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O vazio para artistas pode ser considerado a falta de inspiração para criar,
ou um momento de transição criativa, o nada que pode vir a ser algo, a
ausência que deve ser preenchida, um campo de estímulo para a fruição do
sensível... Artistas como Malevich, com seu suprematismo, em obras como
“Quadrado negro sobre fundo branco” de 1915 e “Branco sobre branco" de
1918, e Duchamp que em 1919 apresentou como obra uma ampola vazia com
o titulo “Ar de Paris”, são pioneiros na abordagem do vazio. Desse período
modernista para a atual contemporaneidade muitos ‘vazios’ tem sido
preenchido especialmente pela arte conceitual.
Por ocasião da 28a Bienal de São Paulo, conhecida como “Bienal do Vazio”
apesar do tema "Em Vivo Contato" proposto pela curadoria de Ivo Mesquita e
Ana Paula Cohen, fomos levados a refletir sobre o vazio nos espaços-meios da
arte...
Ao “afirmar que a dimensão utópica da arte está contida nela mesma, e não no
que está fora ou além dela” e que “a mostra vai pôr seus visitantes em contato
com maneiras de pensar e habitar o mundo para além dos consensos que o
organizam... Vai pôr seus visitantes em contato com a política da arte“,
podemos pensar se estamos nos referindo a um evento efetivamente de artes
visuais, pois maneiras de pensar o mundo são propostas de filósofos,
sociólogos... e habitar de arquitetos, engenheiros... tudo bem que artistas tem
formações diversas, abordando, atuando em diferentes áreas, mas do que
afinal a curadoria está tratando? De política social através de projeções
artísticas?
O curador Moacir dos Anjos esclarece, “política é aqui entendida não como
espaço de apaziguamento de diferenças, mas justamente o contrário. Ou seja,
como o espaço formado pelos atos, gestos, falas ou movimentos que abrem
fissuras nas convenções e nos consensos que organizam a vida comum. Ou
seja, como bem coloca o filósofo francês Jacques Rancière, política entendida
como esfera do "desentendimento".” E pretendendo contemplar todas as
linguagens irá incluir o pixo, “queremos incluí-lo porque achamos que o pixo
borra e questiona os limites usuais que separam o que é arte e o que é
política” disse, entendendo os pichadores como "artistas brilhantes", apesar de
"tratados como marginais". Ciente das dificuldades explica, “trazer o pixo
como mera expressão gráfica que se vale de um suporte bidimensional para
dentro do prédio da Bienal não interessa, não resolve coisa alguma. Esse seria
o caminho mais curto para destituir o pixo de sua força transgressora e de sua
originalidade.” Buscando assim uma abertura que se identifica mais com
consenso, com entendimento, do que o contrário.
O risco é sairmos do vazio e cairmos num mar de lama, ou melhor, numa areia
movediça dessas mistificadas que parecem ‘dragar’ tudo o que nela cai, mas
que na realidade matem as coisas latentes podendo voltar à superfície. E ai a
correspondência com a política que se exerce por aqui, onde tudo “desmancha
no ar”, lembrando a famosa frase do Manifesto Comunista de Marx “Tudo o
que era sólido se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e as
pessoas são finalmente forçadas a encarar com serenidade sua posição social
e suas relações recíprocas”. E então poderíamos divagar sobre o vazio na
política...
Mas, com o belo poético tema “Há sempre um copo de mar para um
homem navegar" a Bienal poderá muito bem abordar o imaginário no espaço
e tempo que o artista transforma usando material simbólico real ou virtual,
propondo um mergulho em sensações lúdicas que podem, ou não, refletir uma
critica social, e até ter uma abordagem política, instigando o visitante a
vivenciar a arte, compreendendo ou não... Arte não necessariamente leva a um
pensamento, a uma reflexão, ou a uma critica. Arte boa provoca os sentidos,
ela causa... sendo em si o efeito do que no artista foi causa primeira, mantendo
o ciclo de transformação que move a humanidade para além de razões-
conceitos concebidos.
De qualquer forma não existe vazio na arte que não seja “metáfora de uma
busca ou sintoma de uma aporia” como escreveu Affonso Romano de
Sant'Anna se referindo as obras de Malevich. Enquanto houver artistas
procurando inventar-rever-construir sentido, preenchendo espaços seja com
interpretações, com ilusões que inspiram significados imaginados... seja com a
rejeição, reinventando a existência... ou ainda, transgredindo preceitos...
teremos estímulo para fruições estéticas.
Referências:
Bienal de contrastes por Paula Alzugaray, Revista Isto É edição 2034, 29 de outubro de 2008
Caso Caroline Pivetta da Mota na 28a Bienal de São Paulo por Andre Mesquita, Artur
Matuck, Cristiane Arenas, Euler Sandeville, Flavia Vivacqua, Gavin Adams, George Sander,
Henrique Parra, 18 de dezembro 2008
http://www.canalcontemporaneo.art.br/brasa/archives/001984.html
Esta Bienal... reflete a arte contemporânea?, por Aracy Amaral, O Estado de São Paulo ,
31 de outubro de 2008 http://www.canalcontemporaneo.art.br/brasa/archives/001913.html
Ódio a pichadores me deixou tanto tempo presa, afirma jovem, por Laura Capriglione,
Folha de São Paulo, 20 de dezembro de 2008
Para ex-ministro da Justiça, punição foi "draconiana" por James Cimino, Folha de São
Paulo, 20 de dezembro de 2008
http://www.canalcontemporaneo.art.br/brasa/archives/001988.html
"'Pixo' questiona limites que separam arte e política", diz curador da Bienal de SP
por Fernanda Mena, Folha de S. Paulo, 15 de abril de 2010.
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u720657.shtml