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RESENHA TEMÁTICA
PENSAMENTO POLÍTICO E SOCIAL BRASILEIRO
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OS JURISTAS E A CONSTRUÇÃO DO ESTADO E DO PENSAMENTO POLÍTICO E SOCIAL BRASILEIRO (Notas Bibliográficas)
trução do Estado Nacional. Uma das hipóteses para modo, a faculdade de direito de Coimbra a res-
explicar esse fenômeno é o fato de a elite brasileira ponsável em grande parte pela formação superior
ter ido buscar, na formação jurídica de ensino su- da elite brasileira durante o período colonial e no
perior, a qualificação pessoal para os futuros ocu- início do Império.
pantes dos cargos de governo para o país que esta- A prevalência do estudo do direito na for-
va em processo de formação. mação da elite intelectual brasileira privilegiou a
Constata-se que, durante o período coloni- predominância desses profissionais na condução
al, não havia ensino superior no Brasil, fato que da política e da administração pública (1996, p. 28).
perdurou até a chegada da família real em 1808, A busca pela formação jurídica por parte da
quando algumas iniciativas culturais foram toma- elite colonial brasileira propiciou um treinamento
das, dentre elas, a organização das “escolas de para o exercício das funções políticas e adminis-
Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro” (Santos, trativas, já que o direito ensinado em Coimbra ti-
1978, p. 21) e a criação da Escola Nacional de Be- nha esse objetivo (Carvalho, 1996, p. 28). O ensi-
las Artes e da Academia Militar. no jurídico lá oferecido visava à formação de pro-
A inexistência de cursos superiores duran- fissionais do direito que tivessem amplos conhe-
te a colônia, contudo, não se constituiu em um cimentos, não somente jurídicos. Além disso, a
óbice para a formação e capacitação da elite brasi- faculdade de direito tinha por objetivo capacitar
leira. (Carvalho, 1996, p. 55). Para solucionar esse quadros para ocupação de cargos na alta adminis-
problema de falta de instrução superior durante o tração pública.
período colonial, a elite brasileira mandava seus Os juristas, por terem conhecimentos am-
filhos estudar na Europa, sendo Portugal, especi- plos, não só do direito, mas também de outras áre-
almente a Universidade de Coimbra, um dos lo- as do conhecimento, tais como política, diploma-
cais mais procurados pela elite dirigente em busca cia, economia, estavam preocupados e preparados
de formação superior. À metrópole “se deve a for- para a justificação do poder e para a montagem do
mação de uma primeira geração de cientistas e arcabouço legal do Estado. (1996, p. 32). A forma-
homens de letras brasileiros, que oportunamente, ção de juristas, segundo esse mesmo autor, se di-
seria responsável pela formulação e execução do ferenciava da formação dos advogados, pois esses
projeto de independência nacional.” (1996, p. 55)1 estavam mais preocupados com a solução de con-
Venâncio Filho relata que, durante o período colo- trovérsias que envolviam particulares, solucionan-
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nial, 2.458 brasileiros formaram-se nessa Univer- do conflitos de interesses intersubjetivos dentro
sidade (Venâncio Filho, 1982, p. 8). de uma relação processual. Nas palavras de Car-
A busca de formação superior, no período valho “os advogados, em contraste com os juris-
colonial, por parte da elite brasileira, concentrava- tas, são típicos produtos da revolução burguesa e
se, segundo José Murilo de Carvalho na formação da política liberal, pois são profissionais da repre-
jurídica (Carvalho, 1996, p. 55),2 sendo, desse sentação de interesses.” (1996, p. 26).
A formação de uma elite de juristas concen-
1
Um exemplo ilustrativo da procura de formação acadê- trada na Universidade de Coimbra contribui na
mica superior em Coimbra por parte da elite brasileira é o homogeneização das ideologias, havendo um
de José Bonifácio de Andrada e Silva, que, em 1783, vai
para essa Universidade estudar Mineralogia. José insulamento ideológico em relação às novas teori-
Bonifácio é reconhecidamente um dos intelectuais bra-
sileiros que mais se empenharam em um projeto de cons- as e doutrinas vigentes na Europa (Carvalho, 1996,
trução do estado nacional.
p. 34).
2
Esta assertiva é corroborada com dados numéricos apre-
sentados pelo próprio José Murilo de Carvalho. Somen- Esse objetivo da elite brasileira de formar os
te a título ilustrativo, no ano de 1772, 393 brasileiros se
matricularam em Coimbra, sendo que 360 se inscreve- agentes do Estado no curso de direito da Universi-
ram na disciplina “Cânones e Leis”, o que representa,
dessa forma, 91% das matrículas. (Carvalho, 1996, p. dade de Coimbra se confirma com a apresentação
57, quadro 1) de dados numéricos. Durante o período Imperial
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(1822/1889), aproximadamente 73% dos Ministros formação política, em lugar de uma formação ex-
de Estado tinham formação jurídica (Carvalho, clusivamente jurídica.” (1988, p. 141). Adorno
1996, p. 74, quadro 9). chega a dizer que, nessa época, não havia propria-
Com a chegada da família real, como dito mente ensino jurídico, e que os juristas foram ver-
acima, passam-se a adotar, no Brasil, iniciativas dadeiros autodidatas (1988, p. 94). O papel ideo-
culturais, dentre elas a criação de cursos superio- lógico das faculdades de direito, em especial da de
res, e essas iniciativas ganham fôlego com a Inde- São Paulo, foi exatamente o de “nada ensinar a
pendência, em 1822. Em 11 de agosto de 1827, D. respeito do Direito (1988, p. 237). Muitos alunos
Pedro I aprova, via decreto, a criação de dois cur- tiveram de aprendê-lo na prática ou na solidão dos
sos superiores de direito no Brasil, um situado na quartos das repúblicas (1988, p. 145).
cidade de São Paulo e outro na cidade de Olinda, No mesmo sentido encontram-se as obser-
em Pernambuco, denominados pelo decreto impe- vações de Miceli, para quem, até meados da Repú-
rial de “Cursos de ciências jurídicas e sociais” blica Velha, a Faculdade de Direito era a instância
(Venâncio Filho, 1982, p. 28). Durante todo o sé- suprema no campo da produção ideológica, con-
culo XIX até os trinta primeiros anos do século centrando inúmeras funções políticas e culturais,
passado, esses cursos constituíram-se no lócus no interior do sistema de ensino destinado à re-
onde seriam geradas, discutidas e difundidas “as produção da classe dominante (Miceli, 1979, p.
doutrinas sociais, políticas, econômicas e de ad- 35).
ministração.” (Santos, 1978, p. 21) Com a independência, o papel de
Essas duas faculdades de direito e, conse- homogeneização do pensamento das elites foi exerci-
qüentemente, a cultura jurídica, foram responsá- do por essas duas escolas de direito (Carvalho, 1996,
veis pela incorporação de todo o tipo de conheci- p. 34). Para se ter uma idéia dessa homogeneização,
mento e saber durante o período mencionado aci- verifica-se que grandes personalidades políticas e
ma (1978, p. 21). públicas foram, em suas respectivas épocas, con-
Wanderley Guilherme dos Santos nota que temporâneos nas faculdades de Direito, como, por
a concentração dos estudos jurídicos, econômi- exemplo, Nabuco de Araújo,3 Araújo Lima,
cos, políticos e sociais nas faculdades de direito, Sinimbu e Ferraz foram colegas em Recife, o mes-
somada à inexistência de outras instituições mo acontecendo com Zacarias e Cotegipe. Em São
especializadas, Paulo, na mesma turma, estavam reunidos Joaquim
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formar não apenar juristas mas também advoga- Adorno advoga a mesma tese, pois, para o autor,
dos, deputados, senadores, diplomatas e os mais as escolas de direito eram lócus para a formação
altos empregados do Estado.” (1996, p. 66). Esse de “quadros para o aparelho estatal”. (Adorno,
fato também é ressaltado por Wolkmer, para quem 1988, p. 81). As escolas de direito eram “celeiro
de parcela expressiva da inteligência brasileira e
a implantação dos dois primeiros cursos de di- dos principais dirigentes políticos dessa socieda-
reito no Brasil [...] refletiu a exigência de uma
elite, sucessora da dominação colonizadora, que de.” (1988, p. 135).
buscava concretizar a independência político- Joaquim Falcão reafirma essa vontade, ao
cultural, recompondo ideologicamente a estru-
tura de poder e preparando nova camada buro- dizer que, “no Brasil do Império, e certamente até
crático-administrativa, setor que assumiria a res-
ponsabilidade de gerenciar o país. Tais centros as primeiras décadas deste século, a função pri-
de reprodução da legalidade oficial positiva des- mordial das Faculdades de Direito foi essa: formar
tinavam-se muito mais a responder aos interes-
ses do Estado do que às expectativas judiciais da os quadros para o Estado nacional” (Falcão, 1978,
sociedade. Na verdade, sua função básica não era p. 85). E ainda, segundo o mesmo autor, não have-
formar advogados, mas, isto sim, atender às pri-
oridades burocráticas do Estado (Wolkmer, 2003, ria de ser para cargos que não fossem superiores,
p. 80). pois os cursos jurídicos se destinavam a formar “a
elite política jurídica e administrativa vinculada
Miceli corrobora essa assertiva, pois as Fa- ao Poder Central, prelúdio da burocracia federal.”
culdades de Direito eram a instância suprema no
(1978, p. 84). Do mesmo modo é o entendimento
campo da produção ideológica, concentrando inú-
de Werneck Vianna, ao afirmar que a criação dos
meras funções políticas e culturais (Miceli, 1979, cursos jurídicos visava prioritariamente à forma-
p. 35).
ção de quadros para preenchimento de cargos na
Os cursos de direito cumpriram esse papel e
engenharia estatal que estava sendo criada. (Vianna,
foram responsáveis pela formação de grandes e im- 1986, p. 84)
portantes estadistas. Joaquim Nabuco se referia a
A atribuição dessa função para as faculda-
essas faculdades como sendo as ante-salas da Câ-
des de direito pode também ser constatada se for
mara dos Deputados, tendo em vista o grande nú- analisada a estrutura curricular dos cursos de di-
mero de personalidades políticas que freqüentaram
reito criados em 11 de agosto de 1827. A atenção
essas duas faculdades, ele mesmo um exemplo dis-
dada às disciplinas técnicas foi demasiadamente
so (Nabuco apud Venâncio Filho, 1982, p. 273). reduzida, se comparadas às demais componentes
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particulares de seus clientes, é o lócus para a dis- ção colonial. (Wolkmer, 2003, p. 79). Ainda se-
cussão dos conflitos de interesses subjetivos colo- gundo esse autor, o liberalismo brasileiro pode ser
cados para a análise do judiciário. A falta de maior considerado como juridicista (2003, p. 79), sendo
atenção aos estudos dessa disciplina, em que as criações dos cursos jurídicos de Recife
contraposição a um grande enfoque dado ao estu- (Olinda) e São Paulo foram de importância axial
do do direito substancial (direito civil, marítimo e para a construção desse pensamento jurídico libe-
mercantil, direito público) e de outras disciplinas ral-formalista. Por fim, esse autor conclui que es-
(Economia política, diplomacia, direito constituci- sas duas faculdades de direito foram pólos de sis-
onal) ajudam a explicar a intenção dos cursos jurí- tematização e irradiação do liberalismo como nova
dicos do império de serem centros de formação de ideologia. (2003, p. 80).
juristas. Esse padrão perdurou até 1870, quando
Esse entendimento é compartilhado por houve uma reforma no ensino jurídico que deu a
Steiner (1974), ao dizer que esses cursos uma formatação mais voltada para o
pragmatismo. Em 1876, o curso é dividido em Ci-
o objetivo de uma educação geral prevaleceu ências Jurídicas, voltada para a formação de advo-
outrora nas faculdades de direito estrangeiras,
mormente portuguesas, que serviram de modelo gados e magistrados, e em Ciências Sociais cuja
às brasileiras. No clima social e cultural no sécu- finalidade era formar diplomatas, administradores
lo dezenove no Brasil, tal meta era compreensí-
vel e talvez inevitável. [...] Pretendia-se que os e políticos. (Carvalho, 1996, p. 76)
estudantes tivessem uma visão mais completa
da sociedade, coisa que o estudo exclusivo do Com a República, a grade curricular desses
Direito não poderia oferecer. A faculdade de Di- cursos também foi alterada pelo decreto n. 1232-
reito preenchia uma função não assumida por
qualquer outra instituição (Steiner, 1974, p. 62). H, de 02 de janeiro de 1891.5
A formação no curso de ciências jurídicas
Além dessa função atribuída às faculdades habilitava o graduado a exercer a advocacia, a ma-
de direito de serem as formadoras de quadros para gistratura e os ofícios da justiça, enquanto o for-
a gestão do Estado nacional, uma outra função, mado em ciências sociais estaria habilitado a ocu-
segundo Falcão, foi a elas atribuída: a de situar o par cargos no corpo diplomático e consular e car-
nível cultural-ideológico desses operadores do gos no governo e na administração (Venâncio Fi-
Estado nacional, auxiliando a homogeneizar cul- lho, 1982, p. 180-181).
turalmente as elites. As faculdades de direito, des- Nesse novo formato curricular, verifica-se
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um processo. Essa alteração pode indicar que as 1974, p. 69). Para os profissionais formados sob
faculdades de direito passaram a se preocupar em essa nova orientação, a lei e tão somente a lei “é
formar profissionais habilitados a resolver confli- base inevitável e suficiente para discussões” (1974,
tos de interesses, em detrimento da formação de p. 70), fazendo com que esse profissional fique
juristas que estariam mais próximos de uma for- apartado da realidade social que está em torno da
mação que valorizasse o arcabouço legal- norma.
institucional do Estado Nacional. Wanderlei Guilherme dos Santos (1978) tam-
A partir dessa mudança de foco dos cursos bém aponta o fenômeno do apartamento do ensi-
jurídicos, supõe-se o início do afastamento dos no jurídico em relação às ciências sociais como
juristas dos debates nacionais, podendo ser essa um fato de impacto na intelectualidade brasileira.
mudança curricular uma das chaves explicativas Segundo esse autor, da Independência até a tercei-
para esse processo. ra década do século XX “a intelectualidade brasi-
leira enfrentou o passado e o presente do país e do
exterior sem o auxílio de instituições especializadas
OS JURISTAS SUPOSTAMENTE DEIXAM DE na absorção, geração e difusão de conhecimentos
SER OS PENSADORES E CONSTRUTORES sociais” (Santos, 1978, p. 22), sendo que somente
DO ESTADO NACIONAL a partir dos anos 1930 “passou a contar a reflexão
social brasileira com esforços organizados das Es-
Essa chave explicativa é corroborada pelo colas de Sociologia e Política, em permanente ex-
pensamento de alguns autores que datam essa pansão quantitativa e geográfica.” (1978, p. 22).6
mudança de postura dos profissionais de direito A partir desse momento, o estudo das ciên-
de pensadores do Estado para profissionais da le- cias sociais passa a ser feito separadamente do es-
galidade, já no início século passado. tudo do direito, havendo uma mudança significa-
Nessa linha de raciocínio, encontra-se o tiva na formação dos profissionais da área jurídi-
posicionamento de Steiner (1974), para quem “des- ca, sendo que as faculdades de direito deixam de
de a organização das novas faculdades de ciências exercer as funções de absorção, geração, difusão e
sociais e humanidades, em 1920, a popularidade reflexão sobre a realidade social brasileira.
das escolas de Direito e a pressão sobre elas exercida Para Miceli, nesse período, também houve
diminuíram.” (Steiner, 1974, p. 60). Essa pressão, uma desvalorização do título universitário das pro-
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segundo Steiner, está relacionada ao propósito das fissões liberais, e essa situação
faculdades de direito que visavam, no Império e
no início da República, a um fim mais extenso, se agravou ainda mais porque os portadores des-
ses títulos se viram repentinamente obrigados a
qual seja, a formação de líderes para os diversos enfrentar a concorrência movida tanto pela nova
setores da sociedade (1974, p. 62) geração de especialistas em áreas em vias de
expansão (cientistas sociais, educadores, psicó-
As faculdades de direito passam a ter obje- logos, economistas, estatísticos, etc.) como pelos
profissionais de outros ramos do ensino superior
tivos mais modestos, deixam de realizar uma abor- que passaram a disputar as mesmas vagas nas
dagem humanística e sociológica do estudo do di- novas frentes de expansão do mercado de pos-
tos.” (Miceli, 1979, p. 38).
reito (1974, p. 66) e passam a se preocupar tão
somente com questões relacionadas à aplicação das
O reconhecimento de que as faculdades de
normas aos casos concretos.
direito eram pólos de irradiação de diversos ra-
Desse modo, o ensino do direito passa a ter
mos do conhecimento, inclusive da sociologia e
outro objetivo, qual seja, o da formação de profis-
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Em 1919, foi criada a Faculdade de Ciências Políticas e
sionais da legalidade. As leis, as normas e o direi- Econômicas do Rio de Janeiro; em 1933, foi criada a
to passam a ser estudados fora do contexto histó- Escola Livre de Sociologia e Política em São Paulo, segui-
da, em 1934, pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Le-
rico e social, divorciadas da realidade (Steiner, tras de São Paulo. (Santos, 1978, p. 22).
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da política, pode ser confirmada até mesmo pela Essa técnica de ensino propicia a formação
análise da formação acadêmica dos mais influen- de profissionais voltados apenas para solução de
tes pensadores sociais e políticos brasileiros até problemas individuais, preocupados com a lógica
metade do século passado, quando predominava, do interesse privado, resultando na formação de
na formação desses pensadores, o estudo do di- um profissional com uma visão simplista do di-
reito. Dentre os principais atores do pensamento reito, preocupado unicamente com a manutenção
social e político de formação jurídica, podem ser da ordem social,8 distante portanto da análise dos
mencionados: Gilberto Freyre,7 Oliveira Vianna, problemas sociais.
Tavares Bastos, Caio Prado Junior, Sérgio Buarque Oliveira Vianna trabalha com essa questão
de Holanda e Raymundo Faoro. do apartamento do direito em relação à realidade
Essa separação do estudo do direito das ci- social. Para esse autor, os profissionais do direito
ências sociais talvez seja a principal chave somente são treinados para reconhecer “o direito
explicativa da suposta ausência dos juristas nos quando na sua transubstanciação da lei, isto é, na
debates e na análise dos problemas sociais e polí- norma promulgada pelo Estado”. (Oliveira Vianna,
ticos brasileiros. 1974, p. 21) O direito é visto apenas como um
Essa mudança de foco na formação dos ba- complexo de direitos e obrigações, não se levando
charéis em direito implica a emergência de profis- em conta as forças sociais e extralegais (1974, p.
sionais alheios à realidade social, mas treinados 35) que estão subjacentes a esse conjunto de leis.
apenas para a aplicação e a interpretação das leis. Esse modo de pensar dos profissionais do
O ensino jurídico se reduz à análise objetiva da direito, ou seja, o fato de desprezarem as condi-
norma, com método próprio e específico, o lógico- ções sociais no momento da criação e da aplicação
dedutivo, sem se preocupar com a repercussão das leis acaba por afastá-los das discussões dos
social desse ato. problemas sociais e políticos brasileiros. Segundo
A ruptura do direito em relação às ciências Oliveira Vianna, para estes, as condições reais da
sociais acaba gerando também a auto-suficiência do sociedade não merecem ser consideradas nas suas
pensamento jurídico, com a dogmática jurídica, téc- cogitações (Oliveira Vianna, 1987, p. 16), as reali-
nica na qual o direito escrito se torna inquestionável dades sociais podem ser “eliminadas ou abolidas
e certo, ponto de partida para comentários num repente por uma lei, um código, uma consti-
exegéticos. A sua interpretação e significado lógico tuição, ou um ‘golpe’”. (1987, p. 16).
7
Segundo Maria Lucia Pallares-Burke, apesar de Gilberto
Freire ter cursado bacharelado em Ciências Jurídicas e 8
Notas tomadas na aula de Metodologia do Ensino Jurídi-
Sociais, na Universidade de Baylor, nos Estados Unidos, co, ministrada pelo Prof. Dr. José Eduardo Faria, no pro-
efetivamente esse pensador não cursou disciplina algu- grama de pós-graduação da Faculdade de Direito do Largo
ma da área jurídica (Burke, 2005, p. 62). do São Francisco, no dia 09/10/98.
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os bacharéis da legalidade, ao longo da história dente e imparcial, tendo por base a separação de
institucional brasileira, compuseram um imagi-
nário social distanciado tanto do Direito vivo e poderes, também reforça o deslocamento do ma-
comunitário quando das mudanças efetivas da gistrado somente para a função prática de aplica-
sociedade. Trata-se aqui do imaginário afastado
de uma legalidade produzida pela população, no ção da lei, não havendo mais a possibilidade de
bojo de um processo sintonizado com necessida-
des reais, reivindicações, lutas, conflitos e con- magistrados exercerem outra função, a não ser a
quistas. A retrospectiva comprova que, até hoje, judicatura, como era permitido até o final o final
tais agentes se revelaram não só hábeis servido-
res do ritualizado Direito estatal, afeito mais di- do período Imperial, quando os juízes eram livre-
retamente aos intentos dos donos do poder e dos mente nomeados pelo executivo e podiam
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Rui Barbosa foi um dos grandes arquitetos do Estado concomitante exercer outros cargos públicos. No-
Republicano. Segundo Lessa, possuía grande conheci-
mento teórico sobre o novo modelo de Estado que esta- vamente o exemplo de Nabuco de Araújo pode ser
va sendo criado e que no decreto n. 01, de 15 de novem- mencionado, já que esse grande estadista do im-
bro de 1889, que criou a república, “a marca de Rui
Barbosa era evidente” (Lessa, 2001, p. 19). Rui além de pério exerceu várias funções dentro do aparato
ser um dos arquitetos do regime republicano, também
exerceu grande influência na implantação do federalis- estatal, como Deputado, Juiz, Ministro, Senador e
mo, na separação da Igreja do Estado, tendo exercido
altos cargos no governo, como o de Ministro da Fazenda. Conselheiro do Império
(Lessa, 2001, p. 22). Esse grande e influente jurista bra- Uma outra questão merece ser colocada e
sileiro, entretanto, não tinha contato com as ciências
sociais. talvez possa ser um outro ponto de partida para
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compreender o porquê da ausência dos profissio- de partida e de chegada para toda e qualquer dis-
nais da área do direito nos debates e na análise cussão. O ensino técnico pauta-se pela repetição
dos problemas políticos e sociais brasileiros a par- acrítica das leis, por ser não reflexivo e pelo enfoque
tir do início do século passado. Trata-se do excessivo dado às disciplinas técnicas, principal-
desapreço dos profissionais do direito pela pes- mente às processuais. Esse método afasta desses
quisa e produção científica. As faculdades de di- profissionais o pensamento crítico, a percepção
reito, tendo em vista o próprio método de ensino sobre a repercussão e a conseqüência da aplicação
dessa ciência que se ampara em repetições e em estritamente técnica da lei ao caso concreto.
verdades absolutas, acaba por inibir qualquer es- Por sua vez, o ensino científico prima pelo
pécie de indagação e contestação a essas verdades. estudo da norma como um objeto de crítica e
Além disso, as faculdades de Direito têm fama de questionamento, sendo amplamente aceitável a
exigir “pouca competência técnica e pensamento discussão quanto à justiça ou não das normas ju-
crítico dos estudantes.” (Steiner, 1974, p. 70). O rídicas, havendo espaço para a reflexão. A opção
direito se isola das demais ciências humanas, em pelo ensino técnico tem por base a metodologia de
especial das ciências sociais, não acompanhando ensino voltada para as soluções dos problemas e
“integralmente os mais notáveis avanços da pes- conflitos intersubjetivos. Já a metodologia científi-
quisa no Brasil nos últimos cinqüenta anos.” (No- ca visa um ensino geral e global. No chamado en-
bre, 2003, p. 147). sino científico do direito, o estudante e, conse-
A mudança na formação do profissional do qüentemente, o profissional é preparado para uma
direito, de um ensino científico para um ensino visão macro do direito, tornando-se um conhece-
extremamente técnico, e a carência de pesquisas dor dos problemas sociais. Já no ensino técnico,
nessa área do conhecimento podem ser as chaves que visa à formação de advogados, juízes, promo-
explicativas ou as hipóteses para a questão levan- tores, esses profissionais passam a ter uma visão
tada sobre a pequena participação dos juristas nos micro, somente sendo formados e treinados para
debates sobre os problemas sociais e políticos do aplicar o direito ao caso concreto.11
Brasil e a assunção dessas funções por profissio- Ainda nos anos 60, novas propostas de
nais de outra formação acadêmica, como é o caso ensino jurídico foram feitas, dentre elas a prática
dos profissionais das ciências sociais. de um ensino voltado para o mercado. Essa idéia
Nos anos sessenta, os cursos de direito per- de renovação da técnica de estudo do direito foi
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Notas tomadas na aula de Metodologia do Ensino Jurí- 11
Notas tomadas na aula de Metodologia do Ensino Jurí-
dico, ministrada pelo Prof. Dr. José Eduardo Faria, no dico, ministrada pelo Prof. Dr. José Eduardo Faria, no
programa de pós-graduação da Faculdade de Direito do programa de pós-graduação da Faculdade de Direito do
Largo do São Francisco, no dia 20/11/98. Largo do São Francisco, no dia 14/08/98.
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CEPED, “o jurista não deveria ser formado como profissionais do direito aparentemente deixam de
arquiteto social [...] e sim educado e treinado numa exercer esse papel de pensadores e de construto-
filosofia de realismo jurídico que o capacitasse a res do Estado brasileiro, função que passa a ser
acompanhar o mundo cambiante dos negócios e exercida, supostamente e a princípio, por profis-
das empresas.” (Vianna, 1986, p.127). sionais ligados às ciências sociais.
Para Henry Steiner (1974), para essa nova Esse fenômeno pode ser explicado tendo
cultura jurídica introduzida pelo CEPED, o direi- em vista a finalidade última dos cursos jurídicos
to não mais poderia ser visto abstratamente, como no período imperial, de serem o local da difusão
um sistema aparentemente ordenado e “conveni- de todo conhecimento relacionado às ciências hu-
entemente afastado dos incômodos problemas da manas, perdendo claramente esse intuito com a
vida econômica e social” (Steiner, 1974, p. 77); o separação dos cursos jurídicos e sociais.
direito deveria ser visto a partir de “uma perspec- Com essa separação, as faculdades de direi-
tiva dinâmica, integrando um processo jurídico, to passaram a se preocupar tão somente com a for-
em revolução, do que sob forma estática e ordena- mação de profissionais voltados para a solução de
da.” (1974, p. 77). conflitos pessoais, deixando de lado as indagações
As inversões do ensino jurídico, de clássi- relativas aos problemas sociais e políticos, funções
co-humanista para técnico, e depois voltado para hipoteticamente assumidas pelas faculdades de
a lógica do mercado, podem ajudar a explicar o ciências sociais.
afastamento dos operadores do direito nos deba- Essa mudança de foco das faculdades acaba
tes dos problemas nacionais. por formar profissionais do direito desatentos a
esses problemas, tornando-os meros aplicadores e
reprodutores do sistema jurídico, sem qualquer
CONCLUSÕES análise critica quanto a essa função.
Essa reprodução das normas técnicas e essa
No intuito de responder às perguntas for- acriticidade também se refletem na pesquisa aca-
muladas no início do trabalho, algumas hipóteses dêmica jurídica, onde se encontra muita repetição
serão apresentadas na tentativa de desvendar o por- e pouca investigação, fato que também afasta os
quê desse fenômeno de aparente afastamento das profissionais do direito de indagações para além
faculdades de direito e dos intelectuais com forma- do hermético campo jurídico.
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ção jurídica na construção das instituições e do es- Desse modo, talvez a grande chave
tado brasileiro e na análise, no debate e na formação explicativa para as questões formuladas seja essa
do pensamento político e social nacional. mudança de foco das faculdades de direito, que
As respostas a essas questões têm íntimas deixaram de lado a formação humanística de seus
ligações e podem ser reduzidas a uma única expli- alunos, preferindo uma formação mais técnica e
cação: a formação jurídica. pragmática, sendo essa transformação aparente-
A cultura jurídica, durante o período impe- mente a causa do afastamento dos profissionais
rial e republicano, era geral e visava à formação de do direito das discussões acerca dos problemas
profissionais voltados para a construção do Esta- sociais, políticos e econômicos brasileiros, função
do que estava sendo criado, e de pensadores des- essa assumida, supostamente, pelas novas facul-
se novo Estado, no que tange aos problemas soci- dades de ciências sociais e, conseqüentemente,
ais, políticos e econômicos. A partir da separação pelos profissionais formados por essas faculdades.
do estudo do direito das demais ciências huma-
nas, fato ocorrido pouco antes da república e for- (Recebido para publicação em janeiro 2006)
talecido com a criação de novos cursos de ciências (Aceito em junho de 2006)
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Carlo José Napolitano
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