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Cosac
Naify, 1997.
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Introdução
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A crença de que o artista tem uma finalidade social e uma responsabilidade – algo
que certamente não causa surpresa em vista dos vastos e inevitáveis problemas
sociais e econômicos da América Latina – tem sido um fator predominante que
vem influenciando tanto o remanejamento das tradições europeias como o
desenvolvimento de uma linguagem artística acessível e receptiva. Esse sentido de
responsabilidade social, que opera em vários níveis e não apenas em termos de
uma arte manifestamente “comprometida”, é, no entanto, mais evidente na obra
dos muralistas mexicanos que se haviam agrupado no princípio dos anos de 1920,
depois dos grandes levantes sociais da revolução mexicana, e continuaram a pintar
em nome desta. Eles, provavelmente, mais do que qualquer outro grupo artístico
latino-americano, foram os que conseguiram causar maior impacto e repercussão.
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p.125
A relação entre arte radical e política revolucionária foi, talvez, uma questão ainda
mais crucial na América Latina do que na Europa, por essa época; a reação de
escritores, artistas e intelectuais viu-se marcada, sobretudo, por dois
acontecimentos: as revoluções mexicana e russa. O impacto da revolução mexicana
foi enorme, e as atividades dos pintores muralistas ou interpretar e disseminar os
ideais da revolução, promovendo a ideia de uma arte para o povo e ajudando na
concretização de um nacionalismo cultural sob condições revolucionárias, foram
sentidas para além das fronteiras do México e constituíram-se em importantes
fatores nos debates relativos à arte e à cultura contemporâneas. [REVOLUÇÃO
MEXICANA INFLUENCIA MUNDIAL NA ARTE]
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[...] o mais frequente era ver a tradição sendo reavaliada e rejeitados o período
colonial e a cultura europeizada do século XIX, em troca de uma tradição cultural
indígena de mais fortes raízes.
p.127
Rivera passou toda a revolução na Europa, e Posada iria fazer parte de seus
horizontes somente alguns anos depois de ter ele já voltado ao México.
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[Rivera] Sua participação nos debates teóricos foi das mais ativas, e depois de
iniciada a guerra de 1914, seguida da dispersão dos cubistas franceses – com
muitos indo para o front –, ele, ao lado de Picasso, Gris e Severini, continuaram
com suas invenções e buscas exploratórias.
p.129
p.129-130
O aparecimento dos muralistas no México, depois de 1921, foi importante fator nos
debates, ocorridos nas décadas de 1920 e 1930, sobre o compromisso da arte com
questões relacionadas à ordem social e política. De modo geral, era mais a ideia de
uma arte para o povo do que um estilo na linha do “realismo socialista” que
importava. De fato, seria incorreto dizer que a criação de um estilo com bases no
“realismo socialista” – não importa qual sentido se dê a estas palavras – fosse a
preocupação central.
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p.132
Em 1932, foram criados dois grupos para dar apoio à arte moderna no Brasil: o da
Sociedade Pró-Arte Moderna (SPAM) e o do Clube das Artes Modernas (CAM);
este último fora concebido pelo artista e arquiteto Flávio de Carvalho, dentro de
um espírito que se opunha ao elitismo da SPAM.
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p.144-147
Muitas foram as razões para o predomínio das artes visuais e a primazia cultural
do muralismo. A primeira diz respeito ao compromisso que tinha o filósofo e
revolucionário José Vasconcelos – nomeado, por Obregón, presidente da
Universidade e ministro da Educação – com o programa do mural; [...]
p.151-152
[para Ades era extraordinário que neste projeto havia] a ausência de qualquer
imposição concernente ao estilo e à temática. Vasconcelos deixava os artistas livres
para escolher seus temas, com imprevisíveis consequências.
p.152
[...] no México, a ideia de projetos para murais é parte de uma tradição que vinha
de longa data. Dr. Atl [...] em 1914, escreveu: “Os arquitetos, pintores e escultores,
em vez de trabalhar visando a uma exposição ou a um diploma, deveriam
construir prédios ou decorá-los.” (CHARLOT, Jean. The Mexican Mural Renaissance
1920-1925. New Haven: Yale University Press, 1963. p.69)
p.153
Na prática, entretanto, as diferenças entre uma arte “popular” nativa e a arte dos
muralistas “para o povo” não foram resolvidas.
Os elementos dessa polêmica arte nacional começaram a ganhar forma nas paredes
e se mostraram, na verdade, muito diferentes dos murais inicialmente
encomendados por Vasconcelos.
O ponto crucial e que mais chamava a atenção nesse mural [...] era a arrojada
mistura de volumes e simplificações cubistas com empréstimos tomados ao
quattrocento e ao Renascimento italianos, especialmente a Giotto e Michelangelo.
p.155
Siqueiros dava ênfase ”às grandes massas primárias – cubos, cones, esferas,
cilindros, pirâmides – que deveriam ser as vigas de toda arquitetura plástica.
Deixem-nos impor o espírito construtivo sobre o puramente decorativo (...) a base
essencial de uma obra de arte é a estrutura da forma, magnífica e geométrica (...)” –
ideias que provavelmente contribuíram para a futura realização de alguns do
smais brilhantes e descomprometidos murais, como A velha ordem de Orozco
(1926), A festa da cruz (1924), de Montenegro, e a Usina de açúcar (1923), de Rivera,
nos quais a “estrutura geométrica da forma” escapa de suas amarras cubistas para
fundir-se esplendidamente com a verdadeira arquitetura.
O movimento muralista concentrava-se cada vez mais nas mãos de “Los Tres
Grandes”: Rivera, Orozco e Siqueiros.
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Foi Revueltas, de acordo com Charlot, o primeiro a usar o “hierático índio vestido
de branco” [...]
p.157
p.160-165
Talvez nada tenha de surpreendente o fato de que essas imagens do México, que
combinam a crítica social com a fé no progresso e, ao mesmo tempo, enaltecem o
índio mexicano, houvessem contado com a simpatia dos governos que iriam
suceder-se.
p.167
[...] nenhum dos dois artistas [Rivera e Orozco] a usou [a metáfora cristã] no
sentido da devoção cristã. Ambos foram inimigos do clero.
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A primeira vez que usou o tema da revolução diretamente num mural foi no
Castelo de Chapultepec, numa sala com paredes especialmente construídas e alas
arredondadas e salientes.
p.179
p.195
[...] corrente nativista que recebeu bastante impulso durante as décadas de 1920 e
1930, na esteira da revolução mexicana, e se caracterizou pela “redescoberta” e
reavaliação das culturas e tradições nativas, bem como pelo uso de temas
indígenas na literatura e nas artes visuais, expressos, quase sempre, em termos de
protesto social.
p.198
[MANUEL GAMIO – OBRA “FORJANDO PÁTRIA”] Muito do novo interesse
pelos índios, pelo seu passado e por uma história que data de épocas anteriores às
conquistas, deve-se a Manuel Gamio, cuja obra Forjando pátria (1916) foi
mencionada [...] a propósito da idéia de identidade nacional que está na base do
movimento muralista.
p.200
Não resta dúvida de que as civilizações indígenas haviam passado por terríveis
períodos de decadência, sistematicamente reprimidas em seus direitos desde os
tempos da conquista, mas Gamio também descobriu que as condições haviam
piorado bastante depois da independência, sobretudo durante as reformas na
década de 1850, ao tempo da ditadura de Díaz. Embora reconhecesse que as
“culturas nativas” de Anáhuac continuavam existindo, ele somente via valor
estético nos seus produtos “folclóricos”.
Outra tendência própria do nativismo era querer reunir todos os povos índios em
“outra” nação.
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p.285
13 – História e Identidade
Torres-García, certa vez, virou o mapa da América do Sul ao contrário para que o
pólo Sul ficasse em cima e o equador embaixo. “O nosso norte”, disse ele, “é o sul”.
Assim, com o mapa de cabeça para baixo, “nós temos a ideia de nossa verdadeira
posição, não como o resto do mundo gostaria de ver”. Isso deixa bem à mostra o
desejo de possuir uma identidade própria, uma reorientação que graficamente
rompa com a tradicional dependência ao norte geográfico. A bem-humorada
geografia de Torres-García propunha um novo mito cultural. A construção de uma
nova identidade cultural, que é vista por certos artistas mais como uma
recuperação da antiga, continua a ser na América Latina um problema premente,
uma matéria de debates, disputas e motivadora de experiências.
[...] a pintura tem de tal modo sido dominada pelo “Norte” que os artistas de todos
os lugares se sentem tolhidos em seus estilos e instituições.
Em segundo lugar, a pintura a óleo sobre tela foi introduzida na América pelos
colonizadores europeus e até a época da independência esteve quase
exclusivamente a serviço de ideologias coloniais.
Em terceiro lugar, o fato de as artes nativas e populares na América Latina,
tradicionalmente, usarem outros meios punha uma série de recursos à disposição
dos artistas que estavam preocupados em criar uma nova linguagem que, na
América Latina, muitas vezes desafia a linha divisória entre arte maior e menor.
p.287-288
p.288
p.288-289
Gironella e outro artista mexicano, José Luis Cuevas, fizeram parte de um grupo
independente que, durante os anos de 1952 e 1953, se rebelaram contra o domínio
dos muralistas na política oficial da arte, resistência que contou com a ajuda de um
artista saído de diferente cenário construtivista – Mathias Goeritz.
p.289
A atitude para com o colonialismo na geração de artistas que vieram depois dos
muralistas muitas vezes se mostra ambivalente. Uma tendência cada vez mais
acentuada para resistir ao didatismo dos muralistas mexicanos e uma arte
francamente tendenciosa têm levado a um tratamento mais ambíguo da história e
do mito – embora permaneçam em diversos níveis e de diversas formas um tema
central – e ao uso muito frequente, se não de paráfrases da arte europeia, pelo
menos de alusões a esta.
p.296
Não é por acaso, nem também reflexo de um extremado gosto internacional, que
algumas das mais importantes imagens e estruturas da América Latina esteja na
intercessão do meio ambiente com a arte popular. Essas intercessões acontecem em
pontos cruciais da linha que define a identidade cultural.
p.299
p.300
É grave o problema para o artista da América Latina que, além de ver-se obrigado
a resistir à marginalização, tem de possuir um discurso internacional sem perder o
sentido da própria identidade e, ainda por cima, evitar uma maior marginalização
das culturas. O certo, talvez, fosse reconhecer não a impossibilidade de ter-se uma
“solução” única, mas múltiplas maneiras de colocar o problema na abordagem da
arte.