Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
BOTICA
HAICAIS, TANKAS
E OUTRAS
HOMEOPATIAS
poemas
Exílio no beco (ou do corpo)
Minha terra injeta pedras
Minha terra urina sangue
E também chora fumaça
Meu band-aid bandeirante
Rivaldo girava
Rivaldo ainda gira
No campo e na vida
Com perna de pinça
Perna pincel de artista
Métrica em desalinho
O futebol de projetos
Mera engenharia
Não compreende o craque
Convoca soldados, maquinistas
Prefere o marketing
Despreza a magia
Onde crianças
Acariciam pedras
E escarram fetos
Nos becos
Onde a esperança
É espancada feito Judas
(aleluia!)
Qualquer menina de 13
Já bebeu 51
E distingue bem
Tiro de 12
Três oitão
Ponto 40
O olhar da serpente
Me penetra antes dos dentes
O bote iminente
entrincheirado
às vezes deliro
sonho voos diferentes
às vezes
me conformo atrás do giz
útil inocente
confortável
entre a lousa e o diário
às vezes
sou rebelde aprendiz
inconsolável
trago o coração nas tripas
às vezes
quero só o fim do dia
e aposentadoria que me redima
entre trocados, remédios e filas
às vezes
sou a bomba, sou vingança
que a tudo explodiria
se não fosse, às vezes
a esperança
Poeta e sua sina
Pra fugir da velha rima
Reconstrói suas trilhas
Crepúsculo baiano
O Sol envia
Seu último beijo do dia
Ao Farol da Barra
E mergulha
Com euforia e preguiça
Do outro lado da baía
Pedaços de fragmentos
Desejam fugir de mim:
O eterno poema incompleto
O vácuo da fé de pedra
O insaciável corpo
Acumulo subtrações
Enquanto busco
Entre os vazios atômicos da matéria
O que mais arrancar de mim
Chora Mariana
Barragem que se esparrama
Rio que sangra lama
Tesouros nacionais
para Cacaso
E quem não sabe de nada
É bom saber bem já
O hospital está em greve
No Brasil há marajás
Eu já li Gonçalves Dias
"Cabelos cor de anajá"
A polícia está em greve
No Brasil há marajás
Camalear-me
Não para entender
Ou esconder
Apenas comungar
E ser
A língua faísca
Se na ponta ela pinça
Tua pele faminta
Sede lenta
Um livro de poemas
Não se bebe inteiro
Numa lida
Saboreia-se
Gota a gota
E nunca se esgota
Nós
Somos nós o farelo
O esfacelo
Nos esparramamos
sobre a história
sob o tempo, perecemos
O tempo segue
ssssssempreeeeessstático
Extático
Entretempos, permanece o tempo
Nós é que morremos.
Quando a noite chove
Faz carnaval no telhado
Canto um chorinho no quarto
Entre olheiras
O tic
O tac
E o sono não vem
A gota
O pingo
E o sono não vem
A pia
A ducha
E o sono não vem
Pijama
A fronha
E o sono não vem
Um verso
Um terço
E o sono não vem
Um comprimido
E o sono não vem
A faca
O pulso
E o sono não vem
O leite
O chá
E o sono não vem
Televisão
E o sono não vem
O celular
E o sono não vem
O livro
O rádio
E o sono não vem
A fome
O vômito
E o sono não vem
O dia chega
E o sono também.
O andar ondulante
Dócil fera que levita
Ferina felina
hagiografias
sou devoto de itamar
digo amém, paulo leminski
ave, maria
sob os mantos desse altar
acendo o círio canção
rezo terços de poesia
Daí
Deitam-se os véus
Um a um
Desde o horizonte, da fonte, do leste
E costuram com fios de angústia
A dura noite, até o poente, na ponta do contra-
-oriente
P.S.
Enquanto isso a vida, profana artista
mimeografa liras
e se enfeitiça
da poesia marginalida
Giram girassóis
Negando a sombra das noites
Ciranda de amores
Entre o chá e o cachimbo
Nada mais que uma tarde
O Sol desfia seus raios claros
Sem despejar calor
Tarde simples
Sexta após o feriado
Não se trabalha
Nem se viaja
E as horas nos traspassam
Tarde
Para todos os desesperos
Habemus Helenam
Rir é muito pouco
Ela chove em gargalhadas:
“Feliz é os louco”
passeio íntimo
tanta beleza
dançando
em minha vista
a linda passa
e nem sabe
que me conquista
Não é por amor
Pela pele, pela carne
Tesão, meu amor
Imbassaí
ali
liquefazer
a zica
entre águas
estender
na areia
a preguiça
ante palhoças
celebrar
a natureza
rica
Dançar entre pernas
Mais que brincadeira ou jogo
É a oração do corpo
Adjetivos de Graciliano
Derrama-se
Diante da coisa
O caos do homem
A tanger seus lobos
É preciso bordar
É preciso marcar
É preciso sangrar
Em cada palavra
Apenas arte
Para que jorre
Com poesia
Na secura da prosa
A verdade
Putas tristes
Gabo ensinou:
O ponto alto da vida?
Trepar por amor
Letramento dialógico
A leitura nunca é nula
A leitura nunca é só
O que leio enquanto escrevo?
Outros textos que dão nó
A mulher é um bicho
Ou o vento, ou um cisco
A mulher não é isso
E tampouco é aquilo
A mulher é um verso
Um bilhete, um rabisco
A mulher é o mundo
Ou talvez um vazio
Decantar a mulher
Entre tantas faces
É querer se perder
Sinceros disfarces
O que faz da mulher
Ser que se derrama
É ser o que quiser
Simples ser humana
Miss Poeta
para o escritor, tradutor, ensaísta, editor, professor, doutor, apresentador…
A prosa mesquinha estirada no verso
O livro de ponto, o abono, o abscesso
A quebra do lírico, a morte da ânsia
A plúmbea estrofe de pedra
Diplomas e plumas abrindo o acesso
A insana constância do tédio
A vida que vaga entre teses
O ventre a verter suas frases
Sem algo a dizer e daí, que remédio?
Poemas e exames de fezes
O ventre do artista
Gera a pérola infinita
Grávida maravilha
Bezerro de ouro
Sei que meu deus habita em mim
É parte de mim
Partilhada entre tantos
A esta hora
Caribenha fantasia
(Tem Caribe na Bahia)
Quincas berra Buendía
E a quenga mais triste, quem diria
Alegra o fim
E o fim da vida
Leoa em plumas de fogo
Seu hálito de nuvens
Destila meus sonhos tolos
Abolia, não
A vida?
Mero sufoco
A morte?
Nada de novo
Depois disso
Sempre vem aquilo
E, bem ou mal
Toda existência
Tem um final
Definitivamente letal
Se a rua é de barro
E a parede é de pau
Se parceiros de luta
Agora beijam a sola
De antigos judas
Mais que rancor
Precisamos da bruma
Pesadelam os puristas
(como se a pureza da língua
não fosse a mistura fina)
Que além das parnasiarias
Não há linguagens
E fora da cartilha
Tudo é selvagem, vertigina
Raimundo, Raimundo
Tua pena não te salva
Teu ventre não vale o mundo
P.S.
Morto o poeta, fica o desafio:
Como arrancar
O joio de seu trigo?
Abadia
Não negar o corpo
Manancial de texturas
Milagre de curvas
Palimpsesto de êxtases
Vinha de outro corpo
Lua Nova
Pingente
Que pende
Da orelha
Da estrela
Agora esperar
A ciranda das estrelas
Dança dos véus, Luas
E o que restar desse beijo
(seja amor ou atropelo)
Atrás da chuva
A Lua
Vestida de nuvens
Desnuda
A solidão noturna
Sem deixar de ser
Múltiplo, que vai além
Nem ser nada aquém
Nossa vocação e sina:
Ter raiz e semear
Teu rosto
Um tributo
O busto
Um abismo
Onde me prostro
Submisso
A corda
um último grito
ou sufocado gemido
diz o sempre dito:
me devora o precipício
no vazio do finito
Política de vitrine
Repitamos sem saber
E vivamos de clichê
Afinal, pensar pra quê?