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QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: UMA QUESTÃO DE METAS?

LINO, Claudia de Souza1 - UERJ

MELO, Luciane Pelagio Costa de 2 - UERJ

BARROS, Raquel Silva 3 - UERJ

FOIS, Náira Fonseca 4 - UERJ

Grupo de Trabalho - Políticas Públicas, Avaliação e Gestão da Educação


Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

Este trabalho traz o relato de uma atividade realizada numa escola pública de ensino
fundamental da periferia urbana do Estado do Rio de Janeiro com foco nas discussões sobre a
qualidade da escola tão desejada, buscada e constantemente passível de aferição por
instrumentos avaliativos em confronto com a real qualidade na escola, observável por seus
atores, vivida concretamente no cotidiano, por meio de transações, de acordo com os estudos
de Bondioli. A atividade faz parte de uma investigação de cunho qualitativo com uma
metodologia que considera o cotidiano escolar como contexto que imprime aspectos de
contradição, de acomodação, de resistência, de reinvenção e ressignificação dos fazeres da
escola. A partir desta experiência, por meio da interpretação das pistas, dos sinais, no caminho
do paradigma indiciário proposto por Ginzburg, foi possível perceber os sentidos de qualidade
que professores e equipe pedagógica atribuem à escola, mormente, desprezados na concepção
que vem se criando de uma escola de qualidade. Traz a contribuições de autores que têm
realizado estudos no sentido de compreender a qualidade da educação com base em uma
perspectiva polissêmica, onde a concepção de mundo, sociedade e de educação evidencia e
define os elementos que seriam avaliados em sua natureza, atributos e finalidades, tudo dentro
de um processo mais amplo de qualidade social, do qual o processo educativo é apenas parte.

1
Especialista em Gestão de Escola Pública/UFRJ. Professora Especialista da Educação Básica na Rede
Municipal de Duque de Caxias/RJ. Aluna do PPG em Educação, Cultura e Comunicação da Faculdade de
Educação da Baixada Fluminense/UERJ. Email: c_lino@terra.com.br.
2
Especialista em Organização Curricular e Prática Docente na Educação Básica/UERJ. Professora da Educação
Básica na Rede Municipal e na Rede Estadual do Rio de Janeiro. Aluna do PPG em Educação, Cultura e
Comunicação da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense/UERJ. Email: lucipelagio@yahoo.com.br.
3
Especialista em Educação com Aplicação da Informática/UERJ. Professora da Educação Básica na Rede
Municipal de Mesquita/RJ e na Rede Municipal do Rio de Janeiro. Aluna do PPG em Educação, Cultura e
Comunicação da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense/UERJ. Email: rachelbarros@yahoo.com.br.
4
Professora da Educação Básica na Rede Municipal de Nova Iguaçu/RJ e na Rede Estadual do Rio de Janeiro.
Aluna do PPG em Educação, Cultura e Comunicação da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense/UERJ.
Email: nairafois@hotmail.com.
3416

Discute as concepções de qualidade que justificam as políticas públicas em educação da


atualidade que contemplam um modelo hegemônico de educação e não consideram os
desafios e a complexidade do cotidiano escolar. Preocupa-se com a intensificação da cultura
dos exames, que busca unificar os percursos, tempos e espaços escolares, exigindo padrões
mínimos de desempenho, pautados em critérios de excelência que não contemplam a
diversidade dos sujeitos, bem como os processos e as práticas educacionais cotidianas,
desprivilegiando a cultura escolar.

Palavras-chave: Concepções de qualidade. Indicadores de Qualidade. Cotidiano escolar.

Primeiras palavras: impressões sobre qualidade

A qualidade da escola tem sido ao longo dos tempos um assunto em permanente


discussão. Em nome desta qualidade, planos, programas e projetos estão sendo elaborados e
constituídos em forma de políticas públicas, com o objetivo de garantir tal qualidade.
Após um amplo diagnóstico da educação brasileira, realizado por todos os segmentos
da sociedade, através de encontros e conferências, o Plano Nacional de Educação (PNE) para
o decênio 2011-2020 foi elaborado e encontra-se em trâmite no Congresso Nacional até o
presente momento. Uma de suas premissas básicas é a de:

Garantia de padrão de qualidade em todas as instituições de ensino por meio do


domínio de saberes, habilidades e atitudes necessárias ao desenvolvimento do
cidadão, bem como da oferta dos insumos próprios a cada nível, etapa e modalidade
do ensino. (BRASIL, 2010)

Para a operacionalização do PNE, vinte metas foram fixadas e a estas se seguiram


estratégias, consideradas indispensáveis à concretização do plano. Metas concernentes à
universalização do ensino, permanência do aluno na escola, com progressiva ampliação da
jornada, de alfabetização de todas as crianças na “idade certa”, a saber, oito anos de idade, da
inclusão de todos os estudantes com necessidades educacionais especiais em classes
regulares, com a obrigatoriedade de oferta do Atendimento Educacional Especializado (AEE),
de alcance de índices educacionais nacionais, com vistas a melhor performance em
comparações internacionais foram criadas. E para alcance destas metas, entre outras,
reafirma-se no ideário dos “planejadores da educação” a necessidade de constituição de
políticas públicas para a educação brasileira.
Há um grande número de estudos que apontam o que seria possível realizar para a
melhoria da qualidade da educação. Daí a grande ênfase, nestes dias, na construção de
programas que venham a ter impactos decisivos sobre os resultados educacionais. Klein &
3417

Fontanive (2009, p. 27) discutem a construção de indicadores de qualidade da educação


brasileira, com a seguinte ênfase: “qualquer melhoria da qualidade dos sistemas escolares tem
que contemplar os dois aspectos simultaneamente: o aluno de aprender e passar de ano”. Em
meio a várias tabelas, dados impressionantes e recortes históricos sobre a educação brasileira,
os autores fazem alusão ao Movimento Todos Pela Educação5, que tem metas a serem
cumpridas até 2022 para que o Brasil assegure o direito a uma educação básica de qualidade
pra todos. Em seu site6, este movimento se define:

[...] uma instituição que atua como produtora de conhecimento, fomentadora e


mobilizadora [...] O Todos Pela Educação entende que o estado tem o dever
primordial de oferecer educação de qualidade a todas as crianças e jovens, mas
também a ação do poder público, sozinha, é insuficiente para resolver um problema
de tal envergadura e com um passivo histórico de tão grandes proporções.
(MOVIMENTO TODOS PELA EDUCAÇÃO, in BRASIL, 2007)

Parece simples, então, conquistar uma escola pública de qualidade, bastando um


esforço coletivo. O plano de metas deste movimento, inclusive, foi instituído pelo Decreto –
Lei 6.024, de 2007, como um plano político educacional brasileiro. Esta assunção, pelo
governo, pode indicar uma submissão a um setor da sociedade formado por empresas,
sugerindo, então, um caráter ideológico impresso numa visão mercadológica da educação.
A rede de parcerias com a iniciativa privada, fundações e organizações surgidas destas
relações mercadológicas, corroboram para que o poder público possa criar ações, projetos e
programas de modo a alavancar a qualidade nas escolas e, consequentemente, a qualidade da
educação brasileira. Seria ingênuo de nossa parte não perceber que a própria configuração do
movimento indica preceitos e concepções de qualidade bem próprios do movimento em si, do
que representam enquanto instituições na sociedade vigente.
Bondioli (2004, p.67), em seus estudos sobre qualidade, chama a atenção para este
movimento no cenário educacional quando, em nome da garantia da qualidade educativa,
ocorre a proliferação de projetos experimentais e a “progressiva entrada em cena de sujeitos
privados na gestão dos serviços”. Esta preocupação, aparentemente, exacerbada com a
qualidade da educação tem suscitado em nós algumas inquietações:

5
Movimento Todos pela Educação: movimento da sociedade civil brasileira, que congrega representantes de
diversos setores da sociedade comprometidos com uma Educação de qualidade. Suas ações são objetivadas
organizações mantenedoras e parceiras, como: Grupo Santander, Fundação Itaú Social, Gerdau, Instituto
Camargo Correa, Rede Globo, Instituto Ayrton Senna, Fundação Victor Civita, Microsoft, Fundação Santillana,
entre outras.
6
www.todospelaeducação.org.br
3418

A qualidade seria um fim em si mesmo? De que forma a cultura do exame tem


contribuído na produção de indicadores de qualidade da educação? Quais os sentidos de
qualidade compreendidos pelos sujeitos que integram a comunidade escolar? De que forma as
metas qualitativas instituídas pelas políticas públicas incidem sobre as concepções de
qualidade destes sujeitos? Ao invés de pensarmos na adoção de padrões de qualidade, nossa
discussão não deveria estar voltada pra definição de condições de qualidade?
Buscando, ainda que de forma preliminar, discutir algumas destas questões, este
trabalho traz como objetivos:
Investigar as concepções de qualidade que orientam a formulação de metas para a
educação nacional e o advento da cultura do exame, como principal indicador de
qualidade da educação.
Possibilitar a reflexão dos professores, a partir do desenvolvimento de uma atividade,
do que vem sendo perceptível como qualidade na escola.
Resgatar os estudos teóricos sobre qualidade numa perspectiva polissêmica e sua
importância na construção da qualidade pelos sujeitos que fazem o cotidiano escolar.
Inicialmente discutiremos a construção do conceito de qualidade a partir do cenário
educacional brasileiro e, imediatamente, sob o prisma do cotidiano escolar, a partir do relato
de uma atividade desenvolvida com os professores e equipe pedagógica de uma escola de
ensino fundamental.

A construção do conceito de qualidade: um olhar no cenário educativo

De acordo com Darling-Hammond e Ascher (apud DOURADO E OLIVEIRA, 2009),


na construção de um conceito de qualidade da educação há que se levar em conta dimensões e
fatores que não podem ser mensurados. Fatores como validade, credibilidade,
incorruptibilidade e comparabilidade permitem uma avaliação da escola em relação à própria
escola, sua constituição histórica, seu universo, suas práticas e potencialidades.
No mesmo texto, Dourado e Oliveira falam de critérios para a adoção de uma
concepção de escola de qualidade socialmente referenciada, onde as dimensões intra e
extraescolares sejam levadas em conta. Portanto, reafirma-se o papel do Estado que precisa
obrigatoriamente garantir os insumos, condições básicas para a assunção do direito à
educação, e outra dimensão, não menos importante, que leva em conta o lugar social onde a
escola está inserida.
3419

Muitos estudos têm sido realizados no sentido de compreender a qualidade da


educação com base em uma perspectiva polissêmica, onde a concepção de mundo, sociedade
e de educação evidencia e define os elementos que seriam avaliados em sua natureza,
atributos e finalidades, tudo dentro de um processo mais amplo de qualidade social, do qual o
processo educativo é apenas parte.
Dourado & Oliveira (2009) chamam a atenção para o fato de a qualidade ser um
conceito histórico, construído a partir das demandas sociais de um momento histórico onde a
educação se configura. Eles afirmam:

Caso se tome como referência o momento atual, tal perspectiva implica


compreender que embates e visões de mundo se apresentam no cenário atual de
reforma do Estado, de rediscussão dos marcos da educação – como direito social e
como mercadoria, entre outros (idem, p.204)

Ainda nesta direção, os autores apontam a necessidade de uma análise das políticas
internacionais, no sentido de que são estas que têm configurado as políticas públicas nacionais
e como estas ações e programas se refletem, ou seja, se materializam no cotidiano escolar.
Desta forma, falar de uma escola de qualidade implica em falar de uma escola que atende às
finalidades específicas da educação.
Fazendo menção às necessidades específicas da educação, Paro (2011), adotando uma
concepção de qualidade, faz menção à necessidade deste conceito estar intimamente ligado ao
conceito de educação escolar para além do senso comum, implícito nas políticas públicas em
geral: a educação escolar se presta apenas a transmitir conhecimentos e informações. Ele diz:

O conceito que adoto vê a educação como formação da personalidade humana -


histórica do educando, pela apropriação da cultura em seu sentido pleno, que inclui
conhecimentos, informações, valores, arte, tecnologias, crenças, filosofia, direito,
costumes, tudo enfim que é produzido historicamente pelo homem e que, numa
democracia, o cidadão deve ter o direito de acesso e apropriação (PARO, 2011,
p.696).

Em contrapartida, Silva (2009) compreende que há uma transição do conceito de


qualidade no campo econômico para o campo da educação. Dentro de um cenário comercial,
o tratar com índices, padrões hierárquicos, testes comparativos é algo comum e faz parte da
política de compra e venda, onde os atributos daquilo que é útil, comparável e que se pode
qualificar, aperfeiçoam o cálculo custo/benefício. Tal abordagem descaracteriza a educação
pública enquanto direito social. Ela afirma que:
3420

nas políticas sociais do país, ocorre uma transposição direta do conceito de


qualidade própria dos negócios comerciais para o campo dos direitos sociais e,
nestes, a educação pública. A participação ativa e constante dos técnicos dos
organismos financeiros internacionais e nacionais na definição de políticas sociais,
especialmente a educação [...] demonstra a adoção do conceito de qualidade, do
âmbito da produção econômica, em questões da educação e da escola (SILVA,
2009, p.219).

Desde a democratização do acesso à escola, quando as classes desfavorecidas até


então, tiveram seu direito à educação pública garantida, há uma forte pressão sobre a escola
no sentido de conquistar de volta o que consideram “a qualidade de outrora", perdida com a
entrada progressiva dos dantes excluídos do sistema educacional.
Oliveira (2007) ao discutir as implicações da universalização do ensino fundamental,
nos adverte para o fato das contradições terem mudado de lugar, pois, os excluídos do sistema
passaram a ser excluídos no sistema, por conta de práticas educativas referenciadas a modelos
educacionais que não contemplavam/contemplam as especificidades destes novos sujeitos.
Importante lembrar que a adoção de políticas de correção de fluxo, com a implantação
equivocada da progressão continuada (em detrimento dos Ciclos de Formação), as tentativas
de definição de padrões mínimos, a flexibilização do tempo de estudo, a formação de turmas
de alunos “com dificuldades”, enfim, a adoção de medidas periféricas, fez surgir um
fenômeno que Freitas (2005; 2007) denominou como uma forma de eliminação adiada.
Neste imperativo à qualidade, o discurso oficial dos programas de governo considera
implicitamente que a escola de hoje perdeu com a democratização do acesso. Por conseguinte,
na garantia da permanência, implementada a partir de novos mecanismos, surge novamente a
necessidade de questionar: A serviço de quem estaria esta qualidade da educação? A
comunidade escolar tem sido contemplada nesta busca pela qualidade? O padrão de escola de
qualidade de outrora realmente é confiável?
É interessante mencionar que:

Muitos sustentam a tese de que a qualidade da escola fundamental caiu em razão de


sua massificação nos últimos anos. [...] Mais grave ainda, acrescentam, é a
constatação de que, nas recentes avaliações externas comparadas, os concluintes não
estão preparados para os mais elementares desempenhos desejáveis [...] é preciso
relativizar este raciocínio que estabelece uma relação inversa obrigatória entre a
expansão do acesso e a queda da qualidade. A “qualidade” cantada em verso e prosa
da escola do passado refere-se às metas e objetivos de um projeto de sociedade que
excluía a maioria dos benefícios sociais. (ROMÃO, 2002, p.37)

Concordamos com esta consideração, que nos alerta sobre um sério risco neste
raciocínio que vem permeando o senso comum, por ele prescindir do tipo de qualidade a que
3421

estamos nos referenciando. A plasticidade do conceito de qualidade nos leva a perguntas do


tipo: “Mas de que qualidades estariam falando?” A fala de Gentili (1995, p.177), ao trazer a
tona o discurso da qualidade como retórica conservadora no campo educacional, é enfática:
“qualidade para poucos não é qualidade, é privilégio”.

A construção do conceito de qualidade: um olhar no cotidiano escolar

Buscando conhecer os sentidos da qualidade percebidos pelos professores que atuam


no ensino fundamental de uma escola pública do Rio de Janeiro, foi proposta uma atividade
durante a semana de planejamento anual em 2013. Tal atividade tinha como objetivo trazer
pistas, indícios sobre as concepções de qualidade manifestas no cotidiano escolar.
Foi escolhida uma escola localizada na Baixada Fluminense, na periferia urbana de um
município do Estado do Rio de Janeiro. Ressaltamos que o conceito de periferia urbana nesta
pesquisa é de um lugar, para além do geográfico, onde são vivenciadas práticas distintas,
numa perspectiva relacional (entre pessoas) e contextual (em sua própria história e cultura),
constituído como um lugar de potencialidades, não obstante as adversidades impostas pela
ausência de infraestrutura urbana, má-distribuição de renda, precariedade na oferta de bens e
serviços.
Da atividade participaram 14 professores regentes de turma do 1º e 2º segmento, 2
orientadoras pedagógicas e 1 orientadora educacional. Os participantes receberam uma folha
em branco e, por meio de uma dobradura foram construindo suas respostas, sem possibilidade
de visualizar a resposta anterior. A primeira pergunta foi: O que é qualidade? A segunda: O
que é uma escola de qualidade? A terceira: o que é um professor de qualidade?
Ao final da escrita, foi solicitado ao grupo que abrisse a folha e procurasse observar a
conexão entre as respostas. Ao ser oportunizada a fala, uma das professoras observou que, ao
definir qualidade, escreveu que é algo “sem igual”, quando definiu uma escola de qualidade,
ressaltou ser um lugar de parceria onde “todos executam suas funções” e o professor, como
“alguém comprometido e interessado em fazer a diferença”. Observando sua própria escrita,
a professora acrescentou: “Realmente, não se pode mensurar a qualidade”.
Ainda observando os dados obtidos nesta atividade, apenas uma das respostas
demonstrou a necessidade de existirem metas exteriores à própria escola, para uma
compreensão de qualidade. Para a professora, qualidade “é um atributo”, uma escola de
qualidade é aquela que se coloca “dentro de um padrão determinado” e um professor de
3422

qualidade é aquele “que atende os requisitos do observador”. Questionando a professora


sobre suas respostas, ela disse: “Só é possível falar de qualidade se houver uma meta”.
É perceptível que parte das respostas, sobretudo as que se referem ao professor de
qualidade, traz a palavra compromisso (e seus sinônimos) como uma característica essencial à
construção da qualidade, que é entendida pela maioria como algo excelente, perfeito,
admirável. Ao responderem sobre a escola de qualidade, é possível visualizar que as respostas
apontam para uma escola inclusiva: “que proporciona experiências significativas”, ou ainda
“que forma o aluno em sua totalidade”. Duas das respostas claramente apontam o “respeito à
diversidade” como principal característica de uma escola de qualidade.
Interessante ainda observar que palavras bem conhecidas de todos os planos de metas
qualitativas construídos nos gabinetes, como evasão e repetência, só aparecem em uma das
respostas acerca do que é uma escola de qualidade. A mesma professora que afirmou ser uma
escola de qualidade “uma unidade escolar sem repetência e evasão”, ao responder sobre o
que seria um professor de qualidade, escreveu que é o “professor que busca aprimoramento”.
Perguntada diretamente por uma das colegas se o professor, então, seria o responsável pelo
fim da evasão e repetência, a professora respondeu: “Não! A escola precisa de uma parceria
com outras agências para dar conta disto”. Tal discussão gerou conversas paralelas,
tornando o grupo tímido, relutante em socializar as demais respostas aos demais.
Destacando ainda uma das respostas que chamaram a atenção, uma professora definiu
qualidade como “resultado positivo” e escola de qualidade como aquela onde há “resultado
positivo com olhar a diversidade ética, social,...”. Ao socializar sua resposta, perguntamos se
estes resultados seriam perceptíveis, ao que a professora respondeu: “somente pelos
professores e alunos em seu contexto”. Esta mesma professora escreveu acerca do professor
de qualidade: “aquele que busca o aprendizado dos alunos através de seu aprendizado”.
A realização desta atividade provocou múltiplas inquietações no grupo e para a
pesquisa trouxe claras contribuições, auxiliando no desvelamento de contradições, silêncios,
negações. Interpretando os dados por meio do paradigma indiciário, se torna possível o
entendimento de determinadas atitudes, falas, lapsos, mecanismos de defesa trazidos à tona no
contexto escolar. Afinal, “se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas – sinais, indícios
– que permitem decifrá-la”. (GINZBURG, 1989, p.177).
Fica clara, a partir das informações colhidas nesta atividade, a necessidade de se
perceber indícios e possíveis registros de práticas e proposições que estejam articuladas a
3423

processos de autoavaliação, de forma que a qualidade da escola seja percebida por indicadores
construídos no coletivo. Concordamos com Esteban (2010, p.69), quando afirma:

O cotidiano das escolas públicas que recebem crianças das classes populares exige
diálogo constante com as margens, com os sujeitos insignificantes que emergindo
delas transitam na escola, com as práticas negadas, com os resultados não
celebrados. A ambivalência dos projetos formulados e dos processos vividos
fortalece o desafio de se enfrentar a complexidade cotidiana em que se produz o
fracasso, olhando o seu avesso para fazer emergir os fios que tecem o êxito como
uma possibilidade articulada à dinâmica social de ruptura com as relações de
subalternização.

Considerações em curso: algumas possibilidades

Este texto teve por objetivo trazer à discussão o fato da qualidade estar sendo
constantemente mensurada por metas, em sua maior parte, aferida por indicadores
educacionais externos. Preocupa-nos enxergar que a concepção de qualidade que vem sendo
utilizada pra subsidiar as políticas públicas na educação da atualidade esteja vinculada a
princípios normativos e excludentes, que contemplam um modelo hegemônico de educação,
não pautado no cotidiano escolar. Tais políticas, que intensificam a cultura dos exames, que
buscam unificar os percursos, tempos e espaços escolares, que buscam padrões mínimos de
desempenho, pautados em critérios de excelência, não contemplam a diversidade dos sujeitos,
bem como os processos e as práticas educacionais cotidianas que privilegiam a construção de
uma cultura escolar.
Sobre o advento da cultura do exame como sendo este o principal aferidor da
qualidade educacional, afirmamos a existência de movimentos contrarreguladores,
questionando a eficácia desta ferramenta da avaliação:

No que tange à qualidade, parece-nos que a avaliação tem sido utilizada como a
redentora dos males da educação, transformando-se em um fim em si mesma. Há
uma ilusão social de que avaliar os sistemas garante qualidade. Entende-se que
aumentar a proficiência dos estudantes nos exames é o mesmo que elevar a
qualidade, sendo esta medida somente por meio de indicadores e dados. Conceito
polissêmico tanto do ponto de vista pedagógico, quanto social e político, a qualidade
da educação não pode ser compreendida de forma descolada da historicidade do
termo, favorecendo uma maneira superficial de entendimento e uso do mesmo.
(CARTA DE CAMPINAS7, in FREITAS, 2011, 3º item)

7
A Carta de Campinas foi redigida por um grupo de profissionais da educação a partir das discussões realizadas
no Seminário de Avaliação e Políticas Públicas Educacionais, ocorrido entre os dias 16 e 18 de agosto de 2011,
na Universidade Estadual de Campinas. Estes vêm a público trazer suas preocupações com o presente momento
3424

Compartilhamos deste pensamento e apontamos que a qualidade deve, sim, ser


objetivada; no entanto, os índices externos se constituem apenas em um dos meios pelos quais
a escola pode monitorar sua qualidade. Precisamos considerar os indicadores de qualidade no
significado do próprio termo. Os indicadores se constituem em “sinalizações, linhas que
indicam um percurso possível de realização de objetivos compartilhados” (BONDIOLI, 2004,
p.19).
Consideramos que os resultados produzidos pelos índices, quando interpretados pelos
reais interessados na qualidade da escola, os sujeitos que compõem a comunidade escolar,
podem ser utilizados como um dos elementos para a reflexão sobre a qualidade da escola.
Lembrando, sempre, que:

a qualidade não é um valor absoluto [...] mesmo porque diferenciados são os


contextos, isto é, as realidades locais que se propõem a colocar a qualidade em
prática, e efetivamente a colocam, cada um à sua maneira, de acordo com a própria
história, segundo as próprias tradições, com a própria dotação de recursos materiais
e humanos. [...] A qualidade não é um produto, não é um dado. A qualidade
constrói-se. (idem, p.16)

Uma escola democrática precisa definir e trabalhar por sua qualidade, pois
entendemos, ainda, de acordo com os estudos de Bondioli (2004) ter a qualidade uma
natureza transacional, participativa, autorreflexiva, contextual, processual, formadora e
transformadora. Uma escola não é um serviço público, antes, é um bem público, que não pode
funcionar como uma máquina, com simples ajustes nas engrenagens, manutenção das peças e
injeção de combustível. Escola é lugar de gente, pessoas que ali estão construindo sua história
e, o ato educativo, em sua finalidade política, social e, sobretudo, humana.
Nesta visão, foi possível vislumbrar na fala dos profissionais da escola em que se
realizou a atividade descrita que há indícios de movimentos e concepções contrarreguladoras
que podem desencadear processos avaliativos internos, com olhares voltados para a
construção de uma escola de qualidade pautada num paradigma inclusivo, dialógico e
formativo.
Nosso desejo é de que o presente estudo revele a cada sujeito que integra o cotidiano
das escolas públicas um horizonte de possibilidades,

educacional brasileiro, no tocante às políticas públicas de responsabilização, meritocracia e privatização em


curso.
3425

com uma visão de qualidade que conduza a apropriações de valores sociais que não
podem ser medidos nos testes padronizados, mas que nem por isso podem ser
esquecidos; com um privilegiamento de modelos de regulação da qualidade da
escola que considerem a titularidade dos atores locais como ponto de partida para
processos de avaliação mais consistentes e abrangentes, que levem em conta
inclusive as condições objetivas para a produção da qualidade.(CARTA DE
CAMPINAS in FREITAS, 2011, 15°item)

REFERÊNCIAS

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Conferência Nacional de Educação. Brasília, 2010.

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