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Uma fracassada tentativa de nais cerebrais confusos. Em
uma ocasião, cerca de 30
provar que a gagueira é causada
gagos, incluindo Johnson,
por fatores psicológicos produziu,
andaram pelo campus da
em 1939, um dos estudos mais Universidade de Iowa com
os braços enrolados em em‐
antiéticos da história da ciência
plastro e foram jogar bad‐
minton com a mão menos
Por Gretchen Reynolds hábil. “Sabíamos que está‐
Para o The New York Times vamos trabalhando em algo
Domingo, 16 de março de 2003 central na vida de um ser hu‐
mano”, disse um ex‐aluno
contemporâneo de Johnson
W
a um historiador de Iowa.
endell Johnson era um rapaz de “Não estávamos nos ocu‐
20 anos do interior dos EUA, pando com algo meramente
alto e corpulento, quando che‐ periférico.” À direita, um quadro do Dr.
JOANNE HOYOUNG/SAN JOSE MERCURY NEWS, 09.06.2001
Wendell Johnson decora a pare‐
gou à Universidade de Iowa, em Iowa City, Naquele tempo, a fisio‐ de do hall de entrada do Centro
para estudar inglês em 1926. Presidente de logia tinha se tornado a ex‐ de Fonoaudiologia da Universi‐
turma e orador de sua pequena escola em plicação favorita em Iowa dade de Iowa, que leva seu no‐
me. A pintura foi feita pela artis‐
Roxbury (Kansas), Johnson era simpático e para a gagueira. Os princi‐ ta plástica Cloy Kent, depois da
cativante, um verdadeiro “palhaço” na me‐ pais professores do depar‐ morte de Johnson, em 1965.
mória dos amigos de sua terra natal. Ele tamento estavam certos de Acima, visão ampliada da cena
também tinha uma gagueira acentuada, que que a desordem era provo‐ retratada no quadro. Para recri‐
ar a cena, a artista baseou‐se
muitas vezes o deixava sem fala. Sua pouca cada por sinais incorretos numa fotografia.
habilidade para falar o impeliu em direção à enviados pelo cérebro. Eles
escrita e à literatura, e também desenvol‐ haviam usado um novo aparelho chamado gueira, ele concluiu mais tarde, “começa
veu nele um pendor para o humor burlesco, eletromiógrafo para estudar a atividade neu‐ não na boca da criança, mas no ouvido dos
que o ajudava a se manter popular, apesar romuscular em pessoas com gagueira, em pais”.
do silêncio. A gagueira também o empurrou pessoas fluentes e, em um experimento pe‐ A ideia era provocante e poderosa, com
para a Universidade de Iowa, considerada culiar, em pessoas bêbadas (geralmente es‐ enormes implicações para a terapia fono‐
na época o mais famoso centro de pesquisa tudantes que, exclusivamente pelo interes‐ audiológica. Se a gagueira fosse um com‐
sobre gagueira no mundo. se da ciência, aceitavam o “sacrifício” de fi‐ portamento aprendido, ela poderia ser de‐
car embriagados – não sem antes ferir o re‐ saprendida. Biografia, contudo, não é prova.
ALGO CENTRAL NA VIDA DE UM SER HUMANO gimento interno do hospital da Universida‐ Johnson, para validar sua tese, precisava de
Naquele tempo, a fonoaudiologia ainda es‐ de de Iowa, que proibia álcool em suas de‐ um experimento que induzisse gagueira. Se
tava lutando para ser reconhecida como ci‐ pendências). A eletromiografia feita em vo‐ – ele raciocinou – qualquer criança pudesse
ência, e Iowa era o principal polo de atração luntários embriagados mostrou, para sur‐ ser induzida a gaguejar, então era óbvio que
dos interessados nessa nova disciplina. Vá‐ presa de ninguém, impulsos deficientes. De nenhum defeito fisiológico subjacente era
rios experimentos estavam sendo feitos na maneira intrigante, experimentos mais deta‐ necessário à desordem. Se a gagueira pudes‐
área quando Johnson chegou à universida‐ lhados mostraram que gagos tinham res‐ se ser trazida à tona em crianças normais,
de. Empolgado com as novidades, ele se en‐ postas neuromusculares sutilmente diferen‐ estaria provado que se trata de um compor‐
gajou com entusiasmo no estudo das pato‐ tes, quando comparadas às respostas de tamento aprendido, uma resposta condicio‐
logias da fala, escolhendo a área para sua te‐ voluntários fluentes. nada.
se de mestrado. “Eu me tornei um fonoau‐
diólogo porque precisava de um”, diria mais UMA IDEIA PROVOCANTE E PODEROSA COLOCANDO A TEORIA À PROVA
tarde. Mas Johnson, já um ambicioso professor No outono de 1938, Wendell Johnson recru‐
Muitos de seus colegas de curso tam‐ assistente em 1937, não estava convencido. tou uma de suas estudantes de graduação
bém eram gagos, e eles usavam uns aos ou‐ A história de vida dele sugeria o contrário. em psicologia clínica, Mary Tudor, de 22
tros como cobaias nos experimentos. Eles Ele tinha falado normalmente até os 5‐6 anos, para realizar exatamente esse expe‐
coletavam amostras de sangue, ligavam‐se anos, quando um professor disse a seus pais rimento. Ela estava ávida, porém temerosa
a eletrodos, golpeavam os joelhos para tes‐ que ele estava começando a gaguejar. Gra‐ quanto à tarefa. Ela deveria estudar se cri‐
tar reflexos, enchiam cadernos com trans‐ dualmente, uma obsessão com sua fala to‐ anças fluentes poderiam adquirir gagueira
crições de suas falas gaguejadas, aplicavam mou conta dele. Sua voz tornou‐se hesitan‐ caso fossem rotuladas de “gagas”. A univer‐
eletrochoque e disparavam armas perto do te. Ele tornou‐se consciente de que repetia sidade mantinha há algum tempo um con‐
ouvido para ver se o susto afetava a gaguei‐ sons. Obviamente, esses comportamentos vênio de pesquisa com um orfanato em Da‐
ra. (Não afetava, embora o mesmo experi‐ fazem parte das características da gagueira, venport, Iowa, então Johnson sugeriu que o
mento realizado com pessoas fluentes pos‐ mas, no momento em que começou a se estudo fosse feito lá. Assim, em 17 de janei‐
sa afetar suas falas.) Eles também amarra‐ preocupar demais com o problema, Johnson ro de 1939, Mary Tudor desceu de barco o
vam com ataduras seus braços, esperando decidiu: ele o tinha produzido. Seu proble‐ leito escarpado do rio Mississipi em direção
que a imobilização da mão dominante pu‐ ma não estava no cérebro, na biologia, mas ao orfanato Soldiers and Sailors Orphans'
desse de alguma forma desembaralhar si‐ em seu comportamento aprendido. A ga‐ Home. Ela levava consigo cadernos de ano‐
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tações, quadros de giz, um dinamômetro UM INÍCIO AUSPICIOSO
O orfanato Soldiers and Sailors Orphans' Ho‐ em uma escala que ia de 1 (muito gaga) a 5 Naquela primeira visita de janeiro, Tu‐
me (“casa de órfãos de soldados e marinhei‐ (fluente). Em seguida, compararam a avalia‐ dor testou o Q.I. e a dominância lateral de
ros”) foi fundado para abrigar filhos de ofici‐ ção com a informação que havia sido dada cada criança. Uma teoria muito em voga na
ais mortos na Guerra Civil americana. No pela escola do orfanato. “Relutante em fa‐ época afirmava que a gagueira era causada
ano de 1939, auge da Grande Depressão, lar, mas não há dúvida quanto à presença por uma falha de lateralidade. Se, por exem‐
ele chegou a acolher mais de 600 órfãos e de fenômenos típicos da gagueira”, escre‐ plo, você nascesse canhoto, mas fosse obri‐
semiórfãos (filhos de pais vivos, mas sem veu um dos juízes sobre um garoto. “Ten‐ gado a escrever com a mão direita, seus im‐
recursos) alojados em pequenos chalés im‐ são, prolongamentos, bloqueios, repetições. pulsos nervosos ficariam prejudicados e isso
provisados. Embora não fosse tão severo Um gago.” As 10 crianças gagas foram divi‐ acabaria afetando sua fala. Johnson achava
quanto o orfanato vizinho, o Industrial Scho‐ didas em dois grupos. Cinco foram coloca‐ que a ideia estava errada, mas ele era meti‐
ol for Boys, em Eldora, ou tão desamparado das no grupo IA, o grupo experimental. A culoso e sugeriu que Tudor verificasse a do‐
quanto o Institute for Feeble‐Minded Chil‐ elas seria dito: “Você não gagueja. Você fala minância lateral de cada criança. Ela colo‐
dren, em Glenwood, lá também havia escas‐ bem.” As outras cinco crianças gagas ficari‐ cou‐as para desenhar no quadro negro e
sez, melancolia e uma disciplina extrema‐ am no grupo IB e serviriam de grupo contro‐ para apertar o bulbo do dinamômetro. A
mente rígida. As crianças tinham que levan‐ le. A elas seria dito: “Sim, sua fala é tão ruim maioria era destra, mas também havia cri‐
tar às 5h30, tomar café e se banhar antes quanto as pessoas dizem.” anças canhotas em todos os grupos. Não
de começar a aula, e eram ensinadas a mar‐ As 12 crianças restantes foram escolhi‐ houve nenhuma correlação evidente entre
char em filas longas e bem alinhadas, para das aleatoriamente na população de órfãos lateralidade e fala na amostra estudada.
facilitar a ordem. sem gagueira. Metade delas foi colocada no Para Tudor e Johnson, era um início de es‐
grupo IIA, o grupo que 60 anos tudo auspicioso.
mais tarde daria início à ação ju‐
dicial. A essas 6 crianças, com ida‐ “FAÇA QUALQUER COISA PARA SE LIVRAR
DA GAGUEIRA”
de variando de 5 a 15 anos, teria
de ser dito que a fala delas não O experimento começou em 17 de janeiro e
era normal, que elas estavam co‐ durou até o final de maio de 1939. O traba‐
meçando a gaguejar e que pre‐ lho de Tudor se resumia basicamente à ta‐
cisavam corrigir isso imediata‐ refa de viajar de Iowa City até Davenport,
mente. Por fim, o grupo IIB foi toda semana, para falar com cada criança.
formado pelas seis crianças que Isso durava cerca de 45 minutos. Ela seguia
restavam, com idades semelhan‐ um roteiro pré‐definido. Em sua tese, ela
conta o que dizia aos órfãos com gagueira
do grupo IA, que deveriam ser convencidos
de que não gaguejavam. Ela dizia a eles, em
parte: “Você vai ficar bom [da gagueira],
você vai conseguir falar muito melhor do
que já fala agora [...] Não preste atenção ao
Duas visões do lugar onde funcionava o an‐
tigo orfanato Soldiers and Sailors Orphans' que os outros dizem sobre seu jeito de falar,
Home, em Davenport, Iowa (EUA). O orfana‐ pois eles não percebem que isto é apenas
to foi desativado em 1975, mas a maior par‐ uma fase”.
te das instalações permanecem exatamente Às crianças sem gagueira do grupo IIA,
como eram na época do experimento de
que seriam rotuladas de gagas, ela dizia:
Mary Tudor. O lugar abriga hoje um centro
de recuperação de dependentes químicos. “Chegamos à conclusão de que você tem
um grande problema com sua fala. [...] Você
tem muitos dos sintomas de uma criança
The New York Times | 16 de março, 2003 | 37
que está começando a gaguejar. Você tem abril de 1940, ela escreveu
que parar de gaguejar imediatamente. Use uma carta em tom defensivo
sua força de vontade. Faça qualquer coisa para Johnson, falando sobre
para se livrar da gagueira. […] Não abra a os órfãos. “Eu acredito que,
boca antes de ter a certeza de que você po‐ com o tempo, eles vão se re‐
de falar direito. Você não vê como o fulano cuperar, mas nós COM CERTEZA
[dizia o nome de uma criança do orfanato deixamos uma marca definiti‐
que gaguejava severamente] gagueja feio, va neles”. A ênfase é dela.
não vê? Ele começou do mesmo jeito que
você.” “EU ODIAVA GAGUEJAR”
No início, as crianças do grupo IIA res‐ Quando Wendell Johnson era
pondiam. No entanto, depois da segunda garoto, ele cumpriu todo o ro‐
sessão com Norma Jean Pugh, de 5 anos, teiro dos tratamentos ofere‐
Tudor escreveu: “Foi muito difícil convencê‐ cidos para a gagueira em sua
la a falar, embora ela falasse muito livre‐ época. O médico da sua famí‐
mente mês passado”. Outra criança no gru‐ lia receitou a ele pílulas de
po, Betty Romp, de 9 anos, “praticamente açúcar. Um curandeiro religio‐
se recusa a falar”, escreveu em sua avalia‐ so, que gritava de cima de um
ção final. “Coloca a mão ou os braços sobre púlpito, deixou‐o assustado e
os olhos a maior parte do tempo.” Hazel desapontado. Até quiropraxia
Potter, 15 anos, a mais velha do grupo, tor‐ ele fez. Aos 16, já com a fala
nou‐se “muito mais acanhada e está falando muito dificultada, ele implo‐
menos”, anotou Tudor. Potter também co‐ rou aos pais que o deixassem
meçou a usar interjeições e tamborilar os freqüentar uma “escola” dis‐
dedos em sinal de frustração. Perguntaram tante para pessoas com ga‐
a ela: “Por que você fala ‘a...’ tantas vezes?” gueira. Chegando lá, ele prati‐
“Porque tenho receio de não conseguir di‐ cou leitura em voz alta por
zer a próxima palavra.” “Por que você tam‐ três meses, falando de uma
borilou os dedos?” “Porque eu já ia falando forma propositalmente mono‐
‘a...’ de novo.” tônica, e também fez exercí‐ Dr. Wendell Johnson, em foto tirada no início da década de 60 no cam‐
pus da Universidade de Iowa.
O rendimento escolar de todas as crian‐ cios em que ele tinha que fa‐
ças piorou. Um dos garotos começou a não lar e levantar halteres ao mesmo tempo, nha tido dificuldade. Quando a pessoa al‐
querer mais ler em sala de aula. O outro, repetindo pausadamente frases motivacio‐ cançava a palavra seguinte àquela que havia
Clarence Fifer, de 11 anos, um garoto gordo nais. Nada disso o deixou curado, e então, sido apagada, ela gaguejava. Ele concluiu
e envergonhado, começou a corrigir a si de uma hora pra outra, ele se conformou. que a pessoa tinha se “acostumado” a tro‐
mesmo de forma ansiosa. “Ele parava e di‐ “Fui até a estação de trem, gaguejei para o peçar ali e, mesmo sem a presença da pala‐
zia para mim que ia ter dificuldade em falar bilheteiro e para o maquinista e fechei os vra problemática, ela ainda tropeçava. Esses
as palavras antes mesmo de dizê‐las”, es‐ olhos em desespero”, ele escreveu em “Por resultados convenceram Johnson de que a
creveu Tudor. Ela perguntou a ele: “Como que eu gaguejo”, seu primeiro livro. “Eu me gagueira era incontestavelmente uma res‐
você sabe disso?” Ele respondeu: “O som sentia extremamente envergonhado [...] Eu posta aprendida, condicionada.
não vai sair. É como se estivesse preso lá odiava gaguejar.” Ele também concluiu que a gagueira se
dentro.” Sua aflição moldou o restante de sua vi‐ manifestava de forma consistente. As pes‐
A sexta órfã, Mary Korlaske, uma garota da e sua carreira. “Como acontece com a soas que gaguejam tendem a ter dificuldade
de 12 anos, tornou‐se retraída e mal humo‐ maioria das pessoas que gaguejam, a ga‐ nos mesmos sons (embora esses sons vari‐
rada. Durante suas sessões, Tudor pergun‐ gueira o deixava muito confuso e frustra‐ em de pessoa para pessoa) e aprendem a an‐
tava se a melhor amiga dela sabia de sua do”, escreveu Oliver Bloodstein, Ph.D, pro‐ tecipar a dificuldade, frequentemente subs‐
“gagueira”. Korlaske murmurava: “Não”. fessor emérito de fonoaudiologia do Broo‐ tituindo palavras inteiras (por ex.: “meu p‐
“Por que não?”, insistia Tudor. Korlaske ba‐ klin College e o mais destacado aluno de p‐pa‐pa[i] . . . genitor”). Quando estão perto
lançava os pés. “Eu dificilmente falo com Johnson. “Ele passava horas tentando en‐ de pronunciar alguma consoante fricativa
ela.” Dois anos mais tarde, ela fugiu do or‐ tender o que havia feito de errado para ter problemática, elas arregalam os olhos, ba‐
fanato, terminando como interna de uma gaguejado em um determinado momento.” tem as mãos nos joelhos, estalam os dedos,
instituição extremamente rígida, a Industrial Esta dilacerante curiosidade o impeliu a sacodem a cabeça, numa tentativa espas‐
School for Girls. “Eu nunca consegui conver‐ realizar uma série de experimentos, antes e módica de forçar a saída do som. Johnson
sar com meu marido sobre isso”, disse Kor‐ depois do estudo de Tudor, sobre a nature‐ definiu essas ações como “comportamentos
laske, agora Mary Nixon, em uma breve za essencial da gagueira. O que ela é? Como associados à gagueira” e afirmou que, em
conversa por telefone em janeiro de 2003. funciona? Para responder essas perguntas, adultos, eles diminuiriam se a pessoa rela‐
“Isso arruinou a minha vida”, disse com a ele começou colocando pessoas com ga‐ xasse e não antecipasse a gagueira. Ele gos‐
voz partida. “Não posso mais falar”. E desli‐ gueira para ler textos impressos em páginas tava de repetir que, em certas situações,
gou o telefone soltando um audível impro‐ com bordas vermelhas. A leitura em voz alta mesmo as pessoas com gagueira mais seve‐
pério. era feita diante de uma plateia, para que a ra não gaguejam, como, por exemplo, quan‐
Até a própria Mary Tudor não conseguiu gagueira se acentuasse. Depois disso, as do estão cantando ou falando sem pressão
ficar indiferente. Em três ocasiões, depois pessoas submetidas ao experimento fica‐ com crianças ou cachorros. “Conheci um
de seu experimento ter sido oficialmente vam com a tendência de gaguejar severa‐ caso de gagueira severa em que o indivíduo
finalizado, ela retornou ao orfanato para mente toda vez que lessem um texto em viveu praticamente uma vida nômade, por‐
oferecer auxílio voluntário aos órfãos. Ela uma página marcada com vermelho, mes‐ que ele só conseguia se comunicar com as
dizia às crianças do grupo IIA que elas não mo quando liam para uma única pessoa. Em pessoas quando se estabelecia em uma no‐
gaguejavam de jeito nenhum. O impacto seguida, ele apagava as palavras nas quais va cidade”, escreveu Oliver Bloodstein, que
disso, contudo, foi questionável. Em 22 de uma determinada pessoa com gagueira ti‐ fez trabalhos de campo para Johnson.
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VERDADE CANONICAMENTE ACEITA
pletamente. Das seis crianças que foram sua publicação, como geralmente fazia com
As descobertas de Johnson sobre a natureza falsamente classificadas como gagas, duas as teses de seus alunos. Ele nem mesmo a
da gagueira, a partir do momento em que tiveram na verdade uma melhora de fluên‐ incluiu em sua outrora abrangente lista anu‐
foram publicadas pela primeira vez, torna‐ cia, de acordo com as avaliações longitudi‐ al de artigos de pesquisa sobre gagueira da
ram‐se uma verdade canonicamente aceita nais dos pesquisadores ao longo dos 5 me‐ Universidade de Iowa. Mas essa obscurida‐
até os dias de hoje. A desordem de fato pa‐ ses de estudo – uma das crianças chegou de acabou em 2001, quando a tese de Mary
rece responder ao condicionamento e, uma inclusive a avançar quase um ponto na esca‐ Tudor passou a receber a atenção de toda a
vez instalada, a gagueira pode adquirir uma la de fluência, de 3 para 3,8. Na outra, a flu‐ imprensa dos EUA, depois que uma série de
força autoperpetuante destrutiva. Muitas ência subiu de 3 para 3,6. Para outras duas, matérias sobre o estudo foi publicada no
vezes, quanto pior é a gagueira de alguém, não houve alteração de fluência. E nas duas jornal californiano San Jose Mercury News.
mais receio a pessoa sente de falar e, con‐ em que houve queda de fluência, na primei‐ Embora fosse desconhecida do grande pú‐
sequentemente, sua fala vai piorando cada ra, Clarence Fifer, caiu de 2,6 para 2, e na blico, a tese, intitulada The Effect of Evalua‐
vez mais. segunda, Hazel Potter, caiu de 3,1 para 2,8. tive Labeling on Speech Fluency, sempre
O que a teoria de Johnson não explicava No outro grupo teste, os resultados tam‐ esteve disponível nas prateleiras da biblio‐
era por que a gagueira começa. Episódios bém desapontaram. Entre as crianças que teca da universidade, e já possuía certa fa‐
de disfluência na fala são relativamente co‐ gaguejavam e que deveriam ser convenci‐ ma clandestina entre os alunos do curso de
muns entre adultos e crianças, especialmen‐ das de que falavam bem, duas mostraram fonoaudiologia de Iowa. “Aqueles que ti‐
te em crianças mais jovens. Cerca de 5% de‐ apenas leves melhoras na fluência, duas nham ouvido falar sobre o estudo de Mary
las exibem gagueira clínica, de acordo com pioraram e uma permaneceu inalterada. Os Tudor, chamavam‐no de ‘O Estudo Mons‐
Ehud Yairi, professor de fonoaudiologia na resultados em cada grupo teste “além de tro’”, recorda‐se Franklin Silverman, ex‐alu‐
Universidade de Illinois. Dessas crianças, cer‐ insignificantes, também apontavam na dire‐ no de Johnson, hoje professor de fonoaudio‐
ca de 75% conseguem se recuperar sem tra‐ ção errada (inesperada)”, concluiu Yairi e logia na Universidade de Marquette. “O es‐
tamento, e os restantes 25% continuarão ga‐ outro pesquisador em um artigo publicado tudo fazia as pessoas lembrarem os experi‐
guejando com diferentes graus de severida‐ na edição de maio de 2002 do The American mentos nazistas com seres humanos. Ou‐
de na idade adulta, o que resulta num per‐ Journal of Speech‐Language Pathology. tros professores da época alertaram John‐
centual em torno de 1% da população geral O único impacto consistente do experi‐ son de que a reputação dele estaria arrui‐
com gagueira visível (cerca de 60 milhões de mento foi verificado sobre as crianças do nada caso os dados do estudo fossem publi‐
pessoas em todo o mundo). Foram essas grupo IIA, e não estava relacionado à fluên‐ cados. Era perturbador imaginar que, de to‐
pessoas que Johnson estudou em suas pes‐ cia delas, mas ao seu comportamento. To‐ das as pessoas, logo Wendell Johnson tinha
quisas sobre a evolução da desordem. Mas, das começaram a agir de forma defensiva. sancionado uma atrocidade dessas. Justo ele,
afinal, o que havia feito essas pessoas de‐ “Todas as crianças deste grupo sofreram que sabia na pele a dor que a gagueira era ca‐
senvolverem gagueira? mudanças comportamentais evidentes”, es‐ paz de causar.”
Johnson não tinha nenhuma história fa‐ creveu Mary Tudor em sua tese, “mudanças
miliar de gagueira (pelo menos até onde ele que lembravam muito as reações de inibi‐
sabia) e descartava qualquer possibilidade ção, suscetibilidade e embaraço en‐
de que a condição pudesse ser hereditária. contradas em muitos adultos com
“A gagueira é um comportamento aprendi‐ gagueira em relação à sua fala.
do, Johnson gostava de dizer, e ele repetia Houve uma tendência clara
isso vezes sem fim”, escreveu Bloodstein de as crianças se tornarem
em uma mensagem de e‐mail. “Essa afirma‐ menos falantes”. Durante
ção tornou‐se o mantra dele.” Ele também as sessões com Mary Tudor
tinha dados empíricos, indiretos, que apoia‐ e na frente de outros pes‐
vam esta alegação. Em 1934, ele e seus as‐ quisadores, as crianças ba‐
sistentes entrevistaram dezenas de mães de lançavam os pés, falavam
crianças com gagueira, perguntando quan‐ baixo, contorciam as mãos,
do a desordem tinha começado e como a engoliam seco, respiravam com
família tinha reagido. Ele também fez testes dificuldade e colocavam a mão
com crianças de fala normal e concluiu que sobre a boca. Elas agiam como
elas também tinham muitos defeitos de fa‐ se tivessem gagueira, mas fala‐
la. Infelizmente, “para os gagos”, segundo vam perfeitamente bem.
Johnson, “os pais tinham reagido de forma Parece altamente imprová‐ O experimento de Tudor falhou completamente, deixando uma
exagerada, produzindo pânico na criança e vel que alguém possa construir grande interrogação em relação à causa da gagueira. Se ela não é
consolidando a gagueira”. Para ele, o diag‐ um gago. É possível induzir os um comportamento aprendido, o que ela é afinal? Apenas no iní‐
cio do século XXI, com o advento de métodos avançados de neu‐
nóstico dos pais causava a condição. John‐ tiques associados – os subterfú‐ roimagem que possibilitaram a investigação da microestrutura da
son deu a esta proposição o nome de teoria gios, o constrangimento. Isso po‐ matéria branca do cérebro (a parte conectiva do tecido neural), a
diagnosogênica, e ela se tornou a pedra de ser ensinado e reforçado. Mas ciência começou a dispor de instrumentos adequados para res‐
fundamental de seu trabalho como escritor a gagueira clínica não pode ser ponder esta pergunta. A aplicação dessas novas ferramentas de
pesquisa aos estudos sobre gagueira tornou realidade algo que
e professor, a razão de sua fama crescente ensinada. Ela simplesmente exis‐ anteriormente se julgava impossível: a descoberta de um substra‐
e, por fim, o alicerce de suas ideias sobre o te ou não existe. A teoria de John‐ to neurológico para o distúrbio. Utilizando um tipo especial de
No entanto, isso não aconteceu. Na rea‐ catória especial a Johnson, ela (Fonte da imagem: Sommer et al. Disconnection of speech‐relevant
lidade, o aspecto mais surpreendente do mergulhou na completa obscu‐ brain areas in persistent developmental stuttering. The Lancet, August
experimento de Tudor é que ele falhou com‐ ridade. Johnson não cuidou de 3, 2002; 360: 380‐383.)
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EVAN DOUTHIT/USA TODAY
Não há dúvida de que fazer experiências
com órfãos provoca repulsa imediata. Os
admiradores de Johnson, que ainda são
uma legião, se esforçam para tentar enten‐
der por que ele concebeu este projeto de
pesquisa. “Tenho certeza de que ele só le‐
vou isso adiante porque acreditava firme‐
mente que o estudo traria um benefício
maior, ele acreditava que poderia ajudar
milhares de outras crianças que gaguejam e
que qualquer dano seria provisório e rever‐
sível”, afirma D.C. Spriestersbach, outro ex‐
aluno de Johnson, atualmente vice‐diretor
da Universidade de Iowa e reitor emérito da
instituição. “Ele era uma pessoa maravilho‐
sa, tinha um carisma enorme, e entendia
como ninguém o tormento causado por
uma fala defeituosa. Ele não suportaria o
peso de saber que tinha provocado gagueira
em alguém.” O reitor faz uma pausa e pros‐
segue, “Mas ele nunca comentou comigo
nada sobre o estudo de Mary Tudor, nem
com qualquer outra pessoa que eu saiba.
Dos seis órfãos selecionados por Mary Tudor para o grupo IIA, apenas três viveram tempo suficiente para descobrir o
Então, tudo que posso fazer é conjecturar”. verdadeiro objetivo da visita daquela jovem estudante de 22 anos ao orfanato Soldiers and Sailors Orphans’ Home
naquela distante manhã de janeiro de 1939. A partir da esquerda, Norma Jean Pugh (hoje Kathryn Meacham), Hazel
A VOZ DA AUTORIDADE Potter (hoje Hazel Dornbush) e Mary Korlaske (hoje Mary Nixon). Junto com os herdeiros dos outros três participan‐
tes já falecidos do grupo IIA, elas resolveram processar o estado e a Universidade de Iowa quando souberam, 62
Durante a década de 40, quando Johnson, a
anos mais tarde, qual o real propósito do estudo.
despeito de seu problema de fala, foi um dos
palestrantes mais populares do campus de quer forma. Johnson era muito persuasivo. simpósio que está sendo realizado lá. “É cer‐
Iowa, ele costumava aconselhar seus alunos Mas, no mínimo, uma dúvida teria sido le‐ tamente um grande motivo de vergonha pa‐
a questionar “a voz da autoridade”. Ele dizi‐ vantada.” ra a fonoaudiologia e para os pais que al‐
a, “Onde quer que vocês escutem uma afir‐ guém um dia tenha dito isso.”
mação dogmática e absoluta vinda de qual‐ UM GRANDE MOTIVO DE VERGONHA Atualmente, os pesquisadores acreditam
quer ‘expert’, perguntem a ele: ‘O que exa‐ Da década de 50 até o início dos anos 80, a que a forma mais eficaz de tratamento é
tamente você quer dizer com isso e como teoria de Johnson foi unanimemente ado‐ trabalhar diretamente com as crianças. Em
você sabe?’” tada como base para a intervenção fonoau‐ sessões face a face com o fonoaudiólogo, as
O estudo de Tudor não foi apenas mo‐ diológica em crianças. Muitos terapeutas, crianças são encorajadas a praticar o con‐
ralmente inquietante, seus resultados tam‐ influenciados pela teoria diagnosogênica, se trole da respiração, suavizar a pronúncia da
bém devem ter causado confusão em John‐ recusaram a trabalhar diretamente com cri‐ sílaba inicial das palavras difíceis, falar com
son. Os dados ameaçavam destruir sua cren‐ anças, temendo que o tratamento pudesse uma taxa de elocução mais lenta e alongar
ça inabalável de que a gagueira era pura‐ piorar ainda mais a gagueira. No lugar da os sons para torná‐los mais fáceis de pro‐
mente comportamental. “O estudo contra‐ intervenção, o que eles costumavam fazer nunciar. Ninguém pode saber o que teria
riava tudo aquilo que ele representava”, diz era apenas aconselhar os pais, dizendo a acontecido se Johnson tivesse publicado a
Gerald Zimmermann, ex‐professor de fono‐ eles para não se preocuparem tanto. Algu‐ tese de Tudor. Os resultados do estudo teri‐
audiologia em Iowa, agora pedagogo. “Nin‐ mas vezes isto ajudava a criança, outras ve‐ am levantado dúvidas que poderiam preci‐
guém gostaria de publicar uma bomba co‐ zes não. pitar uma mudança mais precoce na forma
mo essa, mas, peraí, isso é ciência.” Hoje, um dos modelos mais amplamen‐ de tratamento das crianças com gagueira?
Inicialmente, Johnson chegou a se refe‐ te aceitos para explicar a gagueira persis‐ As crianças com gagueira teriam sido mais
rir ao estudo em algumas de suas palestras, tente é que um componente genético for‐ bem servidas por esta forma de intervenção
alegando que o experimento tinha levado nece uma predisposição biológica para a mais direta? Não há como saber. Ainda que
uma das crianças órfãs, provavelmente Ha‐ gagueira. Nem todo mundo com “genes pa‐ hoje os pesquisadores tenham mais sucesso
zel Potter, a adquirir gagueira persistente, o ra gagueira” progredirá para a desordem em reduzir a disfluência em crianças, a dis‐
que validaria sua teoria diagnosogênica. Mas completa. Há fatores ambientais que são ciplina do tratamento da gagueira perma‐
os pesquisadores, na avaliação final que foi necessários. Um desses fatores pode ser nece uma ciência inexata e, para algumas
feita após o estudo, classificaram sua fala uma mãe ou um pai tomado por pânico. Em pessoas que gaguejam, eternamente inefi‐
como fluente. uma criança com temperamento sensível, a caz. “Não temos qualquer forma de medir o
Depois disso, Johnson não voltou a men‐ reação do pai ou da mãe pode complicar impacto de ter perdido o estudo de Tudor
cionar o estudo. Em 1959, ele publicou seu ainda mais as coisas. Mas isso não vale so‐ por todos esses anos”, afirma Zimmermann.
famoso livro “A Origem da Gagueira”, no mente para a gagueira, aplica‐se também a
qual expôs em detalhes a teoria diagnoso‐ uma série de outras questões da infância. O FARDO DE TER SEMPRE QUE ESTAR CERTO
gênica. Contudo, em nenhuma das páginas Desta forma, a teoria de Wendell Johnson Talvez Johnson tenha sentido necessidade
do livro ele menciona o experimento com parcialmente sobrevive. Porém, como único de proteger uma teoria que definia não so‐
os órfãos. O estudo de Tudor “deveria ter preditor da gagueira, ela está completa‐ mente sua deficiência, mas também sua
sido discutido”, diz Zimmermann. “Ele deve‐ mente superada. “Ninguém mais acredita notável trajetória de vida. Wendell Johnson
ria ter sido incluído no registro bibliográfico que só os pais criam a gagueira”, diz Robert “era sociável”, Oliver Bloodstein escreveu.
e fazer parte do catálogo de pesquisa. Era Goldfarb, chefe do programa de doutora‐ “Ele era um camarada, uma pessoa muito
bem possível que a teoria diagnosogênica mento em fonoaudiologia da Universidade amigável. Mas ele também deu duro para
continuasse com muitos adeptos de qual‐ de Nova York e organizador do concorrido ser reconhecido e admirado em seu campo.
The New York Times | 16 de março, 2003 | 40
E como acontece com muitas pessoas que
se tornam admiradas, ele passou a carregar
consigo o pesado fardo de ter sempre que A SENTENÇA FINAL
estar certo.”
As repercussões do sexagenário estudo
de Mary Tudor ainda vão ressoar por anos.
Justiça determina valor da Foram selecionadas 22 crianças que estavam sob
o cuidado do estado em um orfanato de Iowa, o
Três órfãos ainda vivos do grupo IIA, Norma indenização às vítimas do
Soldiers' Orphans' Home. Seis delas foram subme‐
Jean Pugh (hoje Kathryn Meacham), Mary tidas a constante estigmatização e recriminação
Korlaske (hoje Mary Nixon) e Hazel Potter
“Estudo Monstro” da sua fala, além de outros tratamentos negati‐
(hoje Hazel Dornbush), estão movendo um vos, na tentativa de fazê‐las adquirir gagueira. As
processo de milhões de dólares contra a ASSOCIATED PRESS demais serviram como grupo controle. De acordo
17 de agosto de 2007 com os resultados obtidos no estudo, nenhuma
Universidade de Iowa e o Estado, citando, criança adquiriu gagueira, mas algumas se torna‐
entre outras acusações, a prática de tortura DES MOINES, Iowa – A corte de Iowa determinou ram relutantes em falar e passaram a se compor‐
psicológica e o uso de informação fraudu‐ que o estado pague 925 mil dólares de indeniza‐ tar de maneira inibida.
lenta (falsidade ideológica). Os herdeiros dos ção às vítimas de um infame experimento da dé‐ Hazel Potter Dornbush, hoje com 84 anos,
três órfãos já falecidos também serão inclu‐ cada de 30 que pretendia provar que a gagueira natural de Clinton, tinha 15 anos de idade quando
era um comportamento aprendido. Os pesquisa‐ foi selecionada para participar do experimento.
ídos no processo. “Acho que o júri chegará à dores da Universidade de Iowa tentaram induzir Ela se diz aliviada com o fim do processo. “Esses
conclusão de que, mesmo que a fala das ví‐ gagueira em órfãos, submetendo‐os à pressão psi‐ anos foram muito estressantes. Estou feliz que
timas não tenha sido arruinada, suas vidas cológica. acabou”, disse ela. “Quem gostaria de ver seu
foram”, afirma Evan Douthit, advogado de O juiz Denver Dillard, da corte distrital do passado sendo bisbilhotado, ainda mais no meu
Kansas City que está representando cinco condado de Johnson, expediu uma ordem apro‐ caso, que estou com 80 anos?” Mais velha do
vando o acordo na manhã de sexta‐feira, 17 de grupo, ela recorda o dia em que as 22 crianças
dos seis postulantes. “Kathryn Meachan tem agosto, mas a ordem ainda precisa ser ratificada foram escolhidas para a pesquisa. As crianças que
se achado uma pessoa desajustada por toda pela corte de apelação do estado, que se reunirá faziam parte do grupo dela tinham que ouvir dos
a sua vida. Ela ainda odeia falar, exceto para em 4 de setembro. pesquisadores que elas gaguejavam, mesmo sem
sua família e algumas poucas pessoas na As seis vítimas, que disseram conviver até que isso fosse verdade. Eles haviam dito que es‐
igreja que ela freqüenta. Ela é uma pessoa hoje com as consequências psicológicas do expe‐ tavam lá para ajudá‐las a parar de gaguejar.
rimento, tinham originalmente solicitado uma in‐ O experimento permaneceu no ostracismo
muito, muito triste.” denização de 13,5 milhões de dólares. “Acredita‐ até 2001, quando um jornal californiano, o San
Hazel Potter Dornbush conseguiu man‐ mos que foi uma decisão justa e apropriada”, de‐ Jose Mercury News, publicou reportagem investi‐
ter‐se combativa e decidida aos 79 anos. clarou o procurador geral, Tom Miller, em uma gativa sobre a pesquisa e seus métodos. Foi só aí
“Imagine, tentar destruir a voz de uma cri‐ entrevista. Ele disse que foi um resultado satisfa‐ que os participantes descobriram o verdadeiro
ança pequena”, ela diz. “Mas eu segui em tório para o estado, considerando o custo elevado propósito da experiência a que foram submeti‐
do processo e a dificuldade de encontrar teste‐ dos. O jornal baseou sua reportagem nas declara‐
frente, casei‐me com um homem bom, mi‐ munhas para fatos que se deram muito tempo ções feitas por Mary Tudor, a mestranda que con‐
nha fala está OK. O orfanato não era um atrás. Ele lembra que a decisão fornece resolução cordou em testar a teoria de seu professor, Wen‐
lugar tão ruim. Havia sempre a companhia para uma questão que envolve pessoas que agora dell Johnson. Tudor morava na Califórnia na épo‐
das outras crianças, eu nunca me sentia so‐ estão na casa dos 70 e 80 anos. ca em que a história foi publicada.
zinha.” Ela faz uma pausa. “Mas não me lem‐ O experimento, realizado no ano de 1939, fi‐ Johnson morreu em 1965, ainda com a repu‐
cou conhecido como “Estudo Monstro”, por causa tação inabalada. Tudor morreu em 2006. O orfa‐
bro de ter me aproximado de ninguém”, ela de seus métodos e da teoria que os pesquisado‐ nato fechou as portas em 1975. Um pedido oficial
acrescenta, com uma expressão um tanto res queriam provar – que a gagueira é um com‐ de desculpas foi feito pela universidade em 2001,
perplexa. “Eu era muito calada.” portamento aprendido que pode ser induzido em mas isso não impediu que as vítimas processas‐
Em 1965, aos 59 anos, Wendell Johnson crianças através de condicionamento psicológico. sem o estado e a universidade em 2003. A deci‐
sentou em sua escrivaninha pela última vez Ao longo de seis meses, uma mestranda orienta‐ são final da justiça determinou o pagamento de
da por Wendell Johnson, um pesquisador pionei‐ uma indenização conjunta de 900 mil dólares a
para defender a teoria diagnosogênica. Ele ro na fonoaudiologia e de grande renome nacio‐ cinco pleiteantes: Dornbush, Kathryn Meacham e
estava preparando um verbete sobre “De‐ nal, testou, junto com uma equipe auxiliar de os herdeiros legais de Betty Romp, Clarence Fifer
sordens da Fala” para a Enciclopédia Britâ‐ pesquisadores da Universidade de Iowa, a teoria e Phillip Spieker. Para Mary Nixon, o estado pa‐
nica, quando sofreu um ataque cardíaco ful‐ formulada por seu professor. gou uma indenização menor, de 25 mil dólares.
minante. O texto de 4.000 palavras do ver‐
bete, finalizado e publicado postumamente,
não dá nenhum sinal de que ele tenha mu‐
dado sua forma de pensar. “A criança apren‐
de comportamentos que rompem a fluência
de sua fala à medida que tenta evitar a ga‐
gueira para ganhar a aprovação dos pais”,
ele escreveu. Perto do final do verbete, o
didatismo de Johnson diminui e cede lugar a
um depoimento quase em tom de desaba‐
fo: “Pessoas com defeitos na fala conhecem
como ninguém o escárnio, o desprezo e até
mesmo a repulsa da sociedade”, ele conclui
na voz de um homem que dedicou toda a
vida à difícil tarefa de explicar o que nos
torna aptos a falar.
Traduzido por Hugo Silva, em janeiro de 2010, para o
Instituto Brasileiro de Fluência (www.gagueira.org.br). O Folha de rosto dos autos do processo movido contra o estado de Iowa pelas vítimas do estudo monstro. Em
artigo original, publicado na edição de 16 de março de destaque, os nomes dos participantes do grupo IIA, três deles já falecidos. A decisão da corte de Iowa, proferi‐
2003 do jornal The New York Times (seção 6, p.36), encon‐ da em agosto de 2007, determinou o pagamento de uma indenização de 925 mil dólares aos demandantes.
tra‐se disponível on‐line em: tinyurl.com/monsterstudy
The New York Times | 16 de março, 2003 | 41