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Unidade Original

Catequese 8
A unidade original do homem e da mulher na humanidade

1. As palavras do livro do Gênesis: “não é conveniente que o homem esteja só” são quase
um prelúdio da narrativa da criação da mulher. Com esta narrativa, o sentimento da
solidão original entra a fazer parte do significado da unidade original, cujo ponto-chave Commented [FA1]: Tudo aquilo que lemos em relação à
parecem ser precisamente as palavras de Gênesis 2, 24, a que se refere Cristo na sua solidão original faz referência imediata à unidade querida
por Deus desde o princípio e, por isso, é tão significativa que
conversa com os fariseus: “O homem deixará o pai e a mãe, e unir-se-á à sua mulher, e primeiro Deus permite ao homem perceber-se só, para daí
serão os dois uma só carne”. Se Cristo, referindo-se ao “princípio”, cita estas palavras, tirar a conclusão que não é bom que ele esteja só. Por isso,
convém-nos precisar o significado dessa unidade original, que mergulha as raízes no fato o sentido da unidade original se encontra vinculado tanto à
solidão original, quanto ao significado esponsal do corpo – o
da criação do homem como macho e fêmea. homem consigo próprio não realiza o valor mais profundo
da sua existência: seu corpo aponta para a comunhão.
A narrativa do capítulo primeiro1 do Gênesis não conhece o problema da solidão original
do homem: o homem, de fato, desde o princípio, é “macho e fêmea”. O texto javista do
capítulo segundo, pelo contrário, autoriza-nos em certo modo a pensar primeiramente
apenas no homem, na medida em que, mediante o corpo, ele pertence ao mundo visível,
mas ultrapassando-o; depois, faz-nos pensar no mesmo homem, mas através da
duplicidade do sexo. Corporeidade e sexualidade não são simplesmente idênticos. Commented [FA2]: O corporeidade, assim, é uma
Embora o corpo humano, na sua constituição normal, traga em si os sinais do sexo e seja, expressão da sexualidade, pois a sexualidade é uma
característica ontológica (espiritual), faz parte do “ser” da
por sua natureza, masculino ou feminino, todavia o fato de o homem ser “corpo” pertence pessoa. “Não simplesmente tenho os genitais masculinos ou
à estrutura do sujeito pessoal mais profundamente que o fato de ele ser na sua constituição femininos; sou homem ou sou mulher”, ou seja, é algo que
somática também macho ou fêmea. Por isso, o significado da solidão original, que pode faz parte da identidade, do ser, é uma característica
fundamental da existência enquanto pessoa. E exatamente
referir-se simplesmente ao “homem”, é substancialmente anterior ao significado da por isso, se expressa no corpo através dos genitais.
unidade original; esta última, de fato, baseia-se na masculinidade e na feminilidade, quase
como sobre duas diferentes “encarnações”, isto é, sobre dois modos de “ser corpo” do
mesmo ser humano, criado à imagem de Deus. Commented [FA3]: Ainda que constituídos em igual
dignidade perante Deus, afinal, ambos foram criados por
2. Seguindo o texto javista [segundo capítulo], no qual a criação da mulher foi descrita Deus, como faz questão de mostrar no primeiro capítulo –
separadamente, devemos ter diante dos olhos, ao mesmo tempo, aquela “imagem de relato Eloísta. Mas essa igualdade em relação à dignidade
não se contrapõe ao dualismo enquanto expressão de
Deus” da primeira narrativa da criação. A segunda narrativa conserva, na linguagem e no sexualidade. Ou seja, ficam assim negados qualquer tipo de
estilo, todas as características do texto javista. O modo de narrar concorda com o modo condicionamento exclusivamente sexual em relação à
de pensar e de falar da época a que o texto pertence. Pode-se dizer, segundo a filosofia sexualidade, pois que a sexualidade, na antropologia bíblica
é encarada como um Dom de Deus, muito mais do que uma
contemporânea da religião e da linguagem, que se trata duma linguagem mítica. Neste escolha humana. Obviamente, um Dom que precisa ser
caso, na verdade, o termo “mito” não designa conteúdo fabuloso, mas simplesmente um acolhido e amadurecido, mas nunca completamente
submetido à vontade humana.
modo arcaico de exprimir um conteúdo mais profundo. Sem qualquer dificuldade, sob o
estrato da antiga narração, descobrimos aquele conteúdo, verdadeiramente admirável no
que diz respeito às qualidades e à condensação das verdades que nele estão encerradas. Commented [FA4]: Ainda que o texto bíblico esteja
relatando verdades usando-se de uma linguagem mítica, e
Acrescentemos que a segunda narrativa da criação do homem conserva, até certo ponto, não científica, podemos colher frutos de verdades
uma forma de diálogo entre o homem e Deus-Criador, o que se manifesta fundamentais sobre o homem, sem contudo,
necessariamente, assumir os relatos da criação como
sobretudo naquele período em que o homem (‘adam) é definitivamente criado como
verdades científicas.
*Para um aprofundamento sobre a questão científica da
evolução e os relatos da criação, é fundamental conhecer a
1
Relato Eloísta. teoria do jesuíta Teilhard Chardin.”
macho e fêmea (‘is-‘issah). A criação efetua-se simultaneamente, por assim dizer, em
duas dimensões: a ação de Deus-Javé, ao criar, desenvolve-se em correlação com o
processo da consciência humana.
3. Assim, pois, Deus-Javé diz: “Não é conveniente que o homem esteja só; vou dar-lhe
uma auxiliar semelhante a ele”. E ao mesmo tempo o homem confirma a própria solidão.
A seguir lemos: “Então o Senhor Deus adormeceu profundamente o homem; e, enquanto
ele dormia, tirou-lhe uma das costelas, cujo lugar preencheu de carne. Da costela que
retirara do homem, o Senhor Deus fez a mulher e conduziu-a até ao homem”. Tomando
em consideração o caráter próprio da linguagem, é preciso antes de tudo reconhecer que
muito nos faz pensar aquele torpor do Gênesis, no qual, por obra de Deus-Javé, o homem
cai em preparação para o novo ato criador. Sob o contexto da mentalidade contemporânea,
habituada —graças à análise do subconsciente— a ligar ao mundo do sono conteúdos
sexuais, aquele torpor pode suscitar uma associação particular. Todavia a narrativa bíblica
parece ir além do subconsciente humano. E se admitirmos uma significativa
diversidade de vocabulário, podemos concluir que o homem (‘adam) cai naquele
“torpor” para acordar “macho” e “fêmea”. De fato, pela primeira vez encontramos
em Gn 2, 23 a distinção ‘is-‘issah. Talvez portanto a analogia do sono indique aqui
não tanto um passar da consciência à subconsciência, quanto um específico regresso
ao não-ser (o sono tem em si um elemento de aniquilamento da existência consciente
do homem), ou seja, ao momento que antecede a criação, para que dele, por
iniciativa criadora de Deus, o “homem” solitário possa ressurgir na sua dupla
unidade de macho e fêmea.
Seja como for, à luz do contexto de Gn 2, 18-20 nenhuma dúvida há de o homem cair
naquele “torpor” com o desejo de encontrar um ser semelhante a si. Se podemos, por
analogia com o sono, falar aqui também de sonho, devemos dizer que este arquétipo
bíblico nos permite admitir como conteúdo daquele sonho um “segundo eu”, também ele
pessoal e igualmente relacionado com o estado de solidão original, isto é, com todo aquele
Commented [FA5]: Esse trecho é fundamental! Pois nos
processo de estabelecimento da identidade humana relativamente ao conjunto dos seres dá uma base de entendimento que, segundo o relato
vivos (animalia), na medida em que é um processo de “diferenciação” entre o homem e bíblico, não há uma submissão ontológica da mulher sobre o
tal ambiente. Deste modo, o círculo da solidão do homem-pessoa quebra-se, porque o homem, ou seja, a mulher não é submissa ao homem
porque foi tirada de sua costela. Pelo contrário, a
primeiro “homem” desperta do sono como “macho e fêmea”. hermenêutica bíblica deixa claro que a mulher surge como
um “segundo eu”, ou seja, um ser também dotado de
4. A mulher é feita “com a costela” que Deus-Javé tirara ao homem. Considerando o subjetividade, interioridade, espiritualidade. Afinal, ela
modo arcaico, metafórico e imaginoso, de exprimir o pensamento, podemos estabelecer também é criada diretamente por Deus, usando-se, contudo
tratar-se aqui de homogeneidade de todo o ser de ambos; tal homogeneidade diz respeito da costela de Adão – como sinal de igualdade e
complementariedade, “é tirada do lado de Adão”. A
sobretudo ao corpo, à estrutura somática, e é confirmada também pelas primeiras palavras analogia da criação é bem clara: Adão é criado diretamente
do homem à mulher recém-criada: “Esta é realmente o osso dos meus ossos e a carne de por Deus usando-se do “pó da terra”. Eva é criado
diretamente por Deus, usando-se da costela de Adão.
minha carne”. Apesar disso, as palavras citadas referem-se também à humanidade do
Assim, fica superada a primeira manifestação da solidão
homem-macho. Devem ler-se no contexto das afirmações feitas antes da criação da original, pois o homem encontra uma companheira
mulher, nas quais, embora não existindo ainda a “encarnação” do homem, ela é definida semelhante a ele; porém, esta também nasce na sua
particularidade e singularidade, na sua solidão e
como “auxiliar semelhante a ele”. Assim pois, a mulher foi criada, em certo sentido, sobre irrepetibilidade, pois ela não é simplesmente confundida
a base da mesma humanidade. A homogeneidade somática, não obstante a diversidade da com todo o criado (animalia), ainda que ela também
constituição ligada à diferença sexual, é tão evidente que o homem (macho), despertando participe do mundo visível, assim como Adão participa.
Em suma, o projeto da unidade original, querida por Deus
do sono genético, a exprime imediatamente, ao dizer: “Esta é realmente osso dos meus desde de o princípio não é uma mistura de dois seres
ossos e carne da minha carne. Chamar-se-á mulher, visto ter sido tirada do homem”. Deste incompletos, que se completarão nessa mistura, mas um
modo o homem (macho) manifesta pela primeira vez alegria e até exaltação, de que projeto de amor que unem dois seres desiguais, mas
igualmente dignos, uma complementação.
anteriormente não tinha motivo, por causa da falta dum ser semelhante a si. A alegria para Commented [FA6]: Como não imaginar essa alegria?
com o outro ser humano, para o segundo “eu”, domina nas palavras que o homem (macho) Como não se surpreender com a beleza desse relato?
Imagine o apelo de Adão, quase inconsciente, a Deus por
pronuncia ao ver a mulher (fêmea). Tudo isto ajuda a estabelecer o significado pleno da alguém que lhe faça companhia – algo que certamente nem
unidade original. Poucas são aqui as palavras, mas cada uma tem um grande peso. o homem conseguiria imaginar, ou descrever ainda; mas
Devemos portanto ter em conta —e fá-lo-emos em seguida— o fato de aquela primeira que Deus, que perscruta o coração humano se adianta em
conceder.
mulher, “criada com a costela tirada… ao homem” (macho), ser imediatamente aceita É muito semelhante àqueles que estão a espera de um
como auxiliar semelhante a ele. parceiro ou de uma parceira, e se vê na situação de
encontrar exatamente aquela pessoa que “lhe preenche”,
A este mesmo tema, quer dizer, ao significado da unidade original do homem e da mulher que “lhe completa”.
Dizer aqui que essa alegria é simplesmente admiração e
na humanidade, voltaremos ainda na próxima meditação. prazer seria reduzir o fenômeno a um único aspecto,
enquanto, na verdade, seria como a alegria de estar
__________ realizado, de estar completo – aquilo que São Tomás de
Aquino chama de Beatitudo.
1 O termo hebraico ‘adam exprime o conceito coletivo de espécie humana, isto é, o homem que representa
a humanidade; (a Bíblia define o indivíduo usando a expressão “filho do homem”, ben-‘adam). A
contraposição ‘is-‘issah sublinha a diversidade sexual (como em grego anér-gyné).
Depois da criação da mulher, o texto bíblico continua a chamar ao primeiro homem ‘adam (com o artigo
definido, exprimindo assim a sua “corporate personality”), pois se tornou “pai da humanidade”, seu
progenitor e representante, como depois Abraão foi reconhecido como “pai dos crentes” e Jacó foi
identificado com Israel-Povo Eleito.
2 O torpor de Adão (em hebraico tardemah) é um sono profundo (latim sopor; inglês sleep), em que o
homem cai sem conhecimento ou sonhos (a Bíblia tem outro termo para definir o sonho: halóm; cfr. Gn 15,
12; 1Sm 26, 12).
Freud examina o conteúdo dos sonhos (latim somnium, inglês dream), que formando-se com elementos
psíquicos “recalcados no subconsciente” permitem, segundo a sua teoria, fazer surgir deles os conteúdos
incônscios, que seriam, em última análise, sempre sexuais.
Esta idéia é naturalmente de todo alheia ao autor bíblico.
Na teologia do autor javista, o torpor, em que Deus fez cair o primeiro homem, sublinha a exclusividade da
ação de Deus na obra da criação da mulher; o homem não teve nela nenhuma participação consciente. Deus
serve-se da sua “costela” só para acentuar a natureza comum do homem e da mulher.
3 “Torpor” (tardemah) é o termo que aparece na Sagrada Escritura, quando durante o sono ou diretamente
depois dele hão-de dar-se acontecimentos extraordinários (cfr. Gn 15, 12; 1Sm 26, 12; Is 29, 10; Jó 4, 13;
33, 15). Os Setenta traduzem tardemahpor ektasis (êxtase).
No Pentateuco tardemah aparece ainda uma vez num contexto misterioso: Abraão, por ordem de Deus,
preparou um sacrifício de animais, excluindo as aves de rapina.”Ao pôr do sol, apoderou-se dele
um profundo sono (torpor); ao mesmo tempo sentiu-se apavorado e foi envolvido por densa treva…”
(Gn 15, 12). Precisamente então começa Deus a falar e conclui com ele uma aliança, que é o ponto mais
alto da revelação comunicada a Abraão.
Esta cena assemelha-se um tanto à do jardim do Getsêmani: Jesus “começou a sentir pavor e a angustiar-
se…” (Mc 14, 33) e encontrou os Apóstolos “a dormir, devido à tristeza” (Lc 22, 45).
O autor bíblico admite no primeiro homem certo sentimento de carência e solidão (“não é conveniente que
o homem esteja só”; “não encontrou para si uma auxiliar adequada”), de carência e solidão mas não de
medo. Talvez esse estado provoque “um sono causado pela tristeza”, ou talvez, como em Abraão “por um
pavor de não ser”; como no limiar da obra da criação “a terra era informe e vazia. As trevas cobriam o
abismo” (Gn 1, 2).
Seja como for, segundo ambos os textos, em que o Pentateuco, ou melhor, o Livro do Gênesis, fala do sono
profundo (tardemah), realiza-se uma especial ação divina, isto é, uma “aliança” cheia de conseqüências
para toda a história da salvação: Adão dá início ao gênero humano, Abraão ao Povo Eleito.
4 É interessante notar que para os antigos Sumérios o sinal cuneiforme para indicar o substantivo “costela”
era o mesmo que indicava a palavra “vida”. Quanto, portanto, à narrativa javista, segundo certa
interpretação de Gn 2, 21, Deus cobre a costela de carne (em vez de cicatrizar a carne no seu lugar) e deste
modo “forma” a mulher, que tem origem da “carne e dos ossos” do primeiro homem (macho).
Na linguagem bíblica esta é uma definição de consangüineidade ou incorporação na mesma descendência
(por exemplo, cfr. Gn29, 14): a mulher pertence à mesma espécie do homem, distinguindo-se dos outros
seres vivos anteriormente criados.
Na antropologia bíblica os “ossos” exprimem um elemento importantíssimo do corpo; dado que para os
Hebreus não havia distinção clara entre “corpo” e “alma” (o corpo era considerado como manifestação
exterior da personalidade), os “ossos” significavam simplesmente, por sinédoque, o “ser” humano (cfr., por
exemplo, Sl 139, 15: “não te estavam escondidos os meus ossos”).
Pode-se portanto entender “osso dos ossos”, em sentido relacional, como o “ser vindo do ser”; “carne vinda
da carne” signfica que, havendo embora características físicas diversas, a mulher apresenta a mesma
personalidade que o homem possui.
No “canto nupcial” do primeiro homem, a expressão “osso dos ossos, carne da carne” é forma de
superlativo, reforçado pela tríplice repetição: “esta”, “ela”, “a”.
5 É difícil traduzir exatamente a expressão hebraica cezer kenedô, que é traduzida de maneiras diversas nas
línguas européias, por exemplo:
latim: “adiutorium ei conveniens sicut oportebat iuxta eum”
alemão: “eine Hilfe…, die ihm entspricht”
francês: “égal vis-à-vis de lui”
italiano: “un aiuto che gli sia simile”
espanhol: “como él que le ayude”
inglês: “a helper fit for him”
polaco: “odopowicdnia alla niego pomoc”
Como o termo “auxiliar” parece sugerir o conceito de “complementaridade” ou melhor de “correspondência
exata”, o termo “semelhante” relaciona-se sobretudo com o de “semelhança”, mas em sentido diverso da
semelhança do homem com Deus.

Catequese 9
Mediante a comunhão das pessoas o homem torna-se imagem de Deus

1. Seguindo a narrativa do Livro do Gênesis, verificamos que a “definitiva” criação do


homem consiste na criação da unidade de dois seres. A sua unidade denota sobretudo a Commented [FA7]: Aqui manifesta-se a lógica do Dom:
identidade da natureza humana; a dualidade, porém, manifesta o que, com base em tal cada homem, ainda que querido por si mesmo por Deus,
identidade, constitui a masculinidade e a feminilidade do homem criado. Esta dimensão não vive (ou não deveria viver) só para si mesmo. Cada
pessoa existe para os outros. Sua vida é um Dom de Deus
ontológica da unidade e da dualidade tem, ao mesmo tempo, um significado axiológico. ao mundo.
Do texto de Gênesis 2, 23 e de todo o contexto, resulta claramente que o homem foi criado Commented [FA8]: Como isso pode ser entendido? Se ao
como um especial valor diante de Deus (“Deus, vendo toda a sua obra, considerou-a muito mesmo tempo supera a solidão e lhe afirma?
boa”), mas também como um especial valor para o próprio homem: primeiro, porque é Primeiro, é preciso entender bem o que significa essa
solidão. Em poucas palavras, poderia ser descrito
“homem”; segundo, porque a “mulher” é para o homem, e vice-versa o “homem” é para imediatamente como aquela percepção do homem que ele
a “mulher”. Enquanto o capítulo primeiro do Gênesis exprime este valor em forma está só no mundo, ou seja, que nada material, nada visível
puramente teológica (e indiretamente metafísica), o capítulo segundo, pelo preenche completamente seu coração. Isso é o que se
chama de autoconsciência: o homem se entende como um
contrário, revela por assim dizer o primeiro círculo da experiência vivida pelo homem ser visível, no meio dos outros seres visíveis, mas, ao
como valor. [...] E se é possível ler impressões e emoções em palavras tão remotas, poder- mesmo tempo se entende como alguém (pessoa), que
se-ia também correr o risco de dizer que a profundidade e a força desta primeira e supera todo o mundo visível, e por isso o mundo visível não
pode preencher sua existência, não pode lhe
“original” emoção do homem-macho diante da humanidade da mulher, e ao mesmo tempo complementar.
diante da feminilidade do outro ser humano, parece alguma coisa única e impossível de Isso aponta, então, para a necessidade do homem de um
repetir. companheiro que lhe corresponda, por um lado; mas por
outro aponta para a própria relação do homem com Deus –
que lhe sacia plenamente, mas não lhe corresponde, em
2. Deste modo, o significado da unidade original do homem, através da masculinidade e sentido estrito, pois existe uma diferença, um abismo
da feminilidade, exprime-se como superação da fronteira da solidão, e ao mesmo tempo ontológico: Deus é Deus, e sua relação para com o homem
como afirmação —quanto a ambos os seres humanos— de tudo o que na solidão é se dá através da Aliança-misericórdia e não do Amor-justiça.
Assim entendido, a complementariedade não anula a
constitutivo do “homem”. Na narrativa bíblica, a solidão é caminho que leva àquela solidão do homem, pois um verdadeiro relacionamento não
unidade que, seguindo o Vaticano II, podemos definir como uma communio personarum2. anula a subjetividade e identidade de alguém; pelo
Como já precedentemente notamos, o homem, na sua original solidão, adquire uma contrário, o amor é a valorização perfeita e plena da
dignidade da pessoa amada, bem como o respeito por tudo
aquilo que lhe é própria, assim, respeitando a sua “solidão”
2
“Mas Deus não criou o homem deixando-o só, desde o princípio ‘homem e mulher os criou’ (Gn 1, 27) e (interioridade, subjetividade, particularidade e
a união deles constitui a primeira forma de comunhão de pessoas” (Gaudium et spes, 12). irrepetibilidade).
consciência pessoal no processo de “distinção” de todos os seres vivos (animalia) e ao
mesmo tempo, nesta solidão, abre-se para um ser afim a ele, que o Gênesis define como
“auxiliar que lhe é semelhante”. Esta abertura não é menos decisiva para o homem
enquanto pessoa, é talvez ainda mais decisiva que a própria “distinção”. A solidão do
homem, na narrativa javista, apresenta-se-nos não só como o primeiro descobrimento da
transcendência característica própria da pessoa, mas também como descobrimento duma
adequada relação “à” pessoa, e portanto como abertura e expectativa duma “comunhão
de pessoas”. Commented [FA9]: Em suma, a solidão mostra a
superioridade da dignidade do homem em relação a todo o
Poder-se-ia também aqui usar o termo “comunidade”, se não fosse genérico e não tivesse criado, mas, ao mesmo tempo, aponta para sua necessidade
tão numerosos significados. “Communio” diz mais e com maior precisão, porque indica de relação com outras pessoas.

exatamente aquele “auxiliar” que deriva, em certo sentido, do fato mesmo de existir como
pessoa “ao lado” duma pessoa. Na narrativa bíblica este fato torna-se eo ipso —de per
si— existência da pessoa “para” a pessoa, uma vez que o homem na sua solidão original
estava, em certo modo, já nesta relação. Isto é confirmado, em sentido negativo,
precisamente pela sua solidão. Além disso, a comunhão das pessoas podia formar-se
somente com base em uma “dupla solidão” do homem e da mulher, ou seja, como
encontro entre a “distinção” deles e o mundo dos seres vivos (animalia), que dava a ambos
a possibilidade de serem e existirem numa reciprocidade especial. O conceito de Commented [FA10]: O relacionamento interpessoal,
“auxiliar” exprime também esta reciprocidade na existência, que nenhum outro ser vivo assim, não é reduzível a ser simplesmente a uma relação
entre sujeito e objeto. Como assim? Uma relação entre duas
poderia assegurar. Indispensável para esta reciprocidade era tudo o que era constitutivo pessoas nunca pode negar a verdade de quem se diz amar,
na formação das bases para a solidão de cada um deles, e portanto também o nem seu valor, nem sua dignidade. Ou seja, toda relação
autoconhecimento e a autodeterminação, ou seja, a subjetividade e a consciência do deve ser baseado na verdade da pessoa e ela nunca pode
ser tratada como um objeto, como se fosse somente parte
significado do próprio corpo. do mundo visível, se transcendência em relação a esse.

3. A narrativa da criação do homem no capítulo primeiro3 afirma desde o princípio e


diretamente, que o homem foi criado à imagem de Deus enquanto macho e fêmea. A
narrativa do capítulo segundo4, pelo contrário, não fala da “imagem de Deus”; mas revela,
do modo que lhe é próprio, que a completa e definitiva criação do “homem” (submetido
primeiramente à experiência da solidão original) se exprime em dar vida àquela
“communio personarum” que o homem e a mulher formam. Deste modo, a narrativa
javista adapta-se ao conteúdo da primeira narrativa. Se, vice-versa, queremos tirar
também da narrativa do texto javista o conceito de “imagem de Deus”, podemos
então deduzir que o homem se tornou “imagem e semelhança” de Deus não só
mediante a própria humanidade, mas ainda mediante a comunhão de pessoas, que
o homem e a mulher formam desde o princípio. A função da imagem está em espelhar
aquele que é o modelo, reproduzir o seu protótipo. O homem torna-se imagem de Deus
não tanto no momento da solidão quanto no momento da comunhão. Ele, de fato, é
desde “o princípio” não só imagem em que se espelha a solidão duma Pessoa que
governa o mundo, mas também e essencialmente, imagem duma imperscrutável
comunhão divina de Pessoas.
Deste modo, a segunda narrativa poderia também preparar para a compreensão do
conceito trinitário da “imagem de Deus”, embora esta apareça apenas na primeira
narrativa. Isto, obviamente, não é sem significado também para a teologia do corpo, antes

3
Relato Eloista.
4
Relato Javista.
constitui mesmo talvez o aspecto teológico mais profundo de tudo o que se pode dizer
acerca do homem. No mistério da criação —com base na original e constitutiva “solidão” Commented [FA11]: Se o homem é a imagem e
do seu ser— o homem foi dotado de profunda unidade entre aquilo que nele, semelhança de Deus por sua inteligência e vontade, algo
que nada mais no mundo visível tem, ele manifesta essa
humanamente e mediante o corpo, é masculino, e o que nele não menos humanamente e imagem e semelhança de Deus muito mais por sua
mediante o corpo, é feminino. Sobre tudo isto, desde o princípio, desceu a bênção da capacidade de amar e de formar comunhão. Assim, ele não
fecundidade, unida à procriação humana. somente manifesta, desde a criação, a imagem
transcendental de Deus, como onipotente, onisciente e
4. Deste modo, encontramo-nos quase na medula mesma da realidade antropológica que onipresente em relação ao mundo; mas especialmente a
imagem de um Deus-comunhão. Já vemos aqui os traços da
tem por nome “corpo”. As palavras de Gênesis 2, 23 falam disso, diretamente e pela Trindade.
primeira vez, nos seguintes termos: “osso dos meus ossos e carne da minha carne“. O Commented [FA12]: Veja que a fecundidade e a
homem-macho pronuncia estas palavras como se apenas à vista da mulher pudesse procriação, desde o princípio não é visto exclusivamente
identificar e chamar pelo nome aquilo que de modo visível os torna semelhantes um ao como uma consequência biológica do ato conjugal. Mais do
que isso, ela é vista como consequência do amor de Deus
outro, e ao mesmo tempo aquilo em que se manifesta a humanidade. À luz da precedente pelo homem, que lhe dá a capacidade de cooperar com sua
análise de todos os “corpos”, com que o homem entrou em contato e definiu obra de criação, sendo coparticipante, também nisso, de
conceitualmente dando-lhes o nome (“animalia”), a expressão “carne da minha carne” toda a criação.
É por isso, também, que o povo da Antiga Aliança vê na
adquire exatamente este significado: o corpo revela o homem. Esta fórmula concisa numerosa descendência um sinal de benção, pois, ao ter
contém já tudo o que poderá algum dia dizer a ciência humana sobre a estrutura do corpo muitos filhos, concretizariam a Aliança de Deus com Abraão,
como organismo, sobre a sua vitalidade, sobre a sua particular fisiologia sexual, etc. Nesta de uma descendência mais numerosa que as estrelas do
céu; mas principalmente pelo entendimento que, através da
primeira expressão do homem-macho, “carne da minha carne”, está também incluída uma fecundidade, o homem coopera com Deus na obra de
referência àquilo em virtude de que esse corpo é autenticamente humano, e portanto criação e santificação do mundo.
àquilo que determina o homem como pessoa, isto é, como ser que mesmo em toda a sua
corporeidade é “semelhante” a Deus5.
5. Encontramo-nos, portanto, quase na medula mesma da realidade antropológica, cujo
nome é “corpo”, corpo humano. Todavia, como é fácil observar, essa medula não é só
antropológica, mas também essencialmente teológica. A teologia do corpo, que desde o
princípio está ligada à criação do homem à imagem de Deus, torna-se, em certo modo,
também teologia do sexo, ou antes teologia da masculinidade e da feminilidade, que aqui,
no Livro do Gênesis, encontra o seu ponto de partida. O significado original da unidade, Commented [FA13]: Se o corpo fala sobre o homem, e o
testemunhada pelas palavras de Gênesis 2, 24, terá uma perspectiva ampla e de longo homem é imagem e semelhança de Deus; primeiramente
precisamos assumir, então, que o corpo exprime quem é o
alcance na revelação de Deus. Esta unidade através do corpo (“e os dois serão uma só homem para Deus. Isso assume uma consequência
carne”) possui uma dimensão múltipla: dimensão ética, como é confirmado pela resposta imediatamente ética, ou seja, como os homens devem ser
de Cristo aos fariseus em Mt 19 (Mc 10), e também uma dimensão sacramental, tratados, em relação à sua dignidade mais profunda; mas
também revela o modo como Deus se relaciona com o
estritamente teológica, como é comprovado pelas palavras de São Paulo aos Efésios6, que homem, sua dimensão sacramental, afinal os sacramentos
se referem também à tradição dos profetas (Oséias, Isaías e Ezequiel). E é assim, porque só existem na medida em que existe corpo – não existiria
aquela unidade que se realiza através do corpo indica, desde o princípio, não só o “corpo”, sinal visível de uma graça invisível, se não existisse corpo.
Além disso, o corpo revela verdade fundamentais sobre o
mas também a comunhão “encarnada” das pessoas —communio personarum— conforme próprio Deus, constituindo-se assim um ponto de partida
essa comunhão desde o princípio requer. A masculinidade e a feminilidade exprimem o real para uma teologia, no sentido estrito, pois se Deus é
amor, e o corpo foi criado com essa capacidade de exprimir
duplo aspecto da constituição somática do homem (“esta é o osso dos meus ossos e a
amor, então o corpo também fala sobre Deus.
carne da minha carne”), e indicam, além disso, por meio das mesmas palavras de Gênesis

5
Na concepção dos mais antigos livros bíblicos não aparece a contraposição dualista “alma-corpo”. Como
já foi sublinhado, pode-se falar antes duma combinação complementar “corpo-vida”. O corpo é expressão
da personalidade do homem, e se não esgota plenamente este conceito, é preciso entendê-lo na linguagem
bíblica como “parte pelo todo”; cfr. por exemplo: “não foram a carne nem o sangue quem to revelou, mas
o Meu Pai…” (Mt 15, 17), isto é: não foi o homem quem to revelou.
6
“Ninguém jamais aborreceu a sua própria carne; pelo contrário, nutre-se e cuida dela, como também Cristo
o faz à Sua Igreja, pois somos membros do Seu corpo. Por isso, o homem deixará pai e mão, ligar-se-á à
mulher e passarão os dois a ser uma só carne. É grande este mistério: digo-o porém em relação a Cristo e à
Igreja” (Ef 5, 29-32).
2, 23, a nova consciência do sentido do próprio corpo: sentido que se pode dizer consistir
num enriquecimento recíproco. Precisamente esta consciência, através da qual a
humanidade se forma de novo como comunhão de pessoas, parece constituir a camada
que na narrativa da criação do homem (e na revelação do corpo nela incluída) é mais
profunda que a sua própria estrutura somática como macho e fêmea. Em ambos os casos,
esta estrutura é apresentada desde o princípio com uma profunda consciência da
corporeidade e sexualidade humana, e isto estabelece uma norma inalienável para a
compreensão do homem no plano teológico.

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