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A inquietante estranheza do nada!

Cláudia Sofia Monsanto dos Santos


Estudante nº 201710631
Mestrado de Filosofia Contemporânea
Faculdade de Letras da Universidade do Porto

Histoire du Cinemá de Jean-Luc Godard é composto por oito episódios e consiste numa
«recomposição fragmentada da trajectória da sua memória»1, através da «elaboração
de uma série de relações entre a memória do indivíduo Godard, a memória da geração
de cineastas da Nouvelle Vague ao qual pertenceu, e a memória das gerações de
cidadãos europeus que viveram e sofreram, no século XX, a odisséia da utopia da
emancipação social e política da humanidade e foram profundamente marcados pelo
trauma histórico do holocausto»2.
O episódio 4B desta série de Godard levou-me às sensações mais básicas. O saltar de
uma imagem para a outra sem que fosse possível ver verdadeiramente cada uma delas;
um correr de cores, de sons, de silêncios, de pessoas, de acontecimentos, de formas, de
memórias rasgou em mim uma sensação de estranheza, imersa por vezes numa
claridade ilusória ou numa escuridão inquietante. Quase parecia que outros seres viviam
dentro de mim a um ritmo desenfreado de imagens.
Curiosamente, no final percebi que aquele filme não fazia sentido, nada me havia dito.
E foi esse nada que me atravessou com inquietante estranheza – esse nada provocou em
mim um mergulho no vazio de mim mesma.
Como podem imagens – memórias – tão marcantes da história da Humanidade não me
dizerem algo mais do que um nada vazio de tudo? E será que era um nada vazio de
tudo? Ou será, que pelo contrário, era um nada repleto de memórias inconscientes?
Logo no início do episódio, o narrador, com uma voz profunda e imersa em dor, diz «O
homem tem dentro de si coisas que ainda não aconteceram e que o levam até si». Esta
voz, num ritmo pausado, sussurra palavras que conectam as imagens e o jogo entre a luz
e a escuridão com uma dimensão sensível desconhecida do meu intelecto – amor,
solidão, do absoluto.

1
Gervaiseau, Henri “Limiares: Histoire(s) du cinema de Jean-Luc Godard”, Escola de Comunicações e
Artes – ECA/USP, pp. 45 - https://www.revistas.usp.br/significacao/article/download/65633/68248
2
Idem, pp. 45
Que coisas tenho eu dentro de mim que ainda não aconteceram e que me levam até mim
quando vejo aquelas formas que aparecem a cada segundo? E porquê? Porquê esta
impossibilidade de ver algo nessas formas, mesmo sentindo uma afluência
desconcertante de sensações no momento em que as olho?
Talvez seja mesmo isso a ideia base de tudo isto, da imagem – o mergulho neste tudo
que posso ver no nada que olho e que me transporta ao vazio flutuante de uma essência;
um vazio que não se toca, um vazio que se queixa, um vazio que se transforma; um
vazio que desvenda o abismo entre a minha identidade reconhecida e essa estranheza
em relação a mim mesma.
Será que aquele sussurrar constante do narrador me tocou profundamente, tão
profundamente que não me permito lá chegar?
Posso falar do que senti ao ver aquele deslizar de imagens…
O desconhecido da escuridão atravessado pelo vulnerável da claridade; a inquietude do
silêncio transfigurado pelo conflito dos sons; o equilíbrio entre as cores e a imensidão
do vazio – tudo se transforma num movimento entre o bem e o mal dentro do bom e do
mau.
Este movimento de aprofundamento dentro de uma paisagem desconcertante faz-me ver
de modo diferente o que em mim não se mostra. Aquele episódio não fez sentido para
mim por ver a imagem como representação do mundo, da Humanidade. Este olhar
aproxima-me demasiado da imagem, aquela imagem que não consigo capturar, pois a
minha capacidade de compreendê-la e de conhecê-la foi condicionada pelo meu
entendimento daquela realidade.
Olhar de longe aquela paisagem sensível que Godard criou através da linguagem do
cinema, aponta o meu olhar para o bem e o mal de nada ver no tudo que há para ver.
Aqui percebo que aquela imagem, ou fluir de imagens, indiciam a minha vontade de não
querer ver a dor do mundo, a dor de um mundo que já não existe e que continua
presente pelo espectro das formas que sobrevivem dele. Deste modo, não me permito
levar por esse toque profundo do narrador e olho aquele fluir de imagens como uma
criação desconcertante de um mundo que reconheço; olho aquelas imagens como fasma
de um mundo que quero ver.
Este episódio de Godard instiga-me a olhar a dor desse mundo que não existe mais de
um modo diferente, desfocando o meu olhar do mundo que conheço para ver o mundo
que aparece ali, naquele fluir de imagens que acordam memórias impressas na minha
vulnerabilidade de ser Humano.

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