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Publié in Espiteme.

revista interdisciplinar da Universidade Técnica de Lisboa, Lisbonne,


V (13-40), 2004 : 123-140. [la fin de l’article de cette version n’a pas été publiée, car il
s’agissait alors de l’article qui devait être l’introduction au dossier de Lusotopie,
finalement remplacé par un texte bien plus court. La pagination de la publication
est ici respectée, maixs le texte est celui de la version originale, le portugais ayant
été légèrement révisé pour la version publiée]

Lusitanidade, « lusofonidade » e modernidade


Um mergulho nos conceitos de identidade e de
nação*

Michel Cahen
Instituto de estudos políticos de Bordéus
Centro de estudos da África negra
Universidade de Bordéus

Nas Quartas Jornadas internacionais de estudos de Lusotopie sobre


« Portugal, a longa duração », o fim não era estudar « Portugal », mas sim,
estudar um caso de nação, o de Portugal. Isto é, um caso que ponhava todas
as questões gerais da problemática identitária, e mais algumas, específicas
deste caso. O papel deste texto, pois, não é o de entrar nos detalhes da
identidade portuguesa no longo prazo, mas o de discutir alguns conceitos e
algumas problemáticas.
Falar de identidade é, ao mesmo tempo, interrogar categorias de ordem
social e de ordem imaginária. Além disto, como a questão é eminentemente
política, ela sofre muito do contexto em que exprime-se, incluindo o
contexto das próprias ciências sociais. Não é por acaso que, em regra, o
debate político sobre as identidades não provoca as mesmas polémicas no
mundo anglo-saxônico ou germánico, e no mundo latino-europeu, a
começar pela França. Foi muito intrigante, por exemplo, ver que, muitas
vezes, quando da tragédia dos Hutus e Tutsis no Ruanda, os cientistas
sociais belgas não escreviam da mesma maneira segundo eram flamengos
ou valões. Obviamente, não houve sistematização, mais havia nos Valões
uma forte tendência, tal como em França, para dizer que a diferença étnica
entre Tutsis e Hutus era uma « invenção do colonialismo » – e, de facto,
reproduziam o discurso « nacional » dos Tutsis, que negava a diferença
identitária ; e havia uma tendência nos Flamingos para dizer que, sim, a
diferença étnica era real e agia como um dos factores da crise. Obviamente,
os próprios contextos flamengo e valão pesavam na produção das análises nas
ciências sociais.
Tal acontece igualmente com Portugal e com a França. Os dois países
têm uma tradição de Estado centralizador, uma ideia de nação homogénea,

*
Este texto é uma versão modificada e encurtecida da intervenção introdutória do autor quando
das Quartas Jornadas internacionais de Lusotopie, Porto, 28 de Outubro de 2001, na Fundação Cupertino
de Miranda, Porto.

123
um ideário do funcionalismo público, uma cidade capital hípertrofiada
(quase um terço da população para Portugal, um quinto para a França).
Nos dois paises, há uma forte tradição intelectual republicana que
qualificarei – para simplificar – de neojacobina. No entanto, o resultado não
é o mesmo. Afinal, Portugal descolonizou tudo quando a França ficou com
algumas colónias que foram legalmente assimiladas (Guiana, Martinica,
Antilhas, Reunião e outros pequenos territórios), e a França nem sequer
imagina qualquer autonomia legislativa para algumas regiões, quando
Portugal deu uma forte autonomia a regiões que são genuinamente
portuguesas (Madeira e Açores) e onde não há a justificação de
identidades bem diferentes como no caso dos Bascos, dos Corsos, dos
Bretões, etc.
Portugal votou, na unanimidade do seu parlamento a lei dos direitos
linguísticos da terra de Miranda que permita o desenvolvimento da
escolarização pública em mirandês, quando em França um ministro
demitiu-se porque se proponhava introduzir uma hora por semana do
ensino da língua corsa nas escolas infantis da Córsega, e uma capacidade
regulamentar (não legislativa) local. Pensava esse ministro que era o início
da destruição da República – e candidatou-se às presidênciais para a
defender.
Na tradição neojecobina francesa actualmente dominante (mesmo nos
esquemas de descentralização), confunda-se sistematicamente os conceitos
de nação e de República, Estado-nação e nação, nacionalidade e cidadania.
Isto é, a nação não é definida como uma identidade, mas como uma entidade
política : a República é a nação, e os « nacionais » são cidadões
directamente ligado à República sem que alguma categoria intermédia
comunitária possa ter qualquer relevância legal ou política. Assim, a nação
corsa não pode existir porque há a nação francesa. A ideia de que as
identidades são multiplas e podem viver num encaixamento (fr. :
emboîtement) de identidades, é recusada : uma nação corsa dentro da nação
francesa é, conceitualmente, impossível. Uma identidade feita de
identidades não é que não existe, mas não é politicamente relevante, só
pode sê-lo ao nível do folclore. Afinal, estamos muito próximo do conceito
da Frelimo moçambicana, « um só povo, uma só nação, do Rovuma até ao
Maputo », só que Samora Machel acrescentava : « um só partido ».
Por trás disto, não há só o caso francês, com certeza paradigmático. É o
fetichismo do Estado, a ideia de que é o Estado que produz a nação, esquema que
foi muito utilizado em África e que falhou completamente (veja adiante).

A nação perante o fetichismo do estado e o capitalismo

Os portugueses comemoraram os Descobrimentos numa quase


unanimidade1, mas nós franceses tivemos duas comemorações bem
diferentes : uma de direita e uma de esquerda, sobre a criação da nação. A

1
Lembra-se das polémicas sobre o facto da presença, suficiente ou não, dos Descobrimentos, na
Expo’98, porque os organizadores não tinham previsto um pavilhão específico para os tais, embora o
tema fosse largamente presente em toda parte. Disseram alguns que tal pavilhão, numa Expo sobre os
Oceanos, era « obrigatório ». O que me interessou foi constatar que havia, sim, um tema que era
obrigatório (com ou sem pavilhão específico) numa Expo sobre os Oceanos, e que ninguem (nem sequer
a extrema-esquerda) se lembrou de propor : o tema do trâfego servil e da escravatura. Deve-se acreditar
que, no imaginário português, isto não tinha nenhuma relação com a historia dos Oceanos e da nação…
A polémica foi sobre um detalhe (uma pavilhão ou não), e não sobre o conteudo da história dos
Oceanos.Cf. M. CAHEN, « L’Expo’98, le nationalisme et nous », Lusotopie 1998 (Paris, Karthala), déc.
1998 : 11-19.

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de direita foi, sendo o Primeiro-ministro de direita, o 1500° ano do
baptismo do Clóvis, em 487, data da fundação, segundo aqueles, da França.
A de esquerda foi, o Primerio-ministro sendo de esquerda, o bicentenário
da Revolução francesa, data, segundo estes, da fundação da nação França.
Segundo eu, eram errados os dois ! Como se pode reparar, essas datas são
relativas a eventos políticos, de natureza estatal, que não afectam
mecanicamente o processo de identidade. O que deve ser recusado – mas que
provém directamente do já citado fetichismo do estado – é a ideia mesmo de
« data de fundação » de uma nação.
Ninguém vai negar que certos eventos políticos de grande projecção
possam ter uma influência sobre a evolução das identidades. Podem ser
1453 (fim da « Guerra dos Cem Anos ») ou 1539 em França (o « édit de
Villers-Cotterêt » de Francisco I°, que proibiu o latim como língua oficial)
ou 1789 que permitiu a génese de um estado mais moderno e mais em
sintonia com a evolução da sociedade ; podem, em Portugal, ser a mítica
vitória do Campo de Ourique (1139) contra os Mauros, que legitimou o
poder de D. Afonso Henriques, o tratado de Alcañices em 1297 com a
Castela, a revolução « burguesa » de 1383-85 contra a nobreza pro-
castelana, podem ser a restauração da independência de Portugal em 1640,
ou ainda o últimato britânico de 1890 que tanto provocou um surto de
nacionalismo português, ou mesmo a revolução republicana de 5 de
Outubro de 1910. Mas, se recusarmos o fetichismo do estado para olhar as
identidades realmente vividas, não há « datas de fundação » de nenhuma
nação, mas um processo histórico de cristalização identitária. Diz-se que a
Revolução de 1789 criou a nação francesa, sem ver que é precisamente
porque o estado da monarquia tardia era já em grande parte um estado-
nação que a revolução foi necessária, visto o estado-nação entrar em
choque com a herança monarquica-feudal. O que havia, sim, era um
processo secular de difusão da nação francesa dentro do reino : com certeza,
este processo foi acelerado, com a agudização da opressão das nações
periféricas e a « francização » de todos. Mas o processo não podia funcionar
sem a pre-existência da nação pelo menos numa parte importante do
território do reino.

Outra ideia forte, ela vindo do pensamento liberal (liberal, não no


sentido actual do neoliberalismo, mas dos séculos XVIII e XIX), e reforçado
pelo marxismo, é que a nação é um produto do capitalismo, produto
subjectivo da formação dos mercados nacionais pelas burguesias
modernas. É a ideia do « capitalismo, caldeirão das nações », antes de as
destruir com a mundialização. É o que chamo de « visão etapista ». Aquela
visão não reduz a nação numa produção do estado e envolve, com razão,
toda a dimensão económica e social. Mas também não é satisfatória por
várias razões.

Um mercado sem historicidade ?

Essa visão não questiona a expansão territorial em que unifica-se este


mercado que vai tornar-se nacional, não questiona se esta unificação já não
utilisava redes e proximidades identitárias, como se fosse possível com a mera
soberania de um estado sobre uma área qualquer, como se não havia
historicidade da definição territorial. O Reino Unido com certeza unificou o
mercado « nacional », o que não impediu a revolta da Irlândia. A França
também vê periodicamente renascer as reivindicações das nações da sua

125
periferia interna. Em contrapartida, não sei se Portugal unificou um
mercado nacional, no quadro do déclínio do seu império e da dependência
para com a Inglaterra, mas não se pode negar a identidade portuguesa
sobre uma área que, no entanto, nunca, na época moderna, incluia a Galiza.
A Holanda, velho estado europeu muito avançado na unificação moderna
do seu mercado, não pude evitar a separação da Bélgica. Aparentemente, e
não será por acaso, a Alemanha parece mehor corresponder ao modelo
etapista, na medida em que a formação do estado alemão unificado
corresponde, à revolução industrial. Mas é esquecer que a identidade alemã
já existia, embora em dois contextos distinctos : quer sem estado comum no
periodo desde Napoleão que destruiu o Santo Império até à proclamação
de Versalha em 1870, quer com o Santo Império de que esquece-se muitas
vezes que o nome completa, desde 1512, era « Santo Império romano da
nação alemã » (Heiliges römisches Reich deutscher Nation). Diz-se que o Santo
Império não era um estado-nação, porque era um estado federal avant la
lettre. Mas quem disse que um estado-nação necessariamente é unitário e
centralizado ? Já não estariamos aqui numa aceitação implícita do
paradigmo neojacobino ? O Santo Império não era centralizado e podia ser
« estatalmente » fraco, mas simbolicamente alemã2. Pois de uma certa
maneira, havia aí um estado-nação muito antes da revolução industrial. É
mesmo, com Portugal e Escossia, um dos mais velhos estados-nação da
Europa.
Mas, se pode dizer que, com nuanças, o fenómeno de cristalização
nacional através de uma unificação progressiva de uma mercado comum,
existiu mais ou menos. Aonde Marx errou, foi dizendo que era « o »
processo de formação da nação, enquanto era um processo de génese
nacional, um factor de génese nacional. Com efeito, esta visão liberal ou
marxiana implica a ausência de nação antes, e pronóstica a ausência de
nação depois, as identidades seguindo mecanicamente (embora com atraso),
o estado evolutivo da economia. E, no caso específico do marxismo,
estabelece assim uma sinonimia entre revolução burguesa e revolução
nacional3.
Quer isto dizer que não havia processos de cristalização identitária antes
do capitalismo ? Que pensam disto os historiadores da Idade Média ou do
periodo moderno ? Obviamente, se possa dizer que eram « nações de outra
naturesa » – como as nações medievais em França : Picardia, Burgonha,
etc. –, que eram processos diferentes de identificações – el rei, a religião, a
flor de lis –, podemos utilisar outros nomes, até outros conceitos. Mas a
pergunta é : nas sociedades, houve ou não houve, independentemente do
capitalismo, dentro de vastas camadas sociais (incluindo camponesas), processos
sociais de cristalizações identitárias capazes de ter consequências no
comportamento colectivo das pessoas ? A resposta parece-me obviamente
positiva.

2
Sobre a naturesa do Santo Império como estado quase weberiano, veja C. GANTET, « La
dimension "sainte" du Saint-Empire romain germanique. Les représentations du pouvoir en Allemagne
entre paix et guerre (1648-1664), Revue Historque (Paris, PUF), 615, juillet-sept. 2000 : 629-654/ Mostra
lindamente este artigo como, depois da guerra de Trinta Anos, a natureza cristã, mas multiconfessional,
do Império reforçou a sua naturesa de estado-nação. Mais constatável parece-nos a análise da mesma
autora sobre o Tratado de Vestefália onde, surpreendemente, estabelece de facto uma ligação mecânica
entre estado centralizado e estado-nação : C. GANTET, « Le "tournant westphalien". Anatomie d’une
contruction historiographique », Critique internationale (Paris, Presses de Sc. Po), 9, octobre 2000 : 52-58.
3
Essa visão « etapista » fica muito nítida num historiador marxista contemporâneo como
E. HOBSBAWM, Nations et nationalisme depuis 1780. Programme, mythe, réalité, Paris, Gallimard, 1992, 264 p.
(« Bibliothèque des Histoires »).

126
Obviamente também, o modo de produção capitalista teve, na sua
expansão a partir das burguesias mercantis, uma influência tremenda nas
identidades. Mas tudo isto é necessariamente um processo de longo prazo. São
as sociedades, mais ou menos fragmentadas ou unificadas segundo os
contextos, que produzem um movimento social das identidades, parte do seu
movimento social global. O capitalismo, no seu desenvolvimento, não cria
um homem novo a-histórico chegando sobre um vacuo. Integra-se
parcialmente numa situação já existente e actua como factor de
reordenamento (fr. : remaniement) identitário. Não etamos no nível da
« criação » da identidade e da nação, mas numa dialéctica histórica entre as
estruturas sociais e o imaginário. Se Marx me perdoar, direi-lhe que, nesta
reflexão sobre as nações, foi concerteza marxiano mas pouco dialéctico,
pois pouco marxista…

Uma nação eurocêntrica ?

Esta visão etapista também é eurocêntrica, pelo menos capitalisto-


cêntrica : com efeito, quer dizer ela que não podia haver nações (e estados-
nação) nas terras onde não havia um mercado capitalista unificado por
uma burguesia ? Que tal da nação han na China ? do Vietname e do Japão ?
Alias, Marx e Engels, com os dados de que dispunham na altura, forjaram o
conceito de « modo de produção asiático » para cobrir essas zonas sem
revolução industrial : no entanto, a relação entre o tal modo asiático e a
produção da nação nunca foi bem esclarecida, enquanto era teorizada para
o modo de produção capitalista. E que tal das identidades africanas, com
certeza em permanente evolução, mas de que uma parte existe há muitos
séculos ? Porque é que Portugal seria uma nação e os Bacongo uma étnia ?
Os historiadores dos Bacongo sabem que esta identidade exista há séculos,
e os Portuguses, ao entrar na foz do rio Congo, encontraram-na, com
certeza com as suas contradições, mas bem existente. Serão étnia porque
hoje não têm estado-nação próprio4 ? Assim re-encontrariamos o fetichismo
do estado. Serão étnia por que são… negros ? Ninguém vai ousar defender
essa ideia, mas temos que prestar atenção à hierarquização semântica e ideológica
dos conceitos de nação e étnia.

Teorias da nação e nação

Aqui volta o neojacobinismo francês : a nação – em particular a


francesa – seria um conceito meramente político, enquanto a étnia seria
cultural – como se as coisas podiam ser separadas numa vida multisecular.
De imediato surge um problema : o que é a Alemanha, habitualmente
considerada de definição cultural e não política ? Com certeza a nação
alemã existe, mas sempre sob a suspeita de uma definição duvidosa,
cultural, bio-étnica, para não dizer racial. Veja-se que, aqui, confunde-se
duas coisas compltamente diferentes : as teorias das nações, oriundas dos
passados políticos diferentes dos dois paises, e as nações. Não é possível

4
Mas se os Bacongos, que são espalhados por cinco países (sul do Gabão, oueste do Congo e do
Congo-D., enclave de Cabinda e norte de Angola), porventura exprimiam a vontade de unificarem-se
num estado-nação, seriam com certeza acusados de « etnicismos » contra os « estados modernas »
existentes…

127
aqui entrar em detalhes5, mas é verdade que a « teoria francesa » da nação
aponta mais para a nação política intrinsecamente ligada ao estado
republicano, enquanto a « teoria alemã » aponta mais na identidade
linguística e cultural. Esta oposição, frequentemente citada, entre as « duas
teorias », levanta três problemas.
Em primeiro lugar, é muito simplificadora porque a nação alemã nunca
foi – salvo o periodo nazi – declaradamente definida pelo jus sanguinis, mas
pela qualidade linguística. Com certeza houve o caso dos Alemães da Volga,
que não falavam alemão há muito e foram autorizados, na euforia da
reunificação, a « voltar » enquanto imigrados turcos da segunda ou terça
geração não obtinham a nacionalidade. Mas este episódio dos Alemães da
Volga foi de curta duração e o jus solis foi adoptado logo no início do
governo social-democrata. De outro lado, a « pureza » anti-étnica da França
nos textos oficias não impede uma forte identidade cultural na prática, e,
rencentemente a inclusão de um artigo 2 na constituição que faz do francês
a única língua no espaço da República, tornando todas as outras línguas
historicamente presentes no território, línguas institucionalmente
estrangeiras nas suas próprias regiões…
Em segundo lugar, é esquecer que tão na França como na Alemanha,
houve outras teorias em sentido inverso (Marx é alemão, Gobineau é
francês !) das que são consideradas como relevantes da tradição política.
E em terço lugar, o mais importante, é que esta suposta oposição entre
os conceitos francês e alemão da nação, isto é entre duas teorias da nação,
não diz nada sobre o etado real dessas nações : com efeito, o problema não
é de analisar as constituições, as « definições » das duas nações, mas de
interrogar qual é a relação entre os cidadãos e a sua própria nação. Sentem-
se os franceses, franceses de uma maneira completamente diferente de que
os alemães sentem-se alemães ? É esta a pergunta para aproximarmo-nos
de uma visão realista da identidade. E, se for esta a problemática, veremos
que as duas nações são muito parecidas apesar das suas historias política
diferentes. Uma verdadeira diferença mais seguramente poderá ser
encontrada entre esses dois paises (França e Alemanha) e, por exemplo, a
Espanha onde a « nação espanhola » nunca existe directamente mas somente
como nação das nações de Castela, Calalunha, Galiza, sem falar da
Euskadia.
Da mesma maneira, houve mais do que obviamente uma mudança na
teoria da nação portuguesa quando parou-se de festejar o « Dia da Raça »
para festejar o « Dia da Comunidade ». Mas será que, a teoria tendo
mudando, a relação entre os portugueses e Portugal mudou e que a nação
ela própria mudou de natureza ?

5
Permito-me, a este propósito, lembrar o meu livro Ethnicité politique. Pour une lecture réaliste de
l'identité, Paris, L'Harmattan 1994, 176p.

128
O que é preciso sublinhar é que, ao falar das nações de um ponto de
vista realista, falamos do imaginário, como o sublinhou Benedict Anderson
no seu famoso livro Imagined Communities, principlamente acerca da
Indonésia, mas com propósitos teóricos alargados6.

Imaginação, invenção, ilusão…

No entanto, esta questão do imaginário deve ser cuidadosamente


percebida. Em francês como em português, ao falar do imaginário, da
invenção de identidades, etc., tendemos a perceber que trata-se de coisas
que não seriam importantes e até que não existiriam verdadeiramente : muito
rapidamente, voltamos ao conceito de Friedrich Engels, desenvolvido par
G. Lukàcs, de « falsa conciença ». Ora, deve ser bem claro que o imaginário
existe, jà porque a maneira como as pessoas se imaginem elas próprias
condiciona o seu comportamento social e transforma-se, pois, numa força
material.
Outro ponto é o da « invenção », isto é do processo de produção deste
imaginário. Nas ciências sociais, hoje em dia, quase toda a gente recusa o
primordialismo ou o essencialismo, que faz da identidade uma dimensão
dada desde o « início », que vem das « origens », que faz da cultura uma
natureza egunda, uma questão de sangue. Ao contrário, o processo de
produção da identidade é uma « invenção » permanente, uma trajectória.
Simone de Beauvoir dizia no Segundo Sexo, « não nasce-se mulher, torna-se
o ». Penso que isto pode ser exatamente reproduzido no que toque à
identidade etno-nacional : « não nasce-se português, torna-se o ». É um
processo no mesmo tempo individual e eminentemente social. Obviamente, em
95 % dos casos, os « proto-portugueses » tornam-se portugueses porque
nasceram em Portugal de país portugueses. Mas isto não muda nada ao
facto de ser a vida na sociedade portuguesa que torna a criança num
português. Estamos a ver, pois, que, ao insistir no processo imaginário da
identidade, ao incluir a necessária dimensão étnica em todas as nações, não
estamos em nada voltando ao conceito de jus sanguinis. Ao contrário, é a
vida social, produzida pelo solum (o chão, a terra pátria), que provoca o
processo imaginário. Pois, bem é do jus solis de que precisa uma
democracia para exprimir a(s) identidade(s) dos seus cidadãos. O que me
parece falso, em contrapartida, é a oposição muitas vezes estabelecida entre
o jus solis e a identidade, como se o facto de basear-se no jus solis para
definir uma constituição impedia de falar da identidade da Nação e
impunha uma definição meramente « político-legal » dela7.

6
B. ANDERSON, Imagined Communities : Reflections on the Origins of Nationalism, Londres–Nova
Iorque, Verso, 1996.
7
Se pode encontrar um exmplo desta falsa oposição em J.-F. BAYART, L’illusion identitaire, Paris,
Fayard, 1996, 310 p.

129
B. Anderson insista no papel das élites como inventora da nação. Longe
de mim de negar o papel de « intelectuais orgânicos » (Gramsci) nos vários
contextos de um processo de produção de uma nação. Mas, se termos da
nação, da identidade realmente vivida, uma visão de processo histórico de
cristalização identitária, temos que relativizar o papel dos intelectuais
orgânicos. É completamente impossível uma élite inventar uma nação sem
que haja antecipadamente fundamento social para isto.

Antes da identidade, as práticas sociais

É que, quando falamos do imaginário, não falamos de outra coisa senão


de identidades sociais. Gosto de aplicar, à problemática das identidades, o
conceito de Marx de « ideia socialmente organizada ». E isto não pode ser
inventado por uma élite : com efeito, antes de a identidade exprimir-se, há
sempre práticas sociais comuns de que as pessoas nem têm consciença
porque é a normalidade do funcionamento da sua sociedade. Antes da
chegado do homem branco à África austral, muntu (plural : bantu) não
designava uma civilização particular, mas tão somente o ser humano
porque não havia mais seres humanos e a diferença era com os animais.
Depois da chegada do Outro, o sentido da palavra relativizou-se. Assim,
com base em práticas sociais pre-existentes, intelectuais orgânicos podem,
sim, formular, moldar, influenciar, um sentimento. Se aquelas práticas
sociais são interpeladas por factores externos (conquista militar, migrações,
correntes mercantis, etc.) ou contradições internas (quando práticas novas
de uma camada social tendem a modificar as do habito de outras camadas
sociais), as pessoas que são inseridas nessas práticas sociais vão, desde
então, sentir uma identidade – no sentido mais simples da palavra de « uma
identidade em comum ». A este nível intervem a élite, os tais intelectuais
orgânicos, eles proprios inseridos, pelo menos parcialmente, nesas práticas
sociais. Não faz mal obrigatoriamente se um Rei for de origem estrangeira a
partir do momento em que desempenha este papel de « mise en forme ».
Mas bem é a necessidade social de defender, ou afirmar, as práticas sociais
já existentes, que provoca a identidade – embora essas práticas sejam elas
próprias em mais ou menos rápida e permanente evoluição.
Assim, não é a étnia que vai provocar expressões de etnicidade, não é a
nação que vai criar a nacionalidade. Isto seria voltar ao essencialismo. É o
contrário que acontece : é a existência de pessoas que sintam uma
etnicidade ou nacionalidade que vai desenhar a comunidade « etnia » ou
« nação ». Não é Portugal que cria portugueses mas os portugueses a criar
Portugal.

Indispensável longue durée e fundamento social

Mas mesmo assim, tudo é obrigatoriamente um processo na longue durée,


porque involva sociedades inteiras. Um estado não pode, em pouco tempo,
criar a nação.

130
Não é de confundir, assim, estados nacionalistas ou « nacionistas » (i.e :
que querem criar a nação), com Estados-nação (que exprimem uma nação),
confusão frequentemente feita a propósito do estados africanos de hoje que
muitas vezes são nacionalistas e poucas vezes são estados-nação. Tomemos
dois exemplos, os da Jugoslavia e de Moçambique :
— a Jugoslavia existiu desde o fim da Primeira Guerra mundial até,
mais ou menos, 19918. Tivemos, pois, acerca de setenta anos de estado
iugoslavo, e um estado que não estava na periféria do mundo, mas no
centro do mundo embora na periferia do centro. Ora, quando houve o
último censo da Federação titista, em tempo de paz, onde as pessoas
podiam livremente indicar a sua identidade (servia, bosniaca, croata,
eslovénia, albanesa, etc., ou… jugoslava), menos de dez por cento das
pessoas indicaram que eram jugoslvas. Isto não quer dizer que a nação
jugoslava não existia nem quer dizer que setenta anos de estado jugoslavo
não tinham produzido jugoslavos, mas que a nação jugoslava era
minoritária na Jugoslava.
— em contrapartida, Moçambique está claramente na periferia do
mundo. Escrevi, na saida de Lusotopie de 1994 um artigo qualificando
Moçambique de « Estado sem nação », conceito que queria propor9.
Obviamente, alguns não gostaram e tive que explicar melhor : não negava a
moçambicanidade, não negava a existência de um sentimento nacional
moçambicano em todo comparável ao que um francês sente para com a
França e um português para com Portugal, questionava somente qual a
percentagem da população moçambicana para a qual a moçambicanidade
era a identidade mais importante, mais pregante do que etnicidades mais
locais.
É a mesma questão que para Jugoslavia, com o agravante que o estada
do periferia do mundo tem ainda menos forças centrípetas de que um
Estado do dentro. Porquê ? Porque outra questão importantíssima é a
questão social no estado. A França, por exemplo, é um país historicamente
muito mais heterogêneo que Portugal. E foi a Terça República (1873-1940)
que retomou o trabalho da revolução francesa, o de francizar a França. Foi o
tempo – até os anos cinquenta do século vinte – onde se podia ler, nas
escolas públicas : « É proibido escarrar e falar bretão » e onde, mesmo nos
intervalos os alunos não podiam falar a sua língua materna e eram
severamente punidos se o fizessem. Isto funcionou. Porquê ? Funcionou
porque, sim era « proibido escarrar e falar alsaciano», mas, ao mesmo
tempo, o estado francês oriundo historicamente da Revolução generalizava
a escola pública, gratuita, laica e obrigatória, construia pontes e estradas,
caminhos de ferro e hospitais, trazia a electricidade e, por fim, a segurança
social. Isto é, houve como que uma « troca » entre agressão étnica e

8
Digo « mais ou menso » porque ainda existe, oficialmente, uma « Iugoslvia » formada pela Serbia
e pelo Montenegro.
9
M. CAHEN, « Mozambique : histoire géopolitique d'un pays sans nation », Lusotopie/Enjeux
contemporains dans les espaces lusophones (Paris, L'Harmattan), 1-2, juin 1994 : 213-266.

131
progresso social, que permitiu às populações identificarem o francês como
a língua do progresso e de um futuro melhor para as suas crianças, e
depreciarem a sua própria cultura. Não digo que esta « trocé » foi uma boa
coisa, mas funcionou. Isto significa que o estado francês foi sentido como
sendo socialemnte promovente. Assim há uma ponte entre o político e o
social : se, num país heterogéneo, a cidadania for – pelo menos em termos
relativos – de qualidade, o hábito de sentir que aquela República é a
garantia do progresso, vai integrar as tradições culturais das pessoas e
reforçar o sentimento nacional e de unidade.
Mas será aquela troca possível na periferia do mundo ? Quando, na sua
fase radical, a nova República moçambicana proibe os chefes tradicionais,
impede os rituais da chuva, desprestigia os chefes religiosos, faz as
campanhas de alfabetização (incluindo para os adultos) unicamente em
português, envia nos distritos e postos fiuncionários falando só português
e, em regra, oriundos do Sul, obriga as populações a deixar as terras
espalhadas dos antepassados para concentrarem-se em aldeias comunais
com bairros bem rectilíneos, não devolve aos camponeses a terra roubada
pelo colono português mas nacionaliza-a para formar machambas estatais ;
e quando, depois, não envia o professor do primário, o infermeiro
prometido à aldeia, não traz o tractor, intimida as pessoas, etc., etc. ;
quando faz tudo isto, o que é ? É uma tentativa de nacionalização das
populações de Moçambique pela via de uma modernização autoritária sem
vantagens sociais : a « troca » não pode funcionar porque vivia-se melhor no
antigamente (isto é no último periodo do colonialismo) do que no hoje.
Nessas circunstâncias, não só o Estado não cria a nação, mas provoca
reacções anti-estatais que podem tomar formas étnicas centrífugas.
De qualquer maneira, no caso de estados africanos cujas fronteiras
foram decididas em menos de dez anos (± 1884-1891) sem respeito nenhum
para as comunidades reais, se novas nações – no conceito aqui defendido de
identidade comum realmente sentida – aparecerem, poderão só ser
identidades de identidades, nações de nações, isto a lenta génese de cada
nação a partir das etnicidades e não contra elas.
A contrario, se pode perguntar o que teria acontecido em Portugal, com
o século de crises que foi o século XIX e a longa estagnação social do Estado
Novo, se não houvesse a grande homogeneidade identitária e lingúistica. É
muito provável – a Espanha vizinha está aqui para exempifica-lo – que a
estagnação social teria agudizado a expressão de nacionalismos regionais.
Alias, temos o exemplo de Cabo Verde, identidade crioula criada num
território que não tinha população própria, isto é, um processo de criação
identitária inteiramente sob o domínio português (diferentemente da
colonização de populações inteiras que, embora vencidas, continuam a
serem sociedades) : parce-me não ridícula a hipótese de Cabo Verde ter
ficado português se o regime político de Portugal tinha sido de progresso
social. A identidade crioula distinta poderia ter-se conjugado com a
identidade portuguesa. Mas, com o declínio do século XIX e o Estado Novo

132
no século XX, a expressão dessa identidade distinta não pude ser imaginada
senão através de uma separação, hoje irreversível10.

Definir uma nação ?

No entanto, se tudo o que foi até agora escrito caracterizou o processo


de formação das nações ou étnias, nunca foi proposto uma « definição » de
uma nação. E não vai. Outros, incluindo Estaline, tentaram dar uma
definição normativa com critérios « objectivos ». Cada um desses critérios
pode ser justo e deve ser estudado, mas a sua combinação não fuciona. Se
for a língua, a Suiça e a China não existem. Se for a religião, os protestantes
portugueses não são portugueses. Se for a identificação à República, os
monarquicos franceses não são franceses. Etc. Se termos, mais uma vez, da
nacionalidade ou etnicidade, uma compreensão como processo histórico de
cristalização identitária, isto é uma expressão do imaginário com
fundamente em práticas sociais pre-eexistentes, pois percebemos que isto
faz intervir tantos factores, em situações e contextos tão diferentes, que
uma definição normativa é cientificamente impossível. Eu sei que a França
existe (não só como República mas como identidade), mas ficarei incapaz
de « dar a definição da França ». Talvez Portugal for mais homogéneo, mas
também não vamos ser capazes de dar uma definição « objectiva » tanto
mais que essa homogeneidade, sem provavelmente enfraquecer-se,
modificou-se muito no seu conteudo durante os últimos vinte e oito anos
de tremenda modernização : uma « definição » de Portugal mesmo no
tempo tárdio de Caetano com certeza já não podia servir hoje.
Isso não é em nada de admirar. Com efeito, é francês, é português, é
macua, é bacongo, é judeu, aquel que sinta que é francês, português, macua,
bacongo ou judeu. Essas identidades são desenhadas – e não definidas – pelo
conjunto das pessoas que sintam essas qualidades, mesmo que haja muitas
maneiras de senti-las cada uma.
Avancemos : se rompemos de vez com o fetichismo do Estado, com
uma « invenção » da nação feita só pela élite, se centrarmos a análise nos
factos de consciença, qual a diferença entre nação e étnia ? Pois não há !
Aqueles que atacam o conceito de étnia, em favor do da nação,
« moderna », « democrática », de « cidadania », paradoxalmente continuam
a dar da étnia a antiga definição biológica, quase sinónima da de raça. Pois,
dão da etnicidade uma definição completamente ultrapassada e, em nome
desta definição ultrapassada, atacam-na hoje para defender a ideia de uma
nação que seria completemente a-étnica, unicamente política. O que serve,
concretamente, para oprimir outras identidades…

10
Preciso « hoje irreversível » para relativizar declarações como a de Aristides Pereira, primeiro
Presidente de Cabo Verde indenpendente, que, derrotado policamente depois de 1991, diz que o melhor
para Cabo Verde teria sido uma mera autonomia. Justamente, isto era ignorar o peso da historia, isto é a
necessidade da ruptura para exprimir e assumir a identidade crioula.

133
De facto, deve-se reunificar os conceitos de nação e étnia na grande
categoria da etnicidade, daqueles processos históricos de cristalização
identitária. A diferença entre nação e étnia pode ser útil, mas não numa
hierarquização semântica entre um « mais moderno » e um « mais
tradicional », mas como matiz. A etnicidade é a categoria geral. A nação
exprima casos particularmente duradoiros e nitidos de cristalização identitária,
com ou sem estado. É por isso que falo de nação portuguesa, mas também de
nação congo. Mas há, nos processos de etnicidade, graús menos duradoiros
ou profundos, que podem desaparecer depois de um periodo, ou que, ao
contrário, estão a perdurar – mas sem que se pode previr o futuro. A actual
agudização da identidade macua no Norte de Moçambique (sensível desde
1975) pode aprofundar-se em sentimento nacional (não obrigatoriamente
separatista) se os desequilíbrios económicos e sociais regionais perdurarem
no país : mas pode também retroceder a simples sensibilidade no caso de
uma melhor integração… nacional. A nação não é mais que um caso particular
de étnia.

A identidade como necessidade social

No seu conjunto, as identidades etnonacionais bem fazem parte das


identidades sociais, embora não exprimem macanicamente o estado « objectivo »
das suas sociedades. Esta « desfazagem », que tão inquietou a maioria dos
marxistas11, explica-se porque a identidade etnonacional integra muita
memorização cultural das relações sociais do passado. A identidade
etnonacional é uma identidade social, mas não a identidade social da
sociedade presente : exprime o confronto entre a relações socias do
presente e a memorização cultural das relações sociais do passado, cujo
resultado ficará, pois, sempre « desfazado » tão das primeiras de que das
últimas.
Mas se percebermos a etnicidade como parte, no plano do imaginário,
das identidades sociais, compreenderemos que a identidade é uma necessidade
social, faz parte das necessidades sociais tal como o direito ao trabalho, à
saude, à educação, à segurança, etc. As sociedades evoluiram muito, mas
sempre houve um movimento social das identidades. Aquela necessidade
social não nace com o capitalismo industrial, e não desaparece com o
capitalismo da globalização. O que há, sim, é um novo contexto de vida social,
novos factores de reordenamento identitário, tal como o capitalismo, o
colonialismo, o estalinismo, etc., influenciaram os processos de cristalização
identitária. Pois se olharmos com a ajuda da longue durée, é completamente
falsa a ideia na moda segundo a qual o periodo da globalização seria o do
fim das nações. Essas nações podem evoluir, algumas desaparecer e outras
nascer. Mas serão a França ou Portugal, ultrapassados enquanto nações
porque há a globalização ? Este raciocinio é o de uma evolução das
identitades seguindo mecanicamente o estado da economia. Se
consideramos que a identidade é uma necessidade social como qualquer
outra, não faz sentido dizer que essas nações são ultrapassadas enquanto
há povos que sintam que existem, e que consideram que as nações fazem
parte da sua dignidade e desenham o espaço de exercício da democracia.

11
A identidade nacional é vista como deturpando a consciênça de classe… No entanto, a mesma
desfazagem entusiasmou uma minoria deles, vindo numa questão nacional a possibilidade para a classa
operária ou camponesa de assumir mais facilmente a direcção do movimento social global, sintetizando
a luta de classa e a luta nacional.

134
Pois, a globalização é um novo contexto para as nações e os processos
identitários, mas não o fim deles. Mas deve ser claro também que a
identidade pode exprimir-se de várias maneiras : uma nação não precisa
obrigatoriamente de um estado próprio. Se ela assim sentir, é que ela
precisa de organizar o eu próprio território de democracia política porque o
no qual está inserido não presta para as suas necessiades sociais, incluindo
as identitárias. Se a nação Quebeque viver bem no Canada federal, não há
razão para ela separar-se deste. Se a nação Catalunha realizar-se bem no
reino de Espanha, pode muito bem exprimir o seu nacionalismo dentro
deste reino.

O exemple timorense

Isto quer dizer, por exemplo, que a independência de Timor Leste não
era uma fatalidade. Em 1974, havia alguns nacionalistas, mas não havia
nenhum nacionalismo de massa e ainda menos nação. Havia, sim, práticas
sociais, diferentes de Java e mesmo de Timor ocidental, mas isto em si não
obrigava à independência. O já citado Benedict Anderson, no seu artigo d
1992, « Imagining East Tmor »12 lembra que Costa Gomes tinha sempre
pensado que Timor ia reintegrar a Indonésia tal como Goa reintegrou a
Índia. Parece, no entanto, que as práticas sociais em Goa eram mais
semelhantes às do resto da Índia, do que as de Timor Leste para com o
resto do arquipélago. Mas mesmo assim, não havia fatalidade. Explica–o
bem Benedict Anderson, foram os próprios indonésios incapazes de imaginar os
timorenses como indonésios, comportaram-se logo no território como numa
colonia para explorar. Nem as práticas sociais distintas do timorenses, nem
a opressão indonésia, isoladamente, foram suficientes para provocar o
separatismo (muitas vezes, há revolta contra ditaduras, que não têm nada
de separatista). Foi, pois, a combinação dos dois factores que deram uma
rápida base a um « nacionalismo » timorense que era mais um movimento
anticolonial de auto-defesa social do que uma afirmação identitário à escala
de todo o território, mas que, concretamente, principiou o processo de
formação da nação. Isto é : a independência de Timor não significa que
temos um estado-nação, temos uma nova República cuja legitimidade
basea-se na luta pela sobrevivência de uma população de muitos pequenos
povos.
Mas será a independência de Timor Loro Sa’e uma especie de
recuperagem de uma situação arcaizante, pois, sem significado próprio do
ponto de visto universalista ? Isto é, o facto de Portugal não ter
descolonizado enquanto os outros paises da Ásia o eram desde o fim dos
anos 1940 ; e depois, o facto de a Indonésia ter feito uma nova colonização

12
Este artigo foi republicado in Lusotopie 2001 : 233-239.

135
arcaica, isto não significaria que esta nova dependência era necessária, sim,
mas mais como o « fim do fim » de um processo caracerístico do século XIX
e da primeira metade do século XX, do que como fenómeno moderno ?
Assim conjugariamos a aceitação da independência de Timor com a ideia
de que as nações são hoje ultrapassadas, pelo menos nas partes mais
modernas do mundo…
Obviamente, há muitos factores arcaicos no contexto da independência
de Timor, que parecem ir ao contrário da tendência a construções políticas
cada vez mais extensas na época da globalização. Mas essa maneira de ver,
muito frequenta, levanta dois problemas. O primeiro é que a oposição entre
independências novas e federações regionais mais extensas é falsa : um
Quebeque independente faria parte da Alena americana, uma Euzkadia
separada da Espanha e da França faria parte da Europa. O segundo é que
estariamos mais uma vez em guiarmo-nos em teorias políticas sobre as
nações e os estados, e não nas realidades vividas. Qualquer que for o
« tamanho » territorial modesto, a população demograficamente reduzida e
linguisticamente dividida, de Timor Leste – características que
« objectivamente » podiam fazer pensar que seria « mais razoável »
integrar-se num conjunto mais vasto –, o problema não é este. O problema
é : existe ou nnao uma população que, num contexto dado, exprima uma
necessidade social de identidade própria ? Se a resposta for positiva, então
essa necessidade de identidade própria faz parte da aspiração à dignidade
colectiva e individual, faz parte da modernidade. Quero dizer com isto que
a independência de Timor, embora afrontando um contexto arcaizante, não
é uma revolução nacional tardia do século XX, faz parte das revoluções do
século XXI e da problemática identitária cuja integração à democracia
política será um grande desafio deste novo século.
Alias, o mesmo se podia dizer de Portugal (modestia territorial e
demográfica, etc.), mas aconteceu que, às vezes contra a sua própria
nobreza, o « povo de cá » (pelo menos a burguesia com o apoio da
população urbana) quis ter sociedade própria13 : o localismo venceu o
iberismo (pelo menos até hoje…14) mesmo sem « teoria da nação » bem
estabelecida.

Contra todo fetichismo da identidade : o caso da « lusofonia »

Denunciou-se, aqui, o fetichismo do Estado, negador das identidades e


o seu inverso mecânico que atribui, ao reconhecimento de um facto
nacional, a necessidade de criação de um novo estado. Esta « ligação
obrigatória » entre estado e nação, mais uma vez, confunde a identidade
com a forma política de organização desta identidade, que pode ser a de um
estado. Pelo contrário, deve-se ter do fenómeno identitário, antes de tudo, a
ideia de uma « paleta » infinita de graus de identidade, da mera sensibilidade
local até à nação mais enraizada, nos contextos históricos mais diferentes e
precisando de respostas políticas mais diversas.

13
Sobre os porquês desta constatação, vjea o artigo de D. BIRMINGHAM neste dossier.
14
Veja, neste dossier, o artigo de J. Ramos SILVA.

136
Nesta « leque » deve-se incluir também as identidades linguísticas, e,
entre elas, as oriundas das histórias coloniais e das expansões que, hoje, são
supra-estatais : francofonia, anglofonia, lusofonia, etc.. Ninguém pode
negar que essas histórias tiveram efeitos linguísticos. A pergunta é : será
este critério normativo suficiente para definir uma « área cultural », e em
particular a lusofonia ?
O critério linguístico com o qual define-se habitualmente as « áreas
culturais », nnao é mais do que um marcador (fr. : marqueur) da identidade,
entre muitos, e nem sempre o mais importante. Muitas vezes, não é mais do
que um peso conceitual neocolonial. Assim, porqué que fala-se mais – pelo
menos ao nível político – da francofonia ou lusofonia, e menos da área da
bantufonia, na África central e austral ?
Sobrevalorizar o critério linguístico na identificação das áreas culturais
traz muitas problemas.
Em primeiro mugar, não corresponde às realidades sócio-linguísticas.
As « fonias » têm tendência a adicionar não os falantes da língua, mas os
habitantes dos Estados que têm esse idioma como língua oficial. Assim, em
muitos atlas portugueses, veja-se, nos mapas da lusofonia, uma orla de cor
na Índia coreespondendo ao estado de Goa, quando ninguém fala
português neste estado indiano na vida diária e intima da família15. É a
mesma coisa para a totalidade de Moçambique, quando menos de 9 % da
população têm o português como língua materna (censo de 1997), etc.
Em segundo lugar, confunda-se os estatutos sociais da língua de origem
colonial, com consequências negativas na definição das políticas de
cooperação cultural. Uma língua pode ser materna – isto é identitária –,
pode ser segunda – isto é não materna ou afectiva, mas sendo uma
ferramenta de uso frequente –, ou ainda uma língua completamente
estrangeira – como é o português no caso de interior de Moçambique, de
Goa ou em Macao. Obviamente, a mesma política de coperação linguística
nnao pode ser utilisada nas três situações. Mas é…
Em terceiro lugar, com aquela definição redutora das áreas culturais,
não se percebe trajectórias tão diferentes como as de Malaca, de Goa,
Macao, Flores ou Timor. Em Goa e Macao, a língua portuguesa fo sempre
fraca, e vai desaparecer quase completamenteenquanto houve os famosos
« cinco séculos de colonização ». Mas no caso de Malaca, onde os
portugueses nem ficaram um século, sobreviveu durante séculos e
parcialmente até hoje, o papia kristang, crioulo de raíz portuguesa. No caso
de Flores, continuam a cantar cânticos católicos em português, língua que
não percebem. No caso de Timor, como é sabido, a difusão do português é
mais alargada hoje, depois de 24 anos de ocupação indonésia, do que em
1975 : o que significa que a resitência timorense fez mais para a língua

15
Sobre Goa e a identidade portuguesa,veja o artigo de A. SIQUEIRA neste dossier.

137
portuguesa do que os tais « cinco séculos » de presença portuguesa. Porquê
tantas trajectorias diferentes ? Em todos os casos16, encontrámos a questão da
utilidade social da língua, que explica o seu desaparecimento ou a sua
persistência, em vez da « origem comum » portuguesa e « séculos de
convivência ».
Em quarto lugar, a sobrevalorização da definição meramente
linguística faz sobestimar outros factores tão importantes como a língua,
senão ainda mais importantes que ela. Por exemplo, no Moçambique de
1975, a formação social oriunda da colonização com muito pouco pequenos
empresários e muitos assalariados, o processo de formação das élites, muito
fracas e burocráticas, a ideia da nação homogénea, moderna e anti-étnica,
de uma só língua, de um só partido, do estado centralizador como principal
actor da economia, tudo isto é muito… portugês ! Mas na maioria dos
casos, não está em português. Em Goa ninguém fala português e o
catolicismo é – ao contrário do que muitos portugueses acreditam – uma
minoria, mas essa minoria é mais importante do que algures na Índia e,
sobretudo, o direito civil é romano. No Brasil, há obvias heranças do
corporatismo português na estruturação da vida sindical.
Todos esses exemplos mostram que o conceito de lusofonia, mesmo nas
áreas onde não é contestável, deve ser redefinido afim de romper com a
visão meramente linguística, e ainda mais com a visão de « paises de
expressão portuguesa »17, isto é de uma « dilatação de lusitanidade ». O
parâmetro linguístico deve ser integrado como um entre outros. Assim, a
lusofonia é uma área específica de intersecção com outrs identidades. Isto é, essa
área heteronênea é desenhada por um factor comum, o de uma certa
presença da língua portuguesa e de outros factores de origem portuguesa,
misturada com as identidades das sociedades locais, ex-metropolitana, ex-
coloniais e ex-colonizadas18. Retomo aqui o conceito defendido, quando das
Primeiras Jornadas de Lusotopie, na Sorbonne, em 1996, pelo ensaista
português Eduardo Lourenço : essa definição é preciosa porque permita
abraçar todas as lusofonias tais como são, e respeita-las, tirando do conceito
todo o sentimento pós-imperial português. Obviamente, o mesmo raciocino
pode ser feito para os paises da fracfonia ou da anglofina.
Mas em particular no domínio da expansão portuguesa, precisamente
por causa da sua precocidade, da sua longa duração e do seu lento declínio,
temos que agudizar ainda mais a analise para sair da armadilha conceitual
pós-colonial das áreas culturais. Com efeito, o que acabou de ser dito faz
sentido em Portugal, no Brasil, nas cidades angolanas e moçambicanas, em
Dili, onde o uso da língua portuguesa é frequente, senão generalizado.
Mas quando não há nenhum uso da língua portuguesa ? Vamos incluir
os macondes do planalto de Mueda, os macuas do interior, os vakuvales do
Sul de Angola, os índios yanomami da Amazônia, os indianos das Novas
Conquistas de Goa, que nunca falam nem percebem o português, na

16
Cada um desses exemplos precisaria de um dossier completo… Veja, nomeadamente, em
Lusotopie 2000, o dossier « Lusophonies asiatiques, Asiatiques en lusophonies » : 135-495.
17
O mesmo pode ser dito a propósito da francofonia e em particular dos ditos « pays africains
d’expression française » : a élite, os intelectuais, o estado, de um país podem exprimir-se em francês, mas a
expressão deles é africana ! Alias, os paises africanos de antiga coloização portuguesa prefiriram a
fórmula mais neutra de « Paises africanos de língua oficial portuguesa ».
18
Lembra-se que, para perceber os processos identitários, é muito importante distinguir os paises
onde a esmagadoria maioria da população foi colonizadora (Brasil) e os paises onde a esmagadoria
maioria foi colonizada (Goa, Timor, PALOPs).

138
lusofonia ? Neste caso, nem podemos utilisar a definição lata de Eduardo
Lourenço. Mas ficam os factores não linguísticos : ninguém fala português
em Goa, mas « cai-se » sobre Portugal a cada passo (nomes das lojas, ruas e
pessoas, arquitectura, minoria católica, direito civil). As donas da Zambézia
falam ou não falam português, mas não teriam existido sem a intersecção
da estrutura matrilinear local e dos prazos da Coroa portuguesa. Os
Agudas do Benim, do Togo e de Lagos, há gerações que não falam
português, mas a sua origem afro-brasileira continua a ser estruturante na
vida deles (casamentos, festas, etc.).
Nomeadamente no caso português, a precocidade da expansão e a
longa duração do déclínio, deixaram rastos sociais que já não são há muito,
ou nunca foram, linguísticos, mas que continuam a ser produtos humanos
da expansão. É por isso que combinamos o conceito de lusofonia que o,
ainda mais abrangente, de lusotopia. A lusotopia é o conjunto de lugares ou
comunidades que, quaisquer que forem a sua língua, foram, pelo menos
parcialmente, « moldados » pela história da expansão lusa19.

***
Como pudemos ver, o importante é ter uma visão realista da infinita
« paleta » das identidades. Não se trata de criar conceitos novos pelo prazer
de fazê-lo, mas também não se deve hesitar em fazê-lo quando
características históricas e sociais apontam para isso. A ligação mecânica
dos conceitos de nação e estado, por exemplo, desvaloriza ao plano
semântico e pois explusa da modernidade o de etnicidade. Por isso, deve
ser recusada. Mas também o « expansionismo » de alguns conceito – como
o de lusofonia – não permita aproximar-se das realidades vividas. Afinal, a
expressão de toda a « paleta » identitária é, antes de tudo, uma questão de
democracia que deve evitar todo juizo sobre o « periodo » ou a « época ».
De facto, não há periodo para as identidades, só há contextos. Se uma identidade
for sentida, faz ela parte das necessidades sociais, e o seu direito à
expressão faz parte da dignidade, da democracia e da modernidade20. É por
isso que tão o novíssimo Timor Loro Sa’e como o velhíssimo Portugal,
surgem, neste início de milénio, como sinais de modernidade.
[Fim do artigo publicado]

***
[conclusão da versão original]
Para as Quartas Jornadas internacionais de estudos de Lusotopie,
estudar uma nação na longa duração era um grande desafio que
necessitava focalizar a atenção sobre um número limitado, embora
vastíssimos, de sub-temas. Tencionavamos assim estruturar a reflexão em
função das « grandes interrogações » mencionadas a seguir. No entanto,
nunca sonhámos receber respostas completas a tais capítulos, mas tão
somente ilustra-los com algumas reflexões e touches, como algumas peças
de um puzzle que ia ficar incompleto, mas já expressivo. Assim, o texto de
orientação científica de François Guichard, Luis de Oliveira Ramos e
Michel Cahen (Outubro 2000) recebeu vários contributos, que aqui

19
O inventor da expressão é Louis Marrou, geógrafo, docente na universidade de La Rochelle,
França.
20
Para um debate detalhado sobre as teses em presença, não escondendo uma opção integrando o
relativismo cultural sem cair no culturalismo, e para um estudo sobre a dialéctica identidade e
sociedade civil, veja : R. OTAYEK, Identité et démocratie dans un monde global, Paris, Presses de Scicnes Po,
2000.

139
transformaram-se em alguns artigos21 respondendo, obviamente
parcialmente, às « grandes interrogações » :
– a relação de Portugal com a sua própria História e a sua identidade
estatal (artigos de Sérgio Campos Matos e de David Birmingham)
– a relação de Portugal com a Ibéria (artigos de Joaquim Ramos Silva e
de Rubén C. Lois González)
– a relação de Portugal com o seu próprio espaço nacional (artigos de
João Ferrão, Michel Drain e Fabienne Wateau)
– a relação de Portugal com o seu espaço/língua e cultura
(lusitanidade/lusofonia) (artigo de Michel Cahen)
– a relação de Portugal com o espaço-mundo (artigos de Carlos Lopes e
Alito Siqueira)
– será o 25 de Abril solúvel na história portuguesa? Terá sido ruptura
ou mera peripécia, verdadeiro arranque ou simples sobressalto? (artigo de
Stewart Lloyd-Jones)
– Portugal, uma tranquila certeza de ser – mas como, para quê, e para
fazer o quê? (esta dimensão transversal sendo aproximada por vários
autores).
A todas as pessoas, fundações e instituições cujo empenho e apoio
permitiram a essas « Jornadas » de existirem, apresentamos os nossos mais
sinceros agradecimentos (veja adiante). Mas, muito infelizmente, tem que
se acabar com uma nota tristíssima, citando aqui o « guia » científico e
militante de todo este processo das « Jornadas » no Porto, de cujo
entusiasmo e cuja alegre humanidade todos os presentes lembram-se :
François Guichard, estupidamente desaparecido aos cinquenta e cinco anos
em Março 2002. Esta saida de Lusotopie, e em particular este dossier, vêm,
assim, em fraco homenagem ao científico, ao geógrafo, ao enólogo, ao
nosso amigo.

Outubro de 2002
Michel CAHEN
Instituto de estudos polícios de Bordéus, Centro de estudo da África negra

21
Lembra-s que Lusotopie nunca publica « Actas » de um colóquio, mas artigos oriundos dos seus
colóquios. Quer dizer, todas as comunicações às Quartas Jornadas não puderam entrar aqui, e alguns
textos aqui publicados não foram apresentados em comunicações. O texto completo de orientação
cientícia é disponível no site de Lusotopie : <www..cean.sciencespobordeaux.fr/lusotopie/>.

140
Les Quatrièmes Journées d’études internationales de
Lusotopie se sont déroulées sous l’égide de
« Porto 2001 : capital cultural da Europa »
et du
jumelage Bordeaux-Porto
L’Association des chercheurs de la revue Lusotopie remercie les
sociétés, institutions et fondations sans l’appui desquelles rien
n’aurait été possible :

– Adriano Ramos Pinto S.A. (Vila Nova de Gaia)


– Câmara municipal do Porto (Porto)
– Centre d’étude d’Afrique noire (Bordeaux)
– Centre d’étude Nord du Portugal-Aquitaine (Bordeaux)
– Centro de estudos Norte de Portugal-Aquitânia (Porto)
– Consulat général de France à Porto (Porto)
– Faculdade de Letras da Universidade do Porto (Porto)
– Fondation nationale des Sciences politiques (Paris)
– Fundação A. Cupertino de Miranda (Porto)
– Fundação Calouste Gulbenkian (Lisbonne-Paris)
– Fundação para a Ciência e a Tecnologia (Lisbonne)
– Institut d’études politiques de Bordeaux (Bordeaux)
– Mairie de Bordeaux (Bordeaux)
– Pôle universitaire européen de Bordeaux (Bordeaux)
– Reitoria da universidade do Porto (Porto)
– Services de coopération et d’action culturelle de l’Ambassade de
France au Portugal (Lisbonne)
– Sociedade « Porto 2001 » (Porto)
– Temiber , Unité mixte de recherche n° 5592 Université de Bordeaux
III/CNRS (Bordeaux)

Remerciements particuliers aussi à : Armelle Enders, Beatriz Nizza da Silva, Bernardo


de Vasconcelos e Souza, Brigitte Lachartre, Claudia Castelo, Déjanirah Silva Couto,
Douglas Wheeler, Ferreira Gomes, Francisco Bethencourt, Francisco Ribeiro da
Silva, Isabel Pires de Lima, Lorenzo López Trigal, Louis Marrou, Luís A. de
Oliveira Ramos, Michel Lesourd, Michel Pouyllau, Miguel Vale de Almeida,
Nicolas Vaicbourdt, Rui Centeno, Victor Perreira, Walnice Nogueira Galvão.

141

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