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entrevista joaquim paulo

dramaturgia dos brasis

desespero de classe no cais de Santos e nas quelhas de


São Paulo. Dias Gomes (1922-1999), apesar de não ser
tão representado actualmente, é o autor de peças fun-
damentais da história da dramaturgia brasileira, como O
Pagador de Promessas (1960), cuja versão cinematográfi-
ca ganhou a Palma de Ouro em Cannes, ou A Revolução
dos Beatos (1962), por exemplo. Além destas obras foi
também um dos principais inventores da teledramatur-

BRASIS
gia brasileira, com séries e novelas como O Bem-Amado
ou Roque Santeiro, que emblematizam o carácter nacional
brasileiro. Ariano Suassuna (1927), outro autor bastan-
te presente, escreveu uma mão cheia de farsas brilhan-
tes, que congregam as tradições nordestina e ibérica,
entre as quais se encontra o mundialmente famoso Auto
da Compadecida (1955). Suassuna foi também a figura
principal do Movimento Armorial, um dos mais influen-
tes movimentos da criação artística brasileira contem-
porânea, lançado no Recife em 1970.  

Dramaturgia dos Estes quatro dramaturgos principais não estão so-


zinhos. Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006), com
Eles Não Usam Black-Tie (1958); Oduvaldo Vianna Fi-
lho (1936-1974), o Vianinha, com Chapetuba Futebol Clu-
be (1959); e Augusto Boal (1931-2009), com Revolução
na América do Sul (1960), são os três principais autores
do Seminário de Dramaturgia do Arena, movimento de
escrita teatral que buscou retratar a realidade do país,
ao mesmo tempo que pretendia inovar formalmente. Os
mesmos autores escreveram, respectivamente, Um Gri-
to Parado no Ar (1972) e Ponto de Partida (1976); Papa Hi-
ghirte (1968) e Rasga Coração (1972); Arena Conta Zumbi
por Jorge Louraço Figueira (1965) e Arena Conta Tiradentes (1967); peças que reflec-
dramaturgo e encenador tiram as contradições da sociedade brasileira, tomando
partido contra o regime político. Em 1968, Boal monta

A
origem de um dos maiores mananciais da dramatur- a Primeira Feira Paulista de Opinião, com textos curtos de
gia de língua portuguesa é o Brasil, em particular São vários autores, entre os quais ele próprio, Guarnieri e
Paulo e o Rio de Janeiro, onde estrearam as mais rele- Plínio Marcos, mas também Lauro César Muniz (1938)
vantes peças teatrais e os mais brilhantes dramatur- e Jorge Andrade (1922-1984), recém-saídos do curso
gos. A importância dessa produção para a dramatur- de dramaturgia da Escola de Arte Dramática, onde se
gia ocidental ainda está por avaliar. Com este artigo formou também Renata Pallottini (1931). Maria Clara
pretende-se dar um primeiro passo nessa avaliação, fazen- Machado (1921-2001) é o nome de referência no teatro
do um sumário de obras e autores recomendáveis. para crianças. A esta geração nascida nos anos 20 e 30
do século XX podem juntar-se os escritores modernistas
Os dramaturgos mais célebres do Brasil, de quem o vi- Oswald de Andrade (1890-1954) e Mário de Andrade
sitante actual encontrará sempre uma peça em cartaz, (1893-1945), o primeiro porque é autor da peça O Rei
são Nelson Rodrigues (1912-1980), autor de Boca de da Vela (1937), que fez a fortuna crítica do Teatro Oficina
Ouro (1959), Beijo no Asfalto (1961) e A Serpente (1978); e de José Celso Martinez Correa, numa versão afamada
e Plínio Marcos (1935-1999), que escreveu Dois Perdi- de 1967 que se tornou um marco da encenação no Bra-
dos Numa Noite Suja (1966), Navalha na Carne (1967) sil; o segundo porque escreveu Macunaíma (1928), que
ou Querô (1979). O primeiro autor retrata as neuroses Antunes Filho encenou numa adaptação igualmente cé-
sexuais dos moradores do Rio de Janeiro, o segundo o lebre, em 1978, e o libreto da ópera Café (1942).

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panorãmicas dramaturgia dos brasis

Trabalhando a partir de fontes documentais e orais, num


processo de pesquisa partilhado, Abreu é um bom exem-
Para os dramaturgos que cresceram nos anos 70 e 80, plo, entre vários, de um modo de trabalhar que se gene-
viram as suas peças estrear nos anos 90 ou 2000, e raliza a partir dos anos 80 e conhece o seu apogeu nos
escrevem o que se pode chamar, em sentido próprio, a anos 90 e 2000, com o chamado Teatro de Grupo, inspi-
dramaturgia nova, contemporânea ou emergente, esta rado em várias experiências similares na América do Sul.
herança pode ser considerada ora pesada, ora leve. Por Este movimento adopta um modo de produção coope-
um lado, as realizações do teatro brasileiro desde o final rativo, encontrado para viabilizar a criação de espectá-
dos anos 50 ao início dos anos 70 são admiráveis. Em culos, e que usa uma retórica do trabalho colectivo, por
particular, os autores citados conseguiram sintetizar em vezes mais eficaz na teoria do que na prática. No Teatro
dramas individuais, concretos e reconhecíveis, as tragé- de Grupo, uma parte da produção dramatúrgica não se
dias e comédias colectivas de toda uma nação, muitas separa da encenação, em especial quando os espectácu-
vezes alegoricamente, com uso da metáfora, o que enri- los são apresentados na rua ou em espaços não conven-
queceu a poética e a universalidade das suas obras. Por cionais. As obras são criadas em regime de improvisação
O senso comum tem considerado que o primeiro es- outro lado, as tradições de excelência e de engajamen- colectiva ou ‘devising’, casos do Núcleo Bartolomeu,
pectáculo em português vernáculo do Brasil foi Vestido to foram interrompidas à força, em especial no período dirigido por Claudia Schapira, ou do grupo XIX, condu-
de Noiva (1943), e consequentemente atribuído ao seu de vigência do Acto Institucional n.º 5, de 1968 a 1978, zido por Luiz Fernando Marques; mas também de auto-
autor, Nelson Rodrigues, nascido nos anos 10, o papel de deixando as novas gerações sem correia de transmissão: res premiados individualmente como é o caso de José
pai fundador de uma dramaturgia especificamente bra- sem espectáculos, sem textos, sem mestres. Os novos Fernando de Azevedo, do Teatro de Narradores, com
sileira. Porém, tanto O Rei da Vela como Café precedem autores tanto podem tentar reclamar a herança como Estes métodos foram adoptados conforme a visão de Cidade Desmanche (2010); e ainda de Grace Passô, do
Vestido de Noiva na tentativa de uma escrita teatral au- decidir fazer tudo de novo.  mundo dos artistas de teatro. Num país dilacerado por Espanca!, com Por Elise (2005). A colaboração de Reinal-
tóctone. Em qualquer dos casos, a dramaturgia brasilei- A poética dramática de Hegel e a dramaturgia épica desigualdades sociais – como quase todos os países – as do Maia com Marco Antonio Rodrigues no grupo Folias
ra contemporânea parece estar associada de Brecht, nacionalizadas, constituem um obras teatrais revelam invariavelmente vínculos entre e a encenação e escrita de Márcio Marciano e Sérgio de
a um projecto de formação de literatura dos lotes dessa herança, que teve em todos ideologia e militância políticas, por um lado, e práticas Carvalho no Latão devem ser vistos à luz desse concei-
nacional, sonhado já no final do século XIX,
mas somente desenvolvido no início do sé-
culo XX. (Este tópico mereceria um estudo
Em qualquer estes autores, mesmo Nelson Rodrigues,
admiradores mais ou menos confessos. O
trabalho de Stanislavski, por outro lado, en-
artísticas, por outro. Neste sentido, segundo José Fer-
nando Azevedo, encenador e dramaturgo de São Paulo,
o teatro brasileiro é mundial não só pelas influências e
to de ‘processo colaborativo’. De facto, mesmo quando
se afirmaram como autores individuais, cujas obras têm
autonomia literária e são montadas por outras compa-
próprio, que excede em muito o âmbito
deste artigo.)
dos casos, a controu o seu caminho para o teatro brasi-
leiro através da imigração de artistas de te-
contribuições estrangeiras à sua formação, mas também
porque se dá numa sociedade constituída por e constitu-
nhias, os melhores dramaturgos brasileiros criaram em
contextos teatrais desenvolvidos, experimentando e dis-

mente atacada nas décadas de 60 e 70. A


dura repressão de que o teatro brasileiro
dramaturgia brasileira
Esta tradição – ou tradições – foi severa- atro dos países do leste europeu, como por
exemplo Eugénio Kusnet; mas também dos
estudos dedicados de Vianinha e Boal. O
tiva das relações desiguais do capitalismo global.
Entre a geração nascida nos anos 20 e 30, de Gomes,
Suassuna, Andrade, Boal, Pallottini, Vianinha, Guarnieri,
cutindo ideias em grupo ou parceria.
Dramaturgos aparentemente mais convencionais
nos métodos de trabalho e na atribuição de autoria são
foi vítima até ao fim dos anos 70 tem como
exemplo a proibição, na véspera da estreia,
de O Berço do Herói (1965), de Dias Gomes,
contemporânea parece cuidado na realização plástica e cénica pa-
rece ter vindo com os criadores italianos. As
influências portuguesas revelaram-se nas
Marcos e Muniz (Rodrigues nasceu nos anos 10), e a gera-
ção nascida nas décadas de 60 e 70, de que falarei de ime-
diato, parece haver um hiato. Os dramaturgos e as obras
Bosco Brasil (1960), de Budro (1994) e Novas Directri-
zes em Tempo de Paz (2001); Fernando Bonassi (1962),
de Apocalipse 1,11 (2000), com o Teatro da Vertigem, e
uma peça que denunciava o falso heroísmo
de um militar da Força Expedicionária Bra-
estar associada a um tradições populares, mais rurais, como nos
Autos Nordestinos, ou mais urbanas, como
a assinalar correspondentes a esse período são Naum Al-
ves de Souza (1942), com as peças No Natal a Gente Vem
São Paulo É Uma Festa (2001); o profícuo Mário Borto-
lotto (1962), com Medusa de Rayban (1997) e Nossa Vida
sileira. Nos anos de chumbo da ditadura mi-

cos chegaram a estar censuradas. E apesar


projecto de formação
litar brasileira todas as peças de Plínio Mar-
no Teatro de Revista ou no Circo-Teatro
(melodramas rasgados apresentados em
tendas, na segunda parte de espectáculos
Te Buscar (1979), Aurora da Minha Vida (1981), e Suburba-
no Coração (1989), com músicas de Chico Buarque; e Luiz
Alberto de Abreu (1952), com Bella Ciao (1980), a partir
Não Vale Um Chevrolet (1994), entre muitas outras. Um
pouco mais novos, Samir Yazbek (1967), de O Fingidor
(1999), sobre Fernando Pessoa, e As Folhas do Cedro
das célebres posições de direita, Nelson
Rodrigues parou de escrever teatro entre
as peças Toda Nudez Será Castigada (1965)
de literatura nacional. circenses). Porém, as influências dos con-
temporâneos vivos vêm também de outros
lugares de drama e narrativa: a literatura, o
de documentos e depoimentos de imigrantes anarquistas
italianos, Lima Barreto ao Terceiro Dia (1984), cruzando
biografia e ficção, ou O Livro de Jó (1995), criado em pro-
(2010), sobre as origens libanesas do autor; Newton
Moreno (1968), com Agreste (2004) ou VemVai, O Ca-
minho dos Mortos (2007), e Gero Camilo (1970), com
e Anti-Nelson Rodrigues (1973). Álbum de Fa- cinema, a televisão, a música popular, a per- cesso colaborativo no Teatro da Vertigem. Abreu escre- Aldeotas (2004) e A Casa Amarela (2011), evocam um
mília, ao contrário, censurada desde 1945, formance, os videojogos, a internet, enfim, veu ainda uma quinzena de peças, no âmbito do projecto nordeste saudoso trazendo a poética do regional para o
estreou em 1967. Em 1971, Boal vai para o exílio, onde todos os produtos de circulação global que, mal ou bem, Comédia Popular Brasileira, para a Fraternal Companhia seio do urbano. Roberto Alvim (1973) dirige um estúdio
formulará o seu Teatro do Oprimido. Vianinha morre pre- são consumidos em todo o mundo. O teatro brasileiro é de Arte e Malas-Artes, entre 1994 e 2006. As suas obras dedicado à dramaturgia contemporânea em São Paulo, o
maturamente aos 36 anos, em 1974. Guarnieri pratica- mundial na sua constituição. mais recentes são Em Nome do Pai e Um Dia Ouvi a Lua. Club Noir, onde estreou a sua peça Pinokio (2011).
mente abandona os palcos depois de 1976. 

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entrevista dramaturgia dos brasis

No final dos anos 90, incentivados por um programa de


dramaturgia desenvolvido pelo Royal Court Theatre, vá-
rios dramaturgos criaram uma companhia em São Paulo,
da qual fizeram então parte Cássio Pires (1972), Claudia
Pucci (1974), Fábio Torres (1973) e Paula Chagas (1975),
entre outros. Na mesma época, em Fortaleza, o curso de
dramaturgia do Instituto Dragão do Mar formou autores
como Edilberto Mendes (1968) e Marcos Barbosa (1977).
Nos últimos anos, surgiram dramaturgos que trabalham
com dispositivos que estabelecem regras de jogo para ac-
tores e espectadores diferentes das regras convencionais
da ficção, mais ou menos épica, e ainda do processo cola- cial. Ainda assim, um mapa precisa de uma Rosa dos Ven-
borativo. Nestes espectáculos, o conteúdo é apresentado tos, sob pena de ser lido de pernas para o ar, e enviar o
de forma dinâmica e interactiva, com alguns aspectos dra- leitor no sentido contrário ao da cova do tesouro. Qual-
matizados, é certo, mas sobretudo recorrendo à narrati- quer espectador ou leitor mais assíduo de dramaturgia
va, à exposição de documentos, imagens ou pessoas, ou contemporânea constata facilmente a sua diversidade.
à participação de outros não actores. São exemplo disso, As poéticas do discurso, do movimento e da acção são
no Rio de Janeiro, A Falta que Nos Move (2005) e Corte muito diferentes de peça para peça e de autor para au-
Seco (2010), dirigidos por Christiane Jatahy (1968); ou tor. Mas os textos e os dramaturgos estão normalmente
Ele Precisa Começar (2005) e Ninguém Falou que Seria Fácil mais a norte ou mais a sul, mais a leste ou mais a oes-
(2011), de Felipe Rocha (1972), dirigidos por Alex Cassal te. Uns põem as personagens a fazer mais referências
(1967), ambos do grupo Foguetes Maravilha. ao próprio mundo, outros menos. Uns têm vocabulário
O leitor pode fazer download das obras de alguns des- mais rural, outros mais urbano. Uns têm um tom confes-
tes autores nos sites sional, autobiográfico, outros um registo documental, de
Catálogo da Dramaturgia Brasileira [www.kuhner. testemunho. Algumas peças são mais dramáticas, outras
com.br/catalogo/], Dramaturgia Contemporânea [www. mais narrativas. Algumas personagens são como as pes-
dramaturgiacontemporanea.com.br] e @dramaturgia soas, inconstantes e incoerentes, outras quase não exis-
[www.novasdramaturgias.com]. O site Teatro Para Al- tem, são apenas os próprios autores a falar por elas. A
guém apresenta textos escritos para a internet [www. crítica e a academia revelam a atenção dos novos auto-
teatroparaalguem.com.br]. res ao pós-dramático, aos retratos do quotidiano ou aos
O Núcleo Bartolomeu organiza todos os meses uma dispositivos metafóricos. Será?
prova de dramaturgia, o Dramaturgia Concisa Contem- Alguns dramaturgos fazem questão de reatar os la-
porânea, ao jeito das poetry slams, em que os autores ços quebrados com a tradição do Teatro de Arena: es-
têm um tempo limitado para escrever um texto, depois pectáculos como Orestéia (2007), do Folias; Ópera dos
submetido à votação do público. O grupo Satyros, de São Vivos (2010), do Latão; e Cidade Fim (2011), dos Narra-
Paulo, organiza anualmente o Drama Mix, no âmbito do dores; fazem uma retrospectiva da história recente da
evento Satyrianas, convidando cerca de 50 autores para linguagem teatral no Brasil, em relação dialéctica com os
apresentarem textos curtos. Vários grupos e instituições meios de comunicação de massas, ao mesmo tempo que
promovem leituras encenadas ou montagens modestas expõem as suas versões da luta de classes na América do
de textos inéditos. Os prémios de dramaturgia mais im- Sul. As experiências aparentemente pósdramáticas, que
portantes do Brasil são os Shell, em São Paulo e no Rio de expõem o próprio jogo teatral e invocam directamente
Janeiro, e o prémio da Associação Paulista de Críticos de as autobiografias de vários autores e companhias, avan-
Arte, para peças estreadas. Para textos inéditos, o con- çam porque têm um ponto de partida anterior. Seja como
curso mais importante é o prémio António José da Silva, for, é em diálogo com a herança linguística, técnica e ar-
da Funarte e do Instituto Camões. tística dos autores anteriores, e partindo das circunstân-
Uma caracterização de cada um dos dramaturgos ou de cias do país, que os dramaturgos brasileiros farão a sua
grupos deles, por temas, formas, pensamento, está fora própria herança para legar aos vindouros. Não perca as
do âmbito deste artigo, que apenas propõe um mapa ini- cenas do próximo capítulo. —

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