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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA - UFSM

EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Coleção Educação a Distância

Série Livro-Texto

Dejalma Cremonese

ESTADO E POLÍTICA NO BRASIL

Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil

2012
SUMÁRIO

SUMÁRIO......................................................................................................................................2

APRESENTAÇÃO........................................................................................................................3

UNIDADE 1 - FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ESTADO MODERNO............5

1.1 O Estado e suas origens: a contribuição de Maquiavel.......................................................................................7

1.2 O Estado na teoria contratualista..........................................................................................................................9

1.3. O Estado de Bem-Estar Social (Welfare State).................................................................................................13

UNIDADE 2 – A FORMAÇÃO DO ESTADO E DA CIDADANIA NO BRASIL.................19


2.1. Brasil Colonial: Ausência de Direitos e de Poder Público................................................................................21

2.2. A Formação do Estado no Brasil: Participação Incipiente na Independência e na República.....................26

2.3. Os Vícios das Instituições e da Cultura Política Brasileira..............................................................................29

2.4. Os Direitos Sociais Emergem Quando os Direitos Civis e Políticos Fenecem................................................33

2.5. Síntese sobe o Estado e a Sociedade no Brasil...................................................................................................35

UNIDADE 3 – A REFORMA DO ESTADO NO BRASIL.......................................................46

3.1 As origens do neoliberalismo...............................................................................................................................46

3.2 O Consenso de Washington: revisão do neoliberalismo....................................................................................49

3.3 A implantação do neoliberalismo no Brasil........................................................................................................50

UNIDADE 4 – VICISSITUDES DA POLÍTICA BRASILEIRA PÓS 88...............................58


4.1. Eleições gerais 2002: Lula e o PT vitoriosos......................................................................................................59

4.2. As eleições municipais de 2004............................................................................................................................64

4.3. As eleições gerais de 2006....................................................................................................................................76

4.4. Eleições municipais de 2008................................................................................................................................82

REFERÊNCIAS...........................................................................................................................84
APRESENTAÇÃO

O homem é, por natureza, “um animal social e político” (zoon politikon). “Aquele que
não precisa dos outros homens, ou não pode resolver-se a ficar com eles, ou é um deus, ou é um
bruto (selvagem)”, são afirmações atribuídas ao filósofo grego Aristóteles e encontram-se na
obra A Política (2002). Também é lapidar, neste sentido, a afirmação da filósofa Hannah Arendt,
constante na obra A condição humana (1995, p. 31), enaltecendo o caráter social e político do
homem: “Nenhuma vida humana, nem mesmo a vida de um eremita em meio à natureza
selvagem, é possível sem um mundo que, direta ou indiretamente, testemunhe a presença de
outros seres humanos”. Essas citações ressaltam que nenhum de nós é uma ilha, que
necessitamos e carecemos da presença do outro para a nossa realização e, mais ainda, toda ação
do homem depende, inexoravelmente, da presença de outros.

Seguindo o pensamento de Aristóteles, não basta à convivência em sociedade para


caracterizar nosso aspecto social e comunitário, pois desta forma também vivem as formigas e as
abelhas. O que, então, pode nos diferenciar dos outros seres do mundo? Aristóteles aponta para a
conotação racional do homem, a utilização peculiar do pensamento (logos) para a construção e
transmissão do conhecimento. Adverte o filósofo que “todos os homens têm o desejo de saber”,
pois só o homem conhece e tem consciência de si mesmo. Além do aspecto racional, o homem
diferencia-se dos demais seres pelo senso ético (bem e mal, certo e errado), senso estético (culto
ao belo) e, o mais importante de todos, por viver na cidade (pólis), pela politicidade (vida
cívica).

O homem foi feito, assim, para a vida da cidade (bios politikós, derivado de pólis, a
comunidade política), ou seja, o fim último do homem é viver na pólis, onde se realiza como
cidadão (politai), manifestando a sua natureza, o termo de um processo de constituição de sua
essência, a sua natureza. Então, é próprio do homem não apenas viver em sociedade, mas viver
na “politicidade”. A verdadeira vida humana deve almejar a organização política, que é uma
forma superior e até oposta à simples vida do convívio social da casa (oikia) ou de comunidades
mais complexas. A partir da compreensão da natureza do homem, determinados aspectos da vida
social adquirem um estatuto essencialmente político, tais como as noções de governo, de
dominação, de liberdade, de igualdade, do que é comum, do que é próprio.
4

Por fim, é possível perceber que a reflexão de Aristóteles sobre a política não se separa
da ética, pois a vida individual está imbricada na vida comunitária; esta é a razão pela qual os
indivíduos se reúnem em cidades (e formam comunidades políticas), não apenas para viverem
em comum, mas para viver “bem” ou para a “boa vida”. O fim da cidade, portanto, é não só
assegurar aos cidadãos a vida e sua conservação (zein), mas o viver bem (euzein) (Prélot, 1973,
Livro 1, p. 135). Deste modo, a vida política destina-se a garantir a qualidade e a perfeição da
vida. Para que isso ocorra, é necessário que os cidadãos vivam o bem comum, em conjunto ou
por intermédio dos seus governantes. Se acontecer o contrário (a busca apenas do interesse
próprio), dá-se a degeneração do Estado.

Sendo assim, este texto tem como objetivo apresentar conceitos básicos da Ciência
Política como o debate sobre o Estado, Cidadania e Eleições no Brasil (comportamento político).
A partir de autores da Ciência Política pretende-se discutir as origens históricas do Estado e das
legislações de proteção social no Brasil, especialmente tratar sobre a questão da difícil
construção da cidadania no Brasil.

Na Primeira Unidade, o leitor encontra uma descrição conceitual da questão do Estado


na modernidade a partir de teóricos como Maquiavel e teóricos do contratualismo (Hobbes,
Locke e Rousseau. Por fim, discute-se o estado de Bem-Estar social.

A Unidade II trata mais especificamente do Estado, da sociedade e da cidadania no


Brasil. Discute a dimensão da pouca participação social na estruturação do Estado brasileiro
(Estado sem nação), das mazelas culturais e institucionais da política, e da difícil construção da
cidadania (cidadania regulada, estadania).

A Unidade III discute as transformações do estado no Brasil a partir das idéias


neoliberais implantadas no Brasil na década de 90. O Consenso de Washington e as
características neoliberais também serão evidenciadas nesta seção.

Por fim, a Unidade IV aborda o comportamento político do Brasil pós 88. A evolução
dos principais partidos nas eleições gerais e municipais.

.
UNIDADE 1 - FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ESTADO MODERNO

Esta unidade inicial tem como objetivo discutir aspectos teóricos do Estado Moderno:
origem, elementos e desenvolvimento no Estado, a teorização de Maquiavel, o Estado na
compreensão da teoria contratualista e, por fim, a caracterização do estado de Bem-Estar Social
(Welfare State).

O conceito de Estado varia conforme a época histórica a que se refere. Os gregos da


Antiguidade Clássica introduziram o conceito de pólis (algo como Cidade ou Cidade-Estado,
segundo o que se poderia entender em termos mais atuais) do qual deriva política (arte de
governar a Cidade). Entre os romanos, civitas – que de acordo com Koehler (1960) significa
cidade (como conjunto de cidadãos) - ou res pública - a coisa pública, o Estado, seja república ou
monarquia - é chamada de status (situação ou condição). Na modernidade o Estado emerge como
instituição, em semelhança ao que se conhece hoje.

A definição etimológica de Estado feita por Dallari (1995, p. 43) perpassa a origem
latina, status, que significa estar firme, significando situação permanente de convivência e ligada
à sociedade política, aparecendo pela primeira vez em O Príncipe, de Maquiavel, escrito no
início do século XVI – indicando mais uma vez o fato de o conceito atual de Estado ser recente,
da Modernidade.

Para Azambuja (1971), o Estado é uma sociedade política determinada por normas de
Direito positivo, hierarquizada em governantes e governados, tendo no bem público sua
finalidade, constituída por uma coletividade de indivíduos unidos e organizados
permanentemente em prol de um objetivo comum. O Estado emerge na tentativa de superar o
instinto natural do homem e instituir definitivamente a sociedade política. O instinto social leva
ao Estado, criado e organizado pela razão e pela vontade.1

Eusebio de Queiroz Lima (1957) vê o Estado como uma nação organizada. Nação é um
conceito vasto para o autor, sendo a mais complexa das formas por que as sociedades humanas se

1
Para aprofundar o debate sobre as origens e o desenvolvimento do Estado na história, ver: Cremonese (2008),
Dallari (1995), Mann (1992), Bedin (2008).
6

apresentam, antecedida pela ordem civil. A nacionalidade, em Queiroz Lima, é subentendida nos
conceitos afirmados por outros escritores. Dessa forma, Queiroz Lima cita H. Hauriou, que
define o termo nação “como uma população fixada no solo, na qual um laço de parentesco
espiritual desenvolve o pensamento da unidade do grupamento”. Também o entendimento de
Jellinek é citado: “quando um grande número de homens adquire a consciência de que existe
entre eles um conjunto de elementos comuns de civilização, e que esses elementos lhe são
próprios (...). O conceito de nação é essencialmente subjetivo, é resultante de um certo estado de
consciência” (JELLINEK, apud. QUEIROZ LIMA, 1957, p. 4).

Sahid Maluf (1995) concebe o Estado como “[...] órgão executor da soberania nacional
[sendo] apenas uma instituição nacional, um meio destinado à realização dos fins da comunidade
nacional...” (1995, p. 11). É “[...] a sociedade política necessária, dotada de um governo
soberano, a exercer seu poder sobre uma população, dentro de um território bem definido, onde
cria, executa e aplica seu ordenamento jurídico, visando ao bem comum” (p. 19-22).

José Geraldo Filomeno (1997) tem o Estado como um tipo especial de sociedade,
devendo ser analisado nos aspectos sociológico, político e jurídico. Assim, cita Perez a fim de
elucidar a questão: “o Estado é um ser social e, portanto único, embora complexo e não simples,
em atenção aos diversos aspectos que apresente: método científico, método filosófico, método
histórico e método jurídico” (1997, p. 17). O Estado se presta ao serviço do homem, sendo “[...]
mero instrumento para a realização do homem, tendo em vista sua fragilidade e impossibilidade
de bastar-se a si mesmo” (p. 18).

Para Michael Mann (1992), o Estado se constitui de quatro elementos fundamentais:


centralidade (através de um conjunto diferenciado de instituições e funcionários, as relações
políticas se irradiam de um centro), territorialidade (pois essas relações políticas visam cobrir
uma área demarcada territorialmente), monopólio do estabelecimento de leis autoritariamente
obrigatórias (as relações políticas do Estado visam sancionar leis, e apenas a ele isso compete),
monopólio da violência (apenas ao Estado cumpre realizar a violência, a fim de manter sua
autoridade).

Quatro elementos fundamentais (e essenciais) consubstanciam o Estado, segundo a


concepção de Azambuja (1971): população, território, governo e soberania. A população de um
Estado é integrada pelos conceitos de povo e nação, sendo o primeiro uma entidade jurídica,
grupo humano de indivíduos sujeitos ao mesmo ordenamento jurídico, ainda que com ideais e
aspirações diferentes. Já a nação é uma entidade moral, é a coletividade de “[...] indivíduos que
se sentem unidos pela origem comum, pelos interesses comuns e, principalmente, por ideais e
7

aspirações comuns” (p. 19). É uma comunidade de consciências unidas por um sentimento
comum (como ocorre no patriotismo). O que une um povo até constituir uma nação é a
identidade histórica, o passado comum (raça, língua e religião coadjuvantes, fundamentalmente
característicos da nação).

O território é a base física, geográfica, da nação, onde ocorre sua validade jurídica,
constituído de solo, subsolo, espaço aéreo, embaixadas, navios e aviões de uso comercial ou civil
e o mar territorial (200 milhas, no caso brasileiro). Porém, há nações e povos sem território
(como judeus até 1948 – quando se criou o Estado de Israel – e ciganos).

O governo é a instituição (temporária) que efetiva políticas públicas, podendo estar


assumido por partidos (de orientações políticas denominadas esquerda, centro e direita, ou ainda
combinações desses elementos), líderes religiosos (Irã, de Khomeini), chefes tribais ou forças
armadas. É a gama de funções que mantêm a ordem jurídica e a administração pública. Por fim,
soberania é “[...] a capacidade de impor a vontade própria, em última instância, para a realização
do direito justo” (PINTO, 1975). Ou seja, é a autonomia sem intervenções externas, a forma
suprema de poder incontestável e incontrastável do Estado em criar, executar e aplicar o seu
ordenamento jurídico dentro do seu território e para a sua população, visando ao bem comum.

1.1 O Estado e suas origens: a contribuição de Maquiavel

Maquiavel, em O Príncipe (escrito em 1513), inicia a discussão teórica acerca do


Estado, afirmando que “todos os Estados e todos os governos que exerceram ou exercem certo
poder sobre a vida dos homens foram e são ou repúblicas ou principados” (2007, p. 5). Isso não
significa que antes da formação do Estado moderno não existissem outras formas de governo e
de poder. Entretanto, como o presente estudo se destina ao Estado moderno e suas formas
posteriores, este é o primeiro conceito realmente relevante. Nessa obra, Maquiavel transmite o
seu conhecimento e sua experiência, buscando ensinar a arte da guerra. Nela o autor ensina como
conquistar, aumentar e manter o poder, e avisa também dos perigos que existem em se manter o
poder.

A concepção de Estado encontrada em Maquiavel parte da experiência real do seu


tempo. O autor funda seu pensamento político no contexto moderno, buscando oferecer respostas
novas a uma situação histórica nova, tendo sido o primeiro autor a tratar do Estado no seu
sentido moderno, e sua principal contribuição à especificidade da política, a qual, ao contrário da
concepção da ordem moral, que unia a sociedade na Idade Média, é a política que o faz. Em
8

outras palavras, separa ética de política, dizendo que a primeira diz respeito às questões do
indivíduo e a última, às coisas públicas. “É necessário a um príncipe, para se manter no poder,
que aprenda a ser mau e que se valha ou deixe de valer-se disso segundo a necessidade”
(MAQUIAVEL, apud BEDIN, 2008, p. 97). Quaisquer meios utilizados (sejam bons ou maus)
justificam o fim da manutenção do Estado.

A origem do Estado tem sido tratada através dos tempos pelos mais diversos tipos de
teóricos, nos mais variados contextos, não tendo havido consenso acerca da matéria. Nessa linha
de trabalho, desenvolveram-se quatro principais teorias acerca dessa origem: a teoria da força, a
teoria evolucionária, a teoria do direito divino e a teoria contratualista.

Segundo a teoria da força, o Estado nasceu quando uma pessoa ou grupo controlou os
demais, gerando a luta de classes (concepção marxista), sendo o principal escopo do Estado a
defesa dos interesses dos integrantes da classe dominante. Também para Max Weber o Estado se
origina na força, pois é a “[...] empresa institucional de caráter político onde o aparelho
administrativo leva avante, em certa medida e com êxito, a pretensão do monopólio da legítima
coerção física, com vistas ao cumprimento das leis” (1999, p. 56).

A teoria evolucionária preconiza que o Estado se desenvolveu naturalmente a partir da


união de laços de parentesco, em que o mais forte (guerreiro ou caçador mais hábil, ou o ancião)
detinha o controle do poder. Evoluiu-se do bando (clãs, tribos) até agricultores e pastores,
quando nasce o Estado.

A teoria do direito defende que o Estado foi criado por Deus, que delegou o poder
divino de mando aos reis. Os exemplos mais notórios fundamentados nessa teoria foram os
reinados absolutistas de Henrique VIII (Inglaterra) e Luís XIV (França). Jean Bodin e Bossuet
defendiam o poder divino dos reis para administrar o Estado:

Nada havendo de maior sobre a Terra, depois de Deus, que os príncipes soberanos, e
sendo por Ele estabelecidos como seus representantes para governarem os outros
homens, é necessário lembrar-se de sua qualidade, a fim de respeitar-lhes e reverenciar-
lhes a majestade com toda a obediência, a fim de sentir e falar deles com toda a honra,
pois quem despreza seu príncipe soberano, despreza a Deus, de quem ele é a imagem na
Terra (Bodin, apud Chevallier, 1986, p. 61).

Igualmente, para Bossuet, o rei é a própria presença de Deus na Terra, conforme se pode
concluir na análise do trecho a seguir:
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Considerai o príncipe em seu gabinete. Dali partem as ordens graças às quais procedem
harmonicamente os magistrados e os capitães, os cidadãos e os soldados, as províncias e
os exércitos, por mar e por terra. Eis a imagem de Deus que, assentado em seu trono no
mais alto dos céus, governa a natureza inteira... Enfim, reuni tudo quanto dissemos de
grande e augusto sobre a autoridade real. Vede um povo imenso reunido numa só
pessoa, considerai esse poder sagrado, paternal e absoluto; considerai a razão secreta,
que governa todo o corpo do Estado, encerrada numa só cabeça: vereis a imagem de
Deus nos reis, e tereis idéia da majestade real (Bossuet, apud Chevallier, 1986, p. 97-
98).

A teoria do contrato social, desenvolvida por Hobbes, Locke e Rousseau nos séculos
XVII e XVIII, foi a mais significativa das quatro aqui citadas. Segundo ela, o Estado nasce do
contrato social. Nos séculos 17 e 18 os filósofos John Locke, Thomas Hobbes e Jean-Jacques
Rousseau desenvolveram esta teoria do estado de natureza para o estado civil.

1.2 O Estado na teoria contratualista

O filósofo e cientista político Thomas Hobbes era um defensor do regime absolutista


monárquico, afirmando que um rei era mais capaz que uma república. Achava que a democracia
era um perigoso sistema de governo. Foi o primeiro teórico considerado contratualista, pois
defendia a idéia de que a origem do Estado e da sociedade está em um contrato. Sua principal
obra foi O Leviatã, que apresenta a síntese de seu pensamento, no qual o Estado é um monstro
poderoso que tem liberdade, oferecendo segurança, fundindo a sociedade e o poder de maneira
que um fosse totalmente dependente do outro. Neste Estado, o governante tem poderes
absolutos, decidindo o futuro de seus súditos. Sua principal contribuição foi, portanto, a
justificativa da centralização do poder e suas implicações políticas (BEDIN, 2008).

O estado de natureza e o estado político justificam o poder – ou seja: para que saia do
primeiro, atingindo a civilidade, o homem precisa criar o artifício da sociabilidade humana. Isso
contraria a concepção aristotélica de que o homem seria naturalmente civilizado.

Daí a expressão latina homo homini lupus (o homem é o lobo do próprio homem),
afirmando que o homem não é naturalmente bom, como declarava Aristóteles. Sem a presença
do poder político centralizado, os homens naturalmente “não-bons” estão livres para a realização
de suas paixões e satisfação dos seus instintos, o que caracteriza a falta de civilidade. Assim,
quando se encontra nesse estágio, a existência humana é temerária, sendo apenas a partir da
centralização artificial do poder que alguma segurança pode surgir e permitir a vida em
sociedade.
10

Fora do Estado, para Hobbes, o homem é livre de qualquer princípio moral,


humanitário, ou ético. Portanto, do mesmo modo como pode vitimar pela sua liberdade, pode
também ser vítima, estando amedrontado a toda hora, pois a qualquer instante pode perder seu
bem maior que é a vida. Isso configura o estado natural, no qual a liberdade é a ausência de
oposição, e o homem livre é o que não é impedido de fazer a sua vontade, tornando-se um
selvagem. A verdadeira liberdade existiria apenas dentro do Estado soberano contendo as
liberdades de cada um.

A teoria contratualista se faz presente em sua obra porque os homens firmariam um


acordo, apoiados na idéia de que sozinhos estariam expostos à barbárie, contando somente com
as suas forças para defender-se de uma humanidade sem regras, onde cada um poderia proceder
frente ao outro da maneira que as suas forças permitissem. Essa concepção é fruto do seu
conceito de liberdade.

Hobbes afirma não faltar "liberdade" no Estado Absoluto, pois esta significa, em sentido
próprio, a ausência de oposição, e oposição seriam os impedimentos externos do movimento. A
leitura de gregos e latinos nos fez pensar "errado" a questão da liberdade, princípio pelo qual
homens lutam e morrem. Para Hobbes, liberdade se reduz a uma determinação física, aplicável a
qualquer corpo físico. Portanto, a liberdade está depositada no Estado e não nos súditos. Para ele,
o Poder é sempre o mesmo, está sob todas as formas, leis ou acordos que se supõe serem
suficientes para proteger ou controlar os súditos. A "condição incômoda" do homem é aceitável
visto que a sua "condição natural" é infinitamente pior e, ainda, no Estado Absoluto de Hobbes, o
indivíduo "conserva um direito à vida".

O segundo contratualista a ser aqui abordado é John Locke, que escreveu Dois Tratados
sobre o Governo Civil, Ensaio Filosófico sobre o Entendimento Humano e a Carta sobre a
Tolerância. O contexto histórico-cultural em que produz sua obra é a Inglaterra da segunda
metade do século XVII, que se tornou um promissor império mercantil, cuja burguesia necessita
de fundamentação às aspirações de liberdade (direitos individuais) e soberania.

Em Dois Tratados sobre o Governo Civil, Locke teoriza contra o absolutismo, buscando
derrubar a teoria do direito divino. Dessa forma, também adota as idéias da passagem do estado
de natureza ao estado civil através do contrato entre indivíduos. No entanto, ao contrário de
Hobbes, que tem o estado de natureza como um âmbito de profunda inimizade e insegurança,
Locke o vê como um âmbito no qual os indivíduos estão regulados pela razão e há uma
organização pré-social e pré-política onde todos nascem com os direitos naturais: vida, liberdade,
propriedade privada e punição àqueles que infligem o mal contra inocentes.
11

A propriedade é a extensão de terra que cabe a cada um, tendo a capacidade de lavrá-la,
semeá-la e cultivá-la, não sendo tratada a acumulação especulativa da propriedade. A união dos
homens em sociedades políticas, bem como a sua submissão a um governo, visa à conservação
de suas propriedades, pois o estado natural não as garante por si só.

O Estado concebido por Locke é liberal, pois é soberano, mas sua autoridade vem
somente do contrato que o faz nascer. Daí advém o fato de ter sido Locke um teórico
monarquista parlamentar liberal, e não absolutista. Esse contrato é também o fundamento do
livre consentimento segundo o qual os homens formam a sociedade civil para preservar e
consolidar os direitos originalmente possuídos no estado de natureza.

O governo civil em Locke tem como poder mais importante o Legislativo, cabendo a ele
a elaboração das leis de proteção às propriedades de todos os membros da sociedade,
sustentando-se sobre o poder delegado pelo povo.

Concomitantemente à concepção liberal do Estado moderno nasce a concepção


democrático-burguesa com Jean-Jacques Rousseau, cuja principal obra, Do Contrato Social,
também preconiza a existência da condição natural dos homens, a qual é de felicidade, de virtude
e de liberdade, desacreditada pela civilização (ou seja, é outra concepção oposta à de Hobbes).
Rousseau também é contratualista, pois para ele a sociedade nasce de um acordo, de um
contrato, firmado pelos indivíduos que preexistem a ele.

Para Rousseau, a Assembléia é o único órgão soberano, que representa o povo, que pode
confiar a alguns indivíduos tarefas administrativas estatais, podendo a qualquer momento
revogá-las. Mas o povo nunca perde sua soberania, nunca a transfere para um organismo estatal
separado.

As idéias de Rousseau afirmam a igualdade, pois só nessa condição se pode ser livre.
Assim, nota-se a oposição a Locke, para quem a liberdade é condicionada justamente pela
desigualdade entre proprietários e não-proprietários (visto que, para o liberal inglês, a liberdade é
diretamente proporcionada pela propriedade).

Rousseau tem em vista a democracia da Antiga Atenas, porém, vê igualmente limitações


nesse modelo (justamente a diferenciação entre homens livres e escravos). O autor afirmava a
impossibilidade de existir a democracia em qualquer tempo, bem como a condição natural a ela.

A democracia, conforme elucidado por Norberto Bobbio (1983), que apresenta duas
diferenças básicas para a sua efetivação. Para os antigos, ela era entendida como democracia
direta; já para os modernos, como representativa. A teoria clássica (aristotélica) tem a
12

democracia como a forma de governo de todos os cidadãos, em contraposição à aristocracia


(governo de poucos) e da monarquia (de um só). Era termo sinônimo de “isonomia”, e para
Platão (conforme citado por BOBBIO), era vista como a pior das formas boas de governo e a
melhor das formas más de governo.

A teoria romano-medieval a tem como o governo de soberania popular (ascendente), em


contraposição ao poder do príncipe (descendente). A partir dessa teoria, há a separação entre a
titularidade e o exercício do poder: numa monarquia, o povo transferiria o exercício do poder ao
príncipe, justamente por possuir a titularidade do poder de fazê-lo (ou revogá-lo).

A teoria moderna (iniciada com Maquiavel) nasce com o Estado moderno, e tem a
antiga democracia como uma das duas formas de república: haveria a república democrática e a
república aristocrática. Sofre transformações até que conclua que “[...] por democracia se
entende toda a forma de Governo oposta a toda forma de despotismo” (DAHL, apud BOBBIO,
1983). Sofre modificações importantes principalmente após o contratualismo.

Com o liberalismo, passou-se a entender o termo liberdade como dividida entre civil
(liberdade negativa, mera capacidade de fazer e não fazer) e política (liberdade positiva,
atribuição de uma capacidade jurídica específica de participar, mesmo que indiretamente, do
governo). O poder político deve ser exercido por representantes eleitos pelos detentores da
liberdade política. O desenvolvimento da democracia representativa deu-se com o alargamento
gradual do direito de voto e na multiplicação dos órgãos representativos.

Com o socialismo, o sufrágio universal, que constituía o fim do processo de


democratização do Estado dos liberais, torna-se apenas o seu início (BOBBIO, 1983). É criticada
a democracia simplesmente representativa e retomam-se alguns pontos da democracia direta,
alargando a participação popular não apenas nos órgãos de decisão política, mas também
econômica, passando-se do autogoverno para a autogestão, buscando a máxima descentralização
(conselhos operários e camponeses, por exemplo).

Independente de qual teoria a encare, pode-se entender que democracia é um conjunto


de regras para se conduzir a governança: eleição (direta ou indireta), instituições locais eleitas
(além da instituição máxima de governo), sufrágio universal, igualdade de voto, liberdade de
opção de voto, maioria numérica, não-limitação de direitos da minoria por parte da maioria e
confiança do órgão de governo por parte do Parlamento ou do chefe do Executivo eleitos pelo
povo.

Democracia não significa a participação de todos no processo eleitoral. Para Kelsen, um


dos maiores teóricos da democracia moderna, a eleição é o elemento essencial da democracia
13

real, pois possibilita a seleção dos líderes para o progresso (apud BOBBIO, 2000). Uma frase
ilustrativa demonstra o caráter “sagrado” que a Corte Suprema dos EUA, por ocasião das
eleições no ano de 1902, confere ao seu processo eleitoral, mesmo que quem dela participe seja
apenas uma minoria: “A cabine eleitoral é o templo das instituições americanas, onde cada um de
nós é um sacerdote, ao qual é confiada a guarda da arca da aliança e cada um oficia do seu
próprio altar” (BOBBIO, 2000, p. 272). É possível perceber que a democracia ocidental é um
processo relativamente novo, e as revoluções Americana e Francesa marcam seu início.

A democracia nasceu de uma concepção individualista da sociedade e do Estado. Para


isso, ocorreram três eventos que caracterizaram a filosofia social da Idade Moderna: o
contratualismo, o nascimento da economia política (com Adam Smith) e a filosofia utilitarista
(de Jeremy Bentham e John Stuart Mill). Neste sentido,

O Estado liberal é o pressuposto não só histórico, mas jurídico do Estado democrático...


Estado liberal e Estado democrático são interdependentes... é pouco provável que um
Estado não liberal possa assegurar um correto funcionamento da democracia, e de outra
parte, é pouco provável que um Estado não democrático seja capaz de garantir as
liberdades fundamentais (BOBBIO, 2000, p. 20).

É imprescindível também para o entendimento da formação do Estado moderno a


consideração das idéias de Montesquieu. O francês entrou para a história da ciência política pela
importância e atualidade dos argumentos da sua principal obra O Espírito das Leis (1748), que
influenciou principalmente as políticas do sistema de governo inglês, das revoluções Americana
e Francesa e de todo o mundo vindo após ele. Nela encontra-se a separação dos poderes como
método para assegurar a liberdade. Assim, criam-se os poderes Legislativo, Executivo e
Judiciário, atuando de forma harmônica e independente, colaborando entre si e mantendo
relações recíprocas, auxiliando-se e corrigindo-se mutuamente, para a efetivação da liberdade,
sendo que a mesma não existe se uma pessoa ou grupo exercer os referidos poderes ao mesmo
tempo.

1.3. O Estado de Bem-Estar Social (Welfare State)

Esta última seção trata das origens do Estado de Bem-Estar Social e sua base teórica a
partir de John Maynard Keynes. Este modelo de Estado alcança seu apogeu após a II Guerra
Mundial e estende-se até os anos 70, quando começa a entrar em crise.
14

O Estado de Bem-Estar Social teve a sua origem na Grã-Bretanha e foi difundido após
a Segunda Guerra Mundial. O Estado de Bem-Estar Social se opôs ao modelo liberal de Estado
(laissez-faire), que foi dominante durante todo o século XIX e início do século XX. O modelo
liberal prescindia da existência do Estado. Isto é, a função do Estado era apenas proteger o
indivíduo em seus direitos naturais (direito à vida, à liberdade e à propriedade), deixando que a
economia se regulasse pela “mão invisível” do próprio mercado.2

Em outras palavras, o Estado não deveria intervir na economia. No entanto, com a crise
do modelo liberal, com o crash da Bolsa de Valores de New York de 1929 (Grande Depressão), o
Estado foi “convocado” para salvar a falida economia capitalista. A partir dos anos 30 e 40 do
século passado, o Estado passou então a implementar e financiar programas e planos de ação
destinados a promover interesses sociais coletivos de seus membros, além de subsidiar, estatizar
e socorrer empresas falidas.

O Estado de Bem-Estar Social teve a sua fundamentação teórica em John Maynard


Keynes. Keynes nasceu em 1883 em Cambridge na Inglaterra e morreu em 1946 em Tilton. Foi
economista, estudou em Eton e no King’s College, em Cambridge, e permaneceu nesta cidade
depois de formado, a fim de estudar ciência econômica com Alfred Marshall. Depois de breve
período no serviço público, voltou a Cambridge para lecionar ciência econômica e se tornou
editor do Economic Journal em 1911. Durante a Primeira Guerra Mundial trabalhou no Tesouro
e foi o seu principal representante em Versalhes. Na Segunda Guerra Mundial, Keynes foi
responsável pela negociação com os Estados Unidos do acordo do Empréstimo e Arrendamento e
participou do Acordo de Bretton Woods, que estabeleceu o Fundo Monetário Internacional. É
especialmente conhecido por seus escritos sobre economia, com destaque para The General
Theory of Employment, Interest and Money (1936).3

Para Keynes, o Estado deve assumir um papel de liderança na promoção do crescimento


econômico e do bem-estar material e na regulação da sociedade civil. Em outras palavras, os
mercados livres não regulados, por si sós não conseguem gerar crescimento estável, nem
eliminar as crises econômicas, o desemprego e a inflação. Keynes prega que o Estado tenha um
papel central no crescimento econômico e no bem-estar material. Em sua teoria, o pleno
emprego ganhava prioridade como um direito do cidadão.

Falando-se no Estado Social, pode-se afirmar que foi com as constituições mexicana de
1917 e a de Weimar de 1919 que o modelo constitucional do Welfare State, ou o Estado de Bem-
2
Sobre a questão dos direitos naturais e da mão invisível do mercado, conferir a obra de Locke (2001) e Smith
(1981), respectivamente.
3
Conferir Outhwaite e Bottomore (1996, p. 813).
15

Estar Social, principiou sua construção. O Welfare State seria o Estado no qual o cidadão,
independentemente de sua situação social, tem direito a ser protegido, por intermédio de
mecanismos e prestações públicas estatais, emergindo assim a questão da igualdade como o
fundamento para a atitude intervencionista do Estado (MORAIS, 2002, p. 38).4

Como já mencionado anteriormente, a formação deste Estado é algo que perpassa muitos
anos. É possível dizer que o mesmo modelo acompanha o desenvolvimento do projeto liberal
transformado em Estado do Bem-Estar Social no transcurso da primeira metade do século 20,
ganhando contornos definitivos após a Segunda Guerra Mundial. Para Morais (2002, p. 38), a
história desta passagem tem vínculo especial com a luta dos movimentos operários pela
conquista de uma regulação/garantia/promoção da chamada questão social. Característica do
Welfare State, a idéia de intervenção não é novidade surgida no século 20. Assim o Estado, com
sua ordem jurídica, implica intervenção.

Cabe lembrar e reconhecer, conforme Morais (2002, p. 35), “que o processo de


crescimento/aprofundamento/transformação do papel, do conteúdo e das formas de atuação do
Estado não beneficiou unicamente as classes trabalhadoras”. O papel do Estado, em vários
setores, possibilitou investimentos em estruturas básicas que alavancaram o processo produtivo
industrial, as quais mostraram-se viáveis para o investimento privado. 5 Essa dupla face fez parte
da peculiar trajetória do Estado Social em que a intervenção pública refletia as reivindicações
dos movimentos sociais e, ao mesmo tempo, a ação intervencionista do Estado tornava possível a
flexibilização do sistema, o que garantia a sua própria manutenção e continuidade, bem como
dava condições de infra-estrutura para o seu desenvolvimento.

Constatado o progresso por parte do Estado nas atividades econômicas, sociais,


previdenciárias, educacionais, entre outras, o Estado visto como liberal vê-se a um passo de um
Estado social. Cabe destacar que a presença do Estado se fazia absolutamente necessária para a
correção de desequilíbrios muito grandes a que foram submetidas às sociedades ocidentais que,
por sua vez, não tinham um comportamento disciplinar com relação à sua economia, ou seja, não
possuíam um planejamento centralizado.

Nesse ínterim, o Estado passou a assumir um papel de controlador, regulador da


economia, por meio de normas geralmente de cunho disciplinar. Por assim dizer, o Estado
tornou-se um gigante, um grande empregador, dando complexidade à vida social. Fala-se, nesse
momento, da burocracia estatal (BASTOS, 1999, p. 142).

4
Argumentos elaborados a partir de Marks (2008).
5
Construção de usinas hidrelétricas, estradas, financiamentos, etc.
16

Recorre-se, aqui, ao que alguns autores relatam sobre o abalo ocorrido ao denominado
compromisso do keynesianismo, ou seja, o da democracia capitalista. Segundo vários autores,
até o final dos anos 60 o pensamento de Keynes foi a ideologia oficial do que chamavam de
compromisso de classe, quando diferentes grupos podiam entrar em conflito nos limites do
sistema capitalista e democrático. Por esse motivo, a crise do keynesianismo é entendida como
uma crise do capitalismo democrático.

O keynesianismo, desde o pós-guerra, defendeu a tese de que o Estado poderia


harmonizar a propriedade privada dos meios de produção com a gestão democrática da
economia. Foram fornecidas as bases para que ocorresse o compromisso de classe, oferecendo
aos partidos políticos representantes dos trabalhadores uma justificativa para que exercessem o
governo em sociedades capitalistas, engajando metas na plenitude de emprego e na redistribuição
de renda em favor das classes populares. Nesse sentido, o Estado era visto como provedor de
serviços sociais e também um regulador de mercado, sendo dessa forma o mediador das relações
e dos conflitos sociais.

A crise do keynesianismo, portanto, nada mais é do que a crise das políticas de


administração de demanda, isto é, quando aparecem sinais de insuficiência de capital, as
políticas que são voltadas à eliminação da junção entre a produção corrente e a produção
potencial não mais apontam soluções (BRESSER PEREIRA; WILHELM; SOLA, 1999, p. 225).

Streck e Morais (2004, p. 91) lembram que, “apesar de sustentado o conteúdo próprio do
Estado de Direito no individualismo liberal, faz-se mister a sua revisão frente à própria disfunção
ou desenvolvimento do modelo clássico do liberalismo”. Sendo assim, o Estado conserva
aqueles valores jurídico-políticos clássicos, entretanto, em consonância com o sentido que vem
tomando no curso histórico, como também com as necessidades e as condições da sociedade do
momento. Nesse sentido, inclui direitos para limitar o Estado e direitos com relação às
prestações do Estado.

Na Europa Ocidental, esse modelo político-econômico foi chamado de Estado de Bem-


Estar Social (Welfare State). Na América Latina foi chamado de desenvolvimentismo e, nos
Estados Unidos da América, esse modelo de Estado foi chamado de New Deal e colocado em
prática por Franklin Delano Roosevel entre os anos de 1933 e 1940. Este modelo tinha como
finalidade produzir a recuperação da Grande Depressão e corrigir os defeitos no sistema que se
acreditava terem sido por ela revelados. Entre as medidas tomadas pelo New Deal nos EUA,
estavam: a) substancial libertação da política monetária das restrições do padrão-ouro e maior
aceitação da responsabilidade da política monetária para a estabilização da economia; b)
17

crescente confiança na política orçamentária governamental para levar a cabo e manter altos
níveis de emprego; c) implantação do Estado de Bem-Estar Social (o fortalecimento do sistema
de seguridade social, fornecendo benefícios de aposentadoria para trabalhadores; sistema de
seguro desemprego; o fornecimento de auxílio financeiro a famílias pobres com filhos
dependentes); d) intervenção do governo para controlar preços e produção agrícola; e) promoção
governamental da organização sindical; f) novo ou ampliado controle governamental de preços,
tarifas ou outros aspectos dos transportes, energia, comunicação e indústria financeira; e g)
movimento no sentido de uma política mais liberal de comércio internacional.6

O Estado de Bem-Estar Social alcançou seu ápice entre os anos 40 até os anos 70
(considerados os anos de ouro do capitalismo). A partir dos anos 70, o Estado de Bem-Estar
começa a ser questionado por investir e gastar demasiadamente nas questões sociais (saúde,
emprego, moradia, previdência e educação). Os gastos sociais aumentaram, o que desencadeou
uma crise fiscal do Estado, além de estancamento econômico, elevadas taxas de desemprego e
inflação. Ressurge a defesa das idéias liberais do livre mercado, agora sob um novo rótulo
chamado de neoliberal, tendo em Friedrich von Hayek o seu principal interlocutor. Para Hayek, a
vida social sob a égide do Estado é o caminho indefectível da servidão. A crítica dos neoliberais
incide sobre o dirigismo e a planificação do Estado sobre a economia, ou seja, defendem o
mercado desregulamentado e menores pressões tributárias.7

Em síntese, o Estado de Bem-Estar Social foi implementado basicamente por partidos


sociais democratas, delimitando uma terceira via entre o socialismo de esquerda e o liberalismo
de direita. Os sociais-democratas prevêem uma passagem gradual do capitalismo ao socialismo
exclusivamente pelas vias eleitorais e parlamentares.

EXERCÍCIOS DE APOIO PARA ESTE CAPÍTULO

1. Como poderíamos definir a palavra Estado?

2. Quais os aspectos característicos de uma nação?

3. Explique a teoria contratualista bem como as idéias de seus principais teóricos.

4. O que foi o absolutismo e o liberalismo clássico?

6
Para uma leitura mais detalhada sobre o Estado de Bem-Estar Social, conferir Outhwaite e Bottomore (1996, p.
522).
7
Mais à frente, na Unidade 5, voltaremos a tratar das relações entre o Estado de Bem-Estar Social e o
neoliberalismo.
18

5. O que foi o Estado de Bem-Estar Social e quais suas principais características?

6. Procure apresentar as principais diferenças do liberalismo clássico (livre mercado) e do


Estado Keynesiano (intervencionista)

REFERÊNCIAS PARA APROFUNDAR O TEMA DESTE CAPÍTULO

Para aprofundar os tópicos deste capítulo é importante ler:

KEYNES, John Mainard. A teoria do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Abril cultural,
1983.
MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe (trad. Antonio Caruccio-Caporale). Porto Alegre: L&PM,
2007.
QUEIROZ LIMA, Eusebio de. Teoria do Estado. Rio de Janeiro: Record, 1957.
WEFFORT, Francisco. Os clássicos da política. São Paulo: Ática, 1991. Vol.1.
UNIDADE 2 – A FORMAÇÃO DO ESTADO E DA CIDADANIA NO BRASIL

Os objetivos desta segunda unidade é discorrer sobre o Estado, a sociedade e a


cidadania no Brasil. Pretende-se tratar da ausência de direitos e de poder público no Brasil
colonial, a conquista lusitana, o latifúndio, a monocultura de exportação, o analfabetismo e a
escravidão são “pesos negativos do passado” que ainda determinam a vida social, econômica
e política do Brasil. A unidade apresenta ainda dois fatos históricos mais relevantes do Brasil
do século 19, a Independência e a República, destacando-se a quase nula participação de
grande parte do povo neste processo. Discute-se, igualmente, os vícios institucionais e
culturais da política brasileira (patrimonialismo, coronelismo, populismo), a partir de alguns
clássicos das Ciências Sociais do Brasil, além de referenciar que, diferentemente de outros
países, os direitos sociais emergem no Brasil em regimes políticos ditatoriais, que excluem
inexoravelmente os direitos políticos e civis.

A unidade está dividida em 5 seções. A primeira discorre sobre o Brasil Colonial:


ausência de direitos e de poder público. A segunda seção trata da formação do Estado no
Brasil: participação incipiente na independência e na república. Na terceira seção discute-se
sobre os vícios das instituições e da cultura política brasileira. A quarta seção apresenta o
surgimento dos direitos sociais quando os direitos civis e políticos fenecem. Por fim,
apresenta-se uma síntese sobre o Estado e a Sociedade no Brasil.

Tratar da construção da cidadania no Brasil é tocar num ponto nevrálgico da


História. Passados mais de 500 anos da chegada dos portugueses por estas paragens, percebe-
se que a consolidação da cidadania ainda é um desafio para todos os brasileiros. Muito se tem
discutido na academia e fora dela, o jargão da cidadania está na moda nas instituições
políticas e na opinião pública, mas, concretamente, é um conceito ainda a ser construído.

Após a ditadura militar (1964-1985), pensava-se que, finalmente, os ares da


democracia e da cidadania iriam pairar no cenário político-social nacional. A democracia
poliárquica, no entanto, descrita pelo cientista político Robert Dahl (2001) (eleições livres,
20

partidos políticos consolidados, Congresso Nacional autônomo), não garantiu avanços


significativos e a democracia social (igualdade étnica, emprego, saúde, lazer, moradia...) ainda
é utopia para milhões de brasileiros. Prevalece apenas uma democracia eleitoral sobre a
democracia social (cidadã). Por essa razão, as instituições políticas e os políticos têm passado
por um alto grau de descrédito junto à opinião pública do país. Da mesma forma, a cidadania
é incipiente num país onde predominam a exclusão social e econômica, a desigualdade social
e a violência difusa.

Diante dessa situação, questiona-se: Quais os principais obstáculos para a construção


da cidadania brasileira? A difícil construção da cidadania no Brasil está relacionada
exclusivamente ao “peso do passado” (herança maldita), ou outras variáveis podem
influenciar essa realidade? A cidadania está meramente ligada à conquista de direitos sociais,
civis e políticos? Como se deram as conquistas desses direitos no Brasil, comparadas com
outros países? Procurar responder a algumas dessas questões é o objetivo maior desta
Unidade. Para tanto, recorremos à fundamentação teórica de autores das Ciências Sociais,
reconhecidos estudiosos do tema.

A origem do conceito “cidadania” no contexto histórico-cultural e político provém


dos gregos, especificamente por volta do ano 380 a.C. (período do apogeu daquela
civilização). Embora a cidadania fosse limitada a uma parcela social minoritária, pode-se
afirmar que tanto a democracia quanto a cidadania gregas, não deixam de ser conquistas
inéditas e avanços significativos para a História ocidental. 8 No entanto, a evolução e a real
consolidação da cidadania dá-se na Modernidade.9 Junto com a cidadania moderna nascem os
direitos naturais (vida, propriedade, liberdade) do homem liberal burguês, garantidos pelas
consecutivas “Declarações de Direitos”, elaboradas a partir das revoluções liberais na
Inglaterra (Revolução Gloriosa, 1688-89), Estados Unidos (emancipação política, 1776) e
França (Revolução Francesa, 1789).10

2.1. Brasil Colonial: Ausência de Direitos e de Poder Público

8
O objetivo desta Unidade, porém, não é tratar deste ponto, posto que o mesmo tem sido suficientemente
analisado por renomados teóricos, como Minogue (1998), Coulanges (s/d), Aquino et al (1998), Barker (1978),
Kitto (1970), entre outros.
9
Sobre a evolução do conceito cidadania na modernidade, conferir o trabalho de Domingues (2001).
10
Da mesma forma, não convém tratar aqui deste assunto. Pode-se aprofundar este tópico com os seguintes
autores: Saes (2000), Moisés (2005) e Marshall (1967).
21

Inicialmente, é preciso referir que, no Brasil, a construção da cidadania não seguiu a


lógica da trajetória inglesa. Houve no Brasil, segundo Carvalho (2002), pelo menos duas
diferenças importantes: a primeira refere-se à maior ênfase em um dos direitos, o social, em
relação aos outros; a segunda refere-se à alteração na seqüência em que os direitos foram
adquiridos: entre nós o social precedeu os outros.

Uma das razões fundamentais das dificuldades da construção da cidadania está


ligada, como explicita Carvalho (2002, p. 18), ao “peso do passado”, mais especificamente ao
período colonial (1500-1822), quando “os portugueses tinham construído um enorme país
dotado de unidade territorial, lingüística, cultural e religiosa. Mas tinham deixado uma
população analfabeta, uma sociedade escravocrata, uma economia monocultora e
latifundiária, um Estado Absolutista”. Em suma, foram 322 anos sem poder público, sem
Estado, sem nação e sem cidadania.

Já no princípio da História do Brasil as contradições apareceram. Primeiro, pode-se


dizer que o Brasil não foi “descoberto”, conforme comumente é mencionado, mas, sim,
“conquistado” pelos europeus (portugueses). O encontro dessas duas culturas (a européia
versus a dos povos nativos das Américas) foi o confronto trágico de duas forças em que uma
pereceu necessariamente, um encontro pouco amigável entre duas civilizações: uma
considerada “desenvolvida”, por conhecer certas tecnologias (a irrigação, o ferro e o cavalo)
versus a nativa (“desconhecida” e, por isso mesmo, considerada “bárbara”). Os nativos viviam
em contato com a natureza, com uma religião diferente do cristianismo europeu. Suas crenças
eram mescladas com os elementos da natureza: a Lua, o Sol, as estrelas. Até mesmo a palavra
“índio” foi o nome dado pelos europeus ao se confrontarem com o "outro" a quem deu o
nome, no caso, acabou se apossando, ficando dono.11

Antes do europeu chegar a estas terras, o índio tinha suas normas morais e seus ritos
religiosos. Ele respeitava a si próprio e aos outros, à mãe-terra, às águas e à natureza como um
todo. Os espanhóis e, mais tarde, os portugueses, chegaram, impuseram sua força e
conquistaram com a violência (armas) e a ideologia (religião): em uma das mãos, a cruz do
Cristo europeu, simbolizando o poder da Igreja; na outra, a espada para a conquista. O
resultado foi o extermínio, pela guerra, escravidão e doenças (sífilis, varíola, gripe), de
milhões de índios12. Grande parte da população indígena foi dizimada rapidamente pelo
11
Sobre o encobrimento do outro, conferir Dussel (1993).
12
Callage Neto (2002, p.29) argumenta que as sociedades Ibéricas (Espanha e Portugal) foram marcadas pelo
“hibridismo do absolutismo autoritário contra-reformista católico, o despotismo corporativo muçulmano dos
séculos que o precederam na Península Ibérica e um incipiente liberalismo que se gerava com a presença judaica
22

homem “civilizado”. Calcula-se que havia no Brasil, na época da “descoberta”, cerca de 4


milhões de índios. Em 1823 restavam menos de 1 milhão (CARVALHO, 2002). A demografia
indígena, porém, depois de ter sido reduzida drasticamente, tem crescido de forma
significativa nos últimos anos. Segundo o censo de 2000, realizado pelo IBGE, 734 mil
pessoas (0,4% dos brasileiros) se auto-identificaram como indígenas, um crescimento
absoluto de 440 mil indivíduos em relação ao censo de 1991, quando apenas 294 mil pessoas
(0,2% dos brasileiros) se diziam indígenas13.

Outra característica do período colonial está ligada à conotação comercial. O Brasil


serviu à produção de monocultura para resolver o problema da demanda européia, fornecendo
a cana-de-açúcar. Isto exigia largas extensões de terras e mão-de-obra escrava dos negros
africanos. Foi assim que no Brasil se configurou o latifúndio monocultor e exportador de base
escravista. Outros ciclos de exploração se sucederam no Brasil, como o da mineração (século
18), do gado, da borracha, do café..., servindo assim, por muito tempo, apenas como
fornecedor de matérias-primas à metrópole (Portugal).14

No período colonial, a cidadania foi negada à quase totalidade da população; os mais


afetados, contudo, foram os escravos negros provenientes do continente africano. Para
Carvalho (2002, p. 19), “o fator mais negativo para a cidadania foi a escravidão”. Foi por
volta de 1550 que os escravos começaram a ser importados. Essa prática continuou até 1850,
28 anos após a Independência. Calcula-se que até 1822 tenham sido introduzidos na colônia
cerca de 3 milhões de escravos. Na época da Independência, numa população de cerca de 5
milhões, incluindo 800 mil índios, havia mais de 1 milhão de escravos (CARVALHO, 2002,
p. 19). É importante destacar que em todas as classes sociais desse período haviam escravos15.

Depois de mais de 300 anos, o Brasil aboliu a escravidão, mais por pressão externa
do que por um amadurecimento da consciência social da população. Neste sentido, a extinção
da escravatura no Brasil, no dia 13 de maio de 1888, foi um grande engodo, uma farsa. O
Brasil foi o último país de tradição cristã ocidental a abolir a escravidão. A Inglaterra,

nos marcos da Revolução Mercantil”.


13
Para maiores informações sobre a situação do indígena na sociedade brasileira atual, consultar relatório do
IBGE intitulado: Uma análise dos indígenas com base nos resultados da mostra dos censos demográficos. Este
estudo está disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tendencia_demografica/indigenas/indigenas.pdf>. Acesso
em: 6 jun. 2005.
14
Para esclarecer este tema, é fundamental a leitura de Faoro (2001), principalmente o capítulo IV “O Brasil até
o governo Geral”.
15
Sobre o tema da questão racial no Brasil, conferir o trabalho de Fernandes (1972).
23

essencialmente por interesses comerciais, exigiu, em 1850, o término do comércio negreiro,


instituído com a Lei Eusébio de Queiroz, que se constituiu num passo importante para a
abolição que só viria a acontecer 38 anos depois.

Por essas razões, a data mais significativa para celebrar a história do povo negro, sua
cultura, seu anseio por liberdade e sua verdadeira participação na sociedade, é dia 20 de
novembro, data da morte de Zumbi, martirizado em 1695 sob as forças expedicionárias do
bandeirante Domingos Jorge Velho. Zumbi, que significa a força do espírito presente, foi o
principal líder da resistência da comunidade de Palmares. Esse quilombo foi a mais
importante organização de resistência do povo negro no país, sendo, dentre vários, aquele que
ocupou a maior extensão de terra e teve o maior tempo de existência (1600-1695). Por volta
de 1654 o quilombo dos Palmares (região acidentada e de difícil acesso no interior de
Alagoas) era composto por muitas aldeias, nas quais os negros viviam em liberdade. Eis o
nome de algumas comunidades: Macaco, na Serra da Barriga, com 8 mil habitantes; Amaro,
no noroeste de Serinhaém, com 5 mil habitantes; Sucupira, a 80 km de Macaco; Zumbi, a
noroeste de Porto Calvo, e o Senga, a 20 km de Macaco. A população total de Palmares, na
época, atingiu mais de 20 mil habitantes, o que representava 15% da população do Brasil.

Pela utilização da mão-de-obra escrava nas colônias foi possível a formação e o


desenvolvimento dos Estados Nacionais na Europa e a construção das cidades. Além disso,
realizou-se a Revolução Industrial na Inglaterra, devido à importação de negros africanos, que
eram mestres ferreiros, marceneiros e carpinteiros, o que propiciou o acúmulo de riqueza,
geradora do capitalismo. O sistema capitalista soube tirar proveito dessa situação, na
conquista, na pirataria, no saque e na exploração. Huberman (1986, p. 160) descreve que a
acumulação de riquezas deveu-se “ao trabalho e ao sofrimento do negro, como se suas mãos
tivessem construído as docas e fabricado as máquinas a vapor”.16

O escravo africano, além de sofrer a dominação econômica e religiosa, foi excluído,


igualmente, do pensamento filosófico europeu. Foi considerado povo a-histórico, irracional,
bárbaro, fechado em si mesmo, não tendo condições de ascender ao “espírito universal”.
Hegel no início do século 19, escreveu a obra Filosofia da história universal, na qual se
percebe a ideologia racista, superficial e eurocêntrica do filósofo alemão em relação à África.
Páginas preconceituosas, que maculam a história da Filosofia mundial.

16
Segundo Fernandes (1978, p.9), os negros e os mulatos foram os que tiveram “o pior ponto de partida” na
transição da ordem escravocrata à competitiva. Isso significa afirmar que as condições estruturais dos negros e
mulatos foram inferiores em relação aos brancos, causando marginalidades e desigualdades na sociedade
brasileira.
24

A situação do negro, hoje, continua sendo de marginalização e de exclusão. Por isso,


há a necessidade de medidas não apenas afirmativas, mas, também, transformativas na
emancipação da etnia negra no país.17 Há muito a fazer para que a verdadeira abolição da
escravidão aconteça, principalmente na questão da educação, acesso ao trabalho e à renda.
Dados comprovam que o analfabetismo ainda é maior entre os negros: segundo dados do
IBGE, em 1999 a taxa de analfabetismo das pessoas com 15 anos de idade ou mais era de
8,3% para brancos e de 21% para pretos e a média de anos de estudo das pessoas com 10 anos
de idade ou mais é de quase 6 anos para os brancos e cerca de 3 anos e meio para os negros.

Em relação ao acesso ao trabalho, as diferenças também são expressivas: 6% de


brancos com 10 anos de idade ou mais aparecem nas estatísticas da categoria de trabalhador
doméstico, enquanto os pardos chegam a 8,4% e os pretos a 14,6%. Por outro lado, na
categoria empregadores encontram-se 5,7% dos brancos, 2,1% dos pardos e apenas 1,1% dos
pretos. Quanto ao rendimento mensal familiar per capita e à distribuição das famílias por
classes, os dados indicam que 20% das famílias cujo chefe é de cor branca tinham rendimento
de até 1 salário mínimo contra 28,6% dos chefes das famílias pretas e 27,7% das pardas
(IBGE, 2000). Segundo ainda dados do IBGE, em 1999 a população branca que trabalhava
tinha rendimento médio de cinco salários mínimos; pretos e pardos alcançavam menos que a
metade disso: dois salários. Essas informações confirmam a existência e a manutenção de
uma significativa desigualdade de renda entre brancos, pretos e pardos na sociedade
brasileira.18

O analfabetismo

Outra marca registrada do período colonial foi o analfabetismo. A maioria da


população, segundo Carvalho (2002) era analfabeta: em 1872, meio século após a
Independência, somente 16% da população era alfabetizada.

17
Fraser (2001) analisa as estratégias, chamadas, por ela, de afirmação ou de transformação. Para vencer os
dilemas entre redistribuição e reconhecimento, podem-se adotar medidas afirmativas ou transformativas. As
medidas afirmativas têm por objetivo a correção de resultados indesejados sem mexer na estrutura que os forma.
Já os remédios transformativos têm por fim a correção dos resultados indesejados mediante a reestruturação da
estrutura que os produz (MATOS, 2004).
18
Além desses dados, pode-se encontrar outras estatísticas sobre desigualdades raciais na publicação Síntese de
Indicadores – 2000, editada também pelo IBGE.
25

Apenas a elite brasileira da época era portadora do conhecimento, enquanto o


analfabetismo predominava nas classes mais pobres: “quase toda a elite possuía estudos
superiores, o que acontecia com pouca gente fora dela: a elite era uma ilha de letrados num
mar de analfabetos” (CARVALHO, 2000b, p. 55). Entre os letrados, principalmente, era
comum a formação jurídica feita em Portugal: primeiro em Coimbra e, depois, em Lisboa.
Além disso, Portugal proibiu o Brasil de abrir universidades em seu território; em
contrapartida, a Espanha permitiu, desde o início, a criação de universidades em suas
colônias.

Tal contraste pode ser percebido, entre Espanha e Portugal, no que se refere ao
número de matrículas: “Calculou-se que até o final do período colonial umas 150.000 pessoas
tinham-se formado nas universidades da América Espanhola. Só a Universidade do México
formou 39.367 estudantes até a independência. Em vivo contraste, apenas 1.242 estudantes
brasileiros matricularam-se em Coimbra entre 1772 e 1872” (CARVALHO, 2000b, p. 62),
quadro esse que será revertido apenas após a chegada da família real ao Brasil, em 1808. No
final do século 18, somente 16,85% da população brasileira entre 6 e 15 anos freqüentava a
escola. É perceptível, de imediato, a formação de bacharéis em Direito desde o início da
História. Somente em 1879 houve uma reforma que o dividiu em Ciências Jurídicas e
Ciências Sociais: “A reforma de 1879 dividiu o curso em Ciências Jurídicas e Ciências
Sociais, as primeiras para formar magistrados e advogados, as segundas diplomatas,
administradores e políticos” (CARVALHO, 2000b, p. 76).

É importante mencionar ainda que somente os advogados e médicos recebiam o


título de doutores, “que podia referir-se tanto a médicos como a doutores em Direito”
(CARVALHO, 200b, p. 90). Os cargos políticos ocupados na esfera estatal pertenciam à elite,
principalmente aos proprietários rurais. Essa mesma elite circulava pelo país e por postos no
Judiciário, Legislativo e Executivo, buscando assegurar vantagens pessoais. Como conclui
Carvalho (2002), a burocracia foi a vocação da elite imperial brasileira.

2.2. A Formação do Estado no Brasil: Participação Incipiente na Independência e na


República

Inicialmente, cabe destacar que os dois fatos históricos de maior relevância do Brasil
no século 19, a Independência e a República, respectivamente, ocorreram sem a real
26

participação da maioria da população. Ao contrário, a elite portuguesa, aliada à elite nacional,


tomou as decisões políticas necessárias para a manutenção dos seus próprios interesses. O
objetivo desta seção é demonstrar tais acontecimentos.

Acredita-se que a construção da cidadania esteja ligada essencialmente à instauração


de uma nação e de um Estado. Isto é, tem a ver com a formação de uma identidade entre as
pessoas (tradição, religião, língua, costumes), com a construção de uma nacionalidade ou, sob
o aspecto jurídico, na formação de um Estado. Assim, o sentimento de pertencer a uma nação
é um indicativo importante para tal construção. Sentir-se parte de uma nação e de um Estado é
condição fundamental para o surgimento da cidadania: “Isto quer dizer que a construção da
cidadania tem a ver com a relação das pessoas com o Estado e com a nação. As pessoas se
tornavam cidadãs à medida que passavam a se sentir parte de uma nação e de um Estado”
(CARVALHO, 2002, p. 12).

No Brasil, o Estado precedeu a formação da nação. A formação do Estado deu-se


exclusivamente pela vontade da elite portuguesa, que aceitou e negociou com a Inglaterra e
com a elite brasileira a “independência” do país. Segundo Carvalho (2002, p. 27), “Graças à
intermediação da Inglaterra, Portugal aceitou a independência do Brasil mediante o
pagamento de uma indenização de 2 milhões de libras esterlinas”.

A relação de dependência da Colônia com Portugal não permitiu formar uma


identidade própria, nem edificar uma nação propriamente dita. A primeira manifestação de
nacionalidade ocorreu, segundo Carvalho (2000b, p. 11), apenas em 1865, na Guerra do
Paraguai. A luta contra o inimigo externo, a formação de uma liderança política (chefe
inspirador), o culto ao símbolo nacional (a bandeira) e a união dos voluntários de todo o
Brasil possibilitaram o advento de um sentimento comum: o orgulho e a criação da primeira
idéia de identidade nacional: “não vejo consciência nacional no Brasil antes da Guerra do
Paraguai”. Os principais fatos políticos do Brasil ocorreram para atender a interesses
individuais, ou de pequenos grupos hegemônicos. Assim foi na Independência, como explicita
Costa (1981, p. 65): “as coisas vão simplesmente acontecendo: no jogo das circunstâncias e
das vontades individuais, no entrechoque de interesses pessoais, de paixões mesquinhas e de
sonhos de liberdade, faz-se a independência do país”. É importante ressaltar que a notícia da
emancipação política do Brasil só chegou a lugares mais distantes após três meses do fato
ocorrido.
27

O poder político concentrou-se nas mãos dos proprietários. A vinda da família real
para o Brasil, em 1808, não passou de uma manobra (abertura dos portos) para beneficiar os
ingleses e franceses. Alguns anos mais tarde as condições mostravam-se favoráveis para a
independência do Brasil, o que veio a ocorrer em 7 de setembro de 1822, porém à revelia do
povo.19

Em sua obra, A construção da ordem: a elite política imperial, Carvalho (1996) trata,
igualmente, entre outras questões, do processo de colonização, do Brasil Imperial e da elite
política. O autor apresenta, logo na introdução, a diferença entre a evolução das colônias
espanhola e portuguesa na América. Para ele, a diferença básica é que os territórios espanhóis
fragmentaram-se politicamente, tornando-se Estados independentes, ao passo que os
portugueses concentraram-se. Enquanto os espanhóis passaram por períodos anárquicos
(instabilidade e rebeliões), os portugueses não recorreram a essas formas violentas. O domínio
político português sobre a Colônia foi intenso, sendo que os capitães-gerais eram nomeados
diretamente pela Coroa e a ela respondiam.

Deste modo, o Brasil herdou, na construção de seu Estado, a burocratização do


Estado moderno, conforme fora descrito por Weber (apud CARVALHO, 2000b, p. 23): “A
ordem legal, a burocracia, a jurisdição compulsória sobre um território e a monopolização do
uso legítimo da força são características essenciais do Estado moderno”. O Estado moderno
utilizou quatro mecanismos: a burocratização, o monopólio da força, a criação de legitimidade
e a homogeneização da população dos súditos.

No período imperial existiam dois partidos políticos com ideologias semelhantes: o


Conservador e o Liberal. O primeiro defendia os interesses da burguesia reacionária
proveniente dessa mesma classe, dos donos das terras e senhores de escravos (domínio
agrário), enquanto o segundo defendia os interesses da burguesia progressista, representada
pelos comerciantes (domínio urbano) (p. 182). Afirma Carvalho que, até 1837, não se pode
falar em partido político no Brasil, existindo apenas a maçonaria.

No período colonial, assim como na República Velha (1890-1930), a grande maioria


da população ficou excluída dos direitos civis e políticos, com um reduzido sentimento de
nacionalidade. Isso não significa que não houve resistência por parte de alguns grupos
19
Prado Júnior (1993) procurou entender o país sob o enfoque da interpretação marxista, com o materialismo
histórico tendo servido de fundamento teórico para explicar o Brasil. Já Holanda (2000) faz sua análise em
Raízes do Brasil, partindo da Economia e da sociedade, de Max Weber. Celso Furtado, Nestor Duarte,e
Raymundo Faoro herdam a vertente do patrimonialismo de Weber. Para Faoro, a formação do Estado português
está na origem do Brasil, que é, essencialmente, estadocêntrico, centralizado no poder da autoridade, pois é dela
a distribuição do mesmo.
28

oposicionistas (abolicionistas, separatistas, monarquistas, anti-republicanos, luta pela terra...).


Eram muitas as formas de luta, no entanto, todos os movimentos foram duramente reprimidos
e aniquilados pelo poder central: a Balaiada, no Maranhão, e a Cabanagem, no Pará (a mais
violenta, que vitimou 30 mil pessoas), a Farroupilha no Rio Grande do Sul, além de Canudos,
na Bahia, o Contestado, em Santa Catarina, e a Revolta da Vacina, no Rio de Janeiro, são
alguns exemplos de revoltas localizadas.

Assim como a emancipação política (Independência), a Proclamação da República


brasileira apresentou características sui generis ao ser instituída, haja vista o seu caráter
golpista e elitista. O povo, por sua vez, não só não participou como foi pego de surpresa com
a proclamação do novo regime. A frase de Lobo (apud CARONE, 1969, p. 289) é bastante
elucidativa: “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que
significava. Muitos acreditavam sinceramente estar vendo uma parada militar”. Sobre o
caráter golpista da Proclamação da República, assim também se expressou Carvalho (2002, p.
80): “Além disso, o ato da Proclamação em si foi feito de surpresa e comandado pelos
militares que tinham entrado em contato com os conspiradores civis poucos dias antes da data
marcada para o início do movimento”.

O processo eleitoral (participação política) entre os eleitores durante os períodos


imperial e republicano foi insignificante. De 1822 até 1881 votavam apenas 13% da
população livre. Em 1881, privou-se o analfabeto de votar. De 1881 até 1930 – fim da
Primeira República –, os votantes não passavam de 5,6% da população. Foram 50 anos de
governo, imperial e republicano, sem povo.20

Assim, até o final da República Velha (1930), a participação política popular foi
restrita. Não havia propriamente um povo politicamente organizado, nem mesmo um
sentimento nacional consolidado. Os grandes acontecimentos na arena política eram
protagonizados pela elite, cabendo ao povo o papel de mero espectador, assistindo a tudo sem
entender muito bem o que se passava.21

20
Quanto à participação política dos brasileiros no processo eleitoral, tem-se os seguintes dados: em 1950 –
16%; 1960 – 18%; 1970 – 24%; 1986 – 47%; 1989 – 49%; 1998 – 51% (CARVALHO, 2000b, p. 17
21
Nos anos de 1920 a 1930, boa parte da intelectualidade, como Alberto Torres, Francisco Campos, Oliveira
Vianna e Azevedo Amaral, defendia o fortalecimento do Estado para fazer as mudanças sociais necessárias. Para
Alberto Torres (apud CARVALHO, 2002, p. 93), “a sociedade brasileira era desarticulada, não tinha centro de
referência, não tinha propósito comum. Cabia ao Estado organizá-la e fornecer-lhe esse propósito”.
29

2.3. Os Vícios das Instituições e da Cultura Política Brasileira

Outro aspecto da vida política brasileira que marcou não apenas o período colonial e
republicano, mas, de certa forma, a história política atual, está relacionado aos “males” ou
“vícios”, como o patrimonialismo, o coronelismo, o clientelismo 22, o populismo e o
personalismo das nossas instituições e lideranças políticas. Por exemplo, segundo DaMatta
(2000), o populismo está vivo, não apenas no Brasil, mas em toda a América Latina. As
lideranças políticas carregam consigo, além do personalismo, uma boa dose do elemento
messiânico, que tem suas longínquas raízes históricas no sebastianismo português. Vive-se
ainda na esperança de que algum “herói sagrado”, ou um “salvador da pátria”, desça do
Olimpo e resolva os problemas da população. Como afirma Ribeiro (2000, p. 66), as pessoas
carregam a “expectativa messiânica no surgimento de algum pai da pátria que as livrará do
desamparo”. É preciso parar de esperar por um milagre sobrenatural: “a questão brasileira é a
necessidade da laicização” (p. 80). DaMatta (2000, p. 104), igualmente, trata da esperança
messiânica da sociedade brasileira ao afirmar que “espera-se um salvador da pátria”23.

Depende-se sempre de um líder: “Já que somos incapazes de construir nossa


grandeza, quem sabe se um novo Dom Sebastião não o pode fazer por nós” (CARVALHO,
2000b, p. 24). O autor insiste na herança lusitana, que encontrou terreno fértil por estas
paragens para crescer e proliferar: o exemplo mais evidente foi, e continua sendo, a
promiscuidade entre o público e o privado. Assim, corrupção, clientelismo e patrimonialismo
parecem se perpetuar na terra brasilis.24

22
O tema do clientelismo e do personalismo também é discutido pelo antropólogo DaMatta (2000, p. 94), que
diz: “O Brasil, até hoje, combina clientelismo com liberalismo e personalismo com lealdade ideológica”.
Investigação de opinião realizada nos últimos 20 anos na América Latina tem mostrado que mais de 60% dos
eleitores, na hora de escolher seu candidato, levam em consideração muito mais a pessoa do candidato e não o
partido ao qual pertence (apud BAQUERO, 2004, p. 156).
23
Holanda, em Raízes do Brasil (2000), tratou, igualmente, das origens da sociedade e da cultura política
brasileira, vendo nelas a continuidade da herança das nações ibéricas (Espanha e Portugal), que priorizavam uma
cultura personalista (responsabilidade individual) na qual imperavam os vínculos pessoais nas relações sociais e
políticas, deixando os interesses coletivos em segundo plano. Buarque de Holanda tratou, ainda, da repulsa ao
trabalho, em que o ócio é mais importante do que o negócio. E da promiscuidade entre o público e o privado na
vida política do país.
24
“O Estado português delegou poderes da metrópole, preferiram manter a vinculação patrimonial a rebelar-se
[...]. O patrimonialismo também não sofreu contestação no momento da independência, graças à natureza do
processo de transição” (CARVALHO, 2000b, p. 24). Da mesma forma, para Faoro (2001), o patrimonialismo é
um dos principais eixos da cultura política brasileira. Com a instituição do capitalismo, surgiu um Estado de
natureza patrimonial, cuja estrutura estamental gerou uma elite dissociada da nação: o patronato político
brasileiro, que atua levando em conta os interesses particulares do estamento burocrático ou dos “donos do
poder”. O sistema patrimonial coloca os empregados em uma rede patriarcal na qual eles representam a extensão
da casa do soberano. Para Faoro , essa estrutura política e social tem permanecido na política brasileira desde o
A análise de Prado Júnior evidencia, da mesma forma, alguns vícios da política
brasileira, como o clientelismo e a dependência da metrópole.25

No período colonial, cerca de 60% da população ainda vivia no litoral, mas, aos
poucos, houve uma migração para o interior (ciclo da mineração); esta, porém, com a
decadência desse modelo econômico, volta-se para o litoral novamente. A economia, no
período colonial, era baseada na monocultura junto com o trabalho escravo. A Colônia devia
fornecer matéria-prima à metrópole, deixando a maioria da população brasileira com os
parcos excedentes. Quanto à organização social do Brasil, era constituída de escravos
(totalmente excluídos) e mulatos (com possibilidade de ascender socialmente por intermédio
da Igreja). Prado Júnior buscou explicitar, igualmente, a base material do Brasil, evidenciando
os pecados capitais do país: latifúndio, monocultura, afã fiscal da metrópole, trabalho
braçal/desqualificação e escravidão.

Na Evolução política do Brasil e outros Estudos, Prado Júnior (1993) tratou da


Colônia e do processo de ocupação da terra pelas capitanias. Para o autor, “um ensaio de
feudalismo que não deu certo”. No Império estimulou-se a agricultura e a pecuária, mas
acabou prevalecendo o clientelismo político com a doação de sesmarias. O clientelismo não
foi uma prática recorrente apenas do Brasil Colonial. Encontra-se tal vício em diferentes
momentos do cenário político, evidenciado, inclusive, nas últimas eleições gerais (2006). Esse
fenômeno é mais amplo e atravessa toda a história política do país. É um tipo de relação que
envolve a concessão de benefícios públicos entre atores políticos. O clientelismo aumentou
com o fim do coronelismo, quando a relação passa a ser diretamente entre políticos e setores
da população, sem a intermediação do coronel, que perdeu sua capacidade de controlar os
votos da população. Na vigência do coronelismo o controle do cargo público era visto como
importante instrumento de dominação e não como simples empreguismo. O emprego público
irá adquirir importância como fonte de renda nas relações clientelistas (CARVALHO, 1997).

A questão do coronelismo, outra característica da política brasileira, foi tratada por


Victor Nunes Leal, na obra Coronelismo, enxada e voto, publicada originalmente em 1948.
Na concepção de Leal (apud CARVALHO, 1997), o coronelismo é visto como um sistema

Estado Novo (BAQUERO, 2006).


25
Prado Júnior (1907-1990), em sua obra Formação do Brasil contemporâneo (1994), discorreu acerca do
povoamento do Brasil, do Tratado de Tordesilhas e do Tratado de Madri. No Norte, segundo o autor, prevaleceu
a cultura do cacau e da Companhia de Jesus; em São Paulo, o bandeirantismo. Refletiu ainda sobre a aliança
entre Espanha e Portugal.
31

político, uma complexa rede de relações que vai desde o coronel até o presidente da
República, envolvendo compromissos recíprocos. Leal se expressa da seguinte forma:

o que procurei examinar foi, sobretudo, o sistema. O coronel entrou na análise por
ser parte do sistema, mas o que mais me preocupava era o sistema, a estrutura e as
maneiras pelas quais as relações de poder se desenvolviam na Primeira República, a
partir do município (LEAL apud CARVALHO).

O autor tratou da relação entre o poder local e o poder nacional, na qual o


coronelismo estava inserido. Para ele, o coronelismo surge dentro de um contexto histórico
específico, incrustado na conjuntura política e econômica do Brasil no período da República
Velha (1889-1930). No âmbito político, cria-se o federalismo, que fora instituído em
substituição ao centralismo imperial. A partir do federalismo criou-se um novo ator político
com amplos poderes, o presidente de Estado. No âmbito econômico, segundo Leal, vivia-se a
decadência dos fazendeiros, que também é comentada por Carvalho:

Esta decadência acarretava enfraquecimento do poder político dos coronéis


em face de seus dependentes e rivais. A manutenção desse poder passava,
então, a exigir a presença do Estado, que expandia sua influência na
proporção em que diminuía a dos donos de terra. O coronelismo era fruto de
alteração na relação de forças entre os proprietários rurais e o governo e
significava o fortalecimento do poder do Estado antes que o predomínio do
coronel.26

Fica explícito, a partir das considerações de Leal, que o coronelismo foi um sistema
político nacional baseado na “troca de favores” entre o governo central e os detentores do
poder local. As relações entre o poder local (coronéis) e o governo podem ser descritas como
um caminho de mão dupla, ou seja, um necessitava do outro para sobreviver:

O governo estadual garantia, para baixo, o poder do coronel sobre seus


dependentes e seus rivais, sobretudo cedendo-lhe o controle dos cargos
públicos, desde o delegado de polícia até a professora primária. O coronel
hipoteca seu apoio ao governo, sobretudo na forma de votos. Para cima, os
governadores dão seu apoio ao presidente da República em troca do
reconhecimento deste seu domínio no Estado. O coronelismo é a fase de
processo mais longo de relacionamento entre os fazendeiros e o governo
(LEAL apud CARVALHO, 1997).

26
O artigo de Carvalho (1997) também encontra-se no site: <http://www.scielo.br/scielo>. Acesso em: 10 mar.
2005.
32

Leal (1975, p. 20-21) seguiu a definição de Basílio de Magalhães para explicar a


origem do conceito de coronelismo no Brasil:

o tratamento de “coronel” começou desde logo a ser dado pelos sertanejos a


todo e qualquer chefe político, a todo e qualquer potentado, até hoje recebem
popularmente o tratamento de “coronéis” os que têm em mãos o bastão de
comando da política edilícia ou os chefes de partidos de maior influência na
comuna, isto é, os mandões dos corrilhos de campanário.

Leal (1975) acredita que o mandonismo, o filhotismo, o falseamento do voto e a


desorganização dos serviços públicos locais sejam características próprias do coronelismo. Ao
coronel estão ligados o voto de cabresto e a capangagem.

Os trabalhadores rurais, desprovidos de qualquer estrutura que lhes possibilitasse


mudança de vida, eram dependentes do coronel:

completamente analfabeto, ou quase, sem assistência médica, não lendo jornais, nem
revistas, nas quais se limita a ver as figuras, o trabalhador rural, a não ser em casos
esporádicos, tem o patrão na conta de benfeitor. E é dele, na verdade, que recebe os
únicos favores que sua obscura existência conhece (p. 25).

A troca de favores era a essência do compromisso coronelista, que consistia em


apoiar os candidatos do oficialismo nas eleições estaduais e federais: “enquanto que, da parte
da situação estadual, vinha carta branca ao chefe local governista (de preferência o líder da
facção local majoritária) em todos os assuntos relativos ao município, inclusive na nomeação
de funcionários estaduais do lugar” (LEAL, 1975, p. 50).

Ao concluir esta seção, constata-se que muitos outros vícios permanecem na vida
política brasileira. São necessárias, além da participação dos setores organizados da sociedade
civil e do olhar crítico e imparcial da mídia, outras formas de controle e responsabilização dos
atos administrativos das pessoas que ocupam cargos públicos. Trata-se aqui de inserir o
conceito de accountability, “que quer dizer autoridades politicamente responsáveis,
autoridades que podem ser responsabilizadas pelos seus atos, que devem prestar contas dos
seus atos”. O accountability (controle democrático) pode ser vertical (relação governantes e
governados) e horizontal, quando poderes externos podem punir o próprio governo. Por meio
da autonomia dos poderes, autoridades estatais podem controlar o próprio poder,
33

empreendendo ações que vão desde o controle rotineiro até sanções legais ou inclusive
impeachment, conforme o caso.

2.4. Os Direitos Sociais Emergem Quando os Direitos Civis e Políticos Fenecem

A partir dos anos 20, inicia-se, paulatinamente, uma nova era na história política
nacional. Os tempos agora são outros, influências internas, como o processo crescente de
urbanização e industrialização, o aumento do operariado, a criação do Partido Comunista e a
Semana de Arte Moderna, bem como influências externas, como a crise da Bolsa de Valores
de Nova York, acabam modificando as relações econômicas e políticas no Brasil. Assim, na
década de 30, o Brasil vê emergir, gradativamente, os direitos sociais: “A partir desta data,
houve aceleração das mudanças sociais e políticas, a história começou a andar mais rápido”
(CARVALHO, 2002, p. 87), principalmente com a criação do Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio e a Consolidação das Leis Trabalhistas 27, em 1943. Fica evidente que, no
Brasil, os direitos sociais não foram conquistados, mas conseqüência de concessões de
governos centralizadores e autoritários. Os sindicatos foram atrelados ao Estado de aspiração
fascista. Em termos políticos tivemos retrocesso, pois, em 1937, Vargas instaura uma ditadura
apoiada pelos militares, instituindo o Estado Novo, que só termina em 1945. Após esse
período, o país passou pela primeira experiência democrática (1945 até 1964), tendo como
principal característica política o populismo e o nacionalismo.

Depois da breve experiência democrática, o Brasil entrou, do ponto de vista dos


direitos civis e políticos, nos anos mais sombrios da sua História, o da ditadura militar. Houve
perseguição, cassação dos direitos políticos, tortura e assassinatos das principais lideranças
políticas, sociais e religiosas. Os Atos Institucionais (AIs) deram a tônica do governo. O AI 1,
de 1964, cassou os direitos políticos. O AI 2, de 1965, aboliu a eleição direta para a
Presidência da República, dissolveu os partidos políticos criados a partir de 1945 e
estabeleceu um sistema bipartidário. Já o AI 5, de 1968, foi considerado o mais radical de
todos, o que mais fundo atingiu os direitos políticos e civis. O Congresso foi fechado,
passando o presidente, general Costa e Silva, a governar ditatorialmente. Foi suspenso o
habeas corpus para crimes contra a segurança nacional (CARVALHO, 2002), houve
cassações de mandatos, suspensão de direitos políticos de deputados e vereadores, além da
27
Diferentes autores que tratam do tema da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) são unânimes em afirmar
que essa legislação foi, em grande parte, copiada da “Carta del Lavoro”, adotada pelo regime fascista italiano.
34

demissão sumária de funcionários públicos, censura à imprensa e a instituição da pena de


morte por fuzilamento.

No que se refere aos direitos sociais, percebe-se que houve uma sensível melhora na
época dos militares. Foram criados o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), Fundo
de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
(FGTS), Banco Nacional de Habitação (BNH) e, em 1974, o Ministério da Previdência e
Assistência Social.

Aos poucos, porém, o período da ditadura militar dá sinais de esgotamento e os ares


de novos tempos começam a soprar no cenário político do Brasil. Depois da pressão política
da oposição, da opinião pública, de intelectuais, artistas e da população em geral, os militares
deixam o poder, de forma negociada, no ano de 1985. Novos partidos foram criados e a nova
Constituição Federal foi promulgada em 1988. Essa Constituição, apesar da resistência de
alguns setores conservadores da sociedade (como o “Centrão” – deputados que defendiam as
grandes propriedades rurais), foi considerada a mais liberal de todas. O presidente da
Constituinte, Ulisses Guimarães, na época a chamou de “Constituição Cidadã”.

Apesar dos avanços políticos, no entanto, os direitos civis e sociais são deficientes
desde 1985. Há precariedade na questão da segurança e no acesso à Justiça, além das altas
taxas de homicídios: “A taxa nacional de homicídios por 100 mil habitantes passou de 13 em
1980 para 23 em 1995, quando é de 8,2 nos Estados Unidos” (p. 212). O Judiciário não
cumpre seu papel: além da morosidade nos trâmites e decisões, há, também, um número
reduzido de defensores públicos.

Deu-se, no Brasil, diferentemente de outros países, a lógica inversa: primeiro os


direitos sociais, depois os políticos e civis, como argumenta Carvalho (p. 220):

Aqui primeiro vieram os direitos sociais, implantados em período de


supressão dos direitos políticos e de redução dos direitos civis por um
ditador que se tornou popular. Depois vieram os direitos políticos, de
maneira também bizarra. A maior expansão do direito do voto deu-se em
outro período ditatorial, em que os órgãos de representação política foram
transformados em peça decorativa do regime.
35

Além disso, os direitos civis continuam inacessíveis: “Finalmente, ainda hoje muitos
direitos civis, a base da seqüência de Marshall, continuam inacessíveis à maioria da
população. A pirâmide dos direitos foi colocada de cabeça para baixo” (p. 220).28

2.5. Síntese sobe o Estado e a Sociedade no Brasil

- no Brasil o Estado vem antes da nação (o Estado funda a nação);

- nasce o Estado antes da sociedade civil;

- O Estado agiu com força violenta e opressão desde o início (caça aos índios e a
escravidão);

- o Estado no Brasil surgiu como vontade impositiva da coroa portuguesa em seu


processo de expansão mercantil;

- um Estado moldado pelo “estamento patrimonialista”;

- patrimonialismo (apropriação do público pelo privado);

- um Estado privatizado pelos que detém o poder;

- cidadania restrita e regulada;

- antes dos anos 30: modo de produção semi-feudal – latifúndio;

- Brasil, após os anos 30: ruptura, marco fundador da sociedade burguesa (anti-
latifúndio e antiimperialista); imbricação Estado e Sociedade;

- Brasil adotou uma matriz de desenvolvimento dependente do capital multinacional.

Estado Colonial

- “descobrimento” e colonização (extração das riquezas naturais foi a tônica da


administração política portuguesa - Metrópole);

- na questão social: preponderante a marca da violência e o desrespeito ao homem;

28
No entendimento de Carvalho, a ordem de institucionalização clássica dos direitos de cidadania com base em
Marshall (civis, políticos e sociais) não obedeceu à mesma lógica seqüencial no Brasil.
36

- caráter parasitário – herança da metrópole portuguesa (tradição ibérica) – estamento


burocrático – patrimonial (FAORO)

República Velha (1890-1930)

- hegemonia das oligarquias rurais (discurso liberal com práticas conservadoras);

- política café-com-leite;

- coronelismo: O coronelismo é uma forma de relação de dominação que atua no


reduzido cenário do governo loca; seu habitat são os municípios do interior, o que equivale a
dizer os municípios rurais (Victor Nunes Leal: Coronelismo enxada e voto) ;

- voto a descoberto;

- corrupção eleitoral;

- violência contra a oposição política;

- baixa participação eleitoral (o número de votantes somente atingiu mais de 5% da


população em 1930, e somente superou a marca de 10% em 1945) definia a política nacional
como uma política baseada nas Oligarquias estaduais.

Revolução de 1930-45 (A Era Vargas) - antecedentes (década de 20)

- novos movimentos políticos e artísticos;

- fundação do PC, em 1922;

- tenentismo (Coluna Prestes – uma certa elite procurou fazer a revolução);

- Semana de Arte Moderna: “descobrir” o Brasil;

- crescimento do mercado interno; migração européia;

- urbanização;

- aumento da imigração;

- aumento dos estabelecimentos industriais;


37

- aumento do número de operários

- aumento do número de servidores públicos;

- transformações, mudança de perfil na sociedade e na economia.

Movimentos e acontecimentos políticos da época

- Fundação da Ação Integralista Brasileira (AIB) em 1932 por Plínio Salgado –


conotação fascista (partido de direita);

- Revolução Constitucionalista de 1932: São Paulo se levanta contra Vargas;

- Fundação da Aliança Nacional Libertadora por L.C. Prestes, em 1934;

- Fundação da USP (Universidade Federal de São Paulo);

- 1935: levante comunista (ANL);

- 1938: levante integralista.

A Revolução (1930)

- “Façamos a revolução antes que o povo a faça” slogan de Antônio Carlos em 1930;

- as massas populares permanecem o parceiro-fantasma no jogo político;

- estado varguista (autocrático e desenvolvimentista);

- State Building: centralização política administrativa;

- não houve modificações fundamentais na infra-estrutura econômica (não foi uma


revolução social);

- governo Vargas marcado pelo populismo: É a exaltação do poder público, é o próprio


Estado colocando-se através do líder, em contato direto com os indivíduos reunidos na massa;

- Vargas o “pai dos pobres”, mas, “mãe dos ricos”;

- ruptura com o Estado oligárquico: início do Estado burguês;

- re-ordenamento das elites;


38

- Estado autoritário (pensamento conservador). Não é possível construir um Estado


liberal se a sociedade não é liberal. Por isso a necessidade do Estado (a sociedade precisa ser
tutelada pela centralização política e administrativa);

- sociedade insolidária (Oliveira Vianna);

- país fragmentado, atomizado, amorfo e inorgânico;

- Estado regulador;

- Estado nacional desenvolvimentista (interventor);

- o movimento sindical será atrelado ao Estado;

- conquistas sociais (CLT);

- pouca participação popular;

- a redescoberta do Brasil;

- a construção do Estado e a emergência da sociedade e de suas transformações


(desenvolvimento e democracia).

Estado Novo (1937)

- Carta Outorgada de Vargas (Estado Novo). Manteve as mesmas diretrizes


nacionalistas e intervencionistas do Estado;

- 1943 (CLT): O Estado “doará” uma legislação trabalhista para os cidadãos

- 1945: Vargas deposto.

1945-1964

- 1946: surge o PSD – UDN – PTB e PCB;

- 1945-50: política econômica governamental servia aos interesses das empresas


privadas nacionais e estrangeira;

- 1954: suicídio de Vargas;


39

- 1955: Juscelino Kubitschek: criação de indústria automobilística, construção de


Brasília, meta desenvolver o país 50 anos em 5, industrialização via capital estrangeiro;

- 1946-1960: crise política e econômica, inflação, redução de investimentos,


diminuição de capital externo;

- João Goulart: Reformas de Base;

- 1962-63: greves operárias, invasões de propriedades agrárias, insubordinação nas


forças armadas;

- a classe dominante dá a resposta: se a democracia ameaça o poder, elimina-se a


democracia.

Ditadura Militar (1964-1985)

- organização das elites;

- as intensificações do autoritarismo AI-2 em 1965 (supressão do multipartidarismo e


criou-se o bipartidarismo: Arena e MDB, eleições indiretas, as perdas dos direitos políticos
dos opositores ao regime, intervencionismo federal e segurança nacional) e o AI-5 em 13 de
dezembro de 1968;

- 1964-70: tendência internacionalista na política econômica governamental

- economia aquecida de 1970-73: média de 12% no período. Sentimento positivo com


a vitória da seleção brasileira de futebol no México em 1970;

- eleições de 1974: vitória expressiva da oposição (MDB) nas eleições majoritárias,


em 16 Estados. A oposição elegia 16 dos 22 senadores e 160 dos 364 deputados;

- 1975: torturas, morte do jornalista Vladimir Herzog (DOI-CODI);

- forças políticas do Regime:

a) os sorbonistas (força político-ideológica mais qualificada para dirigir a coalizão


golpista de 1964, integrando maciçamente o governo de Castello Branco). A direção política
do Estado ficou com os sorbonistas. Os sorbonistas remontam à Revolução de 32 (resistência
à Vargas e o Estado Novo, à aliança com os Estados Unidos na frente antifascista da Segunda
40

Guerra). Oriundos da UDN, porta-vozes do pensamento liberal, opunham-se ao socialismo em


geral e aos movimentos populares;

b) os nacionalistas de direita. davam apoio aos oficiais de linha dura;

c) a linha dura;

d) a linha burocrática.

Presidentes militares: - Castello Branco; Costa e Silva; Garastazú Médici.

Ernesto Geisel (1974-79)

- liberalização (abertura), democratização;

- eleições de 1974: a oposição se fortalece no congresso;

- 1975-77: o governo dá uma guinada à direita;

- 1978: o tema da liberalização ganha força.

João Batista Figueiredo

- início da transição propriamente dita;

- Bomba Rio-Centro;

- Eleições de 1982;

- Diretas Já.

1985-1990

- processo de democratização;

- 1984: Diretas Já (Democratização);


41

- estreito relacionamento entre sociedade política e sociedade civil;

- uma passagem sem rupturas;

- 1985: morte de Tancredo;

- José Sarney: antigo presidente da Arena;

- 1986: vitória esmagadora do PMDB (Constituinte e nos governos estaduais) .

1990-2000 (Era FHC)

- ajuste estrutural do estado;

- neoliberalismo;

- privatizações.

2002- 2010 (Era Lula)

- re-aparelhamento do Estado;

- políticas sociais.

O sistema partidário brasileiro

- sistema político brasileiro: federativo na forma e no conteúdo;

- a República (Constituição de 1891) consagrou o princípio do Federalismo.

Participação eleitoral

- nas eleições de 1933 e 1934 os eleitores inscritos representavam apenas 5% da


população. Em 1950, 22% da população.
42

Principais partidos políticos do Brasil

1945-64: apenas 6 partidos Nacionais (PCB, PSD, PTB, UDN, PSP, PR);

PCB: Partido Comunista Brasileiro (1922) (mais alinhado à esquerda e vinculado ao


proletariado urbano. Em 1947 , cai na ilegalidade;

PSD: representava o situacionismo da época da ditadura (partido de elite - fortes nas


zonas rurais – pró Vargas);

PTB: fundado sobre um esquema sindical montado por Vargas (áreas urbanas -
industriais), partido populista;

UDN: proprietários/aproveitando-se do latifúndio, oposição a Vargas (partido


conservador de elite), líder: Carlos Lacerda, depois Jânio Quadros;

PSP: Ademar de Barros (partido populista);

PR: (partido conservador).

Os intérpretes do Brasil

- Visconde do Uruguay, Silvio Romero, Joaquim Nabuco, Ruy Barbosa, Euclides da


Cunha;

- Alberto Torres, Azevedo Amaral, Francisco Campos, Oliveira Vianna:


pensamento autoritário nacionalista, pró Vargas, argumentavam que o Estado seria
responsável pela emancipação da sociedade brasileira.

- Gilberto Freyre: Casa Grande e Senzala (1933): “o negro está em todos nós”. Sem
o negro não teria havido nem havia Brasil (p. 26).

- Sérgio Buarque de Holanda: Raízes do Brasil (1936): origem ibérica (Portugal) do


Brasil. Os portugueses não haviam se organizado de forma coesa e solidária. A aspiração de
43

cada pessoa era de bastar-se a si própria (individualismo exacerbado...). Todos queriam ser
barões, o desprezo pelo esforço manual, pelo trabalho. Para Holanda (2000), o português era
aventureiro e criativo. Aceitava riscos e ignorava obstáculos... Incapaz do trabalho
sistemático, lento e seguro. Queria enricar depressa e voltar o mais rápido possível para sua
terra. A sua moral era a aventura e não trabalho. Confusão entre o público e o privado. O
compadrio tornou-se norma, bem como a total ausência de solidariedade e responsabilidade
fora dos laços de família.

- Caio Prado Junior: Evolução política do Brasil (1933); Formação do Brasil


Contemporâneo (1942). O Brasil surgirá como parte da expansão mercantil do nascente
capitalismo europeu. O país fundar-se-á de fora para dentro, para fornecer açúcar e bens
tropicais.

- Raymundo Faoro: Os donos do poder (1958): Patrimonialismo; estudou as técnicas


de mandonismo e as astúcias de perpetuação hegemônica (1972).

- Florestan Fernandes: O negro no mundo dos brancos. O passado escravista com


toda a sua violência não nos dissera adeus. O negro à margem do corpo social e a ter de
render-se aos valores do branco para em seu universo, a duras penas, ingressa o negro no
mundo dos brancos... Eram também cidadãos de segunda, o índio, os mestiços e o branco
encardido, porque pobre.

- Celso Furtado: Formação econômica do Brasil (1959). O que se produzia era fruto
de decisões externas. Não se criava mercados para os produtos do país. Tudo era regido de
fora...

- Darcy Ribeiro: O povo brasileiro (1955). O brasileiro é, antes de mais nada um


mestiço.

- Roberto DaMatta. Carnavais, malandros e heróis (1979). Chama a atenção para o


gosto dos brasileiros por paradas militares, desfiles de escola de samba e as procissões.
44

Atividades

Dissertar sobre a frase de Antonio Carlos Ribeiro de Andrada sobre a questão da organização
e participação popular no Brasil e o contra-ataque das elites: “façamos a revolução antes que o
povo as faça”.
UNIDADE 3 – A REFORMA DO ESTADO NO BRASIL

Esta Unidade 3 tem como objetivo discutir aspectos ligados à reforma do estado no
Brasil. Trata, inicialmente da questão do Neoliberalismo, suas origens (primeira seção) para,
logo a seguir, discutir sua revisão a partir do Consenso de Washington (segunda seção), a
implementação e conseqüências das políticas neoliberais no Brasil (terceira e quarta seções)
para, no final, tratar da crise desse modelo.

3.1 As origens do neoliberalismo

Nas palavras de Anderson (1995, p. 9-23), o neoliberalismo nasceu logo depois da II


Guerra Mundial, nas regiões da Europa e da América do Norte, onde imperava o capitalismo. Foi
uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de Bem-Estar Social
(Welfare State). Como pressuposto básico do neoliberalismo, o livro de Friedrich Hayek, O
Caminho da Servidão, escrito em 1944, que trata-se de um ataque apaixonado contra qualquer
limitação dos mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciados como uma ameaça letal
à liberdade, não somente econômica, mas também política.

Sobre a difusão do neoliberalismo, Anderson (1995, p.10) aponta para a chegada da


grande crise do modelo econômico do pós-guerra, em 1973 (pós-Vietnã), quando todo o mundo
capitalista avançado caiu numa longa e profunda recessão, combinando, pela primeira vez,
baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação, que favoreceram as mudanças. A partir
daí as idéias neoliberais passaram a ganhar terreno. As raízes da crise, pressupostos do
fortalecimento neoliberal, estavam localizadas no poder excessivo e nefasto dos sindicatos e, de
maneira mais geral, do movimento operário, que havia corroído as bases de acumulação
capitalista com sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos
sociais.

Esses dois processos inflacionários, argumenta Anderson (1995, p.11), não podiam
deixar de terminar numa crise generalizada das economias de mercado: “o remédio, então, era
claro: manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no
controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas”.29

A hegemonia do modelo neoliberal durou cerca de dez anos. A partir da segunda metade
da década de 70, começa a se formar a teia neoliberal. A primeira experiência da implantação das
reformas neoliberais aplica-se ao Chile (1975), sob a ditadura de Pinochet. O neoliberalismo
chileno pressupunha a abolição da democracia e a instalação de uma das mais cruéis ditaduras
militares do pós-guerra. Contudo, seria arriscado concluir que somente regimes autoritários
podem impor com êxito políticas neoliberais na América Latina. Na Bolívia, todos os governos
eleitos depois de 1985, tanto de Paz Zamora, quanto de Sanchez Losada, continuaram com a
mesma linha.

Em 1979, na Inglaterra, foi eleito o governo Thatcher, o primeiro governo de um país de


capitalismo avançado publicamente empenhado em pôr em prática o programa neoliberal. Um
ano depois, em 1980, Reagan chegou à Presidência dos Estados Unidos. Em 1982, Khol derrotou
o regime social-liberal de Helmut Schmidt, na Alemanha. Em 1983, a Dinamarca, Estado modelo
do Bem-Estar escandinavo, caiu sob o controle de uma coalizão clara de direita, o governo de
Schluter. Tais governos contraíram a emissão monetária, elevaram as taxas de juros, baixaram
drasticamente os impostos sobre os rendimentos altos, aboliram controles sobre os fluxos
financeiros, criaram níveis de emprego massivos, aplastaram greves, impuseram uma nova
legislação anti-sindical e cortaram gastos sociais.30

Nos Estados Unidos, a primeira prioridade do Presidente Reagan foi reduzir o déficit
orçamentário, e a segunda, foi adotar uma legislação draconiana e repressiva contra a
delinqüência, lema principal também da nova liderança trabalhista na Inglaterra.

A teorização do neoliberalismo desencadeou reformas nos Estados capitalistas. A queda


do comunismo na Europa oriental e na União Soviética, de 89 a 91, ocorreu exatamente no
momento em que os limites do neoliberalismo no próprio Ocidente tornavam-se cada vez mais
óbvios. Pois a vitória do Ocidente na Guerra Fria, com o colapso de seu adversário comunista,
não foi o triunfo de qualquer capitalismo, mas do tipo específico liderado e simbolizado por
Reagan e Thatcher nos anos 80. O impacto do triunfo neoliberal no leste europeu tardou a ser

29
Nem tão “parcos” foram os recursos dados pelo Estado nas intervenções econômicas. Foram, no entanto, bilhões
de dólares dados pelo Estado para que o mercado pudesse manter-se.
30
Perry Anderson argumenta que, na Europa, na década de 80, uma direita vitoriosa passou à ofensiva. Diz
Anderson: “No mundo anglo-saxônico, os regimes Reagan e Thatcher, depois de anularem o movimento operário,
fizeram recuar a regulamentação e a redistribuição”. Da experiência da Grã-Bretanha, outros países da Europa
adotaram políticas semelhantes: “a privatização do setor público, os cortes dos gastos sociais e altos níveis de
desemprego criaram um novo padrão de desenvolvimento neoliberal, por fim adotado tanto por partidos de esquerda
como de direita” (ANDERSON, 1995, p.107-108).
47

sentido em outras partes do globo, mas não tardou a chegar na América Latina, que hoje em dia
se converte na terceira grande cena de experimentações neoliberais, embora, em seu conjunto, as
reformas neoliberais tenham chegado antes mesmo dos países da Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da antiga União Soviética, com privatizações,
desemprego massivo, genealogicamente esse continente foi testemunha da primeira experiência
neoliberal sistemática do mundo.

Mas, no final das contas, todas estas medidas haviam sido concebidas como meios para
alcançar um fim histórico, ou seja, a reanimação do capitalismo avançado mundial, restaurando
taxas altas de crescimento estáveis, como existiam antes da crise dos anos 70. Nesse aspecto, no
entanto, o quadro mostrou-se absolutamente decepcionante. Tudo o que podemos dizer é que o
neoliberalismo se constitui num movimento ideológico, em escala verdadeiramente mundial,
como o capitalismo jamais havia produzido no passado. Trata-se de um corpo de doutrina
coerente, autoconsciente, militante, lucidamente decidido a transformar todo o mundo à sua
imagem, em sua ambição estrutural e sua extensão internacional. Eis aí algo muito mais parecido
ao movimento comunista de ontem do que o liberalismo eclético e distendido do século passado.

A aplicabilidade das políticas neoliberais trouxe consigo conseqüências desastrosas


para a economia dos referidos Estados. Mas foi nas políticas públicas e sociais que mais se
evidenciou retrocesso, principalmente nas questões do emprego, saúde, moradia e educação. O
empobrecimento deu-se entre os países ex-socialistas (Rússia, principalmente) e países de
economia emergente (países latino-americanos). A Argentina é um triste exemplo de um país que
aplicou as teorias neoliberais em sua íntegra. Desde o governo do presidente Menem (dois
mandatos) até De La Rúa, a Argentina desregulamentou a economia, passou por um sério
processo de privatizações, empresas multinacionais instalaram-se no país, além de vivenciar a
ilusão monetária da equiparação cambial (peso = dólar), o que agravou ainda mais a situação
econômica do país trazendo conseqüências sociais em larga escala.

O índice de pobreza mais acentuado foi registrado nas províncias do Norte do país, com
um recorde de 71% em Corrientes, onde foram denunciados casos de crianças que se alimentam
com terra. Há famílias que estão vivendo na escuridão (em decorrência dos altos custos da
energia pós-privatizações), o abastecimento energético para muitas delas retrocedeu para a época
do abastecimento a carvão e querosene. Outras fontes ainda informam a existência de famílias
pobres que se alimentam de cães e gatos (FRANCE PRESSE).
48

3.2 O Consenso de Washington: revisão do neoliberalismo

Inicialmente, é preciso explicar que o Consenso de Washington não foi nenhuma


conspiração político-econômica ou trama diabólica do Fundo Monetário Internacional (FMI),
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco Internacional para a Reconstrução e o
Desenvolvimento (BIRD), nem do governo americano para aplicar nos países da América Latina.
A síntese das idéias que circulavam pelos bastidores das instituições internacionais e no governo
norte-americano foi elaborada pelo economista John Williamson, em reunião na cidade de
Washington no ano de 1989. Essa reunião ficou conhecida como Consenso de Washington, a
qual tinha como objetivo discutir as reformas necessárias para a América Latina.

Quais seriam os acordos que o economista percebia? Williamson afirmou na época: “Eu
dividiria o que sinto, pressinto e leio como um grande consenso em três planos”:

O primeiro plano é de ordem macroeconômica. Há um acordo completo entre todas as


agências econômicas de que todos os países periféricos devem ser convencidos a aplicar um
programa em que lhes é requerido um rigoroso esforço de equilíbrio fiscal, austeridade fiscal ao
máximo, que passa, inevitavelmente, por um programa de reformas administrativas,
previdenciárias e fiscais, além de um corte violento no gasto público. Esses países devem fazer
políticas monetárias rigidíssimas, porque a prioridade número um é a estabilização, sendo que a
política fiscal tem que ser submetida à política monetária.

O segundo plano visa apresentar propostas e reformas de ordem microeconômica: é


preciso desonerar fiscalmente o capital, para que ele possa aumentar a sua competitividade no
mercado internacional, desregulado e aberto. Então, o único caminho de as pequenas empresas
situadas nos países da periferia entrarem nesse jogo seria por aumento de competitividade, o que
passaria por desoneração fiscal, flexibilização dos mercados de trabalho, diminuição da carga
social com os trabalhadores, diminuição dos salários.

A terceira ordem de coisas que o Consenso propunha era: nada disso será possível se
não houver o desmonte radical do modelo anterior (Estado interventor) que houve nesses
continentes, um modelo perverso, que, segundo o pensamento do Consenso, funcionou mal, e
que o modelo de importação de industrialização por substituição de importações foi um conceito
pessimamente usado. Em síntese, as propostas do Consenso de Washington eram de que os
Estados latino-americanos passassem por profundas reformas estruturais, também chamadas de
reformas institucionais. A primeira era a desregulamentação de alguns setores, sobretudo o
financeiro e o do trabalho. E essa já foi feita em quase todos os países da América Latina; a outra
49

proposta era a da privatização, de preferência selvagem; a terceira, da abertura comercial; e a


quarta, a da garantia do direito de propriedade, sobretudo na zona de fronteira, isto é, nos
serviços, propriedade intelectual, etc.31

Sempre estudamos o Estado, na sua concepção moderna, como uma instituição criada a
partir de uma convenção da sociedade com o objetivo de garantir a segurança, a propriedade, a
vida (direitos naturais), isto é, uma instituição capaz de assegurar o Bem-Estar a todos os
cidadãos. Os teóricos neoliberais, contrários ao Estado-social, apregoam que o Estado tem
apenas uma função: garantir, através de seu aparato, o livre mercado. Estas idéias já foram
defendidas pelo liberalismo clássico do século 17, mas o Estado neoliberal tem um diferencial: o
descompromisso com as questões sociais, afetando a saúde, educação, infra-estrutura, segurança
e a política previdenciária da coletividade.

3.3 A implantação do neoliberalismo no Brasil

As políticas neoliberais globalizantes começaram, no Brasil, no início dos anos 90,


ainda com o presidente Collor de Melo que, de uma maneira surpreendente, deu início às
reformas de Estado. Começaram, neste período, a desregulamentação econômica, a abertura do
mercado e a planificação da economia (tentativa de diminuir a inflação galopante). Ocorrem,
neste período, igualmente, as tratativas iniciais com as instituições internacionais, principalmente
o FMI.

As reformas do Estado no governo Collor não foram bem-sucedidas. Nem mesmo a


própria elite empresarial estava preparada para tais mudanças, muito menos a elite política do
Brasil, que se mostrou um tanto insegura com os rumos que as reformas do Estado, promovidas
por Collor e sua equipe, poderiam desencadear. Foi nesse contexto que o governo Collor viu-se
enredado em situações ilícitas, em que processos e acusações de corrupção começaram a
acumular. A mídia brasileira, a mesma que apostou no governo Collor e o promoveu, teve que,
aos poucos, deserdar o “caçador de marajás” e cair na realidade, mostrando as imagens das
numerosas e grandiosas mobilizações sociais, provindas de todos os setores da sociedade civil.
Collor de Melo não tinha nenhuma base política, a não ser o seu frágil partido, o PRN (Partido
da Renovação Nacional), e, talvez, essa tenha sido uma das razões para o processo de
impeachment que acabou sofrendo. Collor foi julgado e condenado, tendo que deixar,

31
Conferir, igualmente, a explanação de Portella Filho (1994, p. 107-124).
50

melancolicamente, seu governo marcado mais por excentricidades, bloqueio da poupança da


população e pela corrupção do que propriamente pela reforma do Estado que se propusera a
fazer. Itamar Franco, vice de Collor, assumiu a Presidência da República do Brasil, com um
governo mais voltado para as políticas internas: as negociações com o FMI dão uma trégua e as
reformas do Estado cessam por um curto período.

Ainda no governo Itamar Franco, assume o Ministério das Relações Exteriores, o então
senador Fernando Henrique Cardoso (FHC), um cargo que sempre estivera em seus planos. As
tratativas com as instituições internacionais (FMI e Banco Mundial) recomeçam. Logo após,
FHC passa a ser Ministro da Fazenda e institui, junto com uma equipe de técnicos, um plano
econômico (Plano Real) capaz de frear a inflação e restabelecer a volta do crescimento
econômico. Tais políticas significam a volta do programa de reforma de Estado iniciada por
Collor e interrompida por Itamar Franco.

É importante mencionar que FHC e seu partido, o Partido da Social Democracia


Brasileira (PSDB), partem do princípio de que o Estado deve se “modernizar”. “Modernização”
do Estado significa um Estado mais ágil, menos “truculento”, “moroso” e “burocratizado”. Para
isso, a grande propaganda ideológica para que se efetivasse o processo das privatizações das
empresas estatais brasileiras. FHC sempre foi um velho admirador da “modernização” do Estado
que Collor de Mello havia feito.

A implantação do real veio no dia 31 de julho de 1994 (junto com a Copa do Mundo de
futebol).32 Até o fim do ano a moeda valorizou-se: no final do mesmo ano, FHC ganhou as
eleições às custas da ficção do Plano Real. A mão estendida de FHC pré-anunciava as suas
principais metas: saúde, educação, moradia, agricultura e segurança.

O Plano econômico, chamado, no Brasil, de “Plano Real”, fazia parte de uma


sistemática política global mais abrangente. A idéia de planificação econômica foi criada pelas
instituições financeiras do Primeiro Mundo, numa tentativa de conter a elevada inflação das
economias emergentes, como no caso do Chile, México, Argentina, Brasil e outros mais. Disso
advém o proselitismo do presidente Fernando Henrique Cardoso, ao afirmar: “Dá gosto ver que
hoje nós somos um país respeitado. E o ponto inicial para que houvesse uma volta desse respeito
foi a nossa capacidade de vencer a hiper-inflação e de manter a democracia, a nossa capacidade
de negociar para poder avançar. Isso mostra que somos um país realmente amadurecido”.

32
Essa data marca o início formal do Plano Real, a partir do anúncio de um programa de ajuste fiscal e de suas duas
fases seguintes, quais sejam: a criação de uma quase moeda (a URV) em março de 1994 e, quatro meses depois, isto
é, a partir de 1º de julho a sua transformação em uma nova moeda: o real.
51

Durante o período do Plano Real (equiparação cambial: 1 real chegando a valer mais
que 1 dólar), a elite brasileira, literalmente, foi às nuvens. A euforia do Plano Real levou a
burguesia e boa parte da classe média brasileira a consumir, de maneira nunca vista, inclusive
fretando aviões particulares para fazer compras em Miami (EUA). Do outro lado, o povão comia
frango a “um pila o quilo”, de sobremesa iogurte, colocava dentadura nova e fazia compras no
Paraguai... Eis algumas propagandas oficiais de FHC durante boa parte do Plano Real.

A partir de então, o processo de “modernização” do Estado se intensifica:


desregulamentação econômica, abertura de mercado e privatizações. Outra marca do governo
FHC foi o abuso das medidas provisórias (mais de 5 mil medidas). 33 Isso significa um governo
de ditadura civil, pois nem mesmo os ditadores militares (anos 64-85) intervieram tanto na
Constituição como FHC. Algumas Medidas Provisórias foram famosas, como é o caso da MP
para o processo de privatização e a MP para a vergonhosa e corrupta emenda da reeleição.

Muitos teóricos apregoam que o governo de FHC apenas serviu aos interesses das
corporações internacionais, outros o chamam de "embaixador" do Banco Mundial e do FMI.
No entanto, sob a acusação de exercer um governo neoliberal, FHC reage num tom sarcástico:
“Neoliberal é um conceito de quem não tem imaginação. De quem não vê a realidade. É
cópia. É mimetismo”. O Brasil, segundo o ex-presidente, não se encaixa neste módulo,
porque vive de problemas peculiares que devem ser resolvidos, não pelo Estado
patrimonialista, nem clientelista.

É importante afirmar que as reformas neoliberais implementadas pelos dois mandatos


de FHC não trouxeram os avanços econômicos e sociais desejados por toda a sua equipe de
governo, frustrando, assim, boa parcela da população brasileira.

As reformas dos Estados Nacionais da América Latina, em conseqüência das políticas


do Consenso de Washington, implicaram a adoção de programas de ajustes estruturais, como as
reformas Administrativa e Previdenciária, que exigiram um rigoroso esforço de equilíbrio fiscal
(austeridade fiscal ao máximo), as privatizações, a redefinição do papel do Estado na economia,
causaram, ao contrário do que os defensores de tais políticas alardeavam, recessão econômica,
ingresso do capital externo, desemprego, aumento do trabalho informal, conflitos sociais, crise
de modelos políticos tradicionais, flexibilização dos direitos trabalhistas, precariedade e, ainda, o
desmonte dos sistemas de seguridade social, de saúde e de educação.

33
O governo de FHC promulgou, até setembro de 2001, 5.299 MPs, ou seja, 3 por dia útil. Problema semelhante de
centralidade do Executivo assolava o Judiciário, como mostrava nomeação do próprio Advogado Geral da União
para o Supremo Tribunal Federal, ou, na Procuradoria Geral da União, onde os processos do Ministério Público
eram “engavetados” FONTE: CNBB, análise de conjuntura do mês de agosto de 2002. Disponível em
<http://www.cnbb.org.br/estudos/conj200208.doc>, acesso em agosto de 2002.
52

No Brasil, as políticas de reestruturação do Estado deram-se em meados dos anos 90. A


principal delas foi a chamada Reforma Administrativa, também conhecida como Reforma
Bresser Pereira (Bresser foi Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado no governo
FHC).

Bresser Pereira (2002), em artigo publicado na Folha de São Paulo, reclamava da crise
de confiança que a economia brasileira estava sendo vítima nos últimos meses. Para isso, usou
exemplos de presidentes de bancos centrais e diretores de câmbio - dos anos 70 - que
“controlavam a entrada de capitais e defendiam o interesse nacional”. Bresser lembrou,
igualmente, o artigo de Elio Gaspari, “a inconformidade do presidente Arthur Bernardes (1923)
com a crise a que os credores externos estavam, então, levando ao Brasil e com as chantagens
que o país sofria frente ao cenário internacional”. Bresser concluiu que, infelizmente, o governo
brasileiro era impotente frente ao cenário econômico internacional.

Talvez por isso Bresser Pereira lamente-se de que sua Reforma Administrativa não
tenha dado resultados. Diz ele: “cumprimos uma parte desse programa, mas, em vez de
reconstruir financeiramente o Estado, endividamo-lo ainda mais”. Em relação ao processo de
privatização, Bresser também reclama: “em vez de privatizarmos apenas setores competitivos,
privatizamos também monopólios naturais”. No Brasil, houve a “flexibilização” do mercado e a
multiplicação da dívida: “em vez de controlar a entrada de capitais e reduzir a dívida externa,
ampliamo-la; ao invés de mantermos um câmbio relativamente desvalorizado, como fizeram
todos os países que iniciavam seu desenvolvimento, deixamos que a entrada de capitais
valorizasse nossa moeda e aumentasse artificialmente salários e consumo”. Seguimos, de
joelhos, as normas das instituições internacionais: “E tudo, nos anos 90, com o apoio do FMI, do
Banco Mundial e dos mercados financeiros internacionais”, concluiu Bresser.

Dentre as principais conseqüências das políticas neoliberais aplicadas em nosso país,


destaca-se o alto índice do desemprego.34

Outra conseqüência das políticas neoliberais foi o avanço das multinacionais, nos países
periféricos, ou seja, uma abertura completa destes ao mercado internacional fez aparecer as
empresas multinacionais, invasoras de seus espaços geográficos, subsidiadas com empréstimos
ou isenções de impostos a determinados períodos (que vão de 15 a 20 anos), sem contar ainda
com o apoio financeiro que exigem receber sob pena de se retirarem urgentemente de um país e
instalar-se em outro lugar.

34
Delfim Neto informou que a população economicamente ativa (aqueles que estão dispostos, podem trabalhar e
estão procurando emprego) cresceu qualquer coisa parecida com 11 milhões de pessoas (74,1 milhões de pessoas em
1995 e cerca de 84,9 milhões em 2002) In. http://www.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1809200207.htm
53

A privatização das companhias estatais, como as dos setores de transporte, saúde,


educação, energia e comunicações, defendendo o livre comércio internacional e os grandes
investimentos financeiros e especulativos. Em certo sentido, os Estados nacionais não têm mais
soberania. O governo brasileiro sempre se manteve favorável às privatizações que pagariam uma
parte substancial da dívida interna, o que possibilitaria os investimentos não mais conseguidos
pelos estados.

O Brasil privatizou mais de 70% das empresas administradas pelo Estado. Um exemplo
foi a Vale do Rio Doce, que contraiu empréstimos milionários para participar da compra de
empresas. As ex-estatais ajudam a aumentar a importação e contribuem para o déficit comercial.
Também se soma a isto empresas privadas controladas por estrangeiros, do que resultam mais
lucros e mais importações. A inundação dos importados e os altos juros levaram várias empresas
ao fechamento, à redução da jornada de trabalho ou a reduções salariais, para não fecharem as
suas portas. Isto acarretou forte desemprego, e uma grande inadimplência, pois o consumo era
realizado a crediário. O país recebeu investimentos do capital estrangeiro em aquisições
patrimoniais, e não onde fundamentalmente necessitava de que ocorressem investimentos (no
setor industrial e, principalmente, na agricultura) para se ter crescimento econômico.

Um dos argumentos pró-privatizações era a urgente e necessária venda das empresas


estatais para sanar o problema da dívida pública. Pois bem, é sempre bom não esquecer que,
desde 1995, as privatizações alcançaram R$ 70 bi. No mesmo período, a dívida pública saltou de
R$ 62 bi para R$ 530 bi, sem contar que o Estado brasileiro bancou 21% das privatizações, isto
é, o setor público foi responsável por US$ 13,285 bilhões dos US$ 62,564 bilhões obtidos desde
1991 com privatizações de empresas federais e estaduais. A participação estatal (21,2% do total)
equivale a quatro vezes o arrecadado com o leilão da Vale do Rio Doce (US$ 3,3 bilhões). A
conta não incluiu investimentos da Vale antes de sua venda nem os recursos apurados com
concessões novas para telefonia celular (banda B) e fixa (empresas-espelho). O BNDES, a
principal fonte de recursos estatais, para privatizações, entrou com US$ 6,041 bilhões, em
operações de financiamento direto, na compra de títulos das empresas vendidas ou na compra
direta de participação acionária. Já os fundos de pensão de funcionários de estatais responderam
por 9,5%, ou US$ 5,974 bilhões. O Banco do Brasil, por sua vez, gastou US$ 1,27 bilhão em três
operações de privatização.

As tarifas públicas e os preços administrados subiram: aliás, as tarifas públicas e preços


administrados foram os que mais subiram na era FHC. Todos os maiores reajustes desde a
estabilidade da moeda, sem exceção, foram de tarifas ou preços controlados. Apenas um
54

exemplo: de julho de 1994 (início do Plano Real) a junho de 2002, o gás de cozinha teve
aumento record no ranking dos produtos: o preço do gás subiu 472,16% (FONTE: IBGE), e já
comprometia 12,56% do valor do salário mínimo de R$ 200. Depois do gás, aparecem altas do
aluguel (382%), telefone fixo (381,07%), energia elétrica (227,26%) e ônibus urbano (250,22%).
A gasolina, um dos itens de maior peso na inflação oficial, havia subido 211,23%.35

Em decorrência de tais políticas, aumentou a exclusão social no Brasil. O número de


pobres aumentou assustadoramente. Aparentemente houve a planificação econômica e a queda
da inflação; porém, de nada adianta a contenção da inflação, se, em termos econômicos, ocorre a
estagnação e a recessão. O crescimento do país permaneceu em torno de 2% ao ano, quando
deveria alcançar os 5%. Embora as contas ajustadas, o saldo positivo na balança financeira e a
estabilidade econômica, houve aumento do desemprego e a situação dos mais pobres piorou a
cada dia.

Uma das máximas, constantes de muitos dogmas do neoliberalismo, é a de que se


devem maximizar os lucros e minimizar as despesas. Dá-se, para tanto, um exemplo de como
está a distribuição de renda no âmbito mundial e no Brasil. Atualmente, 45% dos trabalhadores
têm carteira assinada no Brasil e outros 55% sobrevivem da economia informal, conforme dados
do próprio Ministério do Trabalho.

Segundo dados oficiais, cerca de 80% da população brasileira vivem com até 3 salários
mínimos. O Brasil está colocado entre as dez primeiras potências econômicas do mundo
ocidental; por outro lado, os indicadores sociais se aproximam dos países com menor
desenvolvimento do mundo afro-asiático. Para 65% da população brasileira, faltam as condições
básicas de sobrevivência, como saúde, alimentação, moradia, transporte, educação, lazer e
vestuário. Já os 10% mais ricos têm acesso a quase 50% da renda da população, sendo que os 5%
mais ricos detêm 35% da riqueza.

Desde as suas origens o capitalismo tem passado por constantes crises. Por vezes
pregava-se o livre mercado (não-intervenção do Estado na economia), noutras ocasiões pedia-se
a sua intervenção, vide a crise de 1929. Para salvar o sistema econômico da época, o Estado
intervencionista, de inspiração keynesiana, foi acionado. Nos anos 70, no entanto, este modelo
entrou novamente em crise. A partir daquela década, um novo ciclo se constitui: a volta do livre
mercado (liberalização financeira) e da não-intervenção do Estado, sustentado a partir das teorias
de Hayek e Friedman. Este modelo foi denominado de neoliberal.

35
Dados referentes a 2002.
55

A teoria neoliberal defendia a volta dos princípios do liberalismo clássico do século 18,
do laissez-faire (livre mercado), além de reformas estruturais propostas por instituições
internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Fazia parte
deste programa de reestruturação (ajustes), as reformas administrativa e previdenciária, que
exigiram um rigoroso esforço de equilíbrio fiscal, além da redefinição do papel do Estado na
economia (desregulamentação econômica). Por desregulamentação econômica entendia-se a
tentativa de reduzir o tamanho do Estado, quebrar a coluna dos sindicatos, cortar os gastos
sociais, liberar o mercado financeiro e abrir as comportas para o livre fluxo de bens e serviços.

Ao contrário do que seus defensores alardeavam, as políticas neoliberais trouxeram


recessão econômica, ingresso do capital externo, desemprego, aumento do trabalho informal,
conflitos sociais, flexibilização dos direitos trabalhistas, precariedade e, ao mesmo tempo, o
desmonte dos sistemas de seguridade social, saúde e educação.

As práticas neoliberais não fracassam apenas nas questões sociais. Sustentado em bases
um tanto frágeis, economia virtual e especulativa (capitalismo de cassino), o modelo neoliberal
tem enfrentado, novamente, uma crise sem precedentes, uma das maiores do capitalismo em
âmbito global dos últimos tempos. A crise atual decorre exatamente no mercado financeiro
(defendido pelos liberais como o único guardião e salvador do mundo). O mercado financeiro fez
empréstimos ruins, diz Stiglitz (ex-chefe do Banco Mundial), como no caso da bolha imobiliária
norte-americana, quando foram feitos empréstimos com base em preços inflados. Esses
empréstimos não podem ser pagos neste momento.

Agora, com a crise do livre mercado, o Estado é chamado a intervir novamente. É o


pêndulo do relógio que, mais uma vez se movimenta, a sinalizar que mais um ciclo do
capitalismo chega ao fim.

O epicentro da crise atual começou nos Estados Unidos da América, tendo na crise de
confiança no sistema a razão principal. A origem está no deslocamento do capital produtivo para
o capital especulativo: muita gente querendo ganhar manipulando dinheiro; uma embriaguez de
enriquecimento sem trabalho. Vive-se especulando em qual Bolsa de Valores é possível aplicar e
obter bons lucros. Outro aspecto diz respeito à busca escandalosa por recompensas econômicas
excessivas até a especulação arriscada.

Na ótica neoliberal o impensável aconteceu: o Estado deixou de ser “invisível” para


voltar a ser a “visível” (intervindo diretamente na economia). Em outras palavras, a intervenção
do Estado tem sido a regra e não a exceção por muitas décadas. Em todo o mundo, desde o início
56

da crise, já foram gastos bilhões de dólares para socorrer empresas falidas: antes, os lucros eram
privatizados, agora, as despesas estão sendo socializadas.

Finalizando constatamos que a crise atual não é o colapso derradeiro do capitalismo, mas
sim o fim de um ciclo sob a fachada neoliberal (articulação entre mercado, Estado e sociedade).
Mais do que nunca o Estado se faz presente. Aliás, como sempre, o Estado cumpre sua função
básica: a de manter o sistema funcionando.

REFERÊNCIAS PARA APROFUNDAR O TEMA DESTE CAPÍTULO

a) Perry Anderson. Balanço do neoliberalismo. In: Sader, Emir. & Gentili, Pablo. (Orgs.). Pós-

neoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático. São Paulo: paz e terra, 1995. o

capítulo de Perry Anderson mencionado é uma importante referência para entender as origens do

neoliberalismo no mundo.

b) Luiz Carlos Bresser Pereira. "A reforma do estado nos anos 90: lógica e mecanismos de

controle". In: Lua Nova, 45, São Paulo: Cedec, 1998, p.49-96.

c) ler os artigos de Paul Krugman, crítico do neoliberalismo, ganhador do prêmio nobel de

economia 2008. Krugman foi premiado por seus trabalhos sobre comércio internacional que o

levaram a projetar uma "nova geografia econômica" e uma "nova teoria do comércio".

EXERCÍCIOS DE APOIO PARA ESTE CAPÍTULO

1. Faça um relato da crise do capitalismo atual (trace um paralelo entre o Estado


intervencionista keynesiano e o de livre mercado).

2. Explique o que foi o Consenso de Washington e as conseqüências de tais políticas


para o Brasil.

3. Apresente aspectos positivos e negativos da Globalização.


Unidade 4 – Vicissitudes da política brasileira pós 88

Ao avaliar a trajetória da política brasileira, percebe-se que a classe dirigente (classe


política) sempre esteve ligada aos interesses da elite econômica, ou, em outras palavras, a classe
política sempre foi a classe econômica dominante.

Desde a “Independência” do Brasil, a família real defendeu os interesses dos


latifundiários (amigos do Rei). Na República não foi diferente: os oligarcas (política dos
coronéis) revezavam-se no poder no intuito de preservar os interesses dos produtores de café
(São Paulo) e leite (Minas Gerais). Logo após entrou em cena o populismo de Vargas (1930-
1945), destinado “pai dos pobres” por atender às necessidades emergenciais das classes
populares, mas cabe lembrar que não deixou de atender à classe poderosa (burguesia industrial),
sendo, portanto, “mãe dos ricos”. Vargas fez um governo populista sem jamais modificar as
estruturas econômicas, que se mantêm intactas até hoje. De 1964 a 1985, com o “Golpe
Democrático”, a elite militar governou o país de forma centralizadora e autoritária. Nesse
período o desenvolvimento econômico brasileiro deu-se com o investimento externo, avanço das
multinacionais e, conseqüentemente, um grande endividamento perante as instituições
internacionais.

Com a “abertura democrática” José Sarney assumiu o governo e, aos poucos, viu-se o
retorno da política das oligarquias, principalmente com a ampla distribuição de canais de rádio e
TV para a formação de um ambiente eletrônico visual e auditivo de tipo oligárquico. Após o
governo Sarney o Brasil conheceu a experiência “modernizadora” do governo Collor, que
prometeu inserir o Brasil no cenário mundial da globalização. A aventura durou pouco, as
reformas do Estado brasileiro foram “abortadas” e Collor sofreu o impeachment. As reformas
neoliberais voltaram nos dois mandatos do governo de FHC (representante das classes médias
ilustradas) e, com seu partido burguês (PSDB), o Brasil passou por profundas transformações em
seu modelo político-econômico.

Muitos países latino-americanos foram afetados pelas reformas neoliberais estruturadas


a partir das políticas do Consenso de Washington. No Brasil, o ônus econômico e social desse
modelo foi altíssimo: baixo crescimento econômico (2,3% na média); desemprego (atingindo
mais de 11 milhões de trabalhadores); dívidas interna e externa astronômicas; concentração de
renda e violência difusa.
58

Com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais (2002),
teoricamente rompia-se a trajetória do poder econômico na direção do comando político. O
currículo do candidato vencedor se diferenciava dos presidentes anteriores: Lula trazia na
bagagem a herança de um retirante nordestino, metalúrgico que se tornou líder sindical até entrar
para a cena política, como deputado federal e líder de um dos maiores partidos do país.
Questiona-se, entretanto: com a vitória do PT em 2002, as mudanças tão esperadas e propagadas
pelo candidato Lula realmente se concretizaram? O governo Lula não seria uma mera
continuidade das políticas do governo FHC (nos níveis econômico e social)? O governo Lula
tem beneficiado quais classes sociais? Governa com o mercado ou com os movimentos sociais?

Esta unidade final tem como objetivo analisar de forma ampla a questão das eleições e
do desempenho partidário no Brasil no período de 2002 a 2008. Assim, a unidade está dividida
em quatro seções específicas: a primeira discute as eleições gerais 2002 quando Lula e o PT
saem vitoriosos; a segunda analisa o desempenho partidário a partir das eleições municipais de
2004; a terceira seção aborda as eleições gerais de 2006, quando o presidente Lula obtém a
reeleição; e a quarta e última seção analisa o desempenho partidário das eleições municipais de
2008.

4.1. Eleições gerais 2002: Lula e o PT vitoriosos

Depois de três tentativas consecutivas de chegar à Presidência da República (1989,


1994 e 1998), o candidato petista Luiz Inácio Lula da Silva venceu em dois turnos as eleições
2002. Lula recebeu 52.793.364 (61,27% dos votos válidos) contra 33.370.739 (38,73% dos votos
válidos) votos recebidos pelo candidato oponente José Serra, do PSDB.36

Algumas razões podem ter influenciado na vitória petista. A primeira diz respeito à
mudança programática do PT (Partido dos Trabalhadores) que, com o passar do tempo, foi
modificando gradativamente sua ideologia e seu discurso: das propostas socialistas de
transformação social (luta de classe) para práticas reformistas, passando da esquerda do espectro
político para o centro, na tentativa de se aproximar do eleitor mediano (eleitor de centro). A
mudança gradativa do discurso do PT está intimamente ligada à evolução positiva do resultado
das urnas. Foi possível perceber a mudança programática do PT desde as eleições presidenciais
de 1994, com o abandono das principais bandeiras e diretrizes outrora defendidas.

36
Números referentes ao segundo turno.
59

O Gráfico 1 mostra a evolução da votação petista de 1989 a 2006. No primeiro turno de


1989, o partido obteve 11,6 milhões de votos, ou 16,1% do total dos votos válidos; em 1994,
17,1 milhões de votos (22%), em 1998, 21,4 milhões de votos (25,8,7%), em 2002, 39,4 milhões
de votos (46,5%).

Gráfico 1

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral

O próprio presidente reconheceu a sua mudança e a mudança do programa do partido,


quando fez alianças políticas para vencer as eleições: “Eu perdi três eleições, e cada eleição que
eu perdia, perdia por 15%. Chegou um dia em que alguém me convenceu de que eu não
precisava mais ficar fazendo discurso para agradar ao PT, que eu não precisava mais ficar
fazendo discurso para agradar aos 30% ou 35% que eu tive em todas as eleições. Era preciso que
eu me preparasse para ter do meu lado os 15% que faltavam. E eu me preparei e ganhei a
eleição”.37

A segunda razão está relacionada à “morte da política” (fim das ideologias) e ao


fortalecimento do marketing político: hoje “vende-se um candidato como se vende um produto
qualquer”, candidato é uma “boa mercadoria”. Presenciamos, assim, à “morte do debate político”
construtivo, dos programas e das ideologias partidárias, com o embate político dedendo lugar ao
espaço midiático, à projeção da imagem do candidato (o terno, a barba, o discurso pronto).
37
Entrevista do presidente Lula no dia 15 de maio de 2007. O Estado de S. Paulo, 16-5-2007. Disponível em
http://www.unisinos.br/_ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=7172. Acesso em: 16-
maio 2007.
60

A terceira diz respeito à conjuntura político-econômica desfavorável herdada da era


FHC, que acabou favorecendo o candidato Lula da Silva. A vitória de Lula deu-se pelo
esgotamento das políticas neoliberais de FHC. A pouca transparência (corrupção) do processo de
privatizações e da MP da reeleição desencadeou um pensamento de desconfiança na sociedade,
embora a mídia tenha compactuado com o governo no sentido de silenciar sobre esses fatos junto
a opinião pública. O desemprego, o agravamento da concentração de renda e o empobrecimento
da classe média nos 8 anos de governo de FHC produziram um desejo de mudança no eleitorado
brasileiro.

A quarta razão está ligada à questão das alianças do PT. Com o objetivo de vencer as
eleições, o PT desconsiderou alianças do tipo programáticas e ideológicas e procurou fazer
pactos do tipo “vale-tudo”, como o acordo com o PL e PTB, por exemplo. Além das alianças, o
PT buscou a aproximação com setores conservadores da sociedade, como os empresários e
banqueiros.

Por fim, houve a “Carta aos Brasileiros”, escrita no dia 22/6/2002. O momento de
instabilidade política que antecedeu as eleições 2002 refletiu-se diretamente na economia do
país, fazendo com que o risco Brasil (percepção externa dos investidores) alcançasse percentuais
recordes de 1.770 pontos. Com o objetivo de “acalmar” o mercado, o então candidato Lula,
juntamente com seu partido, elaborou a chamada “Carta aos Brasileiros” em que, em resumo,
comprometia-se em pagar os juros da dívida externa e o cumprimento dos contratos. Esta “carta”
foi rebatizada por alguns analistas políticos de “Carta aos Banqueiros”, exatamente por
beneficiar mais essa classe do que a população como um todo. Estas foram algumas razões que
deram a Lula a expressiva vitória, com 52.793.364 (mais de 61% dos votos válidos).

Avaliando o primeiro mandato

A vitória de Lula nas eleições presidenciais em 2002 trouxe entusiasmo e alegria a


milhões de brasileiros: “Finalmente, a esperança venceu o medo”. Os primeiros cem dias do
governo Lula foram festivos, não faltaram discursos e “showmícios”, que expressavam bem o
clima de “lua-de-mel” entre o novo presidente e a população. Com o passar do tempo, no
entanto, o entusiasmo e as expectativas com o novo governo foram diminuindo e a frustração
não tardou a chegar.
61

A composição ministerial

Com a vitória da Frente Popular nas eleições 2002, foi sendo montado o governo de
transição e, junto dele, cogitados os possíveis nomes para o futuro Ministério, tudo com o devido
cuidado para não assustar o “mercado”. O PT entregou a presidência do Banco Central para o
deputado federal Henrique Meirelles (PSDB), ex-administrador máximo do Bank of Boston,
segundo maior credor do Brasil. No mesmo sentido, contrariando boa parte da esquerda do PT, o
governo Lula reafirmou a proposta de conceder autonomia administrativa ao Banco Central,
medida exigida pelo capital financeiro internacional. O Ministério da Fazenda foi para o médico
Antônio Palocci, que administrou a prefeitura de Ribeirão Preto, onde pôs em prática medidas
neoliberais, como a privatização do serviço telefônico da cidade. Os demais Ministérios foram
entregues aos partidos que apoiaram a Frente Popular no segundo turno, como o PPS, PL, PDT,
PTB, além de pessoas ligadas ao empresariado brasileiro.

A mudança programática se confirmou

Com o passar do tempo, na prática, o governo Lula não demonstrava claramente qual
era o projeto de desenvolvimento para o Brasil. O que ainda não parecia claro, no início, era a
guinada extraordinária das doutrinas originárias do Partido dos Trabalhadores para o centro, a
partir da “Carta aos Brasileiros”. Aos poucos a retórica socialista foi sendo abandonada e passou-
se a seguir um programa similar ao defendido anteriormente pelo ex-presidente FHC, isto é, o
modelo liberal-desenvolvimentista. No início o PT trazia, em seu programa, o anseio por
mudanças e a proposta de ruptura com o sistema econômico vigente. As idéias socialistas e o
sonho da revolução (luta de classe) permeavam as mentes mais ousadas. Aos poucos, porém,
tudo foi mudando...

No mês de dezembro de 2001 a linha oficial do PT ainda defendia a ruptura radical com
o modelo existente. Durante o XII Encontro Nacional do PT, realizado em Recife, foi aprovado o
documento “Ruptura Necessária”, que defendia o rompimento com o FMI: “Será necessário
denunciar do ponto de vista político e jurídico o acordo atual com o FMI, para liberar a política
econômica das restrições impostas ao crescimento...”. Anunciava também o rompimento com o
modelo econômico herdado após 8 anos de governo FHC: “A implementação de nosso governo
(...) representará uma ruptura com o atual modelo econômico, fundado na abertura e na
62

desregulação radicais da economia nacional e na conseqüente subordinação de sua dinâmica aos


interesses e humores do capital financeiro globalizado...”. Logo após a aprovação do referido
documento, o que se constatou foi exatamente o contrário do que se defendia. Logo veio o
comprometimento do PT junto ao FMI, com o cumprimento dos contratos, o pagamento das
dívidas e a promessa de manutenção do modelo econômico anterior.

Comprometimento com as instituições financeiras internacionais

No início, quando Lula discursava para dezenas de milhares de delegados,


representantes de boa parte da esquerda mundial reunida no Fórum Social Mundial (edição 2003)
de Porto Alegre/RS, jamais se imaginava que seu governo já houvesse aderido às reformas
macroeconômicas propostas por Wall Street e pelo FMI. Como argumenta o economista Michel
Chossudovsky: “Enquanto era abraçada em coro por movimentos progressistas de todo o mundo,
a administração de Lula estava a ser aplaudida pelos principais protagonistas do modelo
neoliberal”. Na época o entusiasmo do diretor do FMI, Heinrich Koeller, em relação ao governo
Lula, expressava esse sentimento: “Sou entusiasta; mas é melhor dizer que estou profundamente
impressionado pelo presidente Lula, na verdade e em particular, porque penso que ele tem a
credibilidade que muitas vezes falta um pouco a outros líderes, e a credibilidade está em que é
sério para trabalhar afincadamente a fim de combinar política orientada para o crescimento com
eqüidade social”.

Por outro lado, nos últimos anos jamais o sistema financeiro lucrou tanto na história do
país. Os lucros exorbitantes do sistema bancário (dados atuais de 2008) são exemplos do que é
prioridade no atual governo.

Ano Período Lucro


Banco
Unibanco Primeiro Semestre de 2008 R$ 756 milhões
Itaú Primeiro Semestre de 2008 R$ 2,041 bilhões
Bradesco Primeiro Semestre de 2008 R$ 4,1 bilhões
Santander Banespa Primeiro Semestre de 2008 R$ 830 milhões

Quadro 1: Lucro dos principais bancos instalados no país (2008 – Primeiro Semestre)

Fonte: Federação dos Empregados em Estabelecimentos Bancários no Estado do Paraná: “Especial Lucro dos
Bancos”. Disponível em http://www.feebpr.org.br/lucroban.htm

Avanços e retrocessos
63

Por um lado, obteve-se, nos últimos anos, alguns avanços significativos na depuração
da política brasileira; por outro, persistem ainda a impunidade e muitas CPIs terminaram,
literalmente, em pizza. Dentre os avanços podemos citar, por exemplo, a demissão de altos
funcionários de empresas estatais; José Genoíno, presidente do PT, foi deposto; José Dirceu, o
homem mais poderoso do governo Lula, foi cassado; Palocci, o homem forte da economia, foi
demitido; o ministro Gushiken, que era o terceiro mais importante do governo, encolheu a ponto
de não se ouvir mais falar nele; desvendou-se o “valerioduto”, que irrigava contas e campanhas
eleitorais desde 1998; e publicitário do governo, Duda Mendonça, foi flagrado com contas
milionárias no exterior. A absolvição do deputado Brant (PFL) e do professor Luizinho (PT), no
entanto, após o “acordão” entre os referidos partidos, faz retroceder o processo democrático e a
certeza da impunidade volta a pairar no cenário político brasileiro.38

Como retrocesso constata-se ainda a vigência de práticas patrimonialistas, clientelistas,


populistas e personalistas na cultura política atual (desde a esfera nacional até a municipal). Estes
atos políticos pouco cívicos, juntamente com o abuso do poder por meio de Medidas Provisórias,
além da prática do “troca-troca” partidário (migração partidária) contribuem para que as
instituições políticas sejam vistas cada vez com mais descrédito e desconfiança pela maioria da
população.

4.2. As eleições municipais de 2004

Esta seção tem como objetivo extrair dos resultados das eleições municipais de 2004
alguns elementos para análise. Dentre eles, a clara visualização de que o PT e o PSDB saem
fortalecidos e o PMDB e o PFL vêem declinar sua participação política no cenário nacional.
Apesar dos resultados finais apontarem para a vitória do PT em âmbito nacional (valor
quantitativo), o partido foi derrotado na sua principal vitrine administrativa, Porto Alegre, após 4
eleições vitoriosas no Executivo municipal. A derrota do PT pode ser atribuída a uma espécie de
julgamento do governo Lula? Isto é, os eleitores teriam punido o partido pelo não-cumprimento
das expectativas projetadas desde a conquista da Presidência da República por um partido
considerado de esquerda? Estas e outras questões esta seção pretende discutir.

38
José Genoíno e Palocci conseguiram eleger-se deputados federais em 2006.
64

A seção apresenta, inicialmente, os resultados do primeiro turno das eleições, que já


evidenciavam, a supremacia de alguns partidos: PT, PSDB, PMDB e PFL. Na parte 2, a seção
passa a discutir os resultados do segundo turno, quando se evidencia que o êxito obtido pelo PT
no primeiro turno não o acompanhou no segundo. A supremacia no segundo turno foi do PSDB.
Na parte 3, a seção discute o cenário pós-eleitoral gaúcho. No âmbito estadual ainda repercute a
derrota petista nas três maiores cidades do Estado: Caxias do Sul, Pelotas e Porto Alegre. No
controle político dos demais municípios, a supremacia continua sendo do PMDB e PP, que se
alternam no comando das prefeituras. O PDT e o PPS foram os partidos que mais cresceram
proporcionalmente no número de prefeituras em 2004.

Primeiro turno: PT e PSDB saem na frente

Após o encerramento da contagem dos votos no 1º turno das eleições municipais de


2004, algumas conclusões já eram visíveis. A primeira delas dizia respeito, em âmbito nacional,
a uma concentração em número dos votos válidos obtidos por alguns partidos, dentre eles o PT,
PSDB, PMDB e PFL.39 Juntos, esses partidos receberam 6 de cada 10 votos válidos apurados no
país. A segunda relaciona-se ao crescimento e à disputa entre dois grandes partidos, o PT e o
PSDB, disputa já evidenciada nas últimas eleições presidenciais de 1994, 1998 e 2002.

Analisando os números finais do resultado já no 1º turno, percebeu-se o expressivo


crescimento do PT, que obteve 16,3 milhões de votos (17,17% dos votos válidos). Na
comparação percentual feita em relação às eleições municipais de 2000, o PT aumentou sua
votação em 37,7% – havia obtido então 11,9 milhões de votos. Para o PSDB, o avanço em
relação às eleições de 2000 também foi significativo, embora um pouco menor, passando de 13,5
para 15,7 milhões (16,5% dos votos válidos). Depois deles seguiram:

 PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), com 14,2 milhões de


votos;

 PFL (Partido da Frente Liberal), 11,2 milhões;

 PP (Partido Progressista), 6,1 milhões;

 PDT (Partido Democrático Trabalhista), 5,5 milhões;

 PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), 5,2 milhões;

 PL (Partido Liberal), 5,0 milhões;


39
O PFL – Partido da Frente Liberal – passou a se chamar DEM (Democratas) em 2007.
65

 PPS (Partido Popular Socialista), 4,9 milhões

 PSB (Partido Socialista Brasileiro), 4,4 milhões de votos.

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral.

Vitórias eleitorais nos municípios e capitais (1º turno)

Já no primeiro turno o PT ganhou a prefeitura de 6 capitais de Estados e elegeu 400


prefeitos em todo o país (um aumento de 114% em relação às eleições de quatro anos antes). Em
Belo Horizonte (MG), o prefeito petista Fernando Pimentel foi reeleito com 68,5% dos votos; da
mesma forma, em Recife (PE), João Paulo foi reeleito com 56% dos votos. O PT também venceu
em Aracaju (SE), Macapá (AP), Palmas (TO) e Rio Branco (AC).

Em termos nacionais, o PT foi o partido que mais votos recebeu para prefeito nos 5.562
municípios brasileiros. Embora estivesse longe de conquistar o maior número de administrações,
é preciso registrar que o PT foi, dentre as grandes agremiações, a que mais cresceu nesse quesito,
quando comparado ao total de cidades em que vencera no pleito anterior. Já PMDB, PSDB, PFL
e PP, que seguiam numericamente à frente da legenda governista, diminuíram sua participação
em relação a 2000. O PTB obteve um pequeno aumento. Da mesma forma, PPS, PSB, PL e PDT
cresceram nas urnas com o pleito anterior.

O PMDB foi o partido que conquistou o maior número de prefeituras e cadeiras nos
Legislativos municipais, conforme levantamento divulgado pelo Tribunal Superior Eleitoral
(TSE). Mesmo assim, o partido encolheu. Ao todo foram eleitos 1.045 prefeitos peemedebistas
no primeiro turno, contra 1.257 em 2000. O segundo colocado foi o PSDB, que elegeu 859
prefeitos em 2004 e 990 em 2002. Em terceiro lugar ficou o PFL, com 785 prefeitos.

Segundo turno: resultados gerais no Brasil

O PT foi o partido que mais conquistou prefeituras nas 43 cidades em que houve
eleições no 2º turno. Das 23 prefeituras em que concorreu, conquistou 11, com 48% de
aproveitamento. O PSDB concorria em 20 municípios e venceu em 9 (45%); o PMDB venceu
em 6 cidades das 12 em que disputou (50%); o PDT disputava 7 cidades e venceu em 5 (66,6%);
o PPS venceu em 4 cidades das 5 em que disputou (80%); o PSB disputou em 5 municípios e
66

venceu em 4 (80%); o PTB disputou em 3 municípios e venceu em 2 (66,6%); o PSDC ganhou


em 1 município, e o PFL disputou em 5 municípios e não ganhou em nenhum.

Apesar de o PSDB eleger 119 prefeitos a menos em relação às eleições de 2000, o


partido obteve melhor êxito nos grandes centros urbanos. O PSDB governou 871 cidades que
abrigam 25,617 milhões de eleitores, o equivalente a 21,4% do país. Na época o PT elegeu
prefeitos em 411 municípios, com 17,055 milhões de eleitores (14,2%). No total, os tucanos
governaram 8,56 milhões de eleitores a mais que o PT. Em terceiro, o PMDB governou 1.057
cidades, com 16,890 milhões de eleitores (14,1%).

A Tabela 1 elenca algumas siglas partidárias que tiveram o número de prefeituras


reduzido em 2004 em comparação com as eleições de 2000. Os partidos que aumentaram o
número de prefeituras foram o PTB, PT, PL, PPS, PDT, PSB, PV e PCdoB.

Tabela 1: Número de prefeitos eleitos, por partido

Evolução ColocaçãPartido 2000 2004 Diferen Percent


o ça ual
Negativa 1º PMDB 1.257 1.057 -200 -16%
Negativa 2º PSDB 990 871 -119 -12%
Negativa 3º PFL 1.028 790 -238 -23%
Negativa 4º PP 618 552 -66 -10%
Positiva 5º PTB 398 425 +27 +6%
Positiva 6º PT 187 411 +224 +120%
Positiva 7º PL 234 381 +147 +62%
Positiva 8º PPS 166 306 +140 +84%
Positiva 9º PDT 288 305 +17 +6%
Positiva 10º PSB 133 176 +43 +32%
Positiva 11º PV 13 56 +43 +330%
Positiva 12º PCdoB 1 10 +9 +900%
Outros 246 222 -24 -10%
Total 5.559 5.562 +3
Fonte: Tabela elaborada a partir dos resultados oficiais (TSE).

Vitória do PSDB

O crescimento eleitoral do PT obtido no primeiro turno de 2004 não se repetiu no


segundo, mais precisamente nas grandes cidades das regiões Sul e Sudeste do país e nas capitais
onde os petistas amargaram as maiores derrotas: Porto Alegre, Curitiba e São Paulo. No mais
importante centro político e financeiro do país, São Paulo, o PT perdeu a prefeitura para o PSDB.
A candidata à reeleição Marta Suplicy fez, no primeiro turno, 35,8% dos votos e seu opositor,
José Serra, obteve 43,5%, uma diferença de 7,7 pontos percentuais pró-Serra. No segundo turno,
67

depois de uma dura disputa entre os candidatos, José Serra confirmou sua vitória com 3.330.179
votos (54,86%) contra 2.740.152 de Marta Suplicy (45,14%), uma diferença de 9,72% dos votos
válidos.

No segundo turno as dificuldades da candidata petista em São Paulo foram imensas,


pois contou apenas com o apoio do PSB (Partido Socialista Brasileiro), que somou 3,96% dos
votos no primeiro turno, e do PP (Partido Progressista), de Paulo Maluf, que somou 11,91%.
Pelos resultados finais comprovou-se que o voto dos socialistas e malufistas não migraram na
totalidade para a candidata petista.

Depois da derrota sofrida no segundo turno das eleições presidenciais de 2002 para Luiz
Inácio Lula da Silva (61,27% contra 38,73% dos votos), poucos apostavam no futuro político de
José Serra. Com a vitória em São Paulo, além de derrotar a administração petista de Marta
Suplicy (vitrine do PT) e conquistar o maior colégio eleitoral e a maior cidade do país, José Serra
tornou-se uma das principais lideranças do PSDB no Brasil.

Há um consenso, entre os analistas políticos, de que o PT e o PSDB foram os grandes


vencedores das eleições municipais de 2004, na medida em que passaram a governar 14 das 26
capitais a partir de 2005, três a mais do que na gestão anterior. O balanço final, porém, teve
significados políticos diferenciados para ambos: a vitória petista foi organizacional, na medida
em que os votos recebidos vieram de todas as partes do Brasil. Os candidatos petistas obtiveram
êxito nos grotões, cidades médias e nas capitais do Norte-Nordeste, mas o partido acabou
perdendo o domínio de grandes centros urbanos para o PSDB, que, por sua vez, passou a
governar o maior número de eleitores a partir de 2005. No que se refere à conquista de
prefeituras, o PT mais do que dobrou o número, passando de 187 (em 2000) para um total de 411
nas eleições de 2004 (já inclusas as 11 cidades conquistadas no 2º turno). Outro dado importante
diz respeito ao número total de votos: pela primeira vez o PT foi o partido mais votado numa
eleição municipal, tanto no primeiro quanto no segundo turno.

Governando as capitais: hegemonia do PT e do PSDB

O PT concorreu em nove capitais no 2º turno das eleições 2004, mas venceu em apenas
três. No total o PT passou a administrar 9 capitais a partir de 2005. Nestas o partido obteve,
igualmente, o maior número de votos (6,9 milhões), no entanto o partido do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva perdeu suas duas capitais mais estratégicas, São Paulo (SP) e Porto Alegre
68

(RS).40 O PSDB conquistou cinco capitais: São Paulo (SP), Curitiba (PR), Cuiabá (MT),
Florianópolis (SC) e Teresina (PI), somando 6,3 milhões de votos no segundo turno. O PDT
obteve uma vitória importante em Salvador (BA), onde derrotou o candidato do pefelista
Antônio Carlos Magalhães. Os pedetistas ganharam, ainda, as prefeituras de Maceió (AL) e São
Luís (MA). Outro partido que conquistou três capitais foi o PSB: João Pessoa (PB), Natal (RN) e
Manaus (AM).

Outro partido tradicional que amargou maus resultados foi o PFL, que elegeu apenas
Cesar Maia à prefeitura do Rio de Janeiro (RJ) e perdeu em seu reduto mais importante, Salvador
(BA). O PTB conquistou a prefeitura de Belém (PA). Já o PPS acabou com 16 anos de mandato
petista na prefeitura de Porto Alegre (RS), elegendo o ex-senador José Fogaça, e também o
prefeito de Boa Vista (RR).

Tabela 2: Número de capitais conquistadas por partido (2000 e 2004)


Evolução ColocaçãPartido 2000 2004 Diferenç
o a
Positiva 1º PT 8 9 +1
Positiva 2º PSDB 3 5 +2
Positiva 3º PSB 2 3 +1
Positiva 4º PDT 2 3 +1
Manteve 5º PPS 2 2 0
Manteve 5º PMDB 2 2 0
Positiva 6º PTB 0 1 +1
Negativa 6º PFL 3 1 -2
Negativa 7º PL 3 0 -3
7º PP 1 0 -1
Negativa
TOTAL 26 26
Fonte: Tabela elaborada a partir dos resultados oficiais (TSE).

O controle político nas maiores cidades

Analisando o universo das 96 cidades mais relevantes politicamente, incluindo as 26


capitais e as 70 cidades com mais de 150 mil eleitores (38,7% de todos os eleitores do Brasil),
chega-se aos seguintes números: o PT, embora tendo ainda o controle político da maioria das
cidades, caiu de 29 prefeituras para 24; e o PSDB manteve o mesmo número de prefeituras nesta
modalidade.

Tabela 3: Número de prefeituras conquistadas, por partido, nas 96 maiores cidades do Brasil (2000-2004)

40
Outras derrotas expressivas dos petistas: Caxias do Sul, Pelotas, Blumenau, Campinas, Ribeirão Preto, Cuiabá,
Belém, Curitiba, Goiânia, Maceió e Natal.
69

Evolução ColocaçãPartido 2000 2004 Diferenç


o a
Negativa 1º PT 29 24 -5
Manteve 2º PSDB 19 19 0
Manteve 3º PMDB 11 11 0
Positiva 4º PDT 8 11 +3
Positiva 5º PSB 6 8 +2
Positiva 6º PPS 4 8 +4
Negativa 7º PFL 9 6 -3
Negativa Outros 10 9 -1
Total 96 96

Fonte: Tabela elaborada a partir dos resultados oficiais (TSE).

Os tucanos permaneceram no comando político de 19 municípios. O PMDB, apesar de


manter sua hegemonia política, conquistou apenas 11 das 96 cidades mais importantes e apenas 2
capitais. O PFL foi o partido que sofreu a maior derrota nessas eleições. O partido perdeu nas
duas capitais onde disputou o segundo turno: Salvador (BA) e Manaus (AM), e ganhou em
apenas 6 das 96 cidades mais importantes. A maior vitória entre as cidades mais importantes foi
no Rio de Janeiro (RJ).

Total de votos de cada partido

Dos quatro principais partidos, PT e PSDB ampliaram e PMDB e PFL reduziram sua
fatia no total de votos, numa comparação entre o 1º turno de 2000 e o de 2004.

Tabela 4: Número de votos e percentual por partido (2000-2004)


Evolução Colocaçã Partido 2000 Percentage 2004 Percentag Diferenç
o m em a
Positiva 1º PT 11.938.7 14,3% 16.326.04 17,15%. +2,85%
34 7
Positiva 2º PSDB 13.518.3 16% 15.747.59 16,54% +0,54%
46 2
Negativa 3º PMDB 13.257.6 15,69% 14.249.33 14,97%. -0,72%
50 9
Negativa 4º PFL 12.973.5 15,35% 11.238.40 11,81% -3,74%
44 8

Fonte: Tabela elaborada a partir dos resultados oficiais (TSE).

Já no segundo turno, com a derrota do PT em São Paulo, o eleitorado a ser governado


pelos petistas reduziu-se sensivelmente em relação a 2000. Os partidos que mais evoluíram
foram PV, PCdoB e PPS, enquanto que PTB e PT reduziram seu domínio sobre o eleitorado.
70

Tabela 5: Evolução do eleitorado a ser governado por partido (2000-2004)


Evolução ColocaçãPartido 2000 2004 Diferenç
o a
Positiva 1º PSDB 18.463.91 25.615.14 +39%
5 5
Negativa 2º PT 21.590.99 17.055.26 -21%
5 2
Negativa 3º PMDB 19.541.47 16.889.59 -14%
5 6
Negativa 4º PFL 16.796.59 15.506.42 -8%
6 3
Positiva 5º PDT 6.322.915 8.627.693 +36%
Positiva 6º PPS 4.102.926 6.752.066 +65%
Negativa 7º PP 7.799.270 6.726.691 -14%
Manteve 8º PSB 5.645.221 5.654.486 0
Negativa 9º PTB 12.634.74 6.705.263 -47%
9
Positiva 10º PL 4.304.448 4.920.752 +14%
Positiva 11º PV 431.420 1.471.592 +241%
Positiva 12º PCdoB 275.598 480.113 74%

Fonte: Tabela elaborada a partir dos resultados oficiais (TSE).

Cenário político gaúcho (1º turno)

O Rio Grande do Sul realizou eleições em seus 497 municípios, num total de 24.159
seções. O total de eleitores aptos foi de 7.543.188; desses, 6.715.654 (89,1%) compareceram no
1º turno e 827.534 (10,9%) se abstiveram de votar. O percentual de votos válidos no Estado foi
de 6.354.298 (94,6%), com 151.693 votos em branco (2,2%) e 209.663 nulos (3,1%). Nas
últimas eleições municipais de 2000 estavam aptos a votar 7.112.134 pessoas, e destas,
6.325.105 (88,9%) compareceram, numa abstenção de 787.029 eleitores (11,0%). Os votos
válidos somaram 5.983.700 (94,6%), com 150.413 votos brancos (2,3%) e 190.992 votos nulos
(3,02%). Se traçarmos um paralelo entre as eleições municipais de 2000 e 2004, vê-se que o
percentual de comparecimento foi 0,02% maior em 2004 e nos votos válidos foi idêntico ao
anterior.

Na administração das prefeituras, em relação ao gênero, a supremacia continuou sendo


dos homens. Foram eleitos 497 prefeitos (96,5%) e apenas 18 prefeitas (3,5%) no Estado.

No Rio Grande do Sul, PMDB e PP continuaram sendo os partidos que iriam


administrar o maior número de prefeituras. Nas eleições municipais de 2000 a supremacia era do
PP (PPB, na época), que elegeu 174 contra 139 do PMDB. Nas eleições 2004 a ordem se
inverteu, o PMDB foi o partido que mais elegeu prefeitos no primeiro turno, 136 (+ 1 no 2º turno
71

=137), seguido do PP, com 134. Os peemedebistas perderam o comando de duas cidades em
relação à eleição de 2000. Já o PP teve uma perda maior: 40 municípios. Em terceiro ficou o
PDT, que apresentou o maior crescimento proporcional, passando de 78, em 2000, para 97
prefeitos. Em quarto lugar ficou o PT, que passou de 35 para 43 prefeituras. O PTB seguiu com o
mesmo número de prefeituras, 31. O PPS, que até então não detinha nenhuma, somou três no
primeiro turno e confirmou mais duas no 2º turno (5 no total). O PFL aumentou em três o
número de prefeituras, passando de 15 para 18. O PSDB ganhou mais duas, passou a 17. O PSB
aumentou de sete para nove, o PL seguiu com três e o PHS conquistou duas prefeituras.

Além de ter sido o partido que mais perdeu prefeitos, o PP sofreu ainda algumas
derrotas na tentativa de reelegê-los: é o caso de Juca Alvarez, de São Borja, derrotado por
Mariovane Weis (PDT), e do prefeito de Cruz Alta, José Westphalen Corrêa, que foi superado
pelo PT de Vilson Roberto Santos. Em Erechim, o partido conseguiu a vitória, reelegendo Eloi
Zanella. O PTB foi derrotado em Cidreira, onde a prefeita Custódia da Silva (PTB) perdeu para
Roberto Camargo (PMDB) e em Gravataí o ex-prefeito Abílio dos Santos perdeu para o petista
Sergio Stasinski.

Apenas três cidades do Rio Grande do Sul tiveram novas eleições no 2º turno: Porto
Alegre, onde disputaram Raul Pont (PT) e José Fogaça (PPS); Caxias do Sul, onde José Ivo
Sartori (PMDB) concorreu com Marisa Formolo (PT); e Pelotas, onde disputaram o comando da
prefeitura Bernardo de Souza (PPS) e Fernando Marroni (PT). O PT foi derrotado em todas. Em
Caxias do Sul José Ivo Sartori venceu com 119.521 (52,43%) votos, contra 108.427 (47,57%) de
Marisa Formolo, uma diferença de 4,86%. Em Pelotas venceu Bernardo de Souza, do PPS, com
100.088 (52,38%), contra 91.007 (47,62%) do candidato petista, uma diferença de 4,76%. Em
Porto Alegre Raul Pont (PT) foi derrotado por Fogaça. Pont fez 378.099 (46,68%) contra
431.820 (53,32%) de Fogaça, uma diferença de 6,64%.

Tabela 6: Número de prefeituras conquistadas por partido: 2000/2004 – RS

ColocaçãPartido 2000 2004 Diferenç


Evolução o a
Negativa 1º PMDB 139 137 -2
Negativa 2º PP 174 134 -40
Positiva 3º PDT 78 97 +19
Positiva 4º PT 35 43 +8
Manteve 5º PTB 31 31 0
Positiva 6º PFL 15 18 +3
Positiva 7º PSDB 15 17 +2
Positiva 8º PSB 7 9 +2
Positiva 9º PPS 0 5 +5
Manteve 10º PL 3 3 0
72

Positiva 11º PHS 0 2 +2


TOTAL 497 496

Fonte: Tabela elaborada a partir dos resultados oficiais (TSE).

A derrota petista em Porto Alegre

Se a vitória do PT ocorre no âmbito quantitativo (partido que recebeu o maior número


de votos no primeiro e no segundo turnos em todo o Brasil), como explicar a derrota do partido
em locais estratégicos como Porto Alegre? A derrota pode ser atribuída a um julgamento do
governo Lula? Não necessariamente. Provavelmente a derrota do PT em Porto Alegre tenha
razões mais complexas.

Parece pouco convincente o argumento de que a derrota do PT em Porto Alegre esteja


ligada apenas ao desempenho do governo Lula. Se o argumento fosse verdadeiro, como explicar
o crescimento do PT (37%) em todo o país em relação às eleições de 2000? O PT cresceu,
igualmente, em 20 Estados brasileiros, comparando-se as eleições de 2000 e 2004. A votação
petista foi decrescente em apenas 6 Estados: Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Alagoas,
Paraíba, Piauí e Rio Grande do Norte. Essa tendência parece ser uma das justificativas da derrota
do PT na capital gaúcha.

Tabela 7: Percentual de votos do PT nas eleições municipais de 2000 e 2004

Estado 2000 2004 diferen


ça
Piauí 9,7 5,7 -4,0
Alagoas 5,7 2,2 -3,5
Rio Grande do 7,1 4,4 -2,7
Norte
Rio Grande do Sul 22,6 20,9 -1,7
Paraíba 4,7 3,7 -1,0
Rio de Janeiro 11,5 10,7 -0,8
São Paulo 24,8 25,3 0,5
Pará 17,7 18,4 0,7
Amazonas 1,1 1,9 0,8
Goiás 9,9 10,8 0,9
Santa Catarina 17,2 18,4 1,2
Maranhão 2,9 4,6 1,7
Bahia 11,9 13,8 1,9
Paraná 12,6 15,1 2,5
Roraima 0,0 2,8 2,8
Mato Grosso 7,7 12,5 4,8
Rondônia 10,3 15,9 5,6
Acre 33,0 39,0 6,0
73

Espírito Santo 3,8 11,2 7,4


Ceará 2,4 10,3 7,9
Sergipe 14,8 23,0 8,2
Mato Grosso do Sul 19,0 27,6 8,6
Pernambuco 8,8 19,6 10,8
Minas Gerais 8,8 22,3 13,5
Tocantins 2,3 22,5 20,2
Amapá 2,0 34,2 32,2

Fonte: Marenco (2004).

Tabela 8: Percentual de votos do PT em Porto Alegre (eleições para prefeito, governador e


presidente – 1988/2004)

88 89 90 92 94 96 98 2000 2002 2004


PREFEITO 34,3- - 40,8 - 52,0 - 45,6 - 35,0
GOVERNADOR - - 10,6 - 50,7 - 53,6 - 39,9 -
PRESIDENTE - 6,4 - - 38,8 - 50,4 - 43,6 -

Fonte: Marenco (2004).

Durante os anos 90 o PT registrou tendência de crescimento de seu eleitorado em Porto


Alegre, com o melhor resultado na capital sendo alcançado nas eleições para o governo do
Estado, em 1998. A partir desta eleição começa o declínio no desempenho eleitoral na capital.
Duas razões parecem ser essenciais para este ponto de inflexão: a primeira delas está ligada à
avaliação negativa por parte do eleitorado da administração do governador Olívio Dutra
(perceptível a partir do final do segundo ano do seu mandato, 2000), pela truculência e conflitos
generalizados do seu governo. A segunda razão para a tendência da perda de eleitores está
relacionada à renúncia do prefeito Tarso Genro à prefeitura de Porto Alegre para concorrer ao
governo do Estado, depois de haver se comprometido a governar a capital até o fim do mandato.

Outra razão para a derrota petista em Porto Alegre está ligada ao sentimento anti-PT
influenciado pela Rede Brasil Sul (RBS), que se opôs abertamente ao governo petista, o que
acabou influenciando a opinião pública de maneira negativa. O antipetismo ficou evidente,
igualmente, no processo de “transferência” de votos entre o primeiro e o segundo turnos. A
oposição articulou-se para derrotar o candidato petista. Diferentemente das eleições anteriores,
quando os votos dados a candidatos derrotados distribuíram-se em proporções equilibradas entre
o candidato do PT e seu rival, isso não ocorreu em 2004. Dois de cada três eleitores derrotados
no primeiro turno confiaram seu voto ao candidato José Fogaça (PPS) no segundo turno.
74

Tabela 9: Transferência de votos: primeiro/segundo turno

Ano Candidato 1º turno 2º +


turno
2000 Tarso 45 60 15
Collares 20 36 16
2002 Tarso 39 48 9
Rigotto 37 48 11
2004 Pont 35 45 10
Fogaça 28 53 25

Fonte: Marenco (2004).

O candidato Raul Pont foi derrotado nos bairros com maior renda e maior escolaridade
média. O PT não soube apresentar propostas que contemplassem as preocupações e expectativas
da classe média. A ausência de propostas para a atração de investimentos capazes de absorver
mão-de-obra altamente escolarizada, a valorização do espaço urbano, projetos para o lazer e
cultura contribuíram para reforçar um sentimento de mesmice e incapacidade de projetar o futuro
da cidade, associado aos últimos governos petistas. O PT foi vitorioso nos bairros de menor
renda, nos quais reside a população que foi mais beneficiada pelas políticas sociais provenientes
do Orçamento Participativo (políticas de saneamento, pavimentação e transporte).

Tabela 10: Percentual de votos segundo renda média bairros Porto Alegre
Renda Pont Fogaç Pont
média/bairro a 1996
Menos mil reais 48,7 47,3 52,7
Mil a dois mil reais 44,5 51,7 52,4
Dois a quatro mil 37,9 58,9 48,1
reais
Mais de quatro mil 28,5 68,4 40,4
reais
Fonte: Marenco (2004).

A estratégia do discurso retrospectivo prevaleceu na campanha eleitoral do PT no


horário gratuito. Foi um erro de estratégia, na medida que as propostas para uma nova
administração petista foram pouco difundidas, prevalecendo as propagandas do que já havia sido
feito. O candidato Fogaça soube tirar proveito dessa lacuna e adotou para sua campanha o
slogan: “Vamos manter o que é bom e melhorar o que não está funcionando...”. A burocratização
do partido, a pouca mobilidade e a mesmice da militância petista, o marketing publicitário
75

(propaganda em série) com a centralização no indivíduo e não no partido – “Raul é bom no que
faz” – igualmente contribuíram para a derrota petista em Porto Alegre.

Desde o término do primeiro turno era consenso entre os analistas que o PT e o PSDB
se consolidavam como os partidos mais expressivos da política brasileira.

Pode-se concluir que o ganho petista nas eleições 2004 deu-se no plano quantitativo,
pois o partido se consolidou em âmbito nacional tendo presente sua expressiva votação. Já a
vitória do PSDB foi significativa no quesito “qualidade” (ganho ideológico), principalmente no
valor simbólico de ter conquistado a maior capital do país, São Paulo.

4.3. As eleições gerais de 2006

A campanha eleitoral

A campanha eleitoral de 2006 foi um tanto atípica se comparada com a de 2002.


Percebeu-se a existência de um sentimento muito grande de indiferença e apatia. A primeira
razão que pode justificar este fato relaciona-se, principalmente, à frustração quanto à expectativa
criada com o “novo”, um presidente oriundo das classes populares, que se apresentou como uma
alternativa ao governo de FHC (desgastado pelo estabelecimento de uma política econômica
neoliberal). Lula representava o anseio e a esperança que acabou não se confirmando, na ótica de
muitos.

A segunda razão está relacionada diretamente ao descrédito nas instituições políticas,


decorrentes dos escândalos de corrupção dos últimos tempos. É claro que a corrupção não é um
privilégio deste governo. É preciso afirmar que os escândalos de corrupção ocorridos durante o
governo Lula são incipientes comparados com aqueles protagonizados nas gestões anteriores
(mal de origem da cultura política brasileira). A terceira refere-se à lei eleitoral, que se tornou
mais severa, eliminando das ruas os brindes (camisetas, bonés, shows...) e, ao mesmo tempo, a
alegria e a fonte de renda de muitos brasileiros.

Os escândalos de corrupção do governo apenas poderiam ser considerados incipientes


se comparados com o Brasil da República Velha. Houve com certeza inúmeros casos de
corrupção dos governos civis pós-85 sem nenhuma exceção, inclusive a compra de votos para a
aprovação da emenda de reeleição no governo Fernando Henrique. No entanto, devo lembrar ao
autor que, no esquema de compra sistemática de apoio parlamentar apenas pode ser comparado
76

com o que ocorria na República Velha como já foi dito, ou mais para trás. Em outras palavras,
relembrando aqui o ensinamento dos clássicos Maquiavel e Montesquieu o pior tipo de
corrupção é aquela que corrompe o funcionamento das instituições. O mensalão foi a mais
escancarada tentativa de corrupção da prática representativa. Um tipo de corrupção sistêmica que
começou em Minas Gerais sob o governo do PSDB, mas que foi ampliado pelo PT.

Os números

Em 2006 o Brasil consolidou a democracia eleitoral ao alcançar a quinta eleição geral


consecutiva. Estiveram aptos a votar aproximadamente 126 milhões de brasileiros, 11 milhões a
mais se comparado com as eleições gerais de 2002, quando mais de 115 milhões de brasileiros
estavam aptos a votar.41 Nos 26 Estados da Federação, 29 partidos concorreram com seus 19.619
candidatos a 1.627 vagas.42 Um ponto positivo foi o aumento do percentual da participação dos
eleitores jovens. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, a participação dos eleitores de 16 e 17
(faixa etária em que o voto é facultativo) anos aumentou em 39% em relação às eleições 2002.

Os candidatos mais competitivos

Lula, buscando a reeleição, e Geraldo Alckmin, do PSDB, apresentaram-se como os


candidatos mais competitivos. Em todos os institutos de pesquisas (Ibope, DataFolha e Sensus) o
candidato petista aparecia à frente.

Apresentamos a seguir algumas razões fundamentais para esta preferência.

a) as políticas sociais: a atuação do governo tendo como prioridade as políticas sociais


que atingiram os menos favorecidos (Bolsa Família), beneficiando 11 milhões de famílias,
principalmente na região Nordeste do país. Estes programas, embora sejam paliativos, não
deixam de ser uma política eficiente de distribuição de riqueza. Pode-se citar ainda o Prouni
(Programa Universidade para Todos), possibilitando a jovens de baixa renda acesso à

41
Segundo estimativa do ex-presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) Carlos Velloso, dez milhões dos 125,9
milhões de eleitores convocados para votar em 1º de outubro (8%) eram pessoas inexistentes. Estes percentuais
eram decorrentes do cadastro nacional de eleitores que se encontra desatualizado. Há mais de 20 anos não há
atualização no sistema.
42
Segundo o Juiz do TRE-SP, José Joaquim dos Santos, as eleições gerais acabavam custando aos cofres públicos
cerca de 20 bilhões de reais.
77

universidade. O governo concedeu aumento ao salário mínimo que passou para R$ 350,00, que
entrou em vigor no mês de abril de 2006, para R$ 415,00 a partir de 1º de maio de 2008;

b) a utilização da máquina pública, de certa forma, facilita a reeleição dos candidatos


que se encontram à frente do Executivo ou do Legislativo. 43 Exemplo, o próprio Lula utilizou
deste benefício (andando, segundo ele próprio, no "limite da lei");

c) o próprio carisma de Lula, passando a imagem de uma pessoa que se identifica com
o povo excluído, sendo ele mesmo um deles;

d) a atuação do presidente no cenário internacional: o importante papel do Brasil no


cenário internacional, principalmente na América Latina, Lula fazendo a ponte entre Chávez,
Morales, Vásquez e Kirchner;

e) o Lulismo. A figura do presidente transcende a de seu partido, o PT. Ao reforçar seu


ônus eleitoral, Lula mostrou também que não é refém do partido. Pelo contrário, é o PT que não
pode abrir mão do presidente eleito.

Os resultados: Primeiro Turno

Contando com um moderno sistema tecnológico de votação (urna eletrônica), as


eleições de 2006 superaram as expectativas no quesito eficiência na votação e no escrutínio. Na
mesma noite da votação já tínhamos quase todo o quadro eleitoral configurado e as apurações já
nos esclareciam como se definiria o primeiro turno.

As eleições de 2006 tiveram o menor índice de abstenção, se comparadas com os


últimos pleitos. Nesse primeiro turno deixaram de votar 21.092.511 cidadãos, o que corresponde
a 16,75% do eleitorado brasileiro. Do eleitorado aproximado de 126 milhões de pessoas
habilitadas para o voto, compareceram às urnas pouco mais de 104,8 milhões (83,25%). Deste
total, foram considerados válidos 95.996.733 votos (91,58%). Votaram em branco 2,8 milhões de
eleitores (2,73%) e outros 5,9 milhões anularam seu voto (5,68%).

Mesmo com a larga vantagem apontada nas pesquisas sobre o candidato tucano, a
vitória de Lula no dia 1º de outubro de 2006 não se concretizou. Na mesma noite, às 22h26min,
o candidato petista reconhecia, por seus porta-vozes, que não vencera o pleito e ao mesmo tempo
já indicava quais seriam as estratégias da campanha eleitoral para o segundo turno.

43
Dos 27 governadores eleitos em 2006, 14 foram reeleitos. Dos 513 deputados eleitos, 241 são novos, o que dá
uma taxa de renovação nacional de 46,9%.
78

No que concerne à não-reeleição do presidente Lula no primeiro turno, podemos fazer algumas
análises no intuito de detectar quais foram as possíveis causas da não-efetivação da esperada
vitória petista na primeira etapa:

a) Não-comparecimento ao debate televisivo final. Até o último momento o candidato


manteve a dúvida se participaria ou não do debate. A opção pelo não-comparecimento causou
certa indecisão no eleitorado. Todos esperavam a presença do presidente para o esclarecimento
dos fatos e das denúncias ocorridas contra seu governo. A omissão de Lula significou uma perda
de prestígio e indignação para um eleitorado que exigia explicações das falhas éticas do seu
governo.

b) A compra do dossiê e a mala de dinheiro. Além de todos escândalos e supostos envolvimentos


governamentais em fraudes e corrupções no mandato de Lula, o caso do Dossiê Vedoin
influenciou muito a opinião pública, especialmente nos últimos dias antes da eleição. As fotos do
dinheiro que seria usado por petistas para a compra de dossiê contra o candidato tucano José
Serra (PSDB) vazaram para imprensa dois dias antes do pleito. Havia toda uma expectativa em
torno da confirmação e do aparecimento desse dinheiro (foram apreendidos pela Polícia Federal,
no dia 15 de setembro, cerca de R$ 1,75 milhão que estavam com os petistas Gedimar Pereira
Passos e Valdebran Padilha).

c) O clima de “já ganhou”. Podemos elencar também os números apontados pelo Ibope
dias antes da eleição, que colocavam Lula com 24 pontos percentuais à frente do tucano Geraldo
Alckmin. Estes dados podem ter causado um clima de "já ganhou" na coordenação eleitoral do
PT, motivando um certo "esfriamento" da campanha.

d) A influência da mídia. Alguns especialistas vão ainda mais longe, dizendo que foi o "massacre
da mídia" que levou a eleição para o segundo turno. Parte dos meios de comunicação teria
adotado uma posição partidária, perdendo a objetividade, o equilíbrio e a isenção que se espera
da imprensa numa sociedade democrática. Isso não teria ocorrido com toda a mídia. Ao longo de
toda a campanha alguns veículos de comunicação teriam agido como um partido de oposição.
Isso teria se agravado muito nos últimos 10 dias do 1º turno.

No final, Lula recebeu 46.662.365 votos (48,79%), precisando de pouco mais de 1,2%. Alckmin
recebeu 39.968.369 votos (41,4%); Heloísa Helena somou 6.575.393 votos (6,85%), seguida por
Cristovam Buarque, que recebeu 2.538.844 votos (2,6%).

Segundo Turno
79

Como vimos, o candidato derrotado à Presidência, Geraldo Alckmin (PSDB), conseguiu


uma façanha pouco comum na política, ao terminar o segundo turno com menos votos do que
obteve no primeiro. Alckmin atingiu 39,9 milhões de votos na primeira etapa (41,4%) e fechou a
campanha do segundo turno com 37,5 milhões (39,17% dos votos válidos), totalizando uma
perda significativa de 2,4 milhões de votos. Conforme dados do Datafolha, 14% dos eleitores
que votaram no candidato tucano no primeiro turno migraram para Lula no segundo. Assim
sendo, Alckmin acabou perdendo seus próprios eleitores e não conseguiu absorver os votos dos
candidatos derrotados no primeiro turno. Tal feito teria ocorrido porque parte dos eleitores
acabou votando em Alckmin como forma de protesto contra Lula.

Além disso, o candidato tucano não conseguiu consolidar uma alternativa melhor do que
a do atual presidente e, igualmente, não conquistou a mesma aproximação e o carisma com o
eleitor da mesma forma que Lula, que já possui uma imagem conhecida e tem enorme facilidade
de comunicação com as massas. Lula venceu no segundo turno com a maioria dos votos dos
candidatos que não foram ao segundo turno e ainda ganhou votos que foram consagrados ao seu
oponente no 1º turno.

Lula, no primeiro turno, totalizou 46,6 milhões de sufrágios. Ao final da apuração da


segunda rodada, obteve mais de 58,2 milhões de votos (60,83% dos votos válidos), um
acréscimo de mais de 11 milhões.

O presidente reeleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT/PRB/PCdoB), derrotou o seu


adversário, Geraldo Alckmin (PSDB/PFL), em 19 Estados e no Distrito Federal (DF). Os dados
mostram que o petista conseguiu reverter a situação nos Estados do Acre, Goiás, Rondônia e no
Distrito Federal, onde ele havia perdido votos para Alckmin no primeiro turno.

Alckmin manteve a liderança no Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rio Grande do Sul,
Paraná, Santa Catarina, São Paulo e Roraima, embora Lula tenha reduzido percentualmente a
diferença em todos esses Estados. No Acre, por exemplo, Alckmin havia vencido, no primeiro
turno, com 51,79% contra 42,62% de Lula. No segundo turno Lula obteve 52,37% dos votos e,
Alckmin, 47,63%. A maior votação que Lula obteve no segundo turno foi dos eleitores do Estado
do Amazonas, com 86,80% dos votos. Ele ampliou a diferença que havia no primeiro turno,
quando alcançou 78,06% dos votos e, Alckmin, 12,45%. A pior votação do candidato petista
ocorreu no Estado de Roraima, onde obteve 38,51% dos votos. Foi nesse Estado que Alckmin
teve sua melhor votação: 61,49% dos votos. Luiz Inácio Lula da Silva também foi o mais votado
no segundo turno das eleições em 20 capitais brasileiras, de acordo com os números divulgados
pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Já o candidato Geraldo Alckmin recebeu mais votos que
80

o adversário em sete capitais: Maceió, Campo Grande, Curitiba, Porto Alegre, Boa Vista,
Florianópolis e São Paulo.

No primeiro turno Lula havia sido o primeiro colocado em 15 capitais e Alckmin em 12.
O cruzamento entre os resultados obtidos nos dois turnos mostra que, no segundo turno, o petista
passou à frente do adversário em cinco capitais onde o desempenho do PSDB havia sido melhor
no primeiro turno: Rio Branco, Brasília, Goiânia, Cuiabá e Aracaju.

Na capital federal, por exemplo, Lula recebeu 56,96% dos votos válidos no segundo
turno, contra 43,04% de Alckmin. No primeiro turno o candidato tucano havia ficado em
primeiro lugar, com 44,11% dos votos válidos. Já Lula havia obtido 37,05%, uma diferença de
19,91 pontos percentuais em relação à votação obtida no segundo turno. Na cidade de São Paulo,
capital, Geraldo Alckmin venceu no primeiro e segundo turnos: 3.384.767 (53,87%) e 3.485.245
(54,42%), respectivamente, no entanto foi visível o crescimento do candidato Lula na mesma
capital: Lula fez no primeiro turno 2.243.168 (35,70%) e, no segundo, 2.918.996 (45,58), um
crescimento em torno de 10 pontos.

PT vitorioso?

Apesar de ter conquistado a Presidência da República, cinco governos estaduais, e ter


elegido a segunda bancada da Câmara de Deputados (83), não significa que o PT tenha saído
vitorioso das eleições 2006. Pelo contrário, os votos dados ao PT declinaram na Câmara Federal
em 2,1 milhões se comparados com as eleições de 2002, quando totalizaram 16,09 milhões
contra 13,99 milhões de 2006. Isto significa afirmar que o PT perdeu no Congresso Nacional
13% de seu eleitorado entre uma eleição e outra. As perdas mais significativas deram-se no Sul,
675 mil a menos (-22%) e no Sudeste, menos 1,90 milhão de votos (-23%). Somente no Estado
de São Paulo o declínio foi de 1,06 milhão de votos (-21,5%). O declínio poderia ter sido maior
caso as regiões Norte e Nordeste do país não houvessem incrementado a votação pró-Lula. No
Nordeste o PT fez 374 mil votos a mais (13%) e no Norte 207 mil votos (31%), se comparado
com 2002.

Se traçarmos um paralelo entre o voto petista no Congresso Nacional e o voto petista


para presidente, constata-se que a votação de Lula foi duas vezes maior do que os votos
atribuídos aos candidatos petistas a deputado federal. Lula fez nas eleições de 2006 mais de
46.662 milhões de votos (48,6%) no primeiro turno contra 13,9 de votos para o Congresso. Se
compararmos ainda os votos recebidos por Lula nas eleições de 2002 com as eleições de 2006,
81

percebe-se que houve um crescimento interessante, passando de 39,45 milhões em 2002 para
46,66 milhões em 2006, um crescimento de 7,20 milhões de votos (um acréscimo de 18,26%).

Tabela 11

Primeiro Turno (em 2002 2006 Diferença em Diferença


milhões) votos (%)
Votos para candidatos 16.094 13.990 -2.104 -13,07
petistas no Congresso
Nacional (deputados)
Votos para o candidato 39.455 46.662 +7.207 +18,26
petista para a Presidência
da República

Fonte: TSE.

Segundo a pesquisa CNI/Ibope divulgada no dia 30 de junho de 2008, a popularidade do


presidente Lula e a aprovação do seu governo continuam altas. A pesquisa mostra números
positivos, tanto para a avaliação do presidente quanto para seu governo. No total, 72% dos
entrevistados aprovam a maneira do presidente governar o país. Da mesma forma, o governo do
petista registrou avaliação positiva de 58% dos entrevistados.44

4.4. Eleições municipais de 2008

As eleições municipais de 2008 constituíram novamente uma oportunidade ímpar de


exercer o direito de escolher as pessoas que estarão à frente do poder público nos próximos
quatro anos. Foi a ocasião de escolher as melhores propostas para administrar (prefeitos) e
legislar (vereadores) os nossos municípios.

Milhares de candidatos disputaram o cargo de prefeito em 5.563 municípios em todo o


país. Para os postos das Câmaras Municipais estavam em jogo 51.748 vagas. Estiveram aptos a
votar nas eleições de 2008, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 128.805.829 eleitores
em todo o Brasil.45 A seguir, uma análise dos resultados em âmbito nacional, Estado (Rio Grande
do Sul) e município (Ijuí).

44
“CNI/Ibope mostra que 58% avaliam positivamente governo Lula”. Por Gabriela Guerreiro, da Folha Online, em
Brasília. Fonte: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u417699.shtml>. Acesso em: 30 jun. 2008.
45
Nestes números não estão computados os votantes do Distrito Federal, que não participam das eleições
municipais.
82

Brasil

Em âmbito nacional, os resultados eleitorais revelam que os partidos de oposição ao


governo Lula (PSDB, DEM e PPS) tiveram reduzidos seus votos em todo o país, enquanto que
os governistas, principalmente o PT e o PMDB, saíram fortalecidos das eleições 2008. O PMDB
foi o campeão de votos em todo o país, alcançando a marca de 18, 4 milhões, seguido pelo PT,
que alcançou 16,5 milhões de votos.46 O PT passou de 391 prefeituras para 548 (uma evolução
positiva de 157 prefeituras). Das 15 capitais brasileiras que estavam com os resultados definidos
no primeiro turno o PT já havia elegido 6 prefeitos e ainda disputou o segundo turno em três
capitais: São Paulo, Salvador e Porto Alegre. O PSB, o PTB, o PCdoB e o PV também tiveram
um crescimento significativo nas eleições municipais de 2008, conquistando, ao todo, 3.360
prefeituras contra 1.852 administradas por partidos da oposição. O PSDB, o PPS e o DEM vão
administrar 1.761 prefeituras a partir de 2009.

Entre os partidos que tiveram reduzidos seus votos, aparece o DEM, que encolheu em
todo o país, passando de 790 para 495 prefeituras, uma perda de 295. Juntamente com o DEM, o
“carlismo” sofreu mais uma derrota com ACM Neto em Salvador – BA, não indo para o segundo
turno.

Rio Grande do Sul

No Rio Grande do Sul houve crescimento do PT, PMDB e PP. Dos 50 maiores municípios
gaúchos o PT venceu em 14. Ampliou de 43 para 60 prefeituras e ainda concorreu no segundo
turno nos municípios de Canoas, Pelotas e Porto Alegre. Na região metropolitana os petistas
passaram a comandar 6 dos 10 maiores municípios. Da mesma forma, o PMDB subiu de 136
para 143 prefeituras no Estado e ainda conquistou as prefeituras de Santa Maria e Caxias do Sul.
O PP será a sigla com maior número de prefeituras a partir de 2009, pois conquistou 146
prefeituras em 2008, 12 a mais que em 2004. O PP é, no entanto, um partido dos pequenos
municípios, com exceção da conquista do município de Lajeado. Por outro lado, o PDT foi o
partido que mais perdeu votos: de 97 prefeituras em 2004 recuou para 64 em 2008.
Individualmente temos a derrota de Ronchetti em Canoas e Otávio Germano em Cachoeira do
Sul, que não deixaram sucessores.

46
Nas eleições anteriores essa marca foi batida pelo PSDB e pelo PT, respectivamente.
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