A discussão a respeito dos planos de saúde exclui de sua pauta
mecanismos essenciais para se chegar a uma situação mais equânime que contemple vantagens legítimas para todos os lados. Destes o principal, nunca perdendo de visto o seu objetivo maior, é a essência comercial que rege os planos de saúde.
O objetivo maior é função do que necessitam aqueles que recorrem aos
planos, ou seja, os pacientes (e não os consumidores que compram os planos); e é prioritariamente em função desse objetivo que as soluções devem ser encontradas. As pessoas procuram, essencialmente a cobertura dos grandes riscos, dos riscos que poderiam colocar em perigo as finanças familiares. O lucro de qualquer empresa que lide com a saúde deve depender e respeitar esse objetivo. A não ser que a assistência médica não tenha mais valor humano, apenas financeiro.
Mas há um ponto pouco falado em todas as discussões, que diz
respeito à essência comercial dos planos de saúde. Em uma relação de compra e venda estão envolvidas duas partes, a do comprador que deseja um bem ou serviço e a do vendedor que dispõe desse bem ou serviço. Nessa díada estão depositadas todas as nuanças da transação comercial. Um deseja, decide, paga e se beneficia e outro dispõe, oferece e recebe. E tudo fica resolvido no momento da transação, entre apenas duas partes.
A complexidade que envolve a situação comercial dos planos de saúde
está longe do quadro acima. Para começar temos dois momentos diferentes do tomador, o primeiro como consumidor ao aderir ao plano e o segundo como paciente, usuário dos serviços cujo direito adquiriu. A mesma pessoa em dois momentos de diferenças, e por que não dizer, antagonismos volitivos.
Além desta defasagem temporal temos a interposição de dois ou três
participantes: o primeiro, o médico, que é quem dá as ordens e toma as decisões do que deve e onde devem acontecer os procedimentos. O segundo, o plano da saúde (intermediário financeiro) que aceita ou cerceia e paga (parte ou todo) ou mesmo não paga. E o terceiro, freqüente, também intermediário, a empresa à qual pertence o tomador que tem um único ou um reduzido número de planos de saúde.
1 Diretor Presidente da Clínica São Vicente – Rio de Janeiro
Do lado do consumidor, procurando sempre o menor custo, está (quase sempre) a empresa do qual ele faz parte e o plano de saúde. Do lado do paciente, querendo o melhor tratamento costumam estar os médicos e hospitais e laboratórios diversos.
Vemos artigos, brasileiros e americanos, falando da satisfação dos
consumidores em relação aos seus planos. Estes artigos não costumam falar da insatisfação desses mesmos consumidores quando se tornam pacientes. A economia declarada e bem-vinda do consumidor é tantas vezes em função da economia oculta e malquista do paciente. Economia financeira na bonança às custas de economia de recursos médicos na necessidade. Os antagonismos estão presentes seja no espaço (entre os participantes do esquema), seja no tempo do tomador e do vendedor, justamente aqueles que estão distantes do ato médico.
O tomador (consumidor) não participa do ato médico pois ainda não é
paciente; o vendedor (o plano) nunca participa do ato médico, mas apenas o paga. Do ato médico participam o médico e o paciente, por vezes em consultório, por vezes em uma instituição. E o que acontece com freqüência é o fato do paciente se ver lesado com promessas (como também o plano se sentir lesado com abusos).
Existe um lado construtivo na apreensão do ato médico pelo lado dos
custos: é crescente a conscientização de profissionais e instituições da área da saúde de que o simples repasse de abusos e desperdícios não é mais possível financeira ou moralmente. Preços mais baixos às custas de maior eficiência é o lado positivo; interferência de terceiros tais como burocratas, administradores e financistas no ato médico é o lado negativo. E um fato negativo maior é a tentativa da transferência do interesse prioritário do médico das necessidades dos pacientes para os ganhos ou perdas financeiras pessoais, preocupado com punições ou recompensas em função de suas ações.
Uma medida que viria trazer um pouco mais de harmonia entre as
partes seria passar para cada um dos participantes mercantis (comprador e vendedor), parte das responsabilidades de seus atos finais como participantes do ato médico, pois assim o comprador (consumidor) se obrigaria a participar em parte do pagamento através de uma franquia nas quantias devidas e o vendedor (plano de saúde) se responsabilizaria juridicamente pelos eventos que ocorressem através dos médicos, hospitais e laboratórios que fizessem parte de sua lista. Haveria mais cuidado do paciente em não gastar o que não necessita e do plano em não indicar profissionais ou instituições que pudessem lhe acarretar danos financeiros através de ações de pacientes mal atendidos.