo pennanente de reflexão dos profissionais sobre seus atos políticos e
pedagógicos, pois significa reconhecer que aprender não é um processo natural, potencialmente possível a todos, e sim uma relação de
respeito e fortalecimento do sujeito, na qual a coletividade se transfonna em espaço de descoberta e de vivência da alteridade.
O protagonismo juvenil como metodologia político-pedagógica.
A construção de mna proposta pedagógica, que consolide o protagonismo juvenil como práxis sócio histórica, se ancora em princípios
básicos, norteadores de mna metodologia que possibilite ao jovem um reposicionamento objetivo e subjetivo, ressignificando a juventude
como categoria social.
O primeiro princípio é a concepção de homem como ser histórico, que constitui sua subjetividade a partir das detenninações
econômicas, políticas, sociais e culturais da sociedade onde vive, produto e produtor do mundo, que, ao engendrá-lo, engendra em si
mesmo sua própria transfonnação. Intemalizando os significados apreendidos nas e pelas relações sociais, e transfonnando-os em sentidos
subjetivos, a partir da síntese com seus conhecimentos, suas experiências e emoções, o homem incorpora o social a seu patrimônio interno,
constituindo sua subjetividade e conformando a representação que faz de si mesmo e do mundo, sua leitura da realidade, seus interesses,
suas vivências psíquicas, sua fonna de se relacionar com as pessoas, de se colocar e agir na sociedade.
Outro princípio é a concepção de jovem como sujeito sócio-histórico-cultural do processo de aprendizagem, agente ativo da
construção/transfonnação da sua própria história, da história coletiva e da constituição de sua subjetividade, a demandar relações pautadas
na ética e no respeito à sua dignidade e à sua autonomia.
Um terceiro princípio é o resgate do educador como principal elemento de mediação do processo político-pedagógico de emancipação
do jovem e de mudança de sua fonna de inserção na sociedade. Possibilitando o acesso ao conhecimento historicamente construído e
ampliando o horizonte de interesses, o educador se toma agente mediador da fonnação e do desenvolvimento das funções psicológicas
superiores.
A práxis social é outro princípio educativo, respaldado na concepção de que, por meio do trabalho e da ação, o homem constrói a
cultura e as fonnas de relação humana. Sendo uma atividade material consciente e objetiva, com o fim último da transfonnação real do
mundo exterior, confonne Vasquez (2007), a práxis social fortalece a função fonnadora da educação, enfatizando a apreensão,
compreensão e apropriação de saberes, e o desvelamento das relações entre educação e condições materiais de vida, entre fonnação
humana e cultura e entre educação e história.
Outro princípio a considerar é a participação e a atuação na sociedade como resultado de um processo de desenvolvimento da
consciência crítica, da leitura contextualizada da realidade, do desvelamento dos detenninantes sócio histórico- culturais das condições
individuais, da relação entre condições objetivas e subjetivas de vida, da construção de novas relações sociais e da atuação comprometida
com a transfonnação social.

MOVIA, Didatismo e Conhecimento


Moun
Um novo princípio é a ênfase na historicidade, na dimensão social do processo pedagógico e no papel fonnador da experiência,
reforçando as ações educativas como instrumentos de fortalecimento cultural e político, que colaboram para a construção de subjeti-
vidades e para a organização coletiva em tomo de direitos.
A estes princípios gerais, somam-se estratégias e ações educativas, que materializam a proposição de uma metodologia de práxis sócio
histórica de promoção e fortalecimento do protagonismo juvenil.
Com base na contribuição da Pedagogia Política de Direitos do MNMMR (1995), destacamos a formação política, a organização
coletiva, a autonomia e a participação ativa de crianças e adolescentes em todos os níveis do processo educativo.
A cogestão política dos espaços de decisão e a organização de eventos coletivos também devem compor as estratégias pedagógicas,
pois a possibilidade de exercer responsabilidade e se comprometer com a concretização de idéias provocam a transformação de
significados sociais e sentidos subjetivos.
Outra estratégia central é a relação de reciprocidade, respeito e aceitação mútua que deve predominar entre educador e jovem,
construída com base em uma presença ativa e atenta, contribuição da Pedagogia da Presença de Antonio Carlos Gomes da Costa (1991).
Esta fonna de interação exerce uma ação conscientizadora sobre o jovem, na medida em que rompe com a assimetria de poder
predominante, sem que se perca a autoridade conquistada pelo domínio do conhecimento e pela experiência de vida.
Numa relação de troca, onde cada um afirma sua alteridade, aproximando seus objetivos, o educador se toma instrumento de mediação
do desenvolvimento da consciência crítica e do processo de transfonnação das relações sociais. Integrando ação e reflexão, o educador,
com sua presença ativa, leva o jovem a refletir, compreender, significar, projetar e transfonnar o mundo, transfonnando, ao mesmo tempo,
a si mesmo.
Outra contribuição importante é a ênfase no coletivo da Pedagogia de Makarenko (LUEDEMANN, 2002). Sendo uma ação coletiva, a
proposta pedagógica do protagonismo juvenil se concretiza a partir do coletivo, resgatando o social presente no indivíduo e o indivíduo
presente no social, por meio do respeito às especificidades dos sujeitos particulares, consideradas a partir das determinações históricas,
sociais, culturais e psicológicas.
A estratégia educativa problematizadora e conscientizadora, contribuição da Pedagogia da Autonomia de Paulo Freire (1996), aliada à
presença ativa do educador e à relação dialógica, ganha destaque no processo de desenvolvimento da consciência crítica e da autonomia do
jovem, potencializando o protagonismo juvenil. A partir de um método ativo, dialógico e participante, a problematiza- ção possibilita ao
jovem compreender a realidade, desvelando os nexos que o mantém na condição de subaltemidade, e o fortalece para fazer escolhas e agir
no sentido de transfonnar esta realidade.
A proposta pedagógica norteada pelos princípios e pelas estratégias acima analisadas, caracteriza-se como uma prática educativa,
psicológica e social que, ao se constituir como práxis sócio histórica, abre possibilidades de transfonnação de relações sociais, sentidos
pessoais, subjetividades, e, dialeticamente, significados sociais, cultura e história coletiva. (Texto adaptado de STAMATO, M. I. C.).
QUESTÕES
1) “A educação, direito de todos e dever do estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (CF/88, art.
205)
Sobre os direitos assegurados ao aluno, marque a alternativa INCORRETA:
(A) O Ensino Religioso é de caráter obrigatório nas escolas públicas de ensino fundamental. (CF)
(B) Contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores. (ECA)
(C) Na Educação Infantil, a avaliação far-se-á mediante acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de
promoção, mesmo para o acesso ao Ensino Fundamental. (LDBEN)
(D) Garantia de Ensino Fundamental a todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria ou que não o concluíram. (PNE)
2) É na elaboração do currículo que são definidos os aspectos voltados diretamente para a prática pedagógica, marcando o espaço e o
papel exercido por todos os diferentes elementos ligados no processo educativo.
Sobre currículo, a alternativa CORRETA é:
(A) O currículo pode ser pensado apenas como um rol de conteúdos a serem transmitidos para um sujeito passivo.
(B) Atitudes e habilidades não são consideradas na organização do currículo.
(C) O currículo não é um conceito, mas uma construção cultural.
(D) Conhecimentos, valores, costumes e hábitos não interferem na organização
de um currículo.
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: Temas Educacionais e Pedagógicos

3) A Constituição Federal em seu artigo 206, inciso VI, estabelece a gestão democrática no ensino público como um entre os sete
princípios necessários para se ministrar o ensino em nosso país, por extensão, para gerir as escolas públicas. Coloque SIM (S) para os itens
que são pertinentes a uma gestão democrática e NÃO (N) para as que não são pertinentes.
() Pessoas a serviço da organização.
() Hierarquia verticalizada.
() Responsabilidade compartilhada.
() Foco no cumprimento de nonnas e regulamento.
() Relacionamento interpessoal.
() Preocupação com processos e resultados.
A sequência CORRETA, de cima para baixo, é:
(A) N, N, S, N, S, S.
(B) S, S, N, S, S, N.
(C) N, S, S, N, N, S.
(D) N, S, N, N, S, S.
4) O Conselho ou Colegiado Escolar é concebido como um local de debate e tomada de decisão. Como espaço de debates e dis-
cussão, permite que professores, funcionários, pais e alunos explicitem seus interesses, suas reivindicações.
Com base no texto acima, marque a alternativa INCORRETA:
(A) O Conselho ou Colegiado Escolar é um órgão de gestão que garante representatividade, continuidade e legitimidade das ações.
(B) Apresenta instância de caráter deliberativo sobre assuntos substantivos da escola.
(C) Favorece a aproximação dos centros de decisão, facilita comunicação vertical e horizontal, rompe com relações burocráticas e
fonnais na Instituição.
(D) Reúne todas as pessoas envolvidas com a escola, de maneira pennanente,
para tomar cada um as decisões que se fazem pertinentes no percurso
escolar.
5) “ A inclusão de alunos deficientes não se concretiza nem pelo dispositivo legal, nem pela simples admissão do aluno na escola
regular. O oferecimento de serviços complementares, a adoção de práticas criativas na sala de aula, a construção de mn projeto pedagógico
que considere a diversidade do alunado, com a consequente revisão de posturas e a construção de uma nova prática educacional são
requisitos da efetiva inclusão.” Maria Eliana Novais - Subsecretária de Desenvolvimento da Educação.
Em qual das situações descritas abaixo, os alunos com deficiência, matriculados nas escolas regulares, têm seus direitos observados.
Marque (S) para as alternativas PERTINENTES e (N) para as NÃO PERTINENTES.
() Oferecer uma variedade de atividades desconexas entre si, sem
implementação de uma prática educativa para a diversidade.
() Flexibilização curricular, a qual será repensada a partir do contexto grupai em que se insere detenninado aluno.
() Analisar o percurso de cada aluno, do ponto de vista da evolução de suas competências ao resolver problemas, na organização do
trabalho escolar, e integração na vida social da escola.
() Os profissionais da educação envolvidos com a inclusão precisam ter preparação apropriada antes ou concomitante à chegada do
aluno.
() O professor terá um plano de ensino único para toda classe, incluindo o aluno com deficiência.
() Ter um atendimento educacional especializado fora da rede regular, como substituto do ensino ministrado na escola comum.
A sequência CORRETA, de cima para baixo, é:
(A) S, S, S, S, N, S.
(B) N, N, N, S, N, N.
(C) N, S, S, S, S, S.
(D) N, S, S, S, N, N.
6) “Qual é o papel da avaliação no processo de ensino aprendizagem? É certo que podennos separar o fato de ensinar do fato de
ensinar e avaliar? Antes de ensinar, sempre fazemos uma avaliação inicial?” BASSEDAS, HUGUETE, SOLE, 1999. São muitos os
questionamentos sobre avaliação. Analise as afirmativas a seguir e marque a alternativa INCORRETA:
(A) A avaliação é utilizada para ajustar ou modificar as atividades em função dos conhecimentos e as dificuldades no início de uma
sequência de ensino e de aprendizagem.

MOVIA, Didatismo e Conhecimento


Moun
(B) Uma prática de avaliação formativa supõe um domínio do currículo e dos processos de ensino e de aprendizagem.
(C) Ao elaborar mna avaliação, o educador deve observar a contextualização, a interdisciplinaridade e a parametrização.
(D) A avaliação se restringe ao julgamento sobre sucesso ou fracasso do aluno e pode ser compreendida como um conjunto de ações
que orientam a intervenção pedagógica.
7) O Conselho de Classe pode ser concebido como uma instância colegiada, que ao buscar superação da organização burocrática,
guarda em si a possibilidade de articular os diversos segmentos da escola.
Saber avaliar? O quê avaliar? Quando avaliar? Como? Para quê? São indagações que levam a reflexões no momento de avaliar os
alunos. Neste contexto, marque a alternativa CORRETA:
(A) O Conselho de Classe é objeto central de análise e recurso metodológico para a reflexão sobre o processo avaliativo.
(B) O Conselho de Classe é peça-chave para o fortalecimento da fragmentação e da burocratização do trabalho pedagógico.
(C) É um espaço de posicionamento igualitário quando se refere ao desempenho do aluno, ficando restrito à avaliação de apenas um
profissional.
(D) O Conselho de Classe tem como objeto o ensino, independente de suas relações com a aprendizagem e a organização do
trabalho pedagógico.
8) A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, define
que a educação abrange os
processos fonnativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa,
nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. Tendo como referência a LDBEN, registre (V)
para as afirmativas verdadeiras e (F) para as falsas.
() Caberá ao Estado assegurar o Ensino Fundamental e oferecer prioridade ao Ensino Médio.
() Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu
sistema de Ensino, terão a incumbência de elaborar e executar sua proposta pedagógica.
() Filosofia e Sociologia serão incluídas como disciplinas facultativas em todas as séries do Ensino Médio.
() Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos, com necessidades especiais, tenninalidade específica para aqueles que não
puderem atingir o nível exigido para a conclusão do Ensino Médio.
( ) Há obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao período letivo, para casos de baixo rendimento escolar.
() Avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos quantitativos sobre os qualitativos e dos
resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais.
A sequência CORRETA, de cima para baixo, é:
(A) F, V, F, F, V, V.
(B) F, V, V, V, F, F.
(C) V, F, V, V, F, F.
(D) V, V, F, F, V, F.
9) Conforme expresso no artigo 67 da LDBEN “Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação,
assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e nos planos de carreira do magistério público”:
Marque a alternativa INCORRETA:
(A) Período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho.
(B) Condições adequadas de trabalho.
(C) Ingresso por indicação e concurso público.
(D) Progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação de desempenho.
10) Avaliar é...
... essencialmente questionar.
... observar e promover experiências educativas que signifiquem provocações
intelectuais.
... é propor tarefas desafiadoras, disponibilizando tempo, recursos, condições aos alunos para a construção das respostas.
Sobre avaliação, marque a alternativa INCORRETA:
(A) A dinâmica da avalição é complexa, pois necessita ajustar-se aos percursos individuais de aprendizagem que se dão no coletivo
e, portanto, em múltiplas e diferenciadas direções.

(B) A utilização exclusiva de provas escritas para decidir a trajetória de estudos do aluno deixa de considerar os diferentes estilos e
manifestações de aprendizagem.
(C) A avaliação é um fim em si mesma. É uma engrenagem no funcionamento didático.
(D) O processo avaliativo, em sua perspectiva mediadora, destina-se a acompanhar, entender, favorecer a contínua progressão do
aluno.
GABARITO
01 A
02 C
03 A
04 D
05 D
06 D
07 A
08 D
09 C
10 C

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