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Juristas do governo arrasam lei do Parlamento que queria acudir aos bolseiros que estavam sem
bolsa e dão razão à FCT para não pagar retroativos. Marcelo recebe associação nesta quinta-feira.
Miguel Marujo
02 Agosto 2018 — 06:21
Uma lei mal feita com uma redação ambígua e uma interpretação restritiva, por parte
da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), fez com que largas centenas de
bolseiros de pós-doutoramento tenham ficado a arder, literalmente sem receber
qualquer remuneração, muitos deles desde 1 de janeiro. E em alguns casos já
ultrapassam um ano, continuando a trabalhar.
É este o problema que a lei se propunha resolver - e que se depreende da leitura das
quatro propostas entregues por PCP, PSD. BE e CDS, mas que não ficou explícito
na lei entretanto aprovada. A FCT foi taxativa na sua apreciação, só admitindo pagar
no dia seguinte à publicação da lei, ou seja, 9 de junho. E, perante a contestação de
bolseiros, a instituição resguardou-se no parecer do JurisAPP.
© Miguel A. Lopes/Lusa
Paulo Pinto é um destes bolseiros que ficou sem receber desde 1 de janeiro de
2018, depois de terminado o seu contrato. Investigador no CHAM - Centro de
Humanidades na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova
de Lisboa, Paulo Jorge de Sousa Pinto questionou deputados da Comissão
Parlamentar de Educação e Ciência sobre o que entende ser "uma incorreta
execução" da lei por parte da FCT.
Sem responder a estas questões, o gabinete remeteu o DN para "o parecer jurídico
solicitado pela FCT quanto à questão da retroatividade das bolsas", que "está
publicado no site da FCT". Sem mais.
Pelo BE, o assessor Manuel Grilo (o novo vereador em Lisboa), incumbido pelo
deputado Luís Monteiro, respondeu que os bloquistas estão "a ponderar a melhor
iniciativa para, num curtíssimo espaço de tempo, desbloquear a sua plena
aplicação". E a deputada centrista Ana Rita Bessa notou que "a FCT faz, de facto,
uma interpretação restritiva do espírito da lei" e que o CDS está "a tentar perceber
que diligências eficazes" podem realizar.
© Miguel A. Lopes/Lusa
O espírito da lei e a intenção do legislador soçobrou perante a lei, que de facto não
esclarece o momento em que se renovam as bolsas. O Centro de Competências
Jurídicas do Estado é taxativo em não considerar a retroatividade da
lei, segundo o parecer já citado. "A Lei n.º 24/2018 é, num certo sentido, 'retroativa',
pois vem dispor sobre bolsas vigentes antes da sua entrada em vigor. Ora, o que nos
diz a lei é que, mesmo que a 'retroatividade' da Lei n.º 24/2018 seja a tida em vista
no art. 12.º do Código Civil, 'ficam ressalvados os efeitos já produzidos' pela
legislação anterior, ou seja, a cessação das bolsas que deviam ter cessado ocorreu
efetivamente, com a respetiva perda do rendimento como bolseiros dos seus
titulares, no período anterior à entrada em vigor da lei nova. É agora, com a lei nova,
que há uma «renovação», que lhes pode repor, doravante, esse rendimento. É isto o
que decorre do art. 12.º, n.º 1, do Código Civil e o que consta da informação
disponibilizada pela FCT. Para repor aos bolseiros o rendimento anterior à Lei n.º
24/2018, seria necessário que a lei assim dissesse."
A lei não o diz. Mas num outro parecer - da advogada do Sindicato Nacional do
Ensino Superior (SNESup) - defende-se que a razão está do lado dos bolseiros e
que a lei "aplica-se retroativamente, desde a data da cessação (...), renovando os
contratos de bolsa de todos os bolseiros doutorados que se encontravam vigentes e
que cessaram pela conclusão do plano de atividades ou decurso do prazo pelo qual
a bolsa foi atribuída, bem como, aos contratos que se encontravam vigentes e
prestes a cessar em 29 de agosto de 2016, procedendo igualmente à renovação e à
prorrogação dos contratos dos bolseiros abrangidos pelo artigo 23.º da Lei n.º
57/2017, de 19 de julho, que tenham cessado pelos mesmos motivos e que se
consideram renovados e/ou prorrogados até à conclusão do respetivo procedimento
concursal".
Os comunistas insistiram que a sua proposta visava garantir aos bolseiros a "não
perda da remuneração líquida mensal", o "financiamento dos contratos pela FCT
durante os seis anos" e a "perspetiva de integração na carreira ao fim desse tempo".
© Miguel A. Lopes/Lusa