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Letramento no Brasil
2.ª edição
Edição revisada
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
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B878L
2. ed.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-3546-5
Letramento e alfabetismo...................................................... 69
Compreensões históricas do alfabetismo......................................................................... 69
Relação entre letramento e alfabetismo............................................................................ 71
Alfabetismo no Brasil................................................................................................................ 72
Evolução histórica do alfabetismo....................................................................................... 74
Níveis de alfabetismo................................................................................................................ 75
Caminhos e possibilidades..................................................................................................... 79
Informação e conhecimento...............................................151
A norma moderna....................................................................................................................151
Constituindo a informação ..................................................................................................152
A informação como produto................................................................................................156
O que faz da notícia uma notícia?......................................................................................157
Informação X conhecimento ..............................................................................................159
Este livro trata de um tema que nos é bastante familiar: a reflexão sobre as
práticas de leitura e escrita na sociedade de cultura escrita e sobre as formas de
ensiná-las. Nele, você encontrará reflexões e análises sobre a relação entre língua
e sociedade, sobre usos e conhecimentos, sobre os modos como essas coisas par-
ticipam da vida da gente e os sentidos que têm. Encontrará estudos a respeito de
comunicação, preconceito, informação etc. Encontrará, a todo o momento, um
convite a pensar sobre a língua, principalmente a língua escrita e os sentidos que
ela tem em nossas vidas.
Espero, com estas aulas, não só contribuir para sua formação, mas também
incentivá-lo a sonhar com uma sociedade em que todos possam ler, escrever, tra-
balhar e, acima de tudo, viver com qualidade.
A sociedade de cultura escrita
O mundo escrito
Quando pensamos sobre escrita, a primeira imagem que vem à cabeça
é a de uma linha de letras dispostas numa folha de papel. A esta imagem
associamos imediatamente a ideia de leitura, de livros, cadernos, jornais,
revistas.
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A sociedade de cultura escrita
Língua e mundo
Com a língua, a gente dá nome às coisas, reconhece os objetos do mundo,
cria modos de ser e de ver. O educador Paulo Freire, ao defender sua concepção
de educação, insistia no fato de que as palavras são mais do que um instrumento
de comunicação. Para ele, a grande questão da alfabetização está relacionada à
tomada de consciência coletiva e à possibilidade de, pela aprendizagem da pa-
lavra escrita, fazer novas e mais significativas leituras de mundo.
À primeira impressão, essa ideia pode parecer sem sentido. Afinal, a matéria
física que faz o universo é independente da vida e da vontade humana, já existia
há muito tempo, antes de aparecer a humanidade, e continuará a existir mesmo
depois que não existirem mais homens e mulheres.
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A sociedade de cultura escrita
Poder dizer, poder falar uma língua, me permite pensar e me relacionar com
o outro, me faz ser gente, me faz humano, homem ou mulher, me faz ter cons-
ciência de mim mesmo, do outro, do mundo e da vida. E é essa possibilidade de
relacionar-se com o outro que faz de uma pessoa um ser social.
Mas é preciso perceber que a condição humana é social, e isso não apenas
no sentido de que a gente vive em grupos de uma forma organizada. Também
as abelhas e as formigas fazem isso. O ser humano é social num sentido mais
profundo: sua sociabilidade está relacionada com sua capacidade de simbolizar
e de conhecer sua própria condição.
Por tudo isso, pode-se dizer que a língua é parte da condição humana, e é
base de todas as culturas. E enquanto coisa humana e fundamental para a vida,
para cada indivíduo e para a sociedade, ela é objeto de reflexão de muitas ma-
neiras: científica, normativa, artística.
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A sociedade de cultura escrita
no espaço.
Cada uma
Trouxeste a chave?
Repara:
E o poeta reconhece também que as imagens que faz escrevendo versos e estro-
fes não seguem apenas a sua vontade. A poesia, diz ele, tem uma dinâmica própria,
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A sociedade de cultura escrita
Ao refletir sobre o ato de fazer poesia, o poeta aceita a ideia de que as pala-
vras têm vida e autonomia. As palavras apresentam-se “em mil faces secretas”,
oferecendo sempre mais sentidos do que aqueles que a gente supõe serem os
definitivos. Mas também não está nas palavras o secreto da significação. Ele é
consequência daquilo que a gente faz com elas, do modo como o gesto humano
as compõe. É a gente que tem a “chave”, é a gente que, dizendo as palavras, faz
o movimento que dá vida a elas. E isso tanto quando alguém diz ou escreve
alguma coisa, como quando alguém ouve ou lê o que a outra pessoa disse ou
escreveu. O lugar da língua é a interação humana.
Essa forma de ser da língua é resultado do fato dela ser um produto essencial-
mente social e histórico. Ela não é a criação de uma mente brilhante nem sobre-
vive porque se definem regras e modelos. A língua é o fruto da própria história
dos grupos humanos, que, se constituindo, constituíram as formas de simbolizar
e de compreender a realidade. Por isso é que se pode afirmar que o ser humano
é um ser histórico.
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A sociedade de cultura escrita
Por isso, além dos significados imediatos, por assim dizer já congelados, re-
lativos às coisas e aos fatos cotidianos, as palavras comportam outras possibili-
dades de sentido, menos precisas e que dependem do uso e da forma como a
gente percebe o mundo. A língua é a expressão do processo de simbolização e
de construção de sentidos. Isso é o que o poeta quer representar quando cria a
imagem das “mil faces secretas” de cada palavra, e também é isso que o linguista
quer que a gente compreenda quando afirma que as palavras são compostas
por uma “multidão de fios ideológicos”.
Por isso, raramente tomamos a distância necessária para fazer uma análise do
que ela representa, as funções e papéis que cumpre e qual sua natureza e suas
características.
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A sociedade de cultura escrita
Lá, arriscando a sorte, ele ganha uma fortuna e, mais desanuviado, re-
solve voltar para casa e restabelecer sua vida. Para sua surpresa, quando já
estava próximo de sua cidade, descobriu, por uma notinha de jornal, que era
tido como morto! Encontraram um cadáver de um homem nos arredores e,
como Mattia estava desaparecido, supuseram que o corpo seria dele.
Como Matia não tinha alegria em sua vida anterior nem sentia amor por
ela, resolveu manter a farsa, inventou uma nova personalidade para viver e
saiu mundo afora.
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A sociedade de cultura escrita
Agora vivo em paz, juntamente com a minha velha tia Scolastica, que quis
oferecer-me abrigo na sua casa. Minha estapafúrdia ventura fez-me, repen-
tinamente, subir no seu conceito. Durmo na mesma cama em que faleceu
minha mãe e passo grande parte do dia aqui, na biblioteca, em companhia
de padre Elígio, que ainda está longe de ter conseguido uma arrumação cri-
teriosa para os velhos livros poeirentos.
Levei perto de seis meses para escrever esta minha estranha história, au-
xiliado por ele. De tudo o que aqui relatei, ele guardará segredo, como se o
tivesse sabido sob o sigilo sacramental.
– Para começar, esta – diz-me ele – que fora da lei e fora daquelas particu-
laridades, alegres ou tristes que sejam, graças às quais nós somos nós, meu
caro Senhor Pascal, não é possível viver.
Mas peço-lhe observar que não reentrei, absolutamente, nem na lei nem
nas minhas particularidades. Minha mulher é mulher de Pomino e eu não
saberia, realmente, dizer quem eu seja.
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A sociedade de cultura escrita
MATTIA PASCAL
BIBLIOTECÁRIO
AQUI VOLUNTARIAMENTE
REPOUSA
De fato, uma pessoa sem registro em cartório praticamente não existe para o
Estado. Ela não pode vir a ter nenhum outro documento (por exemplo, carteira
de identidade ou de trabalho), não tem como se matricular na escola, votar ou
candidatar-se a um cargo público, abrir uma conta em um banco, casar formal-
mente, ter propriedade regularizada ou receber herança, aposentar-se ou dispor
de qualquer benefício social. Só poderá ser sepultado como indigente.
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A sociedade de cultura escrita
A ordem da escrita
É difícil imaginar eventos em que a escrita, em palavras e outros símbolos,
não se apresente de algum modo. Ela está no bilhete e na declaração de guerra,
nos contratos de compra e venda e nas certidões de nascimento e outros docu-
mentos de identificação das pessoas, nos álbuns de família e nos testamentos.
Ela é visível e significativa nos espaços urbanos, nas escolas, nas placas de rua,
nas fachadas das lojas, nas igrejas, agremiações e clubes, nos locais de trabalho
e de lazer.
Mesmo assim, cabe fazer uma pergunta aparentemente óbvia: para que serve
a escrita?
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A sociedade de cultura escrita
Essa é uma história interessante e até poderia ser verdadeira. Afinal, as cartas
são um pedaço importante nas relações entre as pessoas e entre diversas insti-
tuições. Elas fazem parte da vida particular de muita gente (as correspondências
pessoais e, em tempos mais recentes, as eletrônicas) e também da atividade pú-
blica, em que se multiplicam as cartas comerciais, os ofícios, comunicados etc.
Mas a história foi outra. A escrita, mesmo servindo para a comunicação a distân-
cia e tendo sido usada pra isso desde muito cedo, tem sua origem ligada a outras
necessidades das sociedades organizadas.
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A sociedade de cultura escrita
O filósofo grego Platão (427-347 a.C.) chegou mesmo a manifestar sua pre-
ocupação com essa possibilidade que a escrita oferecia. Ele acreditava que, por
causa do registro escrito e da possibilidade de consultá-lo, seus discípulos se
tornariam mais preguiçosos, não se preocupando mais em saber de cor suas
lições.
Escrita e poder
Não há relação direta entre desenvolvimento tecnológico e transformações
nos processos de produção da informação com a efetiva democratização ou
com o fim das desigualdades. E isso porque, como adverte o educador francês
Jean Foucambert:
A importância da escrita deve ser encarada não apenas em função de seu papel como meio de
comunicação e expressão, mas também, e sobretudo, como instrumento de pensamento. De um
pensamento adaptado às novas exigências do progresso tecnológico. Se existe uma relação entre
o mercado de trabalho e a leitura e, consequentemente, a escola, é preciso, nessa nova necessidade
global, procurar dar para o maior número possível de pessoas uma formação intelectual que
desenvolva a utilização de operações abstratas e, portanto, um domínio melhor da língua escrita,
cujo exercício torna viável esse modo de pensamento. (FOUCAMBERT, 1997, p. 12)
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A sociedade de cultura escrita
Quanto maior for sua participação na cultura escrita, maior será sua neces-
sidade de utilização de informações veiculadas em textos escritos, assim como
será maior sua interação com discursos mais distantes das formas cotidianas de
apreensão da realidade, formas que implicam raciocínios abstratos. Provavel-
mente, também será maior sua produção de textos para registro, comunicação
ou planejamento. Em resumo, maiores serão as exigências de realização de tare-
fas que clamem controle, inferências e ajustes diversos.
Numa sociedade como a nossa, a escrita, enquanto manifestação formal dos diversos tipos de
letramento, se tornou mais do que uma tecnologia. Ela se tornou um bem social indispensável
para enfrentar o dia a dia, seja nos centros urbanos ou na zona rural. Nesse sentido, pode
ser vista como essencial à própria sobrevivência no mundo moderno. Não por virtudes
que lhe são imanentes, mas pela forma como se impôs e a violência com que penetrou nas
sociedades modernas e impregnou as culturas de um modo geral. Por isso, friso que ela se
tornou indispensável, ou seja, sua prática e avaliação social a elevaram a um status mais alto,
chegando a simbolizar educação, desenvolvimento e poder. (MARCUSCHI, 2000, p. 17)
Mas é preciso cautela para não derivar dessa análise o raciocínio ingênuo de
que quanto mais a pessoa aprender a escrita, mesmo nesse sentido forte de um
sistema amplo e complexo, melhor se colocará na escala social.
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A sociedade de cultura escrita
que, por sua vez, se relaciona com as formas pelas quais as diferentes classes so-
ciais e frações de classe se organizam e articulam a distribuição e a posse desse
“bem social”.
Atividades
1. Faça uma breve análise de como o espaço em que você vive manifesta a
lógica da sociedade de cultura escrita. Não se limite à presença objetiva do
escrito, considerando também a geografia.
2. Faça uma lista das situações de uso da escrita em sua vida, incluindo tanto as
atividades de cotidiano como as de estudo, trabalho e lazer.
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A sociedade de cultura escrita
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A sociedade de cultura escrita
Dicas de estudo
CHARTIER, Roger. A Aventura do Livro do Leitor ao Navegador. São Paulo:
Unesp, 2000.
Referências
BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1980.
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