Sie sind auf Seite 1von 17

O Brasil é dualista?

Anotações sobre a vigência de normas internacionais no


ordenamento brasileiro

André Lipp Pinto Basto Lupi

Sumário
1. Introdução. 2. A doutrina brasileira e o
enquadramento da prática nacional entre o
monismo e o dualismo. 3. O “debate originário”
sobre dualismo e monismo. 4. O marco inicial da
vigência do tratado internacional. 4.1. Vigência
de tratados no ordenamento brasileiro. 4.2.
Acordos executivos. 4.3. O costume. 5. A norma
internalizada e os fatos internacionais posterio-
res à sua vigência. 5.1. Efeitos da denúncia sobre
o tratado vigente internamente. 5.2. A vigência
internacional do tratado para outro Estado Parte.
5.3. Acordos cuja vigência está subordinada à
observância da reciprocidade. 6. Conclusões.

1. Introdução
Tema dos mais constantes na lista das
publicações brasileiras sobre Direito Inter-
nacional, a relação do Direito Internacional
com o Direito Interno provoca distintos
debates, teóricos e práticos. Quanto à te-
oria, uma análise da doutrina evidencia
séria discordância entre os autores, cujas
leituras dos textos clássicos sobre o assunto
André Lipp Pinto Basto Lupi é Professor de nem sempre são convergentes. No mais das
Direito Internacional da Universidade do Vale vezes, esse desafino dá-se no plano descri-
do Itajaí (programas de Mestrado em Ciência tivo; são tentativas distintas de classificar
Jurídica, graduação em Direito e graduação em as posturas adotadas pela nossa legislação
Relações Internacionais). Doutor em Direito
e jurisprudência. À moda dos debates
Internacional pela Faculdade de Direito da Uni-
versidade de São Paulo, com estágio doutoral no doutrinários, dois rótulos identificam as po-
Institut Universitaire de Hautes Études Internatio- sições em oposição: dualismo e monismo.
nales de Genebra. Bacharel e Mestre em Direito No curso dos anos, essas fórmulas foram
pela Universidade Federal de Santa Catarina. modificadas, relativizadas, modalizadas.

Brasília a. 46 n. 184 out./dez. 2009 29


Surgiram expressões como “monismo Deve-se fazer algumas ressalvas antes
moderado” e “dualismo radical”, dentre de adentrar no tema específico. Este tra-
outras. O aprofundamento da análise re- balho se insere num conjunto maior de
vela, porém, um conjunto tão variado de pesquisas sobre o tema das relações entre o
situações práticas e soluções jurídicas em Direito Internacional e o Direito brasileiro.
cada Estado que mesmo essas modalizações Foram reservados para outros relatos al-
parecem tornar-se pouco úteis, pois elas guns problemas conexos ao aqui abordado,
simplificam excessivamente o problema. como, por exemplo, o da processualística
Esta é razão de muitos para condenar ao de internalização e o da hierarquia das
ostracismo tais expressões, preferindo abor- normas internacionais. Este artigo enfatiza
dar o tema de modo mais pragmático. Não as questões relativas à vigência, entendida
obstante, elas permanecem no repertório esta como o aspecto temporal da validade
linguístico dos jusinternacionalistas e, com e condição de aplicação da norma (Cf.
isso, compõem a sua forma de compreender SERRANO, 1999; FERRAZ JR. 2001). Prio-
a realidade normativa que lhes incumbe riza, como objeto de análise, as posições
descrever e sistematizar.1 Destarte, parece do Poder Judiciário, embora preocupe-se
interessante rever esse debate doutrinário à igualmente com manifestações dos outros
luz da indagação sobre sua aplicabilidade à poderes e da doutrina.
posição prevalecente na jurisprudência dos
tribunais brasileiros.
2. A doutrina brasileira e o
A intenção deste artigo é a de responder
à questão do seu título. Para tanto, o primei- enquadramento da prática nacional
ro tópico apresenta as variações nas classifi- entre o monismo e o dualismo
cações doutrinárias, que justificam a eleição A doutrina brasileira esforça-se se-
do problema central deste trabalho. No guidamente para classificar a orientação
passo subsequente, explica-se o dualismo, preponderante das autoridades judiciárias,
na sua versão clássica, tal como defendida legislativas e executivas do País. Os autores
por Triepel, Santi Romano e Anzilotti. Para buscam apoio no texto constitucional, que
melhor visualização das distâncias perante pouco fala sobre as relações entre o Direito
a corrente adversária, incluiu-se uma breve Internacional e o Direito brasileiro. Seguem
explicação do monismo kelseniano. Delimi- seu curso pincelando alguns dispositivos
tada a expressão-chave desta investigação, da legislação nacional e buscando noutros
verifica-se, a seguir, a correspondência dos autores do passado e nalguma casuística re-
postulados do dualismo com as posições cente os elementos que eles tentarão ordenar
adotadas pelos tribunais pátrios. Tópicos pela referência ao dualismo ou monismo.
consecutivos apresentam a análise do mo- Francisco Rezek (2005, p. 5) afirma
mento de entrada em vigor e dos eventos nortear-se o Judiciário brasileiro pela ideia
que afetam a vigência da norma internacio- do “monismo nacionalista”, segundo o
nal, em particular a suspensão, a denúncia qual é no texto da Constituição que se deve
e a revogação do tratado. buscar o “exato grau de prestígio a ser
atribuído às normas internacionais escritas
1
Como exemplo da atualidade do debate entre
monismo e dualismo, pode-se citar a crítica desenvol- e costumeiras.”2
vida por um dos principais autores de Direito Interna- Em oposição, Celso de Mello (2000, p.
cional dos EUA, à jurisprudência da Suprema Corte 119) dizia que o Brasil era, ao menos em
daquele país: HENKIN (1997,p. 515-518); também
parte, dualista. Segundo ele:
pode-se citar o relato do maior projeto de pesquisa
em andamento sobre a matéria: FOOTER (2001, p. 249-
252); bem como os trabalhos da INTERNATIONAL 2
O autor deixou clara, em outras obras, sua aver-
LAW ASSOCIATION (1998, p. 659-683). são a essa posição: REZEK (1997, p. 54-59.

30 Revista de Informação Legislativa


“A Constituição Federal de 1988 ado- salta aos olhos. Tem-se a impressão de que o
ta o dualismo ao fazer a incorporação debate entre monismo e dualismo no Brasil
do Direito Internacional no Direito desprendeu-se das questões que lhe deram
Interno, pelo menos em um setor origem. Por conta da elevada importância
determinado, ao estabelecer que os prática do problema das antinomias, quis-se
direitos do homem consagrados em desenvolver argumentos a partir daquelas
tratados internacionais fazem parte posições teóricas para enfrentar o tema do
do Direito Interno.” conflito entre norma internacional e norma
Carlos Husek (2007, p. 31) anota a exis- interna. O distanciamento do problema
tência de certa oscilação. Para ele, originário permitiu novas matizações dos
“em determinadas matérias somos conceitos, criando novas oposições e dando-
monistas, em outras nem tanto e ain- lhes novas feições. Não há nada a lamentar
da sobram aquelas que nos firmamos aqui, nem se prega a nostalgia das obras dos
pelo dualismo. Algo nos parece certo, grandes autores do Direito Internacional
pelo menos numa primeira análise: do século XX. Mesmo assim, dificilmente
não somos monistas com primazia se poderá encontrar alguma base segura
na ordem interna.” fora das raízes desse debate, nas obras de
Em livro monográfico sobre o assunto, Triepel, Anzillotti, Santi Romano e Kelsen.
Mariângela Ariosi (2000, p. 211) afirma A eles convém retornar brevemente, pelo
adotar-se aqui o “monismo moderado que a isso se dedica o próximo tópico.
nas questões de conflito entre tratado e lei
interna”. Para ela, há também certa flutu-
ação, porém entre outras duas categorias:
3. O “debate originário”
monismo radical e moderado. O primeiro sobre dualismo e monismo
seria aquele em que tem primazia o Direi- A discussão central deste artigo tem
to Internacional; o segundo resolveria as suas raízes no famoso livro de Carl Hein-
antinomias entre normas internacionais e rich Triepel, Völkerrecht und Landesrecht
nacionais pela aplicação do princípio lex (1899). Muitos anos depois, esse trabalho
posteriori derogat priori, ou seja, conferiria foi objeto de uma revisão e apresentação
paridade hierárquia aos tratados em relação resumida perante a Academia de Haia.
às leis internas. (Idem) Triepel defende o voluntarismo e o dualis-
Boa parte da doutrina, porém, observa mo, baseado na teoria da vontade coletiva
com pesar a adoção que identifica como (Vereinbarung), inspirada por uma analogia
dualismo ou monismo nacionalista na a um instituto do Direito alemão. Para ele,
jurisprudência brasileira, defendendo a uma norma jurídica é sempre o conteúdo
mudança para o monismo com primazia de uma vontade superior que se impõe,
do Direito Internacional.3 com o efeito de limitar as esferas das von-
Na evidente incerteza relativa ao pró- tades humanas que lhe são submetidas.
prio significado das expressões emprega- No Direito Internacional, não podendo a
das, deve-se buscar conformar um acordo vontade de um obrigar vários, tem-se que
semântico para prosseguir nessa investi- a vontade fundamentadora das normas só
gação. Todos os autores citados conhecem pode ser uma união das vontades de cada
profundamente a prática de nossas autori- Estado, constituindo uma “Vereinbarung”,
dades e todos apoiam-se em boa doutrina união de vontades diferentes destinada
para categorizá-la. Contudo, a divergência a satisfazer interesses comuns (TRIEPEL,
3
Neste sentido: HUSEK (2007, p. 31); MELLO
1899, p. 50-79).
(2000, p. 118-120); LITRENTO (1997, p. 97-104); ARAÚ- A diferença no fundamento da obri-
JO (2000, p. 45-50). gação (vontade coletiva dos Estados ou

Brasília a. 46 n. 184 out./dez. 2009 31


vontade de um Estado singular) implica vários dos seus argumentos estão atrelados
distinção de sistemas jurídicos, revelada a outros anteriores. Em uma brevíssima
nos seus principais aspectos: quanto aos síntese, lembra-se da pureza metodológica,
sujeitos, num caso os Estados, noutro os das relações de validade entre as normas,
poderes internos do Estado e as pessoas do necessário fundamento de validade de
sob sua jurisdição; quanto às fontes, trata- uma norma noutra norma, da remissão à
do e costume no Direito Internacional, leis norma fundamental e da estrutura escalo-
e costumes no Direito Interno; quanto às nada do ordenamento jurídico (KELSEN,
relações, entre Estados, ou entre o Estado e 1991). Dessas premissas aqui lembradas
seus cidadãos, ou dos cidadãos entre si. Em emergem os corolários constituintes do
fórmula sintética, afirma Triepel, Direito monismo kelseniano.
Internacional Público e Direito interno “são Como visto, a questão da separação ou
dois círculos em contato íntimo, mas que unidade das ordens jurídicas internacional
não se sobrepõem jamais.”4 Ilustra bem essa e interna depende, nesse debate clássico, da
posição a figura trazida por Bobbio (1999, resposta a outro problema fundamental:
p. 166), em sua teoria do ordenamento, de qual é o fundamento de obrigatoriedade de
dois conjuntos intocáveis, incomunicáveis, cada uma dessas ordens jurídicas? Também
caracterizando uma situação de exclusão por aqui começa Kelsen. Para ele, ambos os
total. sistemas têm a mesma norma fundamen-
As consequências práticas da tese du- tal. Portanto, compõem o mesmo sistema
alista são explicadas posteriormente por jurídico.
Triepel. Em primeiro lugar, não pode haver A relação entre o fundamento de vali-
nulidade da norma de Direito interno por dade da ordem jurídica estatal e da interna-
incompatibilidade com a norma de Direito cional passa pelo exame dos âmbitos de va-
Internacional, porquanto emanam de von- lidade do ordenamento interno. Quanto ao
tades diferentes e destinam-se a sujeitos âmbito territorial, o ordenamento interno é
diferentes. “A lei interna contrária ao Di- delimitado pelo Direito Internacional, que
reito Internacional vincula os sujeitos tanto reconhece e define o território do Estado e
quanto a lei conforme ao Direito Internacio- sua personalidade jurídica. Consequente-
nal”, assevera. Os juízes “são obrigados a mente, também é o Direito Internacional
aplicar o direito interno, mesmo contrário o definidor do alcance do ordenamento
ao Direito Internacional.”5 jurídico interno quanto às pessoas a quem
O dualismo teve Hans Kelsen como seu se dirige. Pelo princípio da efetividade, o
principal adversário.6 Em vários escritos, Direito Internacional encarrega-se ainda de
Kelsen contesta o dualismo, apontando o determinar a vigência do ordenamento jurí-
que considera serem inconsistências lógi- dico estatal, visto como um todo (KELSEN,
cas dessa teoria. Como se sabe, a obra de 1926, p. 249-262). Finalmente, quanto aos
Kelsen requer uma análise sistemática, pois conteúdos, o Direito Internacional limita a
produção normativa interna, impondo-lhe
4
No original: “le droit international public et le certas finalidades e proibindo certos conte-
droit interne sont... des systèmes juridiques distincts. údos (Idem, 1998). Desse modo, a própria
Ce sont deux cercles qui sont en contact intime, mais qui
ne se superposent jamais.” (TRIEPEL, 1923, p. 83).
existência do Estado define-se pelo Direito
5
Na língua original: “La loi interne contraire au Internacional e, portanto,
droit international lie les sujets autant que la loi confor- “a norma fundamental de diferentes
me au droit international.” Em seguida, “...les juges. Ils ordens estatais (...) é uma regra do
sont obligés d’appliquer le droit interne, même contrai-
re au droit international.” (TRIEPEL, 1923, p. 104).
Direito Internacional positivo, e uma
6
Os próprios dualistas assim o identificam. Vide, regra que, na sua fórmula abstrata,
a propósito, TRIEPEL (1923, p. 84-87). vale para todos os Estados, regra

32 Revista de Informação Legislativa


que institui as autoridades jurídicas podem não prever a necessidade de um
superiores e delimita a esfera de ação procedimento interno para a vigência da
de cada uma delas.”7 (KELSEN, 1926, norma no seu território. (Idem)
p. 314-317) Dionisio Anzilotti responde a Kelsen em
Em decorrência da unidade entre os dois seu próprio campo de combate. O italiano,
sistemas, a incompatibilidade da norma juiz da Corte Permanente de Justiça Interna-
interna com a internacional resulta numa cional, aceita parte das premissas kelsenia-
antinomia. Sua solução depende de uma nas. Cita Triepel, para dele discordar quanto
tomada de posição: a primazia do ordena- à tese da Vereinbarung, porque ela não resiste
mento internacional ou do ordenamento in- a um exame empírico mais rigoroso. Por
terno. Sabe-se que Kelsen (1926, p. 321-326) outro lado, reconhece que todas as normas
preferia a primeira, embora não julgasse jurídicas internacionais encontram guarida
ser a segunda impossível do ponto de vista sob o princípio pacta sunt servanda, pois o
lógico. Era politicamente indesejável, mas Direito Internacional deriva dos acordos
não cientificamente equivocada.8 Assumin- entre os Estados, expressos (tratados) ou
do a primazia do ordenamento internacio- tácitos (costume). Assim, embora comparti-
nal, a norma interna incompatível deve lhe postulados do voluntarismo dualista de
ser anulada por um órgão competente ou, Triepel, confere-lhes novas cores. O Direito
isto não sendo possível pela constituição Internacional tem sua unidade garantida
estatal, gerar-se-á uma violação do Direito pela derivação da obrigatoriedade de uma
Internacional e advirá a responsabilidade mesma norma fundamental. Porém, ao con-
do Estado, com aplicação das sanções cabí- trário de Kelsen, Anzilotti (1999, p. 41-48)
veis (KELSEN, 1926, p. 314-317). enuncia essa norma expressamente – pacta
Quanto à vigência, Kelsen afirma que não sunt servanda –, não obstante reconheça o
existe transformação necessária do Direito caráter não-empírico de sua proposição.
Internacional em Direito Interno. A norma O efeito disso sobre a discussão relativa
pode ser recebida intacta pelo ordenamento ao dualismo se sente no capítulo seguinte
interno. A vigência pode inclusive coincidir, do Curso do autor italiano. Ele propõe a
concedendo efeito direto às normas interna- questão em termos kelsenianos: reside a
cionais. Prova disso é que as constituições força do Direito numa ou em várias normas
fundamentais? Responde-a a seu próprio
7
O trecho, no original: “Ce qui est ainsi défini, modo, rejeitando Kelsen. O Direito Inter-
ce n’est pas seulement l’existence internationale ou nacional e o Direito interno têm normas
juridique de l’État; c’est encore – du point de vue de
la primauté du droit international – l’État en général,
fundamentais distintas. Ambas as ordens
c’est-à-dire la donnée fondamentale qui est à la base pressupõem uma à outra, mas as regras de
du système du droit interne en son entier. Mais alors, cada uma derivam sua validade de normas
on aperçoit également que la norme fondamentale fundamentais peculariares a cada sistema.
des différents ordes étatiques – qui, du point de
vue de la primauté de l’ordre étatique, apparaissait
A norma somente possui força jurídica na
comme une norme hypotéthique – est une règle du ordem à qual pertence. Para outra ordem
droit international positif, et une règle qui, dans sa ela pode ser, quando muito, um fato rele-
formule abstraite, vaut pour tous les États; règle qui en vante. (ANZILOTTI, 1999, p. 42-45)
institue les autorités juridiques supérieures et délimite
la sphère d’action de chacune.”
Como consequência, normas interna-
8
Nestas páginas, ele se refere à superioridade cionais são produzidas entre Estados para
moral do objetivismo, atrelado que está ao pacifismo e relações entre si, não interferindo na obri-
à negação do imperialismo. O objetivismo identifica-se gatoriedade das normas internas. A vigên-
com a primazia da ordem internacional e favorece o
desenvolvimento de uma civitas maxima, um Estado
cia e a validade de normas internacionais
universal, por ele qualificado como o objetivo último definem-se pelo Direito Internacional e a de
de todo esforço político. normas internas, pelo Direito Interno, não

Brasília a. 46 n. 184 out./dez. 2009 33


obstante ser admissível que o legislador in- São instituições que diferem não só quanto
terno queira adotar mecanismos que façam às fontes, mas também por terem esferas
coincidir a validade e a vigência interna com de eficácia distintas. Tão forte assoma a
a internacional.9 Toda recepção de uma nor- dessemelhança que a separação é elevada
ma alheia ao sistema requer um ato de esta- à categoria de princípio fundamental. Há
belecimento de normas, uma transformação. mais: como ambos são originários, ainda
Mudam o valor formal, os destinatários e que um pressuponha o outro em certa me-
o conteúdo da norma (ANZILOTTI, 1999, dida, os dois ordenamentos, internacional
p. 62-63). Enfim, surge uma nova norma, e interno, podem cada qual negar valor
dentro do sistema que recepciona. E sua ao outro ordenamento. (ROMANO, 1939,
vigência e sua validade são determinadas p. 51)
conforme esse sistema. Isto caracteriza um As contradições entre ambos os orde-
importante ponto do dualismo. namentos podem existir na prática. Porém,
A seu próprio modo, Santi Romano para S. Romano (1939, p. 46),
sustentou também a tese dualista nas suas “esta contradição não retira eficácia a
principais obras na área, L’Ordinamento nenhum dos dois [ordenamentos] (...)
Giuridico (1918) e Corso di Diritto Interna- Desta forma pode acontecer que um
zionale (1939). Sua fundamentação, classi- Estado aja de um modo que poderá
ficada como antiformalista (NÓBREGA, ser legítimo pelo seu ordenamento,
2008), remete a outros pontos de partida. mas antijurídico pelo ordenamento
S. Romano parte da ideia de comunidade: internacional, e vice-versa: numa e
onde há comunidade organizada, existe na outra hipótese surgirão as res-
uma instituição. Um ordenamento existe ponsabilidades sancionadas no orde-
onde haja instituição e garantias para a namento violado, que assim poderá
ordem. O Direito Internacional, segundo manifestar a sua eficácia sem ter em
esse autor, somente pode derivar da comu- conta a ordem que o contraria.”10
nidade internacional, que não é formada Revistas, nesse panorama, as teorias que
exclusivamente por Estados, mas por todas originaram a cisão entre dualistas e monis-
as entidades aceitas pela própria comunida- tas, forjando, pelo contraste, a imagem de
de. Logo, mesmo com uma forma distinta cada qual, pode-se estabelecer, num esforço
dos ordenamentos estatais, há um Direito de síntese, que são postulados do dualismo,
Internacional (ROMANO, 1939, p. 1-11; com suas respectivas consequências: a) a
2008, p. 96-105). cisão rigorosa entre o Direito Internacio-
O dualismo encontra-se em Santi Ro- nal e o Direito Interno; b) a independência
mano como pedra angular de sua teoria, do momento inicial de vigência interna-
radicada na relação inextricável que esta- cional da norma internacional do marco
belece entre Direito e comunidade. Se vêm correspondente no ordenamento interno;
de comunidades diferentes, são direitos de c) a independência da vigência da norma
outras ordens. O Direito Internacional é o internalizada dos fatos transcorridos nas
Direito da comunidade internacional e o relações entre os Estados; d) a definição
Direito Interno o da comunidade estatal. da hierarquia da norma internacional no
9
No original, o trecho a que se refere é o seguinte: 10
No original: “Però questa contradizione non
“D’une manière analogue, les conditions de validité toglierà efficacia nè all’uno nè all’altro. (...) Cosicchè
et la durée des normes internationales dépendent può darsi che uno Stato agisca in un modo che potrà
exclusivement du droit international, et les conditions essere legittimo pel suo ordinamento, ma antigiuridico
de validité et la durée des normes internes dépendent pel l’ordinamento internazionale, e viceversa: nell’una
exclusivement du droit interne, même si les normes e nell’altra ipotesi sorgeranno le responsabilità sancite
internes trouvent leur occasion et leur raison d’être dall’ordinamento violato, che così potrà manifestare la
dans un rapport international”. (Idem, p. 56) sua efficacia senza tener conto di quello contrario.”

34 Revista de Informação Legislativa


plano interno pelo próprio ordenamento do O Congresso brasileiro não participa das
Estado; e) a divergência de norma interna negociações, nem mesmo pela via indireta
superior com norma internacional inferior de prefixação dos limites e objetivos do País
gera consequências apenas perante o Direi- numa determinada negociação. Até a assi-
to Internacional. natura, tudo cabe ao Presidente. Somente
A seguir, neste artigo, conforme a após a aposição da firma e a remessa do
delimitação acima exposta, explorar-se-á ato por mensagem presidencial, caberá ao
em profundidade o enquadramento da Congresso Nacional apreciar as obrigações
prática brasileira nas três primeiras dessas a serem contraídas. Esse passo está regula-
afirmações. do pelo artigo 49, I. Diz o dispositivo em
questão que o parlamento “resolve defini-
4. O marco inicial da vigência tivamente” sobre a aprovação de tratados,
do tratado internacional quando implicarem ônus ao patrimônio
nacional, mas silencia quanto aos efeitos
4.1. Vigência de tratados da aprovação congressional.13
no ordenamento brasileiro Não obstante autorizadas vozes em
A sistemática de internalização dos contrário,14 o entendimento prevalecente
tratados no Brasil segue um trâmite entende que o Congresso apenas aprova
constituído pela prática das autoridades o tratado, devolvendo a matéria ao Poder
nacionais, sob a pálida luz de alguns pou- Executivo, como, aliás, sói acontecer com
cos dispositivos constitucionais sobre o o processo legislativo ordinário. Os atos
assunto. Na Constituição vigente, são os definitivos concernentes à vigência do
artigos 49, inciso I, e 84, incisos VII e VIII, tratado incumbem ao Executivo, que o ra-
os que instruem sobre as competências do tifica no plano internacional e promulga-o
Presidente da República e do Congresso mediante Decreto Presidencial para que
Nacional na contração de obrigações inter- gere efeitos internamente.15 Os dois atos são
nacionais pelo País. Segundo se depreende perfeitamente distintos e não se afetam reci-
do artigo 84, a representação do Brasil nas procamente. Pode haver tratado ratificado
relações internacionais se faz pelo Presi- não promulgado. Nesta hipótese, o Brasil
dente, a quem incumbe negociar e assinar está obrigado perante os demais Estados
tratados.11 Obviamente, pode ele delegar Partes, se o tratado já viger também para
tais funções.12 eles, porém os juízes não podem aplicá-lo.
Há precedente jurisprudencial muito claro
11
O dispositivo citado tem a seguinte redação:
“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da dente a possibilidade de delegação, seja pelo Direito
República: VII – manter relações com Estados estran- Internacional, na Convenção de Viena sobre Direito
geiros e acreditar seus representantes diplomáticos; dos Tratados de 1969, artigos 7o e 8o, seja pelo Direito
VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacio- interno, em que se admite a competência derivada
nais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional.” dos ministros para exercer, por delegação, atos da
12
A questão se pôs na impetração de mandado de competência do Presidente. No caso do Ministro das
segurança por parlamentares contra a assinatura do Relações Exteriores, a autorização consta do Decreto
acordo de salvaguardas tecnológicas sobre o uso da no 2.246, de 6 de junho de 1997.
base de Alcântara pelo Ministro das Comunicações. 13
In verbis: “Art. 49. É da competência exclusiva
O STF não se pronunciou sobre a questão específica do Congresso Nacional: I – resolver definitivamente
da representação, posto que julgou haver ilegitimi- sobre tratados, acordos ou atos internacionais que
dade ativa dos impetrantes. STF. Medida Cautelar no acarretem encargos ou compromissos gravosos ao
Mandado de Segurança n. 23914/DF. Rel. Min. Maurício patrimônio nacional.”
Corrêa. Decisão de 08.05.2001. [Todas as referências 14
Para Paulo de Barros Carvalho (2008, p. 102-
à jurisprudência neste artigo valem-se das seguintes 117), o Decreto Legislativo introduz de pleno direito
abreviações dos nomes dos tribunais: STF – Supremo o tratado no ordenamento interno. Posição semelhante
Tribunal Federal; STJ – Superior Tribunal de Justiça; defendeu Magalhães (2000, p. 69-81).
TRF4 – Tribunal Regional da 4a Região]. Todavia, é evi- 15
Sobre o tema, vide MEDEIROS (1995).

Brasília a. 46 n. 184 out./dez. 2009 35


a esse respeito, com endosso da doutrina16 trabalho. Primeiro, mostra que os tribunais
e da consultoria jurídica do Itamaraty ainda buscam orientação nas teorias dua-
(ACCIOLY, 2001, p. 219-223). Nessa célebre listas e monistas, embora preservem certa
decisão, o STF considerou que o Decreto liberdade para aplicá-las. Segundo, regis-
Legislativo não tem o condão de tornar vi- tra as tentativas de aduzir adjetivos para
gente um tratado no Brasil, o que só ocorre acrescentar premissas ou consequências
depois da promulgação e publicação do aos conceitos primários (v.g. “dualismo
Decreto Presidencial no Diário Oficial da extremado”). Terceiro, motivo pelo qual foi
União. Lê-se no acórdão: referida, nega vigência interna ao tratado
“Não obstante a controvérsia dou- antes de sua promulgação.
trinária em torno do monismo e do A hipótese inversa, de promulgação
dualismo tenha sido qualificada por do tratado antes da vigência internacio-
Charles Rousseau (Droit Internatio- nal, revela-se bastante remota. Faltar a
nal Public Approfondi, p. 3/16, 1958, promulgação depois da ratificação pode
Dalloz, Paris), no plano do direito ocorrer por lapsos no trâmite burocrático,
internacional público, como mera mas promulgar sem ratificar geraria uma
‘discussion d’école’, torna-se neces- ordem de execução de algo que ainda não
sário reconhecer que o mecanismo de existe. Ao menos é o que se conclui da lição
recepção, tal como disciplinado pela doutrinária pátria. No parecer de Accioly
Carta Política brasileira, constitui a (2001), a promulgação é
mais eloqüente atestação de que a “o ato jurídico, de natureza interna,
norma internacional não dispõe, por pelo qual o Governo de um Estado
autoridade própria, de exeqüibilida- afirma ou atesta a existência do trata-
de e de operatividade imediatas no do, com o preenchimento das forma-
âmbito interno, pois, para tornar-se lidades exigidas para sua conclusão,
eficaz e aplicável na esfera doméstica e ordena sua execução dentro dos
do Estado brasileiro, depende, essen- limites da competência estatal.”
cialmente, de um processo de integra- Mais adiante, reprisa as duas funções
ção normativa que se acha delineado, do ato sob comento, dizendo com ele se
em seus aspectos básicos, na própria pretender “certificar a existência do ato
Constituição da República. (...) Sob tal promulgado e determinar que o mesmo
perspectiva, o sistema constitucional seja cumprido”(Idem). Antes da vigência
brasileiro – que não exige a edição de internacional, o ato não é válido, incorren-
lei para efeito de incorporação do ato do a promulgação num erro quanto ao seu
internacional ao direito interno (visão pressuposto. Pela posição de Accioly, tal
dualista extremada) – satisfaz-se, ato seria próximo ao de sancionar uma lei
para efeito de executoriedade do- antes da aprovação do Senado. Assim, não
méstica dos tratados internacionais, obstante formule seu raciocínio com base
com a adoção de iter procedimental na clara distinção entre efeitos internos e
que compreende a aprovação con- internacionais do tratado, uma premissa
gressional e a promulgação executiva dualista, sua conclusão final faz crer que
do texto convencional (visão dualista a ratificação compõe o procedimento de
moderada).”17 internalização, tornando-o dependente
A argumentação acima transcrita com- daquela para sua adequada conclusão.
prova pontos importantes já trazidos neste No rigor do dualismo, deveria presu-
mir-se a geração de efeitos internos pela
Ver BAPTISTA (1996, p. 73).
16

STF. Carta Rogatória n. 8279-4. Relator. Min. Cel-


17 norma promulgada ainda não ratificada,
so de Mello. Diário da Justiça, 14.05.1998. p. 34. porquanto a ordem do Presidente da Re-

36 Revista de Informação Legislativa


pública contida no Decreto bastaria para prevalecente: a) os acordos, protocolos e
tanto, sem qualquer condição que a sus- ajustes que secundam tratados já aprova-
pendesse. Faltam neste ponto elementos da dos pelo Congresso Nacional; b) e os atos
prática governamental ou jurisprudencial da rotina diplomática. Mesmo neste último
que corroborem uma ou outra alternativa caso estará vedada a forma simplificada se
(a de aplicar-se o tratado internamente a execução do tratado demandar dotação
mesmo sem a ratificação, ou a contrária). orçamentária alheia àquela alocada às
De todo modo, se perante esta primeira relações exteriores ou gravame sobre bem
questão o dualismo parece enquadrar-se à público. Aduz-se que os atos devem ainda
prática brasileira, há outros pontos sobre ser reversíveis, isto é, que o Governo possa
a internalização que merecem cuidadosa desonerar o País de sua obrigação sem a
análise e serão a seguir abordados. necessidade do período requerido para a
eficácia da denúncia de um tratado.21
4.2. Acordos executivos A simplicidade do procedimento não
A aplicabilidade da teoria dualista à conduz, contudo, à eficácia imediata de
sistemática brasileira pode ser posta em tais acordos, simultânea à sua vigência in-
dúvida pela realização dos chamados ternacional. Suponha-se que tenha havido
acordos executivos, porquanto nestes não a troca dos instrumentos de ratificação na
há intervenção do Poder Legislativo na forma prevista no tratado, cumprindo-se a
formação do vínculo convencional. Deve- condição para o início da exigibilidade das
se investigar se a supressão de parte do obrigações nele previstas para os Estados
trâmite interno permite aproximar os dois signatários. No plano doméstico, dependerá
planos de vigência. de ato interno a vigência das normas nele
Segundo a prática brasileira, os acordos contidas. A esse respeito, vale a lição de
executivos diferem dos demais tratados Rezek, que anota ser “ostensivo” o nosso
por não serem submetidos ao Congresso ordenamento jurídico, requerendo-se norma
Nacional. A sua possibilidade jurídica foi interna publicada para que autoridades pú-
objeto de acesas discussões doutrinárias no blicas possam aplicar os comandos do trata-
País, marcadas pelo célebre debate entre do. Não há, a rigor, internalização de acordo
Haroldo Valladão (1950, p. 95-108)e Hilde- executivo. Em regra, cumprindo-se os atos
brando Accioly (1953, p. 58-63).18 Se hoje a internacionais necessários à vigência inter-
questão encontra-se adormecida, pode-se nacional, o acordo será publicado no Diário
radicar sua solução numa interpretação Oficial. Essa publicação não acompanha
extensiva do artigo 49, I, da Constituição.19 Decreto presidencial de promulgação, ato
Com efeito, atualmente todos os tipos de reservado aos tratados aprovados pelo Con-
tratados devem ser submetidos ao Con-
metade dos tratados por ele contabilizados no período
gresso Nacional, com poucas hipóteses
de 1988 a 1995 não foram submetidos ao Congresso.
de exceção.20 São elas, segundo a doutrina 21
Esta é a posição de Rezek (2004, p. 133-138), fre-
quentemente referida por outros autores. O gravame
18
Ver: BARBOSA (2004, p. 353-361); REZEK (2004, sobre bem público não consta do texto desse autor.
p. 133-138). Foi aqui aduzido porque se encontra inserto na mes-
19
Vide nota 13, supra. ma lógica e vem comprovado pela prática. Ilustra-o
20
Embora sejam poucas as brechas para o recurso o parecer da Câmara dos Deputados (2001, p. 14) de
aos acordos executivos, numericamente se pôde com- rejeição ao acordo sobre a base de Alcântara. Tolfo
provar em acurada pesquisa que elas são amplamente (2006) considera que os acordos executivos violam o
utilizadas. Cachapuz de Medeiros (1983, p. 130-145; princípio da separação dos poderes, revelando uma
1995, p. 431-432) demonstrou que perto de um terço hipertrofia do Poder Executivo, e argumenta que, na
dos tratados eram feitos com a forma simplificada, sem própria Constituição, artigos 68, §1o, e 49, XI, há fun-
submissão ao Congresso, proporção que aumentou sob damento para sustentar que nenhum acordo executivo
a égide da Constituição de 1988, pois aproximadamente pode ser válido no Brasil.

Brasília a. 46 n. 184 out./dez. 2009 37


gresso. Falta-lhe, portanto, ordem expressa internacional. Muito pelo contrário, trata-se
de cumprimento. Por consequência, acordos de caso de evidente independência entre os
desse gênero não podem ser aplicados pelo dois planos de vigência. Logo, não há, em
Poder Judiciário para fundamentar reclamos relação aos demais tratados, consequência
de particulares.22 Essa conclusão se vê cor- distinta para a questão enfocada.
roborada pela jurisprudência, não obstante
sua rara discussão em sede judicial. 4.3. O costume
Na extradição n. 905/BE, o STF apreciou O Direito Internacional Público não re-
pedido de extradição em desfavor de na- sume suas fontes aos tratados. Reconhece
cional belga envolvido com tráfico interna- também a validade de normas consuetu-
cional de drogas. Amparava-se o pleito no dinárias e princípios gerais de Direito para
tratado de extradição entre os dois países, de produzirem normas obrigatórias. O costu-
1953. Nesse documento, todavia, não estava me, segundo o artigo 38, 1, b, do Estatuto
arrolado o crime objeto do pedido; ele so- da Corte Internacional de Justiça, forma-se
mente foi incluído por ocasião da celebração pela combinação de dois elementos, prática
de acordo por troca de notas. A corte deveu e opinio juris.24 (SALIBA, 2008, p. 749)
então decidir sobre a viabilidade de acordos No Brasil, a invocação de normas dessa
executivos acrescerem obrigações interna- natureza perante os tribunais tem rara ocor-
cionais para o País, com vigência interna. No rência. Em um tema, porém, apresentam-se
seu voto, o relator, Min. Joaquim Barbosa, como o único fundamento possível: a imu-
repassa a polêmica sobre acordos executivos nidade do Estado estrangeiro.
para firmar seu argumento de que tais atos Sabe-se que a jurisprudência brasileira,
não podem ser válidos na ordem interna. É seguindo padrões observados noutros
certo que, no caso sob comento, três óbices países, adotou posição mais flexível,
matizaram a decisão: 1) não havia no tratado autorizando o processamento do Estado
previsão de complementação por troca de estrangeiro não somente no caso de renún-
notas; 2) não foi publicado o acordo por tro- cia expressa, mas também quando o ato
ca de notas na imprensa oficial; 3) o acordo, ensejador da controvérsia puder ser carac-
no dizer do relator, “acrescentou sentido” terizado como um ato de gestão. (SALIBA,
ao tratado original.23 2005, p. 23-33)
Apesar da supressão de parte do trâ- O ponto de relevo para a discussão
mite reservado aos tratados em geral, a sobre o dualismo é que os tribunais não
vigência interna dos acordos executivos demandaram ato interno para aplicar a
não se alinha automaticamente à vigência norma consuetudinária à querela entre o
cidadão e o Estado estrangeiro; não o fi-
22
O autor afirma-o categoricamente: “Em caso zeram quando se adotava no País a teoria
algum esses acordos [executivos] pretendem produzir
absoluta, fundada numa sólida regra do
efeito sobre particulares, mas, por imperativo do di-
reito público brasileiro, a divulgação oficial se impõe direito das gentes, como exemplifica a céle-
para que a própria ação de funcionários públicos da bre disputa imobiliária entre Síria e Egito,25
área, no sentido de dar cumprimento ao avençado, nem quando se alterou a tendência das
seja legítima”. (REZEK, 2004, p. 138)
cortes, orientada por um alentado voto do
23
STF. Extradição 905, da Bélgica. Tribunal Ple-
no. Relator Min. Joaquim Barbosa. Julgamento de Ministro Rezek na Apelação 9.696, no qual
24.02.2005. p. 33-40. Não obstante a inaplicabilidade listou os precedentes da prática dos Estados
do acordo executivo, o Tribunal deferiu o pedido,
fulcrado no artigo 6.3 da Convenção contra o Tráfico Sobre o costume, ver LUPI (2007, p. 53-138).
24

Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, 25


STF. Ação Cível Originária n. 298, do Distrito
de Viena, 1988, que prevê a possibilidade de a própria Federal. Tribunal Pleno. Relator Min. Soares Munoz.
Convenção servir de base para pedidos de extradição Julgamento de 14 de abril de 1982. DJ, 17.12.1982. p.
não fundados em tratados bilaterais. 13201.

38 Revista de Informação Legislativa


e deles inferiu a opinio juris prevalecente, denúncia ao depositário ou à contraparte.
para admitir processar o Estado estrangeiro Em razão da premissa dualista, esse ato
por reclamação trabalhista.26 não deveria repercutir na ordem interna
A norma costumeira aplica-se, assim, sem nova manifestação do Poder Executivo
independentemente de qualquer ato inter- para esse fim, notadamente a revogação
no. Sua recepção ocorre por via jurispru- expressa do Decreto de promulgação.
dencial. Os tribunais recolhem das provas Mas contrariando o dualismo, o Judiciário
da prática internacional a substância do sentiu-se à vontade para negar vigência ao
costume e conferem-lhes sentido, direta- tratado denunciado, independentemente
mente, sem intermediação, nem consulta de ato revocatório.
ao Poder Executivo. No RMS 8799/61, o STF analisou o in-
Em conclusão, quando se toma apenas deferimento de mandado de segurança a
a indagação sobre o momento inicial de vi- importador que pretendia beneficiar-se de
gência do tratado na ordem interna e sua re- isenção tributária decorrente do Tratado
lação com os atos internacionais tendentes de Comércio e Navegação firmado com a
a dar-lhe vigência no plano internacional, Argentina e vigente internamente desde
parece adequado afirmar-se que o Brasil 1943 (Decreto 5.331/43). Apoiando-se em
filia-se ao dualismo, posto que existe total parecer da Procuradoria Geral da Repú-
independência entre os atos e seus efeitos blica, o STF manteve a decisão recorrida,
em cada um dos planos de existência da porque o Brasil denunciara dito tratado em
norma convencional. Dificultam a coe- 1957 (nota 66, de 12 de setembro de 1957).
rência dessa descrição a incorporação das Lê-se no parecer usado de fundamentação
normas costumeiras e a subordinação dos para o acórdão:
efeitos do tratado internalizado e promul- “Evidente que o juiz não podia con-
gado à ratificação. Ainda assim, no cômpu- ceder segurança contra pagamento
to geral, talvez haja mais compatibilidade de importação, alegando-se contra a
do que discrepância. Contudo, passado o tributação a existência de um acôrdo
momento inicial, isto é, na execução e nas internacional sôbre determinadas
possibilidades de suspensão e extinção da mercadorias, quando se verifica que
vigência internacional do tratado, a res- tal acôrdo já está denunciado e ain-
posta necessita ser reavaliada. É o que se da, com a agravante, do impetrante
demonstrará a seguir. nem sequer provar que a mercadoria
que pretende a isenção, seria da-
5. A norma internalizada e os fatos quelas compreendidas no acôrdo já
internacionais posteriores à sua vigência denunciado.”27
5.1. Efeitos da denúncia sobre o tratado Três anos antes, o STF havia determi-
vigente internamente nado que o benefício previsto no acordo
deveria continuar a ser deferido aos impor-
O primeiro exemplo aqui colacionado, tadores de produtos argentinos até a data
para demonstrar como fatos alheios ao em que a denúncia surtisse seus efeitos
plano puramente interno de vigência da de acordo com o artigo XIX do Tratado.28
norma podem afetá-la, trata de denúncia de Repara-se, outrossim, ser a vigência do
tratado firmado pelo País. A hipótese é a de
que o Brasil decida não mais fazer parte de 27
STF. Recurso em Mandado de Segurança 8799/SP.
um tratado e comunique formalmente sua Tribunal pleno. Relator Min. Goncalves de Oliveira.
Julgamento: 02/08/1961. DJ 15-09-1961, p. 1947.
26
STF. Apelação Cível n. 9696. de São Paulo. Tribu- 28
STF. Recurso em Mandado de Segurança 5990/ SP.
nal Pleno. Relator Min. Sydney Sanches. Julgamento Tribunal Pleno. Relator Min. Luis Gallotti. Julgamento:
de 31de maio de 1989. DJ, 12.10.1990. p. 11045. 29/10/1958.

Brasília a. 46 n. 184 out./dez. 2009 39


ato internacional a condição dos efeitos no endereço eletrônico do Senado
internos, afastando-os à sombra do cance- Nacional boliviano - www.senado.
lamento daquela sem que exista um meca- bo - em 20.10.2005), veja-se que antes
nismo interno de recepção do ato extintor desta data o Brasil havia depositado o
da norma no plano internacional. instrumento de denúncia do tratado e
Observa-se, nesses acórdãos, que não já tinha escoado o prazo de 12 meses,
se exigiu ato interno para negar vigência a previsto no art. 18, inciso 3 do Convê-
obrigações internalizadas decorrentes de nio, para que a denúncia surtisse seus
tratado. O postulado da plena separação jurídicos efeitos. Ou seja, quando da
entre as duas ordens não foi seguido pelo aprovação da lei boliviana o Brasil já
tribunal. não mais se obrigava pelos termos
do tratado enfocado. Não houve
5.2. A vigência internacional do coincidência na vinculação do Brasil
tratado para outro Estado Parte e da Bolívia aos termos do acordo
Outra situação da prática brasileira multilateral. Aliás, a Bolívia, embora
contrária à tese dualista respeita a vigên- tenha editado a lei de aprovação do
cia internacional do tratado para o Estado tratado no ano de 1999, somente em
Parte cujas leis ou atos, por alguma razão, 17/06/2005 procedeu ao depósito do
sejam relevantes para a causa. Para o pro- instrumento de ratificação do pacto,
pósito deste artigo, apresenta elevado in- de modo que um mês após a esta data
teresse recente jurisprudência do Tribunal iniciou para ela a vigência do acordo
Regional Federal da 4a Região concernente internacional30.
à revalidação automática de diplomas. O Por consequência, não havia acordo em
Brasil firmou a Convenção Regional sobre o vigor entre os dois países e, ante a ausência
Reconhecimento de Estudos, Títulos e Diplo- de reciprocidade, julgou o Tribunal ser “in-
mas de Ensino Superior na América Latina e viável reconhecer-lhe o direito ao registro
no Caribe. Ela ingressou no ordenamento de seu diploma, independentemente de
pátrio pelo Decreto 80.419 de 1977. O Brasil processo de revalidação.”31
denunciou o tratado em 1998. Por força da Como visto, a decisão analisa a legisla-
cláusula 18.3 do tratado, a denúncia operou ção boliviana e a ratificação pela Bolívia do
seus efeitos em 15 de janeiro de 1999. Em mesmo tratado, concluindo que ambos os
31 de março de 1999, revogou-se o Decreto atos ocorreram posteriormente à denúncia
80.419, por meio do Decreto 3.007. Aqui, do Brasil. É bem verdade que, ainda que
porém, o tema de maior relevo diz respeito houvesse coincidência da vigência inter-
à posição do Estado no qual foi expedido o nacional para Brasil e Bolívia, o Tribunal
diploma que o postulante pretendia reva- provavelmente não deferisse o pedido,
lidar sem o usual processo administrativo. baseado em sua própria jurisprudência e
O Tribunal mantém a decisão de primeiro na do STJ, segundo a qual o estudante no
grau, de indeferimento do pedido. Na fun- exterior não formado antes da revogação
damentação, o principal motivo está assim interna do Decreto que internalizava o
enunciado: tratado tem mera expectativa de direito e
“Ainda que seja verdade que a Lei bo- 30
Informações disponíveis em: <www.portal.
liviana n. 1992, de 28 de julho de 1999, unesco.org>. Acesso em 20 out. 2005.
aprovou e ratificou o ato internacio- 31
TRF4. Apelação Cível n. 2007.71.00.013239-0.
nal multilateral29 (consulta realizada Terceira Turma. Relatora Des. Ingrid Schroder
Sliwka. D.E. 26/03/2008. No mesmo sentido, do
29
Consulta realizada no endereço eletrônico do mesmo tribunal: Apelação em Mandado de Segurança
Senado Nacional boliviano. Disponível em: <www. n. 2007.72.00.000726-3. Terceira Turma. Relator Des.
senado.bo>. Acesso em: 20 out. 2005. Roger Raupp Rios. D.E. 08/08/2007.

40 Revista de Informação Legislativa


não direito adquirido à revalidação auto- internacionalmente, do mesmo modo que
mática.32 necessita promulgá-lo para o vigor interno
Em parecer dado em caso similar, aco- e ratificá-lo para o vigor internacional.
lhido integralmente como fundamentação
do acórdão, o Ministério Público Federal 5.3. Acordos cuja vigência está
sustentou que subordinada à observância da reciprocidade
“A denúncia apresentada à UNESCO Diversos dispositivos da legislação
pelo Governo Brasileiro retira, pois, brasileira preveem restrições de direitos
um dos dois pilares de sustentação aos estrangeiros, reservando-os exclusi-
do acordo internacional, impedindo vamente aos nacionais. Cite-se, à guisa de
sua aplicação no território nacional, exemplo, a titularidade de certos cargos
onde editado o Decreto Presidencial públicos e a participação na administração
no 3.007/99. A dúvida que se põe diz de sociedades empresariais. Porém, com
respeito à aplicabilidade do tratado frequência, acordos internacionais podem
quando apenas um dos seus ‘pilares’ estender a estrangeiro o privilégio concedi-
permanece em pé.” do aos nacionais, sob condição de brasilei-
Se o Brasil fosse rigidamente dualista, ros beneficiarem-se de idênticos direitos no
valeria internamente somente o Decreto de país do estrangeiro. A própria Constituição
internalização, repudiando-se a menção a admite tal possibilidade, nos artigos 12, §1o
“dois pilares”. Logo, a denúncia seria vista (igualdade de direitos para portugueses
meramente como a causa, não jurídica, da residentes), 178 (ordenação do transporte
revogação do Decreto e, por conseguinte, o internacional) e 52 do ADCT (vedação de
concluinte de curso superior que obteve di- instalação de novas agências bancárias es-
ploma durante o período de 15.01.1999 (data trangeiras até a regulamentação do artigo
em que a denúncia tornou-se operativa) e 192, salvo reciprocidade). Uma busca não
31.03.1999 (data do Decreto de revogação) exaustiva na legislação nacional revela a
teria direito à revalidação automática. O presença da mesma condição no que tange
acolhimento de tal solução, todavia, apre- à revalidação de diplomas estrangeiros
senta-se pouco afeito às tendências verifica- (LDB, art. 48, §2o; CLT, art. 325, §2, b), aos
das no item 5.1 deste trabalho. Tem-se aqui, direitos das companhias aéreas estran-
destarte, forte argumento para evidenciar geiras (Código Brasileiro de Aeronáutica,
que o Brasil não é país firmemente adepto artigos 157, sobre admissão de tripulantes
do dualismo, pois a vigência internacional estrangeiros em aeronaves nacionais, con-
do ato tem repercussões no ordenamento in- dicionada à reciprocidade, e 214, §2o, sobre
terno, independentemente de manifestação autorização de agência de empresa estran-
das autoridades do País. Relembre-se que geira, condicionada à reciprocidade), e a
essa análise diz respeito à aplicabilidade direitos de propriedade intelectual (Lei de
pelos tribunais, não excluindo o dever de Propriedade Intelectual, n. 9.279/96, arts.
consistência das ações externas e internas 3o, II e 124, XXIII; Lei de Direitos Autorais,
de um governo, que, mesmo que ciente n. 9.610/98, art. 2o par. único). Finalmente,
das relações aqui explicitadas, precisa re- a jurisprudência do Supremo Tribunal
vogar internamente o tratado denunciado Federal exibe casos de extradição baseada
em promessa de reciprocidade, nas situa-
32
STJ. Recurso Especial 846671/RS. Primeira Turma. ções em que não há tratados entre o país
Relator Ministro José Delgado. DJ 22.03.2007, p. 301;
solicitante e o Brasil, ou em que o tratado
TRF4. Apelação Cível n. 2006.71.00.009927-8. Terceira
Turma. Relator Des. Carlos Eduardo Thompson Flores não cobre o crime ensejador do pedido de
Lenz. D.E. 23/07/2007 (o acórdão traz diversas refe- extradição. Em todos esses casos, é de se
rências à jurisprudência dos TRFs e do STJ). indagar se os tratados podem deixar de ser
Brasília a. 46 n. 184 out./dez. 2009 41
aplicados pelos tribunais brasileiros por Na fundamentação do acórdão, percebe-
falta de observância, pelo país estrangeiro, se que a Procuradoria-Geral da República
de idêntico tratamento aos brasileiros. Uma e os Ministros do STF examinaram o art.
resposta afirmativa confirma a permeabi- 16 da Constituição alemã, que determina
lidade das esferas internacional e nacional que nenhum alemão pode ser extraditado
de vigência do tratado. ao estrangeiro, não fazendo distinção entre
A jurisprudência não é farta nessa maté- o nato e o naturalizado, como ocorre com
ria. A reciprocidade costuma ser invocada a Constituição nacional (art. 5o, LI). Para
pelos tribunais em matéria de imunidades reforçar sua interpretação, citam manifesta-
do Estado estrangeiro e dos seus repre- ções de tribunais e doutrinadores alemães.
sentantes. Contudo, em tais situações a Assim, se não pode a Alemanha extraditar
reciprocidade é trazida como fundamento alemão naturalizado a pedido do Brasil,
da obrigação do País. Os casos em que a tampouco pode-se conceder extradição de
ausência de reciprocidade conduziu à não brasileiro naturalizado à Alemanha.
aplicação do tratado são raros. Lembre-se, Conclui-se, portanto, que também quan-
em primeiro lugar, o já citado acórdão so- do a previsão de direitos a estrangeiros
bre revalidação de diplomas expedidos na estiver subordinada a acordos internacio-
Bolívia, que, ao tempo do pedido em ques- nais baseados em reciprocidade, o tratado
tão, ainda não havia ratificado o tratado poderá não ser aplicado se for provada a
e, portanto, não poderia outorgar o favor não observância de idêntico tratamento a
requerido a um brasileiro lá vivente. brasileiros no país do estrangeiro beneficia-
Agregue-se a esse exemplo o julgamento do ou a impossibilidade de atendimento à
de pedido extradicional feito pela Alema- reciprocidade. Registre-se que, nos casos
nha, baseado em promessa de reciprocida- apreciados, essa verificação foi empreendi-
de, assim ementado: da de ofício pelo Judiciário brasileiro, que
“Extradição. Inexistência de tratado colacionou as provas encontradas em suas
com o País requerente. Promessa de próprias investigações acerca do Direito
reciprocidade. Impossibilidade de estrangeiro.
cumprimento à luz da constituição Antes de encerrar este tópico, deve-se
alemã. Indeferimento do pleito. A mencionar o artigo 60 da Convenção de
Constituição da República Federal da Viena sobre Direitos dos Tratados, que
Alemanha contém vedação à extradi- autoriza a suspensão do tratado por não-
ção do nacional alemão (art. 16), sem cumprimento da outra Parte. Pode-se argu-
estabelecer qualquer exceção. mentar que os tribunais brasileiros, ao apli-
Por essa razão, o Estado requerente carem a legislação que subordina os efeitos
não demonstra estar habilitado a de acordos internacionais à reciprocidade,
cumprir promessa de reciprocidade estão autorizados a negar a extensão de
quando esta é formulada no bojo do direitos a estrangeiros na falta desta ou ante
pedido de extradição de pessoa que sua impossibilidade, em virtude da facul-
ostenta a condição de cidadão bra- dade prevista no artigo 60. Todavia, essa
sileiro naturalizado, como é o caso ponderação não afeta o que se pretende
dos autos. Ausentes pressupostos do afirmar sobre a posição brasileira na dico-
art. 76 da Lei n. 6.815/80. Pedido de tomia entre monismo e dualismo. Primeiro,
extradição indeferido.”33 porque, se os tribunais brasileiros precisas-
sem fundamentar em norma prevista no
STF. Extradição n. 1.010, Rel. Min. Joaquim
33

Barbosa. Julgamento de 24.05.06, DJ de 19.12.06.


ordenamento internacional a não aplicação
Sobre o tema ver: SILVA, LUPI (2007b, p. 273-283; interna de obrigação internacional, já ha-
2007a, p. 47-57). veriam ignorado a barreira estrita entre os

42 Revista de Informação Legislativa


dois planos. Segundo, porque, seguindo o interna que produz os efeitos na ordem
postulado dualista e observando a divisão jurídica brasileira.
das funções estatais referentes aos tratados, Perturbam o enquadramento feito duas
os tribunais somente poderiam aplicar o situações: a ineficácia do ato de internali-
artigo 60 depois de declaração do Poder zação de tratado quando este ainda não
Executivo de suspensão da vigência do vige internacionalmente para o País e a
ato cuja reciprocidade fora atacada. Nada recepção das normas costumeiras pelo
disso afeta, pois, a conclusão de que fatos Poder Judiciário.
internacionais podem interferir na vigência Na continuidade da aplicação do tra-
interna da norma internalizada. tado, não se pode afirmar fidelidade ao
dualismo. Três situações foram examina-
das para comprovar que os atos na esfera
6. Conclusões
internacional repercutem na aplicabilidade
Procurou-se neste artigo avaliar se o da norma internalizada.
Brasil adota a teoria dualista concernente Primeiro, foram trazidos à baila julga-
às relações entre Direito Internacional e dos relativos aos efeitos da denúncia de
Direito Interno. Num primeiro momento, tratado no plano internacional. Viu-se que,
mostrou-se que a doutrina hesita em apli- embora seja recomendável a revogação
car-lhe esse rótulo sem qualificações adi- dos atos internos que dão sustentação à
cionais e que estas tornam pouco definido vigência interna da norma, os tribunais não
o conteúdo prático da pretendida assunção a exigem para declarar inaplicável direito
teórica. Em seguida, foram abordados os previsto em tratado já denunciado pelo
estudos clássicos do Direito Internacional Brasil. Mais: apoiam-se para tanto num
sobre o dualismo e da corrente que lhe fato regulado pelo Direito Internacional,
é oposta, o monismo, para concluir que qual seja, o lapso requerido para que a
aquela primeira teoria implica rigorosa denúncia surta efeitos. A toda evidência,
cisão dos momentos de vigência interna e consideram apoiar-se a vigência interna
internacional, afastando a influência dos do tratado sobre dois pilares, a vigência
atos formalizados no plano internacional internacional e a norma de internalização.
sobre a vigência de normas internas, entre Ruindo qualquer um dos dois, deixa-se de
elas, o tratado já internalizado. aplicar o tratado.
Ao empreender um exame da jurispru- Segundo, anotou-se que a suspensão
dência pátria, observou-se que os tribunais ou a extinção ou, ainda, a não formação
ladeiam os autores dualistas no que tange à do liame convencional entre o Brasil e o
inserção da norma no ordenamento pátrio, Estado estrangeiro, por falta de ratificação
preservando o espaço de ação das autorida- ou incorporação do tratado por este último,
des internas, únicas a deliberarem sobre o geram a não-aplicação do tratado no plano
início da vigência da norma internacional interno.
no plano interno. Nesse sentido, a vigência Terceiro, verificou-se o caso dos atos
internacional não importa para aferir se a que exigem reciprocidade, para os quais
norma já vale internamente. Ainda que haja parece definida a posição dos tribunais de
discussão doutrinária a respeito de qual ato perquirir sobre a aplicação pelo país estran-
interno introduza o tratado no Brasil, se geiro do direito solicitado às autoridades
Decreto Legislativo ou Decreto Presidencial brasileiras.
de promulgação, ou, no caso dos acordos Em conclusão, explica melhor a situação
executivos, se geram ou não efeitos para brasileira do que a regra sintetizada no ter-
particulares quando publicados no Diário mo dualismo a constatação de que os tribu-
Oficial, é sempre um ato de autoridade nais brasileiros interpretam restritivamente

Brasília a. 46 n. 184 out./dez. 2009 43


a vigência das normas internacionais no ARIOSI, Mariangela. Conflitos entre tratados internacio-
âmbito interno. Possivelmente espelhando nais e leis internas: o judiciário brasileiro e a nova ordem
internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
tendência também já encontrada alhures
(SCHREUER, 1971, p. 255-297), de ver os BAPTISTA, Luiz Olavo. Inserção dos tratados no direi-
to brasileiro. Revista de Informação Legsilativa, Brasília,
tratados como restrições à soberania nacio- n. 132, p. 71-80, out./ dez. 1996.
nal, os tribunais, para defendê-la, tendem a
BARBOSA, Salomão Almeida. O poder de celebrar
negar vigência interna aos tratados quando
tratados no direito positivo brasileiro. Revista de Infor-
encontram num ou noutro lado fato que os mação Legislativa, n. 162, p. 353-361, abr./ jun. 2004.
autorize a assim proceder. Isto não quer di-
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10
zer que seja o Brasil monista com primazia ed. Universidade de Brasília, 1999.
do Direito nacional, pois a refutação do du-
CAMARA DOS DEPUTADOS. Parecer sobre a Mensa-
alismo passa pela permeabilidade entre os gem n. 296, de 2001. Comissão de Relações Exteriores
dois planos de vigência, algo inadmissível e de Defesa Nacional. Relator Dep. Waldir Pires, 17
na teoria monista nacionalista. ago. 2001.
Deve-se ressaltar que, ante a complexi- CARVALHO, P. B. Tratados internacionais em matéria
dade das relações entre o Direito Interna- tributária: estudo de um caso concreto. In: CASELLA,
cional e o interno e as variações e sutilezas Paulo et al. (Orgs.). Direito internacional, humanismo e
globalidade: Guido Fernando Silva Soares Amicorum
ocorrentes na prática das autoridades
Discipulorum Liber. São Paulo: Atlas, 2008.
brasileiras, a possibilidade de valer-se de
um conceito redutor, como dualismo, vê- FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do
direito: técnica, decisão, dominação. 3 ed. São Paulo:
se afastada. Nem se pode sustentar que as Atlas, 2001.
adjetivações e as remodelações que sofre
FOOTER, Mary. Research program: the symbiosis
para se adaptar à incontível quantidade de between public international law and national law.
exceções podem salvá-lo. Em verdade, ape- International Law Forum, n. 3, p. 249-252, 2001.
nas nublam o conteúdo específico do termo,
HENKIN, Louis. Implementation and compliance:
despindo-o de eficácia descritiva e poder is dualism metastasizing? Proceedings of the American
explicativo. Ao menos no que tange à vigên- Society of International Law, v. 91, p. 515-518, 1997.
cia das normas internacionais, a conclusão HUSEK, Carlos Roberto. Curso de direito internacional
sobre a possibilidade de descrever a prática público. 7 ed. São Paulo: LTr, 2007.
brasileira como dualista é negativa.
INTERNATIONAL LAW ASSOCIATION. Third re-
port of the committee on international law in national
courts. Taipei Conference (68th), p. 659-683, 1998.

Referências KELSEN, H. Les rapports de système entre le droit


interne et le droit international public. Recueil des Cours
de l’Académie de Droit International. Paris, Hachette,
ACCIOLY, Hildebrando. A Conclusão de atos interna-
tome 14, p. 226-331, 1926.
cionais no Brasil. Boletim da Sociedade Brasileira de Direi-
to Internacional, n. 17-18, p. 58-63, jan./ dez 1953. ______. Teoria geral do direito e do estado. Tradução de
Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
______. Promulgação de tratado de comércio e nave-
gação Brasil-Chile, de 1943. Ausência do respectivo ______. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista
decreto. Conceito da promulgação de tratados. Parecer Machado. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
de 11 de junho de 1954. In: MEDEIROS, A. P. Cachapuz LITRENTO, Oliveiros. Curso de direito internacional
de (Org.). Pareceres dos consultores jurídicos do Itamaraty. público. 3 ed. Uberaba: Forense, 1997.
Brasília: Senado Federal, (1952-1960), 2001.
LUPI, André. Os métodos no direito internacional. São
ANZILOTTI, Dionisio. Cours de droit international. Paulo: Lex, 2007.
Paris: Panthéon-Assas, 1999.
MAGALHÃES, José Carlos de. O supremo tribunal
ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim. Curso de direito inter- federal e o direito internacional: uma análise crítica. Porto
nacional público. 10 ed. Uberaba: Forense, 2000. Alegre: Livraria do Advogado, 2000.

44 Revista de Informação Legislativa


MEDEIROS, Antonio Paulo Cachapuz de. O poder de STF. Ação Cível Originária n. 298, do Distrito Federal.
celebrar tratados: competência dos poderes constituídos Tribunal Pleno. Relator Min. Soares Munoz. Julgamen-
para a celebração de tratados, à luz do direito inter- to de 14 de abril de 1982. DJ, 17.12.1982, p. 13201.
nacional, do direito comparado e do direito constitu-
STF. Apelação Cível n. 9696. de São Paulo. Tribunal
cional. Porto Alegre: S. A. Fabris, 1995.
Pleno. Relator Min. Sydney Sanches. Julgamento de
______. O poder legislativo e os tratados internacionais. 31de maio de 1989. DJ, 12.10.1990, p. 11045.
Porto Alegre: LP&M, 1983.
STF. Carta Rogatória n. 8279-4. Relator. Min. Celso de
______. O poder de celebrar tratados. Porto Alegre: Sérgio Mello. Diário da Justiça, 14.05.1998, p. 34.
Antonio Fabris, 1995.
STF. Extradição 905, da Bélgica. Tribunal Pleno. Rela-
MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito tor Min. Joaquim Barbosa. Julgamento de 24.02.2005,
internacional publico. 12 ed. Rio de Janeiro: Renovar, p. 33.
2000.
STF. Extradição n. 1.010, Rel. Min. Joaquim Barbosa.
NÓBREGA, Beatrice Guimarães. O dualismo de pree- Julgamento de 24.05.06, DJ de 19.12.06.
minência internacional: uma abordagem antiformalista
STF. Medida Cautelar no Mandado de Segurança n.
acerca da relação entre direito internacional e direito
23914/DF. Rel. Min. Maurício Corrêa. Decisão de
interno a partir do ordenamento jurídico de Santi
08.05.2001.
Romano. Dissertação de Mestrado. UFSC, Florianó-
polis, 2008. STF. Recurso em Mandado de Segurança 5990 / SP. Tri-
bunal Pleno. Relator Min. Luis Gallotti. Julgamento:
REZEK, José Francisco. Parlamento e tratados: o
29/10/1958.
modelo constitucional do Brasil. Revista de Informação
Legislativa, n. 162, p. 133-138, abr./ jun. 2004. STF. Recurso em Mandado de Segurança 8799 / SP.
Tribunal pleno. Relator Min. Goncalves de Oliveira.
______. Direito internacional público: curso elementar.
Julgamento: 02/08/1961. DJ 15-09-1961, p. 1947.
10 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005.
STJ. Recurso Especial 846671/RS. Primeira Turma. Rela-
______. Tratados e suas relações com o ordenamento
tor Ministro José Delgado. DJ 22.03.2007, p. 301.
jurídico interno: antinomia e norma de conflito. Revista
CEJ, Brasília, v. 1, n. 2, p. 54-59, maio/ ago. 1997. TOLFO, Andrea Cadore. A conclusão dos tratados in-
ternacionais: as exigências constitucionais e a prática
ROMANO, Santi. Corso di diritto internazionale. Padova:
executiva. Dissertação de Mestrado, UFSC, Florianó-
CEDAM, 1939.
polis, 2006.
______. O ordenamento jurídico. Tradução de Arno Dal
TRF4. Apelação Cível n. 2006.71.00.009927-8. Terceira
Ri Jr. Florianópolis: F. Boiteux, 2008.
Turma. Relator Des. Carlos Eduardo Thompson Flores
SALIBA, Aziz Tuffi . A imunidade absoluta de juris- Lenz. D.E. 23/07/2007.
dição de estados: sólida regra costumeira ou mito?
TRF4. Apelação Cível n. 2007.71.00.013239-0. Terceira
Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, n.
Turma. Relatora Des. Ingrid Schroder Sliwka. D.E.
8, p. 23-33, 2005.
26/03/2008.
______. Legislação de direito internacional. 3 ed. São
TRF4. Apelação em Mandado de Segurança n.
Paulo: Rideel, 2008.
2007.72.00.000726-3. Terceira Turma. Relator Des.
SCHREUER, Christoph. The interpretation of treaties Roger Raupp Rios. D.E. 08/08/2007.
by domestic courts. British Year Book of International
TRIEPEL, Heinrich. Les rapports entre le droit interne
Law, v. 45, p. 255-297, 1971.
et le droit international. Recueil des Cours de l’Académie
SERRANO, José Luis. Validez y vigencia. Madrid: de Droit International. Paris, Hachette, tome 1, p. 77-
Trotta, 1999. 118, 1923.
SILVA, C. A., LUPI, André L. P. B. A extradição por ______. Völkerrecht und Landesrecht. Leipzig: C.L.
reciprocidade no Brasil. Realidades: direitos humanos, Hirschfeld, 1899.
meio ambiente e desenvolvimento. Natal: UFRN,
VALLADÃO, Haroldo. Aprovação de ajustes inter-
2007a.
nacionais pelo congresso nacional. Parecer. Boletim
SILVA, C. A., LUPI, André L. P. B. A proibição da da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, n. 11-12,
extradição de nacionais no procedimento baseado p. 95-108, jan./ dez. 1950.
em promessa de reciprocidade. Produção Científica
CEJURPS, v. 1, p. 273-283, 2007b.

Brasília a. 46 n. 184 out./dez. 2009 45

Das könnte Ihnen auch gefallen