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CIDADANIA E DEMOCRACIA MARIA VICTORIA DE MESQUITA BENEVIDES O debate sobre a "questo da cidadania" permanece associado, na teoria e na pratica, e para o bem ou para o mal, a discussdo sobre as vir- tualidades e perspectivas da consolidagio democritica no Brasil. Muito ja se escreveu sobre a auséncia de cidadania — no sentido de consciéncia e fruigdo de direitos — e até mesmo sobre a auséncia de "poyo" em nosso pafs. Discutiram-se caracteristicas da cidadania excludente ou "regulada" (mais vinculada aos direitos sociais ou trabalhistas), assim como sobre 0 conjunto de obstaculos a extensiio da cidadania, decorrentes de nossa tra- digo oligérquica, autoritéria, populista e corporativista. No campo dos di- reitos polfticos do cidaddo, € bem conhecida a critica 4 representagio e ao sistema eleitoral. O tema tem sido, sem dtivida, freqiientemente debatido, dentro e fora das instituigées académicas. Creio, portanto, que a contribuicao que poderia trazer, neste momento, consiste em levantar indagagdes so- bre a prépria nogio de cidadania e, mais especificamente, sobre dois te- mas correlatos: 1. 0 aperfeigoamento dos direitos politicos do cidadao pela im- plementagiio de mecanismos de democracia direta, como re- ferendo, plebiscito e iniciativa popular, acolhidos na nova Constituigao brasileira; 2. a educagao politica do povo, como elemento indispensdvel — tornando-se causa e conseqiiéncia — da democracia e da cidadania. Em 1791, na defesa radical dos direitos de participagao politica dos "sans culottes", Robespierre afirmava que, para ser eleitor, bastava 6 LUA NOVA N° 33 —94 "tre vertueux et avoir un coeur frangais". Junto com o Abbé Gregoire, 0 bravo incorruptfvel lutava, sem muito sucesso, contra a discriminacao en- tre "cidadios ativos" e "cidadaos passivos" na construgao do novo regime. Sem muito sucesso, sim; pois mesmo no ardor revoluciondrio dos que pre- tendiam instaurar 0 reino da igualdade, se todos seriam iguais — todos se- riam citoyens — alguns jé seriam mais iguais do que outros. A idéia moderna de cidadania e de direitos do cidaddo tem, como € sabido, sdlidas rafzes nas lutas e no imagindrio da Revolugdo Fran- cesa. Mas dela herdou, também, parte das ambigiiidades que carrega até hoje. O que significa ser cidadio? Até que ponto cidadania se confunde com democracia? Como se identificam — ou nao — os direitos do homem € 08 direitos do cidadao? A propria formula generosa do ilustre jacobino j4 trazia a som- bra da diivida: ter um coragio francés entende-se como ser "patriota", no sentido revoluciondrio do termo republicano. Mas, seriam igualmente pa- triotas 0 camponés espoliado, o intelectual enragé e o burgués financista? E quanto A exigéncia da virtude? Que virtude seria essa? A virtude republi- cana do amor 4 coisa ptiblica, a virtude democratica do amor & igualdade, de que fala Montesquieu? E bem provavel que se tratasse, na verdade, de inspiragdo rousseauniana. Em pdgina célebre de O Contrato Social, Rousseau atribui a cidadania apenas aqueles que a merecem; ou seja, aqueles que tém a virtude cfvica da disponibilidade ativa para o servigo da coisa piiblica (livro III, cap. XV). Enfim, 0 que importa notar é que a distingdo entre cidaddos e vassalos, ativos ¢ passivos j4 comprometia, no final do século XVIII, a natureza igualitaria da no¢do moderna de cidadania. No Brasil, a nogao de cidadania mantém certa dose de ambigui- dade tanto na vertente progressista, da "esquerda", quanto na vertente con- servadora, da "direita". Para a esquerda, muitas vezes cidadania é apenas aparéncia de democracia, pois discrimina cidadaos de primeira, segunda, terceira ou nenhuma classe, acabando por reforgar a desigualdade (Dalmo Dallari, por exemplo, pensa assim e, em conseqiiéncia, nao fala em "direi- tos do cidaddo", mas sim em “direitos da pessoa humana"). Um exemplo sempre lembrado, para provar o desacerto de denominar "direitos do ci- dadao" no Brasil, seria a "doagdo" dos direitos trabalhistas na ditadura do Estado Novo, mantendo-se, no entanto, os sindicatos atrelados ao Estado, no molde fascista. Para setores da "direita", a cidadania — por implicar a idéia de igualdade, mesmo que apenas igualdade juridica — torna-se indesejavel, e até ameagadora. As elites dependem, para a manutengio de seus privilégios (a lex privata, 0 oposto do contetido ptiblico na nogio de cidadania), do re- CIDADANIA E DEMOCRACIA. 7 conhecimento explicito da hierarquia entre superiores e inferiores. Conside- ram a desigualdade legitima e "os de baixo" sao as classes perigosas. ? aig Na teoria constitucional moderna, cidadao € 0 individuo que tem um vinculo jurfdico com o Estado. E 0 portador de direitos e deveres fixados por uma determinada estrutura legal (Constituigao, leis) que The confere, ainda, a nacionalidade. Cidadiio sio, em tese, livres e iguais pe- rante a lei, porém stiditos do Estado. Nos regimes democraticos, entende- se que os cidadaos participaram ou aceitaram o pacto fundante da nagio ou de uma nova ordem jurfdica. Colocam-se, na pratica, as quest6es ao mesmo tempo 6bvias e perturbadoras: quem faz as leis? quem sao os iguais? O conceito nao seria restrito, e mesmo discriminatério, ao distinguir "pessoa" de "cidadio"? Até que ponto serd possfvel ampliar a abrangéncia da cidadania no contex- to do capitalismo e de uma sociedade de classes? Em texto considerado cléssico, T.H. Marshall discorre sobre a evolugio hist6rica dos direitos do cidadao na Inglaterra para elucidar o que chama de tensao irredutivel — uma espécie de guerra — entre 0 princfpio da igualdade (implicito na idéia de cidadania) e as desigualdades inerentes ao capitalismo e A sociedade de classes.! Dai, discute a geragdo de direitos civis no século XVIII, dos direitos politicos no século XIX e dos direitos sociais no século XX. Nessa evolugaio — um avango evidente no cendrio do liberalismo — manifesta-se também a contradi¢io entre teo- ria e prdtica, na medida em que direitos passam a ser entendidos como concess6es. Isto é, direitos siio concedidos nao como prestagées legftimas para cidadaos livres e iguais perante a lei, mas como benesses para prote- gidos, tutelados, clientelas. Deixam de ser direitos para serem alternativas aos direitos. ConcessGes, como alternativas a direitos, configuram a cidada- nia passiva, excludente, predominante nas sociedades autoritérias. Con- figuram a politica do reformismo gatopardista que, no Brasil, distinguiu- se pela frase célebre de Antonio Carlos — “fagamos a revolugdo antes que 0 povo a faca" — ou pelo desalento de Hipélito da Costa: "mu- dangas sim; mas como nos aborrecem serem feitas pelo povo!". Na ver- dade, nunca tivemos reformas sociais visando a cidadania efetivamente democratica. Nossa festejada modernizagdo conservadora empreendeu re- formas institucionais (ampliago de direitos polfticos e liberdades de as- 1 Marshall, T.H. Cidadania, Classe Social e Status. Rio, Editora Zahar, 1967.

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