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Pintura rupestre de uma cena cotidiana com gado no Neolítico, em Tassili n’Ajjer (Argélia). DE AGOSTINI
PICTURE LIBRARY (GETTY)
O capítulo que o ensaísta israelense Yuval Noah Harari dedica ao Neolítico em seu
célebre livro Sapiens – Uma Breve História da Humanidade (Harper, 2011), um dos
ensaios mais lidos dos últimos anos, intitula-se ‘A maior fraude da história’. “Em vez
de anunciar uma nova era de vida fácil, a revolução agrícola deixou os agricultores
com uma vida geralmente mais difícil e menos satisfatória do que a dos caçadores-
coletores”, escreve Harari. O antropólogo da Universidade de Yale, James C. Scott,
professor de estudos agrícolas, se pronuncia num sentido semelhante: “Podemos
dizer sem problemas que vivíamos melhor como caçadores-coletores. Estudamos
corpos de áreas onde o Neolítico estava sendo introduzido e encontramos sinais de
estresse nutricional em agricultores que não encontramos em caçadores-coletores. É
ainda pior nas mulheres, onde identificamos uma clara carência de ferro. A dieta
anterior era sem dúvida mais nutritiva. Encontramos também muitas doenças que
não existiam até os humanos passarem a viver mais concentrados e com os animais.
Além disso, sempre que ocorreram assentamentos de populações, começaram
guerras”.
Scott percebeu que todas as ideias que tinha sobre o Neolítico estavam erradas
enquanto preparava um curso sobre a domesticação de plantas e animais. “Passei
três anos estudando tudo o que havia sido publicado tentando entender o que
realmente havia acontecido”, explica por telefone desde seu escritório. Assim,
escreveu Against the Grain: A Deep History of the Earliest States (Yale University
Press, 2017) [Contra As Sementes: uma História em Profundidade dos Primeiros
Estados], livro que teve grande impacto no mundo anglo-saxão. “A versão que
contamos do Neolítico nas escolas, que aprendemos a domesticar as plantas, então
criamos as cidades e a fome acabou é falsa”, diz Scott.
Perguntado se isso esconde lições para o presente, o professor diz que é uma questão
que levantam o tempo todo, mas ele não quer “ser profeta”. Como leitor, é muito
difícil abstrair essa tentação: a ideia de que o avanço da humanidade pode ser
reversível se brincarmos de aprendiz de feiticeiro, ao colocar em marcha processos
que não somos capazes de controlar, é muito inquietante. Especialmente porque
vivemos um momento em que estamos rodeados por fenômenos (dos plásticos no
mar aos avanços em inteligência artificial ou o aquecimento global) cujas
consequências a longo prazo estamos apenas começando a vislumbrar. Aquelas
primeiras populações que deixaram o nomadismo para se assentar e viver da
agricultura e da pecuária tampouco podiam ter uma ideia do que estava acontecendo.
Durante décadas existiram duas teorias opostas: a cerâmica teria chegado com
populações que migraram ou teria existido algum tipo de transmissão oral. Ao longo
de 2016, equipes do Instituto de Biologia Evolutiva do CSIC, do Wolfgang Haak, do
Instituto Max Planck, e David Reich, que dirige em Harvard um laboratório de genética
e que acaba de publicar o ensaio Who We Are and How We Got Here: Ancient DNA and
the New Science of the Human Past (Pantheon, 2018) [Quem Somos e Como
Chegamos até Aqui: o DNA Antigo e a Nova Ciência do Passado Humano], analisaram
amostras de indivíduos que pertenciam a essa cultura, coletadas em todo o
continente. “Descobrimos que não estava associado a movimentos de genes e,
portanto, de pessoas, mas que se tratava do primeiro exemplo de difusão maciça de
ideias”, explica Lalueza-Fox. Posteriormente houve um movimento maciço de
população para as Ilhas Britânicas, que levou a essa cultura e, de fato, substituiu as
populações então existentes.
As lições que esconde podem ser muito úteis para um presente em que a humanidade
está levando a natureza e seus recursos ao limite de suas possibilidades.
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