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2012
Artigo Original
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Introdução inovadores (FARIA et al., 2010) quanto daqueles
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Este texto objetiva apresentar e discutir a em estado de desinvestimento pedagógico
teoria do reconhecimento social de Axel Honneth (MACHADO et al., 2010). Entre outras questões,
(2003, 2007) como ferramenta possível para a pudemos perceber que alguns elementos da
compreensão das práticas pedagógicas cultura escolar estão atrelados às dimensões do
escolares. Mesmo que de modo preliminar, reconhecimento social dos sujeitos. Nesse
pretendemos explicitar o potencial dessa teoria sentido, tal categoria ganha centralidade na
para melhor compreender as relações análise dos casos por nós estudados.
intersubjetivas na cultura escolar e o processo de Dessa maneira, levando em consideração
construção das identidades dos professores. nossos primeiros olhares sobre as dimensões do
A nossa aproximação com o debate sobre o reconhecimento social e sua importância para a
reconhecimento, principalmente pela obra de Axel compreensão das relações intersubjetivas na
Honneth, deu-se em função de uma demanda por
melhor compreensão das práticas pedagógicas 1
Estamos cientes do quão problemático é esse conceito. Daí
por nós estudadas. Referimo-nos aqui ao estudo a opção por utilizá-lo num sentido bem amplo, tomando-o
como ponto de partida para o trabalho empírico. Inovação foi
que realizamos anteriormente, intitulado:
entendida, inicialmente, como toda e qualquer prática
“Educação Física escolar: entre práticas pedagógica que buscava superar a tradição instalada.
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inovadoras e o desinvestimento pedagógico”. Esse conceito foi inspirado em Huberman (1995). No
entanto, o desinvestimento é considerado por nós mais como
Naquela ocasião, interessava-nos compreender um estado do que uma fase da carreira como em Huberman.
como são construídas as práticas pedagógicas de No caso específico da EF, o desinvestimento, por nós
adjetivado de pedagógico, corresponde àqueles casos em
professores de Educação Física (EF) escolar, que os professores permanecem em seus postos, mas
tanto daqueles que estamos chamando de abandonam o compromisso com a qualidade do trabalho
docente.
A inovação e o desinvestimento pedagógico na Educação Física escolar
cultura escolar, pretendemos explorar, por meio Honneth defende que, para a atualização da
de um ensaio especulativo, referenciado nos teoria social de Hegel, é preciso apresentar uma
dados das pesquisas mencionadas, o potencial lógica moral dos conflitos sociais, tratando a luta
da teoria do reconhecimento de A. Honneth. social não mais por meio de uma teoria idealista
da razão, mas sim adequando a teoria a um
A luta por reconhecimento: a renovação pensamento empirista, pós-metafísico.
da teoria crítica da sociedade por Axel
Honneth A nova formulação da Teoria Crítica de Axel
O debate contemporâneo sobre o Honneth tem como pressuposto embrionário o
reconhecimento social é muito influenciado pelos apontamento de “déficits sociológicos” nas
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escritos de Hegel do período de Jena. Esses formulações anteriores da Teoria Crítica, desde
escritos, anteriores à sua conhecida Filosofia do Adorno e Horkheimer até Habermas. Na teoria
Direito, fornecem a base teórica que permite aos habermasiana, por exemplo, o principal déficit
autores construir suas renovações e atualizações apontado por Honneth é que a dimensão do
da teoria social do reconhecimento. Um dos conflito social fica em segundo plano, não
pensadores mais expoentes da chamada ressaltando o conflito em torno das violações das
renovação teórica dos escritos do jovem Hegel é pretensões de identidade adquiridas na
Axel Honneth, considerado como pertencente à socialização (WERLE, 2008).
terceira geração da Escola de Frankfurt. Honneth destaca, no cenário atual, a
Honneth, na releitura que faz dos escritos de importância das relações intersubjetivas de
Hegel, indica algumas revisões necessárias para reconhecimento para a compreensão da dinâmica
que essa teoria tenha validade na produção do das relações e conflitos sociais. Quer dizer, na
conhecimento no período da alta modernidade. perspectiva desse autor, que o conflito social
Nesse sentido, aponta a necessidade de retoma seu lugar de prestígio na produção teórica
reconstruir a tese inicial de Hegel à luz de uma dos estudos frankfurtianos, principalmente, em
psicologia social empiricamente sustentada função de as lutas por reconhecimento derivadas
(HONNETH, 2003). Além da atualização teórica desses conflitos se apresentarem como
supracitada, Honneth (2003, p.121) indica outros elementos centrais da teoria crítica da sociedade.
dois aspectos necessários à renovação da teoria Como observa Honneth (2003, p.155):
do reconhecimento social: o primeiro deles é que O ponto de partida dessa teoria da sociedade
deve ser constituído pelo princípio no qual o
antes que se possa retomar a tipologia elaborada pragmatista Mead coincidira fundamentalmente
por Hegel, é “[...] necessária uma fenomenologia com o primeiro Hegel: a reprodução da vida
empiricamente controlada das formas de social se efetua sob um imperativo de um
reconhecimento recíproco porque os sujeitos só
reconhecimento”, para que a proposta de Hegel podem chegar a uma auto-relação prática
possa ser analisada e corrigida; já o outro aspecto quando aprendem a se conceber, da
diz respeito à possibilidade de se atribuir às perspectiva normativa de seus parceiros de
interação, como seus destinatários sociais.
respectivas formas de reconhecimento recíproco
experiências correspondentes de desrespeito O reconhecimento pelos demais membros de
social, assim como sobre a possibilidade de uma comunidade é tratado pelo autor, portanto,
serem encontradas comprovações históricas e como instrumento fundamental para a autonomia
sociológicas para a ideia de que essas formas de e a autorrealização dos indivíduos, uma vez que é
desrespeito social foram, de fato, fonte no reconhecimento social intersubjetivo que os
motivacional de confronto social. indivíduos e os grupos formam suas identidades.
Entretanto, quando não há esse reconhecimento,
é desencadeada uma luta por reconhecimento na
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tentativa de restabelecer ou criar novas condições
Georg Wilhelm Friedrich Hegel é um filosofo (1770-1831),
intersubjetivas de reconhecimento. O indivíduo ou
considerado um dos principais teóricos do idealismo alemão.
Sua principal obra é a Fenomenologia do Espírito. grupo não reconhecido é visto como de “segunda
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A denominação “Período de Jena” é uma caracterização classe”, pois seus papéis e status se configuram
dada aos escritos da juventude de Hegel, os quais não foram
desenvolvidos posteriormente pelo autor. Nessa fase, Hegel diferentemente dos padrões dominantes.
constrói as bases para uma teoria da justiça com alicerçes na
experiência do reconhecimento social. Os principais autores A atualização sistemática da teoria do
que nela se referenciam são Axel Honneth, Nancy Fraser e reconhecimento que Honneth se compromete a
Charles Taylor.
realizar tem o seu apoio fundamental na indivíduos pelo argumento de que, nas relações
psicologia social de George Herbert Mead. A interativas, o sujeito toma consciência de sua
teoria de Mead equipara-se ao ideal de Hegel, própria subjetividade. “Um sujeito somente dispõe
como comenta Honneth (2003, p. 125): “[...] ela de um saber sobre o significado intersubjetivo de
também procura fazer da luta por reconhecimento suas ações quando ele está em condições de
o ponto referencial de uma construção teórica que desencadear em si próprio a mesma reação que
deve explicar a evolução moral da sociedade”, sua manifestação comportamental causou, como
bem como ressalta que as relações estímulo, no seu defronte” (HONNETH, 2003, p.
intersubjetivas estão interligadas à experiência do 129). Daí surge a defesa de que, nas relações de
reconhecimento. reconhecimento, nas quais o sujeito se concebe
como objeto na relação com o outro, o sujeito
Honneth, embasado nos estudos psicológicos
chega a uma consciência de sua identidade.
de Mead, caminha em dois sentidos: o primeiro
diz respeito à retomada do elo entre a teoria Honneth (2003) identifica três dimensões do
crítica e os estudos da psicologia social; já o reconhecimento social, a autorrelação prática do
segundo sentido se refere à função assumida “amor”, do “direito” e da “solidariedade”. Para
pela teoria psicológica social de “[...] esclarecer além disso, apresenta também formas de
como surge a consciência do significado das denegação do reconhecimento, ou seja, formas
ações sociais” (MATTOS, 2006, p. 88), fato que de desrespeito decorrentes do não
permite a Honneth compreender o processo de reconhecimento de alguma dessas dimensões de
tomada de consciência de si a partir do outro, autorrealização. Para Honneth, os padrões de
aspecto necessário à fundamentação das reconhecimento são necessários para a
relações intersubjetivas de reconhecimento. manutenção da integridade do ser humano.
Quando esses padrões são violados, a identidade
A ideia central trabalhada por Mead é a de que
do sujeito é ameaçada,
“[...] só desenvolvo a minha identidade quando
aprendo minha própria ação na perspectiva do […] visto que a auto-imagem normativa de
cada ser humano, de seu ‘Me’, como disse
outro” (MATTOS, 2006, p. 88). A teoria Mead, depende da possibilidade de um
psicológica de Mead tem seu ponto de apoio em resseguro constante no outro, vai de par com a
três conceitos básicos, que lhe possibilitam experiência do desrespeito o perigo de uma
lesão, capaz de desmoronar a identidade da
explicar o processo de evolução moral da pessoa inteira (HONNETH, 2003, p. 213-214).
sociedade. Os conceitos de “Eu” e “Me”,
acompanhados, posteriormente, pelo conceito de Quer dizer, a cada relação prática de
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“outro generalizado”, buscam interpretar como as reconhecimento, podem ser percebidas
relações intersubjetivas de reconhecimento categorias morais de desrespeito, que, para
configuram a formação da autoconsciência Honneth, não se configuram como relações
humana. Argumentando nessa direção, Honneth somente de injustiça, nas quais os sujeitos são
afirma que “[...] corresponde à experiência do privados de sua liberdade, mas também de uma
reconhecimento um modo de auto-relação prática, violação na compreensão que os próprios sujeitos
no qual o indivíduo pode estar seguro do valor têm de si mesmos. Nesse sentido, a cada forma
social de sua identidade” (HONNETH, 2003, p. de desrespeito vincula-se à privação de
137). determinadas pretensões de identidade: em
relação ao “amor”, o desrespeito se dá nas
O reconhecimento social é entendido, formas de maus-tratos físicos e violações; nas
portanto, como o motor para todo o relações jurídicas, por privações de direito e
desenvolvimento dos padrões morais e éticos da exclusão; e, em relação à solidariedade, nas
sociedade e da formação das identidades dos formas de degradação e ofensa (HONNETH,
indivíduos. Cabe à experiência do 2003).
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como moralmente imputável, assim possibilita operada por meio do conceito de solidariedade
que a pessoa construa um sentimento de empregado à estima social. Para o autor, nas
autorrespeito. Na experiência do reconhecimento relações de reconhecimento solidárias não há
social na dimensão jurídica, “[...] o sujeito adulto somente um respeito ou aceitação do outro como
obtém a possibilidade de conceber sua ação pessoa, mas sim “[...] uma espécie de relação
como uma manifestação própria da autonomia, interativa em que os sujeitos tomam interesse
respeitada por todos os outros” (HONNETH, reciprocamente por seus modos distintos de vida,
2003, p. 194). já que eles se estimam entre si de maneira
simétrica” (HONNETH, 2003, p. 209).
Em contrapartida, quando não é garantida a
concessão de direitos a uma pessoa, é O reconhecimento solidário pode ser
desencadeada uma relação de desrespeito. Essa concebido em duas facetas, a primeira delas
relação negativa infringe no sujeito um não relativa ao interior de grupos, que forjam
reconhecimento de si mesmo como uma pessoa identidades coletivas, e a outra no âmbito
que atua em pé de igualdade com os outros individualizado de cada sujeito.
membros da comunidade. Honneth ainda
O reconhecimento da estima social relativa
argumenta que o não reconhecimento jurídico
aos grupos proporciona uma autorrelação prática
priva o sujeito de ver-se como moralmente
que permite aos indivíduos um sentimento de
imputável. “Para o indivíduo, a denegação de
orgulho de grupo ou de honra coletiva
pretensões jurídicas socialmente vigentes
(HONNETH, 2003). O indivíduo se vê como uma
significa ser lesado na expectativa intersubjetiva
pessoa pertencente a um determinado grupo, que
de ser reconhecido como sujeito capaz de formar
compartilha uma identidade coletiva. O
juízo moral” (HONNETH, 2003, p. 216).
reconhecimento nessa dimensão permite ao
A estima social: o reconhecimento social sujeito perceber que suas propriedades e
da comunidade de valores capacidades concretas têm valor para alcançar
A terceira dimensão do reconhecimento social determinados objetivos coletivos e o indivíduo se
refere-se à estima social dos sujeitos, dimensão reconhece em condição de realizações comuns.
que lhes permite reconhecer positivamente suas Já no âmbito individualizado, Honneth
capacidades e propriedades individuais. A estima argumenta que podemos entender essa dimensão
social é uma dimensão das relações de respeito do reconhecimento por meio de duas expressões
que foi desacoplada das questões jurídicas por comumente usadas hoje que são: “sentimento de
meio da evolução do direito na sociedade. Nesse valor próprio” e “autoestima”. Nesse sentido, o
sentido, o reconhecimento jurídico e a estima reconhecimento proporciona uma autorrelação
social são percebidos com traços distintos, mas prática em que o sujeito apresenta uma confiança
como parte de uma mesma esfera de respeito de que suas capacidades e realizações são tidas
social. como valiosas pelos demais membros da
Como na dimensão do direito, visto sociedade (HONNETH, 2003).
anteriormente, a estima social não pode ser Quando não são garantidas as formas de
entendida desvinculada da evolução histórica dos respeito social relativas à estima, os sujeitos não
valores socialmente partilhados por uma conseguem atribuir valor às suas capacidades
comunidade. A comunidade de valores, na qual individuais, uma vez que percebe que elas são
estão atreladas as formas de reconhecimento por vistas como de menor valor ou deficientes. Tal
estima, orienta-se por critérios éticos e por experiência de desvalorização social leva o
formulações de valores (HONNETH, 2003). Numa indivíduo a uma perda de autoestima pessoal, não
dada comunidade orientada por valores, os lhe possibilitando conceber suas capacidades
sujeitos encontram reconhecimento conforme o individuais como importantes para alcançar
valor socialmente definido de suas propriedades objetivos comuns em dada comunidade.
concretas individuais, que, de certa forma,
contribuem para a realização de objetivos Luta por reconhecimento nas práticas
comuns. pedagógicas
A principal distinção que Honneth apresenta O cotidiano escolar é permeado por relações
entre a dimensão da estima social e a do direito é intersubjetivas de reconhecimento entre os
estudos sociológicos. Entretanto, Honneth afirma disciplinas, uma espécie de apêndice da escola.
que o trabalho nunca deixou de ser um elemento Essa desvalorização configura-se, por vezes,
central na sociedade capitalista, uma vez que “[...] numa forma de desrespeito nas dimensões do
a maioria da população segue derivando direito e da estima social dos professores, que os
primeiramente sua identidade do seu papel no motivam a lutar por reconhecimento. É importante
processo organizado do trabalho” (HONNETH, deixar claro que a condição de “segunda classe”
2008, p. 47). O principal argumento do autor é não é exclusiva da EF. Outros componentes
que o trabalho não deve ser somente entendido curriculares, como é o caso de Artes, também
como uma forma de assegurar a subsistência dos não gozam de grande prestígio no universo
indivíduos, mas também como uma instância que escolar.
satisfaça individualmente o sujeito, que permita
Também naqueles estudos, no diálogo com
processos de autorrealização pessoal.
diferentes aspectos da cultura escolar, pudemos
Nessa esteira, Honneth (2008), em observar que as escolas pesquisadas têm um
contraposição a uma análise meramente de entendimento de EF, em muito, diferenciado
dominação e alienação no trabalho, argumenta daquilo que a produção acadêmica da área vem
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que os trabalhadores manifestam desejos de uma construindo . Parece-nos que a visão que ainda
estruturação autônoma das relações de trabalho, se tem da EF é a de que é uma “atividade” auxiliar
expressos em movimentos de resistência. Os das outras disciplinas, como se o momento da
trabalhadores não somente temem pela aula de EF fosse um espaço de distração para os
manutenção dos seus postos de trabalho, mas alunos, no qual eles “fogem” ou compensam a
também primam por uma melhora qualitativa das tensão proporcionada pelo esforço intelectual em
suas condições. Nessa perspectiva, para sala de aula. Quer dizer, os agentes escolares
compreender o trabalho por meio da concessão têm ainda grande dificuldade de perceber a aula
de reconhecimento social, devemos entendê-lo de de EF como um momento de aprendizado
maneira ampla, por meio de duas condições: a sistematizado e com objetivos próprios e
primeira de caráter econômico, pois devem ser relevantes para a educação dos alunos. Nesse
garantidas as condições salariais dos sentido, apesar de estar presente na escola em
profissionais; e a segunda, mais relacionada com função de uma imposição legal, essa disciplina
a autorrealização, em que as atividades apresenta, no conjunto da cultura escolar, um
desenvolvidas no trabalho possam ser déficit crônico de legitimidade.
reconhecidas como uma contribuição para o bem
Tomando como referência a teoria do
geral da sociedade. A partir dessa compreensão
reconhecimento de Axel Honneth, podemos
do trabalho, podemos perceber as condições
afirmar que essa desvalorização vivenciada pela
normativas de reconhecimento que atuam sobre
EF e seus representantes na escola, os
os indivíduos nas relações intersubjetivas de
professores, é potencialmente geradora de
trabalho, superando o viés exclusivamente
manifestações de desrespeito (não
econômico presente em muitas análises.
reconhecimento). Em nosso entender, tanto nos
O reconhecimento na inovação e no casos dos professores inovadores quanto nos
casos dos professores em estado de
desinvestimento pedagógico na
desinvestimento pedagógico, as situações de
Educação Física
desrespeito observadas afetam os docentes
Ao analisar a prática pedagógica dos
principalmente nas dimensões do direito e da
professores inovadores e dos professores em
solidariedade, como descritas por Honneth. A
estado de desinvestimento pedagógico, foram
segunda forma de desrespeito é a mais
flagrantes as relações de desrespeito vinculadas
recorrente. Na verdade, no caso específico da
à falta de reconhecimento da EF como
cultura escolar de EF, acreditamos ser possível
componente curricular. Em estudos anteriores
afirmar, inclusive, que ambas as formas de
(FARIA et al, 2010; Machado et al, 2010), por
meio do trabalho empírico, pareceu-nos 7
Referimo-nos às tentativas de uma determinada parcela da
perceptível que a EF é tida no meio escolar como produção acadêmica da área da Educação Física que, mais
uma disciplina de “segunda classe”. A visão que intensamente a partir da década de 1980, buscou legitimar
essa disciplina na escola como um componente curricular, em
se têm é da EF como auxiliar das outras contraposição ao caráter de atividade que lhe era reservado
pelo decreto nº 69.450, de 1971.
desrespeito estão imbricadas de tal maneira que disciplina. É preciso destacar que o desrespeito
se torna difícil tratá-las separadamente. ou denegação do reconhecimento não representa
somente minimizações nas liberdades de ação
Entendemos que a configuração de formas de
dos sujeitos, mas também um comportamento
não reconhecimento como estas são
lesivo pelo qual as pessoas são feridas numa
possibilitadas, justamente, pela ideia de
compreensão positiva de si mesmas (HONNETH,
inferioridade do saber mobilizado pela EF em
2003). É dessa forma que podemos afirmar que a
frente às outras disciplinas. Isso porque, na
condição de “segunda classe” de certas
maioria das vezes, as situações de desrespeito
disciplinas escolares, como a EF e Artes, incide
mobilizadas pela cultura escolar parecem
diretamente na vida dos professores dessas
fundamentar-se no questionamento e crítica do
áreas, uma vez que eles têm a compreensão de
próprio valor educativo e cultural da disciplina,
si como docentes também de “segunda classe”.
colocando em xeque a sua legitimidade como
componente curricular. Nessa esteira, A denegação do reconhecimento desse tipo
acreditamos ser possível afirmar, ainda, que o afeta sobremaneira a possibilidade de uma
fato de ser tida, no meio escolar, como uma construção positiva das identidades dos docentes,
disciplina de menor status, ou de “segunda uma vez que o indivíduo é oprimido por um
classe” possibilita também a configuração de sentimento de falta de valor próprio, e sua
situações de desrespeito na esfera do direito. Daí autoestima é afetada negativamente, privando o
nossa afirmação anterior de que ambas as docente de reconhecer suas capacidades e
dimensões estão fortemente imbricadas; dito de propriedades como valiosas socialmente.
outro modo, o imaginário social construído em
Existem indicadores, como destacaremos a
torno da EF, e que a coloca como um
seguir, de que tal condição de “segunda classe”
componente curricular de menor valor, parece
produz impactos e gera reações distintas nos
funcionar como um motor que, para além de
professores. Tal evidência aponta a necessidade
impulsionar situações de não reconhecimento,
de estudos mais sistematizados sobre as relações
pode, inclusive, “legitimar” tais ações.
de reconhecimento social na cultura escolar, no
O não reconhecimento da EF escolar na entanto, a partir de nossas investigações, já foi
esfera da estima social, ou seja, quando as possível visualizar algumas características
formas de desrespeito observadas são tributárias geradoras de hipóteses. Nos casos de
de um não reconhecimento social da comunidade professores inovadores (FARIA et al, 2010), ficou
de valores da escola, remonta à dificuldade que a evidente que as relações de reconhecimento
escola e os membros da equipe pedagógica têm social se deram de duas maneiras distintas:
em perceber a contribuição dessa disciplina para quando os professores se sentiam desrespeitados
a formação dos alunos. Talvez o exemplo mais era desencadeado um processo de luta por
clássico seja o fato de, por muito tempo e em reconhecimento, que visava a estirpar as
diferentes culturas escolares, atribuir-se ao situações de desvalorização; já quando os
professor de EF a tarefa de ocupar o tempo dos professores são reconhecidos na cultura escolar,
alunos nos dias em que os demais docentes se isso reforça a motivação e o investimento na
reúnem para discutir algum projeto pedagógico construção de sua prática. Em outro sentido, no
coletivo. caso dos professores em estado de
desinvestimento pedagógico, as formas de
As formas de desrespeito, baseadas na ideia
desrespeito levavam esses docentes a uma
da inferioridade do saber mobilizado por
situação de rebaixamento passivamente tolerado,
determinado componente curricular, provocam
uma vez que não se mobilizavam no sentido de
nos professores um sentimento de rebaixamento,
lutar pela melhoria de suas condições.
fazendo com que esses sujeitos se percebam
com menor valor na coletividade da escola. Dessa Nos casos de desinvestimento pedagógico, a
forma, os professores que de algum modo se perspectiva de análise que a teoria do
sentiam desrespeitados desencadeavam reconhecimento nos oferece é a seguinte: diante
processos de luta, no sentido de obter o da condição de “segunda classe” da EF na cultura
reconhecimento da comunidade escolar da escolar, vê-se provocado nos professores da
disciplina um sentimento de rebaixamento, quer
importância do saber mobilizado por sua
dizer, eles não mais concebem a si mesmos
como sujeitos de valor igual aos demais membros professores e construírem uma identidade
da coletividade da escola. A repercussão disso é profissional positiva. O reconhecimento pela
perceptível não somente no processo de comunidade escolar proporciona um destaque
construção da identidade desses docentes, mas positivo da prática pedagógica, nesse sentido,
também em sua prática pedagógica e na permitindo que os professores inovadores
dinâmica curricular como um todo. continuem a desenvolver seus projetos e a
investir em suas práticas.
Se, por um lado, como aponta Honneth (2003),
as situações de desrespeito podem desencadear Quando uma relação de reconhecimento é
no indivíduo uma luta por reconhecimento no estabelecida, é permitido ao professor, além de
sentido de restabelecer ou criar novas condições reconhecer-se como uma pessoa de direito,
intersubjetivas de reconhecimento, no caso dos atuante em pé de igualdade nas decisões
professores em estado de desinvestimento jurídicas da comunidade escolar, também
pedagógico, a postura assumida parece ser bem reconhecer positivamente suas capacidades e
mais uma posição de cansaço ou acomodação. É propriedades pessoais, o que determina a
como se esses docentes, por razões que nos construção de uma autoestima. Honneth (2003, p.
escapam, desistissem da busca por 209) argumenta:
reconhecimento (talvez por encontrar A auto-relação prática a que uma experiência
reconhecimento em outros âmbitos da vida, daí a de reconhecimento desse gênero faz os
indivíduos chegar é, por isso, um sentimento de
perda de centralidade do trabalho) ou, orgulho do grupo ou de honra coletiva; o
simplesmente, abdicassem de lutar, retornando indivíduo se sabe aí como membro de um grupo
ou permanecendo no que Honneth (2003) chama social que está em condição de realizações
comuns, cujo valor para a sociedade é
de “situação paralisante de rebaixamento reconhecido por todos os seus demais
passivamente tolerado”. membros.