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APRESENTAÇÃO...................................................................................9
Felipe Wachs, Ueberson Ribeiro Almeida, Fabiana F. de Freitas Brandão
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APRESENTAÇÃO
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WACHS; ALMEIDA; BRANDÃO (Orgs.) Educação Física e Saúde Coletiva
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Intitulamos a segunda unidade de “Educação Física e O capítulo seguinte trata de um tema atual no campo
saúde: experiências, programas e artefatos culturais” por da Educação Física e Saúde Coletiva. O debate sobre como
congregar estudos que “mergulharam” no contexto vivo os sujeitos “consomem” e fazem “usos” das informações
das práticas. Os autores conversaram e ouviram os sujeitos, veiculadas pelo “mercado da vida ativa” é a tônica do
sentiram os espaços, analisaram gestos, relataram casos e capítulo “Práticas corporais/atividade física e saúde: da
produziram importantes saberes em diferentes cenários mobilização do sujeito ao movimento de constituição de
nos quais a intervenção e/ou a relação da Educação Física espaços” de Michel Binda Beccalli e Ivan Marcelo Gomes.
com a Saúde Coletiva se manifesta. Ao se embrenharem em um estudo de campo em módulos
O capítulo “A educação física na saúde: reflexões acerca do Serviço de Orientação ao Exercício de Vitória/ES (SOE), os
do fazer da profissão no SUS” é inspirado na dissertação de autores apresentam e problematizam questões relacionadas
Alessandra Bueno. A autora traça uma reflexão crítica sobre as mobilizações subjetivas que levam os sujeitos a buscarem
a inserção da Educação Física na Atenção Básica ressaltando e permanecerem no SOE e, sobretudo, vinculados às práticas
contradições entre diferentes concepções de intervenção. corporais mediadas pelos profissionais de Educação Física.
Aprofunda a discussão sobre as possibilidades de registro Nesse sentido, de modo bastante inteligente, Michel e Ivan
de suas atividades que os profissionais de Educação Física buscam na compreensão dos “usos” que os sujeitos fazem
encontram na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) e dos discursos e espaços de saúde, as alternativas para se
debate possíveis implicações ao contexto de trabalho. pensar que, talvez, “não esteja tudo tão dominado assim”
e que, embora haja adesão aos ditames do mercado do
Apesar da crescente aproximação da Educação corpo e da saúde, os sujeitos também constroem modos
Física com a área da saúde, quando olhamos para as singulares de se relacionar nos serviços/espaços de saúde
possibilidades e formas de atuação, percebe-se que na tentativa de inventar uma vida, um cotidiano, um meio
ainda carecemos de métodos que orientem nossas ações para se viver saúde.
nesse campo. Em “Práticas corporais e Clínica Ampliada:
experimentando tessituras para a composição de outros O SOE de Vitória/ES também é citado no texto
modos de cuidado”, de Valéria Monteiro Mendes e Yara seguinte como uma das experiências que inspiram o
Maria de Carvalho, temos, de um lado, a problematização Programa Academia da Saúde, instituído em nível nacional.
dessa questão por meio da apresentação das principais Esse programa nacional é o tema do capítulo de Marcelo
linhas teóricas que tratam da relação Educação Física e Skowronski e Alex Branco Fraga intitulado “Academia da
saúde e, de outro, o relato de uma intervenção junto a um Saúde e os diferentes saberes para a atuação do profissional
Centro de Saúde Escola com base na “Clínica Ampliada” e de Educação Física”. Os autores ressaltam a importância,
no “Método da Roda”. A autora mostra como compôs seus apesar do nome do programa, em compreender que a
caminhos na relação entre serviço, usuários e profissionais proposta não é instituir e financiar uma academia de
e indica a necessidade de revermos os modelos formação musculação pública. Mais do que isso, o Programa investe
e de criar metodologias que contribuam para responder as na promoção da saúde da população de forma ampliada e,
necessidades de saúde individual e coletiva. obrigatoriamente, traça relações com os serviços de atenção
básica do território adscrito. No capítulo de Marcelo e Alex,
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será enfocada a mobilização de saberes por profissionais de convida a refletir sobre a intervenção da Educação Física,
Educação Física para o trabalho no contexto dos polos do a qual seja capaz de ultrapassar os limites da aparência,
Academia da Saúde. potencializando a formação cultural e subjetiva dos
Se no capítulo de Marcelo e Alex o olhar se detém à indivíduos nos diferentes espaços de atuação.
perspectiva do profissional sobre o seu fazer, no texto de Com frequência, falamos e escutamos sobre a inserção
Thacia Ramos Varnier e Felipe Quintão de Almeida o foco se da Educação Física no SUS, mas raramente visualizamos
volta ao viés dos usuários de um programa de educação em essa inserção em dados quantitativos. Fabiana Vaz e
saúde da cidade de Vitória/ES para o cuidado com o corpo Raphael Caballero, no capítulo “Análise da distribuição dos
obeso. “Afinal, o que procuro?” é fruto de investigação que profissionais de Educação Física nos serviços de saúde do
teve por objetivo analisar como os discursos referentes ao Estado do Rio Grande do Sul”, apresentam um mapeamento
cuidado com o corpo são produzidos em um programa de da inserção dos profissionais de Educação Física em
Educação em Saúde dedicado a pessoas com excesso de serviços da atenção básica e em serviços de média e alta
peso. Realizando uma investigação participante na Unidade complexidade das Macrorregiões de Saúde do referido
Básica de Saúde que abrigava o programa, localizada na estado durante os últimos anos. Provocam os leitores a
cidade de Vitória/ES, a pesquisa analisou aqueles discursos refletir não apenas sobre os números apresentados, mas
(científicos, midiáticos, familiares, etc.) que configuram o também sobre quais intervenções estão sendo conduzidas
cuidado de si corporal no programa em questão. Destacam- nos serviços e se estas estão em acordo com os princípios
se o modo pelo qual os participantes se apropriaram das do SUS.
prescrições a eles direcionadas. O Capítulo “Os jogos em jogo: uma iniciativa por
O tema da obesidade é retomado no capítulo uma relação mais saudável no ambiente escolar”, de Victor
“Reflexões sobre a educação do corpo obeso no contexto José Machado de Oliveira e Vinícius Penha, remete-nos a
midiático: uma análise do reality ‘Além do Peso’ da Rede discussão sobre Educação Física e saúde na escola. Eles
Record de Televisão”, de Lorena Nascimento Ferreira. narram como enfrentaram o desafio de colocar em prática,
A autora discute como a mídia televisiva, por meio dos nos jogos interclasse, atividades cujo objetivo principal foi
conselheiros (na linguagem baumaniana), apropria-se do investir na promoção da saúde em um de seus aspectos
corpo obeso e produz discursos direcionados a padronização mais difíceis de ser reconhecido: a saúde produzida nas
dos corpos, produção de subjetividades, interesses relações sociais. Os embates e enfrentamentos não foram
mercadológicos e a formação de identidades baseadas poucos, mas o trabalho coletivo e o envolvimento dos
na imagem corporal. A autora trabalha os conceitos de alunos nas decisões mostraram outra forma de agregar
“estigmatização” e “insensibilidade” moderna para que valores e sentidos aos jogos.
o leitor consiga ir além do paradigma biomédico e seja Os dois últimos textos retomam os cenários da
mobilizado a pensar os desafios que os obesos enfrentam formação para o campo da saúde e da pesquisa em saúde.
em uma sociedade que passou a tomar o corpo obeso Alessandro Rovigatti do Prado relembra e reflete sobre
como objeto de espetacularização e lucro. Dessa forma, nos sua aproximação com o campo da saúde coletiva durante
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a graduação. Quem não se questionou no percurso de dimensões específica e ampla, ou seja, uma intervenção
formação sobre quais possibilidades de atuação teria, amparada e “equipada” (como nos lembra Foucault
como desenvolveria seu trabalho, como é de fato “praticar” (2006) por um campo de conhecimentos instituídos, mas,
a profissão? Em “Travessia (perigosa...) pelo PET-Saúde: sobretudo, por um trabalho ético capaz de avaliar caso a
reflexões a partir de experiências na Atenção Primária” caso, cenário a cenário, os saberes e práticas necessários
temos um encontro com esses dilemas. O autor, amparado tanto à transformação de modos de existências aliados ao
pela participação em um programa específico de formação adoecimento quanto à potencialização dos movimentos
em saúde (PET-saúde) e por reflexões teóricas, relata sua que lutam cotidianamente e produzem a ampliação da
aproximação com essas questões e mostra como pode experiência corporal, do viver, da saúde.
ser rica e produtiva a possibilidade de tentar respondê-
las ainda no período de graduação. Os caminhos trilhados Felipe Wachs
por Alessandro nos ensinam sobre o trabalho coletivo e a Ueberson Ribeiro Almeida
Educação Física na área da saúde, e amenizam as angústias Fabiana F. de Freitas Brandão
de futuros formandos.
Por fim, o capítulo “O uso da entrevista etnográfica
em educação física e saúde: uma experiência de pesquisa Referências
com povos indígenas da Amazônia Colombiana” de autoria
de Edwin Buitrago e Alex Fraga é um desdobramento da FOUCAULT, M. A hermenêutica do sujeito. São Paulo:
pesquisa de mestrado empreendida pelo primeiro autor e Martins Fontes, 2006.
orientada pelo segundo. Neste texto, os autores aproveitam
FRAGA, A.B.; CARVALHO, Y.M.; GOMES, I. M. As práticas
a dimensão metodológica da experiência investigativa para
corporais no campo da saúde. São Paulo: Hucitec, 2013.
discutir possibilidades de uso da entrevista etnográfica em
pesquisas sobre práticas corporais no campo da saúde. GOMES, I.M.; FRAGA, A.B.; CARVALHO, Y.M. Práticas
Efeito do trabalho interinstitucional híbrido, solidário corporais no campo da saúde: uma política em formação.
e coletivo, a obra “Educação Física e Saúde Coletiva: Porto Alegre: Rede UNIDA, 2015.
cenários, experiências e artefatos culturais” aposta na
CARVALHO, Y.M.; GOMES, I.M.; FRAGA, A.B. As práticas
diversidade e transversalidade de olhares para problematizar
corporais no campo da saúde: pesquisa interinstitucional e
e analisar possíveis contribuições da Educação Física à
formação em rede. São Paulo: Hucitec, 2016.
saúde das populações. Trata-se, nesse sentido, de um
“livro-aposta”, no sentido de que a afirmação da vida é o
fio da tecelagem que une as temáticas em suas diferenças.
A diversidade dos cenários, bem como as especificidades
e intencionalidades que cada um nos demanda, exige
que pensemos nossa atuação profissional a partir das
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UNIDADE I
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE:
CENÁRIOS DE PRÁTICA
NÓS, COM OS OUTROS E O SUS: uma
perspectiva micropolítica do cuidado para
além da atenção básica
Referências
Propondo outras composições... com o cuidado e a CAMPOS, G.W.S. O SUS entre a tradição dos Sistemas
política... Nacionais e o modo liberal-privado para organizar o cuidado
à saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, sup. 12,
Analisando os aspectos levantados pelos estudos, p. 1865-1874, 2007.
percebe-se a relação viva entre macro e micropolítica. E
também fica evidente como não temos explorado outras CARVALHO, M. SANTOS, N.R.; CAMPOS, G.W.S. As instituições
perspectivas que podem nos ajudar a compreender o modo privadas poderão participar de forma complementar ao
como as políticas são fabricadas e como lidamos com os Sistema único de Saúde... ou será o contrário? Saúde em
efeitos de seus atravessamentos no micro da produção debate, Rio de Janeiro, v. 36, n. 92, p. 11-20, 2012.
do cuidado. É necessário ressignificarmos o modo como DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil Platôs – capitalismo e
acolhemos as interferências das políticas em nosso esquizofrenia, vol.3. 2. Ed. Rio de Janeiro: Editora 34, 1996.
cotidiano, para que possamos nos posicionar de forma
mais ativa nos diferentes espaços do SUS, para além da FEUERWERKER, L.C.M. Micropolítica e saúde: produção
reprodução da norma - e, no caso da Educação Física, de do cuidado, gestão e formação. Porto Alegre: Editora Rede
práticas pouco reflexivas e esvaziadas de sentidos. Unida, 2014.
Precisamos propor e sustentar práticas que sejam FREITAS, F.F.; CARVALHO, Y.M.; MENDES, V.M. Educação
produtoras de relações boas, alegres e que instiguem Física e saúde: aproximações com a “Clínica Ampliada”.
encontros que valorizem o indivíduo e o coletivo, suas Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Florianópolis, v.
questões e necessidades, e ainda com aquilo que é do 35, n. 3, p. 639-656, 2013.
outro.
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IANNI, A.M.Z. A política posta em questão: o sucesso do 13º MERHY, E.E.; FEUERWERKER, L.C.M. Novo olhar sobre as
Congresso Paulista de Saúde Pública. Saúde e Sociedade, tecnologias de saúde: uma necessidade contemporânea.
São Paulo, v. 24, supl. 1, p. 13-18, 2015. In: MANDARINO, A. C. S.; GOMBERG, E. (Orgs.). Leituras
de novas tecnologias e saúde. São Cristovão e Salvador:
LEAL, M.B. Saúde Coletiva e SUS: análise sobre as mútuas Editora Universidade de Feira de Santana e Editora da UFBa,
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2015. 220f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Saúde Pública,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. MERHY, E.E. Ver a si no ato de cuidar. In: CAPOZZOLO A. A;
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MENDES, A. Direito como instrumento de efetivação (ou de uma formação em saúde. São Paulo: Hucitec, 2013. p.
não) do direito à saúde no Brasil – Cenário dos desafios 248-267.
ao direito à saúde universal brasileira. Revista Direito
Sanitário, São Paulo, v. 14, n. 2, p. 113-118, 2013. SARTI, T. A (Bio)política da Saúde da Família: adoecimento
crônico, micropolítica e o governo da vida. 2015. 206f. Tese
MENDES A.; WEILLER, J.A.B. Renúncia fiscal (gasto (Doutorado) – Faculdade de Saúde Pública, Universidade de
tributário) em saúde: repercussões sobre o financiamento São Paulo, São Paulo, 2015.
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491-505, 2015.
MENDES, A. A saúde pública brasileira no contexto da
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corporais. In: KOOPMANS, F. F.; ESPÍRITO-SANTO, G. M.
(Orgs.). Saúde da família: experiências e diversidade no
território. Rio de Janeiro: UNISUAM, 2015. v. 1, 204 p. No
prelo.
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EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE MENTAL:
algumas problemáticas recorrentes no
cenário de práticas
Felipe Wachs
Introdução
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Vínculo de trabalho e compor equipe ou cumprir tarefas profissionais de Educação Física já enfrentavam dificuldades
como o constante fantasma de serem “devolvidos” para sua
Começarei com uma perspectiva ampla da primeira secretaria de origem quando estatutários ou demitidos, pois
problemática. Ela não é específica nem da Educação os contratos das instituições com os governos poderiam
Física, nem mesmo do contexto da saúde mental. Um dos não ser renovados.
maiores problemas atuais da área da saúde é o processo Talvez este histórico e as atuais formas de vinculação
crescente de terceirização que tem promovido alterações trabalhista se aliam a dificuldades próprias da incipiência
nos vínculos empregatícios. A gestão de hospitais ou da Educação Física nos serviços de saúde para constituir
mesmo da rede de atenção básica tem sido repassada o que Ferreira (2013) chama de profissional “tarefeiro”.
para Fundações ou Organizações Sociais (OS), as quais O profissional “tarefeiro” está no serviço para cumprir
assumem a responsabilidade de contratar os profissionais tarefas, realizar os procedimentos que lhe cabem. Ele não
para atuarem em serviços “públicos”. Sem estabilidade, se envolve com a equipe do serviço para atuar de forma
os profissionais ficam reféns das alternâncias político- interdisciplinar ou para organizar sua intervenção a partir
partidárias e recebem pouca ou nenhuma atenção para das demandas dos usuários. Ferreira argumenta que esta
suas reivindicações coagidos pelo frágil vínculo. Mesmo que caracterização muitas vezes é decorrente das condições
muitas vezes a população ofereça apoio aos profissionais, de trabalho propiciadas aos profissionais de Educação
o controle social, que figura entre os princípios do SUS, Física, que precisam transitar por diferentes serviços,
acaba desempoderado uma vez que o governo delega permanecendo poucas horas em cada um deles. Ele vai ao
a gestão a uma instituição de direito privado. O trabalho serviço de saúde, coordena sua oficina, mas não tem tempo
em saúde acaba atravessado por gestões sustentadas por para se apropriar do funcionamento do serviço, de interagir
números de procedimentos e que dão menos atenção para com outros profissionais, de ser “compositor”. (FERREIRA,
resolutividade na organização do cuidado e dos recursos. 2013) Ele terá dificuldades para compor a equipe, para
A questão é ampla e cheia de desdobramentos, compor formas inovadoras e interdisciplinares de cuidar.
mas é importante situá-la brevemente para compreender É possível que o profissional de Educação Física se
o cenário que permeia os vínculos de trabalho dos caracterize como um tarefeiro mesmo tendo boas condições
profissionais da Educação Física na saúde. Se pensarmos de trabalho. Em um exercício de reflexão podemos supor que
nos pioneiros das décadas passadas, dificilmente tínhamos deficiências na formação profissional possam induzir o tipo
profissionais de Educação Física vinculados diretamente de postura profissional “cumpridor de tarefas” decorrente,
a secretarias de saúde. Alguns eram cedidos de outras por exemplo, da pouca experiência de trabalho conjunto
secretarias como educação ou esporte e lazer, outros eram com outros profissionais da saúde, do desconhecimento
contratados por associações, cooperativas ou Organizações de saberes específicos do campo da saúde, da insegurança
Não Governamentais (ONGs) que já se constituíam como em expor suas fragilidades diante de outros profissionais,
vias de terceirização, mas que não detinham a mesma da dificuldade de conduzir atividades sem que todos os
dimensão de poder de gestão do patrimônio público movimentos estejam previamente planejados, etc.
que as atuais Fundações e OSs. Muitos desses primeiros
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Essa realidade provavelmente acontece com intenções que convirjam com o papel que desempenha ao
maior frequência em outros cenários do SUS, como, por intervir em dado contexto. Quando um profissional, seja
exemplo, na atenção básica do que propriamente na ele da Educação Física ou não, propõe uma prática corporal
saúde mental. Contudo, é importante que coloquemos como uma oficina sistematizada ou como uma atividade
em foco a problemática do profissional “tarefeiro” para pontual em um CAPS, o que se espera alcançar com isso?
falar de trabalho em saúde mental, pois é um cenário no Frequentemente a intencionalidade apresentada
qual romper com especificidades e organizar o cuidado de para sustentar práticas corporais no CAPS está relacionada
forma interdisciplinar a partir das demandas dos usuários à pretensão de ser fator de proteção para uma série de
é fundamental para respeitar a proposta de cuidado do doenças crônicas não transmissíveis. Ou seja, a vida não para
modelo psicossocial. Um profissional que passa um turno e o “louco” também tem dor de dente. Ou seja, é possível
em cada serviço de saúde dificilmente conseguirá. que os objetivos para ofertar à prática corporal se afastem
da proposta de tratar o sofrimento psíquico, responsável
por trazer o usuário ao CAPS. Qual a função do CAPS: tratar
Práticas corporais, saúde mental e integralidade o sofrimento psíquico (ou prejuízos pelo uso de substâncias
psicoativas) ou prevenir hipertensão dos usuários?
O profissional de Educação Física pode se esforçar Caso acionemos o princípio da integralidade, é
para não se posicionar ou ser posicionado na condição de possível sustentar que o CAPS não pode se deter a olhar
“tarefeiro”, mas, ainda assim, não compor organicamente apenas para o sofrimento psíquico, mas precisa olhar para
as atividades que são promovidas em serviços de saúde o usuário como um todo. Dessa forma, compreende-se que,
mental. Mencionei anteriormente que as práticas mesmo que alguém esteja com depressão ou esquizofrenia,
conduzidas pelos profissionais de Educação Física em CAPS ainda assim necessita alimentação saudável, praticar
não deveriam ser simplesmente transposições de outros exercícios, etc. A questão é: o CAPS pode olhar o indivíduo
contextos ocupados tradicionalmente pela Educação Física. como um todo, mas deveria/poderia dar conta de todas as
Serviços de saúde como o CAPS possuem uma função necessidades desse indivíduo? A prática regular de atividade
social a cumprir. Nesse caso, a função é oferecer assistência física para prevenção de doenças poderia ocorrer em outro
terapêutica para pessoas em intenso sofrimento psíquico. lugar que não o CAPS? Pode-se argumentar que, em outros
A segunda problemática para a qual chamo a atenção espaços da cidade, os profissionais não estão preparados
está relacionada à harmonização entre as intenções das para lidar com a loucura ou com a dependência química,
atividades conduzidas pela Educação Física nos CAPS e a ou ainda que, nesses espaços, os demais participantes não
própria função social prospectada para a instituição. serão acolhedores.
Espera-se que um profissional, ao conduzir alguma Dois aspectos precisam ser observados, no
atividade, faça-o tendo objetivos a serem alcançados. Esses entanto, quando a intencionalidade da prática corporal
objetivos podem estar mais ou menos fechados ou abertos, é “preventivista”. O primeiro é que não basta participar
mas, mesmo assim, espera-se que o profissional tenha de uma ou duas oficinas semanalmente para garantir
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os níveis predispostos de atividade física. Outro é que o A(s) identidade(s) entre especificidade profissional e
CAPS não deveria ser responsável por toda e qualquer necessidades do campo
assistência à saúde de uma pessoa considerada “louca”.
Espera-se que o CAPS não se torne uma instituição total As duas primeiras problemáticas refletem dificuldades
(GOFFMAN, 2008) que se ocupe de todas as dimensões do profissional de Educação Física em adentrar ao campo
da vida de seus usuários e acabe, assim, reproduzindo o da saúde mental e construir objetivos diferentes dos que
modelo manicomial de cuidado tutorial. Será que não há tradicionalmente são usados para legitimar as práticas
possibilidade do usuário realizar alguma prática corporal de que conduz em outros contextos. O terceiro ponto que
forma regular em outro equipamento da rede de saúde ou quero problematizar no texto vai radicalmente na direção
fora dela? Poderiam os profissionais do CAPS dar apoio para oposta. Não é raro que o profissional de Educação Física se
que outros profissionais lidem com sintomas característicos afaste de práticas mais próximas de sua formação inicial e
dos usuários da saúde mental? acabe se envolvendo em outras atividades eventualmente
Portanto, a segunda problemática, para a qual chamo vislumbradas como mais potentes no tratamento. Isso pode
a atenção, é sobre a harmonização entre os objetivos ser bom, uma vez que o CAPS é um espaço que incentiva os
que os profissionais de Educação Física estabelecem para profissionais a saírem de seus nichos de especificidade para
suas atividades e a função social proposta para serviços organizarem o cuidado tendo por referência as demandas
de saúde mental como o CAPS. Este tipo de contradição dos usuários. É importante, no entanto, que prestemos
foi identificado também por Furtado et al. (2015). O atenção a esse movimento de afastamento das práticas que
planejamento das atividades deve levar em consideração caracterizam a formação inicial.
que as pessoas vêm ao CAPS em um momento particular de Será que as práticas corporais não estão sendo
intenso sofrimento psíquico e que elas terão alta em algum posicionadas como algo secundário dentro do CAPS e
momento, pois a proposta do CAPS não é institucionalizar os profissionais de Educação Física estejam procurando
usuários. Parece-me que quando as práticas corporais ocupar atividades de maior reconhecimento no
conduzidas pela Educação Física contribuem no trato do tratamento? Em minha experiência pessoal, já vi diversos
sofrimento psíquico a harmonização acontece de forma profissionais diferenciarem uma oficina que trabalha com
mais objetiva. Adotar um transitório viés “preventivista” corpo e movimento de atividades que são “o tratamento
também pode ter desdobramentos positivos para saúde de verdade”. O “tratamento de verdade”, nestas situações,
mental caso o profissional consiga contribuir para inserção consiste em tomar a medicação prescrita e falar para um
do usuário em algum outro grupo social de praticantes, por terapeuta ou para um grupo sobre seu sofrimento. Atividades
exemplo. Talvez seja até possível um deslocamento do foco que deslocam o foco da doença para a vida, encontram
da prevenção de doenças para a promoção de vida, tendo desconfiança em relação a sua potência terapêutica.
no horizonte a importância da reinserção social, da busca Escutei de uma usuária uma das falas mais representativas
pelo “fora”, da busca por habitar a cidade e construir laços. desse aspecto. Após participar de uma oficina conduzida
por um profissional de Educação Física, ela disse: “parece
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brincadeira, mas não é”. (WACHS; FRAGA, 2009a) Com essa defendem interesses de categoria profissional e “cada um
fala curta e direta ela enuncia a desconfiança que tinha da no seu quadrado”.
proposta e reconhece a potência terapêutica vivenciada A questão não se limita a afirmar uma identidade
na oficina. Nem sempre é tão fácil vencer a desconfiança de campo que rompe com as especificidades da formação
inicial e o preconceito. inicial, mas também que a identidade profissional de
A questão que procuro trazer ao foco é quanto o Educação Física não seja simplesmente abandonada
profissional pode ser impelido a se afastar de práticas no campo de atuação apesar dele dar margem para
associadas a sua formação inicial. Em oportunidade tanto. Não se trata também de delimitar que, dentro do
anterior (WACHS; FRAGA, 2009b), relatei conversa que tive CAPS, oficinas esportivas sejam conduzidas apenas por
com a equipe de um CAPS no momento que trazia retornos profissionais de Educação Física ou que esse profissional
de minha pesquisa de mestrado. Contei que uma usuária deve oferecer oficinas esportivas, por exemplo. A melhor
não identificava as atividades conduzidas pelo profissional forma de refletir sobre especificidade é perguntando: ter
que eu acompanhara como sendo Educação Física. A cursado Educação Física na graduação pode contribuir de
resposta da equipe foi rápida, afirmando que eram, antes que forma no cuidado em saúde mental? Se o profissional
de tudo, profissionais de saúde mental. A intenção da de Educação Física não consegue encontrar respostas para
equipe foi de proteger o colega, mas também de enunciar essa pergunta e abandona sua identidade de graduação
uma postura na organização do cuidado no serviço. Esta é preciso que se interrogue sobre possíveis porquês. É
postura é enunciada quando se afirma como identidade o contexto de trabalho que não valoriza e oprime? São
profissional primeira ser profissional de saúde mental e insuficiências da formação? Será que outro profissional
não enfermeiro, assistente social, psicólogo ou profissional não traria melhores contribuições? A Educação Física traz
de Educação Física. É reflexo da intensidade do campo da contribuições diferentes?
saúde mental, que demanda aprender coisas novas que não
fizeram parte da formação inicial, que requer envolvimento
afetivo e dedicação, que conduz a atividades que escapam
Orientação teórica e contribuições no tratamento. Mas
da especificidade de sua profissão de origem. O debate
tratar o quê?
acerca da especificidade é uma questão recorrente nos
espaços que tratam de Educação Física na saúde mental e
O quarto ponto sobre o qual quero discorrer é um
ainda mais no estágio curricular de acadêmicos em CAPS.
pouco mais complexo. Tomando por partida o enredo
É possível, no entanto, defender uma visão que não se
do parágrafo anterior, pensemos em um profissional de
atenha a perspectivas dicotomiais, ou seja, podemos nos
Educação Física que conduz práticas corporais dentro de
afirmar como profissionais de saúde mental sem deixar
um CAPS e que consegue justificar a importância que estas
de ser profissionais de Educação Física. Compreender que
atividades podem ter no tratamento dos indivíduos. Nas
estas duas identidades podem compartilhar um mesmo
atividades de estágio que supervisiono, frequentemente os
corpo, e que ora uma se sobrepõe ora outra, não é tão
acadêmicos apresentam como objetivo para as atividades
complexo, mas é inconcebível para algumas pessoas que
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a importância de propiciar e estimular atividades de possa ser situado teoricamente. Ora, não se espera que
sociabilização aos usuários de saúde mental. É um bom a Educação Física seja responsável por criar um manual
começo, mas podemos deixar a situação mais complexa diagnóstico como o CID (Classificação Internacional de
de, pelo menos, dois modos. O primeiro é questionar Doenças e Problemas Relacionados à Saúde) ou o DSM
que intervenções serão feitas ou que manejos poderão (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais),
ser necessários para alcançar o objetivo. Não é raro que nem por criar um modelo teórico-clínico como a Psicanálise.
profissionais de Educação Física planejem suas atividades É importante que o profissional de Educação Física se situe
folheando um livro de “1001 jogos” e depois busquem em algum modelo de explicação para o(s) fenômeno(s)
associar um objetivo para um jogo que encontrou e sabe sabendo que este pode variar, afinal loucura, sofrimento
conduzir. Estabelecer socialização a posteriori como objetivo, psíquico e transtorno mental não são exatamente a
é possível para muitos jogos. Obviamente, o adequado mesma coisa. Mesmo o diagnóstico de psicose pode ser
é buscar por uma atividade a ser proposta ou deixar que compreendido de formas diferentes por um psiquiatra
o próprio grupo proponha depois que já se identificou ou por um psicanalista. O contexto teórico fará com que
alguma demanda individual ou de grupo, mas digamos que sejam diferentes o diagnóstico, o foco e a direção do
trabalhar relações interpessoais é uma demanda e que se tratamento, os recursos terapêuticos, o papel do terapeuta,
planejou uma atividade a partir dela. as expectativas. Enfim, para que a Educação Física consiga
Devemos esperar que o jogo por si só alcance o avançar na teorização sobre suas práticas, é importante que
objetivo? É possível prever algumas intervenções que elas sejam situadas nestes quadros teóricos mais amplos.
reforcem a intensão proposta? É possível prever possíveis Apesar de considerar que há necessidade da
intercorrências que demandem manejos? O terapeuta Educação Física situar melhor teoricamente suas propostas
deve ter um papel ativo? Quando intervir? O profissional terapêuticas na saúde mental, é possível encontrar
de Educação Física terá, muitas vezes, dificuldade com essa trabalhos que já o fazem muito bem. Apenas para dar
dinâmica, com as saídas do script, com a assunção de um um exemplo, vejamos o trabalho de Capra e Araújo
papel mais ativo (que não espera que a atividade por si só (2005) que avaliam a prática de relaxamento como um
alcance o objetivo), e isso nos leva ao segundo modo de recurso para ansiedade e fissura de alcoolistas. A proposta
deixar a discussão mais complexa. está sustentada teoricamente nos preceitos da Terapia
Não é difícil construir uma direção para o tratamento Cognitivo-Comportamental. Em termos internacionais, a
através de um objetivo amplo para uma atividade pré- maioria da literatura que trata de atividade física e saúde
programada que será proposta a um grupo. Contudo, mental acaba apresentando uma orientação teórica
manter de forma clara uma direção para o tratamento no sustentada por uma psiquiatria clássica, delimitando
conjunto dos objetivos ou no trato do inesperado é mais seus estudos a partir de diagnósticos específicos, de seus
difícil. Passa pela pergunta exposta no título desta seção: sintomas e das respostas bioquímicas do exercício. Muitos
“mas tratar o quê?”. Para que essa pergunta possa ser bem desses estudos são inclusive conduzidos por psiquiatras,
respondida, é importante que o conjunto do tratamento uma vez que a realidade brasileira de inserção da Educação
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Física em serviços de saúde não se aplica a muitos países. à saúde mental. Em alguma medida, é preciso que se preste
De fato, a relação entre atividade física e saúde mental faz atenção a quanto do modo manicomial de organizar o
mais sentido em nível internacional do que a relação entre trabalho é transportado para o contexto atual de práticas,
Educação Física e saúde mental. porém não são apenas legados manicomiais que constituem
As possibilidades de situar as práticas corporais ou problemáticas nesse cenário. No presente texto, procurei
outras práticas conduzidas em nome da Educação Física explorar algumas das problemáticas que tenho percebido
em uma teorização mais ampla acerca da saúde mental como recorrentes acerca da atuação de profissionais de
não são tão poucas. É possível sustentá-las na Psicanálise, Educação Física em serviços de saúde mental.
na Medicina Tradicional Chinesa ou por outros modelos Considero o campo da saúde mental como um dos
teóricos. Em alguns momentos, as propostas distam tanto mais ousados dentro da atenção em saúde. Ousadia essa
entre si que poderíamos agregar composições adjetivas que passa desde a forma de compreender os sujeitos
e falar em Educação Física psiquiátrica, Educação Física até por propostas clínicas inovadoras que transgridam o
psicossocial, Educação Física holística... Não que algumas senso comum provocando desconfortos aos defensores da
miscigenações teóricas não sejam interessantes para sociedade normativa e normalizante. Temos bons exemplos
experimentar a desrazão no trato com a loucura, mas é de profissionais de Educação Física investidos dessa ousadia
importante identificar influências para que a Educação (MACHADO, 2011), mas nem sempre é fácil para a Educação
Física não flutue sem leme no contexto da saúde mental, Física adentrar esse cenário, pois seu contexto acadêmico
para que consiga ser potente no cuidado ao usuário e para e profissional se alinha frequentemente a teorizações
que teorize de forma competente sobre suas práticas nesse sustentadas por perspectivas normalizantes. A discussão
campo. que promovi sobre quatro problemáticas, busca contribuir
na harmonização entre as propostas desenvolvidas por
profissionais de Educação Física e os códigos e funções
próprios do contexto atual dos serviços de saúde mental.
Considerações finais
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evitar que os indivíduos adoeçam e/ou estas apresentado maior peso corporal e
reduzir o consumo de medicamentos. estarem na faixa de idade superior as do
(TAGLIAFERRE; ALBUQUERQUE, 2008, grupo de inativas.
p.19)
Todos os fragmentos acima fazem menção à ideia de
O próximo fragmento, selecionado no documento que a atividade física contribuiu de forma eficaz na melhora
que orienta a implantação do SOE, corrobora a visão de dos indicadores utilizados para mensurar o quão boa está
saúde do documento anteriormente citado e mostra a saúde do indivíduo. Podemos visualizar com clareza
dados com o objetivo de constatar a eficiência da atividade essa ideia no primeiro e no terceiro trechos. O segundo
física orientada e promovida pelo serviço em um dos seus relacionou a atividade física com a prevenção da diabetes.
módulos com relação à saúde dos indivíduos. É nesses O quarto relacionou a prática e o estímulo da atividade
termos que Venturim (2004, p.55-56), gestora que assina física com uma melhora da qualidade de vida a partir da
tal projeto, cita os estudos de Carletti (1993) e Carletti prevenção de doenças e agravos não transmissíveis com a
et. al (1998) como sustentação da política de oferta de finalidade de diminuir a incidência de doenças e gastos com
serviços de exercícios físicos à população. Vejamos como o medicamentos.
documento busca construir tais argumentos:
Os dados mencionados corroboram a grande ênfase
Um estudo promovido por Carletti (1993) dada à difusão de informações a respeito dos benefícios
que abrangeu 42 pessoas (31% homens da atividade física em detrimento da própria prática
e 69% mulheres) que frequentavam o (FRAGA, 2006), na qual modelos prescritivos são cada
módulo Tancredão demonstrou que, vez mais utilizados e populações também estão sendo
aqueles usuários que praticavam atividade marginalizadas à medida que não aderem àquele modelo
física regularmente, o fator de risco mais prescrito, responsabilizando assim, o sujeito pela condução
frequente era a obesidade e hipertensão
arterial. Foram entre estes usuários que da sua própria saúde. Essa discussão reforça que esse
mais se encontrou relatos de melhorias modelo prescrito valoriza uma “vida ativa” (FRAGA, 2006)
nas condições de saúde. A maior parte contribuindo para uma visão medicalizada da saúde assim
dos participantes deste estudo (93%) como salientam Nogueira e Palma (2003).
relatou também melhor sensação
subjetiva de bem-estar ao aderirem aos Entretanto, percebemos em outras passagens,
exercícios regulares. Outro levantamento tentativas de fazer com que a concepção de saúde
feito também por Carletti et. al (1998), utilizada pelas políticas públicas da SEMUS caminhe para
entre as usuárias do Módulo Tancredão a visão ampliada. Porém, as ações propostas para que isso
que frequentavam as aulas de ginástica, ocorra, pautam-se na ideia linear de que uma vida ativa é
comparado com aquelas que tinham
acabado de se cadastrar no SOE, apontou indispensável quando pensamos em hábitos saudáveis para
para um menor percentual de gordura uma melhor qualidade de vida. Vejamos trechos retirados
e maior massa corporal magra entre as dos documentos que evidenciam o que estamos afirmando:
praticantes de exercício, mesmo tendo
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A atividade física exerce papel relevante na (PREFEITURA DE VITÓRIA/SECRETARIA
prevenção e tratamento das DCNT`s, não DE SAÚDE - RELATÓRIO DE GESTÃO 2010,
apenas pela sua ação direta na redução p.17)
dos riscos prospectivos, mas, sobretudo,
pela sua interferência na magnitude dos Os quatro fragmentos relacionam à atividade física, ou
fatores de risco modificáveis. (VENTURIM, melhor, um estilo de vida ativo, com a adoção de hábitos de
et. al, 2004, p.79) vida mais saudáveis, o que concordamos ser um dos pontos
Tais efeitos estão diretamente relacionados fundamentais para a busca de uma melhor qualidade de
com a promoção da saúde e prevenção de vida, porém, não o único e primordial.
enfermidades e a atuação do profissional
de Educação Física em conjunto com os Fraga (2006) afirma que difundir esse estilo ativo de
demais membros das equipes da unidade vida é a forma mais econômica e politicamente mais eficiente
básica de saúde, torna-se relevante para o de adentrar no discurso da promoção da saúde, o que faz
desenvolvimento de hábitos de vida mais com que as políticas públicas de saúde não abram mão desta
saudáveis. (VENTURIM, et. al, 2004, p.80)
“estratégia”. Góis Junior e Lovisolo (2003) relacionam essa
O Serviço de Orientação ao Exercício
corrobora com as diretrizes da Política visão atual com aquela pregada pelo movimento higienista
Nacional de Promoção da Saúde e da historicamente impactante nas políticas e ações de saúde
Política Nacional de Atenção Básica, no Brasil, pois ambas promovem uma supervalorização das
dispostas, respectivamente, nas Portarias atividades físicas para a promoção da saúde.
nº. 687/2006 e nº. 648/GM/2006. Em
conjunto, essas políticas preveem ações, Outro ponto que podemos discutir é o fato de que
coletivas e individuais, para incremento na maioria das passagens selecionadas, encontramos a
da prática corporal/atividade física, expressão “atividade física” sendo utilizada e relacionada
alimentação saudável, controle do com a saúde do indivíduo. Poucas foram às vezes que
tabagismo, prevenção de doenças e agravos encontramos a expressão “práticas corporais”, na
não transmissíveis, visando mudanças
comportamentais, com estímulo às ações
perspectiva que já comentamos nesse texto, isto é, sugerido
intersetoriais, buscando parcerias que por Carvalho (2006) e outros autores, como uma nova
propiciem o desenvolvimento integral das perspectiva de entender o movimento corporal como fator
ações de promoção da saúde e reconhecer importante na promoção da saúde.
na promoção da saúde uma parte
fundamental da busca da equidade, da Vale ressaltar que em quase todos os fragmentos
melhoria da qualidade de vida e de saúde. encontrados que possuem a expressão “práticas corporais”,
(TAGLIAFERRE; ALBUQUERQUE, 2013, p.6) ela não foi usada como sinônimo de atividade física. Esse
O SOE atende à população adulta do fato nos sugere que os responsáveis pela elaboração dos
município de Vitória e adjacências documentos já diferenciam uma prática da outra, apesar de
estimulando a prática de atividade física e não deixarem claro a diferença central entre os dois conceitos.
orientando para a execução adequada de Em todo caso, resta-nos saber se essa diferenciação acontece
exercícios e adoção de hábitos saudáveis.
também nos processos de intervenção dos profissionais
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de EF. De todo modo, consideramos importante que o de saúde ampliada. A partir da ampliação do conceito de
termo “práticas corporais” não simplesmente assuma o saúde, a Educação Física pode se caracterizar como uma
lugar ortográfico do de atividade física, e que, portanto, área atuação na saúde dos sujeitos de forma holística,
não seja ligada exclusivamente ao combate de doenças, podendo desempenhar papel importante na prevenção,
como um novo “remédio” para os males do sedentarismo. promoção, manutenção e reabilitação da mesma.
A relação entre práticas corporais e combate às moléstias A análise dos dados ratifica um dos pensamentos
contemporâneas emerge no Plano de Ação da Secretaria de abordados na nossa pesquisa: de que ainda estamos
Saúde como uma espécie de princípio norteador das ações envolvidos por uma Educação Física pautada na prática da
em saúde: atividade física como sendo sinônimo de saúde (biológica).
Vejamos: Essa mesma Educação Física atua principalmente de forma
prescritiva promovendo uma fragmentação do sujeito a
Elaborar um plano de atividades que partir de um olhar reduzido à medida que o homogeneíza
estimulem e orientem a realização de e o culpabiliza. (MENDES, 2013) Entretanto, a análise dos
práticas corporais em conjunto com
documentos nos permitiu pensar que as políticas atuais
equipe dos programas de combate do
tabagismo, hipertensão arterial, diabetes, estão tentando concentrar esforços para possibilitar ao
obesidade, câncer e outras doenças cidadão condições para uma melhor qualidade de vida,
crônicas. (PREFEITURA DE VITÓRIA/ mesmo que, a priori, a ênfase maior ainda seja na prática
SECRETARIA DE SAÚDE - PLANO DE AÇÃO da atividade física em si.
2006, s/p., grifos nossos)
Portanto, há discursos pautados na concepção de
Segundo Fraga, Carvalho e Gomes (2013), embora saúde ampliada, mas não podemos deixar de salientar
com dificuldades de materialização de sentidos mais amplos que a visão encontrada nos dados ainda é fundamentada,
de saúde, pensar a Educação Física e a promoção da saúde a muitas vezes, no modelo biomédico em detrimento das
partir do viés das práticas corporais está em conformidade relações sociais, característica encontrada na maioria dos
com a humanização do cuidado e com a atenção integral, profissionais de Educação Física que se encontram no
pois contribui para uma ressignificação das competências âmbito da saúde pública. (CARVALHO, 2001) No entanto,
e das habilidades necessárias a um trabalho intersetorial e há também sinais de que possa haver aproximações mais
multiprofissional, objetivando uma promoção da saúde mais profícuas entre discursos e práticas fundamentadas na
participativa e democrática, princípios esses defendidos saúde ampliada, o que somente poderia ser verificado na
pelo sistema de saúde que vigora no Brasil, o SUS. inserção em campo, com a produção de novos estudos.
Queremos deixar claro que não devemos desconsiderar
a dimensão biológica da atividade física, pois reconhecemos
sua importância na saúde do indivíduo. Os parâmetros
fisiológicos são fundamentais para se avaliar a saúde que
também deve ser levada em consideração quando falamos
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Considerações Referências
A cidade de Vitória possui programas no âmbito BACHETTI, J.R.; BORGES, C.N.F. Ações de saúde pública
da saúde pública que se utilizam das práticas corporais no município de Vitória/ES e o envolvimento de práticas
e das atividades física e que contam com a presença do corporais como estratégia. V SEMINÁRIO NACIONAL
profissional de Educação Física. Dentre eles, o principal SOCIOLOGIA E POLÍTICA, 2014, Curitiba. Anais do V
é o SOE, o qual se enquadra como um serviço que possui Seminário Nacional Sociologia e Política, 2014. p. 61-62.
espaços (físicos) próprios, mas que também está articulado
em uma rede de atenção e serviços de saúde relacionados BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República
com outras políticas, como a Academia Popular da Pessoa Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Congresso Nacional,
Idosa, as Unidades de Saúde e outras. 1988.
Salientamos que, ainda de maneira frágil e sustentada, ______. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990: [Lei
muitas vezes, no modelo biomédico de saúde, encontramos Orgânica da Saúde]. Diário Oficial da República Federativa
sinais do movimento de valorização da atividade física/ do Brasil, Brasília, DF, p. 18.055, 20 set. 1990.
prática corporal a partir da inserção do profissional de ______. Portaria nº 687/GM, de 30 de março de 2006.
Educação Física, atuando na promoção e prevenção em Política Nacional de Promoção da Saúde. Brasília:
ações de saúde do município de Vitória. Mesmo porque há Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde,
sinais de vinculação das ações a uma possível concepção de Secretaria de Atenção à Saúde, 2006.
saúde ampliada, uma vez que nos documentos o conceito
aparece de forma prescritiva. Desse modo, as ações de ______. Portaria GM n°154 de 24 de Janeiro de 2008. Cria
políticas públicas em Vitória, sobretudo pela atuação do SOE, os Núcleos de Apoio à Saúde da Família - NASF. Brasília:
apresentam potenciais de efetivação social, representando Ministério da Saúde; 2008.
importante contribuição da Educação Física nas políticas de
saúde como estratégia geral de atendimento da população, ______. Conselho Nacional dos Secretários de Saúde. As
sobretudo nos aspectos de promoção e prevenção. Conferências Nacionais de Saúde: Evolução e perspectivas.
Brasília: CONASS, 2009 - 1 Ed. 100 pg. (CONASS Documenta;
18).
______. Portaria GM n°2488 de 21 de Outubro de 2011.
Revisão de diretrizes e normas para a organização da
Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF)
e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS).
Brasília: Ministério da Saúde; 2011.
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BRASIL. Portaria GM n°3124 de 28 de dezembro de 2012. MENDES, V.M. As práticas corporais e a clínica ampliada: A
Redefine os parâmetros de vinculação dos Núcleos de Educação Física na Atenção Básica. 2013, 178f. Dissertação
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Projeto de implantação do Serviço Orientação ao Exercício
da Prefeitura Municipal de Vitória, Secretaria de Saúde.
Vitória/ES, 2004. EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR E O TRATO
DIDÁTICO-PEDAGÓGICO DA SAÚDE:
desafios e perspectivas
Introdução
10
Este projeto será discutido na Unidade II deste livro como tema cen-
tral do capítulo “Os jogos em jogo: uma iniciativa por uma relação mais
saudável no ambiente escolar”.
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Quadro 1 – Projetos desenvolvidos Se houve algo que marcou essa investigação foi que
(conclusão) não estávamos ali para dizer o que era saúde e/ou o que
os professores deveriam fazer. As questões relacionadas
Nº Projeto Turmas Resumo à saúde deveriam emergir das próprias práticas dos
A proposta centrou-
professores, das necessidades que eles percebessem em
se na inclusão seu cotidiano. Assim, cada professor teve seu tempo de
de alunos com construção e desenvolvimento do projeto respeitado.
deficiência a Questões como essas podem ser visualizadas no quadro 1,
partir das relações na variedade das temáticas dos projetos desenvolvidos.
sociais. Elegeram-
Saúde nas se as questões do Por exemplo, o projeto nº 3 surgiu entre duas
5 relações 5º ano cuidado com o demandas de trabalho: uma da escola (a iminência dos
sociais outro, solidariedade, jogos escolares que deveriam ser desenvolvidos) e outra
cooperação e o da pesquisa, a qual levou o professor de EF a pensar como
incentivo de atitudes
articular esses jogos com a temática da saúde desenvolvida
inclusivas que se
transformassem em no grupo de formação da pesquisa-ação.
atitudes de vida. No momento das análises dos dados ficamos nos
Fonte: Relatório de pesquisa. perguntando: como poderíamos dizer que tal projeto
estava articulado ao tema da saúde? Afinal, em nenhum
Os projetos citados apresentaram tentativas de momento dos jogos fora exposto aos estudantes a palavra/
deslocamento de uma perspectiva meramente biologicista conceito saúde.11 Para justificarmos a afirmação do vínculo
(aptidão físico-fisiológica) para uma concepção ampliada do projeto com o tema da saúde, necessitamos dizer qual
de saúde. A visualização do quadro, também nos permite a “lente” que utilizamos para tal leitura. Consideramos
perceber como foram exploradas as temáticas (de ser a saúde a expressão da capacidade de um coletivo
movimento) no trato com a saúde: resolução de conflitos, de criar e lutar por seus projetos de vida em direção ao
resgate de brincadeiras populares, inclusão de alunos tensionamento e à produção de normas que aumentem o
com deficiência, transformação dos jogos escolares (Jogar poder de agir dos sujeitos para lidarem com as adversidades,
contra VS jogar com) e o cotidiano de subir e descer uma desafios e riscos que o viver, inevitavelmente, nos impõe.
escadaria. Contudo, cabe a reflexão sobre os limites dessas Nesse sentido, a saúde dos projetos não se deteve
ampliações. Como justificar esses temas/projetos como apenas a uma questão teórica ou a utilização das práticas
sendo contribuintes para a saúde? Se reiterarmos a ideia de corporais como ferramentas secundárias em detrimento
que ampliar significa, também, complexificar, passamos a do trabalho conceitual. Foi possível perceber o “efeito”
compreender que é do chão da escola que essas respostas saúde nas práticas que se interligaram a questões sociais
(ampliação) devem emergir. 11
Da mesma forma ocorreu nos projetos nº 1 e nº 3 (quadro 1).
Os professores desenvolveram suas atividades sem citar a palavra/
conceito saúde.
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como conflitos de todas as ordens entre os alunos: de que os alunos usufruam este tempo-espaço para ampliar
gênero, etnia, econômicos, estéticos (Projeto 1). Violência e suas experiências nas práticas corporais, e nelas (e também
sedentarismo problematizados nos Projetos 1 e 2. Inclusão, com elas) lidem com as diferenças, equilibrem as relações
competição, solidariedade e cooperação nos projetos 3 e 4 e de força nos grupos, fortalecendo vínculos e aumentando,
cuidados corporais e posturais no projeto 5. Como o espaço para todos, as possibilidades culturais de movimento e de
deste texto nos limita, optamos por discutir os projetos aprendizagens dos conteúdos da EF.
1: Atividades de Lazer e Promoção da saúde (no recreio) Lidar com o cotidiano e a cultura escolar é algo sempre
e o projeto 2: “Cuidando de nós”. Ainda ressaltamos que problemático. Apesar de toda a positividade do projeto
detalharemos de modo mais incisivo o projeto 2 por ter sido 1, o mesmo não foi concluído. Isso porque a professora
desenvolvido nas aulas, em um trabalho interdisciplinar foi ameaçada por um aluno e, por medo, não quis dar
envolvendo as disciplinas de EF e Língua Portuguesa. continuidade ao trabalho. A violência, então, se mostrou
como um aspecto que tem se instalado no cotidiano escolar
Projeto 1 – Atividades de Lazer e Promoção da saúde e interferido de modo incisivo e determinante nas condições
de trabalho e nos processos de produção de saúde. Isso
Identificar a opção dos professores em arregimentar indica que os docentes não podem ficar e nem se sentirem
elementos de trabalho a partir dos encontros foi algo “sozinhos” nas investidas que buscam transformações em
muito interessante. No projeto 1, a professora percebeu culturas endurecidas por normas e relações de poder que
que os encontros na hora do recreio estavam produzindo colocam a vida de todos em perigo.
muitos conflitos e acidentes. Foi então que ela pensou
que a Educação Física poderia contribuir na alteração Projeto 2 – “Cuidando de nós”
desses encontros a partir de sua especificidade. Com o
trabalho focado na coletividade, os estudantes foram O projeto 2, elaborado pela professora Tiara12, foi
levados a pensar em como poderiam utilizar as práticas único a ser desenvolvido na modalidade de Educação de
corporais na hora do recreio de forma a fortalecer os Jovens e Adultos. A professora de Educação Física trabalhou
encontros como momentos de produção de saúde. Nesse em parceria com um professor de Português.13 A docente
sentido, as atividades de lazer passariam a ser o projeto nos relata que em semestres anteriores havia trabalhado
dos estudantes em vista de instituir um processo de junto com a professora de ciências, o que a proporcionou
busca pela análise coletiva dos conflitos e diminuição dos uma parceria interdisciplinar e a produção de em um
acidentes (decorrentes desses conflitos). Ressaltamos que a projeto sobre a saúde envolvendo temas, dentre outros,
capacidade de analisar conflitos coletivamente, a circulação como alimentação saudável, qualidade de vida, importância
da fala e produção de “encontros” que permitam criar da hidratação no calor, importância da atividade física,
normas em favor da vida são princípios ético-políticos da relações entre composição corporal e atividade física.
Política Nacional de Humanização do SUS. (BRASIL, 2015)
Assim, entendemos que a professora ao intervir no recreio
12
Pseudônimo utilizado para garantir o anonimato da docente.
13
A EJA em Vitória é composta por aulas ministradas por dois
tensiona a criação de “condições de possibilidade” para professores ao mesmo tempo de forma interdisciplinar.
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Contudo, a participação no curso promovido pela pesquisa- a ausência de espaços de lazer/educação física em suas
ação a levou a refletir sobre o que pode ser o trato da comunidades, o trabalho e a saúde.
saúde na escola. Diz ela: “Após o curso eu vi que é preciso De acordo com a professora Tiara o projeto contou
muito mais que isso. Não é simplesmente mostrar como com a participação efetiva dos alunos e, dentre muitas
uma parte fisiológica [funciona], mas como isso tudo vai questões que emergiam o trabalho foi sendo construído
trazer transformações para o estudante [...]” (Profa.Tiara, com os problemas e demandas de saúde do cotidiano
entrevista). dos estudantes. A escrita dos alunos foi atravessada por
Na conversa com os alunos sobre a elaboração de um questionamentos diários do tipo “Como é seu dia? O
projeto sobre a saúde que envolvesse a disciplina de EF e que você realiza? Você tem momentos de lazer? O que
Português, a proposta feita pela docente foi a de levar os você entende como lazer? O que acarreta subir aquele
estudantes a refletirem e transformarem seus modos de morro todos os dias? Quantas vezes eles subiam? Quais
vidas e suas relações com a saúde. Tiara, então, propõe as necessidades que o corpo ao final do dia tem?” (Profa.
como título do projeto “Nosso cotidiano”, mas os alunos ao Tiara, entrevista).
entenderem que a saúde seria o tema norteador sugeriam Destacamos a importante inflexão no modo da
a troca para “Cuidando de Nós”, a qual foi um importante docente compreender a saúde. Ao tomar contato com
indicador para a análise do trabalho desenvolvido. “E as discussões a respeito do conceito de saúde durante o
realmente eu acho que foi uma troca bem válida porque curso de formação na pesquisa-ação, ela experimenta
foi o aprendizado que eles tiveram. Como que eles, a partir agora tratar didático-pedagogicamente o conteúdo a partir
do cotidiano, poderiam cuidar de si mesmos” (Profa. Tiara, da inclusão dos sujeitos na decisão sobre os processos de
entrevista). saúde que dizem respeito, de modo singular, às suas vidas,
Uma das estratégias produzida na relação ao seu cotidiano. Críticos da biomedicalização da saúde,
interdisciplinar EF-Português teve como objetivo a produção Canguilhem (2012) e Dejours (2005), ao apostarem na
de textos narrativos que, ao se materializarem, permitissem ampliação do conceito de saúde, afirmam que esta não
aos alunos pensarem e reescreverem seus cotidianos e suas pode ser analisada exclusivamente por meio do “silêncio
relações com a saúde. Aproveitando-se da falta de quadra e dos órgãos”, muito menos em lâminas controladas em
de outros espaços para a prática de atividades físicas, Tiara laboratório que separam os indivíduos de seus meios
propõe que os alunos escrevam acerca dos impactos sobre de vida. Para estes autores a saúde é um conceito trivial,
seus corpos da experiência de descer e subir a escadaria isso não quer dizer que seja simples, mas pelo contrário,
de aproximadamente 70 degraus do morro que dá acesso exige análise caso a caso e por isso os sujeitos também são
à escola. Ressaltamos que na EJA grande parte dos alunos capazes e estão autorizados a falar e avaliar os problemas
é trabalhador e alguns são idosos. A professora Tiara, que lhes produzem saúde e sofrimento patológico.
astuciosamente, tenta com essa intervenção mobilizar A profa. Tiara nos relata na entrevista que as narrativas
os alunos a pensarem e se reposicionarem sobre suas e as vivências [de ginástica e alongamentos] desenvolvidas
condições de vida e as relações com a atividade física, no projeto despertaram nos alunos o desejo de mudar
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alguns hábitos e modos de pensar o cuidado em saúde. Eles física da cidade. Mas vale ressaltar que o trabalho de escuta
passaram a perceber que a conquista da saúde não se atrela dos alunos faz emergir também uma série de estratégias
à busca de um corpo perfeito e livre do risco das doenças empreendidas pelos sujeitos no cotidiano para cuidarem de
(até porque isso é impossível de ser alcançado), mas que, sua saúde na comunidade do Forte São João. Interessante
principalmente, exige atenção ao cotidiano e às tramas que é que a professora descobre que os próprios alunos dilatam
envolvem as práticas corporais. De acordo com a docente o conceito de atividade física e sua relação com a saúde.
de EF, os alunos passaram a afirmar nas aulas “Semana que Ao serem interpelados nas aulas sobre o “o que é atividade
vem eu vou caminhar; semana que vem eu vou fazer”. E física” os alunos responderam: “fazer atividade física é
interpelada sobre como ela percebeu a aprendizagem dos dançar um pagode na laje no fim de semana”, “é ir à praia”,
alunos, Tiara responde: “é mexer o corpo”, “é ir à igreja”, “é subir e descer o morro”,
“é jogar bola no campinho ali do terreno e depois tomar
[...] Ficou bem claro que além do trabalho cerveja” (Projeto “Cuidando de Nós”). Se abrirmos mão
é necessário ter um tempo para eles (para do moralismo vinculado historicamente à ideia de saúde,
eles cuidarem deles), de eles terem um
talvez possamos tornar nossos ouvidos mais sensíveis às
momento de até mesmo contemplar a
natureza, contemplar a família, contemplar forças vitais que movem e produzem a vida das pessoas e
os amigos, saírem e terem esse momento das populações em diferentes contextos e, daí, partirmos
mais específico para eles. Não só cuidar para pensarmos como podemos também contribuir para
de alimentação, de fazer exercício, de se ampliar os sentidos de saúde por meio dos diversos saberes
hidratar bem, mas ter um convívio social que a área da EF dispõe e de muitos outros que podem ser
agradável.
produzidos, também a partir do contato com os diversos
Não mais apenas os saberes da biologia e da fisiologia modos de existência (de sujeitos, grupos e populações),
são mobilizados e transmitidos abstratamente pela docente os quais parecem ter muito a nos ensinar sobre o viver, a
aos alunos, mas a leitura refinada (e situada) dos problemas saúde.
que afetam a saúde dos alunos (e da comunidade onde Fazer da atividade física um “pagode na laje”, “uma
vivem) emerge como uma importante competência que dá ida à praia” ou “à igreja” parece ter muito mais “graça”
sentido ao trabalho pedagógico nas aulas de EF. A partir das do que entendê-la meramente como uma entidade
demandas levantadas, os alunos compreendem (e sentem) científico-biomédica (e solitária na maioria das vezes)
que ao final do dia (momento em que são obrigados a escalar onde o objetivo principal tem sido cada vez mais o alto
uma escadaria gigante para chegar à escola) alongamentos, rendimento, a aptidão fisiológica e o gasto calórico (e de
ginástica e dança seriam ideais para um primeiro bloco de dinheiro). Só quem joga sabe e sente o poder/efeito saúde
conteúdos a serem estudados/praticados durante o projeto. que há em uma “pelada no campinho com os amigos e
Por meio da escrita, os alunos percebem a carência de depois ir tomar cerveja”. Nesses casos, a atividade física/
equipamentos públicos de lazer e cultura em seus bairros, prática corporal emerge com sentido na vida dos sujeitos
o que exige ampliar seus cotidianos/territórios no sentido e lhes coloca desafios a cada encontro, os quais geridos de
de viverem outros espaços de práticas de lazer e atividade modo bem ou malsucedidos, se transformam em histórias,
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produzem autores, reconhecimentos, aprendizagens com diversas conotações) também um modo crítico de
de todos os tipos. Talvez o conhecimento profundo estabelecer relação com a saúde?
desses modos de experimentação corporal nos auxilie a Se pretendemos não abrir mão do fato de que a EF
compreender como as práticas corporais se transformam tem uma importante contribuição para a saúde (e por que
em dispositivos14 disparadores da construção de redes não na promoção da saúde?) na escola, parece necessário
de afetos, vínculos, expansão das relações e de condições que possamos superar o modelo biomédico de saúde,
de possibilidade para o acesso, a vivência e o gosto pelas uma vez que este, além de possuir suas especificidades
próprias práticas corporais. institucionais e sociais, já não é mais aceito como capaz
de abarcar sozinho a complexidade que a análise da saúde
exige.
Considerações finais Assim, apostamos que a contribuição da EF escolar
está em promover as práticas corporais como possibilidades
Ampliar a saúde não significa apenas aumentar o do fortalecimento de uma “formação para a saúde”. Nesse
escopo de elementos que possam ser arregimentados sentido, o trabalho estaria em promover “bons encontros”
como contribuintes da saúde, mas pensar como a própria nos quais os estudantes pudessem desenvolver gosto
intervenção pedagógica da EF na escola não se reduza a via aprendizagens na realização do movimentar-se que
exercitação corporal abstrata e naturalizada das práticas lhes possibilitassem, principalmente, enfrentar e gerir
corporais. A EF, em nosso entendimento, possui uma os desafios (riscos, fracassos, sucessos) que as práticas
contribuição específica à formação para a saúde ligada ao corporais os colocam de modo individual, coletivo e social.
seu papel de componente curricular de promover o acesso “Bons encontros”, no sentido espinosano do termo, no
pedagogizado e crítico às práticas da Cultura Corporal de qual o “bom” diz respeito às composições com modos
Movimento na escola. Assim, os desafios que o conceito de existências que favorecem a autonomia e a potência
de saúde ampliada encontra para operacionalizar-se na de agir dos sujeitos. (DELEUZE, 2002) Como a potência
escola não parecem muito distintos daqueles enfrentados de agir é o que abre o poder de ser afetado pelo maior
pelos movimentos e perspectivas da área que afirmam número de “coisas”, nossa intervenção pedagógica como
uma EF crítica. Pois, não é o conceito ampliado (embora “bom encontro” poderia mais bem colocar em disputa
diferentes modos de relação e produção de afetos nas
14
A noção de dispositivo advém dos estudos foucaultianos. Trata-se da
maneira como a trama de saberes e poderes articula-se na produção práticas corporais. Por exemplo, avaliar com os alunos em
de sujeitos, ou seja, é um arranjo “[...] decididamente heterogêneo termos de saúde ampliada, jogar com foco na competição e
que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, na cooperação, experimentar a exclusão e a solidariedade,
decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados
científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas”. (FOUCAULT,
bem como o preconceito e acolhimento das diferenças e do
2006b, p.244) Em um dispositivo encontramos dimensões de poder- outro nas práticas.
saber-subjetivação, que podem atualizar práticas de normalização e
controle, bem como neles podemos agenciar exercícios de autonomia
e liberdade, realizar um trabalho sobre nós mesmos.
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Nesse sentido, importa perceber a Educação Física BRACHT, V. Educação Física e Saúde Coletiva: reflexões
escolar como potencializadora de uma “formação para a pedagógicas. In: FRAGA, A. B.; CARVALHO, Y. M.; GOMES,
saúde”. Nossas experiências, até o momento, têm indicado I. M. As práticas corporais no campo da saúde. São Paulo:
que formar para a saúde se liga às relações e interações Hucitec, 2013.
dos agentes escolares; por isso a necessidade de uma
maior ênfase nas relações sociais que possibilitam práticas BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
promotoras de saúde e expansão das possibilidades de Curriculares nacionais: Educação Física. Brasília; MEC/SEF,
ações no ambiente escolar. A saúde, então, não se restringe 1998.
somente nas aulas de uma disciplina, mas deve compor o ______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
próprio ambiente escolar tornando-se um tema do coletivo. Curriculares nacionais: terceiro e quartos ciclos do ensino
Entendemos que aí repousa a questão. Por isso, fundamental. Brasília; MEC/SEF, 1998.
optamos pelo caminho da complexificação a partir do ______. Ministério da Saúde. Programa Nacional de
cotidiano das práticas que nos apresenta, diante de cada Promoção da Atividade Física “Agita Brasil”: atividade física
contexto, as necessidades das pessoas que ali convivem. e sua contribuição para a qualidade de vida. Revista de
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contribuir ao implementar ações de “formação para a Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
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A EDUCAÇÃO FÍSICA NA SAÚDE: reflexões
acerca do fazer da profissão no SUS
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PRÁTICAS CORPORAIS E CLÍNICA
AMPLIADA: experimentando tessituras
para a composição de outros modos de
cuidado
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PRÁTICAS CORPORAIS/ATIVIDADE
FÍSICA E SAÚDE: da mobilização do sujeito
ao movimento de constituição de espaços1
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Reforçaremos e aprofundaremos essa questão na categoria que trata
do espaço do SOE.
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Em se tratando de relações estabelecidas, a Existem diferenças entre os professores.
professora que atua no módulo, em contato com os sujeitos Cada um tem seu estilo. (Sujeito 5)
pesquisados, é fundamental para potencializar a capacidade Essa flexibilização permite que possibilidades diversas
de alargar suas margens de ação, a partir dos encontros. de interação surjam e, sobretudo, a relação do profissional
Muitos relatam, em conversas informais, o quanto a relação com os usuários é fundamental no aumento/diminuição de
construída com a professora do módulo é fundamental para alternativas. O professor, no contexto desse estudo, assume
a permanência no serviço/módulo. Como reflexo dessa o papel de, para além de intermediador das atividades,
relação, avaliações positivas são feitas de modo frequente potencializador de encontros. Isso não significa, contudo,
à professora. afirmar que os encontros dependem predominantemente
da interferência do profissional e que, portanto, sua
A [professora] orienta bem e se preocupa
com todo mundo. O que ela não sabe, influência é imprescindível. Mas implica reconhecer sua
procura saber sobre. Ela orienta as pessoas capacidade de influir nessas relações.
e é muito “entendida”. (Sujeito 8) Deve-se considerar, de maneira não secundária, os
A [professora] é ótima. Ela vai além encontros produzidos entre profissional e usuários, visto
do dever profissional. Nem todos os
professores são como ela. Inclusive, em
que as relações de poder que se estabelecem parecem ser
um dia em que não teria aula, ela ligou mais “positivas” na medida em que o profissional busca
avisando. Ela é funcionária pública e não favorecer a horizontalidade na relação com os sujeitos
tem um telefone institucional para poder colocando-se, acima de tudo, em posição de lateralidade
utilizar. Então, ela não tem obrigação de com os usuários.
fazer isso. Ela usou o telefone pessoal. É
perceptível que ela se realiza fazendo o É necessário, sem dúvida, assumir que o conhecimento
trabalho dela. (Sujeito 116) construído durante a formação do profissional é necessário.
No entanto, esse conhecimento não desqualifica aquele de
Embora as atividades desenvolvidas nos módulos natureza empírica que o usuário possui. Ou seja, o indivíduo
do SOE sejam praticamente as mesmas, a atuação de lida tanto com o conhecimento científico quanto “não-
cada profissional, de acordo com a professora do módulo, científico”. Ambos coexistem e, portanto, não se excluem
independe da atuação dos outros. Ou seja, cada profissional mutuamente. Buscamos, nesse sentido, argumentar, que
possui autonomia, do ponto de vista didático/metodológico, embora o profissional tenha determinada visão do indivíduo
para intermediar as atividades desenvolvidas e os usuários e sua saúde, não se pode desconsiderar a maneira como
notam essa diferença. esta é vivenciada pelo indivíduo.
Durante o tempo de permanência no campo foi
6
É importante destacar que esse sujeito já participou e ainda participa possível perceber o quão fundamental é a relação construída
de atividades oferecidas em outro módulo do SOE. Sua frequência no entre profissional e usuário(s) do serviço, no sentido de
módulo do Bairro de Lourdes, segundo relato, deve-se à viabilidade dos produção de encontros, bem como o papel determinante
horários da atividade de yoga.
dessa relação na permanência dos usuários e na produção
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da sensação de acolhimento. Esse acolhimento não se Aqui nós interagimos com as pessoas,
resume à realização da atividade física pelo sujeito, mas conhecemos as pessoas. Às vezes,
permite-o ocupar o espaço que lhe é oferecido, de modo a fazemos alguma festinha, fazemos
uma reuniãozinha no final do ano. Nós
ser coautor de suas experiências/vivências. conversamos, nos distraímos. É muito
Criar condições para que o indivíduo seja ativo bom. Saímos daquele estresse do dia a
no processo saúde-doença é fundamental e, para tal, é dia, do trabalho. Sempre conversamos
após o alongamento, ou até mesmo
necessário criar condições favoráveis à emergência deste antes. É muito gostoso, eu gosto. Estou
como protagonista de sua existência, da sua saúde. interagindo com as pessoas e isso é muito
bom. (Sujeito 1)
Eu vejo outras pessoas. Gosto de estar
reunida com as outras pessoas, me
O SOE como espaço(s)7 sentindo amiga delas, especialmente em
relação à professora. (Sujeito 9)
Muito mais que um espaço voltado à prática de
atividade física, o SOE é um espaço de produção de Dado o próprio conceito de espaço (CERTEAU, 2014),
sentidos e de subjetividades. Os sentidos e significados não é possível falar em um espaço único, vivenciado por
a ele atribuídos e nele construídos são diversos e, nem todos os sujeitos que frequentam o SOE. Essa perspectiva
sempre, convergentes. A única convergência que parece ser permite-nos falar sobre espaços distintos, que coexistem
possível de identificar nas falas dos sujeitos é a relevância do em um mesmo lugar. Essa coexistência é vastamente rica
serviço como espaço de promoção de saúde na perspectiva do ponto de vista das relações possíveis na construção de
da construção deste, em um constante movimento que sociabilidades. Pensar, portanto, no sujeito em relação é
constitui e é constituído por sujeitos em relação. Ou seja, elemento fundamental para compreendermos o processo
embora a maneira como cada sujeito vivencia o SOE seja de promoção de saúde, para além da prevenção de
distinta, as falas convergem ao compreendê-lo como espaço doenças, visto que produzir saúde é produzir, em última
de promoção de saúde. instância, capacidade de ação – a qual emerge de encontros
entre sujeitos. Nesse sentido, o SOE representa um ponto
de encontro(s).
No que diz respeito aos benefícios percebidos
pelos usuários em relação a sua inserção no SOE, o mais
7
Para Certeau (2014, p.184) “[...] o espaço é um cruzamento de comumente citado é a produção de sociabilidades.
móveis. É de certo modo animado pelo conjunto de movimentos que Atrelada a essa valorização está a sensação de bem-estar.
aí se desdobram. Espaço é o efeito produzido pelas operações que o
orientam, o circusntanciam, o temporalizam [...]. Em suma, o espaço
Não é possível afirmar que ambos estejam diretamente
é um lugar praticado. Assim a rua geometricamente definida por um relacionados. Contudo, dada a natureza das falas, a sensação
urbanismo é transformada em espaço pelos pedestres. Do mesmo de bem-estar parece relacionar-se, por um lado, à produção
modo, a leitura é o espaço produzido pela prática do lugar constituído de sociabilidades e, por outro, à pratica da atividade física.
por um sistema de signos – um escrito”.
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Aqui no SOE, além da ginástica, você minha vinda pro SOE foi para isso. Inclusive,
tem um grupo de amizade legal, onde em minhas caminhadas, cheguei ao limite
é possível conversar, participar, “pôr a de andar três quilômetros em uma hora.
conversa em dia” e isso é muito legal. O Realmente foi muito bom pra mim, deu
SOE me faz muito bem. Tenho problema pra me sentir no limite. Então isso aqui
de depressão e estar aqui, pra mim, é foi algo que deu sentido à minha vida,
ótimo [...]. Se eu estiver em casa triste, graças a Deus. Aqui conheci [a professora]
venho pra cá e esqueço tudo. Pra mim, e outras pessoas e isso foi muito bom.
isso aqui é tudo. Aqui eu converso, brinco Eu acho que vir aqui foi a melhor coisa
e ao mesmo tempo faço ginástica. (Sujeito que eu fiz. Emagreci; aprendi a caminhar
7) porque quando fazia a caminhada sozinho
de repente começava a sentir dor nas
No entanto, os dados sugerem que essa sensação de coxas impedindo que eu andasse. Eu
bem-estar, quando atrelada à prática de atividade física, procurei pela [professora] e aprendi a
em determinados casos, deve-se, para além de possíveis andar. Aprendi a fazer alongamento antes
sensações provenientes da prática de atividade física, à e depois da caminhada. A gente se sente
melhor, tem mais disposição, fica mais
adequação ao que apregoa o discurso do estilo de vida alegre; o próprio exercício coloca nossa
ativo. Isso não significa que a própria atividade não tenha autoestima lá em cima. Melhora muito a
influência sobre a percepção dos sujeitos, mas também nossa autoestima, me sinto como se fosse
influi a necessidade de não se enquadrar no rótulo de “não- um garoto, apesar da idade. Tenho 60
ativo”, conforme ilustrado na fala a seguir. anos. (Sujeito 2)
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Saúde, Brasília, 2006. uma vida saudável, distribuído pelos módulos do serviço.
CASTIEL, L.D.; GUILAM, M.C.R.; FERREIRA, M. Correndo
risco: uma introdução aos riscos em saúde. Rio de Janeiro:
Editora Fiocruz, 2010.
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ACADEMIA DA SAÚDE E OS DIFERENTES
SABERES PARA ATUAÇÃO DO
PROFISSIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA
Marcelo Skowronski
Alex Branco Fraga
Introdução
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Considerações finais advindos da bagagem de disciplinas e experiências da
graduação, pós-graduação e que muitas vezes também não
Através de entrevistas realizadas com profissionais serão suficientes para atender às demandas do serviço.
de Educação Física que desenvolviam atividades em polos Os saberes da experiência, colocados preliminarmente
do Programa Academia da Saúde já instalados no Brasil, por Tardif (2012) como diferenciados dos demais,
foi possível traçar algumas considerações em relação especialmente por serem constituídos de todos os outros,
ao processo de mobilização de saberes por parte dos foram destaques entre os 14 profissionais entrevistados.
trabalhadores inseridos no contexto desta iniciativa lançada Ficou claro nos polos a existência de um processo de
pelo Ministério da Saúde no ano de 2011. aprendizagem e construção de saberes decorrentes das
A discreta familiarização de alguns entrevistados com particularidades até então desconhecidas deste novo
os objetivos e propostas do Programa pode ter contribuído espaço de atuação. Um exemplo foi o estabelecimento de
para o desenvolvimento de ações isoladas, como exercícios relações multiprofissionais para que ocorressem trocas
físicos em grupos para hipertensos, diabéticos, idosos, de ideias visando estruturações conjuntas de ações. Tal
com atenção para a saúde voltada exclusivamente aos iniciativa poderia inclusive resultar na produção de saberes
indicadores orgânicos, resultando em intervenções ainda entre as profissões que eventualmente seriam mobilizados
distantes do escopo de atuação previsto nos polos. Esta em prol de um atendimento coletivo. Na mesma direção,
situação contempla a necessidade inicial do profissional emergiu entre os entrevistados a figura do “tutor informal”,
de saúde vinculado ao polo, que não é local exclusivo de ou seja, profissionais da área de Educação Física com mais
atuação do núcleo da Educação Física, de se apropriar experiência em serviços de Atenção Básica serviram de
não só da operacionalidade do serviço em questão, mas referência para que os recém-chegados aos polos pudessem
também dos conhecimentos e saberes necessários para o pensar em intervenções/atividades capazes de repercutir
entendimento do macrossistema em que a Academia da sentidos na população atendida.
Saúde está inserida: o SUS. A construção de uma “caixa de saberes-ferramenta”
A compreensão do campo da saúde, juntamente para o trabalho nos polos também passa pela “miscigenação”
com o domínio de conceitos como promoção da saúde, dos saberes entre profissionais de diferentes polos, sejam
produção do cuidado, integralidade da atenção, dentre eles da mesma cidade ou de diferentes regiões do país. Em
outros, características apresentadas por outra parte dos cidades maiores esta situação foi identificada nas reuniões
profissionais colaboradores, é indicador positivo para que o periódicas entre os trabalhadores de Educação Física de
trabalho do facilitador/mediador, estando em consonância diferentes unidades de saúde. Não obstante, tornar públicas
com a população atendida, aproxime-se dos resultados através de redes sociais as experiências desenvolvidas nos
almejados pelo Programa e acima de tudo pelos usuários. O polos pelo Brasil se constitui como ferramenta relevante na
conhecimento destes e de outros conceitos que transitam ampliação do repertório de saberes para que profissionais
no campo da saúde pode ser entendido como pré-requisito próximos às Academias da Saúde possam compor de forma
para a posterior mobilização de um “mix de saberes”, mais qualitativa suas ações. Embora não relatado pelos
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entrevistados, cabe relatar a existência destas iniciativas BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à
em diferentes perfis públicos de polos de Academias da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional
Saúde na rede social Facebook, no próprio perfil oficial do de Atenção Básica. Brasília, 2012.
Programa Academia da Saúde5 e ainda na Comunidade
de Práticas6 (Academia da Saúde), ferramenta utilizada ______. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
por gestores e trabalhadores do SUS para compartilhar Nível Superior (Capes). Diretoria de Programas e Bolsas no
experiências em diversos serviços de saúde. País (DPB). Coordenação-Geral de Programas Estratégicos
(CGPE). Coordenação de Indução e Inovação (CII). Pró-
A busca por novos saberes por parte dos profissionais, ensino na saúde: edital n. 024/2010. Brasília, DF: Capes,
oriunda do que requer cada polo, não registra a emergência 2010.
de um novo profissional de Educação Física, moldado
para um serviço específico da Atenção Básica em saúde. CARVALHO, Y.M. Educação física e saúde coletiva: uma
Espera-se dos diferentes profissionais que podem atuar introdução. In: LUZ, M. T. Novos saberes e práticas em
na Academia da Saúde, a capacidade de saber transitar saúde coletiva: estudos sobre racionalidades médicas e
entre os conhecimentos do núcleo da Educação Física e os atividades corporais. 3. Ed. São Paulo: Hucitec, 2007.
demais saberes que compõem a saúde pública, esfera de FRAGA, A.B. et al. Curso de extensão em promoção da
pertencimento de múltiplas profissões que direcionam suas saúde para gestores do SUS com enfoque no programa
forças de atuação visando atender aos princípios do SUS. academia da saúde. Brasília: Ministério da Saúde, Secretaria
da Vigilância em saúde: Fundação Universidade de Brasília,
CEAD, 2013.
Referências FRAGA, A.B.; CARVALHO, Y.M.; GOMES, I.M. As práticas
corporais no campo da saúde. São Paulo: Hucitec, 2013.
BORGES, C.M.F.; DESBIENS, J.F. Saber, formar e intervir para
uma educação física em mudança. Campinas, SP: Autores GAUTHIER, C. et al. Por uma teoria da pedagogia: pesquisas
Associados, 2005. contemporâneas sobre o saber docente. Ijuí: Ed. UNIJUÍ,
1998.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 186, de 14 de
março de 2014. Brasília, 2014. HENZ, A.O. et al. Trabalho entreprofissional: acerca do
comum e a cerca do específico. In: CAPOZZOLO, A. A.;
_______. Ministério da Saúde. Portaria n. 2.681, de 7 de CASETTO, S. J.; HENZ, A. O. (Orgs.). Clínica Comum:
novembro de 2013. Brasília, 2013. itinerários de uma formação em saúde. São Paulo: Hucitec,
2013.
5
Disponível em: <https://www.facebook.com/
AcademiaDaSaude/?fref=ts>. Acesso em: set. 2015. MERHY, E.E.; FRANCO, T.B. Trabalho em Saúde. In: PEREIRA,
6
Disponível em: <https://cursos.atencaobasica.org.br/comunidades/ I. B.; LIMA, J. C. F. Dicionário da Educação Profissional em
programa-academia-da-saude-na-comunidade-de-praticas>. Acesso Saúde. 2ª Ed. Ver. Ampl. Rio de Janeiro: EPSJV, 2008.
em: out. 2015.
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MERHY, E. E. Saúde: a cartografia do trabalho vivo. São
Paulo: Hucitec, 2002.
SCHRAIBER, L.B.; MOTA, A.; NOVAES, H.M.D. Tecnologias
em Saúde. In: PEREIRA, I. B.; LIMA, J. C. F. Dicionário da
Educação Profissional em Saúde. 2ª Ed. Ver. Ampl. Rio de
Janeiro: EPSJV, 2008.
TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 13. “AFINAL, O QUE PROCURO?” – a busca
Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
dos usuários de um programa de educação
em saúde da cidade de vitória/ES para o
cuidado com o corpo obeso
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visão negativa da gordura também é compartilhada pela O medo de engordar e de não conseguir voltar ao
Organização Mundial de Saúde (OMS), em que se apropria peso anterior era preocupação constante dos usuários.
da produção desses conhecimentos científicos para Acreditamos que esse discurso “lipofóbico”, reproduzido
subsidiar o discurso patologizante da obesidade. Segundo pelos indivíduos com excesso de peso, esteja relacionado
Czeresnia (2004), os conceitos científicos, além de uma à influência de fatores externos na formação dessa
construção racional, são uma construção simbólica, isto é, imagem negativa da gordura. A mídia, o próprio discurso
contribuem na formação de representações e significados médico e a moda são dispositivos capazes de produzir
sociais dos fenômenos investigados. discursos e práticas que influenciam na formação de
Sobre a rejeição à gordura, Fischler (1995) destaca sujeitos lipofóbicos11. (TEIXEIRA; FREITAS; CAMINHA, 2012)
que estamos vivendo em uma sociedade “lipofóbica”. Uma Consideramos, sobretudo, que essas instâncias contribuem
pesquisa recentemente realizada procurou investigar os para a instalação de alarme social e associação da obesidade
discursos lipofóbicos10 presentes nos sujeitos investigados. a fatores negativos. A própria ótica da Organização Mundial
(TEIXEIRA; FREITAS; CAMINHA, 2012) Assim, foram da Saúde (OMS) colabora com a instauração desse medo.
analisadas falas de 30 mulheres praticantes de exercícios Em relação à associação entre ganho de peso e
físicos em academias de ginástica da cidade de Recife. A adoecimento, encontramos elementos que reforçam a
pesquisa constatou três pensamentos principais referentes representação negativa da gordura:
ao corpo gordo: o primeiro está relacionado ao medo da
gordura; o segundo ao medo de engordar; e o terceiro ao [...] eu uso [aparelho de audição]. Nem
medo de ser improdutivo. usei hoje [o aparelho]. Dependendo do
horário, eu escuto bem, entendeu? [... ]
Em nosso estudo, foi possível identificar essa Mas eu acho também que [esse problema]
relação por meio dos relatos dos próprios indivíduos está tudo ligado com a minha obesidade
com sobrepeso/obesidade. Em alusão a essa afirmação, [...]. (Nilda, trecho do diário de campo em
21 ago.)
encontramos depoimentos dos participantes que reiteram
o medo de engordar: Segundo Sontag (2002), algumas doenças são vistas
na sociedade como algo sombrio, carregado de mistérios
Ai, eu também, me desenhei que eu e ônus. Para ilustrar essa afirmação, a autora traz à baila
não gostaria de ser gordona. Teve uma
reportagem que a mulher pesava quase os exemplos de doenças como tuberculose e câncer,
270 quilos! Aquilo ali me assustou! (Nilda, que, por não termos conhecimentos claros em relação
trecho do diário de campo em 11 set.) às suas origens e desenvolvimento, acabam contribuindo
Tenho medo de ficar hiperobesa! (Silvana, para formação do medo e repúdio social ante o incerto.
trecho do diário de campo em 02 out.) Acreditamos que essa perspectiva nos ajuda a entender o
reconhecemos a contribuição das pesquisas para a área da Educação alarme social sobre a gordura e o cenário apresentado pelos
Física e a dos estudos referentes à obesidade. 11
No tópico seguinte, vamos tratar da influência de fatores externos na
10
Compreende-se como lipofóbicos sujeitos que possuem aversão à
representação negativa da gordura pelos participantes.
gordura.
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participantes investigados diante da negatividade do ganho Pretendo melhorar cada vez mais,
de peso. Em se tratando da obesidade, por ser considerada emagrecer cada vez mais e chegar ao
uma doença multifatorial e a sua definição ser um tanto ou meu peso certo, na medida certa. (Maria
Aparecida, entrevista)
quanto híbrida, esses indicadores contribuem para que as
[...] eu não quero chegar ao peso da
pessoas não identifiquem, ao certo, quais indícios estariam
minha altura não, a médica falou que para
associados à obesidade, atribuindo a ela a emergência de minha altura seria cinquenta e cinco, mas
distintos fatores relacionados aos agravos à saúde. também não quero, sempre fui, assim,
gordinha. (Jaciara, entrevista)
Ao serem indagados sobre as vantagens de possuir
um corpo gordo, nenhum participante encontrou respostas A ponderação em relação ao emagrecimento e ao
positivas para essa afirmação. Segundo Gomes (2008), o uso dessas informações no cotidiano demonstra que a
obeso possui, na atualidade, uma imagem que não causa usuária decide sobre o que melhor convém à sua realidade.
admiração, mas repulsa em portar tal estereótipo. Essa Não querer emagrecer mais do que o considerado correto
afirmação pode ser materializada no relato a seguir: para ela, sinaliza uma ação que demonstra uma abertura
ao novo, a outros poros e possibilidades de viver diante
Por isso que eu estou falando, você que daquilo que é considerado incorreto. Moraes (2011)
está novinha, aproveita para emagrecer,
porque quando você ficar mais velha, você reitera que lançar-se ao risco é uma forma de agir-saúde,
vai ficar gorda e ninguém quer ficar gorda. em que o entendimento do cuidado com saúde está além
Você sabe disso! (Nilda, trecho do diário do que é normativo e restrito a fatores biologizantes, mas
de campo em 04 set.) estaria relacionado à capacidade de assumirmos riscos e
reinventarmos para superá-los. Isto é, o agir-saúde está
Ressalvamos que, apesar de a busca pelo corpo
associado à criação de novos modos de vidas condizentes
magro e saudável ser almejada na atualidade, para Godoi
com a subjetividade que o sujeito assume no que se refere
(2011), podemos encontrar movimentos sociais que
à compreensão de vida.
apresentam discursos contra hegemônicos em relação ao
padrão estético corporal. Para elucidar essa afirmação, o Em relação a nossas análises, identificamos que o
autor se apropria da análise de alguns blogs na internet, medo de engordar e a associação com o desencadeamento
que possuem, no seu conteúdo, discursos resistentes à de outras doenças estiveram não somente presentes
busca pelo corpo magro, enfatizando os corpos volumosos entre os indivíduos obesos, mas, também, nos usuários
como outra forma de ser belo. Em nossas análises, também que apresentavam excesso de peso e não manifestavam
encontramos discursos de resistências à busca pelo corpo nenhum sintoma relacionado à obesidade. Apesar de os
ideal. Enquanto alguns participantes almejavam emagrecer fatores de riscos serem baseados em dados probabilísticos
até chegar ao corpo ideal (magro), outros não possuíam em e no eventual aparecimento futuro, a vigilância constante
suas metas a mesma intensidade desse objetivo: do território corporal é suscitada para evitar eventos
indesejáveis. No entendimento de Castiel (1999), em
uma sociedade de risco paira coletivamente uma aura de
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ameaça e insegurança. Se, por um lado, o conhecimento Segundo Mendes (2009), o cenário midiático contribui
probabilístico permite identificarmos possíveis agravos à para a emergência da visão causal entre atividade física e
saúde, por outro contribui para a formação de um clima saúde. O discurso vinculado à adesão de um estilo de vida
de incerteza e ansiedade causado pela multiplicidade ativo proporciona um novo sentido de corpo perfeito, isto
de fatores de risco. Em nossas análises, constatamos é, ao corpo não está somente relacionado ao cuidado com
que os participantes que apresentavam excesso de peso aparência e a superação de limites físicos em benefício do
procuraram o serviço do programa em virtude do medo da padrão corporal, mas, sobretudo, relacionado à habilidade
provável emergência de doenças. Essa vigilância constante do cuidar de si mesmo para evitar possíveis dados ao
revela claramente a preocupação e a ansiedade dos usuários equilíbrio físico-sanitário.
em relação a perspectivas futuras. Levando em consideração esse cenário, podemos
Desse modo, em nossa incursão no cotidiano do perceber, por meio dos relatos apresentados pelos
programa, pudemos captar dos integrantes os incômodos participantes desta pesquisa, que o cuidado com o corpo é
relacionados ao estigma da gordura. Em vista da superação reduzido a fatores de ordem individual, ao considerarem a
desses infortúnios, alguns relatos dos participantes prática de atividade física e a adesão de uma alimentação
apontam a alimentação saudável e a adesão a um estilo de menos calórica como elementos importantes para a saúde.
vida ativo como elementos contribuintes para a obtenção Ou seja, constatamos que esses indivíduos assumem para si
desses objetivos. Para os usuários, a adesão às práticas o discurso responsabilizador do cuidado com o corpo. Diante
de atividades físicas associada a uma alimentação menos dessa perspectiva, acreditamos que esse posicionamento
calórica, seria fator responsável pelo “ganho de saúde”. Nos responsabilizante dos participantes em relação à saúde
discursos dos usuários, tais elementos assumem o papel de seja reflexo da interiorização do discurso do cuidado com o
medicalização do corpo, atrelando essas práticas à obtenção corpo em vigor.
de benefícios corporais. Para Ortega (2003), esse seria o Ao investigarmos os motivos que fizeram os usuários
reflexo da cultura da biossociabilidade, em que as ações a buscarem o emagrecimento, bem como as suas angústias
dos sujeitos são dirigidas ao objetivo de alcançar valores referentes ao cuidado com o corpo, percebemos que essa
relacionados ao viver bem. Para ele (2003), as bioasceses busca esteve atrelada a “fatores externos a sua vontade”,
são reflexos de práticas que buscam a conformidade com como influência do discurso médico, da pressão social e da
a norma, com a adaptação às regras, como uma única aceitação social, vinculada a preocupações estéticas.
forma de os indivíduos se protegerem socialmente. O
autor acrescenta que essa busca pela uniformidade e
pela conformidade à norma seria uma maneira de nos
“escondermos” ou nos “camuflarmos” para escapar da
tirania da beleza.
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Eu quero emagrecer: as diversas influências nas escolhas Fui em uma nutróloga e ela virou para
modernas mim e falou.... primeiro parecia até a
minha mãe falando... me deu uma lição
de moral, falando que a gente não brinca
Acreditamos que a preocupação dos usuários com com a saúde, que a partir dos 40 tudo é
a redução do peso corporal, a negatividade da gordura e, mais complicado! Primeiro, perguntou a
consequentemente, a busca pelo emagrecimento, sejam minha idade. Eu falei que tinha 39, “então,
reflexos dos discursos normativos e morais propagados na 40 tudo fica mais complicado, então,
sociedade e que subjetivam, forjam e tensionam os sujeitos, você tem que parar de brincar com a sua
em destaque os indivíduos com sobrepeso/obesos. saúde!” Ela me deu assim, aquele esporro,
um saculejo! [...]. Então, foi assim que
Segundo Ortega (2003), o corpo, ao longo da história, eu comecei! (Gilda, trecho do diário de
ganha paulatinamente destaque por meio de intervenções campo em 28 ago.)
que visam aumentar o seu controle das ações e Podemos perceber o quanto esse discurso normativo
performance. Em se tratando de controle do corpo, o saber se faz presente nas práticas referentes ao cuidado com o
médico, representado hoje pela biomedicina, ilustraria bem corpo de um indivíduo que apresenta fatores de risco, como
essa afirmação. É em referência ao discurso médico que a a participante obesa. Desse modo, os conselhos médicos
preocupação em emagrecer se tornou latente. Em relação assumem o papel da razão e da moral em prol da vida
à conduta médica, Gomes (2009) afirma que os discursos saudável, tornando-se conselheiros das ações humanas.
médicos parecem ser orientados por uma cartilha em que (BAUMAN, 2001)
se seguem à risca as “condutas” consideradas “corretas”.12
Segundo o autor, esses discursos sobre o cuidado com o Segundo Castiel e Diaz (2007), as ameaças
corpo possuem como embasamento científico os estudos culpabilizantes podem gerar sentimentos desagradáveis
epidemiológicos, balizados, principalmente, por estratégias nesses sujeitos-alvo e o indivíduo pode voltar-se contra
preventivas com viés biológico. Aos indivíduos que si, contribuindo para a emergência de sentimentos de
apresentam estilos de vida considerados de risco, como punições. De acordo com Soffer (2005 apud CASTIEL; DIAZ,
fumantes, sedentários e com sobrepeso, são direcionados 2007, p.35), “[...] quando se percebe que ouve falha na ação,
discursos visando à mudança de hábito. Muitas vezes há um deslocamento de nossa ideia de competência e, por
esses discursos culpabilizam os sujeitos por sua condição associação, de valor pessoal, uma discrepância subjetiva em
corporal. O desabafo de uma participante demonstra essa relação a nós mesmos”. No exemplo a seguir, essa afirmação
situação: é materializada: “[...] eu me sinto culpada, foi eu que deixei
chegar a isso, então, eu que não me cuidei, tinha que me
cuidar e agora que chegaram os problemas”. (Marinalva,
entrevista) Acreditamos que essa aura que assola esses
indivíduos seja reflexo desses “dispositivos” que incidem
12
Vale ressaltar que não estamos aqui desconsiderando o saber
médico, mas a nossa preocupação está na exacerbação dos discursos sobre eles baseados em discursos normativos do viver bem.
normativos de risco sobre o viver bem.
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Como na narrativa destacada, a participante acredita que a quando a gente sai, ele fala: “as mulheres
atual condição corporal seja resultado exclusivamente da estão tudo magrinha só você que está
falta de vigília e cuidado com o corpo. gordinha”. (Maria Aparecida, entrevista)
Outro ponto a se destacar é a reação de De acordo com Goellner (2003), o discurso da beleza,
“merecimento” do sofrimento. Desse modo, podemos vinculado à normalização estética, ganha maior incidência
perceber que o indivíduo com excesso de peso assume o no cuidado com o corpo das mulheres. Acrescenta que a
papel de infrator de suas condutas e se pune como se fosse valorização da aparência está atrelada ao prazer do outro
merecedor de seu sofrimento. Segundo Ortega (2003), a que deve agradar, mesmo que esse processo de sedução não
ideologia da saúde e da perfeição corporal produz discursos seja agradar a ela mesma. Em relação ao corpo com excesso
moralizantes que interferem em nossa crença de que uma de peso, podemos perceber a preocupação da usuária com
saúde fraca é derivada exclusivamente da falta de caráter, a aparência “gorda”, ao ser cobrada pelo companheiro para
de uma fraqueza pessoal ou falta de vontade do próprio emagrecer. Podemos notar, ainda, que a pressão social
indivíduo. Nessa perspectiva, os indivíduos “negligentes” e exercida sobre esses sujeitos se articula, sobretudo, aos
os fracos de vontade merecem as doenças que contraem, discursos emergentes na sociedade referente à associação
ao considerarem o problema resultado da sua falta de entre a prática de atividade física como sinônimo de saúde
controle. e a aparência corporal magra como referência de beleza e
saúde.
As nossas análises nos indicaram também que
outras instâncias influenciaram na escolha dos usuários A associação da aparência corporal com a saúde dos
em emagrecer. A regulação sobre o cuidado com o corpo indivíduos está atrelada à emergência do que Poli Neto e
e a cobrança em relação à forma física foi motivo de Caponi (2007) denominam medicina da beleza. Essa “nova”
preocupação advinda não dos médicos, mas encontramos medicina estabelece medidas regulatórias relacionadas
relatos em que familiares e pessoas pertencentes ao círculo à aparência física, como a normalidade e a patologia,
social dos participantes assumiram esse discurso: baseadas no prisma biomédico de comparação. Nessa
perspectiva, o corpo que sofre intervenção pela medicina
Porque a gente vai chegando numa idade da beleza almeja atingir o padrão normal estabelecido.
que tem que procurar se cuidar mais. Assim, o belo se torna normal; o feio, patológico. Na
E todo mundo falando do peso, que a biomedicina, as normas socioculturais atreladas à beleza
alimentação não está saudável, que tem
são substituídas pela valorização das normas biológicas
que fazer atividade física... pensei: “não
eu tenho que dar um jeito de mudar! de beleza como verdadeiras e corretas. A estética corporal
[risos] [...] Eu não posso continuar assim!” passa a representar o que é saudável ou não.
As pessoas também influenciaram na
Estudos referentes à obesidade e o discurso de
escolha [de emagrecer]. [...] O marido
influenciou também, por esse lado aí ele vitimização13 (exclusão social) destacam a obesidade como
influenciou, porque ele é bem chatinho, 13
Ao fazermos uma busca de publicações acadêmicas que têm como
ele cobra, porque a gente gosta de sair e escopo o estudo da obesidade no Brasil, nos principais periódicos
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fator de exclusão social. (FELIPPE, 2003; STENZEL, 2003; gordo é visto pelos usuários como um simulacro provisório,
NOVAES, 2006; MOTA, 2012; MATTOS, 2012; TEIXEIRA; uma travessia a ser superada e abandonada. Segundo Góis
FREITAS; CAMINHA, 2012) De acordo com esses autores, (2009), a procura dos indivíduos com excesso de peso por
a magreza é vista, na sociedade contemporânea ocidental, um corpo magro revela, sobretudo, a procura de si na
como um ideal a ser alcançado e sinônimo de sucesso. sociedade contemporânea.
Diferentemente do modelo de corpo desejado, estaria o Nos mapas corporais,14 elaborados pelas participantes
de corpo obeso. O obeso carrega o “estigma da gordura”, (mulheres), o trajeto do cuidado corporal e a busca por
marca que contém, em seus elementos, uma representação um corpo magro foram expressos por meio da colagem
negativa no âmbito social. de figuras ligadas à preocupação estética. Produtos como
Nas narrativas seguintes, evidenciamos esse vínculo rejuvenescedores faciais e maquiagens ilustram essa
entre o corpo magro como modelo de sucesso e, ao afirmação e reiteram esse discurso vinculado à busca
contrário, o corpo em excesso de peso como algo maléfico: pela normalização estética. O consumo estético reflete a
preocupação da mulher com a sua aparência, assumindo
Eu me sinto feliz quando eu estou com a a beleza como o passaporte para a aceitação social.
minha família e também quando eu for (GOLDENBERG, 2007)
emagrecer [...]. (Vânia, trecho do diário de
campo em 02 out.) O medo de não ser aceito socialmente contribui, nos
Quando falam que eu estou gorda me sujeitos com excesso de peso, para a sensação de reprovação
entristece. (Nilda, texto do diário de social. Assim, para se sentirem incluídos socialmente,
campo em 02 out.) é necessário adequarem a sua imagem às normas
Essa busca pelo abandono do corpo gordo está consideradas corretas. Considerando essa perspectiva,
atrelada ao desejo e à possibilidade de encontrar no corpo encontramos em nossas análises discursos dos usuários
magro o equilíbrio, a felicidade e, desse modo, poder que reiteram essa preocupação com a apresentação social:
transmitir a imagem de uma pessoa feliz e realizada.
Porque eu quero comprar roupa todo
(VASCONCELOS; SUDO; SUDO, 2004) Nesse sentido, o corpo ano, tanta roupa que eu gosto... Eu acabo
relacionados à área da Educação Física, foi possível identificar dois engordando e vejo que eu tenho que
discursos divergentes referentes à obesidade e, consequentemente, emagrecer, porque eu preciso comprar
ao indivíduo obeso: no primeiro, o enunciado culpabilizante do aquela roupa para mim. Eu tenho roupa lá
obeso, em que encontramos, nos estudos vinculados área das ciências
naturais, argumentos que responsabilizam o indivíduo obeso por sua
14
Em linhas gerais, o método Narrativas de Mapas Corporais foi proposto
condição corporal; (MOLENA-FERNANDES et al., 2006; QUEIROGA et por Gastaldo et al. (2012) e contém três elementos fundamentais: o
al., 2009; BARRETI et al., 2011; MOSER et al., 2011) no segundo, ao testemunho, que é uma breve narrativa sobre quem é o participante
qual denominamos discurso vitimizador do obeso, encontramos, e suas circustâncias (essa história é contada ao final da última sessão,
nas pesquisas vinculadas às ciências sociais, ideias que interpretam quando o participante visualiza o mapa completo, pronto); o mapa
a obesidade como fator de exclusão social. (FELIPPE, 2003; STENZEL, corporal (2m de comprimento), que não pode ser interpretado sem
2003; NOVAES, 2006; MOTA, 2012; MATTOS, 2012; TEIXEIRA; FREITAS; uma chave de leitura; e a chave de leitura do mapa, que descreve cada
CAMINHA, 2012) elemento do mapa na primeira pessoa.
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em casa guardada para poder voltar a usar apontam uma nova ideologia que se impõe com um estilo
ela de novo, forte e bonita! [...] (Vânia, ideal de viver bem. A gordura aparece como um refugo que
entrevista) deve ser eliminado, contribuindo para a sua negatividade
Apesar de, no mercado de consumo, existir uma e para a emergência de uma sociedade lipofóbica. Muito
fatia voltada para a moda plus size,15 percebemos que não mais que o peso corporal, o obeso sustenta o peso social,
é esse nicho mercadológico que as participantes almejam pois carrega significados negativos presentes na sociedade.
consumir: (NOVAES, 2006)
Em relação aos discursos dos especialistas do
[...] e aquela roupa grandona... Eu não sei programa, a atividade física se configurou como uma aliada
de vocês, eu não quero comprar aqueles
para que o objetivo do emagrecimento fosse alcançado.
grandões, se eu comprar aqueles grandões,
eu estou incentivando a engordar mais, Segundo Fraga (2006), o combate ao sedentarismo na Saúde
né? [...] (Vânia, trecho do diário de campo Pública está atrelado aos estudos epidemiológicos que
em 11 set.) apontam a falta de atividade física como fator de incidência
de morbidade. Portanto, essa constatação da falta de
A estética que foge ao padrão é tida como um atividade física com danos à saúde proporcionou maior
obstáculo a ser enfrentado, sendo a imagem normalizada atenção da promoção da saúde contra o sedentarismo.
mais facilmente aceita e consumida. Desse modo, consumir Sendo assim, a atividade física torna-se um dos principais
produtos que fogem da norma corporal é assumir um corpo aliados da boa forma. Sobre esse tema, outros conselhos
que não é admirado socialmente, contribuindo para sua foram oferecidos aos participantes com o intuito da adesão
distinção e estigmatização social. Segundo Bauman (2001), de um estilo de vida ativo. Dicas incentivando a mobilização
em uma sociedade de consumo, o prazer também está dos participantes para fazer a atividade física juntos, sobre
em comprar. Sendo assim, os indivíduos contemporâneos as dificuldades de se iniciar uma atividade física (alertando
buscam “colecionar prazeres” proporcionados pelo sobre a emergência de dores pelo corpo), bem como alertas
consumo. Levando em consideração esse cenário, a relativos ao cuidado com o excesso de atividade física.
frustração dos participantes está tanto em não se adequar
ao modelo corporal almejado, quanto consumir produtos Contudo, não podemos deixar de salientar que, mesmo
associados ao corpo magro. que o incentivo para a adesão a um estilo de vida ativo esteja
atrelado ao reconhecimento da realidade dos participantes,
Como evidenciado nas narrativas citadas, as usuárias levando em consideração a situação socioeconômica, o
salientam a busca por uma estética corporal magra como incentivo à adesão de um estilo de vida ativo não deixam
uma forma de se adequar ao modelo de beleza em voga. Ou de vincular-se ao viés biológico, à perda de peso. Ou
seja, ambos os relatos apontam que o corpo com excesso seja, ao considerar o emagrecimento como um elemento
de peso é atrelado a representações negativas e alvo de importante para a prática de atividade física, o foco da ação
exclusão social. Cultivar a beleza, a boa forma e a saúde está vinculado “ao combate da obesidade” e não ao sujeito
15
A expressão Plus size pode ser interpretada como tamanho extra. em questão. Imbuídos das ideias de Damico e Knuth (2014),
(GODOI, 2011)
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acreditamos que ajustar o olhar visando ao deslocamento discurso legitimador do conhecimento científico como uma
do objeto para os sujeitos da ação seria uma possibilidade possibilidade e previsibilidade de realização. Nas palavras
de atribuir uma corresponsabilidade aos sujeitos (usuários do autor, a utopia da saúde perfeita seria “[...] uma ‘ficção
e especialistas) no que tange ao cuidado com o corpo, sem realista’ que enquadraria práticas do cotidiano - práticas que
deixar de considerar as dimensões referentes aos alívios de não visam apenas um futuro possível, mas principalmente
dores, diminuição de sintomas e sofrimentos relatados pelos um presente [...], engendrando ‘crenças mobilizadoras’
usuários. Além disso, compreendemos que potencializar que formatariam condutas e comportamentos”. (PERRUSI,
o protagonismo dos usuários nos serviços de saúde, por 2001, p.2)
meio do compartilhamento do saber, consideração de seus Observamos que esses discursos vinculados a um estilo
significados e subjetividades para a leitura da realidade, é de vida saudável, propagados pelos especialistas, almejando
uma forma de produção de saúde. Destacamos que não uma mudança de hábito, vão além do direcionamento das
somente as análises demonstram a presença de um discurso ações para uma mudança individual, mas procuram atingir
voltado para o incentivo à adesão de um estilo de vida o círculo social em que os participantes estão inseridos:
saudável, mas representa, além de tudo, o caráter individual
e restrito que os discursos vinculados aos comportamentos [...] e essas dicas, transmitam isso para
de risco apresentam em relação ao cuidado com o corpo no as pessoas que vocês conhecem e usem
campo da saúde. isso, não só com vocês em casa quem tem
filho, neto, porque desde pequeninho vai
Diante dessa percepção, podemos interpretar que acostumando com esse hábito e depois
os especialistas do programa se apropriam da associação não é difícil mudar para o certo, então,
entre emagrecimento e saúde no discurso referente ao você já vai acostumando. (Professora
cuidado do corpo, considerando ser uma relação capaz de Educação Física, trecho do diário de
de diminuir os danos relativos à saúde dos participantes. campo em 04 set.)
Contudo, tal faceta apresentada pode contribuir para que Embasados nessa citação, podemos elucidar que
o cuidado com o corpo dos usuários se reduza ao âmbito o programa em questão procura, além de educar os
individual. Outra observação é que, apesar de o discurso participantes para aderirem a um estilo de vida saudável,
relacionado ao cuidado do corpo com a saúde ser supremo capacitar os integrantes a gerenciar o cuidado do próprio
nas falas dos especialistas, ainda assim a satisfação corpo e gerenciar o corpo do outro. Para Ortega (2003),
corporal vinculada à obtenção de um corpo magro não foi ganhamos “autonomia” para fazermos as nossas ações,
esquecida, estando presente nas entrelinhas dos discursos principalmente para nos vigiarmos e a liberdade de sermos
dos profissionais. Desse modo, estar em paz com o corpo, peritos da nossa própria prática e especialistas de nós
sendo o corpo magro referencial de bem-estar, também mesmos. Nessa perspectiva, o participante necessita cuidar
significaria, de acordo com as nossas fontes, ser saudável. de si mesmo enquanto assume o papel de conselheiro, ao
Perrusi (2001) afirma que estamos vivendo a “utopia da informar os outros indivíduos a cuidar de si mesmos.
saúde perfeita”, que está respaldada principalmente pelo
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Segundo Moraes (2011), é em nome do aumento da Nesse contexto, deparamo-nos com um paradoxo: se,
expectativa de vida que o discurso de risco é respaldado e se por um lado, a formação de grupos estigmatizados (obesos,
produz por meio de medidas de “proteção” à vida, impondo fumantes, alcoólatras) contribui para a reconstrução da
dispositivos de vigilância e restrição de comportamento, capacidade desses indivíduos para o enfrentamento de seus
o que contribui para o controle das ações. São modelos e problemas e angústias relacionadas ao corpo, por outro,
estilos de vida que emergem em nome da segurança, da esse mesmo processo não estaria contribuindo para a
longevidade e da saúde, mas que são instrumentos que afirmação da exclusão social desses mesmos participantes,
limitam parcialmente a capacidade de escolha da própria aumentando as lacunas da distinção social? Encontramos
vida, pois ao comportamento de risco estão atrelados aí uma questão complexa, que servirá de possibilidade
valores morais e negativos na sociedade. para debates futuros. Porém, pretendemos aqui lançar
algumas pistas que podem contribuir para a qualificação
desse debate. Estamos de acordo com Campos (2003), ao
acreditar que precisamos superar o discurso de intervenção
Conclusão comportamental baseado nos estilo de vida dos sujeitos,
pois, em muitos desses discursos, a ênfase se direciona para
Percebemos que a tríade corpo, risco e consumo está a responsabilidade individual das pessoas no trato com o
cada dia mais presente em nosso cotidiano, bem como se corpo, eximindo as ações governamentais de tal tarefa.
faz presente nas entrelinhas de nossas escolhas e decisões Concordamos, também, que em uma sociedade em que
referentes, principalmente, a assuntos ligados a um estilo o modelo de vida ideal é o saudável/ativo, a apropriação
de vida saudável. Entendemos, também, que a exigência de desse modelo de vida no discurso social acaba por ignorar
se adequar às normas produz uma sociedade prisioneira na e culpabilizar outras formas de viver que diferem do
incansável busca pela satisfação corporal. De acordo com prescrito/da norma.
Bauman (2001), o corpo contemporâneo é o último reduto
de segurança. Nesse sentido, parece-nos que a busca por Contudo, não podemos deixar de considerar que
segurança não é garantia da eliminação absoluta de nossas a naturalização desses discursos acaba por interiorizar e
angústias e sofrimentos, mas produz ainda mais incertezas. legitimar tais ideais no imaginário social, o que dificulta
Se, por um lado, ganhamos independência para o cuidado a ruptura com discursos normatizadores nas diferentes
corporal, por outro, somos influenciados por discursos que instâncias sociais. Para ilustrarmos essa afirmação,
propagam modelos de vida “corretos” em que o corpo evidenciamos, em nossas análises, a constatação de que os
magro é alvo de admiração e desejo. Diante disso, podemos indivíduos obesos procuram o programa analisado como
compreender que os discursos de promoção de saúde e uma forma de se adequarem ao estilo de vida saudável/
prevenção de doenças, em especial direcionados ao corpo ativo. Além do mais, não podemos deixar de considerar
obeso, propagam a busca um corpo comedido de seus que, no contexto social atual, a obesidade é interpretada
desejos e vontades. Escolhas são direcionadas na tentativa pela OMS como uma patologia, sendo alvo de ações
de balizar as suas ações em prol da adesão de um estilo de intervencionistas. Assim, queremos dizer que tanto as
vida saudável. ações intervencionistas estatais quanto de ordem sociais
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estão imbuídas, em seu cerne, de ideais normativos que Referências
direcionam as escolhas sociais de acordo com o interesse
almejado. Considerando tais panoramas, acreditamos ser BARRETTI, D.L.M. et al. Treinamento físico aeróbio previne
um grande desafio superar esse discurso de regulamentação à hipertrofia cardíaca patológica e melhora a função
da vida. Todavia, apossados dos resultados apresentados diastólica em ratos Zucker obesos. Revista Brasileira de
por esta pesquisa, apostamos que, no chão das práticas em Educação Física e Esporte, São Paulo, v.25, n.4, p.593-605,
saúde, tais discursos podem ser burlados/corrompidos. out./dez. 2011.
Mesmo diante desse cenário, Carvalho e Martins BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge
(2004) salientam ser possível conseguir uma maior liberdade Zahar, 2001.
de nossas escolhas, desde que os indivíduos passem a
[re]conhecer as suas “verdadeiras” necessidades. Nessa CAMPOS, G.W.S. Saúde Paidéia. São Paulo: Hucitec, 2003.
perspectiva, acreditamos que os especialistas do campo da
CARVALHO, M.C.; MARTINS, A.A obesidade como objeto
saúde possuem um papel fundamental no incentivo e na
complexo: uma abordagem filosófico-conceitual. Ciência
criação de novos pontos de vistas em relação ao cuidado
& Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 9, n. 4, p. 1003-1012,
com o corpo, além de uma visão hegemônica e restrita que
2004.
considera fatores biológicos e normativos no trato com o
corpo. Nesse sentido, apostamos que é no chão das práticas CASTIEL, L. A medida do possível... saúde, risco e
em saúde, no contato com o outro (especialistas e usuários) tecnobiociências. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999.
que tais discursos podem ser burlados/corrompidos ao
compreendemos que a produção de vínculos, construída CASTIEL, L. D.; DIAZ, C. A. D. A saúde persecutória: os limites
no cotidiano das práticas em saúde por meio da formação da responsabilidade. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007.
de rede de encontros, podem ser dispositivos potentes, CZERESNIA, D. Ciência, técnica e cultura: relações entre
utilizados pelos especialistas, na tentativa de incitar os risco e práticas de saúde. Caderno de Saúde Pública, Rio de
usuários a [re]conhecerem as suas necessidades em Janeiro, v.20, n.2, p.447-455, mar./abr., 2004.
relação ao cuidado com o corpo (não ter que atingir um
peso ideal, por exemplo), bem como, para a criação de um DAMICO, J.G.S.; KNUTH, A. G. O (des)encontro entre as
ambiente favorável para a elaboração de discursos que não Práticas Corporais e a Atividade Física: Hibridizações e
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Claro, v.15, p.631-640, 2009. a saúde da população e controlam, de alguma forma, as
1
Essa pesquisa contou com auxílio financeiro do edital Pró-Ensino
STENZEL, L.M. Obesidade: o peso da exclusão. Porto Alegre: em Saúde da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
EDIPUCRS, 2003. Superior- CAPES (Editalnº24/2010), na modalidade de bolsa de
mestrado. Contou com a orientação do Professor Dr. Ivan Marcelo
SONTAG, S. A doença como metáfora. Rio de Janeiro: Graal Gomes da UFES.
Editora, 2002.
2
Essa terminologia é comumente utilizada para demarcar quando a
quantidade de gordura é superior ao normal calculada pelo índice de
TEIXEIRA, F.L.S.; FREITAS, C.M.S.M; CAMINHA, I.O. A massa corporal (IMC). Ele corresponde ao peso da pessoa, em quilo,
dividido por sua estatura, em metros, elevado ao quadrado. Segundo
lipofobia nos discursos de mulheres praticantes de exercício a tabela disponível no site da Sociedade Brasileira de Hipertensão –
físico. Motriz, Rio Claro, v.18 n.3, p.590-601, jul./set. 2012. SBH, a obesidade é categorizada, sendo subdividida em três categorias:
Tipo 1, cujo percentual de massa corporal varia de 30 a 34,9 kg; tipo
VASCONCELOS, N.A.; SUDO, N.; SUDO, I. Um peso na alma: 2, com percentual variando de 35 a 39,9 kg; e, finalmente o tipo III,
o corpo gordo na mídia. Revista Mal-estar e Subjetividade, de 40 kg em diante. (COHEN; CUNHA, 2004) Apontamos, também, o
índice de conicidade como referencial mais utilizado cientificamente
Fortaleza, v.4, n.1, p.65-93, 2004. para caracterizar a obesidade. Contudo, optamos por descrever o
IMC como ferramenta de medida, já que o “Além do Peso” utiliza as
categorias desse referencial para demarcar em qual grau se encontra
_____________________________ cada participante.
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subjetividades, os costumes, prazeres e as práticas em prol Os especialistas, nesse sentido, são denominados na
de uma vida mais ativa e saudável. Em outras palavras, os linguagem baumaniana de conselheiros. Para tanto, eles se
anúncios ganham visibilidade por diferentes meios que encarregam de informar e apresentar possíveis soluções
produzem, genericamente, discursos discriminatórios, dicas para os problemas de diferentes segmentos da vida
e receitas para a meta do corpo perfeito e livre do excesso privada. As orientações provenientes dos especialistas são
de peso. Neste sentido, as narrativas midiáticas, garantem proferidas como “verdades” e são designadas para eliminar
ser “[...] possível deixar de ser o ‘gordo perdedor e infeliz’ gostos, prazeres e práticas vinculadas a esfera individual
para se tornar o ‘magro saudável e feliz’. As modificações que distorcem, por exemplo, o modelo de corpo infiltrado
corporais são consideradas possibilidades reais de se nos discursos midiáticos. Contudo, após essa tarefa exercida
‘libertar’ do estigma provocado pela grande quantidade de pelos conselheiros “[...] as pessoas aconselhadas estão tão
gordura no corpo”. (MATTOS, 2012, p.22) sós quanto antes. Isso quando sua solidão não foi reforçada:
Assim o corpo obeso, ao ser utilizado pela mídia quando sua impressão de que seriam abandonadas à sua
assume um sentido conotativo reforçando que esses própria sorte não foi corroborada e transformada em uma
indivíduos são os próprios responsáveis por sua condição. quase certeza”. (BAUMAN, 2001, p.78) Diante disso, as
Colaborando, nesse sentido, para enaltecer ideias informações pronunciadas para o indivíduo são expostas
simplórias que relacionam o obeso a um ser doente que em espaço público, mas são dirigidas para cada indivíduo na
precisa ser tratado e extirpado da sociedade. Contudo, para esfera privada. Nesse sentido, “[...] o espaço público é onde
efetivar e convencer a população, os meios de comunicação se faz a confissão dos segredos e intimidades privadas [...]”.
se utilizam dos especialistas (e de sua discursividade (BAUMAN, 2001, p.49) Assim, o risco da obesidade se torna
científica), os quais se apresentam como aqueles que público e globalizado, suscitando mensagens, imagens e
detêm o saber e que pensam sobre a maneira menos discursos que transitam em nosso cotidiano.
arriscada de viver com elas. (BAUMAN, 2001) Nessa trama Esses apelos discursivos em prol da saúde são, na
discursiva astuciosa, o corpo obeso passou a se constituir atualidade, apelos ao autocontrole e à disciplina que visam
em uma lucrativa e atraente espetacularização que revela exclusivamente o controle do corpo. “[...] A nossa obsessão
as angústias, dores e sofrimentos de quem não consegue com os domínios do corpo, das suas performances,
atender aos padrões de saúde e estética veiculados pela movimentos e taxas substitui a tentativa de restaurar a
ciência, mercado e mídia. Nesse sentido, entram em cena ordem moral. O corpo torna-se o lugar da moral, é seu
e figuram inúmeros programas de TV que se ocupam em fundamento último e matriz da identidade pessoal”.
divulgar notícias relacionadas à vida privada, ou seja, “[...] (ORTEGA, 2010, p.40) Assim, a ênfase dada aos diversos
o ‘interesse público’ é reduzido à curiosidade sobre as procedimentos de cuidados corporais, médicos, higiênicos
vidas privadas de figuras públicas e a arte da vida pública e estéticos levam à formação de identidades somáticas, às
é reduzida à exposição pública das questões privadas e a bioidentidades, as quais têm deslocado para a exterioridade
confissões de sentimentos privados (quanto mais íntimos, o modelo internalista de construção e descrição de si.
melhor)”. (BAUMAN, 2001, p.46) (ORTEGA, 2003)
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Dessa forma, revestidas de aspectos que moralizam, Rede Record de Televisão. O reality se destaca como um
discriminam e julgam o indivíduo, as informações programa midiático que reúne um grupo de obesos que
publicizadas reforçam a ideia de que são os próprios deve se submeter ao saber científico dos especialistas para
sujeitos responsáveis pelo baixo envolvimento com as alcançarem suas metas: perder peso, vencer a si mesmos e
recomendações proferidas nos discursos midiáticos, obter saúde.
sejam elas atividades físicas, relacionadas ao lazer ou Para formar o corpus de análise, direcionei o olhar
sobre alimentação saudável. Portanto, atribui-se a para a primeira temporada do “Além do Peso”, que foi
responsabilidade à decisão pessoal, como se coubesse aos desenvolvida entre 23 de Setembro e 20 de dezembro de
indivíduos o privilégio de sobrepor-se aos determinantes 20134 e teve como objetivo levar um grupo de 11 pessoas
da realidade social e do contexto que estão inseridos. obesas a perder peso, através da reeducação alimentar
Ao discorrer sobre o fator de risco como parte e da prática de atividade física. Esta era a condição para
integrante do discurso midiático, Vaz et al. (2007, p.145) permanecer na disputa e concorrer à premiação final. O
afirmam que “é urgente, pois, refletir sobre que tipo de vida programa contou com a presença de quatro especialistas:
está sendo construído por esses alertas sobre os perigos que um preparador físico, um nutrólogo, uma nutricionista e
estariam à espreita em nossos hábitos e que poderiam se uma psicóloga.
concretizar num futuro remoto”. Os autores ainda indicam Os especialistas escolhidos pela produção foram
que grande parte dos estudos que abordam o fator de risco fundamentais para construção dos discursos proferidos
no contexto midiático estão preocupados com a veracidade aos participantes da primeira temporada, mas na
das informações e com a manutenção de hábitos que condução do programa destacamos os apresentadores Ana
contêm riscos. Contudo, destacam ser pertinente ressaltar Hickmann, Britto Junior e Ticiane Pinheiro. O histórico dos
como esses discursos agem diretamente na subjetividade apresentadores lhes garante notoriedade social, pois são
dos sujeitos. (VAZ et al., 2007) Ademais, a literatura, conhecidos por participarem da programação de diferentes
especialmente no campo da Educação Física, “[...] ainda emissoras de televisão.
carece de reflexões acerca do processo de culpabilização que
se depara a partir dos dados epidemiológicos disponíveis A investigação no espaço do reality “Além do Peso”
e como esses carregam em si um fardo moral”. (PALMA; se concretizou por meio dos vídeos apresentados no site,
VILAÇA, 2010, p.116) sendo um total de três meses de coleta de dados. Foi
utilizado, também, o Facebook dos especialistas como
E é com base nesses discursos que destaco, a seguir, o forma de captar qualquer reportagem que estivesse
espaço de pesquisa utilizado como referência para analisar vinculada ao campo que me propus a pesquisar. A partir da
tais considerações. Assim, o reality show “Além do Peso”
é uma estratégia adotada pelo “Programa da Tarde”3 da
Tarde”, sitiado pelo R7.com, filiado à Rede Record.
3
O “Programa da Tarde” é uma iniciativa da TV Record, consolidada 4
Vale destacar que o período indicado para formar o corpus de análise
como a segunda maior emissora de televisão do país. O programa é foi delimitado pelo tempo estabelecido pela produção do reality. Assim,
veiculado de segunda a sexta-feira das, 14h30 às 17h, na televisão e o programa iniciou no dia 23 de setembro de 2013 e já possuía data
na internet. Contudo, a coleta foi realizada pelo site do “Programa da para ser encerrado.
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coleta do material, iniciou-se o processo de transcrição5 dos Atividade física, alimentação saudável e a educação do
vídeos, evidenciando as falas, o contexto da filmagem, as corpo obeso: os discursos que permeiam o “Além do Peso”
expressões faciais, os sons e a sensação dos participantes
ao entrarem em contato com o que foi exposto, para então, A atividade física e a alimentação saudável estão
dar seguimento a análise do material. no centro dos discursos que favorecem a obtenção do
A partir da recorrência encontrada nesse material, corpo ideal. Contudo, a atividade física assume um papel
destaco as relações, diálogos e estratégias utilizadas fundamental nesse processo, visto que compõe grande
pelo reality para controlar as medidas corporais de cada parte da rotina dos participantes do programa. Pelas
participante. As categorias foram divididas em dois blocos características apresentadas no reality, o principal objetivo
temáticos: I) Atividade física, alimentação saudável e a das atividades exercidas pelos competidores está embasado
educação do corpo obeso: os discursos que permeiam no gasto energético, englobando todo movimento que
o “Além do Peso” e II) A privatização do sofrimento nos promova esforço e perda de peso.
discursos do “Além do Peso”.
[...] infelizmente o tempo não ajudou que
A primeira categoria consiste em apresentar a educação a rotina fosse feita integralmente, e como
do corpo obeso como elemento estruturante do discurso a gente não pode ficar sem perder calorias,
que enfatiza a necessidade de readequá-lo aos parâmetros porque o nosso objetivo aqui é perder
uma grande quantidade de calorias...
da sociedade contemporânea. Apresento como aspecto Então, a gente vai fazer um trabalho, uma
fundamental dessa reconfiguração da imagem corporal, rotina aeróbica entre esteira e bicicleta
a prática de exercícios físicos e a alimentação saudável e só saímos daqui quando a gente gastar
como principais estratégias utilizadas no aperfeiçoamento essas 700 calorias ai. Tá bom? Bora lá.
fisiológico, na obtenção da saúde e em uma nova identidade (ALEXANDRE BRÓ, VÍDEO 13)
(bioidentidade). No segundo, enfatizo a privatização do O trecho destacado aborda uma mudança repentina
sofrimento vivenciado pelos participantes dentro e fora do do exercício que seria realizado pelos participantes, mas
contexto do reality e estabeleço, também, uma articulação em função das condições climáticas, foi alterado. Contudo,
do sofrimento a um discurso de insensibilidade moderna a essência do extrato favorece a percepção do real objetivo
que exalta o culto ao corpo magro como forma de sucesso da atividade: gastar calorias. Essa fala está alocada no rol
pessoal. de discursos proferidos pelo preparador físico, como a que
se sucede: “[...] Então se preparem que atividade hoje é
intensa, nossa atividade vai gastar 1000 calorias e a sala está
5
Vale salientar que encontramos vários vídeos repetidos, que faziam em 40 graus”. (ALEXANDRE BRÓ, VÍDEO 13) Outro diálogo
“recortes” a partir do programa exibido no dia anterior. Percebemos
que isso também ocorria no programa ao vivo e que a produção fazia
entre o apresentador Brito Jr. e o preparador físico também
isso quando queria dar destaque a algum acontecimento ou mostrar nos mostra evidências da preocupação do programa: “[...]
os melhores momentos da semana. Alguns vídeos de reprise foram dançar, realmente faz com que a pessoa perca calorias?
mantidos para transcrição por enfatizar os discursos veiculados pelo Se eu ficar 1 hora dançando, Dr. Alexandre... doutor não,
reality a partir do narrador.
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preparador físico Alexandre Bró, dá pra perder quantas programa, onde o indivíduo pode se nutrir de informações
calorias dançando uma noite inteira na balada?”. (BRITO e do receituário da vida ativa. Igualmente, é possível falar
JR., VÍDEO 14) O apresentador obteve a seguinte resposta sobre um mercado da vida ativa balizado, essencialmente,
do preparador: “uma noite inteira não tem limite, mas por pelas vozes de comando que ordenam as informações;
hora 600 calorias dá tranquilo”. (VÍDEO 14) (FRAGA, 2006) nesse caso, os especialistas. De tal modo,
Isto posto, o gasto energético é concebido como a força do discurso produzido reside na sutileza das
meio de avaliar numericamente a atividade física. Assim, orientações, na reiteração de uma conduta de vida e na
é possível incluir, em qualquer atividade organizada pelo naturalidade com que as explicações são proferidas. Dito
preparador, a relação atividade x energia consumida, onde de outro modo, “[...] Assistimos à chegada de uma TV
um conjunto diário de exercícios representa o principal de orientação e treinamento, uma TV transformadora e
objetivo estabelecido aos participantes: gastar calorias. reparadora”. (LIPOVETSKY; SERRAY, 2009, p.223) Desse
Desse modo, toda atividade, desde caminhar na esteira, modo, concordo com Costa (2005, p.228) ao enfatizar que a
dançar e fazer yoga em sala aquecida equiparam-se a um mídia destaca e determina o que merece ou não a atenção
objetivo único: aumentar o gasto calórico e diminuir o peso do público, inclusive,
na balança. Assim, são convertidas em gasto energético
[...] Como viver sexualmente; como amar
e a quantidade eliminada depende do esforço/sacrifício romanticamente; como educar os filhos;
exercido pelo indivíduo. Por contraste, não empregar o como ter saúde física e mental; como
empenho máximo, não seguir as instruções dadas pelo conquistar amigos e fazer amizades; como
preparador físico e não realizar as atividades faz do indivíduo vencer no mundo dos negócios; como
passível de julgamentos morais e põe em evidência o real aproveitar melhor o tempo de lazer; como
distinguir violência e intermédio da mídia;
comprometimento do participante com a sua saúde.
nada disto convida o sujeito a pensar
A atividade física se apresenta, nesse aspecto, porque o significado do real se exaure em
de modo curativo, capaz de transformar os obesos em sua versão virtual.
pessoas saudáveis. Assim, equiparado a um discurso As infinidades de discursos atreladas aos meios
opressivo, os participantes são obrigados a se enquadrarem de comunicação reforçam o “bom funcionamento” das
nas atividades determinadas pelo reality, que exigem práticas cotidianas. Contudo, afastam-se dos verdadeiros
obediência, persistência, determinação e restrição dos problemas inerentes à saúde da população, pois evocam
prazeres alimentares para conseguir obter uma melhor assuntos que ficam reduzidos a uma linguagem simplória e
imagem do corpo e uma “boa saúde”. corriqueira, voltadas, essencialmente, para a esfera privada
Assim, a ideia do programa consiste em fornecer da vida. (BAUMAN, 2001) De modo similar, o “Além do Peso”
um “modus operandi” de se livrar do mal que assombra o não se contenta em apenas apresentar as informações,
contexto moderno: a obesidade. Ou seja, as informações mas busca decisivamente transformar o estilo de vida e os
circulam através do discurso diário dos especialistas e corpos dos sujeitos. Assim, o diálogo a seguir apresenta,
apresentadores e está disponível ao vivo ou no site do de maneira enfática, a preocupação do apresentador em
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deixar claro como vai ser feita a reorganização dos hábitos estão em busca de conselhos, a um estilo de vida mais ativo
dos participantes. e saudável. Propõe-se, de fato, que os obesos adquiram
uma nova vida, onde é necessário “colocar em movimento
Lembrando amanhã, Aninha, a gente vai os sujeitos que não fazem atividade física, mas põe em
ver como é que tá começando a rotina movimento uma palavra de ordem que procura pautar
de exercícios dos oito candidatos. Então,
vontades e influenciar condutas de diferentes situações”.
eu vou aproveitar pra perguntar pro
preparador físico Alexandre Bró como é (FRAGA, 2006, p.128) Desse modo, o diálogo apresentado
que se faz? Como é que vai começar isso? não é isolado, mas enfatiza como os participantes e a
Pra quem é sedentário, não tá acostumado, população podem “exercer ‘sua cidadania ativa’ em
tá pesando muito e tá precisando perder qualquer recanto do cotidiano urbano” (idem).
o peso. Como é que vai fazer? Como é o
começo deles? (BRITO JR., VÍDEO 16) A ordem discursiva não exime nenhum tipo de
atividade de sua função principal: gastar calorias. Nesse
Em questão de segundos, já se obtém a resposta: sentido, destacamos uma que em comemoração ao dia
das crianças relembra atividades recreativas realizadas
O importante é começar a se movimentar. durante a infância. Para compor o cenário, ouvimos uma
Já introduzir um exercício muito tranquilo. música animada que comanda o ritmo da entrada dos
É isso que a pessoa tem que entender, que participantes numa quadra ao ar livre. Vemos, também,
ela tem que começar de forma gradativa.
que o preparador físico os espera no centro da quadra e
Não precisa se desesperar. Começar
os recebe com um bom dia. Ele diz: “atividade recreativa,
tranquilo, não é o nosso caso, porque
a gente tá aqui num programa com um
vamos gastar bastante calorias, vamos trabalhar bastante
objetivo e um prazo mais apertado, mas condicionamento físico e por hora um aquecimento”.
todo mundo que está nessa vontade de (VÍDEO 17) Em seguida, no centro da quadra, a câmera foca
emagrecer, ela tem que pensar que ela no preparador físico que dá as coordenadas da atividade
tem que estar mais ativa no dia a dia dela. que os participantes irão realizar. Ele apresenta a queimada
Antes de entrar na academia, de se dispor como atividade do dia.
a uma nova vida que não faz parte da Os conselhos que se relacionam com atividade física e
vida dela, ela tem que ser mais ativa no
com a saúde dos participantes não estão desvinculados de
dia a dia dela. Passear mais com cachorro,
outras indicações, mas se articulam a determinados modos
andar mais de bicicleta, brincar com os
filhos e essa é minha dica. (ALEXANDRE
de conduzir a vida. A ênfase dada aos alimentos, como
BRÓ, VÍDEO 16) componente associado à atividade física, atua no sentido
de disciplinar o corpo, a princípio no programa, mas que se
Nesse tipo de discurso, fica claro que a estende nos diferentes contextos sociais do grupo escolhido.
operacionalização estabelecida pelo programa consiste A nutricionista, no reality, é a profissional responsável por
em levar os participantes e os que acompanham em casa e organizar os pratos e direcionar as informações: “o cardápio
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dos participantes, ele está entre 300 e 400 kcal. O primeiro enquanto a câmera filma Sabó falando do seu desprazer
prato que foi servido foi uma salada de folhas, que é um com a abóbora é possível escutar algumas vozes de outros
prato rico em fibras, vai ajudar no processo de saciedade, participantes, que diziam: “foca no tempero, no gostinho
então consequentemente eles vão reduzir a ingesta nas do tempero, no alho, na ervinha”; “mas vai vir outro prato
próximas refeições”.(CAMILA DEL PAPA, VÍDEO 16) ainda”. (VÍDEO 16) Ainda nesse diálogo durante a refeição,
Essa fala acontece num restaurante onde os a câmera está filmando o grupo na mesa, mas deslocando
participantes são submetidos a uma nova organização constantemente a angulação, e Caroline diz: “amanhã você
alimentar para dar início à competição. A nutricionista tem uma série de exercícios novos, um cardápio já montado
continua a dizer: “o segundo prato nós servimos uma sopa. pra tudo que você precisa, pensa nisso, no que o seu corpo
Uma sopa de legumes, sendo ela de abóbora, que também vai precisar, não sua cabeça”. (VÍDEO 16) Em outras palavras,
vai contribuir nessa questão do processo de saciedade”. os participantes já internalizaram que o gosto e/ou prazer
(CAMILA DEL PAPA, VÍDEO 16) Ao expor as duas indicações, ao ingerir o alimento não deve sobressair às indicações dos
a especialista não leva em consideração a individualidade especialistas.
do paladar, pois o alimento, assim como a atividade física é Dentro das ações de combate à obesidade, as
o mesmo pra todos submetidos ao emagrecimento. Nesse atividades físicas ganham destaque. Porém, é o controle do
aspecto, destacamos um momento onde a participante peso corporal que identifica o participante que permanece e
Sabó, num espaço do restaurante, diz: “pra mim a sopa aquele que pode ser eliminado do programa. Esse controle
foi bem difícil, eu não consegui comer, eu não gosto de é decorrente das pesagens que são feitas duas vezes por
abóbora. Foi difícil, o gosto me dá enjoo”. (VÍDEO 16) A semana. Nesse caso, os números são a forma de identificar
câmera faz um recorte de Sabó na mesa e a vemos dizer quem seguiu as regras determinadas pelos especialistas;
a Leandro: “não, não como abóbora. Não como abóbora, afinal, a balança não mente e é a única capaz de eliminar o
nunca comi abóbora, eu odeio abóbora”. (VÍDEO 16) Suas competidor.
escolhas, nesse sentido, são impostas por estratégias E nesse contexto, a alimentação, e leia-se também a
previamente determinadas pela equipe de especialistas. atividade física, são os meios de transformar a aparência,
Percebemos, nesse ponto, que o gosto dos de modelar o corpo, de fazê-lo engordar ou emagrecer,
participantes não é levado em conta. O que importa é a função de expandi-lo, de estetizá-lo, mas também de controlá-
exercida pelo alimento no organismo dos participantes, ou lo, de submetê-lo (POULAIN, 2013) e estão no centro das
seja, a abóbora é benéfica para saciar os competidores, regras descritas pelo jogo. O real comprometimento do
para que assim, eles deixem de comer o tempo todo. De participante, dessa maneira, pode ser equiparado a sua
modo que reduz o alimento aos nutrientes e a “[...] sua conduta, responsabilidade e modo de agir. A medida é
composição transforma-se, assim, no equivalente a uma circundar o indivíduo em sua materialidade e subjetividade.
bula (‘indicações de uso e contraindicações’) e o alimento, E as ações desencadeadas no programa como forma de
desagregado em componentes funções, em medicamento”. educar o corpo fazem isso ao modificarem os alimentos
(VILLAGELIM et al., 2012, p.683) Nesse mesmo contexto, ofertados e ao intervirem sobre a movimentação corporal.
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Ao mesmo passo, os participantes internalizam que não é apenas descontextualizado, mas também que
o discurso em prol do corpo magro e acreditam ser de interpelam as subjetividades. (RABINOW, 1999)
suma importância a dedicação deles nas atividades, como Os discursos publicizados no “Além do Peso”,
podemos observar nos comentários de Camila: “estou em função de uma vida equilibrada e longe dos males
realmente muito cansada. Muito. Força do além, mesmo. causados pela obesidade, recebem subsídio do sofrimento
Estou me superando a cada dia. Quero muito ser magra de que os participantes relatam ao destacar o preconceito
novo, quero recuperar minha saúde... Eu aguento a dor. e os apontamentos morais que perduram no contexto
Não é isso que vai me derrubar não”. (VÍDEO 17) Saúde contemporâneo.
representa, nessa fala, o objetivo final da participante, e na
ênfase dada por ela, deixa de ser um ponto de partida para
tornar-se um fim, em conjunto com a nova forma física.
De tal modo, essa ideologia de saúde leva a crer que a A privatização do sofrimento nos discursos do “Além do
obesidade é vista pelos participantes como uma doença que Peso”
reconfigura o obeso com um fracasso pessoal. De forma a
exemplificar, destacamos a fala de Caroline numa atividade, O reality mostrou, de maneira superficial, momentos
onde a participante se isola do grupo por estar sentindo onde os participantes relataram sofrimentos decorrentes do
dores no corpo. Ela afirma: “[...] eu estou morrendo de preconceito vinculados à imagem corporal. Assim, durante
raiva, do meu corpo principalmente, e eu sei que essa dor a apresentação dos participantes e em algumas atividades,
é culpa minha, porque se eu fizesse tudo que eu tô fazendo eles tiveram espaço para expor como o discurso que margeia
hoje a um tempo atrás eu não teria essa dor”. (VÍDEO 17) o contexto social influi diretamente sobre o indivíduo que
Assim, “a ideologia da saúde e da perfeição corporal nos faz carrega o peso corporal e moral da obesidade. De maneira
acreditar que uma saúde pobre se deriva exclusivamente que, hodiernamente, o indivíduo obeso apresenta um corpo
de uma falha de caráter, um defeito de personalidade, uma que demarca sua diferença, sendo esta sempre exposta de
fraqueza individual, uma falta de vontade”. (ORTEGA, 2010, maneira negativa.
p.47) Nesse sentido, destaco um momento onde Eduardo,
Corroboramos com Ortega (2010, p.61) ao destacar ao fazer uso do aparelho de flexão de pernas na academia,
que “[...] na cultura da biossociabilidade a aparência do relata que a dificuldade de realizar as repetições no
corpo tornou-se central para a identidade pessoal, tornando equipamento é reduzida no momento que pensa nas “[...]
os indivíduos ‘condenados da aparência’, a marca corporal pessoas que me humilharam, que falaram um monte de
representa a procura de autenticidade, de uma localização coisas pra mim... Canalizar minha raiva e mudar o meu
real da nossa essência na sociedade da aparência”. Portanto, corpo totalmente”. (VÍDEO 29) Noutro espaço da academia,
destacamos que por meio de um programa, os indivíduos em recorte de entrevista, o participante completa:
são elevados, por suas características semelhantes, e
compartilhar um espaço que faz do seu ambiente social
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Uma pessoa em especial, que numa festa ele acaba explodindo e bate mesmo a mão
chegou em mim e falou que eu parecia um na mesa e ai fica muito nervoso. (VÍDEO
lixo, eu nunca devia ter saído de dentro de 04)
casa, que eu era muito feio, gordo ... Então
naquela hora eu só ouvia aquela voz me Além desses momentos, destaco um piquenique
falando e eu canalizando toda aquela raiva realizado pela produção num parque em São Paulo, para
pra mim mudar o meu corpo e provar que os participantes pudessem relembrar suas experiências
pra ele que sou melhor que ele, que eu durante a infância. Nessa atividade, apresento um momento
posso ter um corpo bonito o que eu posso
melhorar o meu... E caráter eu tenho, nele que Leandro comenta da sua dificuldade, durante a
falta, e muito. (VÍDEO 29) infância, com o sobrepeso e confirma o que sua mãe havia
salientado.
Enquanto Eduardo cede essa pequena entrevista, a
edição do vídeo mostra ele fazendo diferentes exercícios em Até dez anos eu não posso reclamar de
equipamentos da academia e em todos eles o participante nada, porque tudo que eu queria eu
dispensa um tremendo esforço para conseguir realizar os tinha. Passou esse período começou até
as conversinhas, amiguinhos...“oh seu
movimentos. Contudo, um sentimento maior o impulsiona
gordo, seu baleia, você não vai sair com
a continuar e persistir, mesmo diante das dificuldades nós porque você vai sair rolando, você
apresentadas pelo corpo ao realizar o ciclo de atividades não aguenta andar”... A partir daí eu já
determinadas pela equipe de especialistas. Ou seja, o comecei a ficar quieto, na minha, meio
participante aponta que a necessidade de aplacar a dor afastado da galera, foi um pouquinho
moral ou o discurso insensível é o que o motiva a realizar complicado. (VÍDEO 30)
as atividades, pois assim será possível apresentar a imagem Essa fala destaca que a moralidade se inscreve e se
de corpo valorizada socialmente e desvincular-se do viés revela no corpo dos sujeitos. Ou seja, a aparência denota
negativo causado pela obesidade. um empobrecimento discursivo que aponta para o corpo
Durante uma entrevista cedida ao programa no dia da do indivíduo um discurso moral que o confere sofrimento.
apresentação dos participantes, a mãe de Leandro, Valéria, Nesse sentido, Bauman e Donskis (2014, p.20) apontam
descreve o que o filho enfatiza: que,
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Assim, os riscos e os sofrimentos frutos da obesidade indivíduo a sua corpulência e nem à sua hipotética origem,
são aplacados a partir das recomendações proferidas, como à falta de autocontrole. (POULAIN, 2013, p.137) Assim,
é descrito pelo preparador. Contudo, “[...] o sofrimento não estigmatizar significa não focar nos preconceitos sobre
de cada indivíduo é uma punição individual merecida a corpulência, mas procurar o outro que existe além das
pelos pecados individualmente cometidos de sagacidade aparências. “Concretamente, trata-se de compreender
insuficiente ou déficit de dedicação. Os sofrimentos nascidos que a ausência de estigmatização não significa compaixão
no plano individual são semelhantes [...]” (BAUMAN; (percebida de forma negativa), mas é simplesmente a não
DONSKIS, 2014, p.79), mas não se fundem numa resolução redução da pessoa aos aspectos negativos da característica-
de problema coletivo. estigma [...]”. (POULAIN, 2013, p.135)
A biossociabilidade criada pelo reality tem como
desígnio compartilhar as dificuldades, ou ainda, partilhar
imagens corporais, levando a manipulação dos segredos, Considerações finais
leia-se também dos corpos e o abuso de sua intimidade.
(BAUMAN; DONSKIS, 2014) Essa postura é demarcada, A atividade física, no contexto do reality, aparece
principalmente, quando os participantes são destinados como “dever” diário dos participantes. Ela pode ocorrer
a mostrar e falar dos seus problemas para dialogar com desde caminhar em torno do estádio, carregar alimentos
outras pessoas que sofrem do mesmo mal. numa rede de supermercados à atividade de squash
A mídia, nesse sentido, baseia a sua retransmissão numa academia escolhida pelo programa. Contudo, o que
na lógica do espetáculo, do drama e da criação de astros, realmente importa é a função exercida pela atividade:
a fim de suscitar a emoção e tocar o mais vasto público. gastar calorias. Assim, não importa o prazer que ela confere
Indubitavelmente, “[...] os reality shows se caracterizam pela ao indivíduo, mas a efetividade que assume na queima
autenticidade, pela intimidade e pela transmissão ao vivo, calórica. Nesse mesmo sentido, a alimentação saudável se
em vez do ‘grande espetáculo’ e da ficção cinematográfica. insere na programação diária e se apresenta como suporte
Não mais uma ‘ficcionalização’, mas ‘pessoas de verdade na constituição de um estilo de vida ativo/saudável.
vivendo histórias verdadeiras’[...]”. (LIPOVETSKY; SERRAY, Os discursos visam à padronização dos corpos, e
2009, p.220) Ao discorrer sobre essa questão, Bauman estão diretamente associados a produção de subjetividades
(2001, p.83) enfatiza que a esfera midiática, nesse caso, o arraigadas em interesses mercadológicos e em índices de
“Além do Peso”, apresenta-se como “[...] um palco em que audiência. Para isso, a configuração do reality e diversos
dramas privados são encenados, publicamente expostos e programas que “se preocupam” com os telespectadores
publicamente assistidos [...]”. atuam no sentido de diminuir a formação cultural e a
É preciso, então, ir além desse paradigma biomédico potência do próprio sujeito de reagir como “agente de
e inserir uma compreensão mais humana e subjetiva mudança” frente às adversidades causadas em função da
do corpo obeso. Vale destacar que não seria “[...] fazer obesidade. Na verdade, os discursos e as práticas exercidas
de conta que se ignora a obesidade, mas não reduzir o no contexto desses programas, em especial no “Além do
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Peso”, atuam na perspectiva de controlar as subjetividades, Referências
tornando os corpos disciplinados e pautados num único
modelo: do corpo magro. Aliás, o discurso que assombra BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge
o contexto moderno faz com o que os indivíduos ressoem Zahar, 2001.
o que o programa afirma: os obesos precisam eliminar os
quilos a mais que carregam. Contudo, essa posição assumida BAUMAN, Z.; DONSKIS, L. Cegueira moral: a perda da
por eles está diretamente relacionada aos sofrimentos que sensibilidade na modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar,
enfrentam, hodiernamente, num contexto marcado pela 2014.
insensibilidade, discriminação e estigmatização. COHEN, R.; CUNHA, M.R. A obesidade. São Paulo: Publifolha,
Vale destacar ainda, que essa aglomeração por 2004.
características corporais enfatiza a formação de políticas de
COSTA, J.F. O vestígio e a aura: corpo e consumismo na
saúde a partir da doença e não da saúde, quando deveria
moral do espetáculo. Rio de Janeiro: Garamond, 2005.
ocorrer de forma contrária, já que esse pensamento não
contribuiu para ações efetivas no contexto social dos que FRAGA, A.B. Exercício da informação: governo dos corpos
carecem de assistência e ajuda. Tais discursos revestem a no mercado da vida ativa. Campinas: Autores Associados,
Educação Física de sentidos e evidenciam a tradição que 2006.
está fortemente arraigada na intervenção do profissional
enfocando o movimento que tem sido imposto ao corpo FERNANDES, W.R.; SIQUEIRA, V.H.F. Educação em saúde
como forma de proporcionar saúde por meio da atividade da pessoa idosa em discursos e práticas: atividade física
física. como sinônimo de saúde. Interface – Comunicação, Saúde,
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www.scielo.br/pdf/csc/v17n3/v17n3a14.pdf>. Acesso em: últimos anos, estamos nos deparando com um aumento
15 mar 2015. de políticas públicas voltadas para a promoção de saúde
da população e direcionadas à atenção básica. A Política
Nacional de Promoção da Saúde (PNPS), publicada em
2006, possui sete eixos temáticos de atuação. (BRASIL,
2006) Dentre eles, destaca-se o eixo “Prática Corporal/
Atividade Física”, que apresenta um estímulo à inserção de
ações voltadas ao cuidado com o corpo e à saúde. A PNPS
foi redefinida recentemente através da Portaria Nº 2.446,
de 11 de novembro de 2014, e práticas corporais e atividade
físicas estão entre os temas prioritários. No decorrer
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dos anos, surgiram outras políticas, também voltadas à HALLAL et al., 2009; HALLAL et al., 2010; MORAES et al.,
promoção da saúde da população, tais como a Política 2010; SILVA et al., 2011) e no NASF. (GUARDA et al., 2014;
Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SANTOS; BENEDETTI, 2012; SOUZA; LOCH, 2011) E dentre
Sistema Único de Saúde (PNPIC) (BRASIL, 2006), a criação do as atividades realizadas no NASF a dificuldade de registrá-
Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) (BRASIL, 2009), las. (BUENO, 2012) No entanto, não se tem conhecimento
a Instituição do Programa Academia da Saúde (BRASIL, do processo de inserção e distribuição dos profissionais de
2011), e a Portaria Nº 1.029. (BRASIL, 2014) Essas políticas Educação Física nos serviços de saúde.
potencializaram e possibilitaram a inserção do profissional Em relação aos estudos encontrados na literatura,
de Educação Física (PEF) no Sistema Único de Saúde (SUS). é possível perceber um eixo central, que são as práticas
Nessas políticas, os termos “práticas corporais” corporais oferecidas para população, com o enfoque de
e “atividade física” aparecem de formas diferentes. promoção da saúde, e outros eixos que o perpassam, que são
Dependendo do documento, eles são escritos das seguintes as formas como cada profissional, cada equipe desenvolve
formas: separados por uma barra (atividade física/práticas o seu trabalho, as suas atividades para atingir os objetivos
corporais ou práticas corporais/atividade física), ou sem a e alcançar os resultados desejados. Alguns estudos deixam
barra (práticas corporais e atividade física). Embora os dois claro, nos seus objetivos, a busca por resultados voltados
termos apareçam juntos, possuem significados diferentes. para os indicadores de saúde. (SILVA et al., 2011; GUARDA
De acordo com o Glossário Temático: Promoção da Saúde et al., 2014) Outros estudos demonstram uma visão mais
(BRASIL, 2012), o termo atividade física está relacionado ampla de promoção de saúde e perpassam outros objetivos
ao movimento corporal que produz gasto de energia “indicados”, que nos anteriores não foram citados, como
acima dos níveis de repouso. E o termo práticas corporais laços sociais, percepção subjetiva de saúde, capacidade
está relacionado a expressões individuais ou coletivas do funcional, qualidade de vida, relações sociais, criação de
movimento, advindo do conhecimento e da experiência em redes de proteção social. (WARSCHAUER; D’URSO, 2009;
torno do jogo, da dança, do esporte, da luta, da ginástica, MENDONÇA et al., 2009; MORAES et al., 2010; SOUZA;
construída de modo sistemático (na escola) ou não LOCH, 2011) Dependendo dos objetivos que o PEF desejar
sistemático (tempo livre/lazer). seguir ao propor as suas práticas corporais ou atividade
O estímulo à inserção de práticas corporais na Atenção física, será possível determinar qual eixo ele seguirá.
Básica vai ao encontro do princípio da PNPS de estimular Cabe salientar que a implementação das políticas
o modo de viver saudável e, nesse sentido, é possível públicas que visam à promoção da saúde surge com um
perceber um aumento de experiências relacionadas à enfoque voltado para os indicadores de saúde, a busca
implementação de práticas corporais e atividade física, por de um estilo de vida saudável, pois dessa forma seriam
PEF no âmbito dos serviços de saúde da Atenção Básica reduzidos fatores de risco para doenças não transmissíveis.
(WARSCHAUER; D’URSO, 2009; GIRALDO et al., 2013), No entanto, outras políticas como a do NASF, PNIC, o
em serviços de saúde da Atenção Básica mais específicos, Programa de Academia da Saúde surgem não somente
como na Academia de Saúde (MENDONÇA et al., 2009; direcionados a indicadores de saúde, mas também ações
de saúde mais amplas.
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298 299
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Nos estudos encontrados, foi possível perceber código CBO de professor: Professor de Educação Física no
diferentes formas de intervenções do PEF, dependendo Ensino Superior, CBO 2344-10; Professor de Educação Física
do eixo de atuação que o profissional escolheu seguir. no Ensino Médio, CBO 2321-20; Professor de Educação
Sabe-se que a inserção do PEF no SUS está relacionada à Física no Ensino Fundamental, CBO 2313-15. Sete CBOs
implementação de políticas públicas direcionadas para a estão relacionados ao quadro dos profissionais de Educação
promoção da saúde. No entanto, é necessário compreender Física do NASF I, que segundo a Portaria n° 409/SAS/MS de
de que forma essas políticas vêm influenciando na inserção 23 de julho de 2008 abrangem: Avaliador Físico, CBO 2241-
dos profissionais de Educação Física no Sistema Único de 05; Ludomotricista, CBO 2241-10; Preparador de Atleta,
Saúde. Desta forma, este estudo tem o objetivo de analisar a CBO 2241-15; Preparador Físico, CBO 2241-20; Técnico de
distribuição dos profissionais de Educação Física nos serviços Desporto Individual e Coletivo (Exceto Futebol), CBO 2241-
de saúde, particularmente no Estado do Rio Grande do Sul. 25; Técnico de Laboratório e Fiscalização Desportiva, CBO
Esclarecer como esse aspecto auxiliará no amadurecimento 2241-30; Treinador de Futebol, CBO 2241-35. E um CBO
das discussões sobre a inserção do profissional de Educação provisório, Profissional de Educação Física na Saúde, CBO
Física e sobre o seu papel no Sistema Único de Saúde. 2241-E1, que está relacionado à Portaria n° 256, de 11 de
março de 2013, a qual reconhece na Classificação Brasileira
de Ocupações um CBO específico para o Profissional de
Educação Física que atua na área da saúde.
Metodologia
O profissional de Educação Física encontrado
Este estudo se caracteriza como quantitativo, de foi identificado no município no qual está cadastrado.
abordagem exploratória descritiva. A amostra foi composta Posteriormente, eles foram distribuídos por Macrorregião
por informações cadastrais de profissionais de Educação de Saúde. Na área da saúde, o Estado do Rio Grande do Sul
Física do Estado do Rio Grande do Sul. Considerou-se como está dividido em sete Macrorregiões de Saúde (Norte, Sul,
critério de inclusão a relação de profissionais de Educação Metropolitana, Serra, Missioneira, Vales e Centro-Oeste),
Física inscritos no Cadastro Nacional de Estabelecimentos as quais englobam as trinta Regiões de Saúde (Resolução
de Saúde (CNES). CIB n° 555/2012) e nas dezenove Regiões Administrativas.
Inicialmente, foi realizada a identificação dos A distribuição dos profissionais nos estabelecimentos
profissionais de Educação Física inscritos no CNES, assim de saúde foi realizada segundo dados coletados do
como a distribuição desses profissionais em sua respectiva Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (CNES) e
Macrorregião de Saúde. A busca pela identificação dos classificada em estabelecimentos da Atenção Básica ou de
profissionais de Educação Física foi realizada através da Média e Alta Complexidade. Estes apresentaram subdivisões
Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) no CNES, nos na qual a Atenção Básica abrange os estabelecimentos: da
meses de fevereiro e março de 2014. Academia de Saúde, da Unidade Básica de Saúde (UBS) -
neste estudo, engloba a Estratégia Saúde da Família, a
Esta busca abrangeu os onze códigos de CBO do
Equipe de Saúde da Família, o Posto de Saúde e o Centro
profissional de Educação Física. Três estão relacionados ao
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300 301
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de Saúde/Unidade Básica de Saúde - e do Núcleo de Apoio
Tabela 1
à Saúde da Família (NASF), que engloba o Centro de Apoio
à Saúde da Família. Os estabelecimentos da Média e Alta Apresenta o número de municípios e o número de habitantes
Complexidade abrangem Centro de Atenção Psicossocial, nas Macrorregiões de Saúde.
Hospital Geral, Hospital Especializado, Policlínica, Clínica/
Centro de Especialidade, Secretaria de Saúde. Os dados Macrorregião de Número de
Número de habitantes
foram coletados de abril a maio de 2014. Saúde municípios
Para a caracterização das Macrorregiões de Saúde, Vales 62 856.214
em relação aos dados populacionais, as informações
foram coletadas no DATASUS que refere a fonte do Missioneira 79 885.996
censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE). Para análise dos dados, foi utilizada Centro-Oeste 43 1.005.322
análise descritiva. Sul 28 1.029.163
Serra 49 1.087.962
Resultados e discussão Norte 146 1.206.777
Metropolitana 89 4.661.596
A tabela 1 apresenta a caracterização das sete
Macrorregiões de Saúde, informando o número de Fonte: CNES, 2014.
municípios e o número de habitantes. De acordo com dados (continua)
do CNES de março de 2014, relativos aos CBOs cadastrados
que foram mapeados, dentre os 497 municípios do Estado Tabela 2
do Rio Grande do Sul, apenas 109 (21%) possuem PEF. A
Apresenta os CBOs e o número de PEF cadastrados no CNES.
tabela 2 apresenta a distribuição dos PEF, conforme o
registro do CBO cadastrado no CNES, em 2014. O CBO que Número
possui mais PEF cadastrado é o Profissional de Educação Código CBO
de PEF
Física na Saúde, com 81, seguido do Avaliador Físico com
47 e do Professor de Educação Física no Ensino Médio com Professor de Educação Física no
2344-10 41
43. Dos 245 profissionais de Educação Física cadastrados Ensino Superior
no CNES, 193 (79%) estão vinculados aos serviços de saúde Professor de Educação Física no
do SUS e 52 (21%) estão vinculados aos serviços de saúde 2321-20 43
Ensino Médio
privados. A Macrorregião Metropolitana é a que possui
mais PEF vinculados aos serviços de saúde privados, com Professor de Educação Física no
2313-15 18
26 (50%) PEF, seguido pela Macrorregião da Serra com 8 Ensino Fundamental
(15%) PEF.
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302 303
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(conclusão)
Tabela 2
Número
Código CBO
de PEF
2241-10 Ludomotricista 0
2241-15 Preparador de Atleta
Figura 1 - Relação dos 193 Profissionais de Educação Física (PEF)
2241-20 Preparador Físico 26 cadastrados no CNES, em 2014, distribuídos nos serviços de saúde do
SUS, nas sete Macrorregiões de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul.
Técnico Desportivo Individual e Nota: Serviços vinculados a: AB (Atenção Básica), MAC (Média e Alta
2241-25 5
Coletivo (Exceto Futebol) Complexidade). Estabelecimentos da AB: Acad. Saúde (Academia de
Saúde), UBS (Unidade Básica de Saúde), NASF (Núcleo de Apoio à Saúde
Técnico de Laboratório e da Família e Centro de Apoio à Saúde da Família); Estabelecimentos
2241-30 0
Fiscalização Desportiva do MAC: CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), HG (Hospital Geral),
HE (Hospital Especializado), Pol (policlínica), CCE (Clínica/Centro de
2241-35 Treinador de Futebol 0 Especialidade), Sec. Saúde (Secretaria de Saúde).
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306 307
WACHS; ALMEIDA; BRANDÃO (Orgs.) Educação Física e Saúde Coletiva
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população de locais aptos a prática de algum tipo de
atividade física. (SILVA et al., 2011) É importante e necessário
realizar avaliações que possibilitem verificar os impactos e a
efetividade do programa na população (MENDONÇA et al.,
2009; HALLAL et al., 2009; MORAES et al., 2010; GUARDA et
al., 2014) e, dessa forma, contribuir para que os governantes
e/ou administradores visualizassem o impacto do projeto e
assim justificar a ampliação e a consolidação como política
pública. (MORAES et al., 2010)
Os estudos mostram que os indivíduos que aderem a
programas (por exemplo, Academia da Saúde) apresentam
melhoras nos componentes de aptidão física relacionada à
saúde, diminuição e controle dos níveis de pressão arterial,
controle dos níveis de glicemia e colesterol (MENDONÇA et
al., 2009), e diminuem o uso dos serviços de saúde da atenção
básica. (GIRALDO et al., 2013) No entanto, é necessário ter
o cuidado para não passar a ideia de que a atividade física
funciona como um remédio para todos os males (FRAGA
et al., 2009), e focar somente em indicadores de saúde.
(SILVA et al., 2011) Considera-se que algumas melhorias na
vida das pessoas são identificadas na percepção subjetiva
de saúde, na capacidade funcional, na qualidade de vida,
no aumento das relações sociais e na criação de redes de
proteção social. (MENDONÇA et al., 2009)
A melhora na percepção subjetiva da saúde só irá
Figura 2 - Relação da inserção na Atenção Básica do número de surgir se a atividade na qual o indivíduo estiver inserido
Profissionais de Educação Física (PEF) por ano, segundo Macrorregião produzir algum significado, fizer algum sentido. Para que
de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul. isso aconteça, o PEF da atenção primária de saúde deve
direcionar a sua prática para o aspecto educativo, incentivar
hábitos saudáveis através de diferentes estratégias, e essas
Além da orientação e incentivo do PEF quanto à devem ser pensadas e discutidas com a comunidade,
prática de exercícios regulares, é importante e necessário chamando a atenção para o cotidiano em que vivem e
o município proporcionar espaços públicos adequados para os valores que priorizam. (FREITAS, 2007) Nesse
e que as reestruturações realizadas nos espaços públicos sentido, é necessário que as ações da Educação Física na
do município façam com que aumente a oferta para a
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saúde privilegiam o processo e, em especial, o vínculo dos Vales é mais desfavorecida em relação à inserção dos
com a população, os territórios, o trato com a informação PEF. No último ano, a inserção dos PEF na Atenção Básica
e com o conhecimento, a possibilidade de multiplicar as apresentou um aumento significativo e, dependendo da
intervenções e a transversalidade que significa constituir forma de atuação desse profissional, ele poderá contribuir
um modo de organização que se opõe à verticalidade para modificar as formas de se fazer saúde.
hierárquica das funções. (CARVALHO, 2007)
Os resultados desse estudo apontam para um
crescimento na inserção dos PEF na Atenção Básica, em Referências
especial no ano de 2013, fato que ocorre, possivelmente,
devido ao incentivo da implementação de políticas públicas BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Cadastramento Nacional
voltadas para a promoção da saúde. Nesse sentido, é de Estabelecimentos de Saúde - CNES. [Site]. Disponível
importante que o PEF reflita sobre a forma de direcionar as em: <cnes.datasus.gov.br>. Acesso em: 10 fev. 2014.
suas ações, para potencializar o espaço que ocupa no SUS,
e dessa forma proporcionar para a população muito mais ______. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Informações de Saúde
do que a melhora de indicadores de saúde. (TABNET). [Site]. Sistema de Informação da Atenção Básica
(SIAB). Disponível em: <http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/
Este estudo apresenta algumas limitações, tais como deftohtm.exe?siab/cnv/SIABSrs.def> . Acesso em: 5 maio.
a utilização de bancos de dados diversos, a existência de 2014.
outras variáveis não controladas, e também o impacto de
outras políticas públicas. ______. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria n. 2.446, de 11
de novembro de 2014. Redefine a Política Nacional de
Promoção da Saúde.
Considerações finais ______. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria n° 1.029, de 20 de
maio de 2014. Amplia o rol das categorias profissionais que
Os resultados desse estudo apontam que o aumento podem compor as Equipes de Consultório na Rua em suas
da inserção dos PEF na Atenção Básica pode ser influenciado diferentes modalidades e dá outras providências.
pela implementação das políticas públicas que priorizam
a promoção da saúde através das práticas corporais e ______. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria n° 256, 11
atividade física. A distribuição dos PEF nos serviços de saúde de março de 2013. Estabelece novas regras para o
do Estado do Rio Grande do Sul ocorre de maneira desigual. cadastramento das equipes que farão parte dos Núcleos
Destaca-se a Macrorregião Norte, com o maior número, de Apoio à Saúde da Família (NASF) Sistema de Cadastro
e tendo a principal inserção em Programas da Academia Nacional de Estabelecimentos de Saúde (SCNES).
da Saúde. Seguido pela Macrorregião Missioneira, onde
a principal inserção dos PEF é nas UBS. A Macrorregião
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310 311
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BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Resolução CIB n 555, 19 BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Vigilância em
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314 315
OS JOGOS EM JOGO: uma iniciativa por
uma relação mais saudável no ambiente
escolar1
Introdução
2. Etapa de negociação de acesso no Município individuais, etc.) e iniciar aproximações aleatórias com seus
de Puerto Nariño. habitantes para “quebrar o gelo” ou barreira que pudesse
3. Etapa de imersão na Comunidade Indígena haver entre ele e a população local.
pesquisada.
Passar oito semanas naquele lugar permitiu ao
Neste percurso geográfico, na primeira etapa pesquisador ganhar a confiança das pessoas da comunidade
(Produção de dados na cidade de Letícia) foi feito o para poder captar elementos como os costumes, as práticas
levantamento de informações (quantitativas) existentes culturais e, fundamentalmente, quem era reconhecido
sobre a comunidade indígena pesquisada em diversas dentro da comunidade pelos saberes que possuíam.
instituições governamentais e privadas do departamento Nesse processo de reconhecimento e de interação com
do Amazonas (Governo do estado, Secretaria de saúde, a comunidade, foram realizados vários encontros e
Secretaria de educação, etc). A segunda etapa foi travados muitos diálogos com os habitantes, a partir dos
desenvolvida no município de Puerto Nariño, localizado quais tentava conhecer mais um pouco sobre suas vidas,
há quatro horas da capital do departamento. Neste lugar, saberes e experiências. Neste momento, foram indicados
os dados de viés informacional foram obtidos em duas simultaneamente pela comunidade alguns habitantes
fases: a primeira por meio do levantamento documental (com uma faixa etária compreendida entre 26 e 94 anos)
na prefeitura municipal (secretaria de educação, saúde por possuírem saberes de caráter ancestral (o Xamã, o
e esportes); e a segunda relacionada às negociações com médico tradicional, o artesão, os que falavam o idioma, os
a Associação de caráter privado que representa diversos que se envolviam diretamente com atividades próprias da
povos indígenas habitantes da região. 4
Os curacas são os líderes políticos do povo (ou comunidade) indígena
frente às diversas instituições municipais, departamentais ou nacionais.
Têm como função ser o articulador entre os interesses coletivos e
3
Cada uma das informações descritas se encontra registrada no diário as diversas entidades (públicas ou privadas) para dar solução aos
de notas da pesquisa, iniciado a partir do dia da chegada à cidade de aprimoramentos e necessidades que a comunidade vivencie. No Brasil,
Leticia. são conhecidos com o nome de Caciques.
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cultura indígena local), saberes sobre a história do povo que falavam, já que (desde a perspectiva do pesquisador
local (aqueles que construíram a comunidade, a parteira, de campo) eram constantes as misturas entre o espanhol,
contadores de histórias, etc.) ou saberes da sociedade sua língua materna e palavras que somente existem ou têm
moderna (o professor da escola, o gestor de saúde, o guarda significado na região.
indígena, o operador do gerador de energia, etc.). Nesta terceira etapa de produção de dados, antes
No transcorrer deste processo nos foi possível de iniciar a conversa final com cada um dos indicados,
conhecer as limitações reais apresentadas no campo o pesquisador de campo colocou em prática o passo a
frente ao planejamento teórico-metodológico estruturado passo do protocolo ético exigido em pesquisas com seres
inicialmente. Foram realizadas 16 conversas5 com aquelas humanos, que estava dividido em três fases importantes:
pessoas indicadas pelos moradores da própria comunidade • A primeira consistia em solicitar a permissão
e que foram selecionadas conforme o conhecimento ou para fazer uso do gravador durante o tempo da conversa
saber pelas quais eram reconhecidos. Os encontros para (solicitação prévia à conversa).
as conversas foram acordados levando em conta duas
situações: a primeira relacionada com a disponibilidade de • A segunda consistia na solicitação do Termo de
cada um dos indicados (estabelecida em comum acordo com Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), de forma verbal
o objetivo de não interferir em nenhuma das suas atividades ou escrita (em alguns dos casos), ao final da conversa, já
cotidianas) e a segunda, que dependia especificamente que muitos dos entrevistados não sabiam ler nem escrever.
das condições geográficas e meteorológicas da região • E uma terceira, que consistia na permissão para tirar
para o deslocamento do pesquisador de campo até o lugar uma fotografia do colaborador da conversa.
escolhido pelo participante.
Nenhum colaborador manifestou restrição ao uso do
Em três casos foram necessários o acompanhamento gravador e ao TCLE ao finalizar a conversa. Somente um dos
dos filhos,6 já que alguns dos indicados não falavam participantes não autorizou ser fotografado, pois de acordo
espanhol (só falavam sua língua materna); outros pela sua com sua crença, quem se deixa fotografar pode “ficar preso
idade corria-se o risco de não entenderem as perguntas, e no papel”.7
outros simplesmente porque era muito difícil entender o
Outro episódio interessante no processo de busca
5
Denominamos o encontro final de “Conversa” porque o termo pelo consentimento dos entrevistados ocorreu no momento
“entrevista” gerava uma desconfiança inicial pelo fato de que para
eles entrevista é um acontecimento jornalístico realizado com pessoas da solicitação do TCLE para o Wimba,8 que se tornou um
especiais, que sabem mais do que um membro qualquer da comunidade, 7
Palavras traduzidas pelo seu filho de acordo com o que o participante
e só pode ser concedida por quem possui conhecimento escolarizado.
da conversa falava na sua língua.
Por este motivo, o pesquisador de campo achou mais apropriado usar 8
Em virtude da preservação da identidade, e do bom uso da informação
o termo conversa, já que neles representa um elemento cultural de
prestada pelos participantes durante a pesquisa, os participantes foram
caráter habitual, no qual é mais fácil falar sobre suas histórias de vida e
identificados com os nomes dos animais mitológicos oriundos das
suas experiências.
muitas histórias que cada um deles relatou nas conversas. Mantivemos
6
Os filhos compreendiam e falavam, de forma entendível, o espanhol
neste texto o mesmo nome atribuído ao participante na dissertação de
e alguns conceitos escolares básicos que, possivelmente, os pais não
mestrado. (BUITRAGO, 2015)
entenderiam.
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dos participantes da pesquisa devido a sua sabedoria repensadas sem levar em conta um padrão
e experiência de vida com diversos povos indígenas específico estruturado, simplesmente as
amazônicos. Ao lhe explicar as exigências formais que conversas foram desenvolvidas conforme
o sentido e o rumo da conversa. É por
precisamos cumprir no meio acadêmico para desenvolver isto que decidi adotar tópicos ou temas
este tipo de trabalho, ele respondeu o seguinte: “Eu não que facilitaram a boa interpretação tanto
entendo o mundo acadêmico, você não precisa permissão pelo colaborador como pelo pesquisador.
para falar do que nós falamos aqui” (tradução própria). (DIÁRIO DE NOTAS)
Respondeu dessa forma porque para ele a permissão estava
implícita na própria conversa, pois em sua cultura só se fala
para alguém algo que esta pessoa está autorizada a escutar,
por isso, estranhou o fato de que falar com alguém, para Discutindo e implementando
o mundo acadêmico, não fosse o mesmo que autorizar a
escutar. Assim, em respeito a sua crença, a autorização se Terminada a produção das informações no campo,
deu com a própria gravação da conversa. foi indispensável realizar a estruturação, organização e
sistematização das 16 conversas por meio de um processo
Tal como havia sido estabelecido antes da viagem
de transcrição geral. Este processo considerou a transcrição
do pesquisador de campo a San Juan de Atacuari, as
total das conversas do modo mais fiel possível à conversação
conversas foram organizadas a partir de um roteiro de
original realizada com cada um dos participantes. As
entrevista semiestruturada, que serviu de referência para
transcrições foram adaptadas9 e formatadas dentro do
os diversos encontros com os participantes da pesquisa.
modelo adotado pelo projeto “Garimpando Memórias”
Dada a configuração específica do grupo de entrevistados,
do Centro de Memória do Esporte (CEME)10 da Escola de
foi necessário fazer uma série de adaptações no referido
Educação Física, Fisioterapia e Dança (ESEFID) da UFRGS,
roteiro a cada conversa, pois fatores como a linguagem,
com a finalidade de tornar inteligíveis as conversas no
a não compreensão de algumas perguntas e o sentido
momento da leitura. Na perspectiva do pesquisador de
usual de termos, que para o pesquisador tinham outra
campo, essas adaptações não mudaram o sentido nem os
conotação, geraram perguntas muito mais interessantes
significados que os participantes deram a cada uma das
para o aprofundamento da lógica êmica da conversa. Um
conversas. Em busca de maior fidelidade, as conversas
trecho do diário de notas do pesquisador de campo ilustra
foram transcritas somente no idioma espanhol, língua
bem este processo:
materna do pesquisador de campo e a oficial do país no
O mais curioso da nossa primeira conversa
qual a comunidade indígena pesquisada está localizada, já
foi que as perguntas realizadas nas 9
As adaptações foram realizadas levando em conta as necessidades
primeiras entrevistas foram modificadas para fazer entendível a leitura e compreensão da conversa. Foram
completamente pela necessidade que adaptadas palavras que não existem no espanhol, mas que têm sentido
eu tinha de me aproximar da linguagem e são compreendidas unicamente pelos habitantes indígenas de
diversos povos nesta zona geográfica Amazônica.
usada na comunidade. É por isso que as 10
Informações adicionais estão disponíveis em: <http://www.ufrgs.br/
perguntas planejadas no roteiro foram ceme/site/entrevistas> Acesso em: 22 Nov. 2015.
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que ao tentar fazer a tradução para o português corríamos Etapas processuais para a análise dos dados
o risco de que muitas palavras ou sentidos não possuíssem
uma tradução específica ou, simplesmente, mudarmos o 1. Leitura e releitura das conversas: Feitas com
significado que havíamos captado no momento da conversa. a finalidade de identificar tanto elementos
Para nós, uma das grandes “descobertas” da convergentes quanto divergentes na fala de cada um
pesquisa foi justamente o caráter cosmológico atribuído dos colaboradores da pesquisa.
pelos entrevistados às práticas corporais autóctones, em 2. Interpretação, etiquetação e rotulação: Foi
especial os jogos.11 Deparamo-nos com um conjunto de necessário realizar uma interpretação geral de cada
eventos e práticas êmicas que nos abriram os olhos para conversa para, em seguida, “etiquetar” elementos
importantes e de valor significativo para a análise
uma dimensão pouco usual para quem vive conectado ao
final.
universo técnico-científico das grandes cidades e imerso 3. Unidades de significado: Nesta etapa foram criados
no mundo acadêmico. Foi muito interessante notar que códigos gerais que aglutinaram de forma específica
o caráter cosmológico está presente tanto nos Jogos cada uma das interpretações realizada na etapa
Autóctones Indígenas como também nas diferentes esferas anterior.
da vida comunitária daqueles povos indígenas, entre elas 4. Composição entre os diversos códigos textuais: Tais
o cuidado com a saúde. E tais “achados” emergiram por representações são o resultado das convergências e
meio da entrevista etnográfica, permitindo-nos estabelecer divergências entre associações das diversas unidades
uma rede de relações e acontecimentos durante o de significado.
desenvolvimento da pesquisa que transcenderam o objeto
Como resultado das etapas anteriores, foram geradas
de estudo próprio daquela dissertação de mestrado.
77 unidades de significado gerais que foram agrupadas de
Levando em conta tudo o que foi produzido por meio acordo com algumas categorias que havíamos considerado
da entrevista etnográfica, e para dar conta de processar o importantes para o objetivo da pesquisa como um todo.
volume de dados dentro do foco do estudo, organizamos Nesse processo, fatos relacionados aos temas do corpo,
os achados da pesquisa em quatro etapas processuais das práticas culturais, das crenças, dos saberes ancestrais
visando elaborar uma codificação que permitisse agrupar e relacionados à saúde emergiram durante as diversas
as diversas unidades de significado que daí emanaram. conversas possibilitando, assim, exemplificar de que modo
Estas etapas foram desenvolvidas da seguinte forma: os participantes da pesquisa atribuíam importância à saúde
11
O jogo autóctone indígena apresenta uma dimensão que vai muito do corpo e do espírito como parte do equilíbrio entre
além do ato de jogar e de seu sentido meramente lúdico. Ele tem sujeito e natureza.
um significado simbólico imerso em uma relação estrutural com
o pensamento cosmológico, ponte de conexão entre dois mundos Embora cada um dos colaboradores tivesse
(horizontal – vertical) que dá sentido a uma dimensão inscrita no mencionado a importância da medicina tradicional indígena,
universo indígena. No presente texto, nosso objetivo não é realizar
uma discussão do termo autóctone em relação e os significados que
os remédios ancestrais, as benzedeiras e as rezadeiras como
este adquire nas manifestações corporais dos povos indígenas, mas foi parte dos usos e práticas para prevenir ou curar doenças
desenvolvido de modo mais detalhado na dissertação de mestrado de do corpo ou da alma, a referência mais interessante foi a
Buitrago (2015).
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do participante “Wimba”, a quem a comunidade atribuía a Yo no quiero aprender para hacer maldad
melhora, a cura e a sobrevivência de um grande número a la gente, yo quiero aprender”, “vas a
de pessoas pertencentes aos diversos povos indígenas da aprender no pasa nada” [respondiendo
la madre Wimba]. Ya pues cuando todos
região. Tal distinção é fruto de uma configuração ancestral estaban durmiendo y tapados, ya ahí si
e cosmológica estruturada em um sistema de ritos não aprendía. Ya de mañanita, tomar jugo
reconhecidos cientificamente, que levava as pessoas a para curar el mal de la gente. Ahí tomé
vivenciarem seu processo saúde-doença de forma muito ese jugo y ahí si aprendí. Ahí si aprendí.
distinta do processo medicalizante prevalente na sociedade Ahí le hablaba a mi madre Wimba que
urbano-industrial. Este tipo de narração traz em si metáforas vivía en el Perú y me decía “¿que vos
quieres jovencito?”, “yo quiero aprender”
que só tinham sentido dentro do estrutura de pensamento [respondiendo a la pregunta de la madre
cosmológico própria dos povos indígenas, que dá suporte Wimba]. “¿Tu quiere aprender?” !si!
de verdade ao relato do participante da pesquisa de que [respondiendo] “ya; en este cachimbo va
havia sido escolhido pela própria natureza para aprender a a soplar, ‘Fhuuuu, Fhuuuuuu’, ya, con eso
cuidar da saúde do seu povo a partir do diálogo constante aprende tú, tú vas a aprender tranquilo,
entre ele, as plantas e os seres mitológicos. no va decir para otro brujo, otro brujo
nada, yo te estoy enseñando porque tu
Dos vários depoimentos prestados pelo participante, aprender de la madre wimba”. [
]Tu ser
em um ele conta ao pesquisador de campo como se deu, curandero, ahí va a vivir, ahí va a sanar
desde que era criança, o processo de aprendizagem sobre solito, todas las noches a oscura, oscura,
oscura, vas a curar tú, ahí vamos a vivir no
a medicina tradicional indígena, um saber que lhe foi morir, ahí va a llegar gente, se sana y se va,
transmitido diretamente das plantas, em especial da “Madre otros vienen y se sanan otros se van. Así
Wimba”, árvore com grandes propriedades medicinais da me conocen por el rio, así me conocen, si
região que, de acordo com a cultura local, possuiu segredos usted acredita en mí, usted viene y ahí lo
curativos que só podem ser ensinados a pessoas escolhidas curo. Ahí ya viene y ahí ya está curado, ya
pela própria natureza. Esta planta carrega este nome está sanado.[
]con el ojo aquí, eso no se
necesita la boca sino pa remedios nomas,
justamente porque é considerada a mãe de várias espécies yo busco remedios con los ojos, solo busco
medicinais por possuir propriedades que, com o auxílio de la planta ella me dice como curar, con eso
um xamã e de alguns seres com características mitológicas, cura, con eso va a sanar, así es. (WIMBA).
curam doenças tanto do corpo quanto do espírito. Yagua.
[
] cuando era pequeño como esos niños No depoimento anterior, é possível perceber que
(aproximadamente de 9 años) y así se a escolha por aprender este tipo de saber se dá a partir
aprender, mirando sus abuelos, así curaban da crença e da relação do participante com as plantas
los abuelos entonces aprendí de un palo medicinais, neste caso com a “Madre Wimba”. É a partir
(planta) de Wimba [
] yo le conversaba desse diálogo e da interação direta com esta espécie da flora
“hermana de la Wimba, enséñame, yo
amazônica que é possível, no entender do entrevistado, a
también quiero sanar y quiero aprender.
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transmissão de saberes específicos mediante rituais com pessoas com capacidade de manter a tradição. Por isso que é
bebidas tradicionais em locais específicos, proporcionando muito importante prospectar o sentido atribuído aos modos
assim um conjunto de experiências sensoriais, cosmológicas de vida que persistem naquele espaço, pois na medida em
e de cura que dão sentido às práticas de saúde reconhecidas que o campo da saúde (nesta perspectiva êmica) demanda
pelos povos indígenas habitantes daquela região. uma escuta de entendimento cosmológico diferenciado
no processo saúde-doença, as pessoas interatuam neste
processo de forma direta por meio de ritos, práticas
corporais e saberes que construíram no próprio território.
Comentários finais
BASTOS, P.A.P. Legados do ensino do esporte na escola: LIRA, G.V. et al. A narrativa na pesquisa social em saúde:
um estudo sobre o que professores de educação física perspectiva e método. Revista Brasileira em Promoção da
pensam em deixar para seus alunos ao final do ensino Saúde, Fortaleza, v.16, n.1-2, p.59-66, 2003.
médio. 2011. Dissertação (Mestrado) – Escola de Educação STAKE, R.E. Pesquisa Qualitativa. Estudando como as coisas
Física, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto funcionam. Tradução: Karla Reis. Porto Alegre, Penso, 2011.
Alegre. 2011. Disponível em: < http://www.lume.ufrgs.br/
handle/10183/36109>. Acesso em: 9 nov 2015.
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MATTOS, A.C.P. A entrevista etnográfica nos estudos sobre a
cultura e as práticas pedagógicas: “eu só quero uma escola
com professores...” Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC,
Florianópolis, jul. 2006.
PIZARRO, C. La entrevista etnográfica como práctica
discursiva: análisis de caso sobre las pistas meta-discursivas
y la emergencia de categorias nativas. Revista de
Antropologia – USP, São Paulo, v.57, n.1, p.462-496, 2014. SOBRE OS AUTORES
WACHS, F. Educação física e saúde mental: uma prática de
cuidado emergente em centros de atenção psicossocial
(CAPS). Dissertação (Mestrado) – Escola de Educação Alessandra Xavier Bueno: Graduada em Educação Física pela
Física, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Especialista em
Alegre. 2008. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/ Saúde Mental Coletiva e Mestre em Ciências do Movimento
handle/10183/14069>. Acesso em: 8 nov 2015. Humano pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Membro do Grupo de Pesquisa Rede Interstício - Rede
Internacional de Políticas e Práticas de Educação e Saúde
Coletiva. Membro do POLIFES - Grupo de Estudos e de
Pesquisa Políticas de Formação em Educação Física e Saúde.
Alessandro Rovigatti do Prado: Bacharel em Educação Física
pela Escola de Educação Física e Esporte da Universidade
de São Paulo (EEFE/USP). Mestrando pelo Programa
de Mestrado Profissional Interunidades “Formação
Interdisciplinar em Saúde” pela Universidade de São Paulo.
Graduando em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/
USP). Atua como personal trainer.
Alex Branco Fraga: Professor Associado da Escola de
Educação Física, Fisioterapia e Dança da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Editor-chefe da Revista
Movimento. Coordenador do POLIFES - Grupo de Estudos
e de Pesquisa Políticas de Formação em Educação Física
e Saúde. Assistant Professor (Status-Only) of Faculty of
Kinesiology & Physical Education of University of Toronto.
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Carlos Nazareno Ferreira Borges: Licenciado em Educação Felipe Quintão de Almeida: Licenciado em Educação Física
Física pela Fundação Educacional do Estado do Pará. pela Universidade Federal do Espírito Santo. Mestre e
Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa
Espírito Santo. Mestre e Doutor em Educação Física pela Catarina. Docente do Centro de Educação Física e Desportos
Universidade Federal Gama Filho. Professor Associado da Universidade Federal do Espírito Santo. Professor
da Universidade Federal do Espírito Santo. Docente dos do Programa de Pós-Graduação em Educação Física da
Programas de Pós-Graduação em Educação Física e em Universidade Federal do Espírito Santo. Editor adjunto
Ciências Sociais da UFES. Editor da revista Simbiótica (NEI/ da Revista Brasileira de Ciências do Esporte (RBCE) e do
Ufes). Líder do Centro de Estudos em Sociologia das Práticas Cadernos de Formação RBCE. Diretor Científico do Colégio
Corporais e Estudos Olímpicos (CESPCEO/Cefd/Ufes). Brasileiro de Ciências do Esporte (2013-2017). Pesquisador
do Laboratório de Estudos em Educação Física (Lesef/Cefd/
Edwin Alexander Cañon Buitrago: Licenciado em Educação Ufes).
Física pela Universidad Pedagogica Nacional da Colombia.
Mestre e Doutorando em Ciências do Movimento Humano Felipe Wachs: Licenciado em Educação Física pela
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Membro Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre e Doutor
do POLIFES - Grupo de Estudos e de Pesquisa Políticas de em Ciências do Movimento Humano pela Universidade
Formação em Educação Física e Saúde. Federal do Rio Grande do Sul. Docente da Faculdade de
Educação Física e Dança da Universidade Federal de Goiás.
Fabiana Fernandes de Freitas Brandão: Licenciada e Membro do POLIFES - Grupo de Estudos e de Pesquisa
Bacharel pela Universidade Federal de São Carlos. Mestre Políticas de Formação em Educação Física e Saúde. Membro
em Educação Física pela Escola de Educação Física e do Labphysis - Laboratório Physis de Pesquisa em Educação
Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE/USP). Doutora Física, Sociedade e Natureza.
em Ciências pela Escola de Educação Física e Esporte da
Universidade de São Paulo (EEFE/USP). Membro do grupo Giliane Dessbesell: Licenciada em Educação Física pela
de pesquisa CORPUS - Educação Física + Saúde Coletiva + Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul.
Filosofia + Artes da Universidade de São Paulo. Professora Mestre e Doutoranda em Ciências do Movimento Humano
da Rede Pública de Ensino do Estado de São Paulo. pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora
da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre/RS. Membro
Fabiana Fernandes Vaz: Graduada em Educação Física pela do POLIFES - Grupo de Estudos e de Pesquisa Políticas de
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Especialista em Formação em Educação Física e Saúde. Membro do Grupo
Saúde Mental pelo Grupo Hospitalar Conceição. Mestranda de Pesquisa Rede Interstício - Rede Internacional de Políticas
em Ciências do Movimento Humano pela Universidade e Práticas de Educação e Saúde Coletiva.
Federal do Rio Grande do Sul. Professora da Rede Municipal
de Ensino de Canoas/RS. Membro do POLIFES - Grupo de
Estudos e de Pesquisa Políticas de Formação em Educação
Física e Saúde.
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Ivan Marcelo Gomes: Licenciado em Educação Física pela Raphael Maciel da Silva Caballero: Graduado em Educação
Universidade Estadual de Maringá. Mestre em Sociologia Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e
pela Universidade Federal de Pernambuco. Doutor em em Fisioterapia pelo Centro Universitário Metodista (IPA).
Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Mestre e Doutor em Educação pela Universidade Federal
Catarina. Docente do Centro de Educação Física e Desportos do Rio Grande do Sul. Docente da Universidade do Vale do
da Universidade Federal do Espírito Santo. Professor Rio dos Sinos (UNISINOS). Membro do EducaSaúde - Núcleo
do Programa de Pós-Graduação em Educação Física da de Educação, Avaliação e Produção Pedagógica em Saúde.
Universidade Federal do Espírito Santo. Pesquisador do Membro do POLIFES - Grupo de Estudos e de Pesquisa
Laboratório de Estudos em Educação Física (LESEF). Políticas de Formação em Educação Física e Saúde.
Jayanna de Rezende Bachetti: Licenciada em Educação Thacia Ramos Varnier: Licenciada em Educação Física
Física pela Universidade Federal do Espírito Santo. Mestre pela Universidade Federal do Espírito Santo. Mestre em
pela Universidade Federal do Espírito Santo. Coordenadora Educação Física pela Universidade Federal do Espírito Santo.
Pedagógica na Rede de Educação Privada de Vitória. Pesquisadora do Laboratório de Estudos em Educação Física
Integrante do Laboratório de Estudos em Educação Física (Lesef/Cefd/Ufes).
(Lesef/Cefd/Ufes).
Valéria Monteiro Mendes: Licenciada em Educação Física
Lorena Nascimento Ferreira: Licenciada e Mestre em pela Universidade do Estado do Pará (UEPA). Mestre em
Educação Física pela Universidade Federal do Espírito Educação Física pela Escola de Educação Física e Esporte
Santo. Docente do curso de Educação Física da Faculdade da Universidade de São Paulo (EEFE/USP). Doutoranda no
MULTIVIX – Serra. Pesquisadora do Laboratório de Estudos Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Faculdade
em Educação Física (Lesef/Cefd/Ufes). de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP).
Marcelo Skowronski: Licenciado e Bacharel em Educação Membro do grupo de pesquisa CORPUS - Educação Física +
Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre Saúde Coletiva + Filosofia + Artes da Universidade de São
em Ciências do Movimento Humano pela Universidade Paulo. Colaboradora do Grupo Micropolítica e Saúde da
Federal do Rio Grande do Sul. Docente da Universidade Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.
Estadual do Mato Grosso. Membro do POLIFES - Grupo de Valter Bracht: Licenciado em Educação Física pela
Estudos e de Pesquisa Políticas de Formação em Educação Universidade Federal do Paraná. Mestre em Educação Física
Física e Saúde. pela Universidade Federal de Santa Maria – RS. Doutor pela
Michel Binda Beccalli: Licenciado em Educação Física pela Universität Oldenburg (Alemanha). Atualmente é professor
Escola Superior São Francisco de Assis (ESFA). Doutorando titular aposentado da Universidade Federal do Espírito
do Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Santo. Foi presidente do Colégio Brasileiro de Ciências do
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), onde Esporte (1991/93 e 1993/95). Pesquisador do Laboratório
concluiu o mestrado. Docente da ESFA. Coordenador PIBID/ de Estudos em Educação Física (Lesef/Cefd/Ufes). Membro
ESFA. Pesquisador do Laboratório de Estudos em Educação da Rede Internacional de Investigação em Educação Física
Física (Lesef/Cefd/Ufes). Escolar (REIIPEFE).
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Victor José Machado de Oliveira: Licenciado em Educação Córdoba, Argentina. Professora Associada da USP. Orienta
Física pela Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo. mestrado e doutorado na área de concentração Pedagogia
Mestre e Doutorando em Educação Física pela Universidade do Movimento Humano/EEFEUSP; e, mestrado profissional
Federal do Espírito Santo. Docente da Rede Municipal da no Programa de Pós-Graduação Interunidades “Formação
Serra. Pesquisador do Laboratório de Estudos em Educação Interdisciplinar em Saúde/FOUSP”. Coordena o grupo
Física (Lesef/Cefd/Ufes). CORPUS: Educação Física + Saúde Coletiva + Filosofia +
Artes.
Vinícius Penha: Licenciado e Mestre em Educação Física
pela Universidade Federal do Espírito Santo. Professor de
Educação Física da Rede Municipal de Educação de Vitória.
Docente do Grupo de Capoeira Beribazu. Pesquisador do
Laboratório de Estudos em Educação Física (Lesef/Cefd/
Ufes), do Núcleo de Educação de Jovens e Adultos (NEJA) e
do Observatório da Educação (OBEDUC/Ufes).
Ueberson Ribeiro Almeida: Licenciado e Mestre em
Educação Física pela Universidade Federal do Espírito Santo.
Doutor em Educação pela Universidade Federal do Espírito
Santo. Docente do Centro de Educação Física e Desportos
da Universidade Federal do Espírito Santo. Professor e
Coordenador Adjunto do Programa de Pós-Graduação
em Psicologia Institucional da Universidade Federal do
Espírito Santo. Pesquisador do Laboratório de Estudos em
Educação Física (LESEF). Membro da Rede Internacional de
Investigação em Educação Física Escolar (REIIPEFE).
Yara Maria de Carvalho: Licenciada e Bacharel em Educação
Física pela Universidade Estadual de Campinas. Mestre em
Ciências do Esporte pela UNICAMP. Doutora em Saúde
Coletiva na Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP e
Livre-docência em Promoção da Saúde pela Faculdade de
Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Pós-doutorado
em Ciências Humanas e Saúde pela Universidade Estadual
do Rio de Janeiro. Pós-doutorado em Antropologia da
Comunicação Visual pela Università La Sapienza di Roma,
Itália. Pós-doutorado em Filosofia pela Universidad de
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Este livro é um dos frutos do projeto interinstitucional
“Políticas de formação em educação física e saúde
coletiva: atividade física/práticas corporais no SUS”.
Os grupos POLIFES da UFRGS, CORPUS da USP e LESEF
da UFES desenvolveram, com apoio da CAPES, uma
parceria que buscou estimular e qualificar a relação
entre Educação Física e Saúde Coletiva. A orientação
central foi a formação profissional para o campo da
saúde com fundamentação nas ciências humanas e
sociais e nos princípios do SUS. Nele o leitor encontrará
diferentes cenários de práticas, pesquisas empíricas,
relatos de experiências, narrativas e estudos que
analisaram políticas, artefatos culturais e midiáticos,
os quais se configuram em torno da relação Educação
Física e Saúde Coletiva. Este livro é, portanto, uma
forma de compartilhar caminhos e, ao mesmo tempo,
um modo de afirmar e fortalecer a presença e atuação
da Educação Física no campo da saúde.
Realização: Apoio:
www.redeunida.org.br