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14 Agosto 2018
“Não há nada essencial sobre os seres humanos que vivem sob o capitalismo;
nós, humanos, somos capazes de nos organizar em todos os tipos de ordens
sociais distintas, incluídas as sociedades com horizontes de tempo muito mais
longos e com muito mais respeito aos sistemas de apoio à vida natural. De fato,
os humanos viveram dessa maneira durante a grande maioria de nossa história e
muitas culturas indígenas mantêm vivas até hoje as cosmologias centradas na
terra. O capitalismo é um breve incidente na história coletiva de nossa espécie”,
escreve Naomi Klein, jornalista e pesquisadora canadense de grande influência
no movimento antiglobalização e no socialismo democrático, em artigo
publicado em sua versão espanhola por Rebelión, 13-08-2018. A tradução é do
Cepat.
Eis o artigo.
Neste domingo, a revista do The New York Times inteira estará dedicada a um
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14/08/2018 O capitalismo, não “a natureza humana”, foi o que acabou com nosso impulso para enfrentar a mudança climática. Artigo de Nao…
Neste domingo, a revista do The New York Times inteira estará dedicada a um
só artigo, sobre um único tema: o fracasso na hora de enfrentar a crise climática
global nos anos 1980, uma época em que a ciência e a política pareciam se
alinhar. Escrito por Nathaniel Rich, esta obra da história está cheia de
revelações internas sobre caminhos não tomados que, em várias ocasiões, me
fizeram praguejar em voz alta. E para que não fique nenhuma dúvida de que as
implicações dessas decisões ficarão gravadas no tempo geológico, as palavras de
Rich aparecem reforçadas pelas fotografias aéreas completas de George
Steinmetz, que documentam de forma dolorosa a veloz desintegração dos
sistemas planetários, desde a água torrencial, onde costumava haver gelo na
Groenlândia, às florações massivas de algas no terceiro maior lago da China.
Por isso, é tão excitante ver que o Times coloque toda a força de sua maquinaria
editorial a serviço da obra de Rich, acompanhando-a de um vídeo promocional,
lançando-a com um evento ao vivo no Times Center e a acompanhando de
material educativo.
É por tudo isso que resulta tão indignante que o artigo se equivoque de forma
espetacular em sua tese central.
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14/08/2018 O capitalismo, não “a natureza humana”, foi o que acabou com nosso impulso para enfrentar a mudança climática. Artigo de Nao…
E, no entanto, “nós”, seres humanos, colocamos tudo a perder porque, pelo que
parece, somos muito míopes para salvaguardar nosso futuro. Caso não
entendamos a quem e ao que é preciso culpar pelo fato de que estejamos agora
“perdendo o planeta”, a resposta de Rich se apresenta em um destaque em toda
página: “Conhecíamos todos os fatos e nada atravessava nosso caminho. Nada,
exceto nós mesmos”.
Todas estas sentenças já foram abordadas, por isso não vou discuti-las
novamente aqui. Vou me centrar na principal premissa do artigo: que, em fins
dos anos 1980, as condições não “poderiam ter sido mais favoráveis” para uma
ação climática audaz Muito ao contrário não se poderia pensar em um
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14/08/2018 O capitalismo, não “a natureza humana”, foi o que acabou com nosso impulso para enfrentar a mudança climática. Artigo de Nao…
ação climática audaz. Muito ao contrário, não se poderia pensar em um
momento mais inoportuno na evolução humana para que nossa espécie se
encontrasse frente a frente com a dura verdade de que as vantagens do moderno
capitalismo consumista estavam erodindo rapidamente a habitabilidade do
planeta. Por quê? Porque nos últimos anos oitenta estávamos no cume absoluto
da cruzada neoliberal, um momento de suprema ascendência ideológica para o
projeto econômico e social que se propôs vilipendiar deliberadamente a ação
coletiva em favor da liberação do “livre mercado” nos aspectos da vida. No
entanto, Rich não menciona esta turbulência paralela no pensamento
econômico e político.
Quando examinei as notícias climáticas deste jornal, parecia que seria possível
conquistar realmente uma mudança profunda. Mas, depois, de forma trágica,
tudo se esvaeceu, com os Estados Unidos abandonando as negociações
internacionais e o restante do mundo se conformando com acordos não
vinculantes que dependiam de “mecanismos de mercado” suspeitos, como a
comercialização e compensações de bônus de carbono. Portanto, realmente vale
a pena perguntar, assim como faz Rich: Que demônios aconteceu? O que foi que
interrompeu a urgência e a determinação que emanavam de todos estes
establishments elitistas, de forma simultânea, no final dos anos 1980?
Rich conclui, ainda que sem oferecer nenhuma prova social ou científica, que
algo chamado “natureza humana” se pôs a golpear e estragou tudo. “Os seres
humanos”, escreve, “seja em organizações globais, democracias, indústrias,
partidos políticos ou como indivíduos, são incapazes de sacrificar as vantagens
presentes para evitar o desastre imposto às gerações futuras”. Parece que
estamos programados para “nos obcecar com o presente, nos preocupar pelo
médio prazo e eliminar de nossa mente o termo a longo prazo, ainda que
acabemos envenenados por isso”.
O fato de não haver sequer uma referência passageira a esta outra tendência
global que estava se desenvolvendo nos últimos anos oitenta representa um
grande ponto cego incompreensível no artigo de Rich. Além disso, o principal
benefício de voltar como jornalista a um período em um passado não muito
distante é que você pode ver tendências e pautas que ainda não eram visíveis
para as pessoas que viveram aqueles tumultuosos acontecimentos em tempo
real. Por exemplo, em 1988, a comunidade do clima não tinha como saber que
estavam no auge da frenética revolução neoliberal que transformaria todas as
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14/08/2018 O capitalismo, não “a natureza humana”, foi o que acabou com nosso impulso para enfrentar a mudança climática. Artigo de Nao…
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principais economias do planeta.
Contudo, nós, sim, sabemos. E uma coisa que fica muito clara quando se olha
para trás, em fins dos anos oitenta, é que no tocante a oferecer “condições para o
êxito que não poderiam ter sido mais favoráveis”, 1988-89 foi o pior momento
possível para que a humanidade decidisse que iria levar a sério o fato de colocar
a saúde planetária à frente dos lucros.
Tudo isso seria possível nos anos 1980 e 1990 (ainda é hoje), mas teria exigido
uma batalha frontal contra o projeto do neoliberalismo, que naquele momento
estava travando uma guerra contra a própria ideia de esfera pública (“A
sociedade não existe”, disse-nos Thatcher). Enquanto isso, os acordos de livre
comércio que foram assinados naquele período estavam desenvolvendo muitas
iniciativas climáticas sensatas, como subvencionar e oferecer um tratamento
preferencial à indústria verde local e rejeitar muitos projetos poluidores como a
fratura hidráulica e os oleodutos, que são ilegais em virtude do direito comercial
internacional.
Por que é importante que Rich não mencione este embate e, ao contrário,
afirme que nosso destino foi selado pela “natureza humana”? É importante
porque se a força que interrompeu o impulso para a ação somos “nós mesmos”,
então a manchete fatalista na capa da revista The New York Times
Magazine, “Perdendo a Terra”, é realmente merecida. Se a incapacidade de
nos sacrificar a curto prazo por uma dose de saúde e segurança no futuro está
em nosso DNA coletivo, então não temos nenhuma esperança de mudar as
coisas a tempo para evitar um aquecimento verdadeiramente catastrófico.
Por outro lado, se nós, seres humanos, estivemos realmente a ponto de nos
salvar nos anos 1980, mas nos vimos inundados por uma onda de fanatismos
por parte da elite do livre mercado, a qual se opunham milhares de pessoas em
todo o mundo, então aí há algo bastante concreto que podemos fazer a respeito.
Podemos enfrentar essa ordem econômica e buscar substitui-la com algo que
esteja enraizado na segurança humana e planetária, essa que não coloca a busca
do crescimento e lucro a todo custo em seu centro.
No entanto, temos que ter claro que a linha de vida que necessitamos não é algo
que tenha sido provado antes, ao menos não na escala requerida. Quando o
Times tuitou seu trailer do artigo de Rich sobre “a incapacidade da humanidade
para enfrentar a catástrofe da mudança climática”, a excelente ala de ecojustiça
dos Socialistas Democráticos da América ofereceu velozmente esta
correção: “*CAPITALISMO* Se fossem sérios na hora de investigar o que foi tão
ruim, deveriam se centrar na “incapacidade do capitalismo para abordar a
catástrofe da mudança climática’. Acima do capitalismo, *a humanidade* é
totalmente capaz de organizar sociedades que prosperam dentro de limites
ecológicos”.
Seu ponto de vista é bom, mas está incompleto. Não há nada essencial sobre os
seres humanos que vivem sob o capitalismo; nós, humanos, somos capazes de
nos organizar em todos os tipos de ordens sociais distintas, incluídas as
sociedades com horizontes de tempo muito mais longos e com muito mais
respeito aos sistemas de apoio à vida natural. De fato, os humanos viveram
dessa maneira durante a grande maioria de nossa história e muitas culturas
indígenas mantêm vivas até hoje as cosmologias centradas na terra. O
capitalismo é um breve incidente na história coletiva de nossa espécie.
Reconheçamos este fato ao mesmo tempo em que destacamos que os países com
uma forte tradição socialista democrática, como Dinamarca, Suécia e
Uruguai, possuem algumas das políticas ambientais mais visionárias do
mundo. Disto podemos concluir que o socialismo não é necessariamente
ecológico, mas que uma nova forma de ecossocialismo democrático, com a
humildade de aprender dos ensinamentos indígenas sobre os deveres para com
as gerações futuras e a interconexão de toda a vida, parece ser a melhor
oportunidade que a humanidade possui para a sobrevivência coletiva.
Não estamos perdendo a Terra, mas esta está se aquecendo de forma tão veloz
que está imersa em uma trajetória na qual muitos de nós vamos nos perder.
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