Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Série Livro-Texto
Dejalma Cremonese
2012
SUMÁRIO
SUMÁRIO......................................................................................................................................2
APRESENTAÇÃO........................................................................................................................3
REFERÊNCIAS...........................................................................................................................84
APRESENTAÇÃO
O homem é, por natureza, “um animal social e político” (zoon politikon). “Aquele que
não precisa dos outros homens, ou não pode resolver-se a ficar com eles, ou é um deus, ou é um
bruto (selvagem)”, são afirmações atribuídas ao filósofo grego Aristóteles e encontram-se na
obra A Política (2002). Também é lapidar, neste sentido, a afirmação da filósofa Hannah Arendt,
constante na obra A condição humana (1995, p. 31), enaltecendo o caráter social e político do
homem: “Nenhuma vida humana, nem mesmo a vida de um eremita em meio à natureza
selvagem, é possível sem um mundo que, direta ou indiretamente, testemunhe a presença de
outros seres humanos”. Essas citações ressaltam que nenhum de nós é uma ilha, que
necessitamos e carecemos da presença do outro para a nossa realização e, mais ainda, toda ação
do homem depende, inexoravelmente, da presença de outros.
O homem foi feito, assim, para a vida da cidade (bios politikós, derivado de pólis, a
comunidade política), ou seja, o fim último do homem é viver na pólis, onde se realiza como
cidadão (politai), manifestando a sua natureza, o termo de um processo de constituição de sua
essência, a sua natureza. Então, é próprio do homem não apenas viver em sociedade, mas viver
na “politicidade”. A verdadeira vida humana deve almejar a organização política, que é uma
forma superior e até oposta à simples vida do convívio social da casa (oikia) ou de comunidades
mais complexas. A partir da compreensão da natureza do homem, determinados aspectos da vida
social adquirem um estatuto essencialmente político, tais como as noções de governo, de
dominação, de liberdade, de igualdade, do que é comum, do que é próprio.
4
Por fim, é possível perceber que a reflexão de Aristóteles sobre a política não se separa
da ética, pois a vida individual está imbricada na vida comunitária; esta é a razão pela qual os
indivíduos se reúnem em cidades (e formam comunidades políticas), não apenas para viverem
em comum, mas para viver “bem” ou para a “boa vida”. O fim da cidade, portanto, é não só
assegurar aos cidadãos a vida e sua conservação (zein), mas o viver bem (euzein) (Prélot, 1973,
Livro 1, p. 135). Deste modo, a vida política destina-se a garantir a qualidade e a perfeição da
vida. Para que isso ocorra, é necessário que os cidadãos vivam o bem comum, em conjunto ou
por intermédio dos seus governantes. Se acontecer o contrário (a busca apenas do interesse
próprio), dá-se a degeneração do Estado.
Sendo assim, este texto tem como objetivo apresentar conceitos básicos da Ciência
Política como o debate sobre o Estado, Cidadania e Eleições no Brasil (comportamento político).
A partir de autores da Ciência Política pretende-se discutir as origens históricas do Estado e das
legislações de proteção social no Brasil, especialmente tratar sobre a questão da difícil
construção da cidadania no Brasil.
Por fim, a Unidade IV aborda o comportamento político do Brasil pós 88. A evolução
dos principais partidos nas eleições gerais e municipais.
.
UNIDADE 1 - FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ESTADO MODERNO
Esta unidade inicial tem como objetivo discutir aspectos teóricos do Estado Moderno:
origem, elementos e desenvolvimento no Estado, a teorização de Maquiavel, o Estado na
compreensão da teoria contratualista e, por fim, a caracterização do estado de Bem-Estar Social
(Welfare State).
A definição etimológica de Estado feita por Dallari (1995, p. 43) perpassa a origem
latina, status, que significa estar firme, significando situação permanente de convivência e ligada
à sociedade política, aparecendo pela primeira vez em O Príncipe, de Maquiavel, escrito no
início do século XVI – indicando mais uma vez o fato de o conceito atual de Estado ser recente,
da Modernidade.
Para Azambuja (1971), o Estado é uma sociedade política determinada por normas de
Direito positivo, hierarquizada em governantes e governados, tendo no bem público sua
finalidade, constituída por uma coletividade de indivíduos unidos e organizados
permanentemente em prol de um objetivo comum. O Estado emerge na tentativa de superar o
instinto natural do homem e instituir definitivamente a sociedade política. O instinto social leva
ao Estado, criado e organizado pela razão e pela vontade.1
Eusebio de Queiroz Lima (1957) vê o Estado como uma nação organizada. Nação é um
conceito vasto para o autor, sendo a mais complexa das formas por que as sociedades humanas se
1
Para aprofundar o debate sobre as origens e o desenvolvimento do Estado na história, ver: Cremonese (2008),
Dallari (1995), Mann (1992), Bedin (2008).
6
apresentam, antecedida pela ordem civil. A nacionalidade, em Queiroz Lima, é subentendida nos
conceitos afirmados por outros escritores. Dessa forma, Queiroz Lima cita H. Hauriou, que
define o termo nação “como uma população fixada no solo, na qual um laço de parentesco
espiritual desenvolve o pensamento da unidade do grupamento”. Também o entendimento de
Jellinek é citado: “quando um grande número de homens adquire a consciência de que existe
entre eles um conjunto de elementos comuns de civilização, e que esses elementos lhe são
próprios (...). O conceito de nação é essencialmente subjetivo, é resultante de um certo estado de
consciência” (JELLINEK, apud. QUEIROZ LIMA, 1957, p. 4).
Sahid Maluf (1995) concebe o Estado como “[...] órgão executor da soberania nacional
[sendo] apenas uma instituição nacional, um meio destinado à realização dos fins da comunidade
nacional...” (1995, p. 11). É “[...] a sociedade política necessária, dotada de um governo
soberano, a exercer seu poder sobre uma população, dentro de um território bem definido, onde
cria, executa e aplica seu ordenamento jurídico, visando ao bem comum” (p. 19-22).
José Geraldo Filomeno (1997) tem o Estado como um tipo especial de sociedade,
devendo ser analisado nos aspectos sociológico, político e jurídico. Assim, cita Perez a fim de
elucidar a questão: “o Estado é um ser social e, portanto único, embora complexo e não simples,
em atenção aos diversos aspectos que apresente: método científico, método filosófico, método
histórico e método jurídico” (1997, p. 17). O Estado se presta ao serviço do homem, sendo “[...]
mero instrumento para a realização do homem, tendo em vista sua fragilidade e impossibilidade
de bastar-se a si mesmo” (p. 18).
aspirações comuns” (p. 19). É uma comunidade de consciências unidas por um sentimento
comum (como ocorre no patriotismo). O que une um povo até constituir uma nação é a
identidade histórica, o passado comum (raça, língua e religião coadjuvantes, fundamentalmente
característicos da nação).
O território é a base física, geográfica, da nação, onde ocorre sua validade jurídica,
constituído de solo, subsolo, espaço aéreo, embaixadas, navios e aviões de uso comercial ou civil
e o mar territorial (200 milhas, no caso brasileiro). Porém, há nações e povos sem território
(como judeus até 1948 – quando se criou o Estado de Israel – e ciganos).
outras palavras, separa ética de política, dizendo que a primeira diz respeito às questões do
indivíduo e a última, às coisas públicas. “É necessário a um príncipe, para se manter no poder,
que aprenda a ser mau e que se valha ou deixe de valer-se disso segundo a necessidade”
(MAQUIAVEL, apud BEDIN, 2008, p. 97). Quaisquer meios utilizados (sejam bons ou maus)
justificam o fim da manutenção do Estado.
A origem do Estado tem sido tratada através dos tempos pelos mais diversos tipos de
teóricos, nos mais variados contextos, não tendo havido consenso acerca da matéria. Nessa linha
de trabalho, desenvolveram-se quatro principais teorias acerca dessa origem: a teoria da força, a
teoria evolucionária, a teoria do direito divino e a teoria contratualista.
Segundo a teoria da força, o Estado nasceu quando uma pessoa ou grupo controlou os
demais, gerando a luta de classes (concepção marxista), sendo o principal escopo do Estado a
defesa dos interesses dos integrantes da classe dominante. Também para Max Weber o Estado se
origina na força, pois é a “[...] empresa institucional de caráter político onde o aparelho
administrativo leva avante, em certa medida e com êxito, a pretensão do monopólio da legítima
coerção física, com vistas ao cumprimento das leis” (1999, p. 56).
A teoria do direito defende que o Estado foi criado por Deus, que delegou o poder
divino de mando aos reis. Os exemplos mais notórios fundamentados nessa teoria foram os
reinados absolutistas de Henrique VIII (Inglaterra) e Luís XIV (França). Jean Bodin e Bossuet
defendiam o poder divino dos reis para administrar o Estado:
Nada havendo de maior sobre a Terra, depois de Deus, que os príncipes soberanos, e
sendo por Ele estabelecidos como seus representantes para governarem os outros
homens, é necessário lembrar-se de sua qualidade, a fim de respeitar-lhes e reverenciar-
lhes a majestade com toda a obediência, a fim de sentir e falar deles com toda a honra,
pois quem despreza seu príncipe soberano, despreza a Deus, de quem ele é a imagem na
Terra (Bodin, apud Chevallier, 1986, p. 61).
Igualmente, para Bossuet, o rei é a própria presença de Deus na Terra, conforme se pode
concluir na análise do trecho a seguir:
9
Considerai o príncipe em seu gabinete. Dali partem as ordens graças às quais procedem
harmonicamente os magistrados e os capitães, os cidadãos e os soldados, as províncias e
os exércitos, por mar e por terra. Eis a imagem de Deus que, assentado em seu trono no
mais alto dos céus, governa a natureza inteira... Enfim, reuni tudo quanto dissemos de
grande e augusto sobre a autoridade real. Vede um povo imenso reunido numa só
pessoa, considerai esse poder sagrado, paternal e absoluto; considerai a razão secreta,
que governa todo o corpo do Estado, encerrada numa só cabeça: vereis a imagem de
Deus nos reis, e tereis idéia da majestade real (Bossuet, apud Chevallier, 1986, p. 97-
98).
A teoria do contrato social, desenvolvida por Hobbes, Locke e Rousseau nos séculos
XVII e XVIII, foi a mais significativa das quatro aqui citadas. Segundo ela, o Estado nasce do
contrato social. Nos séculos 17 e 18 os filósofos John Locke, Thomas Hobbes e Jean-Jacques
Rousseau desenvolveram esta teoria do estado de natureza para o estado civil.
O estado de natureza e o estado político justificam o poder – ou seja: para que saia do
primeiro, atingindo a civilidade, o homem precisa criar o artifício da sociabilidade humana. Isso
contraria a concepção aristotélica de que o homem seria naturalmente civilizado.
Daí a expressão latina homo homini lupus (o homem é o lobo do próprio homem),
afirmando que o homem não é naturalmente bom, como declarava Aristóteles. Sem a presença
do poder político centralizado, os homens naturalmente “não-bons” estão livres para a realização
de suas paixões e satisfação dos seus instintos, o que caracteriza a falta de civilidade. Assim,
quando se encontra nesse estágio, a existência humana é temerária, sendo apenas a partir da
centralização artificial do poder que alguma segurança pode surgir e permitir a vida em
sociedade.
10
Hobbes afirma não faltar "liberdade" no Estado Absoluto, pois esta significa, em sentido
próprio, a ausência de oposição, e oposição seriam os impedimentos externos do movimento. A
leitura de gregos e latinos nos fez pensar "errado" a questão da liberdade, princípio pelo qual
homens lutam e morrem. Para Hobbes, liberdade se reduz a uma determinação física, aplicável a
qualquer corpo físico. Portanto, a liberdade está depositada no Estado e não nos súditos. Para ele,
o Poder é sempre o mesmo, está sob todas as formas, leis ou acordos que se supõe serem
suficientes para proteger ou controlar os súditos. A "condição incômoda" do homem é aceitável
visto que a sua "condição natural" é infinitamente pior e, ainda, no Estado Absoluto de Hobbes, o
indivíduo "conserva um direito à vida".
O segundo contratualista a ser aqui abordado é John Locke, que escreveu Dois Tratados
sobre o Governo Civil, Ensaio Filosófico sobre o Entendimento Humano e a Carta sobre a
Tolerância. O contexto histórico-cultural em que produz sua obra é a Inglaterra da segunda
metade do século XVII, que se tornou um promissor império mercantil, cuja burguesia necessita
de fundamentação às aspirações de liberdade (direitos individuais) e soberania.
Em Dois Tratados sobre o Governo Civil, Locke teoriza contra o absolutismo, buscando
derrubar a teoria do direito divino. Dessa forma, também adota as idéias da passagem do estado
de natureza ao estado civil através do contrato entre indivíduos. No entanto, ao contrário de
Hobbes, que tem o estado de natureza como um âmbito de profunda inimizade e insegurança,
Locke o vê como um âmbito no qual os indivíduos estão regulados pela razão e há uma
organização pré-social e pré-política onde todos nascem com os direitos naturais: vida, liberdade,
propriedade privada e punição àqueles que infligem o mal contra inocentes.
11
A propriedade é a extensão de terra que cabe a cada um, tendo a capacidade de lavrá-la,
semeá-la e cultivá-la, não sendo tratada a acumulação especulativa da propriedade. A união dos
homens em sociedades políticas, bem como a sua submissão a um governo, visa à conservação
de suas propriedades, pois o estado natural não as garante por si só.
O Estado concebido por Locke é liberal, pois é soberano, mas sua autoridade vem
somente do contrato que o faz nascer. Daí advém o fato de ter sido Locke um teórico
monarquista parlamentar liberal, e não absolutista. Esse contrato é também o fundamento do
livre consentimento segundo o qual os homens formam a sociedade civil para preservar e
consolidar os direitos originalmente possuídos no estado de natureza.
O governo civil em Locke tem como poder mais importante o Legislativo, cabendo a ele
a elaboração das leis de proteção às propriedades de todos os membros da sociedade,
sustentando-se sobre o poder delegado pelo povo.
Para Rousseau, a Assembléia é o único órgão soberano, que representa o povo, que pode
confiar a alguns indivíduos tarefas administrativas estatais, podendo a qualquer momento
revogá-las. Mas o povo nunca perde sua soberania, nunca a transfere para um organismo estatal
separado.
As idéias de Rousseau afirmam a igualdade, pois só nessa condição se pode ser livre.
Assim, nota-se a oposição a Locke, para quem a liberdade é condicionada justamente pela
desigualdade entre proprietários e não-proprietários (visto que, para o liberal inglês, a liberdade é
diretamente proporcionada pela propriedade).
A democracia, conforme elucidado por Norberto Bobbio (1983), que apresenta duas
diferenças básicas para a sua efetivação. Para os antigos, ela era entendida como democracia
direta; já para os modernos, como representativa. A teoria clássica (aristotélica) tem a
12
A teoria moderna (iniciada com Maquiavel) nasce com o Estado moderno, e tem a
antiga democracia como uma das duas formas de república: haveria a república democrática e a
república aristocrática. Sofre transformações até que conclua que “[...] por democracia se
entende toda a forma de Governo oposta a toda forma de despotismo” (DAHL, apud BOBBIO,
1983). Sofre modificações importantes principalmente após o contratualismo.
Com o liberalismo, passou-se a entender o termo liberdade como dividida entre civil
(liberdade negativa, mera capacidade de fazer e não fazer) e política (liberdade positiva,
atribuição de uma capacidade jurídica específica de participar, mesmo que indiretamente, do
governo). O poder político deve ser exercido por representantes eleitos pelos detentores da
liberdade política. O desenvolvimento da democracia representativa deu-se com o alargamento
gradual do direito de voto e na multiplicação dos órgãos representativos.
real, pois possibilita a seleção dos líderes para o progresso (apud BOBBIO, 2000). Uma frase
ilustrativa demonstra o caráter “sagrado” que a Corte Suprema dos EUA, por ocasião das
eleições no ano de 1902, confere ao seu processo eleitoral, mesmo que quem dela participe seja
apenas uma minoria: “A cabine eleitoral é o templo das instituições americanas, onde cada um de
nós é um sacerdote, ao qual é confiada a guarda da arca da aliança e cada um oficia do seu
próprio altar” (BOBBIO, 2000, p. 272). É possível perceber que a democracia ocidental é um
processo relativamente novo, e as revoluções Americana e Francesa marcam seu início.
Esta última seção trata das origens do Estado de Bem-Estar Social e sua base teórica a
partir de John Maynard Keynes. Este modelo de Estado alcança seu apogeu após a II Guerra
Mundial e estende-se até os anos 70, quando começa a entrar em crise.
14
O Estado de Bem-Estar Social teve a sua origem na Grã-Bretanha e foi difundido após
a Segunda Guerra Mundial. O Estado de Bem-Estar Social se opôs ao modelo liberal de Estado
(laissez-faire), que foi dominante durante todo o século XIX e início do século XX. O modelo
liberal prescindia da existência do Estado. Isto é, a função do Estado era apenas proteger o
indivíduo em seus direitos naturais (direito à vida, à liberdade e à propriedade), deixando que a
economia se regulasse pela “mão invisível” do próprio mercado.2
Em outras palavras, o Estado não deveria intervir na economia. No entanto, com a crise
do modelo liberal, com o crash da Bolsa de Valores de New York de 1929 (Grande Depressão), o
Estado foi “convocado” para salvar a falida economia capitalista. A partir dos anos 30 e 40 do
século passado, o Estado passou então a implementar e financiar programas e planos de ação
destinados a promover interesses sociais coletivos de seus membros, além de subsidiar, estatizar
e socorrer empresas falidas.
Falando-se no Estado Social, pode-se afirmar que foi com as constituições mexicana de
1917 e a de Weimar de 1919 que o modelo constitucional do Welfare State, ou o Estado de Bem-
2
Sobre a questão dos direitos naturais e da mão invisível do mercado, conferir a obra de Locke (2001) e Smith
(1981), respectivamente.
3
Conferir Outhwaite e Bottomore (1996, p. 813).
15
Estar Social, principiou sua construção. O Welfare State seria o Estado no qual o cidadão,
independentemente de sua situação social, tem direito a ser protegido, por intermédio de
mecanismos e prestações públicas estatais, emergindo assim a questão da igualdade como o
fundamento para a atitude intervencionista do Estado (MORAIS, 2002, p. 38).4
Como já mencionado anteriormente, a formação deste Estado é algo que perpassa muitos
anos. É possível dizer que o mesmo modelo acompanha o desenvolvimento do projeto liberal
transformado em Estado do Bem-Estar Social no transcurso da primeira metade do século 20,
ganhando contornos definitivos após a Segunda Guerra Mundial. Para Morais (2002, p. 38), a
história desta passagem tem vínculo especial com a luta dos movimentos operários pela
conquista de uma regulação/garantia/promoção da chamada questão social. Característica do
Welfare State, a idéia de intervenção não é novidade surgida no século 20. Assim o Estado, com
sua ordem jurídica, implica intervenção.
4
Argumentos elaborados a partir de Marks (2008).
5
Construção de usinas hidrelétricas, estradas, financiamentos, etc.
16
Recorre-se, aqui, ao que alguns autores relatam sobre o abalo ocorrido ao denominado
compromisso do keynesianismo, ou seja, o da democracia capitalista. Segundo vários autores,
até o final dos anos 60 o pensamento de Keynes foi a ideologia oficial do que chamavam de
compromisso de classe, quando diferentes grupos podiam entrar em conflito nos limites do
sistema capitalista e democrático. Por esse motivo, a crise do keynesianismo é entendida como
uma crise do capitalismo democrático.
Streck e Morais (2004, p. 91) lembram que, “apesar de sustentado o conteúdo próprio do
Estado de Direito no individualismo liberal, faz-se mister a sua revisão frente à própria disfunção
ou desenvolvimento do modelo clássico do liberalismo”. Sendo assim, o Estado conserva
aqueles valores jurídico-políticos clássicos, entretanto, em consonância com o sentido que vem
tomando no curso histórico, como também com as necessidades e as condições da sociedade do
momento. Nesse sentido, inclui direitos para limitar o Estado e direitos com relação às
prestações do Estado.
crescente confiança na política orçamentária governamental para levar a cabo e manter altos
níveis de emprego; c) implantação do Estado de Bem-Estar Social (o fortalecimento do sistema
de seguridade social, fornecendo benefícios de aposentadoria para trabalhadores; sistema de
seguro desemprego; o fornecimento de auxílio financeiro a famílias pobres com filhos
dependentes); d) intervenção do governo para controlar preços e produção agrícola; e) promoção
governamental da organização sindical; f) novo ou ampliado controle governamental de preços,
tarifas ou outros aspectos dos transportes, energia, comunicação e indústria financeira; e g)
movimento no sentido de uma política mais liberal de comércio internacional.6
O Estado de Bem-Estar Social alcançou seu ápice entre os anos 40 até os anos 70
(considerados os anos de ouro do capitalismo). A partir dos anos 70, o Estado de Bem-Estar
começa a ser questionado por investir e gastar demasiadamente nas questões sociais (saúde,
emprego, moradia, previdência e educação). Os gastos sociais aumentaram, o que desencadeou
uma crise fiscal do Estado, além de estancamento econômico, elevadas taxas de desemprego e
inflação. Ressurge a defesa das idéias liberais do livre mercado, agora sob um novo rótulo
chamado de neoliberal, tendo em Friedrich von Hayek o seu principal interlocutor. Para Hayek, a
vida social sob a égide do Estado é o caminho indefectível da servidão. A crítica dos neoliberais
incide sobre o dirigismo e a planificação do Estado sobre a economia, ou seja, defendem o
mercado desregulamentado e menores pressões tributárias.7
6
Para uma leitura mais detalhada sobre o Estado de Bem-Estar Social, conferir Outhwaite e Bottomore (1996, p.
522).
7
Mais à frente, na Unidade 5, voltaremos a tratar das relações entre o Estado de Bem-Estar Social e o
neoliberalismo.
18
KEYNES, John Mainard. A teoria do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Abril cultural,
1983.
MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe (trad. Antonio Caruccio-Caporale). Porto Alegre: L&PM,
2007.
QUEIROZ LIMA, Eusebio de. Teoria do Estado. Rio de Janeiro: Record, 1957.
WEFFORT, Francisco. Os clássicos da política. São Paulo: Ática, 1991. Vol.1.
UNIDADE 2 – A FORMAÇÃO DO ESTADO E DA CIDADANIA NO BRASIL
8
O objetivo desta Unidade, porém, não é tratar deste ponto, posto que o mesmo tem sido suficientemente
analisado por renomados teóricos, como Minogue (1998), Coulanges (s/d), Aquino et al (1998), Barker (1978),
Kitto (1970), entre outros.
9
Sobre a evolução do conceito cidadania na modernidade, conferir o trabalho de Domingues (2001).
10
Da mesma forma, não convém tratar aqui deste assunto. Pode-se aprofundar este tópico com os seguintes
autores: Saes (2000), Moisés (2005) e Marshall (1967).
21
Antes do europeu chegar a estas terras, o índio tinha suas normas morais e seus ritos
religiosos. Ele respeitava a si próprio e aos outros, à mãe-terra, às águas e à natureza como um
todo. Os espanhóis e, mais tarde, os portugueses, chegaram, impuseram sua força e
conquistaram com a violência (armas) e a ideologia (religião): em uma das mãos, a cruz do
Cristo europeu, simbolizando o poder da Igreja; na outra, a espada para a conquista. O
resultado foi o extermínio, pela guerra, escravidão e doenças (sífilis, varíola, gripe), de
milhões de índios12. Grande parte da população indígena foi dizimada rapidamente pelo
11
Sobre o encobrimento do outro, conferir Dussel (1993).
12
Callage Neto (2002, p.29) argumenta que as sociedades Ibéricas (Espanha e Portugal) foram marcadas pelo
“hibridismo do absolutismo autoritário contra-reformista católico, o despotismo corporativo muçulmano dos
séculos que o precederam na Península Ibérica e um incipiente liberalismo que se gerava com a presença judaica
22
Depois de mais de 300 anos, o Brasil aboliu a escravidão, mais por pressão externa
do que por um amadurecimento da consciência social da população. Neste sentido, a extinção
da escravatura no Brasil, no dia 13 de maio de 1888, foi um grande engodo, uma farsa. O
Brasil foi o último país de tradição cristã ocidental a abolir a escravidão. A Inglaterra,
Por essas razões, a data mais significativa para celebrar a história do povo negro, sua
cultura, seu anseio por liberdade e sua verdadeira participação na sociedade, é dia 20 de
novembro, data da morte de Zumbi, martirizado em 1695 sob as forças expedicionárias do
bandeirante Domingos Jorge Velho. Zumbi, que significa a força do espírito presente, foi o
principal líder da resistência da comunidade de Palmares. Esse quilombo foi a mais
importante organização de resistência do povo negro no país, sendo, dentre vários, aquele que
ocupou a maior extensão de terra e teve o maior tempo de existência (1600-1695). Por volta
de 1654 o quilombo dos Palmares (região acidentada e de difícil acesso no interior de
Alagoas) era composto por muitas aldeias, nas quais os negros viviam em liberdade. Eis o
nome de algumas comunidades: Macaco, na Serra da Barriga, com 8 mil habitantes; Amaro,
no noroeste de Serinhaém, com 5 mil habitantes; Sucupira, a 80 km de Macaco; Zumbi, a
noroeste de Porto Calvo, e o Senga, a 20 km de Macaco. A população total de Palmares, na
época, atingiu mais de 20 mil habitantes, o que representava 15% da população do Brasil.
16
Segundo Fernandes (1978, p.9), os negros e os mulatos foram os que tiveram “o pior ponto de partida” na
transição da ordem escravocrata à competitiva. Isso significa afirmar que as condições estruturais dos negros e
mulatos foram inferiores em relação aos brancos, causando marginalidades e desigualdades na sociedade
brasileira.
24
O analfabetismo
17
Fraser (2001) analisa as estratégias, chamadas, por ela, de afirmação ou de transformação. Para vencer os
dilemas entre redistribuição e reconhecimento, podem-se adotar medidas afirmativas ou transformativas. As
medidas afirmativas têm por objetivo a correção de resultados indesejados sem mexer na estrutura que os forma.
Já os remédios transformativos têm por fim a correção dos resultados indesejados mediante a reestruturação da
estrutura que os produz (MATOS, 2004).
18
Além desses dados, pode-se encontrar outras estatísticas sobre desigualdades raciais na publicação Síntese de
Indicadores – 2000, editada também pelo IBGE.
25
Tal contraste pode ser percebido, entre Espanha e Portugal, no que se refere ao
número de matrículas: “Calculou-se que até o final do período colonial umas 150.000 pessoas
tinham-se formado nas universidades da América Espanhola. Só a Universidade do México
formou 39.367 estudantes até a independência. Em vivo contraste, apenas 1.242 estudantes
brasileiros matricularam-se em Coimbra entre 1772 e 1872” (CARVALHO, 2000b, p. 62),
quadro esse que será revertido apenas após a chegada da família real ao Brasil, em 1808. No
final do século 18, somente 16,85% da população brasileira entre 6 e 15 anos freqüentava a
escola. É perceptível, de imediato, a formação de bacharéis em Direito desde o início da
História. Somente em 1879 houve uma reforma que o dividiu em Ciências Jurídicas e
Ciências Sociais: “A reforma de 1879 dividiu o curso em Ciências Jurídicas e Ciências
Sociais, as primeiras para formar magistrados e advogados, as segundas diplomatas,
administradores e políticos” (CARVALHO, 2000b, p. 76).
Inicialmente, cabe destacar que os dois fatos históricos de maior relevância do Brasil
no século 19, a Independência e a República, respectivamente, ocorreram sem a real
26
O poder político concentrou-se nas mãos dos proprietários. A vinda da família real
para o Brasil, em 1808, não passou de uma manobra (abertura dos portos) para beneficiar os
ingleses e franceses. Alguns anos mais tarde as condições mostravam-se favoráveis para a
independência do Brasil, o que veio a ocorrer em 7 de setembro de 1822, porém à revelia do
povo.19
Em sua obra, A construção da ordem: a elite política imperial, Carvalho (1996) trata,
igualmente, entre outras questões, do processo de colonização, do Brasil Imperial e da elite
política. O autor apresenta, logo na introdução, a diferença entre a evolução das colônias
espanhola e portuguesa na América. Para ele, a diferença básica é que os territórios espanhóis
fragmentaram-se politicamente, tornando-se Estados independentes, ao passo que os
portugueses concentraram-se. Enquanto os espanhóis passaram por períodos anárquicos
(instabilidade e rebeliões), os portugueses não recorreram a essas formas violentas. O domínio
político português sobre a Colônia foi intenso, sendo que os capitães-gerais eram nomeados
diretamente pela Coroa e a ela respondiam.
Assim, até o final da República Velha (1930), a participação política popular foi
restrita. Não havia propriamente um povo politicamente organizado, nem mesmo um
sentimento nacional consolidado. Os grandes acontecimentos na arena política eram
protagonizados pela elite, cabendo ao povo o papel de mero espectador, assistindo a tudo sem
entender muito bem o que se passava.21
20
Quanto à participação política dos brasileiros no processo eleitoral, tem-se os seguintes dados: em 1950 –
16%; 1960 – 18%; 1970 – 24%; 1986 – 47%; 1989 – 49%; 1998 – 51% (CARVALHO, 2000b, p. 17
21
Nos anos de 1920 a 1930, boa parte da intelectualidade, como Alberto Torres, Francisco Campos, Oliveira
Vianna e Azevedo Amaral, defendia o fortalecimento do Estado para fazer as mudanças sociais necessárias. Para
Alberto Torres (apud CARVALHO, 2002, p. 93), “a sociedade brasileira era desarticulada, não tinha centro de
referência, não tinha propósito comum. Cabia ao Estado organizá-la e fornecer-lhe esse propósito”.
29
Outro aspecto da vida política brasileira que marcou não apenas o período colonial e
republicano, mas, de certa forma, a história política atual, está relacionado aos “males” ou
“vícios”, como o patrimonialismo, o coronelismo, o clientelismo 22, o populismo e o
personalismo das nossas instituições e lideranças políticas. Por exemplo, segundo DaMatta
(2000), o populismo está vivo, não apenas no Brasil, mas em toda a América Latina. As
lideranças políticas carregam consigo, além do personalismo, uma boa dose do elemento
messiânico, que tem suas longínquas raízes históricas no sebastianismo português. Vive-se
ainda na esperança de que algum “herói sagrado”, ou um “salvador da pátria”, desça do
Olimpo e resolva os problemas da população. Como afirma Ribeiro (2000, p. 66), as pessoas
carregam a “expectativa messiânica no surgimento de algum pai da pátria que as livrará do
desamparo”. É preciso parar de esperar por um milagre sobrenatural: “a questão brasileira é a
necessidade da laicização” (p. 80). DaMatta (2000, p. 104), igualmente, trata da esperança
messiânica da sociedade brasileira ao afirmar que “espera-se um salvador da pátria”23.
22
O tema do clientelismo e do personalismo também é discutido pelo antropólogo DaMatta (2000, p. 94), que
diz: “O Brasil, até hoje, combina clientelismo com liberalismo e personalismo com lealdade ideológica”.
Investigação de opinião realizada nos últimos 20 anos na América Latina tem mostrado que mais de 60% dos
eleitores, na hora de escolher seu candidato, levam em consideração muito mais a pessoa do candidato e não o
partido ao qual pertence (apud BAQUERO, 2004, p. 156).
23
Holanda, em Raízes do Brasil (2000), tratou, igualmente, das origens da sociedade e da cultura política
brasileira, vendo nelas a continuidade da herança das nações ibéricas (Espanha e Portugal), que priorizavam uma
cultura personalista (responsabilidade individual) na qual imperavam os vínculos pessoais nas relações sociais e
políticas, deixando os interesses coletivos em segundo plano. Buarque de Holanda tratou, ainda, da repulsa ao
trabalho, em que o ócio é mais importante do que o negócio. E da promiscuidade entre o público e o privado na
vida política do país.
24
“O Estado português delegou poderes da metrópole, preferiram manter a vinculação patrimonial a rebelar-se
[...]. O patrimonialismo também não sofreu contestação no momento da independência, graças à natureza do
processo de transição” (CARVALHO, 2000b, p. 24). Da mesma forma, para Faoro (2001), o patrimonialismo é
um dos principais eixos da cultura política brasileira. Com a instituição do capitalismo, surgiu um Estado de
natureza patrimonial, cuja estrutura estamental gerou uma elite dissociada da nação: o patronato político
brasileiro, que atua levando em conta os interesses particulares do estamento burocrático ou dos “donos do
poder”. O sistema patrimonial coloca os empregados em uma rede patriarcal na qual eles representam a extensão
da casa do soberano. Para Faoro , essa estrutura política e social tem permanecido na política brasileira desde o
A análise de Prado Júnior evidencia, da mesma forma, alguns vícios da política
brasileira, como o clientelismo e a dependência da metrópole.25
No período colonial, cerca de 60% da população ainda vivia no litoral, mas, aos
poucos, houve uma migração para o interior (ciclo da mineração); esta, porém, com a
decadência desse modelo econômico, volta-se para o litoral novamente. A economia, no
período colonial, era baseada na monocultura junto com o trabalho escravo. A Colônia devia
fornecer matéria-prima à metrópole, deixando a maioria da população brasileira com os
parcos excedentes. Quanto à organização social do Brasil, era constituída de escravos
(totalmente excluídos) e mulatos (com possibilidade de ascender socialmente por intermédio
da Igreja). Prado Júnior buscou explicitar, igualmente, a base material do Brasil, evidenciando
os pecados capitais do país: latifúndio, monocultura, afã fiscal da metrópole, trabalho
braçal/desqualificação e escravidão.
político, uma complexa rede de relações que vai desde o coronel até o presidente da
República, envolvendo compromissos recíprocos. Leal se expressa da seguinte forma:
o que procurei examinar foi, sobretudo, o sistema. O coronel entrou na análise por
ser parte do sistema, mas o que mais me preocupava era o sistema, a estrutura e as
maneiras pelas quais as relações de poder se desenvolviam na Primeira República, a
partir do município (LEAL apud CARVALHO).
Fica explícito, a partir das considerações de Leal, que o coronelismo foi um sistema
político nacional baseado na “troca de favores” entre o governo central e os detentores do
poder local. As relações entre o poder local (coronéis) e o governo podem ser descritas como
um caminho de mão dupla, ou seja, um necessitava do outro para sobreviver:
26
O artigo de Carvalho (1997) também encontra-se no site: <http://www.scielo.br/scielo>. Acesso em: 10 mar.
2005.
32
completamente analfabeto, ou quase, sem assistência médica, não lendo jornais, nem
revistas, nas quais se limita a ver as figuras, o trabalhador rural, a não ser em casos
esporádicos, tem o patrão na conta de benfeitor. E é dele, na verdade, que recebe os
únicos favores que sua obscura existência conhece (p. 25).
Ao concluir esta seção, constata-se que muitos outros vícios permanecem na vida
política brasileira. São necessárias, além da participação dos setores organizados da sociedade
civil e do olhar crítico e imparcial da mídia, outras formas de controle e responsabilização dos
atos administrativos das pessoas que ocupam cargos públicos. Trata-se aqui de inserir o
conceito de accountability, “que quer dizer autoridades politicamente responsáveis,
autoridades que podem ser responsabilizadas pelos seus atos, que devem prestar contas dos
seus atos”. O accountability (controle democrático) pode ser vertical (relação governantes e
governados) e horizontal, quando poderes externos podem punir o próprio governo. Por meio
da autonomia dos poderes, autoridades estatais podem controlar o próprio poder,
33
empreendendo ações que vão desde o controle rotineiro até sanções legais ou inclusive
impeachment, conforme o caso.
A partir dos anos 20, inicia-se, paulatinamente, uma nova era na história política
nacional. Os tempos agora são outros, influências internas, como o processo crescente de
urbanização e industrialização, o aumento do operariado, a criação do Partido Comunista e a
Semana de Arte Moderna, bem como influências externas, como a crise da Bolsa de Valores
de Nova York, acabam modificando as relações econômicas e políticas no Brasil. Assim, na
década de 30, o Brasil vê emergir, gradativamente, os direitos sociais: “A partir desta data,
houve aceleração das mudanças sociais e políticas, a história começou a andar mais rápido”
(CARVALHO, 2002, p. 87), principalmente com a criação do Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio e a Consolidação das Leis Trabalhistas 27, em 1943. Fica evidente que, no
Brasil, os direitos sociais não foram conquistados, mas conseqüência de concessões de
governos centralizadores e autoritários. Os sindicatos foram atrelados ao Estado de aspiração
fascista. Em termos políticos tivemos retrocesso, pois, em 1937, Vargas instaura uma ditadura
apoiada pelos militares, instituindo o Estado Novo, que só termina em 1945. Após esse
período, o país passou pela primeira experiência democrática (1945 até 1964), tendo como
principal característica política o populismo e o nacionalismo.
No que se refere aos direitos sociais, percebe-se que houve uma sensível melhora na
época dos militares. Foram criados o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), Fundo
de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
(FGTS), Banco Nacional de Habitação (BNH) e, em 1974, o Ministério da Previdência e
Assistência Social.
Apesar dos avanços políticos, no entanto, os direitos civis e sociais são deficientes
desde 1985. Há precariedade na questão da segurança e no acesso à Justiça, além das altas
taxas de homicídios: “A taxa nacional de homicídios por 100 mil habitantes passou de 13 em
1980 para 23 em 1995, quando é de 8,2 nos Estados Unidos” (p. 212). O Judiciário não
cumpre seu papel: além da morosidade nos trâmites e decisões, há, também, um número
reduzido de defensores públicos.
Além disso, os direitos civis continuam inacessíveis: “Finalmente, ainda hoje muitos
direitos civis, a base da seqüência de Marshall, continuam inacessíveis à maioria da
população. A pirâmide dos direitos foi colocada de cabeça para baixo” (p. 220).28
- O Estado agiu com força violenta e opressão desde o início (caça aos índios e a
escravidão);
- Brasil, após os anos 30: ruptura, marco fundador da sociedade burguesa (anti-
latifúndio e antiimperialista); imbricação Estado e Sociedade;
Estado Colonial
28
No entendimento de Carvalho, a ordem de institucionalização clássica dos direitos de cidadania com base em
Marshall (civis, políticos e sociais) não obedeceu à mesma lógica seqüencial no Brasil.
36
- política café-com-leite;
- voto a descoberto;
- corrupção eleitoral;
- urbanização;
- aumento da imigração;
A Revolução (1930)
- “Façamos a revolução antes que o povo a faça” slogan de Antônio Carlos em 1930;
- Estado regulador;
- a redescoberta do Brasil;
1945-1964
c) a linha dura;
d) a linha burocrática.
- Bomba Rio-Centro;
- Eleições de 1982;
- Diretas Já.
1985-1990
- processo de democratização;
- neoliberalismo;
- privatizações.
- re-aparelhamento do Estado;
- políticas sociais.
Participação eleitoral
1945-64: apenas 6 partidos Nacionais (PCB, PSD, PTB, UDN, PSP, PR);
PTB: fundado sobre um esquema sindical montado por Vargas (áreas urbanas -
industriais), partido populista;
Os intérpretes do Brasil
- Gilberto Freyre: Casa Grande e Senzala (1933): “o negro está em todos nós”. Sem
o negro não teria havido nem havia Brasil (p. 26).
cada pessoa era de bastar-se a si própria (individualismo exacerbado...). Todos queriam ser
barões, o desprezo pelo esforço manual, pelo trabalho. Para Holanda (2000), o português era
aventureiro e criativo. Aceitava riscos e ignorava obstáculos... Incapaz do trabalho
sistemático, lento e seguro. Queria enricar depressa e voltar o mais rápido possível para sua
terra. A sua moral era a aventura e não trabalho. Confusão entre o público e o privado. O
compadrio tornou-se norma, bem como a total ausência de solidariedade e responsabilidade
fora dos laços de família.
- Celso Furtado: Formação econômica do Brasil (1959). O que se produzia era fruto
de decisões externas. Não se criava mercados para os produtos do país. Tudo era regido de
fora...
Atividades
Dissertar sobre a frase de Antonio Carlos Ribeiro de Andrada sobre a questão da organização
e participação popular no Brasil e o contra-ataque das elites: “façamos a revolução antes que o
povo as faça”.
UNIDADE 3 – A REFORMA DO ESTADO NO BRASIL
Esta Unidade 3 tem como objetivo discutir aspectos ligados à reforma do estado no
Brasil. Trata, inicialmente da questão do Neoliberalismo, suas origens (primeira seção) para,
logo a seguir, discutir sua revisão a partir do Consenso de Washington (segunda seção), a
implementação e conseqüências das políticas neoliberais no Brasil (terceira e quarta seções)
para, no final, tratar da crise desse modelo.
Esses dois processos inflacionários, argumenta Anderson (1995, p.11), não podiam
deixar de terminar numa crise generalizada das economias de mercado: “o remédio, então, era
claro: manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no
controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas”.29
A hegemonia do modelo neoliberal durou cerca de dez anos. A partir da segunda metade
da década de 70, começa a se formar a teia neoliberal. A primeira experiência da implantação das
reformas neoliberais aplica-se ao Chile (1975), sob a ditadura de Pinochet. O neoliberalismo
chileno pressupunha a abolição da democracia e a instalação de uma das mais cruéis ditaduras
militares do pós-guerra. Contudo, seria arriscado concluir que somente regimes autoritários
podem impor com êxito políticas neoliberais na América Latina. Na Bolívia, todos os governos
eleitos depois de 1985, tanto de Paz Zamora, quanto de Sanchez Losada, continuaram com a
mesma linha.
Nos Estados Unidos, a primeira prioridade do Presidente Reagan foi reduzir o déficit
orçamentário, e a segunda, foi adotar uma legislação draconiana e repressiva contra a
delinqüência, lema principal também da nova liderança trabalhista na Inglaterra.
29
Nem tão “parcos” foram os recursos dados pelo Estado nas intervenções econômicas. Foram, no entanto, bilhões
de dólares dados pelo Estado para que o mercado pudesse manter-se.
30
Perry Anderson argumenta que, na Europa, na década de 80, uma direita vitoriosa passou à ofensiva. Diz
Anderson: “No mundo anglo-saxônico, os regimes Reagan e Thatcher, depois de anularem o movimento operário,
fizeram recuar a regulamentação e a redistribuição”. Da experiência da Grã-Bretanha, outros países da Europa
adotaram políticas semelhantes: “a privatização do setor público, os cortes dos gastos sociais e altos níveis de
desemprego criaram um novo padrão de desenvolvimento neoliberal, por fim adotado tanto por partidos de esquerda
como de direita” (ANDERSON, 1995, p.107-108).
47
sentido em outras partes do globo, mas não tardou a chegar na América Latina, que hoje em dia
se converte na terceira grande cena de experimentações neoliberais, embora, em seu conjunto, as
reformas neoliberais tenham chegado antes mesmo dos países da Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da antiga União Soviética, com privatizações,
desemprego massivo, genealogicamente esse continente foi testemunha da primeira experiência
neoliberal sistemática do mundo.
Mas, no final das contas, todas estas medidas haviam sido concebidas como meios para
alcançar um fim histórico, ou seja, a reanimação do capitalismo avançado mundial, restaurando
taxas altas de crescimento estáveis, como existiam antes da crise dos anos 70. Nesse aspecto, no
entanto, o quadro mostrou-se absolutamente decepcionante. Tudo o que podemos dizer é que o
neoliberalismo se constitui num movimento ideológico, em escala verdadeiramente mundial,
como o capitalismo jamais havia produzido no passado. Trata-se de um corpo de doutrina
coerente, autoconsciente, militante, lucidamente decidido a transformar todo o mundo à sua
imagem, em sua ambição estrutural e sua extensão internacional. Eis aí algo muito mais parecido
ao movimento comunista de ontem do que o liberalismo eclético e distendido do século passado.
O índice de pobreza mais acentuado foi registrado nas províncias do Norte do país, com
um recorde de 71% em Corrientes, onde foram denunciados casos de crianças que se alimentam
com terra. Há famílias que estão vivendo na escuridão (em decorrência dos altos custos da
energia pós-privatizações), o abastecimento energético para muitas delas retrocedeu para a época
do abastecimento a carvão e querosene. Outras fontes ainda informam a existência de famílias
pobres que se alimentam de cães e gatos (FRANCE PRESSE).
48
Quais seriam os acordos que o economista percebia? Williamson afirmou na época: “Eu
dividiria o que sinto, pressinto e leio como um grande consenso em três planos”:
A terceira ordem de coisas que o Consenso propunha era: nada disso será possível se
não houver o desmonte radical do modelo anterior (Estado interventor) que houve nesses
continentes, um modelo perverso, que, segundo o pensamento do Consenso, funcionou mal, e
que o modelo de importação de industrialização por substituição de importações foi um conceito
pessimamente usado. Em síntese, as propostas do Consenso de Washington eram de que os
Estados latino-americanos passassem por profundas reformas estruturais, também chamadas de
reformas institucionais. A primeira era a desregulamentação de alguns setores, sobretudo o
financeiro e o do trabalho. E essa já foi feita em quase todos os países da América Latina; a outra
49
Sempre estudamos o Estado, na sua concepção moderna, como uma instituição criada a
partir de uma convenção da sociedade com o objetivo de garantir a segurança, a propriedade, a
vida (direitos naturais), isto é, uma instituição capaz de assegurar o Bem-Estar a todos os
cidadãos. Os teóricos neoliberais, contrários ao Estado-social, apregoam que o Estado tem
apenas uma função: garantir, através de seu aparato, o livre mercado. Estas idéias já foram
defendidas pelo liberalismo clássico do século 17, mas o Estado neoliberal tem um diferencial: o
descompromisso com as questões sociais, afetando a saúde, educação, infra-estrutura, segurança
e a política previdenciária da coletividade.
31
Conferir, igualmente, a explanação de Portella Filho (1994, p. 107-124).
50
Ainda no governo Itamar Franco, assume o Ministério das Relações Exteriores, o então
senador Fernando Henrique Cardoso (FHC), um cargo que sempre estivera em seus planos. As
tratativas com as instituições internacionais (FMI e Banco Mundial) recomeçam. Logo após,
FHC passa a ser Ministro da Fazenda e institui, junto com uma equipe de técnicos, um plano
econômico (Plano Real) capaz de frear a inflação e restabelecer a volta do crescimento
econômico. Tais políticas significam a volta do programa de reforma de Estado iniciada por
Collor e interrompida por Itamar Franco.
A implantação do real veio no dia 31 de julho de 1994 (junto com a Copa do Mundo de
futebol).32 Até o fim do ano a moeda valorizou-se: no final do mesmo ano, FHC ganhou as
eleições às custas da ficção do Plano Real. A mão estendida de FHC pré-anunciava as suas
principais metas: saúde, educação, moradia, agricultura e segurança.
32
Essa data marca o início formal do Plano Real, a partir do anúncio de um programa de ajuste fiscal e de suas duas
fases seguintes, quais sejam: a criação de uma quase moeda (a URV) em março de 1994 e, quatro meses depois, isto
é, a partir de 1º de julho a sua transformação em uma nova moeda: o real.
51
Durante o período do Plano Real (equiparação cambial: 1 real chegando a valer mais
que 1 dólar), a elite brasileira, literalmente, foi às nuvens. A euforia do Plano Real levou a
burguesia e boa parte da classe média brasileira a consumir, de maneira nunca vista, inclusive
fretando aviões particulares para fazer compras em Miami (EUA). Do outro lado, o povão comia
frango a “um pila o quilo”, de sobremesa iogurte, colocava dentadura nova e fazia compras no
Paraguai... Eis algumas propagandas oficiais de FHC durante boa parte do Plano Real.
Muitos teóricos apregoam que o governo de FHC apenas serviu aos interesses das
corporações internacionais, outros o chamam de "embaixador" do Banco Mundial e do FMI.
No entanto, sob a acusação de exercer um governo neoliberal, FHC reage num tom sarcástico:
“Neoliberal é um conceito de quem não tem imaginação. De quem não vê a realidade. É
cópia. É mimetismo”. O Brasil, segundo o ex-presidente, não se encaixa neste módulo,
porque vive de problemas peculiares que devem ser resolvidos, não pelo Estado
patrimonialista, nem clientelista.
33
O governo de FHC promulgou, até setembro de 2001, 5.299 MPs, ou seja, 3 por dia útil. Problema semelhante de
centralidade do Executivo assolava o Judiciário, como mostrava nomeação do próprio Advogado Geral da União
para o Supremo Tribunal Federal, ou, na Procuradoria Geral da União, onde os processos do Ministério Público
eram “engavetados” FONTE: CNBB, análise de conjuntura do mês de agosto de 2002. Disponível em
<http://www.cnbb.org.br/estudos/conj200208.doc>, acesso em agosto de 2002.
52
Bresser Pereira (2002), em artigo publicado na Folha de São Paulo, reclamava da crise
de confiança que a economia brasileira estava sendo vítima nos últimos meses. Para isso, usou
exemplos de presidentes de bancos centrais e diretores de câmbio - dos anos 70 - que
“controlavam a entrada de capitais e defendiam o interesse nacional”. Bresser lembrou,
igualmente, o artigo de Elio Gaspari, “a inconformidade do presidente Arthur Bernardes (1923)
com a crise a que os credores externos estavam, então, levando ao Brasil e com as chantagens
que o país sofria frente ao cenário internacional”. Bresser concluiu que, infelizmente, o governo
brasileiro era impotente frente ao cenário econômico internacional.
Talvez por isso Bresser Pereira lamente-se de que sua Reforma Administrativa não
tenha dado resultados. Diz ele: “cumprimos uma parte desse programa, mas, em vez de
reconstruir financeiramente o Estado, endividamo-lo ainda mais”. Em relação ao processo de
privatização, Bresser também reclama: “em vez de privatizarmos apenas setores competitivos,
privatizamos também monopólios naturais”. No Brasil, houve a “flexibilização” do mercado e a
multiplicação da dívida: “em vez de controlar a entrada de capitais e reduzir a dívida externa,
ampliamo-la; ao invés de mantermos um câmbio relativamente desvalorizado, como fizeram
todos os países que iniciavam seu desenvolvimento, deixamos que a entrada de capitais
valorizasse nossa moeda e aumentasse artificialmente salários e consumo”. Seguimos, de
joelhos, as normas das instituições internacionais: “E tudo, nos anos 90, com o apoio do FMI, do
Banco Mundial e dos mercados financeiros internacionais”, concluiu Bresser.
Outra conseqüência das políticas neoliberais foi o avanço das multinacionais, nos países
periféricos, ou seja, uma abertura completa destes ao mercado internacional fez aparecer as
empresas multinacionais, invasoras de seus espaços geográficos, subsidiadas com empréstimos
ou isenções de impostos a determinados períodos (que vão de 15 a 20 anos), sem contar ainda
com o apoio financeiro que exigem receber sob pena de se retirarem urgentemente de um país e
instalar-se em outro lugar.
34
Delfim Neto informou que a população economicamente ativa (aqueles que estão dispostos, podem trabalhar e
estão procurando emprego) cresceu qualquer coisa parecida com 11 milhões de pessoas (74,1 milhões de pessoas em
1995 e cerca de 84,9 milhões em 2002) In. http://www.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1809200207.htm
53
O Brasil privatizou mais de 70% das empresas administradas pelo Estado. Um exemplo
foi a Vale do Rio Doce, que contraiu empréstimos milionários para participar da compra de
empresas. As ex-estatais ajudam a aumentar a importação e contribuem para o déficit comercial.
Também se soma a isto empresas privadas controladas por estrangeiros, do que resultam mais
lucros e mais importações. A inundação dos importados e os altos juros levaram várias empresas
ao fechamento, à redução da jornada de trabalho ou a reduções salariais, para não fecharem as
suas portas. Isto acarretou forte desemprego, e uma grande inadimplência, pois o consumo era
realizado a crediário. O país recebeu investimentos do capital estrangeiro em aquisições
patrimoniais, e não onde fundamentalmente necessitava de que ocorressem investimentos (no
setor industrial e, principalmente, na agricultura) para se ter crescimento econômico.
exemplo: de julho de 1994 (início do Plano Real) a junho de 2002, o gás de cozinha teve
aumento record no ranking dos produtos: o preço do gás subiu 472,16% (FONTE: IBGE), e já
comprometia 12,56% do valor do salário mínimo de R$ 200. Depois do gás, aparecem altas do
aluguel (382%), telefone fixo (381,07%), energia elétrica (227,26%) e ônibus urbano (250,22%).
A gasolina, um dos itens de maior peso na inflação oficial, havia subido 211,23%.35
Segundo dados oficiais, cerca de 80% da população brasileira vivem com até 3 salários
mínimos. O Brasil está colocado entre as dez primeiras potências econômicas do mundo
ocidental; por outro lado, os indicadores sociais se aproximam dos países com menor
desenvolvimento do mundo afro-asiático. Para 65% da população brasileira, faltam as condições
básicas de sobrevivência, como saúde, alimentação, moradia, transporte, educação, lazer e
vestuário. Já os 10% mais ricos têm acesso a quase 50% da renda da população, sendo que os 5%
mais ricos detêm 35% da riqueza.
Desde as suas origens o capitalismo tem passado por constantes crises. Por vezes
pregava-se o livre mercado (não-intervenção do Estado na economia), noutras ocasiões pedia-se
a sua intervenção, vide a crise de 1929. Para salvar o sistema econômico da época, o Estado
intervencionista, de inspiração keynesiana, foi acionado. Nos anos 70, no entanto, este modelo
entrou novamente em crise. A partir daquela década, um novo ciclo se constitui: a volta do livre
mercado (liberalização financeira) e da não-intervenção do Estado, sustentado a partir das teorias
de Hayek e Friedman. Este modelo foi denominado de neoliberal.
35
Dados referentes a 2002.
55
A teoria neoliberal defendia a volta dos princípios do liberalismo clássico do século 18,
do laissez-faire (livre mercado), além de reformas estruturais propostas por instituições
internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Fazia parte
deste programa de reestruturação (ajustes), as reformas administrativa e previdenciária, que
exigiram um rigoroso esforço de equilíbrio fiscal, além da redefinição do papel do Estado na
economia (desregulamentação econômica). Por desregulamentação econômica entendia-se a
tentativa de reduzir o tamanho do Estado, quebrar a coluna dos sindicatos, cortar os gastos
sociais, liberar o mercado financeiro e abrir as comportas para o livre fluxo de bens e serviços.
As práticas neoliberais não fracassam apenas nas questões sociais. Sustentado em bases
um tanto frágeis, economia virtual e especulativa (capitalismo de cassino), o modelo neoliberal
tem enfrentado, novamente, uma crise sem precedentes, uma das maiores do capitalismo em
âmbito global dos últimos tempos. A crise atual decorre exatamente no mercado financeiro
(defendido pelos liberais como o único guardião e salvador do mundo). O mercado financeiro fez
empréstimos ruins, diz Stiglitz (ex-chefe do Banco Mundial), como no caso da bolha imobiliária
norte-americana, quando foram feitos empréstimos com base em preços inflados. Esses
empréstimos não podem ser pagos neste momento.
O epicentro da crise atual começou nos Estados Unidos da América, tendo na crise de
confiança no sistema a razão principal. A origem está no deslocamento do capital produtivo para
o capital especulativo: muita gente querendo ganhar manipulando dinheiro; uma embriaguez de
enriquecimento sem trabalho. Vive-se especulando em qual Bolsa de Valores é possível aplicar e
obter bons lucros. Outro aspecto diz respeito à busca escandalosa por recompensas econômicas
excessivas até a especulação arriscada.
da crise, já foram gastos bilhões de dólares para socorrer empresas falidas: antes, os lucros eram
privatizados, agora, as despesas estão sendo socializadas.
Finalizando constatamos que a crise atual não é o colapso derradeiro do capitalismo, mas
sim o fim de um ciclo sob a fachada neoliberal (articulação entre mercado, Estado e sociedade).
Mais do que nunca o Estado se faz presente. Aliás, como sempre, o Estado cumpre sua função
básica: a de manter o sistema funcionando.
a) Perry Anderson. Balanço do neoliberalismo. In: Sader, Emir. & Gentili, Pablo. (Orgs.). Pós-
neoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático. São Paulo: paz e terra, 1995. o
capítulo de Perry Anderson mencionado é uma importante referência para entender as origens do
neoliberalismo no mundo.
b) Luiz Carlos Bresser Pereira. "A reforma do estado nos anos 90: lógica e mecanismos de
controle". In: Lua Nova, 45, São Paulo: Cedec, 1998, p.49-96.
economia 2008. Krugman foi premiado por seus trabalhos sobre comércio internacional que o
levaram a projetar uma "nova geografia econômica" e uma "nova teoria do comércio".
Com a “abertura democrática” José Sarney assumiu o governo e, aos poucos, viu-se o
retorno da política das oligarquias, principalmente com a ampla distribuição de canais de rádio e
TV para a formação de um ambiente eletrônico visual e auditivo de tipo oligárquico. Após o
governo Sarney o Brasil conheceu a experiência “modernizadora” do governo Collor, que
prometeu inserir o Brasil no cenário mundial da globalização. A aventura durou pouco, as
reformas do Estado brasileiro foram “abortadas” e Collor sofreu o impeachment. As reformas
neoliberais voltaram nos dois mandatos do governo de FHC (representante das classes médias
ilustradas) e, com seu partido burguês (PSDB), o Brasil passou por profundas transformações em
seu modelo político-econômico.
Com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais (2002),
teoricamente rompia-se a trajetória do poder econômico na direção do comando político. O
currículo do candidato vencedor se diferenciava dos presidentes anteriores: Lula trazia na
bagagem a herança de um retirante nordestino, metalúrgico que se tornou líder sindical até entrar
para a cena política, como deputado federal e líder de um dos maiores partidos do país.
Questiona-se, entretanto: com a vitória do PT em 2002, as mudanças tão esperadas e propagadas
pelo candidato Lula realmente se concretizaram? O governo Lula não seria uma mera
continuidade das políticas do governo FHC (nos níveis econômico e social)? O governo Lula
tem beneficiado quais classes sociais? Governa com o mercado ou com os movimentos sociais?
Esta unidade final tem como objetivo analisar de forma ampla a questão das eleições e
do desempenho partidário no Brasil no período de 2002 a 2008. Assim, a unidade está dividida
em quatro seções específicas: a primeira discute as eleições gerais 2002 quando Lula e o PT
saem vitoriosos; a segunda analisa o desempenho partidário a partir das eleições municipais de
2004; a terceira seção aborda as eleições gerais de 2006, quando o presidente Lula obtém a
reeleição; e a quarta e última seção analisa o desempenho partidário das eleições municipais de
2008.
Algumas razões podem ter influenciado na vitória petista. A primeira diz respeito à
mudança programática do PT (Partido dos Trabalhadores) que, com o passar do tempo, foi
modificando gradativamente sua ideologia e seu discurso: das propostas socialistas de
transformação social (luta de classe) para práticas reformistas, passando da esquerda do espectro
político para o centro, na tentativa de se aproximar do eleitor mediano (eleitor de centro). A
mudança gradativa do discurso do PT está intimamente ligada à evolução positiva do resultado
das urnas. Foi possível perceber a mudança programática do PT desde as eleições presidenciais
de 1994, com o abandono das principais bandeiras e diretrizes outrora defendidas.
36
Números referentes ao segundo turno.
59
Gráfico 1
A quarta razão está ligada à questão das alianças do PT. Com o objetivo de vencer as
eleições, o PT desconsiderou alianças do tipo programáticas e ideológicas e procurou fazer
pactos do tipo “vale-tudo”, como o acordo com o PL e PTB, por exemplo. Além das alianças, o
PT buscou a aproximação com setores conservadores da sociedade, como os empresários e
banqueiros.
Por fim, houve a “Carta aos Brasileiros”, escrita no dia 22/6/2002. O momento de
instabilidade política que antecedeu as eleições 2002 refletiu-se diretamente na economia do
país, fazendo com que o risco Brasil (percepção externa dos investidores) alcançasse percentuais
recordes de 1.770 pontos. Com o objetivo de “acalmar” o mercado, o então candidato Lula,
juntamente com seu partido, elaborou a chamada “Carta aos Brasileiros” em que, em resumo,
comprometia-se em pagar os juros da dívida externa e o cumprimento dos contratos. Esta “carta”
foi rebatizada por alguns analistas políticos de “Carta aos Banqueiros”, exatamente por
beneficiar mais essa classe do que a população como um todo. Estas foram algumas razões que
deram a Lula a expressiva vitória, com 52.793.364 (mais de 61% dos votos válidos).
A composição ministerial
Com a vitória da Frente Popular nas eleições 2002, foi sendo montado o governo de
transição e, junto dele, cogitados os possíveis nomes para o futuro Ministério, tudo com o devido
cuidado para não assustar o “mercado”. O PT entregou a presidência do Banco Central para o
deputado federal Henrique Meirelles (PSDB), ex-administrador máximo do Bank of Boston,
segundo maior credor do Brasil. No mesmo sentido, contrariando boa parte da esquerda do PT, o
governo Lula reafirmou a proposta de conceder autonomia administrativa ao Banco Central,
medida exigida pelo capital financeiro internacional. O Ministério da Fazenda foi para o médico
Antônio Palocci, que administrou a prefeitura de Ribeirão Preto, onde pôs em prática medidas
neoliberais, como a privatização do serviço telefônico da cidade. Os demais Ministérios foram
entregues aos partidos que apoiaram a Frente Popular no segundo turno, como o PPS, PL, PDT,
PTB, além de pessoas ligadas ao empresariado brasileiro.
Com o passar do tempo, na prática, o governo Lula não demonstrava claramente qual
era o projeto de desenvolvimento para o Brasil. O que ainda não parecia claro, no início, era a
guinada extraordinária das doutrinas originárias do Partido dos Trabalhadores para o centro, a
partir da “Carta aos Brasileiros”. Aos poucos a retórica socialista foi sendo abandonada e passou-
se a seguir um programa similar ao defendido anteriormente pelo ex-presidente FHC, isto é, o
modelo liberal-desenvolvimentista. No início o PT trazia, em seu programa, o anseio por
mudanças e a proposta de ruptura com o sistema econômico vigente. As idéias socialistas e o
sonho da revolução (luta de classe) permeavam as mentes mais ousadas. Aos poucos, porém,
tudo foi mudando...
No mês de dezembro de 2001 a linha oficial do PT ainda defendia a ruptura radical com
o modelo existente. Durante o XII Encontro Nacional do PT, realizado em Recife, foi aprovado o
documento “Ruptura Necessária”, que defendia o rompimento com o FMI: “Será necessário
denunciar do ponto de vista político e jurídico o acordo atual com o FMI, para liberar a política
econômica das restrições impostas ao crescimento...”. Anunciava também o rompimento com o
modelo econômico herdado após 8 anos de governo FHC: “A implementação de nosso governo
(...) representará uma ruptura com o atual modelo econômico, fundado na abertura e na
62
Por outro lado, nos últimos anos jamais o sistema financeiro lucrou tanto na história do
país. Os lucros exorbitantes do sistema bancário (dados atuais de 2008) são exemplos do que é
prioridade no atual governo.
Quadro 1: Lucro dos principais bancos instalados no país (2008 – Primeiro Semestre)
Fonte: Federação dos Empregados em Estabelecimentos Bancários no Estado do Paraná: “Especial Lucro dos
Bancos”. Disponível em http://www.feebpr.org.br/lucroban.htm
Avanços e retrocessos
63
Por um lado, obteve-se, nos últimos anos, alguns avanços significativos na depuração
da política brasileira; por outro, persistem ainda a impunidade e muitas CPIs terminaram,
literalmente, em pizza. Dentre os avanços podemos citar, por exemplo, a demissão de altos
funcionários de empresas estatais; José Genoíno, presidente do PT, foi deposto; José Dirceu, o
homem mais poderoso do governo Lula, foi cassado; Palocci, o homem forte da economia, foi
demitido; o ministro Gushiken, que era o terceiro mais importante do governo, encolheu a ponto
de não se ouvir mais falar nele; desvendou-se o “valerioduto”, que irrigava contas e campanhas
eleitorais desde 1998; e publicitário do governo, Duda Mendonça, foi flagrado com contas
milionárias no exterior. A absolvição do deputado Brant (PFL) e do professor Luizinho (PT), no
entanto, após o “acordão” entre os referidos partidos, faz retroceder o processo democrático e a
certeza da impunidade volta a pairar no cenário político brasileiro.38
Esta seção tem como objetivo extrair dos resultados das eleições municipais de 2004
alguns elementos para análise. Dentre eles, a clara visualização de que o PT e o PSDB saem
fortalecidos e o PMDB e o PFL vêem declinar sua participação política no cenário nacional.
Apesar dos resultados finais apontarem para a vitória do PT em âmbito nacional (valor
quantitativo), o partido foi derrotado na sua principal vitrine administrativa, Porto Alegre, após 4
eleições vitoriosas no Executivo municipal. A derrota do PT pode ser atribuída a uma espécie de
julgamento do governo Lula? Isto é, os eleitores teriam punido o partido pelo não-cumprimento
das expectativas projetadas desde a conquista da Presidência da República por um partido
considerado de esquerda? Estas e outras questões esta seção pretende discutir.
38
José Genoíno e Palocci conseguiram eleger-se deputados federais em 2006.
64
Em termos nacionais, o PT foi o partido que mais votos recebeu para prefeito nos 5.562
municípios brasileiros. Embora estivesse longe de conquistar o maior número de administrações,
é preciso registrar que o PT foi, dentre as grandes agremiações, a que mais cresceu nesse quesito,
quando comparado ao total de cidades em que vencera no pleito anterior. Já PMDB, PSDB, PFL
e PP, que seguiam numericamente à frente da legenda governista, diminuíram sua participação
em relação a 2000. O PTB obteve um pequeno aumento. Da mesma forma, PPS, PSB, PL e PDT
cresceram nas urnas com o pleito anterior.
O PMDB foi o partido que conquistou o maior número de prefeituras e cadeiras nos
Legislativos municipais, conforme levantamento divulgado pelo Tribunal Superior Eleitoral
(TSE). Mesmo assim, o partido encolheu. Ao todo foram eleitos 1.045 prefeitos peemedebistas
no primeiro turno, contra 1.257 em 2000. O segundo colocado foi o PSDB, que elegeu 859
prefeitos em 2004 e 990 em 2002. Em terceiro lugar ficou o PFL, com 785 prefeitos.
O PT foi o partido que mais conquistou prefeituras nas 43 cidades em que houve
eleições no 2º turno. Das 23 prefeituras em que concorreu, conquistou 11, com 48% de
aproveitamento. O PSDB concorria em 20 municípios e venceu em 9 (45%); o PMDB venceu
em 6 cidades das 12 em que disputou (50%); o PDT disputava 7 cidades e venceu em 5 (66,6%);
o PPS venceu em 4 cidades das 5 em que disputou (80%); o PSB disputou em 5 municípios e
66
Vitória do PSDB
depois de uma dura disputa entre os candidatos, José Serra confirmou sua vitória com 3.330.179
votos (54,86%) contra 2.740.152 de Marta Suplicy (45,14%), uma diferença de 9,72% dos votos
válidos.
Depois da derrota sofrida no segundo turno das eleições presidenciais de 2002 para Luiz
Inácio Lula da Silva (61,27% contra 38,73% dos votos), poucos apostavam no futuro político de
José Serra. Com a vitória em São Paulo, além de derrotar a administração petista de Marta
Suplicy (vitrine do PT) e conquistar o maior colégio eleitoral e a maior cidade do país, José Serra
tornou-se uma das principais lideranças do PSDB no Brasil.
O PT concorreu em nove capitais no 2º turno das eleições 2004, mas venceu em apenas
três. No total o PT passou a administrar 9 capitais a partir de 2005. Nestas o partido obteve,
igualmente, o maior número de votos (6,9 milhões), no entanto o partido do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva perdeu suas duas capitais mais estratégicas, São Paulo (SP) e Porto Alegre
68
(RS).40 O PSDB conquistou cinco capitais: São Paulo (SP), Curitiba (PR), Cuiabá (MT),
Florianópolis (SC) e Teresina (PI), somando 6,3 milhões de votos no segundo turno. O PDT
obteve uma vitória importante em Salvador (BA), onde derrotou o candidato do pefelista
Antônio Carlos Magalhães. Os pedetistas ganharam, ainda, as prefeituras de Maceió (AL) e São
Luís (MA). Outro partido que conquistou três capitais foi o PSB: João Pessoa (PB), Natal (RN) e
Manaus (AM).
Outro partido tradicional que amargou maus resultados foi o PFL, que elegeu apenas
Cesar Maia à prefeitura do Rio de Janeiro (RJ) e perdeu em seu reduto mais importante, Salvador
(BA). O PTB conquistou a prefeitura de Belém (PA). Já o PPS acabou com 16 anos de mandato
petista na prefeitura de Porto Alegre (RS), elegendo o ex-senador José Fogaça, e também o
prefeito de Boa Vista (RR).
Tabela 3: Número de prefeituras conquistadas, por partido, nas 96 maiores cidades do Brasil (2000-2004)
40
Outras derrotas expressivas dos petistas: Caxias do Sul, Pelotas, Blumenau, Campinas, Ribeirão Preto, Cuiabá,
Belém, Curitiba, Goiânia, Maceió e Natal.
69
Dos quatro principais partidos, PT e PSDB ampliaram e PMDB e PFL reduziram sua
fatia no total de votos, numa comparação entre o 1º turno de 2000 e o de 2004.
O Rio Grande do Sul realizou eleições em seus 497 municípios, num total de 24.159
seções. O total de eleitores aptos foi de 7.543.188; desses, 6.715.654 (89,1%) compareceram no
1º turno e 827.534 (10,9%) se abstiveram de votar. O percentual de votos válidos no Estado foi
de 6.354.298 (94,6%), com 151.693 votos em branco (2,2%) e 209.663 nulos (3,1%). Nas
últimas eleições municipais de 2000 estavam aptos a votar 7.112.134 pessoas, e destas,
6.325.105 (88,9%) compareceram, numa abstenção de 787.029 eleitores (11,0%). Os votos
válidos somaram 5.983.700 (94,6%), com 150.413 votos brancos (2,3%) e 190.992 votos nulos
(3,02%). Se traçarmos um paralelo entre as eleições municipais de 2000 e 2004, vê-se que o
percentual de comparecimento foi 0,02% maior em 2004 e nos votos válidos foi idêntico ao
anterior.
=137), seguido do PP, com 134. Os peemedebistas perderam o comando de duas cidades em
relação à eleição de 2000. Já o PP teve uma perda maior: 40 municípios. Em terceiro ficou o
PDT, que apresentou o maior crescimento proporcional, passando de 78, em 2000, para 97
prefeitos. Em quarto lugar ficou o PT, que passou de 35 para 43 prefeituras. O PTB seguiu com o
mesmo número de prefeituras, 31. O PPS, que até então não detinha nenhuma, somou três no
primeiro turno e confirmou mais duas no 2º turno (5 no total). O PFL aumentou em três o
número de prefeituras, passando de 15 para 18. O PSDB ganhou mais duas, passou a 17. O PSB
aumentou de sete para nove, o PL seguiu com três e o PHS conquistou duas prefeituras.
Além de ter sido o partido que mais perdeu prefeitos, o PP sofreu ainda algumas
derrotas na tentativa de reelegê-los: é o caso de Juca Alvarez, de São Borja, derrotado por
Mariovane Weis (PDT), e do prefeito de Cruz Alta, José Westphalen Corrêa, que foi superado
pelo PT de Vilson Roberto Santos. Em Erechim, o partido conseguiu a vitória, reelegendo Eloi
Zanella. O PTB foi derrotado em Cidreira, onde a prefeita Custódia da Silva (PTB) perdeu para
Roberto Camargo (PMDB) e em Gravataí o ex-prefeito Abílio dos Santos perdeu para o petista
Sergio Stasinski.
Apenas três cidades do Rio Grande do Sul tiveram novas eleições no 2º turno: Porto
Alegre, onde disputaram Raul Pont (PT) e José Fogaça (PPS); Caxias do Sul, onde José Ivo
Sartori (PMDB) concorreu com Marisa Formolo (PT); e Pelotas, onde disputaram o comando da
prefeitura Bernardo de Souza (PPS) e Fernando Marroni (PT). O PT foi derrotado em todas. Em
Caxias do Sul José Ivo Sartori venceu com 119.521 (52,43%) votos, contra 108.427 (47,57%) de
Marisa Formolo, uma diferença de 4,86%. Em Pelotas venceu Bernardo de Souza, do PPS, com
100.088 (52,38%), contra 91.007 (47,62%) do candidato petista, uma diferença de 4,76%. Em
Porto Alegre Raul Pont (PT) foi derrotado por Fogaça. Pont fez 378.099 (46,68%) contra
431.820 (53,32%) de Fogaça, uma diferença de 6,64%.
Outra razão para a derrota petista em Porto Alegre está ligada ao sentimento anti-PT
influenciado pela Rede Brasil Sul (RBS), que se opôs abertamente ao governo petista, o que
acabou influenciando a opinião pública de maneira negativa. O antipetismo ficou evidente,
igualmente, no processo de “transferência” de votos entre o primeiro e o segundo turnos. A
oposição articulou-se para derrotar o candidato petista. Diferentemente das eleições anteriores,
quando os votos dados a candidatos derrotados distribuíram-se em proporções equilibradas entre
o candidato do PT e seu rival, isso não ocorreu em 2004. Dois de cada três eleitores derrotados
no primeiro turno confiaram seu voto ao candidato José Fogaça (PPS) no segundo turno.
74
O candidato Raul Pont foi derrotado nos bairros com maior renda e maior escolaridade
média. O PT não soube apresentar propostas que contemplassem as preocupações e expectativas
da classe média. A ausência de propostas para a atração de investimentos capazes de absorver
mão-de-obra altamente escolarizada, a valorização do espaço urbano, projetos para o lazer e
cultura contribuíram para reforçar um sentimento de mesmice e incapacidade de projetar o futuro
da cidade, associado aos últimos governos petistas. O PT foi vitorioso nos bairros de menor
renda, nos quais reside a população que foi mais beneficiada pelas políticas sociais provenientes
do Orçamento Participativo (políticas de saneamento, pavimentação e transporte).
Tabela 10: Percentual de votos segundo renda média bairros Porto Alegre
Renda Pont Fogaç Pont
média/bairro a 1996
Menos mil reais 48,7 47,3 52,7
Mil a dois mil reais 44,5 51,7 52,4
Dois a quatro mil 37,9 58,9 48,1
reais
Mais de quatro mil 28,5 68,4 40,4
reais
Fonte: Marenco (2004).
(propaganda em série) com a centralização no indivíduo e não no partido – “Raul é bom no que
faz” – igualmente contribuíram para a derrota petista em Porto Alegre.
Desde o término do primeiro turno era consenso entre os analistas que o PT e o PSDB
se consolidavam como os partidos mais expressivos da política brasileira.
Pode-se concluir que o ganho petista nas eleições 2004 deu-se no plano quantitativo,
pois o partido se consolidou em âmbito nacional tendo presente sua expressiva votação. Já a
vitória do PSDB foi significativa no quesito “qualidade” (ganho ideológico), principalmente no
valor simbólico de ter conquistado a maior capital do país, São Paulo.
A campanha eleitoral
com o que ocorria na República Velha como já foi dito, ou mais para trás. Em outras palavras,
relembrando aqui o ensinamento dos clássicos Maquiavel e Montesquieu o pior tipo de
corrupção é aquela que corrompe o funcionamento das instituições. O mensalão foi a mais
escancarada tentativa de corrupção da prática representativa. Um tipo de corrupção sistêmica que
começou em Minas Gerais sob o governo do PSDB, mas que foi ampliado pelo PT.
Os números
41
Segundo estimativa do ex-presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) Carlos Velloso, dez milhões dos 125,9
milhões de eleitores convocados para votar em 1º de outubro (8%) eram pessoas inexistentes. Estes percentuais
eram decorrentes do cadastro nacional de eleitores que se encontra desatualizado. Há mais de 20 anos não há
atualização no sistema.
42
Segundo o Juiz do TRE-SP, José Joaquim dos Santos, as eleições gerais acabavam custando aos cofres públicos
cerca de 20 bilhões de reais.
77
universidade. O governo concedeu aumento ao salário mínimo que passou para R$ 350,00, que
entrou em vigor no mês de abril de 2006, para R$ 415,00 a partir de 1º de maio de 2008;
c) o próprio carisma de Lula, passando a imagem de uma pessoa que se identifica com
o povo excluído, sendo ele mesmo um deles;
Mesmo com a larga vantagem apontada nas pesquisas sobre o candidato tucano, a
vitória de Lula no dia 1º de outubro de 2006 não se concretizou. Na mesma noite, às 22h26min,
o candidato petista reconhecia, por seus porta-vozes, que não vencera o pleito e ao mesmo tempo
já indicava quais seriam as estratégias da campanha eleitoral para o segundo turno.
43
Dos 27 governadores eleitos em 2006, 14 foram reeleitos. Dos 513 deputados eleitos, 241 são novos, o que dá
uma taxa de renovação nacional de 46,9%.
78
No que concerne à não-reeleição do presidente Lula no primeiro turno, podemos fazer algumas
análises no intuito de detectar quais foram as possíveis causas da não-efetivação da esperada
vitória petista na primeira etapa:
c) O clima de “já ganhou”. Podemos elencar também os números apontados pelo Ibope
dias antes da eleição, que colocavam Lula com 24 pontos percentuais à frente do tucano Geraldo
Alckmin. Estes dados podem ter causado um clima de "já ganhou" na coordenação eleitoral do
PT, motivando um certo "esfriamento" da campanha.
d) A influência da mídia. Alguns especialistas vão ainda mais longe, dizendo que foi o "massacre
da mídia" que levou a eleição para o segundo turno. Parte dos meios de comunicação teria
adotado uma posição partidária, perdendo a objetividade, o equilíbrio e a isenção que se espera
da imprensa numa sociedade democrática. Isso não teria ocorrido com toda a mídia. Ao longo de
toda a campanha alguns veículos de comunicação teriam agido como um partido de oposição.
Isso teria se agravado muito nos últimos 10 dias do 1º turno.
No final, Lula recebeu 46.662.365 votos (48,79%), precisando de pouco mais de 1,2%. Alckmin
recebeu 39.968.369 votos (41,4%); Heloísa Helena somou 6.575.393 votos (6,85%), seguida por
Cristovam Buarque, que recebeu 2.538.844 votos (2,6%).
Segundo Turno
79
Além disso, o candidato tucano não conseguiu consolidar uma alternativa melhor do que
a do atual presidente e, igualmente, não conquistou a mesma aproximação e o carisma com o
eleitor da mesma forma que Lula, que já possui uma imagem conhecida e tem enorme facilidade
de comunicação com as massas. Lula venceu no segundo turno com a maioria dos votos dos
candidatos que não foram ao segundo turno e ainda ganhou votos que foram consagrados ao seu
oponente no 1º turno.
Alckmin manteve a liderança no Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rio Grande do Sul,
Paraná, Santa Catarina, São Paulo e Roraima, embora Lula tenha reduzido percentualmente a
diferença em todos esses Estados. No Acre, por exemplo, Alckmin havia vencido, no primeiro
turno, com 51,79% contra 42,62% de Lula. No segundo turno Lula obteve 52,37% dos votos e,
Alckmin, 47,63%. A maior votação que Lula obteve no segundo turno foi dos eleitores do Estado
do Amazonas, com 86,80% dos votos. Ele ampliou a diferença que havia no primeiro turno,
quando alcançou 78,06% dos votos e, Alckmin, 12,45%. A pior votação do candidato petista
ocorreu no Estado de Roraima, onde obteve 38,51% dos votos. Foi nesse Estado que Alckmin
teve sua melhor votação: 61,49% dos votos. Luiz Inácio Lula da Silva também foi o mais votado
no segundo turno das eleições em 20 capitais brasileiras, de acordo com os números divulgados
pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Já o candidato Geraldo Alckmin recebeu mais votos que
80
o adversário em sete capitais: Maceió, Campo Grande, Curitiba, Porto Alegre, Boa Vista,
Florianópolis e São Paulo.
No primeiro turno Lula havia sido o primeiro colocado em 15 capitais e Alckmin em 12.
O cruzamento entre os resultados obtidos nos dois turnos mostra que, no segundo turno, o petista
passou à frente do adversário em cinco capitais onde o desempenho do PSDB havia sido melhor
no primeiro turno: Rio Branco, Brasília, Goiânia, Cuiabá e Aracaju.
Na capital federal, por exemplo, Lula recebeu 56,96% dos votos válidos no segundo
turno, contra 43,04% de Alckmin. No primeiro turno o candidato tucano havia ficado em
primeiro lugar, com 44,11% dos votos válidos. Já Lula havia obtido 37,05%, uma diferença de
19,91 pontos percentuais em relação à votação obtida no segundo turno. Na cidade de São Paulo,
capital, Geraldo Alckmin venceu no primeiro e segundo turnos: 3.384.767 (53,87%) e 3.485.245
(54,42%), respectivamente, no entanto foi visível o crescimento do candidato Lula na mesma
capital: Lula fez no primeiro turno 2.243.168 (35,70%) e, no segundo, 2.918.996 (45,58), um
crescimento em torno de 10 pontos.
PT vitorioso?
percebe-se que houve um crescimento interessante, passando de 39,45 milhões em 2002 para
46,66 milhões em 2006, um crescimento de 7,20 milhões de votos (um acréscimo de 18,26%).
Tabela 11
Fonte: TSE.
44
“CNI/Ibope mostra que 58% avaliam positivamente governo Lula”. Por Gabriela Guerreiro, da Folha Online, em
Brasília. Fonte: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u417699.shtml>. Acesso em: 30 jun. 2008.
45
Nestes números não estão computados os votantes do Distrito Federal, que não participam das eleições
municipais.
82
Brasil
Entre os partidos que tiveram reduzidos seus votos, aparece o DEM, que encolheu em
todo o país, passando de 790 para 495 prefeituras, uma perda de 295. Juntamente com o DEM, o
“carlismo” sofreu mais uma derrota com ACM Neto em Salvador – BA, não indo para o segundo
turno.
No Rio Grande do Sul houve crescimento do PT, PMDB e PP. Dos 50 maiores municípios
gaúchos o PT venceu em 14. Ampliou de 43 para 60 prefeituras e ainda concorreu no segundo
turno nos municípios de Canoas, Pelotas e Porto Alegre. Na região metropolitana os petistas
passaram a comandar 6 dos 10 maiores municípios. Da mesma forma, o PMDB subiu de 136
para 143 prefeituras no Estado e ainda conquistou as prefeituras de Santa Maria e Caxias do Sul.
O PP será a sigla com maior número de prefeituras a partir de 2009, pois conquistou 146
prefeituras em 2008, 12 a mais que em 2004. O PP é, no entanto, um partido dos pequenos
municípios, com exceção da conquista do município de Lajeado. Por outro lado, o PDT foi o
partido que mais perdeu votos: de 97 prefeituras em 2004 recuou para 64 em 2008.
Individualmente temos a derrota de Ronchetti em Canoas e Otávio Germano em Cachoeira do
Sul, que não deixaram sucessores.
46
Nas eleições anteriores essa marca foi batida pelo PSDB e pelo PT, respectivamente.
REFERÊNCIAS
ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, E. & GENTILI, P. (Orgs.). Pós-
neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. São Paulo: Paz e Terra, 1995.
AQUINO, Rubin Santos Leão et alii. História das sociedades: das comunidades primitivas às
sociedades medievais. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1998.
AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do estado. 5. ed. Porto Alegre: Globo, 1971.
BARKER, Ernest. Teoria política grega: Platão e seus predecessores. Brasília: UnB, 1978.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1999.
BEDIN, Gilmar Antonio. A idade média e o nascimento do Estado Moderno. Ijuí: Ed. Unijuí,
2008.
BOBBIO, N., Bovero, M. Sociedade e estado na filosofia política moderna. São Paulo:
Brasiliense, 1983.
BOBBIO, Norberto, Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de
Janeiro: Campus, 2000.
CALLAGE NETO, Roque Callage. A cidadania sempre adiada: da crise de Vargas em 54 à Era
Fernando Henrique. Ijuí. Editora Unijuí, 2002.
CARVALHO, José Murilo de. “Cidadania na encruzilhada”. In: BIGNOTTO, Newton (Org.).
Pensar a república. Belo Horizonte: UFMG, 2000.
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro das
sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/Relume-Dumará, 1996.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2002.
CARVALHO, José Murilo de. Entrevista. In: CORDEIRO, L.; COUTO, J. G. (Orgs.).
Quatroautores em busca do Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 2000b.
COULANGES, Faustel de. A cidade antiga: estudos sobre o culto, o direito, as instituições da
Grécia e de Roma. São Paulo: Ediouro, s/d.
CREMONESE, Dejalma. Teoria política. Cadernos EaD. Ijuí: Ed. Unijuí, 2008.
DAMATTA, Roberto. Entrevista. In: CORDEIRO, L.; COUTO, J. G. (Orgs.). Quatro autores em
busca do Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
DOMINGUES, José Maurício. “Cidadania, direitos e modernidade”. In: SOUZA, Jessé (Org.).
Democracia hoje: novos desafios para a democracia contemporânea. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2001.
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 3. ed. Rio de
Janeiro: Globo, 2001.
FINANCIAL Time. Você deixaria seu filho de 5 brigar com o vizinho de 17? Reportagem de
Marcio Aith. 8/7/2002.
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. São Paulo: Ibrasa, 2001.
MALUF, Sahid. Teoria geral do Estado. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
MANN, Michael. O poder autônomo do Estado: suas origens, mecanismos e resultados. In:
HALL, John (Org.). Os Estados na história. Rio de Janeiro: Imago, 1992.
MINOGUE, Kenneth. Política: uma brevíssima introdução. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
MOISÉS, José Álvaro. “Cidadania, confiança e instituições democráticas”. In: Lua Nova,
Revista de Cultura e Política, São Paulo, v. 65, p. 71-94, 2005.
NETO, Roque Callage. A cidadania sempre adiada: da crise de Vargas em 54 à Era Fernando
Henrique. Ijuí: Ed. Unijuí, 2002.
O’DONNELL, Gillermo. Accountability horizontal e as novas poliarquias. Lua Nova, 44, 1998.
PRADO JÚNIOR, Caio. Evolução política do Brasil e outros estudos. São Paulo: Brasiliense,
1933, reed. 1993.
QUEIROZ LIMA, Eusebio de. Teoria do Estado. Rio de Janeiro: Record, 1957.
QUIRINO, Célia Galvão; SADEK, Maria Tereza (Org.). Para o estudo do pensamento político
moderno: o pensamento político clássico. São Paulo: Martins Fontes, 1980.
WEFFORT, Francisco (Org.). Os clássicos da política. 2. ed. São Paulo: Ática, 1991.
STRECK, Lenio Louiz; MORAIS, José Luis de Bolzan. Ciência política e teoria geral do
Estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.