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Gravidez na Adolescência

Documento de Referência para o Debate no Ministério da Saúde

Ana Paula Portella

Recife, março de 2005.

Nas últimas duas décadas, a gravidez na adolescência vem se tornando um importante


tema de debate e alvo de políticas públicas em praticamente todo o mundo. No Brasil não tem
sido diferente. A partir de meados da década de 80, proliferam os estudos e pesquisas sobre o
assunto bem como institui-se um campo de formulação de políticas e programas voltadas para a
adolescência ou para a juventude em diferentes áreas da ação governamental, no qual a gravidez
das jovens será tomada como uma questão importante a ser tratadas.

Mais do que um problema de saúde, a gravidez na adolescência chama a atenção para a


complexa realidade da juventude brasileira e, em particular, das meninas, articulando de maneira
especialmente sensível aspectos ligados ao exercício da sexualidade e da vida reprodutiva, às
condições materiais de vida e às múltiplas relações de desigualdade que constituem a vida social
em nosso país. Embora a gravidez possa ser tomada como uma espécie de “evento-problema”
para o qual voltam-se as análises e as políticas, parece mais adequado entendê-la como um ponto
de inflexão que pode resultar de uma multiplicidade de experiências de vida – e, por isso, pode
assumir diferentes significados e ser também tratada de diferentes formas – e que, por isso
mesmo, pode apresentar diferentes desfechos.

Muitos estudos chamam a atenção para o fato de que a problemática da gravidez na


adolescência está mais associada a questões sócio-culturais e políticas do que a aspectos
propriamente biológicos, uma vez que a oferta de serviços de saúde adequados e de qualidade
tem neutralizado supostos riscos para a saúde da mãe e da criança como, por exemplo, o baixo-
peso ao nascer ou a ocorrência de pré-eclâmpsia (Aquino et al, 2003; Bettiol et al, 1992).
Chama-se a atenção, ainda, para o fato de que o casamento e a maternidade precoces, longe de
serem uma exceção, até muito pouco tempo eram a norma para todas as mulheres, como
demonstram as gerações de nossas avós e bisavós, geralmente casadas e mães antes do 15 anos.
A questão da gravidez na adolescência, portanto, não seria uma questão etária nem muito menos
“eterna”, mas seria, sim, típica do nosso tempo, historicamente demarcada nos últimos trinta
anos a partir da conjunção de uma multiplicidade de fatores. Em primeiro lugar, as mudanças
ocorridas nas relações de gênero e na situação das mulheres, levou-as à construção de projetos
pessoais educacionais e profissionais, socialmente legitimados e estimulados, o que, por sua vez,
levou ao adiamento e/ou recusa do casamento e da maternidade. Além disso, a possibilidade de

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separação entre sexo e reprodução, graças aos métodos contraceptivos favoreceu a iniciação
sexual precoce e a vivência do sexo independente do casamento. Atualmente, a gravidez na
adolescente, via de regra, afasta-se dos marcos do casamento e da constituição de uma família
estruturada e autônoma com relação à família de origem do casal. Para Cabral (2002: 182), a
diferença entre adolescentes de hoje e os de três décadas atrás reside no fato de que hoje as
chances de nascimentos fora dos marcos do casamento são muito maiores e, portanto, não é só a
idade da mãe, por si só, o grande fator de alarde.

Duas outras questões parecem também decisivas para a problematização da gravidez na


adolescência. É no mesmo intervalo de tempo em que problematiza-se a gravidez na
adolescência que, no Brasil, as políticas públicas passam a ser pensadas a partir do marco da
democracia e da cidadania e entendidas como mecanismos de acesso e usufruto de direitos. As
políticas de saúde derivadas do processo de elaboração e implementação do SUS são
emblemáticas deste novo marco, que toma a população a que se destina, assim como o quadro de
saúde sobre o qual incide, como parte do contexto sócio-econômico e cultural mais amplo. Data
deste período também, a instituição dos temas da sexualidade e da reprodução como questões da
cidadania e da democracia, graças, sobretudo, à ação do movimento feminista. O Paism,
programa elaborado em meados da década de 80, trará a inovação de um programa de saúde que
entende as mulheres (usuárias) como sujeitos de direitos, da infância à velhice, oferecendo um
leque de ações que tomam a sexualidade e a reprodução como arenas importantes de vivência
destes direitos.

No passado, as expectativas e a legitimação social quanto à precocidade do casamento e


da maternidade para as meninas coadunavam-se com o perfil das políticas e dos serviços de
saúde então oferecidos. Dito de outra maneira, os serviços de saúde compartilhavam e
reproduziam as concepções correntes na sociedade brasileira quanto à idade das mulheres no
casamento e na maternidade e, além disso, mostravam-se pouco sensíveis e com baixa
capacidade de enfrentamento dos problemas ligados à morbimortalidade materna. Razão pela
qual a pouca idade de nossas avós ao casar e parir não era vista como precocidade.

Mudou a sociedade e mudaram os serviços, mas a gravidez na adolescência permanece...


e a sua permanência parece tanto mais importante quanto se insere em um quadro de redução da
fecundidade nas faixas etárias mais altas. De maneira geral, as mulheres brasileiras preferem
adiar a maternidade e ter menos filhos, mas, entre as jovens de 10 a 19 anos e, em particular,
entre as meninas de 10 a 14 anos, cresce a fecundidade. A gravidez na adolescência, portanto,
não parece ser um fenômeno novo mas, antes, indicaria a permanência de um fenômeno antigo
um novo contexto, o que, por si só, já demanda maiores esforços de análise e compreensão.

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Este documento pretende apresentar uma discussão sobre a gravidez na adolescência
especialmente no que toca às políticas e aos serviços de saúde. Ainda que, como defenderemos
mais adiante, a gravidez na adolescência não deva ser tratada como um problema social, ela não
deixa de ser uma questão para os serviços de saúde, na medida em que exige novas
compreensões, novas posturas profissionais e, possivelmente, ordenamento assistencial
diferenciado. Adolescentes em situação de gravidez – meninas e meninos -- não devem ser
tratados do mesmo modo que adultos por várias razões, que apresentamos abaixo e que serão
mais detalhadas no corpo do texto:

a) A sua situação social é complexa, marcada pela dependência da família, falta


de autonomia financeira e de espaço próprio, falta de autoridade nas relações
pessoais e sociais em geral e, em muitos casos, por contextos de violência
doméstica e urbana;

b) Neste quadro, a família se constitui como um sujeito central – e freqüentemente


principal -- das decisões sobre manter ou interromper a gravidez, sobre o
processo de assistência, a relação conjugal e o estilo de vida do casal durante e,
se for o caso, depois da gravidez e do parto;

c) A assistência à saúde de adolescentes grávidas exige a atenção a certas


especificidades próprias da idade, especialmente se a menina for menor de 14
anos, tanto para o pré-natal quanto para o parto, puerpério e contracepção;

d) De maneira geral, meninos e meninas apresentam pouca maturidade emocional


para as decisões a serem tomadas no processo e para as mudanças advindas
com a maternidade em condições como as descritas acima.

e) A situação específica das meninas e a violência.

Uma análise que se proponha a dar conta da questão, não pode negligenciar o fato de que a
saúde reprodutiva não é uma questão meramente médica e não pode se limitar a prescrições e
proscrições, sem que antes se faça uma análise que envolva uma perspectiva histórica, social,
política e econômica (Catharino, 2003).

Este texto é uma tentativa de apresentar de modo sintético o estado do debate sobre a gravidez na
adolescência no Brasil e, para isso, se baseia em uma revisão parcial da literatura recente sobre o
tema, particularmente aquela do campo das ciências sociais. Está organizado em três sessões:
Adolescência e Juventude: Problematizando Conceitos; A Realidade da Juventude no Brasil:
Um Breve Panorama e A Gravidez na Adolescência no Brasil.

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I. Adolescência e Juventude: Problematizando Conceitos

De acordo com o Ministério de Saúde (2005), a adolescência tem sido considerada como
uma etapa de transição, cuja identidade se define pelo vir-a-ser adulto. A idéia de adolescência
como fase de transição é uma das expressões do modo adultocêntrico de considerar adolescentes
e jovens, que, longe de se definirem a partir de uma identidade própria, definem-se pela negativa,
por aquilo que não-são, neste caso, porque não-são adultos. Na tentativa de resguardar as
necessidades específicas de apoio e limitações pessoais desta faixa etária, este tipo de
compreensão protecionista, assistencialista e freqüentemente controlista, termina por
desconsiderar a autonomia e as possibilidades de escolha e construção de projetos de vida destes
sujeitos sociais. A própria idéia de um sujeito adolescente está ausente nesta formulação e, deste
modo, desconsidera-se as vivências e as necessidades presentes, objetivas e subjetivas, desta fase
da vida e ratifica-se a idéia de adolescentes e jovens como não-aptos e não-preparados.

Na área de saúde, tem-se utilizado uma definição de adolescência de base etária (10 aos
19 anos), período que é tido como caracterizado por grandes transformações físicas, psicológicas
e sociais (WHO, 1986 apud Aquino et al: 2003). Freqüentemente, o processo de transição da
infância à vida adulta é tomado de forma naturalizada, reiterando-se o caráter "imaturo" e
"irresponsável" dos jovens (Stern & Garcia, 1999 apud Aquino et al: 2003) e elegendo-se como
temas prioritários o uso abusivo de drogas, os acidentes de trânsito e as violências, as doenças
sexualmente transmissíveis e as gestações não planejadas (MS, 1999 apud Aquino et al: 2003).

Esta visão está presente no enfoque da adolescência como campo de riscos, uma vez que
não se reconhecem adolescentes e jovens como capazes de promover sua saúde e de realizar
escolhas relacionadas à sua sexualidade e vida reprodutiva, sendo particularmente evidente no
que se refere à gravidez e à maternidade/paternidade, como veremos adiante. Medrado e Lyra
(s.d., p. 1) chamam a atenção para o modo como muitas das idéias sobre adolescência e
juventude se associam à noção de crise, desordem e irresponsabilidade, configurando esta etapa
da vida como sendo, em si, um problema social a ser resolvido e que, portanto, merece atenção
pública. A idéia de risco seria, assim, uma decorrência inevitável das concepções de
adolescência e juventude como crise e desordem, sendo a gravidez, as DSTs e o HIV, o uso de
drogas ilícitas e a violência os principais exemplos de situações arriscadas e perigosas às quais
meninos e meninas estariam expostos/as. Para Pantoja (2003), a noção de gravidez na
adolescência como risco ganhou relevância no contexto do aumento significativo do número de
partos hospitalares contribuindo para que a questão do risco médico fosse evidenciada.
Difundido amplamente, o discurso médico passou inclusive a ser utilizado entre jornalistas,

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políticos e demógrafos, o que permitiu a disseminação generalizada da idéia de gravidez na
adolescência como um problema social.

Medrado e Lyra (s.d.:2) apontam cinco componentes que, associados, definem


adolescência: a idade cronológica, o desenvolvimento biológico, o desenvolvimento cognitivo e
psicológico (que inclui a construção de uma identidade e o desenvolvimento interpessoal), a
mudança de status legal e a possibilidade de participação em eventos da vida adulta. Porém,
continuam, o que demarca o início e o fim da adolescência não é legislado e, além disso, estes
cinco componentes não são fixos e precisam considerar a dinâmica do contexto histórico-social
em que se configuram (s.d.: p. 2). Para Seixas (s.d.: 7), o término da adolescência é marcado pelo
estabelecimento de identidade sexual e pela possibilidade de estabelecer relações afetivas
estáveis; pela capacidade de assumir compromissos profissionais e se manter, ou seja, pela
capacidade de construir independência econômica; pela aquisição de um sistema de valores
pessoais e de uma moral própria e pela constituição de relações de reciprocidade com a geração
precedente.

Todos/as as autores/as, porém, concordam que essas definições só fazem sentido quando
consideradas nos contextos sócio-culturais específicos, o que leva Cabral (2002: 180), a lembrar
que em alguns cenários a própria expressão adolescência nem mesmo faz sentido. Para esta
autora, adolescência e juventude, mais do que categorias etárias são processos que envolvem
idades socialmente construídas e modos de transição para a vida adulta, heterogêneos e
diversificados, dadas as suas especificidades em termos de gênero, classe e raça/etnia. A
concepção de juventude como processo biográfico no qual se adquire, progressivamente, os
predicados característicos da vida adulta (autonomia material e residencial) permite entender a
adolescência como modo de transição para a vida adulta, o que leva a autora a indagar em que
medida um episódio de gravidez na adolescência acirra essa transição, especialmente no contexto
das camadas populares (Cabral, 2002: p. 181). A própria identidade adolescente, portanto,
relaciona-se diretamente com as condições sociais e econômicas e ao lugar que cada um/a ocupa
na estrutura social (Campos e Moraes, 1986; Madeira e Wong, 1988 apud Almeida), o que é
vivenciado de maneira diferente pelo adolescente ou pela adolescente (Almeida, 2002: p. 2).

Assim, parece ser mais adequado falar em adolescências e juventudes, levando-se em


conta que em diferentes contextos sociais, assim como em diferentes grupos populacionais, esta
fase da vida implicará em experiências diferenciadas e significados específicos. No caso do
Brasil, país de dimensões continentais e formação histórica e social multicultural, considerar a
diversidade dos contextos de vida de adolescentes e jovens, mais do que uma ferramenta

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analítica, é um imperativo e uma condição para a compreensão da adolescência e da juventude
brasileiras.

Para além da diversidade, é importante também considerar a juventude como processo,


entendendo que os modos de passagem para a vida adulta, atualmente, não se configuram mais
como processos irreversíveis mas, sim, como o fenômeno de “prolongamento da juventude”
(Galland, 1997; Cavalli, 1997 apud Cabral, 2000:5), cujas principais características são a
dificuldade de entrada no mundo do trabalho, a dificuldade de autonomização e o prolongamento
dos laços de dependência familiar. Os principais processos demarcadores da passagem à vida
adulta – autonomia residencial/conjugal e profissional/financeira -- passam a ter fronteiras mais
plásticas e móveis. Assim, esta transição pode ser vista como um complexo processo de
emancipação que não se restringe à passagem da escola ao trabalho e envolve três dimensões
interdependentes: a macrosocial, na qual se situam as desigualdades sociais como as de classe,
gênero e etnia; a dimensão dos dispositivos institucionais, que reúne os sistemas de ensino, as
relações produtivas e o mercado de trabalho e, finalmente, a dimensão biográfica, ou seja, as
particularidades da trajetória pessoal de cada indivíduo. Nessa perspectiva, a transição da
adolescência e juventude para a vida adulta pode ser entendida como um processo articulado de
ações e decisões dos sujeitos que, por seu turno, sofrem constrangimentos das estruturas sociais e
econômicas e dos diferentes dispositivos institucionais (Casal, 1997 apud Cabral, 2000: 5-6;
Heilborn et al: 2002; Galland: 1995).

No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) circunscreve a adolescência


como o período de vida que vai dos 12 aos 18 anos de idade. Já a OMS delimita a adolescência
como a segunda década de vida (10 aos 19 anos) e a juventude como o período que vai dos 15
aos 24 anos. . A Política Nacional de Saúde toma por base a definição da OMS, definindo o
público beneficiário da política para adolescentes e jovens como o contingente da população
entre 10 e 24 anos de idade. As fronteiras etárias, como vimos, são um marco abstrato para a
delimitação de políticas, mas na vida concreta e na experiência singular dos indivíduos, as
fronteiras da adolescência e da juventude não estão dadas de um modo homogêneo e fixo
(Ferreira e Portella, 2005). A faixa de idade de 11 a 19 anos, por exemplo, parece ser aplicável
apenas em algumas circunstâncias da classe média brasileira, na qual prevalece o discurso
médico. Em classes sociais menos favorecidas, indicam alguns estudos, os parâmetros para a
adolescência e a passagem para a adultez são o início da vida sexual ativa, da organização
familiar, da inserção no mercado de trabalho ou de outros indicadores sociais que nada têm a ver
com indicadores biológicos (Rios et al, 2002: p. 4)

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Castro e Abramovay (2002:5) lembram que definir juventude implica muito mais do que
cortes cronológicos; implica vivências e oportunidades em uma série de relações sociais, como
trabalho, educação, comunicações, participação, consumo, gênero, raça etc. Assinalam que
juventude é uma categoria socialmente construída, formulada no contexto de circunstâncias
econômicas, sociais e políticas particulares e, portanto, sujeita a modificar-se ao longo do tempo
(Machado Pais, 1997 apud Castro e Abramovay, 2002: 25), devendo ser tomada como um
conjunto social diversificado, perfilando-se diferentes tipos de juventudes, em função de seu
pertencimento de classe social, sua atuação econômica, seus interesses e oportunidades
ocupacionais e educacionais (Castro e Abramovay, 2002: 25). Além disso, o fato de serem
pessoas do sexo feminino ou masculino e de serem brancas ou negras será decisivo na
configuração das trajetórias de vida de adolescentes e jovens. Assim, a utilização do critério
etário na definição de adolescência tende a obscurecer a assimetria nas relações de gênero e as
possibilidades concretas e distintas de “escolha” para as garotas de diferentes camadas sociais
(Pantoja, 2003), o que reverbera diretamente sobre a experiência da gravidez na adolescência.

Na última década, ganha força a idéia de que a população jovem deve ser,
simultaneamente, considerada em políticas universais e deve ser sujeito de políticas específicas.
De acordo com Castro e Abramovay, (2002:20), os jovens têm o direito de dispor de bens e
serviços não adquiridos por relações de mercado, já que o seu tempo deveria estar dedicado aos
estudos e à formação ética e intelectual, sendo as políticas públicas para juventudes um construto
da democracia e uma responsabilidade social para com a sustentabilidade da civilização, ou com
as gerações futuras.

No caso da saúde, as políticas específicas para este grupo populacional são extremamente
necessárias, por se constituem em ações direcionadas para questões que afetam adolescentes e
jovens de modo particular. Não obstante, é preciso considerar que o conjunto das ações dos
serviços de saúde devem estar também orientadas para lidar com esta população em contextos
gerais da assistência, ou seja, quando o problema não é propriamente juvenil, entendendo as
complexas relações e os processos nos quais os/as adolescentes estão envolvidos.

A gravidez na adolescência é uma situação exemplar da complexidade da situação da


juventude no Brasil, podendo ser vivida como realização pessoal, drama ou, ainda, de muitas
outras maneiras, a depender do momento em que acontece, das relações familiares, da relação
entre o casal, das condições econômicas das famílias, da filiação religiosa, enfim, de um sem
número de fatores, cuja relevância só poderá ser percebida e entendida se os principais sujeitos
deste processo – as adolescentes – forem, de fato, considerados como sujeitos de direito, capazes
de tomar decisões a respeito de suas próprias vidas. Os serviços de saúde se constituem em um

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elemento importante deste contexto, com grande poder de influência sobre a condução e o
desfecho dos processos de gravidez na adolescência.

O próprio Ministério da Saúde reconhece os riscos de discursos e práticas que tratem de


maneira homogênea a "adolescente grávida", ao afirmar que em um país de grande
heterogeneidade social e regional, esta idéia de homogeneidade, na verdade, traduz-se em um
discurso moral e regulador que coloca as jovens mulheres como vítimas da própria ignorância ou
inconseqüência, resultando em políticas voltadas ao controle da "gravidez precoce" (MS, 1999
apud Aquino et al: 2003).

II. A Realidade da Juventude no Brasil: Um Breve Panorama

A população de adolescentes e jovens do Brasil compreendia, em 2001, 51 milhões de


pessoas entre 10 a 24 anos de vida ou um terço da população brasileira. A população masculina e
feminina é praticamente igual nesta faixa de idade, mas tem se observado transformações na
composição etária brasileira: aumenta o número de adolescentes de 15 a 19 anos e há um
decréscimo entre jovens de 20 a 24 anos. Grande parte desta população vive nos grandes centros
urbanos. A faixa etária entre 10 e 19 anos corresponde a 21% da população nacional (IBGE,
2000). Trata-se, portanto, de um grupo com grande expressividade populacional: são 35.302.872
adolescentes, dos quais 50,4% são homens e 49,5% mulheres, 49% definem-se como negros(as)
e 50% como brancos(as) (Ferreira e Portella, 2005).

Pinho et al (2002), estudou o perfil da juventude brasileira observando o recorte racial a


partir dos resultados da pesquisa sobre Comportamento Sexual e Percepções da População
Brasileira sobre HIV/AIDS, de acordo com os quais, a maior proporção de jovens encontra-se na
região Sul (55%), especialmente os jovens brancos (75% dos homens e 65% das mulheres). A
maior proporção de jovens negros foi encontrada na região Norte-Nordeste (4% dos homens e
49% das mulheres). Metade da população de jovens cursou até o ensino fundamental (51%), mas
é entre os negros que se encontra a maior proporção de jovens com este nível de formação
(62%), sendo que para os brancos essa proporção é de 42%. Os jovens brancos no ensino
superior representam 11%, o que corresponde a praticamente quatro vezes a proporção de negros
com esse grau de escolaridade (3%). O nível educacional tanto de homens quanto de mulheres
negros(as) tende a ser mais baixo do que o dos brancos. Vale destacar que, entre homens e
mulheres, há discrepância quanto ao nível superior, que é muito mais freqüente para os homens
brancos (17%) (Pinho et al, 2002).

Da população estudada, 56% eram economicamente ativos e, segundo raça/cor, 65% dos
negros e 48% dos brancos desenvolvem alguma atividade econômica, tendo se observado uma
maior proporção de negros no trabalho informal (41%). Há, ainda, uma maior proporção de
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mulheres brancas desempregadas, sendo que entre os homens, foram os negros os que mais se
encontraram nesta situação (29%). Dos inativos, (44%), 78% estavam estudando e 21%, todas
mulheres, declaram ser exclusivamente donas de casa, com maior proporção de mulheres negras
(41%) entre elas (Pinho et al, 2002).

Predomina entre os jovens a renda mensal per capita de até três salários mínimos (91%).
Dos jovens vivendo em famílias com até um salário mínimo, 55% eram negros e 33% brancos.
Os piores rendimentos foram encontrados entre as jovens negras, sendo que 66% das negras
ganham até um salário mínimo, representando o dobro encontrado entre jovens brancas (Pinho et
al, 2002). (Pinho et al, 2002).

Como se sabe, o trabalho infantil ainda é uma realidade preocupante em nosso país,
especialmente para as meninas, que concentram-se no trabalho doméstico, freqüentemente não
remunerado, ou são envolvidas nas redes de exploração sexual, onde a proteção contra gravidez
e dsts obviamente inexiste, dado o contexto de violência no qual operam. Leite e Silva (2002),
analisaram o trabalho infanto-juvenil no Brasil, a partir dos dados da PNAD de 1999. Naquele
ano, 3,2 milhões de pessoas de 5-14 anos participavam da força de trabalho no Brasil, o que
corresponde a 2% da população total estimada e 2,6 milhões de crianças e adolescentes – 1,6%
da população total -- estavam fora da escola e da força de trabalho.

De maneira geral, afirmam os autores supracitados, o mercado de trabalho para os mais


pobres reúne ocupações com remuneração muito baixa, exercidas em locais inadequados, nos
quais as pessoas estão sujeitas a acidentes de trabalho e a riscos para a saúde e a vida. Além
disso, apresentam fortes características de exploração: muitas horas de atividade, vida nas ruas,
remuneração inadequada, atividade que impede acesso à educação, compromete a dignidade e a
auto-estima, como escravidão, trabalho servil e exploração sexual, prejudicial ao pleno
desenvolvimento social e psicológico (Leite e Silva, 2002: p. 48-49). Nessas condições, é maior
a exposição à violência em geral e à violência sexual em particular, que favorecem a gravidez na
adolescência. Além disso, é razoável supor que crianças e adolescentes que trabalham – nas ruas
ou fora delas – amadureçam mais rapidamente, o que possibilita envolvimentos sexuais e
afetivos precoces.

São os meninos residentes em domicílios com alta taxa de cômodos servindo de


dormitório e localizados nas áreas não metropolitanas e rurais que apresentam as maiores
probabilidades de somente participar da força de trabalho ou estar na força de trabalho e estudar
simultaneamente. Estudos indicam, outrossim, que a renda domiciliar e o nível de instrução da
mãe são determinantes para que as crianças permaneçam somente estudando (Leite e Silva,
2002: p. 57)

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Para as meninas, são maiores as chances de não estudar e não estar na força de trabalho
formal (Leite e Silva, 2002: p. 61), porque são elas as responsáveis pelo trabalho doméstico em
suas famílias de origem ou em suas próprias famílias, precocemente formadas. Quanto maior a
taxa de dependência das crianças de 0-4 anos residentes no domicílio maior a probabilidade de as
meninas não trabalharem fora de casa e não estudarem, porque se responsabilizam pelos
cuidados com as crianças pequenas. Já para os meninos, a relação é inversa, pois tendem a
trabalhar fora de casa quanto maior for a taxa de dependência (Leite e Silva, 2002: p. 61), como
uma forma de colaborar para as despesas domésticas. Vê-se, portanto, que, desde muito cedo, as
meninas são orientadas para ocupar o lugar de mãe e esposa. Nessas circunstâncias, a ocorrência
de uma gravidez pode ser vista como uma decorrência esperada – embora freqüentemente
indesejada – de uma trajetória que vem sendo construída desde a mais tenra infância das
meninas. Para os meninos, seguindo-se os tradicionais ditames de gênero, destina-se o trabalho
fora de casa e a responsabilidade pelo sustento de toda a família.

Castro e Abramovay (2002) analisam o impacto do casamento e da maternidade na vida


escolar das meninas e a sua inserção na força de trabalho, também a partir dos dados da PNAD
de 1999. Neste ano, 11 milhões de jovens não estudavam nem trabalhavam nas Regiões
Metropolitanas do Brasil, o que representa 20,4% do total de pessoas de 15 a 24 anos. Nesta
faixa de idade, já é possível perceber um importante diferencial de gênero: enquanto pouco mais
de 80,4% dos meninos situavam-se na família no lugar de filhos, 42,5% das meninas já estavam
no lugar de cônjuges. Para elas, a experiência reprodutiva chega mais cedo, levando-as
precocemente ao casamento, o que leva as autoras a afirmarem que casamento e filhos podem ser
fatores que constrangem mais a mulher que o homem a deixar os estudos (Pessoa da Silva e
Rocha de Arruda, 2002 apud Castro e Abramovay, 2002: p. 30). Entre as mulheres que tiveram
filhos, é reduzido o percentual daquelas que só estudam ou que estudam e trabalham. Na
tentativa de equacionar escola, trabalho e maternidade é a escola o termo excluído,
especialmente para as mais jovens, ainda que, para a maior parte delas, a presença de filhos
represente a impossibilidade tanto de estudar quanto de trabalhar, como se vê na tabela abaixo:

Faixa Etária Estudam e Trabalham Trabalham Estudam Nem Estudam Nem Trabalham
15-16 anos 2,2 20,9 2,3 32,2
17-18 anos 7,3 31,7 8,1 50,5
20-24 anos 18,2 16,9 20,8 67,2
Fonte: Pessoa da Silva e Rocha de Arruda, 2002 apud Castro e Abramovay, 2002: p. 30

As autoras observam que, em 1999, 48% dos rapazes buscavam emprego, mas apenas
23% das moças faziam o mesmo, possivelmente pelo seu envolvimento no trabalho doméstico e
na maternidade (Pessoa da Silva e Rocha de Arruda, 2002 apud Castro e Abramovay, 2002: p.
31).

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Os dados sobre morbi-mortalidade de adolescentes e jovens apresentam importantes
diferenciais por sexo e raça. No caso das mulheres, os fatores de morbidade principais
relacionam-se com a gravidez, parto e puerpério e a doenças do aparelho geniturinário. Entre os
rapazes, as causas externas são a primeira causa de morbidade (74,4%), seguida das doenças do
aparelho respiratório (DATASUS, 2001). No caso dos homicídios, os jovens negros constituem
quase a totalidade deste universo, situação que pode ser tratada como uma espécie de genocídio.
Entre mulheres jovens, 37,13% dos óbitos devem-se às causas externas. Deve-se atentar, no
entanto, para a subnotificação dos números de violência contra a mulher, principalmente nos
casos de violência doméstica. Além disso, a morbi-mortalidade feminina decorrente da violência
doméstica é pouco tratada pelas políticas de saúde. O percentual de 37% de óbitos de jovens
mulheres devidos à causas externas, portanto, pode não representar fielmente a realidade. De
qualquer forma, o número de mortes de adolescentes e jovens brasileiros/as por causas externas é
de tal magnitude que configura uma lacuna etária só verificável em países em guerra civil
(Ferreira e Portella, 2005). A relação entre violência e ocorrência de gravidez será explorada mais
adiante.

As causas e conseqüências da violência, porém, diferenciam-se também por sexo.


Enquanto entre homens os agressores em geral são desconhecidos, entre as mulheres é mais
frequente que os agressores sejam homens próximos das vítimas. É no espaço doméstico onde
ocorre a maioria dos casos de violência – física, psicológica e sexual – entre mulheres. As
conseqüências da violência sobre a saúde sexual e reprodutiva é muito mais significativa entre
mulheres. Pesquisa da OMS (2000) demonstrou relação entre violência doméstica e agravos à
saúde sexual e reprodutiva: mulheres em situação de violência, quando comparadas àquelas que
não vivenciam violência, apresentam um pior quadro de saúde (Ferreira e Portella, 2005). Outros
estudos, como veremos a seguir, associam a ocorrência de gravidez entre meninas de 10 a 14
anos à violência sexual, freqüentemente cometida por pais e padrastos.

Em 2001/2002 (BEMFAM, 2001;UNICEF, 2002), 32,8% dos(as) adolescentes


brasileiros(as) com faixa etária entre 12 e 17 anos já haviam tido relações sexuais. Destes, 61%
eram homens e 39% mulheres. Segundo o IBGE (2000), 9,5% de adolescentes entre 15 e 19
anos (82% mulheres e 18% homens) vivenciam algum tipo de união, com vida sexual ativa.
Entre os(as) jovens de 20 a 24 anos, 36,5% estavam em uniões conjugais, sendo a maioria de
mulheres (62%) (Ferreira e Portella, 2005)..

Em estudo realizado com 4.634 jovens (47,2% homens e 52,8% mulheres) em Salvador,
Porto Alegre e Rio de Janeiro, encontrou-se que 93,0% dos rapazes e 81,6% das garotas já

11
tinham se iniciado sexualmente, sendo a idade mediana da iniciação sexual de 16,2 anos para
eles e 17,9 anos para elas (Aquino et al: 2003).

No estudo de Pinho et al (2002), os jovens sexualmente ativos correspondem a 63% do


total. Analisada a atividade sexual, segundo a cor e sexo, observou-se maior proporção entre os
brancos, ou seja, 66% e, principalmente entre os homens(72%). Nesta faixa etária, as mulheres
brancas representam a maior parte das mulheres que possuem vida sexual ativa.

Em pesquisa realizada com jovens em Belém do Pará, Pantoja (2003) encontrou que,
entre as meninas, a primeira relação sexual é referida como um acontecimento marcado por
muita insistência dos parceiros, o que favoreceu a desproteção. Para as jovens entrevistadas, o
preparo para a primeira relação implicaria a postura ativa por parte da mulher, atitude que
poderia passar a idéia de elas seriam “experientes”, o que por sua vez colocaria dúvidas sobre a
sua moralidade. Parece, portanto, existir uma correlação entre a fragilidade da aceitação social da
sexualidade juvenil feminina e a fraqueza cada vez maior da aceitação social da contracepção.

Nos relatos das meninas, a primeira experiência é formulada em termos de uma


"entrega", cuja legitimidade ocorre no âmbito de uma relação afetiva já consolidada (o namoro),
concretizada a partir da apresentação do parceiro à família, seguida do "pedido" em namoro. É
possível pensar então, em uma "representação da virgindade como dádiva" – tal qual proposta
por Bozon & Heilborn (2001) – que é oferecida pela menina ao parceiro com o objetivo de
alimentar a troca amorosa. Pantoja sugere que a gravidez também passa por uma representação
similar, baseada no fato de que alguns marcos temporais ligados a festejos de caráter coletivo, ao
lazer e à data de aniversário do namorado/parceiro, foram referidos pelas adolescentes como o
momento que marcou a concepção (Pantoja, 2003).

A epidemia de AIDS tem crescido entre adolescentes e jovens e, dentre estes, entre
mulheres. A prevalência de AIDS entre adolescentes de 15 a 19 anos passou de 0,6% até 1990
para 2,0% de 1991 a 2000, e de 2,4% para 10,5% entre jovens de 10 a 24 anos, no mesmo
período. O perfil epidemiológico da epidemia tem apontado desde o final dos anos 90 para o
crescimento da infecção entre mulheres e em particular entre os estratos de menor renda, como
também seu crescimento em outras regiões do país, como o Nordeste (UNIFEM, 2003) (Ferreira
e Portella, 2005), o que atesta a situação de vulnerabilidade das mulheres e, entre estas, das mais
pobres.

Em 2003, de acordo com a Coordenação Nacional de DST/AIDS, foram diagnosticados


um total de 9.762 novos casos de AIDS. Destes novos casos, 457 (7,2%) foram registrados entre
jovens do sexo masculino de 13 a 24 anos de idade, enquanto 388 (11,3%), entre jovens
mulheres na mesma faixa etária. Este dado indica a maior prevalência de infecções por
12
HIV/AIDS entre mulheres, numa tendência epidemiológica que aponta e feminização da
epidemia e indica o crescimento da vulnerabilidade deste grupo etário à infecção (Ferreira e
Portella, 2005).

São muito insuficientes os dados sobre a prevalência de infecções sexualmente


transmissíveis entre a população jovem, sobretudo entre adolescentes. As tendências gerais, no
entanto, apontam para uma prevalência maior destas infecções entre mulheres, destacando-se o
herpes genital e o HPV (17% e 25% dos casos registrados na faixa dos 10 a 24 anos,
respectivamente). Pode-se presumir, no entanto, que o início precoce da vida sexual e a baixa
utilização de camisinha, também apontam para a vulnerabilidade de adolescentes e jovens a estas
infecções (Ferreira e Portella, 2005).

Boa parte dos estudos que referem-se ao não uso da contracepção por parte das jovens,
negligenciam o fato de que evitar a gravidez, seja porque meio for, é uma situação extremamente
complexa para mulheres de qualquer idade porque implica em diálogo com o parceiro, acesso a
informações confiáveis e seguras, acesso a recursos materiais para a obtenção dos métodos – o
que inclui a liberdade de ir e vir e a existência de serviços ou farmácias. Além disso, há a
interferência do uso dos métodos na vida cotidiana (horários e forma de uso, no caso dos
hormonais, lugar para guardar, manipulação do corpo e exercício do auto-controle no caso dos
de barreira) e no funcionamento corporal. Para as mulheres, é preciso incorporar um novo hábito,
a vida muda e nem sempre para melhor – as mudanças corporais e os efeitos colaterais de alguns
métodos implicam na consciência constante de que se está evitando a gravidez. Freqüentemente,
profissionais de saúde e os meios de comunicação tendem a simplificar a contracepção de tal
modo que as mulheres chegam a sentirem-se culpadas (ou imbecis) porque sua experiência
contraceptiva está muito longe de ser tão simples. Para as meninas, evidentemente, esta situação
é mais grave e mais complexa.

A despeito disso, em 1996 pouco mais de 54% das mulheres de 15 a 19 anos usavam
métodos contraceptivos, sendo a pílula o mais freqüente. Mas, a maior freqüência de uso está
associada às mulheres com maior nível de escolaridade (Benfam, 1996). Uma pesquisa com
jovens universitários da USP mostrou que a contracepção estava cercada por erros, descuidos e
esquecimentos, além de ser marcada pela substituição da camisinha pela pílula conforme o casal
se identificava como “namorados”, realizando uma negociação sexual às avessas. O condom era
o método preferido para “ficar” (Pirotta, 2004).

No estudo de Pinho (2002), já citado, pode-se observar que, do total dos segmentos
sexualmente ativos, apenas 24% usaram preservativos nas suas relações sexuais. Para os jovens
de 16 a 24 anos, de ambos os sexos, este percentual sobe para 46%. Os jovens negros usam

13
menos preservativo que os brancos, sendo que é entre as jovens negras que se observa a menor
proporção de uso. A maior adesão ao uso de preservativo está associada ao estado conjugal,
sendo observada a maior proporção de uso entre os (as) não unidos (as), com ensino fundamental
completo, de classe “D”, com renda individual de até um salário mínimo. Entre os (as) jovens
unidos (as), o maior uso de preservativos foi encontrado entre os (as) jovens com ensino
fundamental completo (Pinho et al, 2002). Um outro estudo, realizado com rapazes de
comunidades de baixa renda em Recife, indicou que 61,5%¨dos rapazes iniciaram-se
sexualmente antes dos 14 anos de idade e apenas 32% usaram camisinha na primeira relação
sexual (Moreira & Juarez, 2004).

III. A Gravidez na Adolescência no Brasil

Para a OMS, a adolescência está compreendida dos 10 aos 19 anos de idade e a gravidez na
adolescência, portanto, seria aquela ocorrida até os 20 anos incompletos (Cabral, 2002: p. 180).
A primeira abordagem da gravidez na adolescência como um problema data de 1975, a partir de
uma análise divulgada pelo The Allan Guttmacher Institute. Mas é apenas em 1985, Ano
Internacional da ONU para a Juventude, que se amplia significativamente o número de fóruns de
debate sobre o tema em todo o planeta. Ao longo deste período, foi construído um conjunto
importante de argumentos no sentido de justificar a compreensão da gravidez na adolescência
como um problema social (Silva: 2002):

a) A razão de mortalidade materna seria maior entre adolescentes.

b) A maternidade precoce estaria associada à pobreza ou à desvantagem social sendo um


elemento a mais para a perpetuação da situação de exclusão das meninas e de seus filhos.

c) Haveria uma relação bidirecional entre o baixo nível de escolaridade das jovens e a
maternidade e o casamento prematuros.

d) A longo prazo, com o crescimento populacional mais rápido dado pela fecundidade
elevada e com a maternidade precoce nos grupos socialmente desfavorecidos projeta-se
uma maior demanda por escolas, serviços de saúde e empregos

e) Estas jovens mães, sendo pobres, não teriam possibilidade de prover as necessidades
básicas dos filhos, o que aumentaria a demanda por serviços governamentais.

f) Finalmente, ao interromper a sua própria educação, as mães adolescentes teriam menos


chances de contribuírem com seu talento para a sociedade e para a manutenção da família
(Silva, 2002: p. 250)

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Com muita propriedade, a autora adverte que estes argumentos não problematizam a
gravidez propriamente dita, mas refletem problemas de estruturação social, prestando-se tão
somente a estigmatizar este tipo de gravidez (Silva, 2002: p. 250). No caso da mortalidade
materna, por exemplo, não se pode dizer que haja consenso quanto às taxas mais altas entre
jovens. Estudos realizados em vários países indicam que a morte materna neste grupo de
mulheres está associada à baixa qualidade de assistência e não à faixa etária da gestante.

Cabral (2002) nos lembra que a gravidez na adolescência se inscreve sobretudo na esfera
de um “problema” de classe e não de geração. No campo da saúde pública, porém, a idéia de
uma epidemia de adolescentes grávidas ainda é bastante disseminada, o que converte o
fenômeno humano da gravidez na adolescência num estado de enfermidade e doença (Catharino,
2003).

Reis (1998), por sua vez, afirma que, não podendo ser considerada uma doença ou
epidemia, o que se assiste neste tipo de discurso é uma verdadeira migração do controle social
para o raciocínio sanitário, alicerçada em tabus, mitos e preconceitos, que travestem uma questão
moral em um problema de saúde pública. O fator ilegitimidade – os nascimentos na ausência de
casamento, tal como tratada pelos textos de saúde pública – seria o responsável pela rejeição da
chamada maternidade celibatária, tomada como ícone da liberdade sexual (Reis, 1998 apud
Catharino, 2003). Para Catharino e Giffin (2002:6), o discurso médico-psicológico obscurece a
compreensão da gravidez na adolescência pelo fato de, em consonância com idéias higienistas,
se limitar à identificação de causas para evitar conseqüências – sociais – indesejáveis.

Catharino (2003) elaborou uma classificação dos estudos sobre gravidez na adolescência,
alocando-os em quatro eixos, que correspondem a quatro modos distintos de compreender a
questão: no primeiro deles estão contidos estudos que vêem a gravidez na adolescência como
nada mais que um fator de desvantagens sociais, o que sempre vem acompanhado de uma
culpabilização da adolescente e de sua família.No segundo eixo – extensão do primeiro – estão
aqueles estudos que apontam para as condições adversas nas quais se desenvolve a gravidez,
voltando-se agora – não mais para a culpabilização – mas para a vitimização da adolescente.
Dentro desta lógica, a gravidez é também é muitas vezes vista como mero acaso, como um
fenômeno acidental e não raro vê no acolhimento humanista a solução do “problema”, tomando-
o de forma dissociada das condições materiais e históricas onde a vida destas meninas se
desenvolve, assim como dos significados que tem para cada um a produção desta realidade.
Aliás, tal dissociação também está presente no primeiro eixo. Num terceiro modo de abordar a
questão estão alguns estudos meramente descritivos, que se limitam a evidenciar fatores que
caracterizariam a ocorrência da gravidez na adolescência, assim como dados reveladores de um

15
perfil da adolescente que engravida. Por fim, encontramos alguns estudos que revelam uma
autêntica preocupação como os aspectos econômicos, políticos e históricos que envolvem esta
realidade e que, ao invés de apontar fórmulas mágicas, nos convidam a irmos além na sua
investigação, incluindo aí o significado deste fenômeno para aquelas que o vivenciam
(Catharino, 2003).

A reflexão mais crítica e ampla sobre a questão permite considerar a gravidez na


adolescência como um fenômeno que está associado a diversos fatores sociais e pessoais. Em
muitos casos, a gravidez na adolescência está relacionada à situação de vulnerabilidade social, à
falta de informação e acesso aos serviços de saúde e ao baixo status de adolescentes mulheres
em nossa sociedade (Ferreira e Portella, 2005). Alguns estudos têm explorado a relação entre
gravidez na faixa etária de 10 a 14 anos e a ocorrência de violência sexual, hipótese que
infelizmente não tem sido contestada (Cavasin, 2004).

O aumento da taxa de fecundidade entre adolescentes e jovens, assim como o número de


óbitos maternos nesta faixa etária, pode indicar que as políticas de contracepção, planejamento
familiar e atenção pré-natal não têm se adequado ou atendido às necessidades específicas desse
segmento, afetando diretamente sua saúde reprodutiva. (Ferreira e Portella, 2005)..

Se entre mulheres como um todo se assistiu nas quatro últimas décadas um decréscimo na
taxa de fecundidade (em 1940, a média nacional era de 6,2 filhos(as), em 2000, passa a 2,3
filhos(as), entre adolescentes e jovens o sentido é inverso. Desde os anos 90, a taxa de
fecundidade entre adolescentes aumentou 26% e mantém esta tendência. O índice de gravidez
entre adolescentes de 10 a 14 anos, conforme explora Cavasin (2004), tende a ser maior nas
regiões em que há exploração sexual de adolescentes e jovem, como é o caso das regiões Norte e
Nordeste (Ferreira e Portella, 2005). Nas últimas três décadas observa-se a diminuição da idade da
menarca, o aumento e a precocidade da atividade sexual e o aumento da idade de casamento,
fatores que têm sido indicados por alguns autores como associados ao crescimento da
fecundidade entre adolescentes (Diaz e Diaz, s.d.: p. 1). Velasco (1998), porém, adverte para o
fato de que, tomando-se como base os dados encontrados no país, não se pode afirmar com
exatidão a ocorrência de decréscimo na idade da menarca a partir de 1982, por ser um intervalo
de tempo muito curto.

Ao referir-se ao aumento da participação relativa das adolescentes (de 15 a 19 anos) na


Taxa de Fecundidade Total ao longo do tempo, em um movimento contrário aos demais grupos
etários, Longo (2002: p. 230) lembra também que é o grupo de 20 a 24 anos que ainda apresenta
as maiores taxas de fecundidade quando comparado aos demais grupos etários. Mundialmente,

16
porém, pode-se observar uma desaceleração das taxas de fecundidade das adolescentes, embora a
proporção de mães solteiras venha sofrendo um considerável incremento (Silva, 2002: p. 249).

O maior percentual de nascidos mortos é registrado nesta faixa etária (1999), segundo o
DATASUS, com um percentual de 13%. Os dados também atestam, porém, que os nascidos
mortos, filhos de mulheres de 10 a 14 anos, são inversamente proporcionais aos anos de
escolaridade dessas mães, ou seja, tendem a ser maiores quanto menor foi o nível de escolaridade
que, por sua vez, está diretamente relacionado à pobreza e ao acesso aos direitos sociais. Este
dado revela que a mortalidade, seja de mães como de bebês, está relacionada às condições sócio-
econômicas em que se inserem e não se explicam somente pela faixa etária em si mesma. A
qualidade da assistência obstétrica também responde por este dado. Em 2000, 6,3% das
adolescentes mães nesta faixa etária não haviam realizado pré-natal (Ferreira e Portella, 2005)..

Os índices de atendimento do SUS demonstram o crescimento do número de internações


para atendimento obstétrico nas faixas etárias de 10 a 14, 15 a 19 e 20 a 24 anos. Na faixa etária
dos 10 aos 14 anos, por exemplo, o número de partos cresceu de 26.604, em 1994, para 29.190,
em 2002 (Ferreira e Portella, 2005).

Em estudo realizado com jovens de 18 a 24 anos em Porto Alegre, Rio de Janeiro e


Salvador 2,5% das mulheres e 0,7% dos homens relataram gravidezes antes dos 15 anos e 20,4%
e 9,6%, respectivamente, relataram a ocorrência de gestações antes dos 18 anos. Vale a pena
observar as carasterísticas da primeira gravidez identificadas na pesquisa. Para as mulheres,
56,3% engravidaram do parceiro com que se iniciaram sexualmente, 41,1% engravidaram de
outro parceiro e apenas 2,5% engravidaram de parceiro eventual. Entre os homens, a situação é
diferente: 21% engravidaram a parceira com quem se iniciaram, 64,8% com outra parceira e em
14,2% dos casos a gravidez aconteceu em uma relação eventual. Em 42,2% dos casos, os
parceiros das mulheres eram mais do que 5 anos mais velhos do que elas e para 37,6% eram de 2
a 4 anos mais velhos, enquanto que, entre os homens, as parceiras ou eram mais novas (27,5%)
ou da mesma idade (48,1%). Para meninos e meninas, a situação mais freqüente era morar com a
família de origem quando da ocorrência de gravidez, mas 15,6% das jovens já moravam com um
parceiro, contra apenas 6,4% dos rapazes.

Apenas 15,7% das meninas e 5,7% dos rapazes estavam tentando engravidar quando a
gravidez aconteceu; 14,4% delas e 8,7% deles queriam engravidar mais tarde. Mas a grande
maioria, não queria engravidar (37,7% das meninas e 42,1% dos meninos) ou não pensava no
assunto (32,6% das mulheres e 43,5% dos homens). A despeito disso, 68,6% das mulheres e
63,7% dos homens não estavam, obviamente, usando contracepção. O grande diferencial entre
homens e mulheres, porém, está no desfecho deste processo: para 72,2% das mulheres, a

17
gravidez foi a termo, e, para eles, isso só aconteceu em 34,5%. Contrariamente, para 41,3% dos
homens a gravidez resultou em aborto provocado, quando isso só foi relatado por 15,3% das
mulheres (Aquino et al: 2003).

Nesta mesma pesquisa, a ocorrência de uma gravidez antes dos vinte anos variou
inversamente com a renda e a escolaridade. Entre as mulheres, os contrastes são mais
expressivos e a prevalência entre as que tinham até primeiro grau incompleto (59,6%)
corresponde a 13 vezes o valor observado entre aquelas com nível superior de instrução (4,6%).
As diferenças entre grupos raciais e étnicos foram menos marcantes, embora se mantendo
estatisticamente significantes. Constatou-se uma maior prevalência de gravidez na adolescência
entre homens e mulheres negros, mas também entre pardos e indígenas, quando comparados
àqueles que se declararam brancos (Aquino et al: 2003). Na tabela abaixo, pode-se observar
claramente as diferenças entre grupos sociais:

Prevalência de gravidez antes do 20 anos entre homens e mulheres (inclui virgens), segundo
determinantes sociais selecionados. Porto Alegre, Rio de Janeiro e Salvador, Brasil, 2000.

Características Sócio-demográficas Mulheres Homens


Renda Familiar per capita
Muito baixa (até 1/2 SM) 50,4 33,9
Baixa (de mais de 1/2 SM a 1 SM) 36,8 27,5
Intermediária (de mais de 1 SM a 3 SM) 24,4 16,8
Alta (acima de 3 SM) 7,8 11,2
Escolaridade
1o. Grau incompleto 59,6 34,4
1o. Grau completo 36,8 32,2
2o. Grau completo 17,0 13,1
Superior incompleto/completo 4,6 6,5
Raça/cor
Branca 20,5 14,6
Parda 31,1 17,3
Negra 37,4 31,1
Indígena 30,8 24,4
Religião Atual
Católica 21,5 20,3
Pentecostal 30,0 22,4
Outra 28,0 13,1
Nenhuma 33,6 20,5
Trabalho
Sim 24,0 21,6
Não 30,6 17,1
Fonte: Aquino et al, 2003.

Nesta pesquisa, foi delineado um conjunto importante de fatores associados à ocorrência


da gravidez precoce, tais como:

a) Não ter pais e/ou escola como primeiras fontes de informação sobre
menstruação, gravidez e contracepção;

18
b) Ter pais muito rigorosos e controladores das amizades e namoros das meninas;

c) Ser a principal responsável pelo trabalho doméstico em casa;

d) Não ter experimentado namoros breves ou “ficadas” mas, sim, ter tido namoros
sérios e de longa duração;

e) Ter se iniciado sexualmente antes dos 15 anos de idade;

f) Não ter usado contracepção ou conversado com o parceiro a esse respeito


quando da primeira relação sexual;

g) Ter se iniciado sexualmente com parceiro mais velho.

Contrariamente, pode-se dizer que engravidaram menos aquelas meninas que:

a) Conversaram com a mãe sobre menstruação antes da menarca

b) O pai e/ou a mãe foram as primeiras fontes de informação sobre gravidez e meios de
evitar filhos

c) A escola foi uma fonte importante de informações sobre o tema

d) Os pais não tentaram impedir sua convivência com amigos e namorados

e) Elas não eram as principais responsáveis pelo trabalho doméstico

f) Só ficaram ou ficaram e namoraram

g) Iniciaram-se sexualmente depois dos 15 anos

h) Usaram contracepção ou conversaram com o parceiro sobre isso na iniciação sexual

i) Iniciaram-se sexualmente com parceiros da sua mesma faixa de idade

Outras autoras (Cavasin e Arruda, 1996: p. 3), chamam a atenção para o fato de que a
adolescente que engravida nos anos iniciais da adolescência tem uma postura substancialmente
diferente daquela que engravida ao final da adolescência, sendo também diverso o desfecho
deste episódio em suas vidas.

De acordo com o IBGE (2005), no Brasil, em 1991, 32,5% dos primeiros nascimentos
estavam concentrados nas mães com idade entre 10 e 19 anos. Já em 2000, esta concentração
superou os 38%. Entre 1991 e 2000, apesar da discreta elevação de 110 mil nascimentos no
número de mulheres que foram mães, a distribuição interna destes nascimentos pelas faixas
etárias alterou-se substancialmente. Foram constatados aumentos expressivos nos grupos de
mães em idades precoces e jovens. Na faixa de 10 a 14 anos, o incremento relativo no período
foi de 80,68% e para as mulheres de 15 a 19 anos, este percentual foi de 38,56% (IBGE, 2005).

19
Em 2000, no estado de Alagoas, 18,5% das mães de 10 a 14 anos já possuíam uma prole
de pelo menos dois filhos nascidos vivos. Em outros estados do Nordeste e do Norte este quadro
se repete como, por exemplo, em Sergipe (12,1%), Bahia (14,2%), Pernambuco (15,8%), Amapá
(16,6%), Rondônia (14%) e Acre (6,2%). Entre as meninas de 10 a 14 anos, a maternidade se
apresenta de forma mais concentrada entre as que tinham baixa escolaridade, com destaque para
as que estão cursando ou haviam concluído o ensino fundamental, independentemente do nível
de renda familiar (IBGE, 2005).

No estudo de Aquino et al (2003), foi muito pequena a proporção de mulheres que


tiveram uma gravidez antes dos 15 anos, o que é consistente com o observado em países
desenvolvidos (Darroch et al., 2001), e mesmo naqueles em desenvolvimento, exceto na África
Subsaariana, onde os percentuais situaram-se de 8,0 a 15,0% (Singh, 1998). Em que pese a
pequena magnitude, a ocorrência de uma gravidez nessa faixa etária não deixa de ser importante
pelo maior risco de complicações obstétricas e pela possibilidade de estar associada à violência
sexual (Stern & Garcia, 1999). Entretanto, nas capitais brasileiras, a grande maioria das
gestações em sua primeira vez ocorreu aos 18 e 19 anos, quando as jovens já tinham atingido o
marco da maioridade civil, ainda que mantendo relações de dependência econômica e domiciliar
com suas famílias de origem. De fato, a maioria das gestações ocorreu fora de uniões conjugais,
como já havia sido identificado anteriormente (Longo & Rios Neto, 1998), em parte motivadas
pela perspectiva do nascimento de um filho; mas sua quase totalidade se deu no contexto de
relacionamentos estáveis, onde a gravidez era de certa forma um risco assumido, o que se reflete
na baixa utilização de contraceptivos após a iniciação sexual, o que tem sido também
identificado em outros estudos (Almeida et al., 2003; BEMFAM/ DHS, 1997; Brandão et al.,
2001)

Até o final do século XIX, o padrão de formação da família predominante no Brasil mostra
que as noivas tinham entre 12 e 16 anos. A maternidade precoce, portanto, nada mais era do que
um corolário dessa situação (Abreu et al, 2000: p. 1). Esta situação muda a partir da segunda
metade do século XX, quando as taxas de fecundidade caem de 6,2 filhos por mulher em 1960
para 2,4 em 1998. Na direção inversa, para as mulheres, o casamento passa a acontecer mais
tarde - a idade média ao casar sobe de 21,7 anos para 24,1 no mesmo período – e a participação
das mulheres de 15-19 na Taxa de Fecundidade Total passa de 7,1 para 14% (Abreu et al, 2000:
p. 2).

O Brasil tem sido apontado como um dos países que apresentam taxas acima da média
mundial de gravidez na adolescência, que é de 50 nascimentos por mil mulheres (Relatório
Mundial sobre População da ONU apud Cavasin et al, 2004: 12). Segundo Berquó e Cavenaghi

20
(2003), o maior aumento da fecundidade (42%) aconteceu entre jovens com renda familiarper
capita abaixo de ¼ de salário mínimo por mês; entre as jovens com renda acima de cinco salários
mínimos, o crescimento foi de 15% (Cavasin et al, 2004:12).

Para Cavasin e Arruda, a manutenção das altas taxas de fecundidade na adolescência


pode ser entendida como um indicador de resistência de parte das jovens às mudanças ocorridas
nas relações de gênero (Cavasin e Arruda, 1996: p. 2). Em outras palavras, a gravidez na
adolescência pode ser vista como resíduo ou perpetuação dos padrões tradicionais de gênero ou,
ainda, como conservação da tradição.

Muitos estudos vêm sublinhando que a maior vulnerabilidade à gravidez indesejada tem
guardado uma relação complexa com a limitação das opções de lazer e cultura, do acesso aos
equipamentos sociais incluindo serviços de saúde e educação, das oportunidades ocupacionais e
de rendimento (Ayres e col, 1998; BENFAM, 1999; Szwarcwald e col., 2000 apud Pinho et el,
2002).

Catharino (2003) remarca que, de um modo geral, as pesquisas indicam que a gravidez na
adolescência parece funcionar como um corte abrupto na vida da adolescente, que é obrigada a
assumir, inesperadamente, o papel de mãe, e às vezes, de mãe e esposa, o que, muitas vezes, é
incompatível com o papel de estudante. Essas análises, porém, limitam-se a identificar a
maternidade precoce como o fator determinante do afastamento das meninas da escola, em um
raciocínio que, segundo a autora, culpabiliza as classes sociais desfavorecidas pela incapacidade
do sistema educacional lhe atender. Ou seja, se o sistema educacional não “funciona” para estes
grupos, a culpa será deles, por não possuírem os atributos necessários que lhes permitam usufruir
das oportunidades que – hipoteticamente – lhes são oferecidas. (Captarem, 2003)

Alguns estudos, porém, vêem no fracasso – não das alunas adolescentes,mas do sistema
educacional – um indício para o abandono escolar e admitem que a gravidez possa ser uma fonte
de gratificação para a adolescente, uma vez que na percepção das garotas, o mundo estaria
desprovido de possibilidades de êxito em outros campos, como o acesso a uma carreira, por
exemplo.Outros autores sugerem que a gravidez pode ser também uma forma de adquirir estima
e afeto por parte daqueles que as cercam, o filho pode ser visto como a possibilidade e a
esperança de um futuro melhor (Paiva, 1996) e, além disso, pode funcionar como uma espécie de
teste de sua capacidade reprodutiva (Heilborn,1998).

Nesta linha de argumentação, prossegue Catharino (2003), a gravidez pode representar a


passagem para um outro status – pela assunção de uma maioridade social, que determinaria uma
maior autonomia pessoal de meninas e meninos no seio familiar, ou ainda através da produção
de novos arranjos residenciais. (Catharino, 2003). Para as meninas das classes populares, a
21
gravidez pode estar relacionada à conquista de benefícios sociais (Catharino, 2003). Entre
integrantes de segmentos sociais mais abastados a ocorrência de uma gravidez na adolescência
com uma das filhas (ou filhos) pode ser de tal modo significada ou resolvida em função de
recursos materiais e simbólicos que não necessariamente será compreendida como um problema
(Heilborn, s.d.).

Catharino e Giffin criticam a concepção corrente de que a gravidez na adolescência


representaria uma perda de oportunidades de vida para as meninas, indagando se, de fato, tais
oportunidades existem, especialmente entre as meninas mais pobres. E se não existem,
continuam as autoras, o discurso que relaciona a exclusão da adolescente da escola e do mundo
do trabalho, não estaria utilizando a gravidez como um bode expiatório para encobrir e justificar
uma situação social que mantém à margem aqueles que já são historicamente excluídos sociais
(pobres e mulheres)? (Catharino e Giffin, 2002: p. 6)

Para estas autoras, o advento da gravidez pode ser entendido como uma tentativa de
encontrar – mesmo com grande ônus – um lugar social, se constituindo em um elemento de
invenção de uma história de vida. Lembram, porém, que esta é uma invenção que diz respeito a
um projeto coletivo construído a partir dos significados sociais da maternidade e das
oportunidades materiais disponíveis em nossa sociedade. De algum modo, estas meninas se
apropriam das adversidades para transformar – mesmo que ilusoriamente – o seu cotidiano em
algo que valha a pena ser vivido. Ser mãe para estas meninas talvez seja uma das poucas formas
que lhes restam, para se colocarem no mundo como sujeitos sociais. Atualmente, assiste-se a
uma atualização dos discursos de enaltecimento da maternidade sob a vigilância da medicina e
do Estado, que são muito bem assimilados pelas meninas. Há que se dizer, porém, que esta é
uma situação ambígua: ser mãe parece um caminho inevitável para conferir status e algumas
prerrogativas para as meninas, constituindo-se numa verdadeira estratégia de sobrevivência, mas,
ao mesmo tempo, as jovens são tomadas como desviantes em relação à idade que se espera que a
maternidade ocorra (Catharino e Giffin, 2002: p. 7)

As autoras afirmam que é possível pensar que a própria gravidez produza ganhos
secundários, na medida em que pode se constituir, em muitos casos, numa denúncia, num grito
de socorro, que aponta para uma situação de abandono social. Muitas vezes esta lacuna é
preenchida, em parte, pelo que Robert Castel (1998) denomina redes de sociabilidade primária,
que são sistemas de regras que ligam diretamente os membros de um grupo a partir de seu
pertencimento familiar, da vizinhança e do trabalho e que tecem redes de interdependência sem a
mediação de instituições específicas. A gravidez é vivida por todos como um momento especial

22
e merecedora de cuidados especiais, de modo que a futura mãe mobiliza a família no sentido de
possibilitar o nascimento de uma criança saudável (Catharino e Giffin, 2002: p. 10)

Ao analisar as reais condições de vida destas jovens, vê-se que, na maior parte dos casos,
a escola e a construção de um projeto profissional aparecem na vida dessas meninas como
possibilidades precárias e remotas. Adolescentes das classes populares se questionam sobre a
utilidade do saber escolar, a partir da constatação de sua inocuidade como critério de
empregabilidade, o que acaba por gerar a recusa à escola. O trabalho aparece como o substituto
da escola, sendo que essa transição se dá, principalmente, entre 12 e 14 anos (Sposito apud
Gomes,1997) (Catharino e Giffin, 2002: p. 14)

Para as meninas, como vimos anteriormente, o trabalho doméstico se impõe como uma
espécie de “destino” feminino – principalmente nas classes populares, dada a precariedade de
oportunidades ocupacionais, que exclui do mundo do trabalho contingentes cada vez mais
expressivos de mulheres. A gravidez na vida da menina adolescente pode ser entendida como um
substituto do trabalho que, por sua vez, segundo Gomes (1977) substituiria, nesta faixa etária e
classe social, a escolarização. As autoras sugerem que a ocorrência da gravidez na adolescência
se impõe – face à ausência de sentido que tem para suas vidas a educação escolar – como uma
forma de encontrar um lugar social, funcionando como uma referência – num cenário onde
vigora uma quase total ausência de referências – na qual se ancora a construção da identidade
das meninas (Catharino e Giffin, 2002: p. 15).

As meninas aprendem que a casa é “coisa de mulher”, sendo socializadas para lidarem
com as tarefas domésticas e, sobretudo, repreendidas se não responderem positivamente a tais
demandas (Heilborn, s. d.). Embora tenham melhor desempenho escolar, a profissionalização e
as alternativas do mercado de trabalho são comparativamente menores para as mulheres do que
para os homens, quando não se leva em consideração o trabalho doméstico feminino. Para Zaluar
e Leal (apud Heilborn, s.d.), não é tanto a aquisição do saber escolar como capital simbólico que
está limitado ou restringido para as meninas, mas muito mais a formulação de projetos e as
perspectivas reais de profissionalização. A isso soma-se o fato de que o contexto de violência
física preponderante nos centros urbanos do Brasil vem atualizando (reintroduzindo e
reforçando) valores viris de supremacia, que reforçam a posição subordinada das mulheres
(Heilborn, s.d.) e renovam o discurso que valoriza a maternidade.

Em contextos fortemente marcados por desigualdades de gênero e classe social, a


maternidade se apresenta não apenas como "destino", mas como fonte de reconhecimento social
(Le Van, 1998), para as jovens mulheres, desprovidas de projetos educacionais e profissionais
(Aquino et al: 2003). Além disso, Cavasin (2004:5-6) lembra que tratar de adolescentes do sexo

23
feminino na faixa dos 10 aos 14 anos é um desafio complexo principalmente quando o nosso
olhar se volta para um contexto socioeconômico e cultural hostil ao empoderamento dessas
mulheres: são adolescentes, vivendo em condição peculiar de subalternidade, sem ações
institucionais que dêem conta das especificidades do seu recorte etário ou do fato de serem
mulheres com pouca idade (10 a 14anos), inúmeras já com um histórico de vida sexual ativa,
outras submetidas a um cotidiano de violência e usurpação de seus corpos, fruto de ações
naturalizadas pelo machismo dominante, ou naturais da situação humilhante a que estão
submetidas. São, portanto, sujeitos vulneráveis, sem acesso a instrumentos de proteção ou de
apoio institucional a elas dirigidos.

Esta situação de vulnerabilidade, continua Cavasin (et al, 2004: 13), embora perpasse
todo o grupo de adolescentes, é maior entre aquelas que têm menos de 15 anos, porque estão
mais expostas à violência sexual pela própria falta de autonomia para negociar suas relações
sexuais. Uma relação sexual, lembram as autoras, não é moralmente legítima quando uma ou
ambas as partes carecem da capacidade de consentir, livre e espontaneamente, no ato sexual,
amplamente entendido. Este é, via de regra, o caso de menores de idade, isto é, quando existem
boas razões para dizer que existe coação explícita (uso de força, ameaças ou extorsão, bastante
comuns nesse tipo de abuso) ou suspeita de compulsão (por chantagem ou engano) (Morales &
Schramm, 2002). O Código Penal Brasileiro estabelece como marco para caracterização da
violência presumida a idade de 14 anos, cujo fundamento legal está na idéia de completa falta de
ciência da menor em relação aos fatos sexuais. Mesmo que a menina concorde com o contato
sexual, o “consentimento” seria destituído de valor, segundo a norma jurídica (Oliveira, 1987;
Drezzet, 2000 apud Cavasin et al, 2004: 13-14).

Mais da metade dos casos de violência sexual ocorre durante o período reprodutivo da
vida da mulher (Drezzet et. all, 1996 apud Cavasin et al, 2004). Entre as possíveis conseqüências
da violência sexual, a gravidez se destaca pela complexidade das reações psicológicas, sociais e
médicas que provoca e, geralmente, é encarada como segunda violência, intolerável para a
maioria das mulheres (Faúndes et. alli., 1998 apud Cavasin et al, 2004). A violência por abuso
sexual é a mais difícil de ser identificada, pois na maioria dos casos não deixa marcas. É comum
a revelação ocorrer quando alguém da família “percebe” algo diferente ou quando a menina
aparece grávida. Um estudo realizado pelo Dr. Jefferson Drezett (2000 apud Cavasin et al,
2004), no Hospital Pérola Byington, de São Paulo, mostra que dos 1200 casos notificados no
serviço, em 84,5% dos casos de violência sexual contra a criança o agressor era conhecido (em
21,6% dos casos o pai era o agressor; em 16,7%, o padrasto; em 11,6%, o tio; em 16,7%, o
vizinho; e em 21,7%, outro conhecido da família).

24
Em um estudo exploratório realizado em cinco capitais do Brasil, Cavasin (et al, 2004: 7)
verificou que a gravidez na faixa etária de 10 a 14 anos está muito mais relacionada a situações
de violência do que em outras faixas etárias. Muitas adolescentes menores de 15 anos
engravidam em circunstâncias de abuso e violência sexual sofridos desde muito tempo antes do
episódio da gravidez. Essa gravidez torna-se, ironicamente, muitas vezes, a primeira
oportunidade da denúncia.

A própria OMS, no Relatório Mundial sobre Violência e Saúde, reconhece que cerca de
um terço das adolescentes relatam terem tido iniciação sexual forçada (Cavasin, 2004), oq eu
deve mudar radicalmente a perspectiva com que a gravidez é entendida nesta faixa de idade. .

Há, em muitas das famílias onde ocorre abuso sexual, um pacto do silêncio, que encobre
o incesto, visando proteger a estrutura familiar. O abuso sexual dentro da família leva a um forte
sentimento de ruptura, que inicialmente parece a seus membros mais destrutivo que o próprio
incesto (Seixas, s.d: p, 12). Nessas circunstâncias, cresce a importância da sensibilidade e de
capacidades específicas de profissionais de saúde para detectar os casos de abuso sexual e a
gravidez deles decorrentes.

Alguns autores chamam a atenção para o fato de que boa parte das mulheres que têm um
parto antes dos 20 anos declaram que a gravidez não era desejada (Diaz e Diaz, s.d.: p. 1). É
importante considerar, porém, que essa é uma realidade para a maior parte das mulheres
independente da faixa etária ou da situação conjugal. Embora o desejo de ser mãe possa estar
presente em muitas mulheres, a ocorrência de uma gravidez desejada e planejada no momento
em que se quer ter filhos é mais rara do que se supõe. De acordo com a pesquisa DHS, de 1994,
cerca de 75% das primeiras gestações são indesejadas (Silva, 2002: p. 258). No quadro de
precariedade da oferta de métodos contraceptivos e de ilegalidade do aborto, a esterilização e o
aborto provocado emergem como opções contraceptivas (Silva, 2002: p. 259).

Em geral, na experiência concreta dos casais, a gravidez “acontece” e, quando soma-se ao


desejo de ser mãe, é mantida. A decisão pela manutenção da gravidez pode ser facilitada nos
casos em que as mulheres são mais velhas, em que o pai aceita a criança e onde há condições
financeiras para a manutenção da família. Juntas, essas condições podem obscurecer o fato de
que aquela gravidez particular inicialmente não foi desejada ou planejada. Ao contrário, as
condições adversas vividas por muitas adolescentes tendem a dar relevância ao “indesejado” e ao
não planejamento, como se isso acontecesse apenas nessa faixa etária.

Pesquisa realizada com universitários de 17 a 24 anos do município de São Paulo, em


2000, encontrou que cerca de um terço das gestações relatadas chegaram a termo – sendo
provável, portanto, que os demais dois terços tenham resultado em aborto. Ao comparar estes
25
resultados com aqueles encontrados entre jovens de 15 a 19 anos da periferia de São Paulo, as
autoras encontraram a situação inversa, com uma muito maior ocorrência de nascidos vivos
(76,7%), o que denota as desigualdades de acesso ao aborto de acordo com as condições sócio-
econômicas dos/as jovens. Entre os mais pobres, foi maior a ocorrência de gravidez e
maternidade na adolescência, em geral com parceiro muito mais velho que a menina (Borges,
Pirotta & Schor, 2004). Estudo qualitativo realizado em Belo Horizonte, Abreu et al (2000: p. 7),
reafirma o que outros estudos já indicaram: os pais das crianças gestadas por adolescentes são
mais velhos; tendo entre 21 e 28 anos na ocasião da gravidez.

Pirotta, citando Costa (1999), lembra que, até recentemente, era comum o uso de métodos
invasivos, como sondas ou outros objetos, para a prática do aborto, o que levava a uma alta taxa
de infecções e de perfurações uterinas. Atualmente, as drogas com propriedades abortivas têm
sido mais utilizadas para induzir o aborto, mas um dos reflexos do uso de medicamentos, no
cenário da clandestinidade do aborto, é que só se conhecem os dados de mulheres que tomaram o
medicamento e depois procuraram o auxílio de um hospital. Pouco se sabe sobre as mulheres que
usaram a droga e não procuraram o hospital, sobre os casos em que o aborto foi realizado sem
complicações aparentes e sobre os casos em que o aborto não se realizou e a gravidez foi levada
adiante. (COSTA, 1999 apud Pirotta, 2004).

Nesse contexto da ilegalidade do aborto, a gravidez não planejada, quando indesejada,


pode revelar-se um grave problema para a saúde sexual e reprodutiva de adolescentes e jovens.
Neste grupo etário, é grande o número de atendimentos a complicações decorrentes de aborto no
SUS, bem como os índices de óbitos maternos juvenis, sendo um problema que afeta
particularmente as jovens negras e pobres, que não têm acesso a serviços privados de qualidade
para a realização do aborto (Ferreira e Portella, 2005). O aborto inseguro está diretamente
relacionado aos índices de mortalidade materna entre adolescentes e jovens, atingindo sobretudo
as jovens pobres que sofrem mais dramaticamente as conseqüências das deficiências na
assistência obstétrica e dos impacto das condições de vida no estado de saúde. No ano 2000,
foram registradas 127.740 internações por aborto no SUS1. Deste número, 59% referiam-se a
jovens na faixa etária dos 20 a 24 anos, 39% a adolescentes entre 15 e 19 anos e 2,50% a
adolescentes na faixa dos 10 aos 14 anos. De 1993 a 1997, o número de curetagens realizadas no
SUS em adolescentes de 10 a 19 anos passou de 19% para 22%. Em 1997, as complicações
provocadas pelo abortamento inseguro foram responsáveis por 16% das mortes maternas de
mulheres de 15 a 24 anos (CNPD, 1997) (Ferreira e Portella, 2005). Em São Paulo, em 2001, 12%

1
Esta estatística inclui aborto espontâneo, aborto induzido por indivíduo, admitidas legalmente, aborto induzido sem
identificação, aborto retido, aborto não especificado e outros abortos). Fonte: SIH-SUS/Datasus/MS.

26
das curetagens pós-aborto foram realizadas em jovens de 10 a 14 anos e 8,4% naquelas de 15 a 19
anos (MS/SAS/SIH/SUS apud Cavasin et al, 2004: 42).

Em estudo que analisa as ocorrências de aborto entre 1990 e 2000, Silva (2002: p. 249)
indica a maior propensão de as adolescentes provocarem aborto na América Latina. Neste
período, no Brasil, contra o discreto aumento na proporção de abortos por gestações para o
conjunto das mulheres brasileiras, entre as jovens de 20-24 anos esse aumento é da ordem de
38% e, entre as adolescentes, chega quase aos 50%. Uma ocorrência de nada menos que 42
abortos a cada 100 gestações. A autora parte da premissa de que 4% das mulheres em idade
fértil recorrem ao aborto e a partir daí estima os abortos realizados por mulheres jovens e adultas
no Brasil. Em 1990, havia 38 milhões de mulheres em idade fértil no Brasil, foram 3,4 milhões
os nascidos vivos, tendo sido provocados 1,52 milhões de abortos em nosso país, o que
representa o percentual 31% de abortos por gestação, 220 mil dos quais cabendo às adolescentes,
300 mil às jovens e o restante às demais mulheres (Silva, 2002: p. 255).

No ano 2000, havia 44 milhões de mulheres em idade fértil, mas os nascidos vivos
mantiveram-se no mesmo patamar de 3,4 milhões encontrado em 1990, o que leva a uma queda
de 13% na média de nascidos vivos por mulher (Silva, 2002: p. 258)

O número de abortos provocados, porém, aumentou: foram 1,76 milhões de abortos


provocados ou 34% de abortos por gestação. Destes, 520 mil foram feitos por adolescentes, 430
mil por jovens e 810 mil pelas demais mulheres (Silva, 2002: p. 257). Claramente, o aumento no
número de abortos se dá entre adolescentes, seja quando tomamos a proporção de abortos
provocados por gestação – que passa de 28,5% em 1990 a 41,5% em 2000 – ou quando observa-
se a média de abortos por mulher – que variou de 0,029/100 mulheres em 1990 para 0,061/100
em 2000. Em outras palavras, para cada 100 mulheres de 15 a 19 anos 14,7 gestações
terminaram em aborto provocado, em 1990 este valor foi de 10,3. Nas demais faixas etárias e
para o país como um todo, o movimento foi descendente (Silva, 2002: p. 257). As mulheres com
mais de 25 anos têm a mesma média de nascidos vivos que as adolescentes (28,5/100 gestações),
mas recorrem mais largamente ao aborto provocado (36,4/100 gestações). Apesar do aumento,
são as jovens as que menos recorrem ao aborto provocado, em números absolutos; diante de uma
gravidez consumada são elas que possuem as melhores perspectivas no sentido de leva-la a
termo (Silva, 2002: p. 256). Parece estar em jogo aqui menos o desejo e a intenção de ser mãe e
muito mais as possibilidades e condições reais de interromper uma gravidez em condições de
segurança para a saúde física e mental das jovens. Para as mulheres mais velhas, as razões para
provocar um aborto ligam-se à intenção de manter o número de filhos dentro do limite desejado
e/ou permitido para a manutenção de um dado padrão familiar (Silva, 2002: p. 256).

27
De acordo com Henshaw (1987 apud Silva, 2002: p. 257), a taxa de abortos por gestação
adolescente em países desenvolvidos varia entre 20 e 50%. O que observamos no Brasil entre
1990 e 2000 é a passagem para uma posição média baixa para média alta. O Instituto Allan
Guttmacher Institute, porém, lembra que as taxas de aborto provocado no Brasil (32 abortos por
1000 mulheres) situam-se na faixa mais alta da América Latina, cujas taxas variam de 13/1000
no México a 36/1000 na República Dominicana (Silva, 2002: 256). Os abortos concentram-se na
faixa de 15-19 anos, entre solteiras e/ou não unidas, sem filhos e são provocados para se evitar
um nascimento indesejado (Silva, 2002: p. 258)

Segundo dados da PNDS, de 1996, a primeira causa de internação entre adolescentes de


10 a 14 anos é o parto. Em 2001, a principal causa de morbidade entre adolescentes relacionava-
se à gravidez, parto e puerpério (77,28%), que é a 7ª. causa de morte de mulheres de 10 a 24
anos (5,52%). Neste mesmo ano, 1.583 mulheres morreram em decorrência de agravos
relacionados à gravidez, parto e puerpério. Destas, 257 (16,2%) tinham entre 10 e 19 anos e 642
(40,55%), entre 20 e 29 anos. Portanto, mais de metade dos óbitos maternos registrados pelo
DATASUS atingem a população mais jovem (56,7%) (Ferreira e Portella, 2005). Este dado pode
estar relacionado, como o demonstram os estudos sobre mortalidade materna já realizados no
país, à precariedade na assistência ao pré-natal e, no caso deste segmento populacional, à
ausência de atenção específica a adolescentes e jovens gestantes. Vale ressaltar que, como
vimos, o aborto inseguro inclui-se como uma das causas de mortalidade materna e, portanto,
contribui para este percentual (Ferreira e Portella, 2005).

Nos últimos anos, de acordo com Cavasin (2004:4), inúmeras iniciativas e propostas
governamentais envolveram também a adolescência como, por exemplo, a regulamentação e
implementação de serviços para o aborto previsto em lei, a contracepção de emergência e a
assistência integral. Na prevenção de DST/Aids vários projetos foram dirigidos para essa faixa
etária. Apesar de o IBGE investigar a fecundidade das mulheres a partir de 10 anos desde 1991
(IBGE, 2005), informações sobre paternidade adolescente não existem em nenhuma fonte
oficial.

De um modo geral, a freqüência de adolescentes e jovens nos serviços de saúde no Brasil


é ainda muito pequena. Segundo pesquisa da UNESCO (2002), os serviços de saúde não
aparecem como um lugar importante e prioritário para se encontrar informações confiáveis sobre
sexualidade, do ponto de vista dos(as) adolescentes brasileiros(as) Muitos dos dados sobre saúde
sexual e reprodutiva da população adolescente e jovem brasileira aqui apresentados refletem, em
grande medida, este fato (Ferreira e Portella, 2005)..

28
Parte desta realidade se explica pelo fato das instituições de saúde responderem por
grande carga de controle sobre a sexualidade e a reprodução de adolescentes e jovens. Estas
esferas têm sido consideradas como campo de risco, em detrimento de uma visão de promoção
da saúde e do bem-estar. O afastamento entre serviços e juventude se expressa na própria
nomenclatura dos serviços, que carregam em si concepções de políticas. A oferta de métodos
contraceptivos em geral se situa na rede pública no campo do planejamento familiar e não se
pode considerar que jovens de 14 ou 15 anos associem contracepção à família, mas, sim, à
sexualidade e ao prazer (Ferreira e Portella, 2005).....

Os dados da PNAD de 1998 mostram que mulheres buscam mais os serviços a partir dos
14 anos de idade, o que demonstra relação direta com a idade reprodutiva. No início da
adolescência, são os homens que buscam mais os serviços. As razões de busca ao serviço são
diferentes entre homens e mulheres jovens: os primeiros, dos 10 a 19 anos, costumam utilizar-se
mais dos serviços odontológicos, enquanto as mulheres adolescentes e jovens buscam o serviço
de atenção à gravidez, parto e puerpério (Ferreira e Portella, 2005)..

Garantir os direitos reprodutivos a adolescentes e jovens nesse contexto, significa


assegurar, em todos os casos, as condições de possibilidade de escolha da gravidez, por
adolescentes e jovens. Para tanto, as informações, os métodos e serviços, como também a
assistência ao pré-natal e ao parto, devem ser asseguradas de modo irrestrito, para adolescentes e
jovens homens e mulheres de maneira que as escolhas reprodutivas sejam feitas de modo
informado e seguro (Ferreira e Portella, 2005).

No plano da saúde, isto implica em romper com o enfoque de risco sobre a gravidez na
adolescência para inseri-la no contexto da promoção da saúde de um modo mais amplo. O
enfoque de risco se materializa, por exemplo, no fato de grande parte dos(as) profissionais
considerarem a cesárea como procedimento de rotina para adolescentes na faixa dos 15 aos 19
anos. É importante salientar, entretanto, que deve-se considerar as especificidades de
adolescentes e jovens, em suas necessidades biológicas, pessoais e sociais específicas, como
crivo para a elegibilidade de métodos e para a assistência ao pré-natal e ao parto (Ferreira e
Portella, 2005).

Cavasin e Arruda (1996:4-5), apontam algumas questões que devem ser levadas em conta
na assistência a jovens e adolescentes de ambos os sexos. Em primeiro lugar, é necessário
considerar que, freqüentemente, as meninas estão envolvidas em relações de subordinação com
seus pares do sexo masculino e com figuras de autoridade de ambos os sexos: a submissão
dificulta falar sobre sexo e contracepção tanto com seus parceiros quanto com familiares ou
profissionais de saúde. O medo de rejeição e a pressão social por aceitação, bastante comum

29
nesta faixa de idade, também desencoraja a proteção. Além disso, a negação da vida sexual por
medo de sanções morais por parte dos adultos, assim como o desconhecimento dos processos
corporais leva à negação da necessidade de contracepção. Agregue-se a isso, ainda, a dificuldade
de acesso a serviços de saúde e aos contraceptivos, que geralmente são caros e difíceis e a baixa
qualidade da assistência, que desconsidera as especificidades da vivência sexual e reprodutiva
entre jovens e adolescentes. Não podemos esquecer, porém, de que boa parte das meninas
iniciam e vivenciam a sua sexualidade em contextos de violência, o que, obviamente, exclui
qualquer possibilidade de diálogo sobre proteção e contracepção, colocando novos problemas
para os serviços de saúde.

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