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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE TEOLOGIA
ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM TEOLOGIA

MESTRADO – 2º Semestre de 2012

Agnese Costalunga.
Roberto Almeida da Paz.

O EVENTO DA SALVAÇÃO À LUZ DA EXPERIÊNCIA DA SALVAÇÃO

Pesquisa monográfica apresentada em


sala de aula, na disciplina Temas
Especiais de Dogmática: Mariologia na
Teologia Contemporânea no curso de
Pós-graduação em Teologia (stricto
sensu) – sob a orientação do professor
Dr. Pedro Iwashita.

São Paulo
Novembro de 2012.

1
SUMÁRIO

SUMÁRIO.............................................................................................................................................2
Introdução..........................................................................................................................................3
1. Novas dimensões da soteriologia da cruz.......................................................................................3
a) Estrutura e efeitos da soteriologia da cruz.................................................................................4
b) Mistificação da passio, difamação da actio...............................................................................5
2. Práxis escatológica e messiânica de Jesus......................................................................................6
a) A vida de Jesus não é apenas o prelúdio da sua paixão.............................................................6
b) Práxis vital dentro do horizonte do senhorio de Deus................................................................6
c) Jesus como pessoa messiânica...................................................................................................7
d) Paixão latente e manifesta.........................................................................................................8
3. Caráter político do agir de Jesus.....................................................................................................8
a) A diferença hermenêutica: salvação “política” no NT?.............................................................8
b) O lugar político de Jesus............................................................................................................9
4. A morte na cruz como radicalização da práxis de vida de Jesus...................................................10
a) A paixão como consequência do modo de vida de Jesus..........................................................10
b) Um novo modo de interpretar a “obediência” e o “amor”......................................................11
5. A morte de Jesus como solidariedade e representação..................................................................11
a) Solidariedade mitológica e representação religiosa.................................................................12
b) Solidariedade integral no sofrimento.......................................................................................12
c) Memória da paixão...................................................................................................................13
d) A história de paixão de Deus....................................................................................................14
6. A ressurreição de Jesus como antecipação atual da vitória sobre a morte.....................................15
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................................17

2
WIEDERKEHR, Dietrich. O evento da salvação à luz da experiência da
salvação1.
Introdução.

Observação: A sequência desta síntese está em sintonia com a sequência dos diferentes
artigos e autores do livro citado.

O autor elabora este tema a partir de um novo “círculo hermenêutico”, na década de


1980. Delineia a experiência humana da salvação e não-salvação do evento salvífico que se
realizou em Jesus Cristo.
Nesta hermenêutica, afirma o autor é possível desenvolver uma reinterpretação da
nossa fé, redimida na morte e ressurreição de Jesus, embora seja preciso acrescentar que esse
evento central da salvação realizada em Jesus Cristo é que vai nos oferecer a perspectiva
dentro da qual serão submetidas à crítica as categorias e expectativas formuladas.
A hermenêutica do evento da salvação à luz da experiência da salvação não se esgota
numa tradução da experiência e da práxis, inclui também o modo de pensar e de se expressar.
Nesse círculo se insere também a contribuição que pretende descrever as mudanças
ocorridas na teologia de língua alemã do último decênio (1980) no que se refere à maneira
de entender a vida e a história de Jesus Cristo, no seu significado salvífico.
“Os novos campos da práxis de fé, da experiência de salvação e não-salvação, impuseram
uma modificação e revisão da soteriologia tradicional e evidenciaram claramente também os
condicionamentos típicos dessas temáticas. Isso se refere, por um lado, ao tema central da
redenção por meio da cruz e, por outro, ao desenvolvimento de uma teologia da redenção
na qual hoje se reflete sobre um evento antes descurado e esquecido, ou seja, sobre a
história da vida de Jesus, a sua pregação e a práxis redentora, não mais referidas
exclusivamente à sua morte na cruz. Daí derivam, pois, os pontos que desenvolveremos”:

1. Novas dimensões da soteriologia da cruz;


2. Práxis escatológica e messiânica de Jesus;
3. Caráter político da ação messiânica de Jesus;
4. A morte na cruz com radicalização da práxis de vida de Jesus;
5. A morte de Jesus como solidariedade e representação;
6. A ressurreição de Jesus como antecipação atual da vitória sobre a morte.

1. Novas dimensões da soteriologia da cruz.

A soteriologia tradicional caracteriza-se, sobretudo por dois tipos de reflexão:


 “A doutrina ocidental da redenção baseia-se especialmente na doutrina da satisfação
que, apesar de todas as suas variantes, acaba sendo a que Anselmo de Canterbury
elaborou escorado por diversas fontes patrísticas e que continuou a ser proposta tanto
pelas Igrejas da Reforma como pela Igreja Católica”.

 “O tipo oriental interessa-se mais pela encarnação, pela divinização ontológica que a
caduca natureza humana conhece por mérito da natureza divina e encarnada do
Lógos”.

1
In. Karl NEUFELD (Org.). Problemas e perspectivas de Teologia Dogmática; tradução José Maria de Almeida.
São Paulo: Loyola, 1993, p. 141-160 (Título original: Problemi e prospettive di Teologia Dogmática. Brescia:
Editrice Queriniana, 1983).
3
a) Estrutura e efeitos da soteriologia da cruz.

“Essa última impostação sempre foi menos influente, na medida em que a infinita
dignidade da morte na cruz funda-se certamente na dignidade divina de Cristo – esta,
porém, entendida num sentido não tanto ontológico-natural quanto jurídico. Ao
evidenciar as recentes posições soteriológicas pode-se, portanto, prescindir desse
segundo tipo, embora isso não signifique também prescindir do problema cristológico
que ele encerra”.

 Características anteriores (jurídicas):


- “é a consideração da morte como um fato quase isolado e preciso,
- “como um ato de obediência”,
- “de doação”,
- “de reconhecimento cúltico de Deus”,
- “de expiação representativa na figura de Jesus Cristo”,
“Por mais diferentes que possam ser essas interpretações, o dado interpretado é quase que
exclusivamente a morte de Jesus desligada da sua história e práxis de vida”.
Não está excluído, “que isso derive também:
- da pouca aderência à história,
- que não observa a vida como uma realidade aberta, como uma história
que se resume num ato vital,
- limitando-se a captar alguns momentos temporais presentes nessa
história.

Nesta teologia, a actio e a passio da morte não derivam, de um movimento dramático da vida
de Jesus, da sua pregação e da hostilidade com que foi rejeitado. Trata-se de ação e paixão
(actio e passio) desligadas das relações e acontecimentos, vistos na profunda doação histórica
de Jesus.
As circunstâncias externas da rejeição e da hostilidade que Jesus sofreu assumem
quase que um caráter ocasional em relação ao fato dominante da sua obediência e da sua
doação sacrificial.

Consequências dessa teologia:


- Essa teologia interpreta a morte reportando-se não às situações conflitivas existentes
na vida de Jesus, mas a uma disponibilidade autônoma e também desligada da história de
vida, às categorias do sacrifício, da adoração e da satisfação.
- O “ícone” da cruz era como que cortado do “filme” dramático da vida e interpretado
segundo categorias próprias e imanentes.
- A morte de cruz – vista apenas em si mesma – ignorava não só a pré-história
dramática que se desenvolve sob o signo da morte, mas também a história da ressurreição, a
única que ilumina e desenvolve seu significado salvífico.
- A interpretação positiva que se dava do fracasso exterior de Jesus supunha a sua
sucessiva revelação como Filho de Deus. Mas esse pressuposto raramente encontrava também
a própria explicitação e, de qualquer modo, não carregava a morte mesma com um significado
teológico próprio. No máximo, a ressurreição operada por Deus era interpretada como
resposta ao sacrifício de Jesus.

Nota-se que:
Onde mais frequentemente a divindade de Cristo era a tal ponto acentuada, a morte na
cruz perdia toda misteriosidade e obscuridade, não exigindo qualquer justificação. Esse modo

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de considerar a morte na cruz produziu seus efeitos também no modo de entender o nexo que
liga a pessoa de Jesus à história do Gênero humana em sua complexidade social e histórica.
À categoria jurídica da satisfação bastava uma união jurídica entre todos os homens;
os débitos que o homem havia contraído com o casal original só podiam vir a ser saldados
com a morte na cruz, a única em condição de reparar as ofensas à honra infinita de Deus. Esse
“endividamento” do gênero humano se estendia como uma segunda rede, como uma abstrata
meta-história sobre a efetiva e complexa trama da história individual e social de liberdade e
culpa.

b) Mistificação da passio, difamação da actio.

- O isolamento da Paixão e Morte de Jesus da história anterior e posterior tornava-se


possível pelo fato de que a interpretação soteriológica não estava orientada para captar tal
nexo,
- mas também favoreceu uma ulterior ênfase do valor (agora próprio e quase que
imanente) do sofrimento de Jesus.
- A paixão, a doação, a autodoação foram compreendidas – não só em Jesus, mas
também na espiritualidade e na ética cristã – como um evento que tem sentido e valor em si
mesmo, prescindindo-se das motivações, provocações ou referências à situação social e
concreta de quem vive e luta.
- A obediência, o reconhecimento cultural e a autodoação amorosa a Deus,
originalmente expressos na morte sacrificial de Jesus, tornando-se, então, também o
modelo a ser imitado na vida de sofrimento dos homens e dos cristãos.
- Por longo tempo esses categorias religiosas conseguiram esconder sua
problemática ideológica (instrumentalização e mistificação do sofrimento), mas não
serviram para oferecer uma interpretação aceitável da morte de Jesus e do sofrimento
humano.
- puderam ser exploradas (com boa fé) TENDO EM VISTA O MODO CRISTÃO
DE VIDA E A PREGAÇÃO MORAL, ENQUANTO O HOMEM NÃO DISPUNHA DE
UMA POSSIBILIDADE DE MINORAR E VENCER O SOFRIMENTO, NEM
DISPUNHA DE UMA ESTRATÉGIA SOCIAL APTA A COMBATÊ-LO.
- Mas também CONTRIBUÍRAM PARA MANTER E CONSOLIDAR (INÚTIL E
INJUSTAMENTE) UMA ATITUDE DE PASSIVIDADE;
- POR ISSO, COM RAZÃO SUSPEITOU-SE TRATAR-SE DE UM
MASCARAMENTO IDEOLÓGICO, QUANDO NÃO FORAM CONTESTADAS EM
BLOCO COMO ARGUMENTAÇÃO RELIGIOSA DESTINADA A ABORTAR
QUALQUER TENTATIVA DE ERRADICAÇÃO DO SOFRIMENTO.
- A experiência da dor e a luta pela libertação não podem aceitar essa difamação
pseudo-religiosa da ação responsável, e por isso procuram uma nova interpretação da morte
na cruz, uma perspectiva que não provoque “exclusões”.

- Em tal transposição de acentos:


- um agir salvífico que gira não mais em torno da morte, mas da vida e da práxis vital
de Jesus – será preciso precaver-se para não deixar no esquecimento o significado radical da
experiência e paixão e morte, como antes se descurava o sentido da vida.

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2. Práxis escatológica e messiânica de Jesus.

Embora a grande tradição tenha sempre conservado a lembrança dos mistérios da vida
de Jesus, os manuais de dogmática não os captaram no amplo arco que vai da encarnação à
morte na cruz.
Sempre se falou dos milagres de Jesus, das suas tentações e preces (muito raramente
das suas tentações e preces), porém, sobretudo como provas – isoladas do contexto concreto –
da sua dignidade e poder humano-divinos, e menos como gestos extremamente concretos a
serem interpretados em seu caráter de aproximação amável e libertadora de Deus em Jesus
Cristo, de realização ativa dos seus propósitos de redenção, como sinais do reino de Deus que
está por vir.
O mistério messiânico da pessoa de Jesus não é tematicamente manifesto como tal,
mas se torna pelo fato de que Jesus anuncia com plena autoridade e realiza no presente
(através de sinais) o senhorio escatológico de Deus que vem. E é precisamente nesses sinais
que ele se revela no seu ministério messiânico e cristológico.
Desta maneira se invertem também as posições da soteriologia tradicional: esta ilustrava a
ação redentora de Jesus após ter ilustrado sua natureza e pessoa humano-divino; agora é a
ação escatológica da salvação que nos revela a pessoa de Jesus. O dado cristológico não é
mais pressuposto, ele está implicado na soteriologia e prática de Jesus.

a) A vida de Jesus não é apenas o prelúdio da sua paixão.

O resultado efetivo da vida de Jesus influenciou de tal modo a tradição que levou à
progressiva reinterpretação de outras categorias mais positivas. Um aceno nesse sentido nos
vem da própria tradição dos evangelhos, que insere em muitas falas e fatos da vida de Jesus
um tom dramático e conflitivo não existentes originalmente. “Histórias de paixão com longa
introdução”: era um princípio que inspirava não apenas a obra redacional da tradição de Jesus,
mas também a perspectiva cristológica e soteriológica dentro da qual se captava a vida de
Jesus.
- Devemos, ao invés, descobrir os atos vitais que Jesus realizou, despojando-os de suas
incrustações, mas não os interpretando logo à luz da morte nem sacrificando o significado que
deriva de uma situação imanente à vida histórica. Em tal interpretação, as diversas e simples
unidades da tradição de Jesus mantêm a própria autonomia pré-redacional, não são inseridas
ainda num quadro que (como nos sinóticos) nos delineia o conjunto da vida de Jesus. Desse
modo, desenvolveremos também uma nova interpretação soteriológica.

b) Práxis vital dentro do horizonte do senhorio de Deus.

Ilustrar a história-pascal de Jesus, prescindindo do repúdio final e do fracasso exterior


da cruz, permite-nos também fazer ver essa sua atividade em sua luz própria, sem que isso se
comprometa a continuidade e a identidade de Jesus, em sua vocação.
- O senhorio do Deus que a nós se dirige na sua graça e nos interpela condensa-se nos
diversos apelos, gestos e sinais de Jesus: é aí que o senhorio divino chega aos homens e é aí
que ressoa o anúncio da boa nova e o apelo à conversão.
- As promessas e testemunhos de salvação assumem sua configuração linguísticas nas
parábolas, na vocação dos discípulos, nas disputas com os fariseus;
- tornam-se extremamente concretas nas curas, na expulsão dos demônios, no convívio
com os publicanos e pecadores, nas promessas de perdão e nas ameaças do julgamento.
 Ao captar essas situações – ou essa práxis de vida historicamente situada -, podemos
também perceber um traço típico dessa salvação há muito há muito tempo esquecido.
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 Ao invés de uma atitude dominada pelo sofrimento e de um apelo à sequela da cruz,
agora emerge com todo o seu peso a realização ativa da salvação humano-integral, da
cura espiritual e corpórea, da remissão dos pecados, e a cura dos doentes, da cegueira
dos olhos e do coração na fé, da impureza interior e da segregação/discriminação
social.
 Mas é, sobretudo, a expulsão dos demônios que mostra claramente o caráter teo-lógico
(ou melhor, escatológico) desse modo de operar: aos antigos sinais do domínio
escravizante de Satanás agora se opõem os novos sinais do senhorio libertador de
Deus.
 A diferença e a distância entre os sinais, que realmente antecipam a realidade futura, e
o senhorio assim entendido permanecem sempre possíveis; aliás, está justamente aí o
motivo da tensão temporal e histórico-salvífica que acompanha a práxis vital de Jesus.
 As palavras de Jesus, tal como foram proferidas, impõem a distinção entre senhorio
divino presente e o futuro, mas não nos permitem nenhuma separação.
 A atuação teo-lógica e escato-lógica não pode ser considerada independente das
demais e menos ainda como gestos isolados de afirmação de poder. Trata-se sempre de
atualizações concretas de um evento mais amplo, que irrompe com a práxis vital de
Jesus: o evento do senhorio de Deus. O horizonte dentro do qual move-se Jesus é
constituído, mais que pela própria pessoa, por Deus Pai, que ela anuncia e leva aos
homens. E só no pano de fundo dessa sua autoridade e dessa origem da sua vocação se
delineiam, numa luz significativa também para ele, a pessoa e o mistério de Jesus.
 É necessário que se evidencie uma figura do agir salvífico de Jesus, que a tradição
cristã descurou; não nos encontramos somente diante do sofrimento, do caráter
negativo da doença, da falta de liberdade e da morte, MAS TAMBÉM DA
SUPERAÇÃO ATIVA DESSE SOFRIMENTO HUMANO-INTEGRAL E
INDIVISÍVEL, NA CURA, NO PERDÃO DOS PECADOS E NA CAÇA AOS
DEMÔNIOS.
 UMA FÉ E UMA PRÁXIS VITAL DE FÉ QUE QUEIRAM ATUALIZAR A
SALVAÇÃO DO HOMEM TODO E QUE DESEJEM (PORQUE PODEM)
CONCRETIZÁ-LA COM TODA URGÊNCIA TAMBÉM NO CONTEXTO
PRESENTE, ENTENDERAM COM CLAREZA O SIGNIFICADO DESSA
REALIZAÇÃO SALVÍFICA QUE JESUS ANTECIPOU COM SUA PRÁXIS DE
VIDA.

c) Jesus como pessoa messiânica.

Nesse horizonte tão intensamente escatológico e no cumprimento da sua missão, Jesus


adquire o valor assumido pela sua atividade e sua pessoa:
“quem é esse que, no seu modo de agir e de pregar, inaugura o senhorio
escatológico daquele Deus que nos concede a graça e pretende de nós uma
resposta, esse Jesus que às vezes desvia nossa atenção dele próprio para
remetê-la a Deus e, outras vezes, equipara de um inédito a própria atividade
à atividade de Deus?” Pergunta o autor.
A resposta não pode ser encontrada na antítese simplista entre mistério de Cristo “vertical”
e libertação “horizontal” porque não é capaz de captar a unidade dessas dimensões. Mas numa
cristologia dogmática-libertadora ancorada na pessoa e na práxis de Jesus Cristo.

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d) Paixão latente e manifesta.

O nexo entre vida e morte de Jesus torna-se também uma consequência lógica de um
certo itinerário histórico: falando e agindo (com máxima autoridade) a serviço da salvação
que se realiza no presente. Jesus revela o mistério que envolve a sua pessoa realizando a sua
atividade de salvação, e, portanto a rejeição e a crucificação final dirigem-se a ambas: à sua
obra e à sua pessoa.
Esse motivo unitário permite e exige que a partir da práxis ativa de Jesus se
compreenda também a paixão e morte na cruz de maneira diferente da então doutrina da
satisfação não comprometida com a história.
Para os adversários de Jesus, como para Jesus mesmo, o motivo da morte na cruz não
podia ser outro senão a práxis desenvolvida à luz do anúncio e ativamente concretizada na
cura dos homens: o motivo, antes latente, agora se torna manifesto.

3. Caráter político do agir de Jesus.

Para compreender o caráter político do agir de Jesus, não se deveria esquecer,


conforme o autor, que uma melhor percepção da dimensão política da ação e do pensamento
cristão não pode se referir apenas às complexas implicações de ordem estrutural que hoje
acompanham o testemunho de salvação, mas também à revelação e à atividade salvífica
originária de Jesus.
Nesse nível emerge claramente o caráter político do agir de Jesus quando há clara
distinção entre injustiça humana e injustiça estrutural, e mais positivamente entre caridade
benévola e estruturas capazes de garantir condições mais dignas para as pessoas. E, como
mediar, pergunta o autor, o testemunho bíblico da pregação e da atividade salvífica de Jesus –
na sua simplicidade não ainda aprofundada e menos ainda articulada no plano político – com
as complexas análises e estratégias políticas que constituem a moldura dentro da qual se
desenvolve o ministério cristão da salvação?

a) A diferença hermenêutica: salvação “política” no NT?

Indubitavelmente não são permitidas analogias e traduções apressadas para


compreender esta interrogação. Os planos de reflexão e os estágios de consciência política são
diferentes. Muito diferentes também foram as possibilidades político-operativas dos
indivíduos e dos grupos sociais da Palestina, no tempo de Jesus, estruturada de modo
verticalista e submissa ao império romano. Além disso, incluía-se a expectativa escatológica
iminente que influenciava o agir da primeira comunidade cristã que não permitia
planejamentos e objetivos a longo prazo.
É apressada também a afirmação de que Jesus não teria pensado no problema político,
não teria criticado a situação existente nem tentado modificá-la, preferindo dirigir-se aos
indivíduos e visado às meras relações sociais primárias com o próximo. Aí erroneamente se
pensa que a dimensão política começaria para além e fora das meras relações sociais
primárias e, que a dimensão política e o caráter político da vida individual e do seu modo de
agir não se acrescentam a partir do exterior, como um anel circular somando-se a outros anéis
que internamente envolvem o indivíduo e as suas relações primárias. Afirma o autor que
também essa esfera tão íntima, está entrelaçada sempre com a realidade política, que
determina ou que por ela é determinada.
Além disso: “a presença ou ausência de precisos conceitos políticos nada diz ainda
sobre o efetivo caráter político da existência, da história e do agir de Jesus; prescindir dessa
dimensão significa também uma redução e perda de realidade. É o que aparece claramente

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quando se compreende a colocação política efetiva de Jesus, dos seus discípulos e da primeira
comunidade cristã, recorrendo-se a outros conceitos, em geral mais concretos do que os que
hoje nos são oferecidos pelos conceitos gerais e abstratos da ética política dos tempos
modernos”.

b) O lugar político de Jesus.

Conforme o autor, a dissociação entre anúncio e práxis religiosa, de um lado, e


contexto político ou institucional, do outro, não nos permite captar a situação na qual Jesus se
move, com sua mensagem e sua atividade. E o contexto imediato – do qual não se pode
extirpar ou isolar nenhum comportamento – não é em primeiro lugar a formação política do
império romano, mas a realidade religiosa e socialmente complexa do povo israelita. É nesse
contexto que se enquadram os elementos diferenciados em nível institucional e, sobretudo, a
lei, o modo em que o povo se estrutura, seus reagrupamentos religiosos, étnicos e sociais, seu
relacionamento com os pagãos e com o império romano, a colocação de cada indivíduo numa
vida regulada pela lei, pelas relações em propriedade, pelos ordenamentos jurídicos etc.
Com ou sem objetivos políticos, todo o indivíduo – e Jesus, em primeiro lugar – move-se
no interior dessa rede, conformando-se ou opondo-se, aceitando o sistema ou criticando-o e
renovando-o. Não tem qualquer importância que essa colocação não seja aprofundada ou
explicitada por Jesus: ela está sempre presente em todas as situações da vida. Aliás, nem está
ao seu alcance definir se suas palavras e sua ação terão caráter político, pois sua pregação e
sua práxis serão de qualquer forma políticas: seriam políticas caso Jesus se inserisse no
contexto institucional e aceitasse os grupos, limitações e convenções da sociedade religiosa do
judaísmo, sem necessidade de proferir qualquer julgamento político;
 com maior razão seriam políticas também se Jesus se dirigisse aos indivíduos ou aos
grupos e os provocasse de maneira tal que sua posição e dos seus interlocutores
resultassem antitéticas às relações já existentes.
 Certas afirmações éticas de Jesus ou certos apelos individuais – por exemplo, em
relação à propriedade e à pobreza, ao casamento e ao celibato, à pureza e observância
da lei, a sua superação da discriminação de certos grupos e a proposta de uma
comunidade que não conheça limites, a relativização da autoridade imperial diante do
senhorio divino, da crítica às hierarquias religiosas judaicas etc. – tudo isso, de um
modo ou de outro, exprime sempre comportamentos políticos e não poderá ser
reduzido a uma esfera privada apolítica ou a meras relações primárias inter-humanas.
De resto, sequer essas tentativas de delimitação podem prescindir do enquadramento
político.
 Não basta ilustrar os sinais de Jesus e as situações em que se desenvolve o seu
anúncio, levando em consideração sua dimensão religiosa ou ético-individual.
 Esses sinais e situações só poderão ser retamente compreendidos quando se
evidenciarem também as estruturas políticas em que se desenvolvem e as
modificações e inovações políticas que se originam em cada ato salvífico de Jesus:
nas curas de doentes que vivem segregados, na comunhão que ele estabelece com
publicanos e pecadores discriminados, no modo de tratar a mulher, especialmente a
pecadora, na maneira como ele prescinde da lei ou mesmo a transgride, no modo
como instaura uma nova relação entre os discípulos, com os estrangeiros que vivem
em Israel etc. São situações que não implicam toda vez, uma interpretação política
“moderna”, mas que se impõem como tais no contexto religioso e como tais são
também reconhecidas no contexto social.
 Os diversos sinais transcendem sempre o caso específico, se afirmam na linha de
princípio, estabelecem de modo paradigmático um novo direito e situam os elementos

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de uma nova sociedade, de maneira prática e concreta. É uma contestação de fundo à
velha ordem e de proposta de uma nova.
 Dado que tais gestos significativos provocam e coagulam também o dissenso em
relação a Jesus, e dado que a perseverança demonstrada por ele em seguir esse
caminho o levará à cruz, devemos estender a mesma dimensão política também à
interpretação da morte na cruz, intimamente ligada à práxis de vida de Jesus.

4. A morte na cruz como radicalização da práxis de vida de Jesus.

A tradicional teologia da cruz possuía um ponto frágil, que consistia na profunda


separação entre a motivação e interpretação teológicas e o processo e drama da vida
histórica de Jesus. Procurava-se explicar sua morte com motivos desconexos entre a práxis de
vida de Jesus (obediência de Jesus, sua disponibilidade para o sacrifício e sua representação
expiadora), desconsiderando uma conciliação entre o evento da morte e a história e a práxis
da vida de Cristo.
Assim não era possível sanar tal disjunção, salvaguardando o significado da cruz em
eu caráter de evento conclusivo, e estabelecer uma dramática continuidade entre vida e morte;
captando o motivo permanente e teologicamente mais profundo do que aquele que se conclui
na temática religiosa da doutrina da satisfação.
Como sanar o hiato entre processo histórico da crucificação e motivação teológica de
Deus e de Jesus, a partir dessa perspectiva, e o corte que ela propunha entre a vida terrena e a
glória da ressurreição, considerando a práxis de vida e o sentido de morte? Ademais, como
ligar entre si as diversas atitudes de Jesus, aquela que o leva a se aproximar dos homens
sofredores (curá-los) e aquela em que ele aceita a morte e, na obediência da fé, entregar-se a
seu Pai?
Superando a vulnerabilidade da teologia tradicional, a nova interpretação da teologia
da cruz se encontra em condição de motivar com plausibilidade uma conexão entre a
experiência do sofrimento e as tentativas de libertação do ser humano hodierno, com motivos
inspirados na vida e morte de Jesus.

a) A paixão como consequência do modo de vida de Jesus.

Tais elementos teológicos brotam da práxis vicária de Jesus, observados na sua


pregação e nas curas-sinal, captadas no horizonte teo-lógico e teo-nomo do senhorio de
Deus, segundo as diversas fases de um confronto cada vez mais acentuado. A oposição ao
modo de agir e pregar de Jesus pode ser teologicamente explicada com a lei do sábado, do
culto do templo, da pureza e impureza..., ainda válida.
A essa vontade divina transmitida por Jesus opõe não um modo de ação novo e
arbitrário, mas uma autoridade ainda mais originária e escatológica, em nome daquele
senhorio divino que se afirmará e que ele próprio traz ao mundo.
A presumida vontade divina que se exprime na lei é contra o homem, ao passo que a
nova vontade divina que se exprime no senhorio de Deus é a favor do homem; enquanto a lei
ergue obstáculos entre os grupos humanos, o senhorio divino abrange a todos no mesmo
direito e une a todos na mesma salvação iminente.
Cresce a hostilidade e torna agudo o contraste entre as duas tendências: Jesus, mesmo
contestado e rejeitado no seu modo de agir e pregar (em nome da lei), continua percorrendo
sua estrada e enfrenta o risco (sempre mais tangível) de sucumbir à violência. Na verdade, ele
pretende apenas realizar a vontade divina e levar aos homens, com a autoridade que lhe vem
do senhorio do reino, aquele Deus que com amor a nós se dirige.

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Persistir nessa direção significa manter-se obediente a Deus e garantir o seu amor
pelos seres humanos. Ele não muda seus sentimentos nem quando se aproxima a sombra da
cruz: Jesus é crucificado (passio) justamente por esse modo persistente de pensar e agir, que
constitui também o motivo da sua aceitação (actio) da morte na cruz.
O que justifica sua ação de vida é radicalmente afirmado também na paixão e morte.
E esse é o conteúdo do seu livre morrer, como vice-versa, sua morte na cruz exprime um
modo de sentir e de viver que não conhece cessões.
De fato, Jesus morre pelo mesmo motivo pelo qual viveu.
A partir dessa compreensão elimina-se o equívoco de que a cruz permitiria, ou antes,
imporia aos seres humanos de suportar passivamente o sofrimento. Ela é, no entanto, o sinal
de um novo significado a ser assumido pela paixão. Igualmente, essa cruz não pode justificar
nossa inatividade atual, em favor de uma redenção futura, pois Jesus foi crucificado
justamente por sua ativa “impaciência”, visto ter querido eliminar hoje (no dia de sábado e
não nos outros dias da semana) o sofrimento que poderia ser eliminado amanhã.

b) Um novo modo de interpretar a “obediência” e o “amor”.

A práxis vital de Jesus – considerando o testemunho sinótico – deverá ser enquadrada


no contexto teológico do senhorio divino, da vocação messiânica e filial, da autoridade
conferida a Jesus. Dissociar a atividade curativa e libertadora de Jesus desse horizonte
cristológico e escatológico, significaria sacrificar uma dimensão fundamental da soteriologia
e cristologia evangélicas.

Essa atividade salvífica de Jesus deve ser buscada na vontade divina que agora se
afirma no mundo com o reino de Deus e diante da qual Ele se situa e vive, no espírito da sua
vocação e em obediência. “Obediência” (ob-audire), aqui, não tem o significado de atitude
passiva, tampouco é uma categoria predominantemente cultual, mas deduz (tirar) seu
conteúdo do modo de agir de Jesus, o qual se insere no movimento desse amor divino, que lhe
permite atingir todos os seres humanos com seu poder salvífico. Infere-se disso, que a
atividade de Jesus brota “do amor” e se “destina a todos os humanos”.
Faz-se azado – aliás, imprescindível – que as interpretações abreviadas do Novo
Testamento e da Tradição fossem analisadas considerando seu contexto originário, e que seu
perigoso vazio de significado fosse preenchido com a situação salvífica concreta.
E isso tem valor não só para as situações individuais e perceptíveis sob o signo da
salvação e da não-salvação. Ora, se também a situação neotestamentária está, amiúde,
impregnada de políticas, devemos estender a esse contexto também os sentimentos de Jesus
em relação à vida e à morte. Curiosamente é nos conflitos que se vê que o modo
aparentemente privado e apolítico de Jesus se aproximar dos homens e dá origem a uma
oposição nada “privada”, por parte da instituição da “lei”. Porém, se é nos conflitos – que
depois alcançam seu ápice na morte de cruz e na disponibilidade de Jesus de aceitá-la –
devemos também convir que o motivo da obediência e do amor transcende sempre essas
complexas dimensões. A própria teologia neotestamentária da cruz, e não apenas a análise
sociológica moderna, enquadra-se num contexto político.

5. A morte de Jesus como solidariedade e representação.

Os novos modos de interpretar a ação e a paixão redentivas de Jesus Cristo não


eliminam as categorias tradicionais, contudo as submetem a uma nova reinterpretação à luz da
nossa experiência de sofrimento e expectativa de salvação, da nossa práxis de redenção e

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libertação2. A esse respeito um horizonte histórico e humano mais amplo, assume um papel
importante, porque é o único capaz de garantir, de maneira sempre renovada, a necessária
coextensão entre fé e experiência do mundo. Porém, o que significaria “solidariedade” e
“representação”?

a) Solidariedade mitológica e representação religiosa.

Tem-se em mente que a tradição teológica, procurava desenvolver suas categorias de


solidariedade e representação, mas não dispunha de uma figura empiricamente delineada de
“humanidade” e “história do gênero humano”. Com isso perdeu-se de vista os confins do
mundo e do tempo para adentrar-se em espaços invisíveis, num mundo inexplorado, num
passado e num futuro ignotos.
Sem abrir mão do universalismo latente que a fé em Cristo requer, procurou-se dilatar
o evento da salvação em Jesus visando compreender todos os homens e a história integral,
afirmando-os “como que em bloco”, sem ver ou prever todas as zonas de aplicação.
Afirmava-se a validade universal do evento central de Cristo apoiando-se em conceitos
e indicações, tais como sociouniversal, porém recorrendo-se a imagens e símbolos
mitológicos e a nomes presentes na teologia bíblica da história: o evento Cristo, embora
particular no plano histórico, no interior desse “jogo linguístico”, podia ser afirmado na sua
validade universal.
Não obstante, reconhece-se que essa linguagem mitológica representava, naquele
tempo, a única possibilidade de ir além da história individual e atomizada de infelicidade e de
salvação para se chegar a uma solidariedade e representação em relação a todo o gênero
humano.
Nesse modelo, “representação”, significa que Jesus Cristo, como membro do primeiro
gênero adamítico, está inserido nessa trama de relações solidárias como aquele que vive uma
vida na presença de Deus e voltada para os humanos: obediência e sacrifício representativos
perderiam todo valor caso não se inserissem nessa rede que faz a solidariedade humana.
Portanto, se se prescinde dessa base inicial, nada poder-se-ia fazer senão afirmar uma
aplicação jurídica da obediência de um Homem a todos os outros homens que vivem na
desobediência, ou seja, reconhecer que se trata de uma realidade meramente arbitrária e
extrínseca.

b) Solidariedade integral no sofrimento.

Os grandes símbolos da tradição bíblica – deverão, nas diferentes épocas, ser


analisados tendo-se por base a nova e diferente realidade da convivência humana e por esta
enriquecidos e completados. É o que se verificou nos últimos anos na relação entre a paixão
de Cristo e a história da humanidade. Experiências dolorosas de sofrimentos, feitas por
grupos, povos etc., parecem não apenas justificar, mas também exigir semelhante aplicação,
por exemplo:
 o “holocausto” do povo hebreu no Estado nazista e a pouca solidariedade da
cristandade europeia;
 a opressão exercida sobre povos economicamente frágeis;
 as atrocidades dos regimes ditatoriais da América Latina ou da órbita
comunista.
Além dos teólogos, os artistas quiseram exprimir essa solidariedade e identificação do
Cristo sofredor com o sofrimento dos homens, como quando Chagall situa o Crucificado nas

2
Cf. Massimo GRILLI. Croce e discepolato in Marco (Apostila). Roma: PUG, 2004-2005.
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gerações do povo hebreu. A história da arte mostra claramente o nexo existente entre a
imagem da paixão e as experiências de sofrimento dos cristãos.
As novas categorias utilizadas para exprimir a salvação e a desventura humana levam
em conta essa solidariedade. Como a paixão de Jesus não é produzida e sofrida apenas como
paixão individual ou ato moral isolado, mas vista sempre no interior dos conflitos estruturais
e institucionais do tempo, mutatis mutandi, aqueles que hoje sofrem não são mais
considerados simplesmente como destinos individuais, nem só como vítimas da injustiça de
um sistema econômico, social ou militar. A “teologia política” possibilita hoje, uma melhor
compreensão de figuras mitológicas tradicionais: da escravidão, da morte, da sujeição às
potências demoníacas etc., que espelham a complexidade do mal, do sofrimento e da culpa
muito melhor do que uma redução de tipo individualista e demitizante.
Mister se faz uma teologia da cruz hodierna diferente daquela que alhures se
propunha uma solidariedade passiva no sofrimento. A tentativa de debelar o sofrimento dos
oprimidos repropôs e favoreceu uma espiritualidade centrada na cruz em que o Crucificado
não é somente aquele que sofreu e que devia sucumbir à violência.
A solidariedade proposta hoje é uma solidariedade na experiência da paixão e no
esforço incessante para identificar as causas do sofrimento e vencê-las, para desmascarar as
estruturas injustas e eliminá-las: nessa solidariedade dilatada, hoje, sob “o sinal-da-cruz”,
não apenas se sofre, mas também se luta contra a dor.
Com certa clareza também a dimensão religiosa é mais tematizada, mesmo quando a
paixão de Cristo e a dos homens não são postas em explícita relação com Deus. Nem sempre
é possível que essa relação com Deus tenha a mesma clareza que tem nas categorias
encontradas na tradição (Filho de Deus, doação sacrifical a Deus etc.). Pode expressar-se
também no fato de que Deus se identifica com o Cristo crucificado e com os homens
sofredores, no fato de que ele se apropria da causa destes, que não se esquece deles, não os
abandona às potências arbitrárias da história.
Outrossim, uma solidariedade concreta que se manifesta no fato de que a opção pelos
pobres, pelos oprimidos e pelas vítimas, não exclui os opressores e exploradores. Porém,
significa que a responsabilidade e o dever de eliminar as injustiças estruturais, não se limita a
um discurso de reconciliação, de culpa generalizada e da necessidade de perdoar
simplesmente, mas que ao se referir à paixão de Cristo não se pode olvidar da abertura que
ela demonstra em relação aos pecadores e opressores.
Contudo essa atitude exige uma grande coragem política, uma enorme paciência,
como muitas vezes se viu, ultimamente, nos variegados contextos políticos, quando
movimentos que lutaram pela liberdade e pela independência empenharam-se na busca de
acordo e reconciliação, após ter vencido e derrotado a ordem anterior baseada na injustiça
(cf. Nelson Mandela: apartheid etc.).

c) Memória da paixão.

A teologia – seguindo veredas excêntricas – aproxima-se da teologia da cruz, de uma


nova compreensão da cruz de Cristo, do cristão e de sua práxis de fé. Não muito distante, a
teologia pela sua estaticidade aistórica, se inseria no fluxo de um dinamismo eufórico que se
projetava para o futuro, que parecia garantido pela conjuntura do progresso técnico e do
crescimento econômico. Visava-se nessa fase delinear diversos projetos que tendiam a
conciliar o desenvolvimento da história profana e da sociedade com as energias presentes na
esperança cristã. Um exemplo clássico disso é o de Teilhard de Chardin.
Também as novas impostações escatológicas, que nas variegadas formas de “teologia
da esperança” servem para ancorar uma doutrina dos novíssimos desligada do mundo e
projetada para o além, para a experiência e responsabilidade humanas no futuro.

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A correção teológica da teologia pascal da esperança com a temática da cruz se fazia
necessária. Surgiram-se, no interior da sociedade secularizada, vozes discordantes do
otimismo quanto ao futuro, vaticinando seu fim.
A permanente negatividade da vida humana, da culpa, do fracasso e da morte,
impunha que esse imenso arco projetado para o futuro fosse corrigido. Para desenvolver essa
obra chegou-se a uma nova teologia da cruz, que agora delineava não somente a figura da
cruz de Cristo, mas a de cada ser humano, como sinal de seus fracassos, impotências etc.
No campo cristológico a teologia da ressurreição e da esperança não mais prescindiu
da cruz de Jesus, de sua morte e da conclusão de seu itinerário de vida. Também a história da
humanidade deverá ser escrita com a mais amplitude de seu alcance, e não a apenas
considerando seus sucessos e vitórias.
A memória da paixão e do sofrimento de Cristo na cruz, como os sofrimentos de
tantos homens e grupos desconhecidos solidificam-se na memória litúrgica da morte e
ressurreição, do sofrimento e de glória. Com efeito, a paixão de Cristo assume seu caráter de
representação, eleva-se como protesto contra o sofrimento de todos os que não participam do
progresso, ou que sucumbem na tentativa de melhorar o mundo e a sociedade (ou a Igreja).
Somente considerando essas histórias desconhecidas – ainda não narradas – é que se
contará corretamente a história da paixão de Cristo e a memória litúrgica deixará de ser um
vazio ritual.
Desta sorte, a fé e a esperança cristãs mantém vivas as expectativas, os direitos e
anseios dos seres humanos, em relação a todos os que almejam ser responsáveis pela história
passada e que pretendem construir a futura.
Não se pode extrair simplesmente, o espinho do sofrimento passado, devendo ficar
plantado na carne de uma sociedade aberta ao progresso e no triunfo dos vencedores; se
necessário for, ele deve penetrar ainda mais profundamente. Ademais, até onde chega essa
memória universal dos sofrimentos deve-se estender também o testemunho que nasce da
promessa pascal, visto que essa esperança liberta o cristão e lhe impõe o dever de manter vivo
e visível esse sofrimento, nas suas articulações. Aqui se manifesta uma realidade carregada de
símbolos tradicionais, da solidariedade, representação e memória.

d) A história de paixão de Deus.

Constatou-se que nem sempre se conseguiu – na soteriologia e na cristologia


tradicionais – preservar integralmente, a experiência da paixão da diluição docetista.
A impostação cristológica dominante – a da união hipostática e a da doutrina das duas
naturezas – influiu decisivamente sobre as teses da dogmática tradicional. O que para Jesus
significava viver e sofrer não resultava caracterizado pela história concreta de sua vida e
paixão. Ao considerar o patrimônio da tradição e reflexão sobre o sofrimento, amiúde referido
à natureza humana, circundado pelo esplendor divino que privilegiou Jesus – inclusive
durante seu sofrimento e morte – obscurecia sua solidariedade com os humanos que sofrem e
morrem.
Com efeito, a preocupação dogmática de garantir uma fé cristológica correta (a
divindade de Cristo) explicitou-se numa heresia soteriológica, ao passo que a reconhecida
proeminência de uma cristologia ontológica em relação à soteriologia esquecia-se que o
dogma cristológico fora formulado com intenções soteriológicas. Era evidente, mas
olvidava-se que a natureza humana, compreendida em toda a sua verdade, implicava também
a assunção da história de vida e de sofrimento. De fato, só é redimido o que é assumido, e
vice-versa.
As atenuações derivadas da doutrina da divindade de Cristo são explicadas com um
outro motivo: a interpretar a divindade e a natureza divina, permanece firme a figura de um

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Deus que concretamente se manifestou em Jesus, na sua vulnerabilidade e paixão (cf. AT), em
que porém a imagem bíblica de Deus assume progressivamente traços típicos da teodicéia
estóica, de um Deus protótipo do homem sábio e maduro, que permanece imutável,
impassível (a “apatia”) diante de todos os movimentos e transformações verificadas na esfera
do modo humano de sentir.
Longamente essa transposição de um Deus indiferente para a doutrina dogmática da
união hipostática da natureza humana e natureza divina em Jesus condicionará também o
modo de interpretar a paixão de Cristo. Entretanto, a passagem de uma teodicéia bem precisa
para uma cristologia e soteriologia apenas toleradas só em parte permitiu certas correções que
o testemunho bíblico concreto está em condição de sustentar, dada a presença constante do
filtro dos preconceitos religiosos, teológicos e filosóficos.
As vetustas posições viram-se superadas à medida que se acentuava a distância da
teologia recente da tradição dogmática. Via-se a impossibilidade de mascarar as consquências
derivadas para uma efetiva solidariedade de Jesus com os seres humanos, interpretada pela
piedosa atenuação do sofrimento em Cristo e em Deus. Veio a lume o risco de considerar a
paixão de Jesus apenas como fato externo, escondendo sua profunda incomunicabilidade
interior com os humanos. O mais importante é que também muda-se a ordem de reflexão: não
é apenas um determinado conceito de Deus que determinará o que se deve manter do
testemunho bíblico sobre a paixão; mas a imagem do Deus cristão e a teodicéia cristã deverão
tomar como ponto de partida o modo como Jesus conheceu sua paixão. E igualmente, não é a
natureza divina que determina o grau de solidariedade humana de Jesus, mas é Deus mesmo a
nos impor um novo modo de pensar e de sofrer, um Deus agora entendido como o Deus da
paixão de Jesus e como o Deus na paixão do Filho.
Assim, os teólogos (católicos e protestantes) ao refletir sobre a realidade da cruz,
ultrapassam a antiga soleira da “apatia” de Deus. Eles O veem decididamente envolvido no
sofrimento de Cristo e, portanto, mais próximo dos homens que sofrem.
Consequentemente, as teologias da cruz e trinitária superam e transpõem o rígido
mutismo em que se encontravam e se abrem uma para a outra. O amor intradivino de Deus
pelo Filho eterno desce até o degrau final da humilhação da morte, numa alienação que
envolve Deus mesmo: Nele é preenchida a distância que d’Ele nos separa, na morte.
Várias tensões são superadas, referentes à analogia que reconhecia entre perfeição
divina e humana. Não somente onde subsiste uma semelhança entre realidades finita e
infinita, mas também onde não se reconhece qualquer aproximação desse tipo, mesmo aí
pode-se esperar no “Deus crucificado” (Jürgen Moltmann), que não pode permanecer
aprisionado.
Essa é a única figura de Deus capaz de sobrepor-se às negações da história da
humanidade de vencê-las.
Fica claro, que “theologia crucis” – mesmo que “mitigada”, se comparada à teologia
dialética de Karl Barth – conserva sua própria legitimação e encontra uma nova e concreta
confirmação quando reflete sobre o tema “Deus”. Então, a teodicéia teológica principia a se
tornar cristã.

6. A ressurreição de Jesus como antecipação atual da vitória sobre a morte.

A analogia entre história da paixão vivida conscientemente pelos seres humanos e a


cruz de Cristo provocou também um deslocamento de ênfase na reflexão teológica sem a
perca da relevância própria da ressurreição. É esta que projeta a própria luz sobre a história de
vida e paixão de Jesus e a única a garantir o definitivo valor teológico e soteriológico de Jesus
Cristo. Está também em condição de oferecer a essa práxis de vida mais dilatada – que a cruz
e a morte pareciam ter tornado impotente diante do mundo e das forças da história – uma

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configuração da parte de Deus. A reabilitação do Crucificado dilata-se até onde se estende
a sua própria atividade, até assumir um significado não mais exclusivamente privado ou
religioso, mas também mundano, histórico e político.
Na soteriologia pascal se põe em forte evidência o momento negativo do começo: só
uma soteriologia fundada na ressurreição está em condições de conservar, tanto em
Jesus como no homem, o ponto negativo do começo, de conservar a própria
credibilidade e de manter-se aberta ao futuro.
Analogamente a outras situações da vida de Jesus, abertas à “soteria” do mundo,
também a ressurreição é interpretada não apenas como evento cristologicamente
significativo, mas inserida nas aplicações e efeitos dinâmicos e práticos.

“Esse evento de ressurreição só chega à sua realidade mais verdadeira no anúncio


proferido e na redenção/libertação para toda a humanidade. É o que já se
observa no anúncio pascal neotestamentário, do qual nascem a pregação
apostólica, o modo de viver da comunidade, a nova conduta do indivíduo e a
renovação da sociedade humana: a ressurreição de Jesus e a nossa só chegam à
meta numa vida de fé, num novo estilo de vida”.

O que o Novo Testamento exemplarmente afirma com as categorias de uma ética


individual ou de uma elementar ética social – motivadas com as energias desencadeadas pela
Páscoa – transfere-se agora para a mesma complexidade das organizações e estruturas de vida
próprias dos homens. Deve-se ter presente, aqui, sobretudo a imagem – só aparentemente
mitológica – da elevação de Cristo acima de todos os poderes e autoridades, e a sua
constituição como chefe da Igreja.
 Não chegaremos a captar o significado coletivo e estrutural dessa metáfora se a
referirmos apenas a um determinado círculo de crentes e à sua nova conduta de vida.
Esses “poderes e autoridades” sobre os quais o Ressuscitado e Glorificado domina não
são os seres que vivem entre o céu e a terra, mas as realidades intermediárias que as
categorias de caráter individualista ou sócioprimárias não conseguem compreender e
que, ao invés – com o mito das “potências seculares”-, encontram a sua expressão na
não-salvação estrutural, no domínio e escravidão da morte institucional.

Consequentemente, também o Ressuscitado e Glorificado agora exercerá o seu


domínio sobre o mundo dessas complexas relações de poder. E a sua autoridade constitui
também um pano de fundo que não justifica apenas o estilo de vida do indivíduo, mas
também a luta ético-política por relações mais justas e mais respeitosas entre os
humanos, por relações que se inspirem na paz e por condições de vida que favoreçam a
vida.
Renunciar a essas representações porque mitológicas e, pois inadequadas –
significaria limitar a dimensão política e cósmica do poder exercido pelo Ressuscitado. E
é justamente ela que abre para uma práxis de vida pascal todo o campo da realidade de
vida individual e estrutural.

ALGUMAS CONCLUSÕES:
As novas tentativas de aprofundar e interpretar a obra de redenção partem das
dimensões comuns e intimamente ligadas da fé, esperança e caridade.
As experiências humanas de salvação e de desgraça revestem toda a nossa realidade
psico-física e não permitem uma cisão dualista entre corpo e alma, e nem uma redução
unilateral à salvação física ou espiritual.

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Ao aprofundar esta realidade, a nova soteriologia acentua a dimensão social, que não
se acrescenta num segundo tempo às experiências e práxis individuais e
socioprimárias, mas que acompanha sempre a realidade humana.
Outra característica dessa soteriologia é o fato de que tanto na pessoa de Jesus como
no atual testemunho de salvação se insiste nas possibilidades intra-históricas de chegar
a um cumprimento escatológico e transcendente, sem que com isso se restrinja o
horizonte da salvação escatológica: o Reino de Deus permanece, também para Jesus,
sendo uma realidade que ainda espera a sua plenitude.
Neste tempo histórico somos chamados e responsabilizados em inserir e viver em
nossa própria vida de fé, de esperança e de caridade as atividades, a práxis e as
exortações ético-salvíficas de Jesus.
O que nos permite captar sempre e novos aspectos a redenção operada por Deus em
Jesus Cristo são as experiências de infelicidade e as expectativas e tentativas de
salvação que de vez em quando fazemos; mas é também verdade que o mistério da
redenção em Jesus Cristo critica e modifica essas nossas expectativas e tentativas
humanas.

É na atual práxis cristã de redenção que a redenção operada em Jesus Cristo se


torna fecunda, como é no mistério central da redenção que a práxis cristã de redenção se
revela na sua verdade e na sua origem: o evento da salvação à luz da experiência de
salvação, e a experiência de salvação à luz do evento da salvação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANSELME DE CANTORBÉRY. “Lettre sur l’Incarnation du Verbe”. “Pourquoi un


Dieu-Homme”. In. L’Oeuvre d’Anselme de Cantorbéry (Tome III). Introduction, traductions et
notes par Michel Corbin, s.j. et Alain Galonnier. Paris: Les Éditions du Cerf, 1988, p. 277-
473.
GRILLI, Massimo. Croce e discepolato in Marco (Apostila). Roma: PUG, 2004-2005.
NEUFELD, Karl (Org.). Problemas e perspectivas de Teologia Dogmática; tradução
José Maria de Almeida. São Paulo: Loyola, 1993, p. 141-160.

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