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Estratégias educativas de internacionalização: uma

revisão da literatura sociológica*

Andréa Aguiar
Universidade Federal de Minas Gerais

Resumo

Este artigo traça um panorama das contribuições de pesquisas


estrangeira e nacional sobre o tema das estratégias educativas de
internacionalização. São trabalhos que, em geral, versam sobre
modalidades recentes de investimento por parte de famílias soci-
almente favorecidas em uma dimensão internacional do capital
cultural. A aquisição desses recursos – o acúmulo de competên-
cias linguísticas, culturais e sociais, além da própria mobilidade –
é interpretada, por esses grupos, como o vetor da constituição de
disposições que resultariam em certa desenvoltura de atuação de
seus filhos em meios internacionais. A análise do conjunto de re-
sultados fornece pistas importantes, na medida em que permite a
visibilidade a estratégias comuns, próprias do momento atual,
mas sinaliza também a necessidade de maior compreensão das
particularidades que caracterizam ações e valores distintos atribu-
ídos ao capital simbólico internacional por parte de populações
de nações diversas. Nesse sentido, o texto realça a relevância
sociológica do objeto, em particular, no caso brasileiro. É que o
recurso recente a esse capital como estratégia educativa não só das
elites, mas também de grupos em ascensão, vem tornar mais com-
plexo, ou mesmo agravar, o quadro de desigualdade de oportunida-
des escolares que, tradicionalmente, tem marcado a disputa pelas
melhores posições na hierarquia social do país. Assim, o interesse
renovado pela dimensão internacional do capital cultural parece se
constituir, recentemente, em um fator a mais a aprofundar e conso-
lidar fronteiras já existentes entre os que podem se beneficiar da ren-
tabilidade de tal investimento, ao longo de sua escolarização, e
aqueles que se limitam aos recursos nacionais.

Palavras-chave
Correspondência:
Andréa Aguiar
Rua Santo Antonio do Monte, 127/302 Dimensão internacional do capital cultural — Estratégias educativas fa-
30330-220 – Belo Horizonte – MG miliares — Educação e internacionalização.
e-mail: andreamsaguiar@yahoo.com.br

* Este trabalho contou com o auxílio


financeiro da Capes por meio de bol-
sa de doutorado.

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Internationalization strategies for education: a survey
of the sociological literature*

Andréa Aguiar
Universidade Federal de Minas Gerais

Abstract

This work gives an overview of the contributions made by national


and international studies on the theme of internationalization
strategies for education. In general, these studies focus on recent
modalities of investment made by socially advantaged families, and
on the international dimension of the cultural capital. Acquiring these
resources – the sum of linguistic, cultural and social skills, apart from
the mobility itself – is interpreted by these groups as the agent of the
constitution of aptitudes that would result in a resourceful
performance by their children in international environments. The
analysis of the collection of results gives important clues insofar as it
makes visible common strategies characteristic of the current times,
but also signal to the need for better understanding of the
peculiarities that characterize distinct actions and values attributed to
what is international by segments of the population in several
countries. In this sense the text highlights the sociological relevance
of the object, particularly in the Brazilian case. What happens is that
the recent resorting to what is international as an educative strategy,
not only on the part of the elites, but also by socially emerging
groups, has contributed to an increased complexity, or even a
worsening, of the scenario of inequalities in school opportunities that
has traditionally been a hallmark of the struggle for higher positions
in the social hierarchy of the country. Thus, the renewed interest by
things international seems to constitute in recent times a further factor
to deepen and consolidate the already existing boundaries separating
those who can benefit from this kind of capital throughout their
schooling from those who are limited to the national resources.

Keywords

International dimension of cultural capital — Education strategies of


Contact:
Andréa Aguiar
families — Education and internationalization.
Rua Santo Antonio do Monte, 127/302
30330-220 – Belo Horizonte – MG
e-mail: andreamsaguiar@yahoo.com.br

* This work was sponsored by CAPES


thorough a Doctoral studentship.

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A produção do campo da Sociologia da exemplo, é sabido que uma prática comum
Educação tem confirmado, ao longo dos anos, entre as elites econômicas, desde o período
a correspondência inequívoca entre a rentabili- colonial (Brito, 1996), era a escolarização no
dade das estratégias educativas e as diferentes exterior, que se dava, em geral, no nível univer-
posições dos sujeitos ou grupos sociais que delas sitário. No entanto, as especificidades dessa
se utilizam. Dito de outro modo, quanto maior nova atenção ao internacional são reveladas,
a posse de recursos materiais e simbólicos, atualmente, pelas diferentes modalidades de
maiores são as chances de ‘acerto’ nos investi- estratégias que visam à acumulação de bens
mentos que concernem à educação escolar, na simbólicos internacionais: elas ocorrem com
medida em que tais recursos habilitam os sujei- muito maior frequência, se estendem a novos
tos a melhor discriminar suas diversas possibili- grupos sociais e, além disso, se dão ao longo
dades, a fazer escolhas pertinentes, a investir em de todos os níveis de escolarização.
alvos específicos e deles tirar o maior proveito Este artigo pretende traçar um panorama
possível. Pierre Bourdieu, no estudo que culmi- das contribuições que a pesquisa estrangeira e
nou na publicação do livro A distinção, no final nacional tem produzido acerca do tema das
dos anos 1970, destacou a ligação “relacional” estratégias educativas de internacionalização de
entre as posições sociais dos sujeitos e suas modo a sublinhar sua emergência e relevância
estratégias de ação. Por trás das correlações como objeto de estudo nos tempos atuais.
estatísticas entre a origem social e o capital
escolar, escondem-se variações entre grupos que As contribuições da pesquisa
mantêm com a cultura relações diferenciadas, estrangeira
segundo as condições em que adquiriram seu
patrimônio cultural e as possibilidades que tive- Os investimentos recentes de grupos so-
ram de reconvertê-lo em outros tipos de capital, ciais em capital simbólico internacional nos não
à medida que as regras do jogo social elegem têm sido detectados apenas por sociólogos da
novos recursos como trunfos mais rentáveis educação, mas emergem como dado relevante
(Bourdieu; Boltansky; Saint Martin, 1973). Como também de outros estudos voltados para a aná-
lembram Pinçon e Pinçon-Charlot (1996), nas lise e compreensão dos estilos de vida das ca-
conclusões de um congresso que reuniu pesqui- madas mais favorecidas. Assim, no caso da pes-
sadores em torno do tema Formação das elites quisa estrangeira, a abordagem do tema surge
e a cultura transnacional, “[...] os mais assegu- focalizada a partir de perspectivas diversas:
rados de suas posições [sociais] são também
aqueles que dominam as novas dimensões das • Por meio da análise dos investimentos no
regras do jogo”. internacional operados pelos estabelecimentos
Estudos sociológicos recentes sobre as de ensino, que correspondem a uma deman-
estratégias educativas de famílias socialmente da específica por esse capital.
favorecidas têm registrado um componente par- • Mediante a investigação sobre as caracterís-
ticular dessas atualizações e reconversões de ticas e consequências de uma socialização/
capitais nos tempos atuais: o investimento em escolarização de tipo internacional para os
recursos simbólicos internacionais. Isso quer sujeitos — as famílias e os estudantes que lan-
dizer que uma dimensão internacional do capi- çam mão de tal recurso — e sobre seus mo-
tal cultural parece emergir com força, nas últi- dos de interpretar o significado e potencial
mas décadas, como alvo de investimento dessas desse capital nas disputas sociais atuais.
camadas sociais ao pensar o presente escolar e • Do ponto de vista das práticas particulares de
o futuro profissional de seus filhos. Não se tra- investimento no internacional, componentes do
ta de uma novidade. No caso do Brasil, por estilo de vida de grupos favorecidos que, para

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além do foco centrado na escolarização, lan- alunos para as carreiras em um mercado trans-
çam mão de ações visando enriquecer o capital nacional: aumento de horas de ensino de lín-
simbólico internacional de seus filhos. guas estrangeiras, sobretudo o inglês, bem
como de conferências sobre sistemas econômi-
O internacional e os cos e políticos de países europeus, visitas a
estabelecimentos escolares estabelecimentos escolares europeus e america-
nos e permutas de alunos. São práticas que
A pesquisa de Jay (2002) investigou as reforçam a importância conferida ao internaci-
célebres escolas privadas suíças, entre as quais onal na formação escolar dos estudantes des-
estão também aquelas internacionais, que pre- sa instituição na qual “[...] a cultura política
param os estudantes para o acesso às grandes dos alunos se define pelas suas qualidades
universidades americanas e europeias. Famílias relacionais internacionais” (p. 228). Nesse sen-
altamente privilegiadas do ponto de vista eco- tido, são estratégias que têm por objetivo a
nômico buscam nesses estabelecimentos a constituição de um capital social e de um “ca-
reconversão de seu capital econômico em ca- pital cosmopolita”, potentes fatores de distin-
pital cultural e simbólico, por meio da opção ção na sociedade atual, segundo o autor. Ele
por uma socialização escolar que prepare seus denomina internacional, e não transnacional, a
filhos para as mais altas posições nas profissões cultura produzida e a formação concebida pelo
liberais, na diplomacia, na indústria e no co- estabelecimento estudado, na medida em que
mércio e para a vida em alta sociedade. A se baseiam também na manutenção de parte
internacionalidade dos alunos é sinal de exce- das referências culturais nacionais.
lência para as escolas, mantida, evidentemen-
te, sua homogeneidade/seletividade social. O O internacional como alvo de
favorecimento de predisposições cosmopolitas investimento das famílias
é aspecto detectado pelo autor, tanto nas es-
tratégias dos próprios estabelecimentos — como O termo transnacional é utilizado, no en-
a promoção de viagens culturais ao exterior — tanto, pelos pesquisadores Broady, Börjesson e
como naquelas adotadas pelas organizações às Palme (2002) em pesquisa que focaliza o recur-
quais pertencem essas instituições, que cuidam so ao internacional na educação — por parte de
de favorecer a inserção profissional dos alunos sujeitos e instituições — e sua relação com a
em universidades de países dominantes ou em conservação ou transformação da estrutura do
carreiras internacionais. espaço social. A importância atribuída às estraté-
Características comuns às encontradas por gias transnacionais (entendidas como períodos de
Jay foram também discutidas por Panayatopoulos estudo e treinamento no estrangeiro, habilidades
(1997), que estudou o segmento nobre do ensi- em língua estrangeira etc.) emergiu dos dados
no secundário de Atenas por meio da monografia como um dos fatores mais visíveis de mudança
de uma escola privada que recruta sua clientela no campo da Educação daquele país, haja vista
entre a burguesia local. Sua intenção foi compre- o grande fluxo de estudantes suecos inscritos em
ender possíveis mudanças — devidas ao contex- universidades do mundo todo1. Anteriormente
to atual de globalização da economia e de prerrogativa das camadas dominantes, as estraté-
internacionalização do mercado de trabalho — gias de internacionalização disseminaram-se tam-
tanto no uso social que algumas famílias das bém entre os estratos menos favorecidos da po-
classes favorecidas podem fazer dessa via, como
nas estratégias da própria escola. Nesse último 1. Esse fluxo atestaria também, segundo os autores, a condição “domina-
da” da educação sueca em relação a outros sistemas de ensino estrangei-
aspecto, ele destaca ações recentes adotadas pelo ros, reflexo da posição periférica do país no panorama mundial das rela-
estabelecimento na perspectiva de preparar os ções de força e poder entre as nações.

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pulação sueca que, a partir de 1989, puderam de crianças que se familiarizam precocemente
contar com um auxílio financeiro do estado. Essa com modos de sociabilidade a distância, com a
ampliação das chances alterou o perfil dos estu- diversidade linguística, com os códigos tácitos,
dantes que recorrem ao internacional: de um os “não ditos” de cada cultura. Para Wagner
conjunto com boas credenciais escolares, no (2002), essa “cultura internacional”, e não
passado, ele se constitui, nos tempos mais recen- transnacional, não se define como uma cultu-
tes, de alunos com histórico escolar insuficiente ra mundial que tomaria o lugar das culturas
que, não sendo aceitos no sistema de ensino nacionais, mas pela acumulação de várias com-
superior sueco, recorrem a universidades interna- petências linguísticas e culturais nacionais,
cionais menos exigentes. Assim, a estratégia de acumulação essa que avantaja o aluno interna-
internacionalização passa a se constituir, nesses cional em relação àqueles que permanecem
casos, num meio de alcançar o nível de formação confinados no nacional. A constituição de uma
universitário para aqueles que, sem as credenci- rede de sociabilidade nos diferentes países, por
ais escolares adequadas ao ingresso no Ensino parte desses estudantes, assim como certo es-
Superior sueco contam, a partir de então, com as tilo de vida que adquirem, resultante do con-
universidades estrangeiras de menor prestígio, tato com diferentes culturas, são vistos pela
onde são aceitos. No caso das instituições de autora como características fundantes dessa
ensino, entre as escolas de maior prestígio e mais cultura internacional.
valorizadas, os investimentos no internacional
visam ao objetivo de inserção dos alunos no O próprio da cultura internacional está no
mercado educacional e profissional transnacional. acúmulo de recursos sociais em uma série
Já as escolas de menor prestígio utilizam-se de de domínios: o conhecimento de línguas,
tal recurso com atenção à sua rentabilidade na dis- culturas e modos de vida estrangeiros, a dis-
puta por posições no espaço nacional, ou seja, na persão geográfica da família e das relações,
concorrência no interior do mercado educacional a possibilidade de desenvolver a carreira em
e profissional sueco. vários países, enfim, uma alquimia de capi-
Essa mesma expectativa de rentabilidade tais linguísticos, culturais, sociais, profissio-
do capital simbólico internacional nas disputas nais e simbólicos. (Wagner, 1998, p. 17)
sociais internas ao espaço nacional pode ser
identificada nos estudos de Wagner (1997; O reconhecimento e a valorização desses
1998; 2002). Entre eles, a pesquisa com usu- capitais na atualidade é tema explorado por
ários de um grupo de escolas internacionais de Weenink (2005), em pesquisa que analisa a re-
Paris destinadas a filhos de altos funcionários lação entre a classe média alta holandesa e a
e de executivos expatriados. A investigação educação secundária naquele país. O estudo
supunha a possibilidade da construção social busca compreender a relação entre trajetórias
de categorias de pensamento, normas culturais sociais diferenciadas no interior das camadas
e competências novas transnacionais — porque médias e a opção das famílias por cada uma das
desvinculadas dos condicionantes nacionais — três modalidades de formação oferecidas no
resultantes do contato mais intensivo entre nível preparatório para a universidade holande-
sujeitos de nacionalidades diversas. Os resulta- sa: entre estas, o internacional. Dois tipos diver-
dos não revelam, no entanto, sinais de unifica- sos de cosmopolitismo caracterizam a relação
ção intelectual. As práticas educativas, nas es- das famílias investigadas com o internacional: o
colas e nas famílias, revelaram-se fortemente dedicado e o instrumental. Os primeiros são
baseadas nas referências nacionais de cada pais que já viajaram muito e viveram no exte-
cultura específica. Uma socialização escolar rior, fluentes em pelo menos uma língua es-
particular é detectada, por outro lado, no caso trangeira, que se avaliam como cidadãos do

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mundo, para quem as fronteiras não represen- quais as famílias mobilizam suas redes de ami-
tam impedimento, e tentam encorajar e cultivar zades cosmopolitas. É a aquisição dessas habi-
essas disposições nos filhos. Já os cosmopoli- lidades que provoca desde cedo, nos jovens,
tas instrumentais, mais presentes entre aqueles como no caso da pesquisa de Wagner (2002),
que optaram pela formação internacional, tive- a familiaridade com referências geográficas e
ram experiências de trabalho cosmopolitas e culturais que ultrapassam o nacional. Pinçon e
enxergam nos bens internacionais instrumentos Pinçon-Charlot (2002) registram o controle des-
para a carreira futura dos filhos. São pais que, ses grupos sobre as escolas que os atendem,
em geral, restringem o cosmopolitismo, a saber, estabelecimentos nas quais a marca do cosmo-
inglês. A opção pelo ramo internacional, segundo politismo é inegável: são instituições que, em
o estudo, atrai famílias que identificam nos bens geral, recrutam alunos de diferentes nacionalida-
cosmopolitas um modo de incrementar as chances des, valorizam e realizam diversas viagens de
de mobilidade ascendente intergeracional. Não descoberta cultural, enfatizam o aprendizado das
estabelecidos realmente na classe média alta, eles línguas estrangeiras por meio de práticas de
demonstram ansiedade e urgência de investimen- imersão total, jornadas dedicadas a um ou ou-
to em recursos internacionais, que avaliam como tro idioma e permuta e estada em estabeleci-
marcadores de sua posição social. Os dados reve- mentos similares no exterior. Enfim, os autores
lam ainda que não são apenas as famílias “móveis" destacam o capital precioso de relações inter-
ou “com mobilidade internacional" as únicas inte- nacionais, “um capital social único, feito de
ressadas em educação internacional: pais das clas- conhecimentos, cumplicidades e amizades atra-
ses médias “não internacionalizadas” buscam aí vés do mundo, que ligam ex-colegas [...] para
uma forma mais exclusiva de educação secundá- além das fronteiras, crenças e línguas” (p. 25).
ria, que não a tradicionalmente ofertada pelo sis- Um capital que vai se constituindo durante os
tema público de ensino. Assim, o investimento na anos da juventude e que pode ser mobilizado
escola internacional, segundo o autor, visaria a um a qualquer instante de suas vidas.
“prestígio moderno", em vez do “prestígio antigo" Os traços de cosmopolitismo apontado
que a escolarização tradicional sempre ofereceu. nos estudos anteriores são igualmente confirma-
dos por Vieira (1997), que analisou os processos
Práticas de internacionalização de socialização de jovens gerações pertencentes
às classes dominantes de Lisboa no período de
Muitas das características discutidas por 1970 a 1990. Entre suas descobertas, a autora
Weenink (2005), sobre o cosmopolitismo das chama a atenção para as estratégias educativas
famílias, representam também traços constituin- familiares, que revelam a tendência à internacio-
tes de um habitus cosmopolita detectado por nalização das aprendizagens, destacada por ela
Pinçon e Pinçon-Charlot (1996; 2002) em pes- como uma das mudanças mais importantes da
quisas que abordam as formas de socialização escolarização desses jovens na atualidade. Essa
das jovens gerações de famílias francesas da tendência é verificada, por exemplo, no recurso
velha burguesia e da nobreza afortunada. Os comum a viagens de estudo ao exterior, mas
autores definem essas famílias como cosmopo- também em práticas locais de relação com o
litas. Esse cosmopolitismo se faz visível, por internacional, expressas na opção de certas fa-
exemplo, em seus laços matrimoniais, que se mílias pela escolarização dos filhos em estabe-
dão, em boa parte, com famílias estrangeiras, ou lecimentos de ensino internacionais localizados
na preocupação com a aprendizagem e o uso de no próprio país. Em pesquisa mais recente
outros idiomas, praticados em casa pelos própri- (Vieira, 2007), a mesma autora analisa o interesse
os pais ou nas viagens, estadas linguísticas ou crescente de jovens portugueses provenientes da
períodos de escolarização no exterior, para os elite cultural do país pelo programa de mobili-

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dade Erasmus, promovido pela União Europeia • Por meio da analise de estratégias especifi-
como forma de incrementar o intercâmbio entre cas de internacionalização e dos sujeitos que
estudantes universitários europeus. A massifi- as operam;
cação escolar e a perda do valor distintivo dos • A partir da discussão sobre o impacto e as
diplomas, segundo ela, teriam acentuado a de- consequências de uma experiência de inter-
manda atual por novos atributos na formação. nacionalização vivenciada no exterior por fa-
Assim, a mobilidade geográfica passaria a ser in- mílias brasileiras;
terpretada como competência desejada da prá- • Ou por meio da investigação de sua dimensão
tica ou do saber-fazer, avaliada como triunfo in- escolar, ou seja, quando o recurso ao internacio-
dividual e pessoal, num contexto em que o nal ocorre mediante uma escolarização em esta-
cosmopolitismo se impõe como saber ou neces- belecimento internacional localizado no país.
sidade cultural em contraposição à imobilidade
e ao confinamento ao nacional. Práticas de internacionalização
Essa mesma noção de cosmopolitismo
como necessidade cultural surgiu também como As pesquisas de Prado (2002) e Ramos
traço constituinte dos estilos de vida das famíli- (2007) analisam estratégias especificas de inter-
as analisadas por Bonnet (2001), que estudou as nacionalização, buscando caracterizar quem são
estratégias de reprodução social das elites da os sujeitos dessas ações, bem como suas expec-
cidade de Lyon, na França, partindo do pressu- tativas em relação aos investimentos no interna-
posto, não confirmado, de que esses grupos es- cional. No primeiro caso, Prado (2002) investi-
tariam se constituindo como elites transnacionais gou a prática dos intercâmbios de high school
e não mais elites locais. O estudo detecta sinais adotada por determinadas famílias da cidade de
claros de atenção especial à internacionalização, Belo Horizonte. São grupos que, segundo os
tanto no discurso dos pais — a exemplo de sua resultados da pesquisa, posicionam-se entre as
a insistência sobre a “abertura” — como nas prá- camadas médias da população. Para a autora, as
ticas cotidianas de investimento no aprendizado frações sociais mais afortunadas (as elites eco-
de línguas, na interação dos filhos com outras nômicas) utilizam-se de outras formas de aces-
culturas, a partir de viagens de estudo ou estadias so aos estudos no exterior. Como denominador
no exterior. A mobilidade surge exaltada como comum do discurso dos pais, os resultados re-
uma virtude moderna entre famílias que, segun- gistram a preocupação específica com a realiza-
do o autor, se distinguem das demais por sua ção pessoal dos filhos, sem prejuízo de expec-
capacidade de tirar benefícios do corrente pro- tativas relativas à “abertura” para o mundo, para
cesso de intensificação das trocas internacionais, as diferentes culturas, além de uma maior sensi-
diferença que se inscreve em uma lógica de au- bilização aos bens culturais que a prática do
mento das desigualdades sociais. intercâmbio supostamente acabaria por produzir.
O recurso ao internacional aparece, nesses casos,
As contribuições da pesquisa associado à ideia de conversão de identidade e
nacional adesão ao espírito internacional. As avaliações
dos pais a respeito da experiência de interna-
As pesquisas estrangeiras até aqui co- cionalização vivenciada pelos filhos revelaram
mentadas serviram de fundamento aos trabalhos expectativas que se reúnem em torno de duas
brasileiros que abordam direta ou indiretamen- perspectivas distintas. A primeira delas — uti-
te o tema das estratégias educativas de interna- litarista — é típica de famílias que apostam no in-
cionalização. São produções recentes, mas que cremento das chances escolares e profissionais
já começam a contribuir para o desvelamento do futuras que, segundo elas, a prática de intercâm-
fenômeno no âmbito nacional: bio poderia promover. Já a perspectiva identitária

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caracteriza discursos nos quais o mesmo inves- compreensão do impacto e da importância de
timento está vinculado à aspiração de uma for- uma experiência de internacionalização na tra-
mação mais ampla de valores, da personalidade jetória de famílias brasileiras. No primeiro caso,
e da autonomia pessoal. Sobre o suposto bene- Brito (2004) busca localizar e analisar o lugar da
fício produzido pelo aprendizado de uma língua experiência internacional ao longo da trajetória
estrangeira, ele surge atrelado à rentabilidade de estudantes brasileiros beneficiados por bolsas
social que essa aquisição pode produzir em ter- de estudos na França. Seus resultados apontam
mos de um savoir faire cultural, aspecto que fica duas trajetórias típicas: a “do herdeiro” e a “de
comprovado na regularidade revelada pelo exa- ascensão social pela via escolar”. A primeira é
me dos países de destino dos intercambistas — comum, em geral, entre filhos de profissionais
em sua maioria de língua inglesa. liberais ou intelectuais: frações bem dotadas em
A pesquisa de Ramos (2007), um trabalho capital cultural, que estabelecem, desde cedo,
de dissertação em desenvolvimento, investiga o relações de familiaridade com os estudos, com
perfil socioeconômico e acadêmico, bem como as a cultura, com o hábito da leitura, adquirindo
motivações de jovens universitários candidatos ao prematuramente disposições acadêmicas. A ida
“programa de intercâmbio discente” da UFMG para o exterior se insere, na trajetória desses
(que permite ao estudante de graduação cursar estudantes, em um continuum. Em meio aos
um semestre letivo numa universidade fora do herdeiros, a autora identificou ainda alguns ca-
país). A autora chama a atenção para o incremen- sos de disposições que configurariam um habitus
to vertiginoso da demanda por esse serviço, cri- internacional. São estudantes cujo patrimônio
ado em 1996, por meio de acordos bilaterais da familiar tem na cultura internacional e no capi-
instituição com universidades estrangeiras. O es- tal social internacional uma parte constitutiva de
tudo, que analisa candidatos à seleção de 2007, sua história. Já a “trajetória de ascensão social
parte da hipótese de que, do ponto de vista pela via escolar” é típica de estudantes cujas
socioeconômico e cultural, o aluno intercambista famílias contam com poucos recursos econômi-
é mais bem posicionado que o aluno médio da cos e sociais a serem mobilizados em favor dos
UFMG. Um dos indícios dessa diferença estaria filhos. Os itinerários são, nesses casos, menos
nas condições exigidas para a realização do inter- dependentes do capital familiar — sobretudo do
câmbio: a maior parte das despesas — com pas- capital cultural, que é, em geral, escasso — e
sagens aéreas, moradia, alimentação, seguro saúde mais marcados pelo movimento de ascensão por
etc. — são de responsabilidade da família do alu- meio da escola. O contato com o internacional
no. No entanto, além disso, a autora aponta a se dá tardiamente em suas trajetórias, que po-
posse familiar de capital cultural, em particular um dem ser caracterizadas por “locais” ou “de
capital de informações sobre o mundo universi- migrante”. No primeiro caso, os estudos são
tário e seu funcionamento, como característicos cumpridos inteiramente em uma mesma cidade,
do perfil dos candidatos. Do ponto de vista estri- geralmente na cidade natal, o que a autora as-
tamente acadêmico, os critérios para a candida- socia a um conjunto de disposições incorpora-
tura trazem já uma exigência de bom desempe- das que configurariam um habitus escolar local.
nho escolar no curso superior frequentado e de O habitus de migrante, por outro, caracteriza es-
proficiência na língua praticada pela instituição tudantes expostos a um confronto constante com
estrangeira de destino. as diferenças culturais, por intermédio da sucessão
de experiências de mobilidade espacial vivenciada,
O internacional nas trajetórias no entanto, no próprio país. As disposições adqui-
ridas favorecem a flexibilidade e adaptação a con-
Por sua vez, os estudos de Brito (2004) e textos diferentes, o que os diferencia dos casos de
Nogueira (1998; 2004; 2006) voltam-se para a trajetória exclusivamente local.

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O impacto resultante de experiências vi- sa mesma experiência, riscos potenciais à traje-
venciadas no exterior é tema igualmente abor- tória dos filhos e, por isso, buscam controlar for-
dado nos estudos de Nogueira (1998; 2004; temente as condições e as consequências em
2006). Seus trabalhos focalizaram grupos soci- que ela se desenvolve.
ais distintos — famílias pertencentes às cama-
das médias intelectualizadas (Nogueira, 1998; A internacionalização pela via
2006) e famílias de empresários (Nogueira, escolar
2004) — e possibilitam contrastar estratégias
diferenciadas de internacionalização. No primei- Finalmente, o recurso ao internacional
ro caso, a autora discute o papel e as decorrên- foi também analisado em sua dimensão mais
cias das experiências de internacionalização escolar nas pesquisas de Cantuária (2005) e
vivenciadas pelos filhos, em razão da mudan- Aguiar (2007). No primeiro caso, Cantuária
ça temporária da família para o estrangeiro, por (2005) investigou a gênese do espaço de edu-
necessidade profissional dos pais. As estratégias cação internacional da cidade de São Paulo ao
de internacionalização dessas frações das clas- longo das primeiras décadas do século XX. O
ses médias revelaram, em comum, a busca de estudo envolveu dez escolas internacionais
enriquecimento da formação cultural e escolar, paulistanas que atendiam pelo menos um dos
no caso de famílias que avaliam, como efeitos requisitos: funcionar regularmente no Brasil
positivos da internacionalização: a aquisição de como instituição internacional ou ser reconhe-
fluência linguística em outros idiomas; a cons- cido pelo sistema de ensino do país de referên-
tituição de um sistema de disposições favorá- cia. Os resultados permitiram elucidar as razões
veis ao contato com outras culturas; a autono- e os interesses subjacentes à criação dessas
mia; bem como rentabilidade instrumental do escolas — no final do século XIX e início do
capital internacional no mercado escolar e pro- século XX — ligados à trajetória de diferencia-
fissional. Os aspectos julgados negativos da ex- ção e inserção de grupos de imigrantes no
periência como, por exemplo, dificuldades de Brasil e em seus países de origem. Se a pesqui-
adaptação ou discriminação, atrasos escolares sa, diferentemente daquelas abordadas neste
no retorno ao Brasil etc. são minimizados por artigo, não discute as estratégias atuais de
pais para quem a internacionalização é uma internacionalização dos estudos, ela contribui,
“experiência que não tem preço”, que “vale a no entanto, para reafirmar que a circulação
pena”. Já nas famílias de empresários, cujo internacional de ideias e pessoas não é fenôme-
favorecimento econômico possibilita viagens fre- no recente; e, ainda, que a criação dessas ins-
quentes ao exterior, os resultados revelaram uma tituições não se origina da intensificação atual
nítida preferência pelos estudos de curta duração. das trocas internacionais. Essas escolas garan-
São pais que, sem deixar de reconhecer e valo- tiam às frações privilegiadas dos grupos estran-
rizar o lucro simbólico potencialmente propor- geiros a acumulação de capital simbólico es-
cionado por uma experiência de estudos no ex- sencial à sua inserção na sociedade brasileira e
terior temem também prováveis riscos que uma à sua distinção social. Já entre seus usuários
longa estadia dos filhos poderia provocar para brasileiros, a autora detecta estratégias famili-
seu destino profissional, em geral, já planejado. ares de acumulação de capital internacional
Assim, se a experiência de internacionalização é pela via escolar, o que, segundo ela, explica a
vista, no caso dos pais intelectualizados, em sua criação do liceu Pasteur, fundado em 1923 e,
dimensão unicamente positiva — como enrique- desde o início, responsável pela formação de
ce-dora do capital cultural e promotora de cer- várias gerações de famílias tradicionais do país.
ta abertura de horizontes e de oportunidades — São resultados que esclarecem e acentuam a
, as famílias de empresários já identificam, nes- forte relação entre as expectativas de inserção

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social e de reprodução de certos grupos em fortemente favorecidos do ponto de vista eco-
dado momento histórico e sua opção pela nômico, cujos filhos viajam com frequência ao
escolarização internacional. A escolha de um exterior, ou seja, famílias asseguradas de outras
estabelecimento internacional estaria, assim, mais vias possíveis (além da escolar) de internacio-
associada à correspondência entre os valores e nalização visam, sobretudo o aprendizado e
a visão de mundo das famílias — o que julgam domínio prático (ou manutenção) do idioma
essencial ao futuro bem-sucedido dos filhos — e inglês que a escola americana pode oferecer. A
o estilo de cada instituição, do que a imposições língua inglesa é vista, nesses casos, como ca-
ou exigências do espaço produtivo. O estudo pital essencial à desenvoltura necessária à cir-
revelou ainda a forte vinculação entre a imagem culação nos meios internacionais, muitas vezes
de cada escola e os atributos do país de origem, já incorporada na trajetória social dos pais. Por
o que, segundo Cantuária (2005), explicaria tan- sua vez, famílias cujo patrimônio simbólico é
to a valorização das instituições ligadas a nações protagonizado pelo capital cultural em sua
fortemente industrializadas, cuja imagem se as- versão escolar revelam um claro desejo de dis-
socia às ideias de modernidade e eficácia, quan- tinção da bagagem escolar e cultural dos fi-
to a perda progressiva de prestígio, no campo lhos. São pais que buscam em um estabeleci-
escolar, de estabelecimentos com tradição mais mento italiano uma formação humanista
clássica e humanista. europeia — que consideram ter sido abandona-
Já Aguiar (2007), em pesquisa de dou- da pelo currículo atual das escolas nacionais —
torado recentemente concluída, analisou o in- como estratégia de aquisição, pela via escolar,
teresse atual de famílias brasileiras socialmen- da dimensão internacional da qual se ressentem
te favorecidas pelas duas escolas internacionais em seus recursos culturais até então acumula-
de nível fundamental e médio localizadas na dos. Nesses casos, de grupos geralmente per-
cidade de Belo Horizonte: a escola americana e tencentes às frações médias e superiores das
a escola italiana. A própria história desses es- classes médias, a autora observou certa urgên-
tabelecimentos registra, por si só, o incremen- cia de internacionalização dos filhos, que não
to da demanda de grupos nacionais por uma pôde se concretizar na trajetória dos pais. To-
escolarização em moldes internacionais. Criadas mados em conjunto, são famílias que vislum-
há décadas — anos 50, no caso da escola ame- bram, como retorno de seus investimentos na
ricana, e anos 70, no caso da italiana — e des- escolarização internacional, a aquisição de ca-
tinadas, em sua origem, exclusivamente a estu- pitais e de disposições que, em consonância
dantes estrangeiros, as instituições passam a com a evolução histórica de seu patrimônio
receber alunos brasileiros na década de 1990 — econômico, cultural e social, julgam essenciais
cumprindo tanto o currículo obrigatório naci- ao êxito futuro dos filhos.
onal como o estrangeiro — em resposta à cres-
cente demanda de famílias brasileiras por esse Conclusão
tipo de escolarização. Tal processo resulta na
inversão de seu público, anteriormente estran- Tomados em conjunto, os resultados da
geiro e, atualmente, composto por uma maci- pesquisa estrangeira e nacional revelam traços
ça maioria (mais de 90%) de brasileiros 2. A comuns que auxiliam o entendimento das estraté-
autora identificou investimentos em diferentes gias familiares atuais de internacionalização dos
recursos internacionais — disponibilizados por estudos tanto no Brasil quanto no exterior. São
estabelecimentos com propostas pedagógicas mais amplos os grupos, além das elites, a reconhe-
bastante distintas — por parte de grupos soci-
ais diversos quanto à natureza dos capitais que 2.Essa mesma tendência foi também verificada por Cantuária (2005) em
estão na base de seu patrimônio. Assim, pais seu estudo sobre as escolas internacionais da cidade de São Paulo.

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cer nos recursos internacionais um trunfo essencial tinguem seus portadores daqueles que perma-
à sua atuação e à sua reprodução. Essa dimensão necem confinados ao nacional. Esses aspectos
do capital cultural — o acúmulo de competências explicam, de certo modo, uma marca comum
linguísticas, culturais e sociais, além da própria detectada como característica das estratégias
mobilidade — seria potencialmente produtora, na recentes de investimento em recursos interna-
avaliação de determinadas famílias, de disposições cionais por parte de famílias brasileiras: uma
necessárias a certa desenvoltura de atuação dos espécie de reverência diante da cultura produ-
sujeitos em meios internacionais, em culturas dife- zida nos países ditos desenvolvidos. Uma reve-
rentes. Do ponto de vista dos estabelecimentos de rência que se expressa, por um lado, no plano
ensino, as escolas respondem a essa espécie de das ideias — na crença quase absoluta de pais
interesse renovado pelo internacional por meio de e filhos nos efeitos positivos da internacio-
iniciativas diversificadas de promoção da interna- nalização. Por outro, naquele das ações, na
cionalização de seus estudantes. ânsia dos pais em investir nos recursos interna-
No entanto, é preciso localizar as ações cionais os mais rentáveis e possíveis, capazes
dos sujeitos e das instituições nas disputas de proporcionar aos filhos disposições que eles
próprias das esferas sociais em que atuam e nas próprios não possuem: certa desenvoltura dian-
posições que ocupam na hierarquia desses te do internacional, que reconhecem e cobi-
universos. Nesse sentido, tomada em sua di- çam, mas que só a precocidade da aquisição
mensão mais ampla, uma análise das caracterís- (Bourdieu, 1979; Wagner, 2003) poderia pro-
ticas e consequências atuais dos processos de porcionar. Assim, no caso do Brasil, tudo se pas-
globalização e mundialização — aplicados às sa como se um dos efeitos da intensificação recen-
realidades técnica e econômica ou àquela cul- te das trocas internacionais tenha sido desencadear
tural, respectivamente (Ortiz, 2007) — não pode e despertar, em outros grupos sociais, o sentimento
prescindir da reavaliação dos modos de domi- de privação de recursos que eles anteriormente
nação a eles inerentes. Em outros termos, é não interpretavam como capitais. Segundo
importante frisar que esses fenômenos se ins- Bourdieu (1992), o valor de um tipo de capital
crevem em um panorama de relações desiguais depende da existência de um jogo, uma disputa na
de força simbólica entre as nações (Wagner, qual ele conte como “carta vencedora”, consentin-
2003), aspecto que define valores diversos aos do a seu detentor uma forma de poder ou influ-
recursos internacionais próprios de cada país. ência. Um mesmo recurso pode ser interpretado di-
Aqueles interpretados como mais rentáveis são ferentemente por grupos ou sujeitos diversos, que
associados a nações dominantes, uma conse- podem reconhecê-lo, ou não, em momentos dis-
quência do fato de que tais países, como lembra- tintos de suas trajetórias, como um alvo a ser in-
do por Wagner (1998), acabam por impor seus vestido, um trunfo de peso, que vai fazer a dife-
atributos nacionais (como por exemplo, sua cul- rença nas disputas sociais que devem enfrentar. Daí
tura) aos demais. Por consequência, recursos in- seu reconhecimento, de certo modo, repentino, sua
ternacionais adquiridos pelo contato ou vivência boa vontade internacional (Nogueira; Aguiar, 2008)
em países não bem posicionados no panorama e investimento ansiosos na atualização, tornada
mundial tendem a ser menos valorizados, porque urgente, da composição do próprio patrimônio
desprovidos de poder simbólico, de prestígio. cultural, avaliado e percebido, nos dias de hoje,
Assim, do ponto de vista das disputas como que desfalcado de um marcador de valor
sociais que se dão no Brasil, o contato com essencial, o capital internacional.
estrangeiros ou com a cultura das nações de- É nesse sentido que a análise mais
senvolvidas confere um signo de excelência, na aprofundada do tema em questão adquire rele-
medida em que proporciona ganhos sociais e vância sociológica, na medida em que o recur-
simbólicos, expressos em disposições que dis- so recente ao internacional, como estratégia

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educativa também de grupos em ascensão, além delações ou recomposições dos princípios da
das elites, parece surgir como fator que agrava hierarquia social em meios favorecidos (Wagner,
e torna ainda mais complexo o quadro de desi- 2003), no caso do Brasil, esse fenômeno atua,
gualdade de oportunidades escolares que, tradi- antes de tudo, em outra direção: aprofundando
cionalmente, tem influenciado as disputas soci- e consolidando ainda mais as fronteiras, já exis-
ais por melhores posições dos sujeitos no espaço tentes, entre os que podem se beneficiar da
nacional. Assim, se no caso das nações desen- rentabilidade dessa espécie de capital, ao longo
volvidas o interesse renovado pelo internacional de sua escolarização, e aqueles que se veem li-
pode ter como desdobramentos prováveis remo- mitados aos recursos nacionais.

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Recebido em 01.10.08
Aprovado em 09.02.09

Andréa Aguiar é doutora em Educação pela UFMG e pesquisadora associada e pós-doutoranda (com apoio financeiro do
CNPq) do Observatório Sociológico Família-Escola (OSFE), grupo de pesquisa da Faculdade de Educação da UFMG.

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.35, n.1, p. 067-079, jan./abr. 2009 79

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