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A arte é s o b r e t u d o u m m o d o d e c o n h e c i m e n t o . C o m o tal, s e u r e l a c i o n a m e n t o c o m o m e r c a d o é s e m -
p r e difícil, t r u n c a d o . O i n t e r e s s e d o artista é a p r o f u n d a r u m p r o c e s s o d e i n v e s t i g a ç ã o i n t e l e c t u a l . O d o
m a s d e difícil s o l u ç ã o . M a s p e l o m e n o s c o l o c a o t r a b a l h o d e arte n a p e r s p e c t i v a c o r r e t a e c o l o c a o s
Resende 25
vel às d e p e n d ê n c i a s q u e o m e r c a d o cria, ou às c o n d i ç õ e s e s p e c i a i s q u e o M u s e u
exige. A o contrário, a Universidade, e n q u a n t o instituição q u e se p r e t e n d e rela-
tivamente a u t ô n o m a de ingerências externas, é o e s p a ç o correto para a sistema-
tização de u m c o n h e c i m e n t o específico de arte.
N a verdade, não se trata a q u i de defender u m a s i t u a ç ã o nova e sal-
vadora; antes disto, interessa verificar e enfatizar a falta de u m e s p a ç o , c o m u m
e p ú b l i c o , p a r a a d i s c u s s ã o d a arte e, r e l a t i v a m e n t e i n d e p e n d e n t e , para a atu-
a ç ã o do artista. N e s t e sentido, abrir u m e s p a ç o p a r a a arte não improvisa, antes
retoma u m caminho j á percorrido por outras áreas do conhecimento.
A pertinência da atividade universitária no contexto social contem-
porâneo remete-se, s e m dúvida, aos questionamentos e à crise dos valores da
cultura ocidental; de outro lado, refere-se às contingências específicas de c a d a
país. N o Brasil, q u e é o q u e no m o m e n t o interessa discutir, c o n v é m lembrar
q u e a abertura de Universidades é u m fato recente - a U S P t e m q u a r e n t a anos
- e , a l é m d i s t o , d e v e - s e t e r e m c o n t a q u e a p e n a s 1% d a p o p u l a ç ã o g l o b a l d o p a í s
c h e g a a o c u r s o superior; neste sentido, o p a p e l d a U n i v e r s i d a d e n ã o e s t á total-
mente determinado e seus serviços à comunidade têm sofrido, por motivos
vários e desconhecidos, a carência de u m a definição - é suficiente que se lem-
bre a física, ou a s ciências h u m a n a s e m geral, áreas do c o n h e c i m e n t o q u e estão
se estruturando neste processo e tentando a delimitação de c a m p o s pertinentes
à a t u a ç ã o no social.
A complexidade de tais q u e s t õ e s não v e m ao c a s o analisar a q u i e não
se pretende particularizar ou levantar problemas, m a s , sim, reconhecer neles a
especificidade do m o m e n t o brasileiro. A incorporação d a arte n a Universidade
significa sujeitá-la aos questionamentos do processo, de u m a forma ampla, e
colocar e m tese a viabilidade, ou não, de s u a interferência neste processo.
Objetivamente, o e s p a ç o na Universidade reservado às artes plásticas
(e à arte e m geral) define-se e m r e l a ç ã o à s o u t r a s á r e a s p e l o c a r á t e r e x p r e s s i v o
implícito na s u a conceituação. Neste sentido, a formação de u m artista é pen-
s a d a c o m b a s e e m dois alicerces: o exercício c o m a l i n g u a g e m (a manifestação
expressiva) e o contato c o m u m repertório de c o n h e c i m e n t o s que p o s s a deter-
minar u m a intenção p a r a esta l i n g u a g e m (a atividade especulativa). E s t a s d u a s
a b o r d a g e n s se relacionam dialeticamente e não p o d e m ser p e n s a d a s separada-
mente, ou c o m predominância de u m a sobre a outra, sob risco de mal-enten-
didas distorções: se a ênfase maior é d a d a ao exercício c o m a linguagem, o que
ocorre c o m u m e n t e é a verificação - compulsiva - das capacidades expressivas
d a p e s s o a , o q u e , e m si, n ã o c o n s t i t u i i n t e r e s s e p a r a a arte, e s i m p a r a a p s i -
cologia. De outro lado, se a ênfase maior dá-se no engajamento em uma
intenção adequada, corre-se o risco de tornar-se a arte uma ilustração de
p r o b l e m a s alheios a ela, s e m u m a real convicção na força de significado que
constitui o u s o d a l i n g u a g e m e m si m e s m o - o q u e é, n o f u n d o , negar sua
existência enquanto forma de pensamento.
u m trabalho autogerador. N ã o é portanto a liberdade ideal que se preconiza, sional que a Universidade
contrata.
m a s a possibilidade concreta desta liberdade de atuação. Ê desnecessário lem-
brar ainda que o Museu e a Crítica, calços importantes do circuito, são
englobados neste processo de formação profissional, o que pressupõe, de um
lado, desmistificar a instituição M u s e u , remetendo-a a u m a função informati-
va, articulada por u m a atividade crítica reconhecível; e p r e s s u p õ e , de outro, o
e m b a s a m e n t o t e ó r i c o a u m a C r í t i c a q u e s e a f i r m e e s p e c u l a t i v a e, d e s t a f o r m a ,
corretamente entendida na s u a p o s t u r a frente a o circuito.
Furtar-se a arte deste p r o c e s s o significa correr o risco de, c a d a vez
mais, esvaziar-se conceitualmente. A falta de u m a perspectiva estimulante e a
impossibilidade de u m a gratificação objetiva nas atuais condições de trabalho
s ã o visíveis hoje, a o longo d o circuito.
A Universidade significa, finalmente, abrir um espaço para o rela-
cionamento arte/ público, colocado de u m a forma concreta: não se pretende
obrigatório o conhecimento d a linguagem d a arte, m a s se pretende necessário
o conhecimento de seu processo de produção. E m outras palavras, é desmisti-
ficar o ato criador c o m o o p a s s e de m á g i c a , o a c e s s o (revelado) a o s valoras d a
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"cultura" ; é reconhecer n a arte o p r o c e s s o configurador de u m a visão, e não o 5. Tal questão levanta,
plória de seu status tanciamento entre o público universitário e o público e m geral. N e s t e sentido,
superior: incentivar o não se trata de veicular cultura, visão ingênua e diluidora, m a s de referenciar,
público a uma partici-
organizar e sistematizar processos culturais, não no espaço da Universidade,
pação no ato criador é
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expô-lo ao ridículo,
m a s e m u m e s p a ç o urbano geral . E reconhecer neste espaço aberto à manifes-
imaginá-lo imbecil, tação expressiva a possibilidade de reforço à atividade universitária enquanto
frisando exatamente o
serviço à c o m u n i d a d e .
conceito implícito
nesse paternalismo
didático - cultura/
povo - e desinteressan-
6. Importa lembrar
ca universitários
indicam as possibili-
se espera é que a
Universidade assuma
e à revelia, para
abertura de novos
tido, delimitando um
quanto elitizado.
de 1 9 7 5 , p. 24-25.)-
José Resende (São Paulo, 1945) é escultor. Cursou arquitetura e, entre 1976 e 1986, foi professor na Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da PUC de Campinas. Um dos fundadores do Grupo Rex (1966) e da Escola Brasil
(1970), realizou diversas mostras no Brasil e no Exterior. Tem obras instaladas em locais públicos em várias cidades