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Alemanha 1918-1924: Hiperinflação e Revolução

Article · December 2015

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Osvaldo Coggiola
University of São Paulo
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ALEMANHA 1918‐1924: 
HIPERINFLAÇÃO E REVOLUÇÃO 
Osvaldo Coggiola 
 

Na guerra, umas botas; na fuga, um lugar no barco ou em um caminhão, 
podem ser as coisas mais importantes deste mundo, mais valorizadas do 
que uma fortuna incalculável. Em tempos de hiperinflação, um quilo de 
batatas pode valer, para alguns, mais que toda Ia prataria da família, e 
um pedaço de carne mais que um piano de cola. Uma prostituta na 
família é melhor que um filho morto; roubar é preferível a passar fome; 
não passar frio é mais importante que conservar a honra; vestir‐se está 
antes que as convicções democráticas; e comer é mais necessário que a 
liberdade. 

Adam Ferguson 

O dinheiro é a verdadeira inteligência de todas as coisas; quem tem 
poder sobre as pessoas inteligentes, não é mais inteligente do que elas? 
O modo de produção capitalista conclui por identificar‐se com a 
venalidade geral, isto é, com a troca em potencial de todos os produtos, 
coisas, sentimentos e relações. Esta prostituição geral é uma fase necessária. 

Karl Marx 

A  hiperinflação  alemã  do  primeiro  pós‐guerra  é  geralmente  abordada  como  um  fenômeno 
econômico,  reservado  aos  economistas;  suas  conseqüências  sociais  e  políticas  são  o  campo 
dos  historiadores.  O  fenômeno  fica  assim  “fatiado”  em  partes  independentes,  não 
mutuamente inteligíveis. Mas, no capitalismo (e a Alemanha era a sociedade mais capitalista 
da  Europa,  à  época),  o  dinheiro  não  se  limita  a  ser  mediador  das  trocas  ou  meio  de 
entesouramento  (como  nas  sociedades  pré‐capitalistas,  ou  nas  sociedades  mercantis  sem 
acumulação capitalista): ele é mediador geral de todas as relações, expressão mais abstrata e 
concentrada do fetichismo da mercadoria, e expressão alienada de todas as relações sociais (e 
pessoais).  A  cisão  que  torna  autônomo  o  valor  de  troca,  dando‐lhe  existência  própria  e 
separada, é simbolizada pelo dinheiro como potência autônoma, poder externo e estranho aos 
produtores de mercadorias: a forma natural e a forma social dos produtos são contrapostas. 
Para Marx: «O valor de troca cindido das próprias mercadorias, e existente ele mesmo junto a 
elas, é dinheiro. Todas as propriedades da mercadoria enquanto valor de troca se apresentam 
no dinheiro como um objeto distinto dela, como uma forma de existência social cindida de sua 
forma de existência natural». 
A “morte do dinheiro” (assim chamou Adam Ferguson à hiperinflação alemã) é a expressão da 
morte dessas relações e, na medida em que não é superada, é percebida subjetivamente (ou 
“vivida”)  como  a  morte  de  todas  as  relações  sociais  e  humanas.1  A  hiperinflação  alemã  do 

                                                            
1
 No capitalismo, o dinheiro “ordena” as relações sociais e pessoais, ou, nas palavras de Marx: “Somos feios ou feias, mas 
podemos  comprar  as  mulheres  e  os  homens  mais  belos;  portanto,  não  mais  somos  feios  ou  feias,  porque  o  efeito  da 

  1
início  da  década  de  1920  provocou  uma  contra‐revolução  social,  com  poucas  pessoas 
acumulando  riquezas  e  acentuando  a  formação  de  uma  classe  de  monopolizadores  da 
propriedade, ao passo que milhões de indivíduos ficaram relegados à pobreza e à miséria, em 
todos  os  sentidos.  A  arte  radical  da  República  de  Weimar  foi,  em  boa  parte,  a  resposta  da 
sensibilidade a esse desvendamento sem precedentes das relações sociais e humanas.  
Capital‐Dinheiro e Inflação 
O  dinheiro  é  quase  tão  antigo  quanto  a  troca  comercial,  na  medida  em  que  esta  supera  o 
limite do escambo ocasional ou daquele realizado entre comunidades imediatamente vizinhas. 
Do uso de objetos diversos (animais inclusive) de uso comum, como moeda, passou‐se para os 
metais  preciosos,  e  daí  para  o  papel  moeda  fiduciário  prometendo  pagar  ouro  ou  prata, 
seguido pelo papel moeda de curso forçado, experimentado pela primeira vez, no ocidente, na 
França  de  inícios  do  século  XVIII,  embora  haja  evidências  de  seu  uso  na  China  um  milênio 
antes.  
A sociedade capitalista é, como toda sociedade mercantil, baseada na lei do valor (a troca das 
mercadorias sendo realizada pelo tempo de trabalho socialmente necessário para produzi‐las), 
sua  especificidade  consiste  na  transformação  da  força  de  trabalho  em  mercadoria,  capaz  de 
produzir, pelo seu valor de uso, valores superiores aos socialmente necessários para produzi‐la 
e  reproduzi‐la,  isto  é,  de  produzir  uma  mais‐valia,  que  constitui  a  base  da  exploração  e  da 
acumulação  capitalista.  O  dinheiro,  nessa  sociedade,  desenvolve  todas  suas  potencialidades 
como  expressão  da  forma  total  ou  desenvolvida  do  valor  (as  trocas  comerciais  podem  se 
realizar sem dinheiro, não assim a acumulação capitalista), presentes na mercadoria‐dinheiro, 
reconhecida socialmente por todas as outras, e como forma monetária do valor.2 São funções 
do dinheiro: 
1.  Medida  de  valor:  dá  às  mercadorias  a  medida  na  qual  expressam  seus  valores,  sob  uma 
mesma  denominação  e  fazendo‐as  comparáveis  desde  o  ponto  de  vista  da  quantidade.  A 
forma moeda tem sua origem nessa função. 
2.  Meio  de  circulação:  ao  estabelecer  um  equivalente  geral  mundialmente  reconhecido,  o 
dinheiro,  facilita  e  acelera  a  circulação  das  mercadorias,  que  antes  se  realizava  por  simples 
troca, ou utilizando equivalentes ocasionais. Ao mesmo tempo, divide o ato da troca em dois 
atos distintos: a compra e a venda. É nessa divisão que aparece a possibilidade da crise, isto é, 
a  interrupção  da  circulação  de  mercadorias;  ou  seja,  quando  um  vendedor,  que  obteve 
dinheiro pela venda de sua mercadoria, não se transforma em comprador, preferindo guardar 
o  dinheiro.  É  nessa  função  que  tem  sua  origem  esse  símbolo  emitido  pelo  Estado,  que  pode 
substituir parcialmente a mercadoria‐dinheiro: o papel‐moeda. 
3.  Meio  de  pagamento:  quando  um  vendedor  entrega  sua  mercadoria  contra  uma  promessa 
de  pagamento  futuro  ‐  o  comprador  não  possui  a  totalidade  do  dinheiro  porque  espera 
consegui‐lo vendendo suas mercadorias, cuja produção leva mais tempo, etc. ‐, "o vendedor se 
transforma em credor, o comprador, em devedor. Como a metamorfose da mercadoria toma 
aqui um novo aspecto, o dinheiro adquire também uma nova função: transforma‐se em meio 
de pagamento" (O Capital). 

                                                                                                                                                                              
feiúra,  sua  força  repulsiva,  é  anulada  pelo  dinheiro.  Somos  malvados,  desonestos,  inescrupulosos,  estúpidos;  mas  o 
dinheiro é honrado e, em conseqüência, também o é seu possuidor. O dinheiro é o bem supremo, portanto, seu possuidor 
é bom. O dinheiro nos exime da necessidade de sermos desonestos, portanto, presume‐se que sejamos honestos”. 
2
 "O ouro não desempenha o papel de moeda diante das mercadorias, a não ser porque já desempenhava diante delas o 
papel de mercadoria. Igual a elas, funcionava também como equivalente, às vezes acidentalmente em trocas isoladas, às 
vezes como equivalente particular com outros equivalentes. Pouco a pouco começa a funcionar como equivalente geral, 
dentro  de  limites  mais  ou  menos  amplos.  Desde  que  conquista  o  monopólio  dessa  posição  na  expressão  do  valor  do 
mundo das mercadorias, transforma‐se em mercadoria‐dinheiro, e é só a partir do momento em que já se transformou em 
mercadoria‐dinheiro que a forma geral do valor se transforma em forma monetária" (Karl Marx, O Capital). 

  2
4.  Meio  de  entesouramento:  "Desde  que  se  desenvolva  a  circulação  de  mercadorias,  se 
desenvolve  também  a  necessidade  e  o  desejo  de  conservar  o  produto  da  primeira 
metamorfose, a mercadoria se transforma em crisálida de ouro ou de prata. A partir de agora 
as mercadorias são vendidas não só para comprar outras, mas também para substituir a forma 
mercadoria  pela  forma  dinheiro.  A  moeda  retida  em  sua  circulação  petrifica‐se,  por  assim 
dizer, e se transforma em tesouro, e o vendedor se transforma em entesourador" (O Capital). 
5. Dinheiro mundial: como meio de troca entre diferentes mercados (países), a moeda assume 
toda a sua força. "No marco da circulação nacional, não é mais do que uma  mercadoria que 
pode servir como medida de valor e conseqüentemente como moeda. No mercado do mundo, 
reina uma dupla medida de valor, o ouro e a prata". Quando acontece uma transferência de 
riqueza de um país para outro através da moeda, esta por fim funciona como a forma absoluta 
da riqueza. 
Popularmente, inflação é a queda do valor de mercado ou poder de compra do dinheiro, o que 
se expressa como aumento no nível geral de preços, um processo pelo qual ocorre aumento 
generalizado nos preços dos bens e serviços, provocando perda do poder aquisitivo da moeda. 
Isso faz com que o dinheiro valha cada vez menos, sendo necessária uma quantidade cada vez 
maior  dele  para  adquirir  os  mesmos  produtos.  Isto,  eventualmente,  estaria  vinculado  a  um 
aumento no suprimento de dinheiro e a expansão monetária, o que é visto como a causa do 
aumento  de  preços.  Externamente,  a  inflação  se  traduz  por  uma  desvalorização  da  moeda 
local frente a outras, e internamente ela se exprime no aumento do volume de dinheiro e no 
aumento  dos  preços.  Hiperinflação  é  uma  inflação  “fora  de  controle”,  com  encarecimento 
rápido dos produtos, recessão, e desvalorização acentuada da moeda (o caso clássico é a crise 
alemã de 1923). 
A  inflação  é  tão  antiga  quanto  o  uso  da  moeda,  e  acentuada  com  a  moeda  fiduciária:  crises 
inflacionárias  já  afetavam  o  Império  Romano.3  Para  o  surgimento  do  capitalismo 
contemporâneo,  foi  decisivo  um  fenômeno  inflacionário  de  alcance  europeu,  motivado  pelo 
afluxo  de  metais  preciosos  consecutivo  à  conquista  da  América.  Espanha  recebeu  de  suas 
colônias americanas, no período de 1503 a 1660, 181.133 kg de ouro e 16.886.815 kg de prata. 
Pierre  Chaunu  calculou  em  85  a  90  mil  toneladas,  em  valor  prata,  a  produção  de  metais 
preciosos da América colonial de 1500 a 1800, isto é, o equivalente de 80% a 85% da produção 
mundial nesse mesmo período. Essa entrada enorme de metais preciosos na Europa constituiu 
um  dos  episódios  maiores  da  história  moderna.  Segundo  Chaunu,  “foi  esse  fato  que 
desencadeou a crise dos preços do século XVI, e salvou a Europa de uma nova Idade Média, 
permitindo a reconstituição de seu estoque metálico”.  
Mas essa crise, chamada de “revolução dos preços” (os quais se multiplicaram por quatro ao 
longo  de  um  século)  contribuiu,  através  da  inflação  resultante,  para  a  ruína  de  inúmeros 
artesãos  ou  pequenos  proprietários,  criando  uma  das  condições  da  passagem  para  o 
capitalismo:  o  aparecimento  de  trabalhadores  livres,  desprovidos  de  qualquer  propriedade  a 
não  ser  a  sua  força  de  trabalho.  Na  época,  os  senhores  feudais  já  recebiam  as  contribuições 
anuais  dos  servos  em  moeda,  uma  taxa  fixa  por  pessoa.  Ao  dobrar  a  quantidade  de  ouro, 
permanecendo  pouco  alterada  a  produção  de  bens,  os  preços  duplicaram  igualmente, 
reduzindo pela metade os rendimentos dos senhores feudais. Assim, a “revolução dos preços” 
levou  a  una  transferência  de  renda  dos  senhores  feudais  para  a  classe  capitalista  comercial 
emergente,  debilitando  os  primeiros  e  fortalecendo  a  segunda.  Se  os  efeitos  da  “revolução” 
estão fora de discussão, não acontece o mesmo com suas causas. Para explicar a alta geral dos 
preços na Europa no século XVI, a maioria dos autores atribui a o surto inflacionário aos metais 
                                                            
3
 Um aumento de preços no Império Romano foi causado pela desvalorização dos denários que, antes confeccionados em 
ouro  puro,  passaram  a  ser  fabricados  com  todo  tipo  de  impurezas.  O  imperador  Diocleciano  culpou  a  avareza  dos 
mercadores  pela  alta  dos  preços,  promulgando  em  301  um  edito  que  punia  com  a  morte  qualquer  um  que  praticasse 
preços acima dos fixados pelo governo. 

  3
preciosos vindos da América, mas Van Bath não concorda: a alta geral dos preços seria anterior 
à vinda dos metais preciosos. O fluxo de metais preciosos não explicaria essa alta, em que os 
produtos agrícolas subiram mais do que os bens manufaturados, e mais do que os salários. O 
que  a  explicaria  seria  a  explosão  demográfica:  o  aumento  da  população  teria  levado  ao 
aumento da procura por produtos de  subsistência  e, conseqüentemente, a um aumento nos 
preços. Por outro lado, com o crescimento da população houve uma maior oferta de mão‐de‐
obra, o que levou a uma depreciação dos salários. Houve assim um forte estímulo à produção 
agrícola de subsistência, evidenciado pelo aumento da área cultivada, e também pelo aumento 
do conhecimento agronômico. 
Como seja, foi uma reviravolta crucial da economia européia. Segundo Wallerstein: “Europa se 
expandiu nas Américas. Isto pode não ter sido determinante em si mesmo, mas foi importante. 
O  fato  crucial  da  expansão  foi  apontado  por  [Fernand]  Braudel:  «o  ouro  e  a  prata  do  Novo 
Mundo  permitiram  a  Europa  viver  por  cima  de  suas  possibilidades,  investir  por  cima  de  sua 
poupança». Investir por cima de sua poupança e aumentá‐la por meio da revolução dos preços 
e  o  retraso  dos  salários...  O  próprio  ouro  era  «uma  mercadoria  e  uma  expansão  geral  do 
comércio subjaz a "prosperidade" do século XVI, que não foi um jogo nem uma miragem, nem 
tampouco uma ilusão monetária»”.4 Não foi uma ilusão, certamente,  mas sim uma maldição 
para seus agentes (Espanha e Portugal, as principais potencias colonizadoras), cujas economias 
ficaram atreladas à circulação de mercadorias (a função “2” do dinheiro), deixando para outras 
a produção delas, para o que lhes foi necessário operar a transformação da força de trabalho 
em mercadoria, isto é, virarem capitalistas.5 
Um exemplo clássico de inflação de meios de pagamento foi a dos assignats, emitidos durante 
a  Revolução  Francesa.  Inicialmente  simples  títulos  da  dívida  flutuante,  sem  poder  liberatório 
de moeda legal, foram, em 1793, declarados o único meio legal de pagamento. Apesar de ser 
crime, passível da pena de morte, recusar assignats ou negociá‐los abaixo do seu valor ao par, 
suas sucessivas e desproporcionadas emissões logo os privaram de poder de troca.  

                                                            
4
 Segundo John K. Galbraith: “A descoberta e a conquista puseram em movimento um enorme fluxo de metal precioso da 
América à Europa, e o resultado foi uma grande elevação de preços ‐ uma inflação ocasionada por um aumento da oferta 
do melhor tipo de dinheiro de boa qualidade. Quase ninguém na Europa estava tão afastado das influências do mercado 
para  não  sentir  algum  efeito  sobre  o  seu  salário,  sobre  o  que  vendia,  sobre  qualquer  pequeno  objeto  que  quisesse 
comprar.  Os  aumentos  de  preços  ocorreram  inicialmente  na  Espanha,  onde  os  metais  chegaram  em  primeiro  lugar;  a 
seguir, à medida em que eram carregados pelo comércio (ou, talvez em menor escala, pelo contrabando ou por conquista) 
à França, aos Países‐Baixos e à Inglaterra, a inflação os seguiu. Na Andaluzia, entre 1500 e 1600, os preços subiram cinco 
vezes. Na Inglaterra, se tomássemos como 100 os preços da última metade do século quinze, isto é, antes das viagens de 
Colombo, à altura da última década do século XVI estariam a 250; oitenta anos mais tarde, ou seja, na década de 1673 a 
1682, estariam a 350, três vezes e meia acima do que haviam alcançado antes de Colombo, Cortez e Pizarro. Após 1680, 
estabilizaram‐se  e  assim  permaneceram,  pois  tinham  caído  muito  antes  na  Espanha.  Esses  preços,  e  não  os  relatos  dos 
conquistadores, representaram a notícia de que a América tinha sido descoberta, para a grande maioria dos europeus”.  
5
 Nas palavras de James Buchan: “À medida que o século avançava, pessoas ponderadas detectaram uma mudança operar‐
se na Espanha metropolitana, primeiro lentamente, e depois numa convulsão. A prosperidade, que parecia ter subsistido 
na  posse  dos  metais  preciosos,  tinha  simplesmente  deixado  a  Espanha  de  lado.  O  país  tinha  se  tornado,  numa  famosa 
formulação da época, as Índias do estrangeiro, irremediavelmente indigente, explorado pelos vizinhos, fraco, endividado e 
árido:  era  como  se  a  prata  fosse  uma  doença  contagiosa,  como  a  sífilis  que  os  homens  pensavam  que  Colombo  tinha 
trazido  de  volta,  e  não  menos  destrutiva.  A  prata  de  Potosí  entrava  através  de  Cádiz  e  Sevilha  e  passava  rapidamente 
através dos portos costeiros da Cantábria e do Mediterrâneo, em troca de produtos importados de qualidade inferior a 
preços sempre mais altos e salários dos trabalhadores em ascensão; ou era esbanjada nos exércitos atolados no lodo da 
Holanda  tentando  debelar  a  revolta  holandesa.  A  partir  da  virada  do  século  XVII,  os  preços  em  Sevilha  eram 
provavelmente cerca de quatro vezes o que tinham sido quando Colombo partiu em direção ao ocidente. Don Gerónymo 
de Uztáriz, secretário do Conselho de Índias, estimou mais tarde que cerca de cinco bilhões de dólares [sic] tinham vindo 
da América para a Espanha desde 1492, dos quais, a partir de 1724, apenas cerca de um bilhão permanecia em moeda e 
em  prataria  doméstica  e  eclesiástica.  Mesmo  agora,  no  grande  retablo  dourado  da  catedral  de  Sevilha  ou  nas  igrejas 
barrocas  do  México,  Peru  e  Equador,  vêem‐se  os  vestígios  de  um  esforço  psicológico  desesperado:  o  de  esterilizar  os 
metais americanos do seu conteúdo monetário e dirigir o resíduo ornamental para as sensações de admiração e fé. Isso, 
essencialmente, é o barroco na arquitetura religiosa. Quanto ao remanescente, foi para a França, a Holanda, Inglaterra e o 
Báltico”. 

  4
Entendido como inflação todo aumento do volume da moeda, é preciso que tal aumento seja 
anormal  ou  excessivo,  e  só  se  pode  reconhecer  esse  caráter  tomando‐se  um  ponto  de 
referência. No século XIX esse ponto era o depósito de metal, geralmente o ouro. A doutrina 
da Currency School firmou‐se quando (1811) a Câmara da Inglaterra discutiu o Bullion Report, 
para saber a causa do preço alto dos lingotes de ouro. David Ricardo defendeu as conclusões 
do Bullion Committee, recomendando o retorno ao padrão metálico e a restrição da circulação 
de notas (propondo que a emissão da moeda de papel só acontecesse pela contrapartida de 
um  depósito  de  metal,  idéia  aceita  com  o  Act  de  Peel,  de  1844).  No  século  XX,  o  volume  da 
emissão  passou  a  ser  medido  em  relação  a  outro  fator,  o  volume  da  produção  nacional:  se 
caracterizou  a  inflação  pelo  aumento  excessivo  da  moeda  em  suas  diversas  formas,  com 
respeito à produção nacional.  
Na  definição  econômica  tradicional,  uma  inflação  é  "uma  alta  generalizada  dos  preços  e  dos 
fatores  de  produção"  ou,  "um  movimento  ascensional  de  preços  auto‐perpetuante  e 
irreversível, causado por um excesso de procura sobre a capacidade de oferta". A elevação dos 
preços e dos rendimentos monetários não é coincidente em tempo e tamanho para todos os 
produtos  e  para  todos  os  agentes  econômicos.  O  fenômeno  inflacionário  seria  prejudicial, 
porque  não  incide  de  forma  uniforme  e  simultânea  sobre  todos  os  setores  da  economia.  Os 
rendimentos  que  não  acompanham  a  alta  dos  preços  verão  seu  poder  de  compra  diminuir, 
enquanto  os  rendimentos  monetários  que  crescem  a  uma  taxa  igual  ou  superior  à  elevação 
dos  preços,  se  manterão  ou  aumentarão  em  termos  reais.  Essa  “redistribuição  da  renda”, 
provocada  pela  inflação,  resultaria  do  inconformismo  de  certas  categorias  de  “agentes 
econômicos”  com  a  distribuição  precedente:  esses  agentes  (classes  ou  grupos  de  classe) 
tentariam uma redistribuição através de mecanismos inflacionários. A inflação, portanto, não 
geraria riqueza, só a (re) distribuiria. Num manual de vulgarização, lê‐se: “Inflação é a alta dos 
preços.  Ela  degrada  a  qualidade  das  escolhas  dos  agentes  econômicos  (que)  podem,  por 
exemplo,  conceder  com  excessiva  facilidade  aumentos  de  salários,  superiores  aos  ganhos  de 
produtividade. Podem se endividar demais, para investir demais. O melhor é, pois, estabilizar 
as antecipações de preços”.  
A teoria quantitativa da moeda (a teoria clássica da inflação), explica a inflação por uma única 
causa: o excesso de papel‐moeda emitido. Houve depois sucessivas reformulações da teoria: 
outros  fatores  foram  considerados,  como  a  rapidez  de  circulação  da  moeda,  o  emprego,  o 
encaixe bancário, a renda líquida, a renda gasta, a industrialização do ouro, etc. A formulação 
keynesiana surgiu como uma variante da teoria quantitativa (no quadro de uma teoria geral da 
renda). Em sua General Theory of Employment, Interest and Money, de 1936, Keynes afirmou 
que  o  nível  geral  dos  preços  era  determinado  pela  relação  entre  as  despesas em  moeda  e  o 
volume  dos  bens  e  serviços  produzidos:  a  inflação  não  era  um  fenômeno  exclusivamente 
monetário; Keynes elaborou uma teoria conjuntural da inflação, tentando explicar o fenômeno 
na produção de bens, na sua circulação, no comércio exterior, na distribuição de renda.  
A teoria marxista situou a inflação no contexto geral da acumulação capitalista, considerando‐
a sob uma tripla perspectiva: a depreciação da moeda, a alta geral dos preços e a diminuição 
do preço real do trabalho. O traço fundamental do processo inflacionário é a própria redução 
do valor da força de trabalho, idéia antagônica às concepções baseadas na teoria da renda, em 
suas  diversas  formas  (oferta  versus  procura,  demanda  global  versus  oferta  global,  espiral  de 
preços e salários, etc.). Enquanto a teoria da renda e suas variantes afirmam que o processo 
inflacionário  se  inicia  no  instante  em  que  a  renda  monetária  dos  assalariados  se  eleva, 
havendo  um  excesso  de  demanda  sobre  a  oferta  dos  produtos,  a  teoria  marxista  estabelece 
que  o  processo  inflacionário  começa  quando  a  renda  dos  assalariados  se  reduz  pela 
depreciação da moeda.  
A  perda  do  poder  aquisitivo  da  moeda  depende  da  estrutura  geral  da  economia  e  da 
sociedade. Para Marx: "Tratando‐se do papel‐moeda de curso forçado, ninguém pode impedir 

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o Estado de pôr em circulação um número qualquer de cédulas e dar a essas cédulas nomes 
monetários  arbitrários:  1  libra  esterlina,  5  libras,  20  libras.  etc.  Mas  este  poder  do  Estado  é 
apenas aparente. Ele pode à vontade jogar na circulação uma quantidade qualquer de cédulas 
com  nomes  arbitrários;  mas  seu  controle  não  ultrapassa  esse  ato  mecânico.  Dominado  pela 
circulação, o signo do valor, o papel‐moeda, sofre suas leis imanentes".  
A  questão  da  forma  monetária  do  capital  refere‐se  ao  financiamento  da  produção. 
Incorporada à lógica da acumulação de capital, a função monetária de meio de circulação se 
transforma  numa  função  de  capital‐dinheiro,  capaz  de  conformar  um  valor  econômico  que, 
pelas  exigências  internas  do  seu  próprio  movimento,  adquire  novas  formas.  Sem  a  forma 
dinheiro  não  seria  possível  a  renovação  constante  dos  fatores  da  produção  capitalista:  tal 
forma é também imprescindível para que as mercadorias possam ser realizadas como valores 
de uso pelos seus consumidores. 
O financiamento da acumulação de capital, referente à renovação ampliada da riqueza social 
(mercadorias) implica uma série de problemas de realização provenientes do modo específico 
da  produção  capitalista.  A  contradição  entre  os  atos  de  compra  e  venda,  relacionada  à 
manutenção de estoques, criação de falsos custos ou faux frais (custos de conservação), exige, 
junto às necessidades sociais ampliadas, concentração e centralização de capitais, bem como 
remete  à  questão  do  entesouramento  e  do  crédito.  Segundo  Marx:  "O  entesouramento 
desempenha  diversas  funções  na  economia  de  circulação  metálica.  A  função  mais  próxima 
decorre  das  condições  de  curso  da  moeda  de  ouro  e  prata.  Com  as  continuas  oscilações  da 
circulação  das  mercadorias  em  volume,  preços  e  velocidade,  a  quantidade  de  dinheiro  em 
curso diminui e aumenta infatigavelmente. É necessário, portanto, que seja capaz de contrair‐
se  e  expandir‐se.  Para  que  a  massa  de  dinheiro  realmente  circulante  corresponda,  a  todo 
momento, ao grau de saturação da esfera de circulação, é necessário que o quantum de ouro e 
prata existente num país exceda o quantum absorvido pela função monetária. Essa condição é 
satisfeita por meio do dinheiro em forma de tesouro".  
Marx refere‐se à produção e circulação de mercadorias em geral e, por isso mesmo, também à 
produção capitalista. No âmbito da reprodução ampliada de capital, dados os limites imediatos 
das  inversões  (financiamento)  possíveis,  formam‐se  reservas  monetárias  ‐  também 
determinadas pelos diferentes tempos de rotação do capital fixo e circulante. A centralização 
de  capitais  e  o  crédito,  particularmente,  permitem  a  mobilização  de  estoques  de  capitais 
necessários  à  ampliação  da  produção.  Por  diversos  canais  fluem  recursos  monetários  antes 
dispersos, agora agrupados por obra do crédito. A divisão dos recursos, porém, não elimina a 
necessidade de uma "poupança social" inibidora de "perturbações inflacionárias" (Suzanne de 
Brünhoff).  O  desideratum  da  produção  capitalista  é  a  criação  de  valor  novo,  cujo  signo  é  o 
dinheiro (substituído em certas funções por signos dele mesmo). O valor de uso é tão somente 
a base necessária para dar suporte à mediação social dos diversos produtos, o valor de troca.  
Mas a existência contraditória do valor de uso e do valor implica uma antítese entre a utilidade 
de um bem, e a sua necessidade de autonomia externa, como trabalho diretamente social. A 
mercadoria  é  a  forma  em  que  a  antinomia  pode  se  movimentar.  Um  produto  é  realizado 
quando  é  vendido:  o  primeiro  ato,  a  venda  (M  ‐  D),  explicita  a  circulação  da  mercadoria 
transacionada;  o  segundo  ato,  a  compra  (D  ‐  M),  demonstra  um  processo  oposto,  o 
movimento do dinheiro, sempre percorrendo como meio circulante, enquanto as mercadorias 
desaparecem  na  esfera  do  consumo:  "O  dinheiro  afasta  as  mercadorias  constantemente  da 
esfera de circulação, ao colocar‐se continuamente em seus lugares na circulação e, com isso, 
distanciando‐se  de  seu  próprio  ponto  de  partida.  Embora  o  movimento  do  dinheiro  seja 
apenas  a  expressão  da  circulação  de  mercadorias,  esta  aparece,  ao  contrário,  apenas  como 
resultado do movimento do dinheiro" (Marx).  

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Os desequilíbrios inflacionários são gerados pelas contradições imanentes ao processo cíclico 
de reprodução do capital. A análise da forma mercadoria e de suas antíteses internas explicita 
a possibilidade genérica das crises, inclusive as inflacionárias. A natureza da crise inflacionária 
não  pode  ser  deslocada  do  âmbito  em  que  se  movem  as  contradições  do  processo  de 
acumulação. Foram formuladas teorias que identificaram a inflação e o déficit orçamentário ‐ 
o financiamento desse déficit, entretanto, não é fator explicativo da inflação, pois o aumento 
da  despesa  estatal  acompanhado  do  incremento  do  consumo  privado  (sendo  constante  o 
investimento)  implica  crescimento  da  renda  corrente  ‐  como  o  consumo  aumentou,  o 
diferencial  entre  renda  privada  e  gastos  públicos  aumenta  com  o  próprio  déficit  (Kalecki). 
Outras  teorias  enfatizam  o  controle  das  autoridades  monetárias  sobre  a  compra‐venda  de 
títulos públicos, ou na determinação da percentagem de encaixe (depósitos obrigatórios) e na 
emissão de moeda legal. 
A  explosão  e  crescimento  generalizado  dos  preços  encontram  compreensão  no  âmbito  das 
próprias  contradições  da  acumulação  de  capital.  A  escassez  de  oferta  nos  períodos  de 
saturação  da  capacidade  instalada,  em  face  do  crescimento  da  demanda,  gera  inflação. 
Destarte,  o  pleno  emprego  não  é  proporcional  à  oferta  de  bens  de  consumo,  e  qualquer 
aumento  nominal  de  salário  não  resgata  seu  poder  real  de  compra  anterior  à  espiral 
inflacionária.  O  mesmo  vale  para  os  capitalistas,  concorrentes  cada  vez  mais  pelos  limitados 
recursos disponíveis ‐ seus custos sobem. A Curva de Philips, que associa a taxa de inflação e a 
taxa  de  desemprego,  como  inversamente  proporcionais,  foi  praticamente  refutada:  no  início 
da década de 1970, a ocorrência simultânea de inflação e estagnação nos EUA demonstrou a 
insuficiência da abordagem “ortodoxa” da inflação. 
Por  outro  lado,  a  ênfase  na  hipertrofia  do  setor  financeiro  da  economia,  com  aumento 
permanente  de  recursos  monetários  invertidos  fora  do  âmbito  do  capital  produtivo,  dribla  a 
importância  do  chamado  setor  “real”  da  economia.  Cada  vez  é  menor  o  crescimento  do 
produto  social;  são  poucos  os  investimentos,  o  que  gera  pontos  de  estrangulamento  na 
economia  ‐  qualquer  aumento  de  demanda  não  pode  ser  satisfeito  por  uma  ampliação  da 
produção: os preços sobem. A reprodução ampliada de capital subsume o aspecto concreto e 
material  da  acumulação:  a  renovação  dos  fatores  de  produção.  Toda  ampliação  de  capitais 
invertidos no setor financeiro, embora seja rentável do ponto de vista do capital individual, é 
deletéria  do  ponto  de  vista  do  processo  global  de  reprodução.  A  mera  e  progressiva 
substituição de ativos reais por ativos financeiros, estimulada pela inflação permanentemente 
alta, corrói a longo prazo a economia, desembocando na destruição da moeda: a insuficiência 
crônica  de  oferta  em  face  da  demanda  implode  os  preços  ‐  nem  é  necessário  dizer  que 
também  a  fuga  das  inversões  do  setor  produtivo  gera  diminuição  relativa  do  produto  social, 
desemprego  estrutural,  fome,  solidão  e  miséria.  O  caráter  improdutivo  do  setor  financeiro 
evidencia que as crises e a inflação relacionam‐se com a produção real: só no âmbito do capital 
produtivo  cria‐se  mais‐valia;  todo  o  excedente  “criado”  pelo  setor  financeiro,  os  lucros 
auferidos pelo capital nesta esfera, são deduções da riqueza social. 
A  acumulação  financeira  em  descompasso  com  as  taxas  de  investimento  na  base  produtiva 
gera a situação de taxas de lucro elevadas, inversões produtivas baixas, a taxa de juros como 
referência  para  a  formação  de  preços,  estagnação  e  inflação.  A  contradição  entre  a  lógica 
empresarial  e  a  “lógica  macroeconômica”  não  deve  ocultar  que  a  própria  “racionalidade 
microeconômica”  do  capitalista  é  a  manifestação  do  processo  automático  e  sem  sujeito  da 
valorização  do  valor‐capital,  de  quem  o  capitalista  é  personificação:  "Quanto  mais  agudas  e 
freqüentes se tornam as revoluções de valor, tanto mais se impõe, atuando com a violência de 
um processo natural elementar, o movimento automático do valor tornado autônomo em face 
da previsão e do cálculo do capitalista individual, e tanto mais se torna o curso da produção 
normal vassalo da especulação anormal; e tanto maior se torna o perigo para a existência dos 
capitais individuais” (Marx). O processo inflacionário é um fenômeno automático e endógeno, 

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manifestação  das  contradições  imanentes  à  acumulação,  a  inflação  é  só  mitigada  com  o 
controle  de  preços  (que  gera  “inflação  latente”),  cortes  orçamentários,  reajustes  fiscais:  a 
inflação é um fenômeno que afeta todas as relações econômicas, especialmente aquelas que 
observam diferenças no tempo, porque nela a moeda deixa de cumprir uma de suas principais 
funções: ser reserva de valor. 
Numa  situação  de  desequilíbrio  crônico  entre  demanda  global  e  oferta  global  (com  prejuízo 
desta)  a  inflação  dos  preços  é  perene  como  forma  de  ajuste.  Mas  isto  não  tipifica  a 
hiperinflação. Os movimentos dos preços não se dão simultaneamente e em curto período, o 
que  caracteriza  a  "hiper".  A  renda  é  redistribuída  aos  setores  que  auferem  aumentos  dos 
preços  de  seus  produtos  num  dado  momento.  Os  trabalhadores,  por  sua  vez,  dependem  da 
luta  de  classes  para  reajustar  ou  aumentar  seus  salários.  O  ajuste  inflacionário  não  é 
harmônico  e  impõe  perdas  reais  a  curto  e  longo  prazo,  pois  os  trabalhadores  não  podem 
repassar aos salários a elevação dos preços dos seus meios de subsistência da mesma forma 
que os capitalistas repassam às suas mercadorias os aumentos de seus custos. 
A Especificidade Histórica Alemã 
A  crise  econômica  alemã  da  primeira  metade  da  década  de  1920  foi,  de  um  lado,  um 
fenômeno  “nacional”,  compreensível  na  sua  especificidade  (o  caos  monetário  alemão  como 
expressão  concentrada  dos  problemas  mal  resolvidos  da  constituição  tardia  da  Alemanha 
como  nação  independente),  mas  foi  também,  por  outro  lado,  um  fenômeno  “internacional”, 
uma  expressão  da  fragilidade  da  prosperity  capitalista  mundial  no  seu  “elo  mais  fraco”  (a 
principal nação derrotada na primeira conflagração bélica mundial). 
Na  era  moderna,  Alemanha  chegou  tardiamente  ao  cenário  histórico  europeu.  Carlos  V, 
senhor do maior império europeu desde Carlos Magno,6 não conseguiu impor‐se na ebulição 
interna do país. Depois da sua abdicação, seu “império mundial” foi dividido. Os proto‐estados 
nacionais da Europa Ocidental e os estados territoriais alemães constituíam a Europa do século 
XVI. Na Europa, a primeira revolução burguesa, a Reforma e o Renascimento, acompanhou o 
aparecimento  do  Estado  nacional  e  a  emancipação  do  campesinato.  Mas,  nem  o  Estado 
nacional, nem a emancipação do campesinato, tiveram lugar na Alemanha,  nos séculos  XV  e 
XVI.  Engels  considerou  que  a  guerra  camponesa  foi  um  fenômeno  apenas  alemão:  "A 
revolução de 1525 foi um assunto particular da Alemanha": "o principal efeito da guerra dos 
camponeses  foi  tornar  mais  aguda  e  consolidar  a  divisão  política  da  Alemanha,  esta  mesma 
divisão que havia sido a causa do seu fracasso". Alemanha participou apenas parcialmente, no 
plano espiritual, do primeiro ciclo, ou fase inicial, da revolução burguesa européia.7 
Com a Paz de Westfalia (1648), Alemanha perdeu territórios para a França e a Suécia; e houve 
o desmembramento da Suíça e da Holanda do império. “Alemanha” concedia seus aos estados 
                                                            
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 Este tinha sido estabelecido pelo seu avô, o imperador Maximiliano I de Habsburgo, “rei dos romanos” desde 1493, eleito 
imperador do Sacro Império Romano‐Germânico em 1508. A dispersão territorial e as diferenças entre os territórios do 
patrimônio  dos  Habsburgo  obrigaram  Maximiliano  a  unificar  a  ordem  legal,  administrativa  e  militar,  além  de  realizar 
pactos internacionais. Morto em 1519, Maximiliano foi sucedido pelo seu neto Carlos de Gante, que encabeçaria o Império 
com o nome de Carlos V.  
7
 Engels afirmou: “A longa luta da burguesia européia contra o feudalismo culminou em três grandes e decisivas batalhas. 
A primeira foi a Reforma protestante na Alemanha. A segunda grande insurreição da burguesia encontrou no calvinismo 
uma  doutrina  pormenorizada  e  talhada  à  sua  medida.  A  explosão  deu‐se  em  Inglaterra.  Foi  posta  em  marcha  pela 
burguesia das cidades, mas foram os camponeses médios ‐ a yeomanry ‐ que a fizeram triunfar. É bastante curioso que, 
nas três grandes revoluções da burguesia, tenha sido o campesinato a fornecer as tropas de combate e a ser precisamente 
a classe que, depois de se alcançar o triunfo, sai arruinada infalivelmente pelas conseqüências econômicas desse triunfo... 
A grande Revolução Francesa foi a terceira insurreição da burguesia; a primeira que rejeitou totalmente o manto religioso, 
travando todas as suas batalhas no campo abertamente político; foi também a primeira que levou realmente o combate 
até o aniquilamento de um dos combatentes, a aristocracia, e ao triunfo completo do outro, a burguesia. Na Inglaterra, a 
continuidade das instituições pré‐revolucionárias e pós‐revolucionárias e o compromisso entre os grandes latifundiários e 
os  capitalistas  encontraram  a  sua expressão na  continuidade  dos precedentes  judiciais  e na  conservação  respeitosa das 
formas legais de feudalismo”. 

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todos os direitos essenciais de soberania em questões religiosas e seculares, permitindo‐lhes 
formar alianças com parceiros internacionais. No século XVII, os estados territoriais alemães, 
quase  soberanos,  adotaram  o  absolutismo,  caracterizado  por  um  soberano  com  poderes 
ilimitados, estruturas administrativas rígidas, economia financeira organizada e a formação de 
exércitos  permanentes.  Os  principais  eram  Baviera,  Brandemburgo,  Saxônia  e  Hannover.  Ao 
longo  do  período,  os  imperadores  da  Alemanha  fracassaram  em  suas  tentativas  de  criar  um 
Estado  centralizado  e  cederam  cada  vez  mais  autonomia  a  seus  vassalos.  Mais  de  300 
baronatos,  cidades  livres,  condados,  ducados,  principados,  e  outros  Estados  grandes  ou 
pequenos,  tornaram‐se  independentes  para  quase  todos  os  efeitos,  incluindo  sistemas 
monetários.  No  inicio  do  século  XVIII,  havia  na  Alemanha  170  sistemas  monetários 
independentes. A maioria dos sistemas monetários da Alemanha (e Escandinávia), porém, era 
baseado no Thaler ou táler, cunhado pela primeira vez no Tirol, em 1486.8  
A  Áustria,  que  conseguira  conter  a  invasão  turca  e  havia  incorporado  a  Hungria  e  parte  dos 
Bálcãs, tornou‐se uma grande potência. No século XVIII, ela ganhou um rival, a Prússia, que se 
formara a partir de Brandemburgo, e se transformou numa grande potência militar durante o 
reinado  de  Frederico,  o  Grande  (1740‐1786).  A  Revolução  Francesa  contribuiu  para 
desmoronar o Sacro Império em 1806, mas seu impacto não chegou a se alastrar na Alemanha, 
devido  à  estrutura  federal  do  Império.  Atacado  pelo  exército  de  Napoleão  Bonaparte,  o 
Império  sucumbiu  definitivamente.  A  França  anexou  a  margem  esquerda  do  Reno.  A 
reorganização territorial deu‐se à custa dos principados menores e dos religiosos. Os estados 
médios  foram  beneficiados,  unindo‐se  em  1806  na  Liga  Renana  (ou  Confederação  do  Reno). 
No  mesmo  ano,  o  imperador  Francisco  II  abdicou  da  coroa,  pondo  fim  ao  Sacro  Império 
Romano‐Germânico.  A  oposição  aos  franceses  acabou  dando  asas  ao  “espírito  nacional” 
alemão.  A  abolição  da  vassalagem,  a  liberdade  profissional,  a  autonomia  municipal,  a 
igualdade perante a lei e o serviço militar obrigatório, foram implantadas nos estados da Liga 
Renana e mais tarde também na Prússia. 
O Congresso de Viena (1814–1815) estabeleceu uma nova ordem na Europa, após a vitória da 
reação  aristocrática  contra  Napoleão.  A  aspiração  a  um  Estado  nacional  alemão  não  se 
concretizou.  A  Liga  Alemã  era  uma  união  de  estados  soberanos  pouco  coesos.  O  seu  único 
órgão, a Dieta de Frankfurt, não era um parlamento eleito, e sim um congresso de delegados. 
A  Liga  só  podia  agir  com  o  beneplácito  das  duas  grandes  potências,  Prússia  e  Áustria;  nas 
décadas  seguintes,  reprimiu  todas  as  tentativas  de  unificação  e  liberdade.  De  1815  a  1848  a 
Santa  Aliança  (Prússia,  Rússia  e  Áustria,  com  apoio  inglês)  impediu  os  Estados  confederados 
                                                            
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 O nome dessa moeda era uma abreviação de Joachimsttlaler, por ter sido originalmente cunhada com prata da mina de 
Joachimsthal na Boêmia, anexada ao ducado da Áustria após a guerra dos 30 anos. Seu nome também deu origem ao daler 
dos países escandinavos e ao dólar norte‐americano (o táler, na peculiar pronuncia dos yankees), que na origem nada mais 
era  que  o  peso  espanhol,  aproximadamente  equivalente  ao  táler.  O  táler  da  Áustria  ‐  Speciesthaler  ou  táler  padrão  ‐ 
dividia‐se em 2 Gulden, 120 Kreuzer, 480 Pfennig ou 960 Heller. Em alguns estados dentro da esfera de influência austríaca, 
cunhavam‐se também moedas chamadas Albus. Dois táleres austriacos equivaliam a um ducado de ouro de 3,5 gramas a 
98,6% (23 quilates e 2/3). O Speciesthaler tinha 28,82 gramas de prata até 1753, quando uma convenção celebrada entre a 
Áustria  e  alguns  principados  alemães  de  sua  área  de  influência  definiu  uma  moeda  comum  chamada  Conventianthaler, 
com  28,0668  gramas  de  prata  de  20  quilates.  Isso  equivalia  a  exatamente  10  táleres  por  marco  (unidade  de  peso 
equivalente a 233,855 g) de prata pura. Os Conventionthalers cunhados pela Áustria tornaram‐se uma moeda de ampla 
circulação internacional, principalmente no Oriente Médio e África do Norte, onde foram chamados bir (na Etiópia) ou de 
riyal.  Esta  última  palavra  era  uma  arabização  do  nome  da  moeda  espanhola  real,  pois  o  peso  espanhol  era  também 
chamado peça de 8 reales. Dentro da fragmentada Alemanha, o ducado protestante da Prússia, depois promovido a reino, 
após  as guerras  napoleônicas,  tornou‐se hegemônico  na  Alemanha do  Norte,  onde muitos  Estados  haviam  adotado seu 
sistema  monetário,  também  baseado  no  Thaler.  O  táler  prussiano  ou  Reichsthaler  (táler  do  Estado)  valia  menos  que  o 
austríaco  ‐  pesava  22,272  gramas  de  prata  de  18  quilates;  a  razão  de  troca  era  mais  ou  menos  1,4  Reichsthalers  por 
Conventionthaler  ‐  e  sua  subdivisão  era  diferente:  1  Reichsthaler  =  1,5  Gulden  =  24  Silbergroschen  =  288  Pfennig  =  576 
Heller. Fazia parte desse sistema uma moeda de ouro chamada Goldgulden, com 3,25 gramas de ouro a 77% (18% quilates) 
equivalente  a  2  Reichstaler  e  outra  chamada  pistola,  que  continha  6,682  gramas  de  ouro  a  90,3%  (21  quilates  e  2/3)  e 
equivalia a 5 táleres prussianos. Havia estados que, apesar de se situarem no norte da Alemanha, conservavam sistemas 
que nada tinham a ver com o prussiano, e estavam relacionados ao Speciedaler dinamarquês, equivalente ao Speciesthaler 
austriaco, como os de Schlewig‐Holsteín e das cidades livres hanseáticas de Hamburgo e Lübeck. 

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germânicos  de  manter  qualquer  espécie  de  autodeterminação  democrática.  Fez  caminho  a 
idéia de uma centralização do poder com a criação de um Estado germânico, sob uma única 
monarquia.  Em  1834,  foi  fundada  a  União  Alfandegária  Alemã  (Zollverein),  que  tentou 
implantar  um  mercado  nacional  e,9  em  1835,  foi  inaugurada  a  primeira  estrada  de  ferro 
“nacional”.  Começava  a  industrialização  e,  com  as  fábricas,  formou‐se  uma  nova  classe 
operária  fabril.  O  forte  crescimento  demográfico  levou  a  um  excedente  de  mão‐de‐obra.  A 
massa dos operários vivia na miséria, e não demorou para se organizar. 
A  revolução  européia  de  1848  teve  eco  na  Alemanha.  Insurreições  populares  em  todos  os 
estados  da  federação  obrigaram  os  príncipes  a  concessões.  A  unificação  proposta  pelos 
democratas  parecia  um  projeto  revolucionário  para  renovar  o  Reich,  unificando  a 
confederação em um Estado nacional. As reivindicações dos insurgentes logo deram lugar ao 
discurso que deu o tom do projeto de unificação alemã. Além da liberdade de pensamento e 
de  imprensa,  a  revolução  conquistou  o  compromisso  dos  reis  germânicos  em  promulgar 
constituições  e  estabelecer  ministérios  liberais.  Em  maio  de  1848,  para  promulgar  a 
Constituição  de  Estado  alemão  unificado,  foi  convocado  o  Parlamento  de  Frankfurt,  com 
delegados de todos os Estados da Confederação. Na contramão dos demais Estados, a Prússia 
se posicionou no sentido oposto.  
Era  o  início  do  fracasso  da  Assembléia  Nacional  ou  Parlamento  alemão:  "A  sua  convocação 
tinha sido a primeira prova de que tinha havido efetivamente uma revolução na Alemanha... 
Eleito sob a influência da classe capitalista por uma população rural desmembrada e dispersa, 
na maioria, mal acordando do mutismo feudal, este Parlamento serviu para trazer para a arena 
política,  num  só  órgão,  todos  os  grandes  nomes  populares  de  1820‐1848,  e  depois  para  os 
arruinar  totalmente.  Todas  as  celebridades  do  liberalismo  da  classe  média  estavam  aí 
reunidas;  a  burguesia  esperava  maravilhas;  colheu  vergonha  para  si  própria  e  para  os  seus 
representantes...  O  liberalismo  político,  o  regime  da  burguesia,  tanto  sob  uma  forma  de 
governo  monárquica  como  republicana,  é  para  sempre  impossível  na  Alemanha",  concluiu 
Engels.  Em  1848,  como  no  começo  do  século  XVI,  com  Lutero,  a  Alemanha  só  conseguiu  se 
igualar  à  Europa,  e  até  mesmo  se  colocar  em  sua  dianteira,  no  plano  do  espírito,  do 
pensamento religioso e filosófico. 
Em Berlim, apoiado pelos junkers (elite latifundiária), o rei prussiano dissolveu o parlamento e 
promulgou uma nova constituição, que privilegiava os membros da aristocracia, estabelecendo 
uma  câmara  aristocrática  nomeada  pelo  soberano,  e  outra  composta  através  de  voto 
censitário.  Em  julho,  a  Assembléia  de  Frankfurt  deliberou  a  formação  de  um  governo 
provisório.  O  impasse  se  resolveu  numa  reviravolta  na  Assembléia  que,  em  março  de  1849, 
ofereceu  a  coroa  ao  rei  prussiano,  Frederico  Guilherme  IV.  Nas  palavras  de  Trotsky:  “A 
burguesia alemã, desde o princípio, bem longe de fazer a revolução, dissociou‐se dela. A sua 
consciência dirigia‐se contra as condições objetivas da sua própria dominação. A revolução não 
podia ser feita por ela, mas só contra ela. As instituições democráticas representavam, no seu 
espírito, não um objetivo pelo qual combatesse, mas uma ameaça para o seu bem‐estar”.10 
                                                            
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  Era um  mercado  comum da  Prússia  com 25  outros estados  do  norte  da  Alemanha  que,  em  1839,  adotou uma  moeda 
chamada  Vereinsthaler  (táler da união),  definida  como  18,5595  gramas  de prata a  90%,  de  modo que  14 táleres  faziam 
exatamente  um  marco  de  prata.  O  Vereinsthaler  passou  a  dividir‐se  em  30  Groschen,  360  Pfennig  e  720  Heller.  Alguns 
estados  alemães  do  sul,  liderados  pela  Baviera  e  Wurttemberg,  formaram  um  mercado  comum  sul‐alemão  e  adotaram 
como  padrão  um  Gulden  ou  florim;  24,5  florins  equivaliam  a  14  táleres  prussianos.  Nas  décadas  seguintes,  continuou  a 
rivalidade entre Áustria e Prússia, mas a primeira gradualmente perdeu terreno. Em 1842, houve uma tentativa de unificar 
os padrões monetários do norte e do sul da Alemanha com uma moeda única, o Vereinsmünze (moeda da união) ou duplo 
táler,  valendo  2  táleres  ou  3,5  florins,  mas  o  projeto  não  foi  além  disso.  A  Áustria  tentou  aderir  ao  Zollverein,  mas  foi 
rejeitada pela Prússia. Em 1857, houve um acordo monetário entre os três padrões vigentes na Alemanha: o Vereinsthaler 
foi  redefinido  como  18,5186  gramas,  para  se  adequar  melhor  ao  sistema  decimal:  30  táleres  passaram  a  conter 
exatamente ½ kg de prata pura, equivalentes a 52,5 florins do sul da Alemanha, ou 45 florins austríacos. 
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  Disse  Trotsky:  “O  proletariado  era  ainda  fraco  demais:  faltavam‐lhe  organização,  experiência  e  conhecimentos.  O 
capitalismo  tinha  se  desenvolvido  o  suficiente  para  tornar  necessária  a  abolição das  velhas  relações  feudais,  mas não  o 

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O “centro” liberal, que visava uma monarquia constitucional com direito eleitoral limitado, era 
a  força  dominante  na  Assembléia,  dividida  entre  a  chamada  "grande  solução"  e  a  "pequena 
solução", ou seja, um império alemão com ou sem  a Áustria. A  constituição  aprovada previa 
que  o  governo  imperial  prestasse  contas  ao  parlamento.  A  Assembléia  Nacional  ofereceu, 
como  vimos,  ao  rei  da  Prússia  a  coroa  hereditária  do  Império  Alemão.  Mas  o  soberano  não 
quis  aceitar  a  dignidade  concedida  por  uma  revolução.  Em  maio,  fracassaram  os  levantes 
populares  que  pretendiam  impor  a  constituição  "de  baixo  para  cima".  Selada  a  derrota  da 
revolução  alemã,  a  maioria  das  conquistas  democráticas  foi  anulada,  e  em  1850  foi 
restabelecida a Liga Alemã. 
Unificação Nacional, Capitalismo e Guerra 
O  desenvolvimento  econômico  registrado  a  partir  de  meados  do  século  XIX  favoreceu  a 
unificação  nacional,  tornando  a  Alemanha  um  país  industrial,  com  destaque  para  a  indústria 
pesada e a construção de máquinas. Na vanguarda desse desenvolvimento estava a Prússia. A 
pujança econômica, por sua vez, fortalecia a consciência política da burguesia liberal. O Partido 
Progressista Alemão, fundado em 1861, tornou‐se a principal força no parlamento da Prússia, 
opondo‐se  muitas  vezes  ao  governo.  Por  volta  de  1850  o  reino prussiano  reuniu  39  Estados; 
em  1853,  a  renovação  da  União  Aduaneira,  que  mais  uma  vez  excluía  a  Áustria,  provocou  a 
acelerada inserção dos Estados da Confederação Germânica na industrialização. 
Foram  criados  pólos  industriais,  que  se  transformaram  nos  grandes  distritos  industriais  da 
Saxônia,  Renânia,  Westfalia  e  Silésia.  O  distanciamento  social  em  relação  à  classe  burguesa 
acentuou a luta de classes, com a conversão de antigos camponeses em operários nas cidades, 
e  a  transformação  de  antigos  redutos  agrários  e  pastoris  em  centros  industriais  urbanos. 
Prússia,  em  1856,  contabilizava  500  milhões  de  francos  em  capital  de  sociedades, 
restabelecendo  a  pujança  dos  decadentes  junkers  e  nobres,  que  passaram  de  arruinados 
proprietários  de  terras  à  promissores  administradores  industriais.  O  desenvolvimento 
econômico  se  acentuou  de  1860  a  1870,  com  relevante  aumento  do  volume  do  comércio 
exterior.  Empossado  em  1862  como  chanceler,  Otto  von  Bismarck  governou  contra  o 
parlamento e sem um orçamento próprio. Para impor novas taxas, e assim financiar a reforma 
militar, recorreu a medidas repressivas, censura da imprensa e restrição do direito de reunião. 
Os  êxitos  na  política  exterior  compensaram  a  fraca  posição  de Bismarck  na  política  nacional. 
Ao vencer a guerra contra a Dinamarca (1864), a Alemanha obteve os territórios de Schleswig‐
Holstein, no norte, passando a administrá‐los de modo conjunto e conflituoso com a Áustria. O 
conflito  acabou  levando  a  uma  guerra  contra  a  Áustria,  que  saiu  derrotada  (1866).  A  Liga 
Alemã  foi  dissolvida  e  substituída  pela  Liga  Setentrional  Alemã,  que  reunia  todos  os  estados 
germânicos ao norte do Rio Meno. 
O desenvolvimento do movimento operário e socialista ocorria em paralelo. Em 1864, morria 
Ferdinand Lassalle, líder dos socialistas alemães, fundador da primeira organização política de 
trabalhadores na Alemanha (a Allgemeinen Deutschen Arbeitervereins). Este primeiro “partido 
socialista” continuou a reivindicar sua memória e defender seus princípios.  Seus sucessores na 
presidência do partido, Bernhard Becker (entre 1864 e 1867) e Johann Baptist von Schweitzer 
(de 1867 a 1871), conseguiram expandir a organização (que em 1864 possuía 4.600 membros, 
espalhados em 50 agrupamentos; em 1875 o número de membros chegou a 15.322) através 
do trabalho de divulgação e propaganda, no qual o jornal Sozialdemokrat teve um importante 
papel. Marx e Engels passaram a dirigir críticas e alertar para o "caminho falso" trilhado pela 
organização  lassalleana.  Esta,  para  Marx,  "era,  simplesmente,  uma  organização  sectária".  O 
seu apego à política realista (Realpolitik) culminaria na acomodação à situação existente, em 
                                                                                                                                                                              
bastante  para  levar  ao  primeiro  plano,  como  força  política  decisiva,  à  classe  operária,  nascida  das  novas  relações 
industriais. No caso da Alemanha, o antagonismo entre o proletariado a burguesia tinha ido longe demais para permitir à 
segunda assumir sem temor o papel de dirigente da nação, e não o suficientemente longe para permitir ao proletariado 
assumi‐lo no seu lugar”. 

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que, nas palavras de Marx, “o movimento operário na Prússia (e, em conseqüência, no resto 
da Alemanha) só existe por uma concessão da polícia. Querem, por isso, tomar as coisas como 
são e evitar provocar o governo”.   
Prússia  transformou  o  Zollverein  numa  Federação  da  Alemanha  do  Norte  sob  sua  liderança.  
Depois  de  derrotar  a  França,  na  guerra  franco‐prussiana  de  1870,  Prússia  tornou‐se  a  maior 
potência  militar  da  Europa  continental  e  impôs  aos  outros  estados  alemães  (exceto  Áustria, 
Luxemburgo e Liechtenstein), a unificação num novo Império Alemão (o II Reich) liderado pelo 
rei  da  Prússia,  completando  a  unificação  da  Alemanha  no  sentido  da  "pequena  solução",  e 
conquistando a Alsácia e a Lorena da França.11 Em Versalhes, o rei Guilherme I da Prússia foi 
proclamado  imperador  (Kaiser)  da  Alemanha,  em  janeiro  de  1871:  “A  unidade  alemã  é  um 
acontecimento  mais  importante  do  que  a  Revolução  Francesa  do  século  passado”,  disse  o 
premiê britânico Disraeli. A unidade alemã, portanto, não resultou da vontade do povo, mas 
de um pacto entre os príncipes, isto é, "de cima para baixo" e com a supremacia esmagadora 
da Prússia. O parlamento, o Reichstag, era eleito por sufrágio (censitário), mas tinha influência 
limitada.  O  chanceler  do  Império,  embora  só  prestasse  contas  ao  imperador,  era  obrigado  a 
procurar  apoio  para  a  sua  política  no  parlamento.  Tratava‐se  de  um  aparelho  de  Estado 
centralizado na figura do Kaiser. A estrutura política do império permaneceu inalterada até o 
término da Primeira Guerra Mundial. 
Escrevendo  em  1874,  Engels  afirmou:  "A  desgraça  da  burguesia  alemã  consiste  em  que, 
seguindo  o  costume  favorito  alemão,  chegou  demasiado  tarde...  Desse  modo  à  Prússia 
correspondeu  o  peculiar  destino  de  culminar  no  final  deste  século,  e  na  forma  agradável  do 
bonapartismo,  sua  revolução  burguesa  que  se  iniciou  em  1808‐1813,  e  que  deu  um  passo  à 
frente  em  1848.  E  se  tudo  caminha  bem,  se  o  mundo  permanece  quieto  e  tranqüilo,  e  nós 
chegarmos à velhice, talvez em 1900 vejamos que o governo prussiano acabou realmente com 
as  instituições  feudais  e  que  a  Prússia  alcançou  por  fim  a  situação  em  que  se  encontrava  a 
França em 1792".  
Em 1875, no Congresso de Gotha, as duas organizações políticas dos operários socialistas da 
Alemanha, os eichenianos (marxistas) e lassalianos, fundiram‐se em um único partido. Nasceu 
assim o Partido Socialdemocrata da Alemanha (Sozialistische Partei Deutschland, SPD). Apesar 
das críticas da Marx e Engels ao programa aprovado, no qual os socialistas internacionalistas 
haviam  feito  concessões  injustificáveis  às  idéias  de  Lassalle,  ele  representou  um  importante 
acontecimento para o proletariado alemão, que agora dispunha de um forte instrumento para 
se lançar na luta política. A Associação Geral dos Operários Alemães tinha sido o grupo mais 
numeroso  na  fusão  que  deu  origem  à  socialdemocracia  alemã.  Na  década  seguinte,  o  SPD 
obteve resultados eleitorais importantes, obtendo 12 cadeiras no parlamento federal. Os votos 
socialdemocratas  alemães  pularam,  em  1874,  para  372.000;  em  1877,  para  493.000.  O 
“reconhecimiento”  desses  progressos  pelo  governo  Bismarck  foi  a  “lei  contra  os  socialistas”, 
dissolvendo as organizações centrais e locais, assim como os jornais do partido. O partido foi 
momentaneamente destroçado. Em 1881, concorrendo às eleições de modo mutilado, o seu 
número de votos desceu até 312.000. Mas o SPD se recuperou e, ainda sob o peso da Lei de 
Exceção,  sem  imprensa,  sem  organização  legal,  sem  direito  de  associação  e  de  reunião, 
recomeçou, no entanto, a difundir‐se com rapidez, obtendo novas vitórias eleitorais: em 1884, 
550.000  votos;  em  1887,  763.000;  em  1890,  1.427.000.  A  socialdemocracia  se  transformou 
assim  no  maior  partido  político  da  Alemanha,  e  em  exemplo  mundial  para  o  movimento 
operário. Suportando a dupla ofensiva da repressão e da legislação social editada pelo governo 

                                                            
11
 Monetariamente, a ruptura com o passado foi simbolizada pela adoção de uma nova moeda, o marco de 100 Pfennig, 
cujo valor era sustentado em boa parte por ouro obtido através das indenizações de guerra pagas pela França: um marco 
passou a ser equivalente a 0,3982 gramas de ouro com título de 90%. Os táleres continuaram a circular, como moedas de 
três  marcos.  A  Áustria  ficou  fora  dessa  unificação,  mas  também  redefiniu  seu  Gulden  segundo  o  padrão  ouro,  0,80645 
gramas de ouro a 90% até 1892, quando criou uma nova moeda chamada Krone ou coroa. 

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para  silenciar  a  classe  operária  militante,  o  SPD  sobreviveu  e  cresceu  através  de  suas 
organizações sociais ‐ esportivas, de lazer ‐, de um jornal impresso no exterior e de congressos 
realizados  fora  da  Alemanha.  E  emergiu  da  ilegalidade,  quando  da  revogação  das  leis 
repressivas,  em  1890,  mais  forte  do  que  nunca,  chegando  perto  de  1,5  milhão  de  eleitores, 
18% do total de votantes. 12 
Não eram uniformes as leis eleitorais: em onze estados existia o sistema eleitoral por classes, 
dependente  dos  impostos  pagos  pelo  eleitor  e,  em  outros  quatro,  mantinha‐se  a 
representação  por  corporações.  Bismarck  governou  o  Império  por  19  anos,  fortalecendo  sua 
posição  na  Europa  através  de  uma  política  de  paz  e  de  alianças.  Bismarck  combateu,  no 
interior,  a  ala  esquerda  da  burguesia  liberal,  os  políticos  católicos  e,  principalmente,  o 
movimento operário organizado, que reprimiu, pondo os socialistas na ilegalidade, e terminou 
vítima do seu próprio sistema: o jovem imperador Guilherme II forçou‐o à demissão, em 1890. 
Sob seu reinado, a Alemanha procurou recuperar o terreno perdido na corrida imperialista das 
grandes  potências.  A  participação  do  país  no  movimento  colonial,  porém,  deu‐se  em 
proporções  modestas,  no  Togo,  Camarões,  o  Sudoeste  Africano  e  os  territórios  da  África 
Oriental Alemã. 
Alemanha  concluía  tardiamente  sua  revolução  burguesa,  já  na  era  imperialista  do  capital.  O 
processo de “modernização” da Prússia iniciara‐se, em 1808‐1813, como resposta às invasões 
napoleônicas; aprofundara‐se, a partir de 1848, como resposta à revolução desse mesmo ano, 
e culminara na unificação em 1870. Nos três momentos, a transformação se fez sempre "por 
cima",  pelas  mãos  do  Estado.  Alemanha  ingressara,  apesar  de  tudo,  no  caminho  da 
transformação capitalista, através da “unificação sob a égide da Prússia”.13  
O desenvolvimento econômico levou a um aumento da população (de 41 milhões, em 1871, 
para 61 milhões, em 1910), com grande aumento da exportação. A siderurgia desenvolveu‐se 
com  firmas  poderosas,  como  Krupp  e  Thyssen.  Na  indústria  química,  os  fertilizantes 
melhoravam  a  agricultura  e  os  explosivos  repercutiam  no  campo  militar,  ampliando  a 
produção  armamentista.  A  indústria  se  organizou  com  base  em  monopólios  (konzern).  As 
ferrovias  mais  do  que  triplicaram  em  40  anos,  até  atingir  61  mil  quilômetros  em  1910;  a 
interligação  ferroviária  com  outros  países  colocou  a  Alemanha  no  centro  de  uma  rede 
européia. A construção de canais melhorou a rede fluvial e houve grande ampliação das linhas 
marítimas e da marinha mercante.  

                                                            
12
 A conquista de uma legislação social avançada para a época, um nível considerável de liberdades políticas, a importância 
da luta legal, das eleições e da atuação parlamentar fizeram brotar no SPD tendências favoráveis à revisão dos conceitos 
revolucionários de Marx. Os chamados “revisionistas”, liderados por Bernstein, argumentaram, a partir de 1896, que os 
operários haviam‐se tornado cidadãos. Através do voto, conquistariam a maioria do parlamento e através de uma nova 
legislação  reformariam  e  superariam,  lenta,  gradual  e  pacificamente  o  capitalismo.  Bernstein  afirmou  que  o  avanço  do 
capitalismo não estava levando a um aprofundamento das diferenças entre as classes; que o sistema capitalista não iria 
entrar nas crises sucessivas que o destruiriam e abririam caminho ao socialismo; e que a democracia burguesa permitiria 
que os partidos operários conseguissem todas as reformas necessárias para assegurar o bem‐estar dos trabalhadores, sem 
necessidade de uma ditadura do proletariado. As opiniões de Bernstein não iam, porém, muito além de uma prostração 
diante do fait accompli da expansão imperialista, da melhora da situação econômica da classe operária metropolitana e do 
caráter mais complexo da dominação política burguesa através de métodos democráticos.Estas idéias seriam derrotadas 
em 1903 no Congresso que o SPD realizou em Dresden mas continuavam muito fortes no interior do partido, sobretudo 
entre as lideranças sindicais. Em 1910, Rosa Luxemburgo falaria de novas tendências revisionistas que se manifestavam na 
subestimação da ação de massas e no privilégio dado às reformas parlamentares e às negociações sindicais. 
13
  Para  Engels,  "Bismarck  realizou  a  vontade  da  burguesia  alemã  contra  a  vontade  desta  (...)  Os  burgueses  alemães 
continuavam a mover‐se na sua famosa contradição: por um lado, reivindicavam o poder político para si sós. Por outro 
lado, reclamavam uma transformação revolucionária das estruturas da Alemanha ‐ o que só era possível com o recurso à 
violência, logo com uma verdadeira ditadura. Ora, desde 1848, a burguesia, em todos os momentos decisivos, deu sempre 
a prova de que não possuía nem sombra da energia necessária para realizar uma dessas tarefas, quanto mais as duas (...) 
Esse  conflito,  foi  resolvido  graças  à  revolução  da  Alemanha  por  cima.  Nas  condições  alemãs  de  1871,  Bismarck  estava 
efetivamente voltado a conduzir uma política de tergiversação entre as diversas classes. A única coisa que importava era 
saber que objetivo prosseguia a sua política. Se, qualquer que fosse o seu ritmo, ela se dirigisse para o reinado final da 
burguesia, estaria em harmonia com a evolução histórica”. 

  13
Paralelamente, crescia a rede bancária. O novo capital financeiro teve seu centro de expansão 
na Alemanha. A classe trabalhadora passou a organizar‐se legalmente em sindicatos, desde o 
fim da lei anti‐socialista de Bismarck, em 1890. O SPD (partido socialista) virou a maior força 
partidária,  com  milhões  de  eleitores  filiados,  mas  o  Reichstag  não  exercia  nenhum  controle 
sobre  o  governo.  Na  classe  burguesa  e  nas  classes  médias  um  intenso  nacionalismo  se 
expandiu.  O  imperador  definiu  a  seguinte  máxima:  "Política  mundial  como  missão,  potência 
mundial  como  objetivo,  esquadra  como  meio".  A  ênfase  dada  à  marinha  decorria  da 
concorrência com a Inglaterra e da intensificação dos interesses coloniais germânicos.  
Em  1900,  uma  nova  lei  naval  dobrava  o  poderio  marítimo  alemão.  Não  só  se  aguçava  a 
rivalidade  econômica  anglo‐alemã,  mas  também  surgiam  preparativos  militares,  que 
caracterizaram  o  ano  1913,  em  que  se  definiram  os  que  seriam  os  principais  adversários  do 
conflito  mundial:  Alemanha  e  Áustria,  contra  Inglaterra,  França  e  Rússia.  O  assassinato  do 
sucessor do trono austríaco, em junho de 1914, desencadeou a Primeira Guerra Mundial. 
A aquiescência do SPD foi decisiva para evitar uma crise política interna (e internacional) pela 
deflagração da guerra. Ela acompanhou a capitulação da Internacional Socialista. A orientação 
dos dirigentes da Internacional Socialista, nos Congressos realizados a partir de 1907, era que 
os trabalhadores tentassem ao máximo, em seus países, evitar a deflagração do conflito. Caso 
isso não fosse possível, como vimos, deveriam aproveitar o momento “para precipitar a queda 
do capitalismo”. 
Até 1914 o SPD crescera com o capitalismo alemão. Nas eleições de 1912, alcançou cerca de 
4,3 milhões de votos, 34,8% do total ‐ 49,3% nas grandes cidades ‐, e elegeu a bancada mais 
numerosa no parlamento (110 deputados). Às vésperas da guerra, o SPD tinha pouco mais de 1 
milhão de filiados, 30 mil quadros profissionalizados, 10 mil funcionários, 203 jornais com 1,5 
milhão de assinantes, dezenas de associações esportivas e culturais, movimentos de juventude 
e a principal central sindical. A confederação geral dos trabalhadores alemães, sob sua direção, 
tinha 3 milhões de filiados. Mas esta força impressionante não foi posta na balança para evitar 
a guerra, contrariando as decisões prévias da Internacional Socialista. 
Em 1915, na prisão real da Prússia onde estava presa por suas atividades anti‐militaristas, Rosa 
Luxemburgo  estigmatizou  a  capitulação  do  socialismo  alemão  em  4  de  agosto  de  1914,  ao 
votar  os  créditos  de  guerra,  em  seu  panfleto  A  Crise  da  Social  Democracia:  "Os  interesses 
nacionais não passam de uma mistificação que tem por objetivo colocar as massas populares 
trabalhadoras  a  serviço  de  seu  inimigo  mortal:  o  imperialismo.  A  paz  mundial  não  pode  ser 
preservada  por  planos  utópicos  ou  francamente  reacionários,  tais  como  tribunais 
internacionais  de  diplomatas  capitalistas,  por  convenções  diplomáticas  sobre 
“desarmamento”,  “liberdade  marítima”,  supressão  do  direito  de  captura  marítima,  por 
“alianças  políticas  européias”,  por  “uniões  aduaneiras  na  Europa  Central”,  por  Estados‐
tampões  nacionais  etc.  O  proletariado  socialista  não  pode  renunciar  à  luta  de  classe  e  à 
solidariedade  internacional,  nem  em  tempos  de  paz,  nem  em  tempos  de  guerra:  isso 
equivaleria a um suicídio. (...) O objetivo final do socialismo só será atingido pelo proletariado 
internacional  se  este  enfrentar  em  toda  a  linha  o  imperialismo  e  fizer  da  palavra  de  ordem 
“guerra à guerra” a regra de conduta de sua prática política, empenhando aí toda a sua energia 
e toda a sua coragem". 
Na  guerra,  Alemanha  viu‐se  obrigada  a  lutar  em  duas  frentes:  a  rápida  derrota  da  França, 
como  previa  o  plano  de  guerra  dos  alemães,  não  teve  lugar;  depois  da  derrota  alemã  na 
batalha  do  Marne,  a  luta  estagnou.  Uma  guerra  de  trincheiras  culminou  em  batalhas  sem 
sentido, no oeste, com enormes perdas de material e de vidas. Desde o começo da guerra, o 
imperador e os primeiros‐ministros passaram ao segundo plano, com os militares (o marechal 
Paul von Hindenburg e o general Erich Luddendorf, sobretudo) dando as cartas.  

  14
Foi durante a guerra mundial que teve início a descontrolada emissão monetária na Alemanha. 
Segundo  Adam  Ferguson,  “os  primeiros  passos  da  inflação  tiveram  lugar  sob  os  auspícios  de 
KarI Helfferich, secretario de Estado para as Finanças de 1915 a 1917”. Até 1914, a política de 
crédito do Reichsbank fora regida pela lei bancária de 1875, que obrigava a que não menos de 
um  terço  das  notas  emitidas  estivesse  respaldado  por  ouro,  e  o  restante  por  promissórias 
emitidas  para  três  meses,  adequadamente  garantidas.  Em  agosto  de  1914  foram  tomadas 
medidas  para  financiar  a  guerra  e  evitar  a  perda  das  reservas  de  ouro:  suprimiu‐se  a 
conversibilidade em ouro das notas emitidas pelo Banco Central (e conclamou‐se à população 
a entregar todo o ouro que possuísse – jóias, enfeites, etc. – ao Banco Central). Para financiar a 
guerra  recorreu‐se  a  empréstimos  bancários,  cujos  fundos  eram  fornecidos  pelo  simples 
sistema  de  fazer  funcionar  a  máquina  de  imprimir  notas.  Os  bancos  podiam  emprestar  às 
empresas, aos estados federados, às prefeituras e às novas corporações de guerra, e podiam 
até  antecipar  dinheiro,  alavancado  em  futuras  emissões  de  bônus  de  guerra.  No  período  da 
crise  bélica,  o  Reichsbank,  banco  central  alemão,  como  todos  os  outros  bancos  centrais, 
suspendeu o lastro do marco alemão em ouro com o intuito de impedir a pulverização de suas 
reservas.  O  governo  alemão  preferiu  pedir  emprestadas  as  quantias  necessárias  para  seu 
funcionamento ao Reichsbank, que simplesmente passou a comprar a maior parte dos títulos 
do Tesouro, ao invés de ter de aumentar substancialmente os impostos. Só depois de 1916 os 
impostos começaram a ser usados para o esforço bélico. 
A  guerra  decidiu‐se  com  a  entrada  dos  Estados  Unidos,  em  1917.  Luddendorf,  contudo, 
ignorou que  o país estava completamente exaurido, insistindo, até setembro de 1918, numa 
"paz vitoriosa". O sentido profundo da guerra aparecia em fatos e processos situados fora da 
dimensão  puramente  militar  ou  geopolítica:  nas  ilusões  nacionalistas  de  combatentes  e 
populações,  transformadas,  depois  de  quatro  anos  de  sofrimento  inéditos,  em  desejo  de 
vingança.  O  fim  da  guerra  foi  precipitado  pelo  “grande  medo”  provocado,  nos  dois  lados  do 
conflito, pela explosão da revolução russa e, sobretudo, pelo início da revolução na Alemanha, 
com  sua  capital  e  suas  principais  cidades  governadas  por  conselhos  operários,  e  com  motins 
nas próprias tropas do front.  
Foi  esse  o  fator  que  precipitou  uma  “paz”  não  inteiramente  lógica  em  termos  militares  ou 
diplomáticos, uma paz que consagrava a derrota alemã (e dos Impérios Centrais), uma derrota 
ainda  não  clara  no  campo  de  batalha  (e  assim  o  entendiam  muitos  dos  seus  oficiais).  E  uma 
vitória dos “aliados” (a Entente + EUA) mesquinha, que alguns dos seus generais (notadamente 
o  comandante  das  tropas  norte‐americanas,  “Black  Jack”  Pershing)  pretendiam  transformar 
em vitória total, impondo a rendição incondicional do Reich e a ocupação militar da Alemanha, 
em especial de sua capital, Berlim, para evitar futuras guerras (o que foi evitado em 1918, mas 
seria  o  desfecho  da  Segunda  Guerra  Mundial).  A  rebelião  social,  transformada  em  revolução 
(com  a  vitória  bolchevique  na  Rússia,  e  a  queda  do  Kaiser,  seguida  da  proclamação  da 
república, na Alemanha), se impôs, tragicamente (o chefe da delegação alemã que assinou o 
Armistício  de  1918,  Mathias  Erzberger,  seria  assassinado  pouco  tempo  depois  por  militares 
nacionalistas),  sobre  a  razão  diplomática  tradicional,  suscitando  todo  tipo  de  reações 
contraditórias nos políticos, chefes militares e simples combatentes. 
A  vitória  revolucionária  russa  mudou  o  cenário  da  guerra,  e  todo  o  cenário  político  mundial, 
em primeiro lugar nos países beligerantes. Depois da revolução vitoriosa de outubro 1917 na 
Rússia,  a  Alemanha  passou  a  ser  o  principal  campo  de  batalha  da  revolução.  Aí  a  batalha 
decisiva  foi  travada.  O  movimento  revolucionário  na  Alemanha  quase  conseguiu  provocar  a 
queda da dominação de classe da burguesia alemã. A onda revolucionária mundial se iniciou 
como  oposição  à  Primeira  Guerra  Mundial;  e  isso  apenas  três  anos  depois  da  maior  derrota 
política do movimento operário internacional: a falência da Internacional Socialista pelo apoio 
dos  partidos  social‐democratas  aos  créditos  de  guerra  solicitados  pelos  governos  europeus, 
avalizando  assim  sua  aprovação  à  guerra  e  seu  alistamento  em  um  ou  outro  campo 

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imperialista.  Os  sindicatos  assumiram  essa  política,  mobilizando  o  proletariado  no  massacre 
dos  seus  irmãos  de  classe  além  das  fronteiras.  Para  os  revolucionários  de  então,  o 
fundamental era que fosse a classe operária que colocasse um termo à guerra pela revolução 
(os  bolcheviques  defenderam  esse  desfecho  com  a  política  do  “derrotismo  revolucionário”). 
Qualquer outro cenário de final de guerra teria significado, e significou de fato, somente um 
"cessar‐fogo" até a próxima guerra. 
Todas as questões básicas que empurraram Alemanha à Primeira Guerra Mundial em 1914 — 
acesso a mercados e matéria‐prima para sua indústria dinâmica, e a reorganização da Europa 
sob  sua  hegemonia  —  continuaram  sem  solução.  Além  de  terem  perdido  a  guerra  com  um 
tremendo custo de vidas humanas e recursos materiais, a Alemanha foi obrigada pelo Tratado 
acordo  de  Versalhes  a  pagar  quantias  imensas  em  reparação  ao  seu  maior  rival,  a  França, 
assim como a outras potências. Keynes, membro da delegação inglesa às negociações de “paz” 
tornou‐se  notório  por  afirmar,  em  As  Conseqüências  Econômicas  da  Paz,  a  impossibilidade 
alemã de pagar as reparações: “É tão inconveniente para Alemanha, como para os aliados, que 
ela  não  saiba  o  que  tem  que  pagar,  nem  eles  o  que  têm  para  receber.  O  método  que 
aparentemente  se  propõe  o  Tratado,  chegar  ao  resultado  final  pela  adição  de  centenas  de 
milhares de reclamações individuais por danos... é impraticável; o procedimento razoável teria 
sido,  para  ambas  as  partes,  um  entendimento  para  chegar  a  uma  soma  arredondada  sem 
examinar os detalhes. Se essa soma tivesse sido precisada no Tratado, o arranjo teria sido feito 
sobre uma base parecida a uma transação mercantil. Isso era impossível porque foram feitas 
duas classes de afirmações falsas: quanto à capacidade de Alemanha para pagar; e quanto à 
soma das justas reclamações dos aliados. Uma cifra que tivesse fixado a possível capacidade de 
Alemanha  para  pagar,  que  não  excedesse  os  cálculos  das  autoridades  más  sinceras  e  bem 
informadas,  teria  estado  desesperadamente  longe  das  esperanças  populares,  tanto  de 
Inglaterra  como  da  França”.  Keynes,  contra  a  lenda  atual  a  respeito,  estimou  que  Alemanha 
poderia pagar entre cinco e oito bilhões de libras esterlinas, uma cifra bem perto daquela que 
foi finalmente fixada. 
Após  suportar  quatro  anos  de  uma  guerra  extremamente  cara  do  ponto  de  vista  humano  e 
econômico, a Alemanha não tinha mais escolha a não ser aceitar o armistício. A Bulgária, sua 
aliada,  já  havia  capitulado,  e  os  turcos  se  lançavam  a  uma  guerra  de  pilhagem  no  Cáucaso, 
contrapondo‐se  aos  projetos  alemães  iniciais.  Alemanha  fora  extremamente  afetada  pelo 
conflito,  principalmente  no  âmbito  econômico,  pelo  bloqueio  naval  imposto  pelos  seus 
inimigos,  que  interrompeu  as  relações  comerciais  com  os  tradicionais  clientes  da  indústria 
alemã.  Conseqüentemente,  a  economia  deixou  de  ser  predominantemente  exportadora, 
voltando  sua  atividade  para  o  mercado  interno  e  para  os  países  vizinhos,  neutros  durante  o 
conflito.  Com a derrota, Alemanha perdeu 13% de seu território, 10% de sua população, 15% 
de  suas  áreas  agricultáveis,  consideráveis  parcelas  de  suas  reservas  de  aço,  cerca  de  10%  da 
produção  industrial  e  36%  da  produção  carbonífera.  As  perdas  humanas  também  foram 
elevadas. Morreram em conseqüência do conflito cerca de 1,8 milhões de pessoas, outras 4,2 
milhões  sofreram  ferimentos  graves:  a  Alemanha  sofreu  duramente  com  baixas  taxas  de 
natalidade no pós‐guerra. 
Depois do armistício de 1918, o Tratado de Versalhes foi assinado em 26 de junho de 1919: foi 
uma  “paz”  imposta  aos  perdedores  antes  que  uma  situação  negociada,  já  nenhum 
representante  alemão  ou  austríaco  foi  admitido  às  conferências  até  que  os  documentos 
estivessem  prontos  para  serem  assinados.14  A  principal  cláusula  do  Tratado  impunha  à 
Alemanha toda a responsabilidade pelos danos e perdas sofridas pelas nações vencedoras. A 
Alemanha  foi  desarmada:  antes  mesmo  da  assinatura  do  armistício,  as  potências  aliadas  já 
                                                            
14
 "Isso não é paz. Isso é um armistício por vinte anos", comentou o Marechal Foch (Comandante Supremo dos Exércitos 
Aliados  na  França)  a  respeito  do  Tratado  de  Versalhes,  precisando  quase  matematicamente  o  início  da  Segunda  Guerra 
Mundial (21 anos depois do armistício). 

  16
haviam  decidido  o  que  fazer  com  a  marinha  de  guerra  alemã.  No  entanto,  prevendo  a 
possibilidade de ver seus navios reforçando as marinhas aliadas ‐ principalmente a italiana e a 
francesa  ‐  os  alemães  afundaram  sua  frota  assim  que  ficou  claro  que  os  navios  não 
retornariam.  As  cláusulas  militares  impunham  à  Alemanha,  a  abolição  do  serviço  militar 
obrigatório; a redução do exército a 100 mil homens, com somente 4 mil oficiais; a proibição 
do uso de tanques, da aviação militar e da artilharia pesada, além da destruição das obras de 
fortificação alemãs. A marinha alemã estava proibida de possuir submarinos e foi obrigada a 
entregar  seus  navios  de  guerra  e  embarcações  auxiliares.  Limitando‐se  a  1500  oficiais,  a 
Alemanha  via  sua  força  marítima  se  reduzir  a  seis  encouraçados,  seis  cruzadores  leves,  doze 
destróieres e doze torpedeiros. 
À  medida  que  os  delegados  alemães  assinaram  o  armistício,  a  notícia  do  fim  do  conflito  se 
espalhou pelo mundo. Nas cidades alemãs, os soldados voltavam da frente de batalha e eram 
recebidos  por  grandes  manifestações  populares.  Os  anos  imediatamente  após  a  guerra,  de 
1918  a  1921,  caracterizaram‐se  por  uma  série  de  levantamentos  revolucionários  que  foram 
abafados pelos esforços, freqüentemente  conjuntos, da social‐democracia  (SPD) e das forças 
paramilitares de direita.  
A Revolução de Novembro de 1918 
“Em  qualquer  hipótese,  sob  quaisquer  circunstâncias,  se  a  revolução  alemã  não  acontecer, 
estaremos  condenados”  –  assim  se  expressava  Lênin  em  fevereiro  de  1918,  logo  depois  do 
nascimento da Rússia Soviética. Em finais de 1917, na Alemanha, já tinham acontecido greves 
massivas em solidariedade com a revolução russa. Em 1918, o proletariado na Rússia esperava 
ardentemente  a  revolução  na  Alemanha,  perspectiva  apoiada  pelas  greves  massivas 
estourando nas grandes cidades alemãs. Entretanto, isso era somente o prelúdio da revolução. 
Os  soldados  estavam  cansados  da  guerra,  muitos  desertavam  enquanto  a  população  na 
retaguarda  sofria  de  fome.  A  Revolução  Russa  espalhara  a  idéia  dos  conselhos  operários,  no 
interior  das  fábricas  ou  com  funções  especificamente  políticas.  Na  Alemanha,  durante  a 
revolução  que  se  iniciou  em  fins  de  1918,  havia  cerca  de  dez  mil  conselhos,  em  sua  maioria 
influenciados pelo SPD (Partido Socialdemocrata). 
A derrota bélica significou o final do império dos Hohenzollern, no qual o governo não devia 
responder  ao  parlamento.  Quando,  a  5  de  outubro  de  1918,  se  anunciou  que  a  Alemanha 
pedia  um  armistício,  o  movimento  pela  paz  cresceu  com  a  velocidade  de  uma  avalanche, 
houve demonstrações contra a guerra; a 3 de novembro, insurgiram‐se os marinheiros de Kiel; 
a  9  de  novembro,  os  operários  berlinenses  desceram  às  ruas  e,  junto  com  os  soldados 
revolucionários, apossaram‐se da cidade. Os conselhos eram, de fato, senhores da situação nas 
cidades, até o começo de 1919: podiam controlar a situação como fator de governo, ainda que 
seu  poder  fosse  limitado.  Em  geral  não  tinham  sido  eleitos,  mas  formados  com  base  num 
acordo entre os órgãos dos dois partidos social‐democratas. Na Alemanha Central, em Berlim, 
na  bacia  do  Rühr,  os  conselhos  controlavam,  nos  primeiros  meses,  a  produção,  e  limitavam 
fortemente  o  poder  dos  capitalistas  nas  empresas.  O  primeiro  congresso  nacional  dos 
conselhos dos operários e dos soldados, que se reuniu de 16 a 21 de dezembro, decidiu confiar 
ao governo o poder legislativo e o executivo até a convocação de uma assembléia nacional.  
A questão da liderança revolucionária apresentava‐se complexa. Em 1915, em plena guerra e 
vigência  da  onda  patriótica,  formara‐se  o  Gruppe  Internationale,  mais  tarde  chamado  de 
Spartakusbund  [Liga  Espártaco],  mas  sua  líder,  Rosa  Luxemburgo,  não  rompeu  então 
formalmente com o SPD. Seu slogan era: "Não abandone o partido, mude o rumo do partido". 
Em  1915,  os  espartacistas  rejeitaram  o  chamado  de  Lênin  por  uma  nova  internacional  na 
Conferência  de  Zimmerwald  e,  mais  tarde,  em  março  de  1919,  o  delegado  do  KPD  para  o 
primeiro  congresso  da  Terceira  Internacional  (Comunista),  Hugo  Eberlein,  absteve‐se  na 

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votação para a fundação de uma nova internacional. Ele fora instruído pelo KPD a votar contra, 
mas foi persuadido em Moscou de que a decisão era correta, motivo pelo qual se absteve.  

 
Rosa Luxembrugo 

Quando surgiu o USPD (Unabhangige Sozialdemokratische Partei Deutschlands), Partido Social‐
Democrata  Alemão  Independente,  fundado,  em  abril  de  1917,  por  deputados  do  SPD  ao 
Reichstag, que foram expulsos do partido por se recusarem a votar por novos créditos para a 
guerra, Luxemburgo e a Liga Espártaco uniram‐se a essa organização “centrista” como fração. 
Fizeram isso apesar do fato de que entre os lideres mais proeminentes do USPD estavam Karl 
Kautsky,15  e  Eduard  Bernstein,  líder  teórico  do  “revisionismo”  anti‐revolucionário  alemão. 
Luxemburgo justificou isso em um artigo, declarando que a Liga Espártaco não se uniu ao USPD 
para dissolver‐se em uma oposição enfraquecida: "Ela se uniu ao novo partido — confiante no 
agravamento cada vez maior da situação social e trabalhando por isso — para impulsionar o 
partido adiante, para ser sua consciência encorajadora... e para tomar a liderança do partido" 
(Paul Frölich).  
Rosa  Luxemburgo  atacou  severamente  a  “Esquerda  de  Bremen”,  comunista  —  liderada  por 
Karl  Radek  e  Paul  Frölich  —  que  se  recusou  a  entrar  para  a  USPD  e  a  descreveu  como  uma 
perda  de  tempo.  Ela  denunciou  sua  defesa  de  um  partido  independente  como  um 
Kleinküchensystem ["sistema de pequenas cozinhas", no sentido da fragmentação] e escreveu: 
"É uma pena que esse sistema de pequenas cozinhas esqueceu‐se do principal, as condições 
objetivas, que, em última análise, são decisivas e serão decisivas para a ação das massas... Não 
é  suficiente  que  um  punhado  de  pessoas  tenha  a  melhor  receita  em  seus  bolsos  e  saibam 
como  conduzir  as  massas.  O  pensamento  das  massas  deve  ser  libertado  das  tradições  dos 
últimos 50 anos. Isso só é possível com um grande processo de continua autocrítica interna do 
movimento  como  um  todo".  Foi  somente  em  dezembro  de  1918,  um  mês  depois  que  três 
líderes do USPD uniram‐se a um governo provisório, liderado pelos lideres da direita do SPD, 
Friedrich  Ebert  e  Philipp  Scheidemann,  que  os  espartacistas  romperam  com  o  USPD.  O 
Governo  de  Ebert  tornar‐se‐ia  o  executor  da  revolução  de  novembro.  Ele  logo  se  aliou  ao 
comando militar. O USPD, que já tinha cumprido seu papel, não era mais necessário. No final 
                                                            
15
  Nascido  em  Praga,  Karl  Kautsky  (1854  ‐  1938)  foi  uma  das  mais  importantes  figuras  da  história  do  marxismo,  tendo 
editado o quarto volume do Das Kapital, de Karl Marx, e as Teorias de Mais‐Valia. Kautsky estudou história e filosofia na 
Universidade de Viena em 1874, e se tornou membro do Partido Social Democrático da Áustria (SPÖ) em 1875. Em 1882, 
Kautsky fundou a revista Die Neue Zeit ("Tempo Novo"), da qual foi editor até 1917. De 1885 a 1890, ele viveu em Londres, 
onde ele se tornou amigo de Friedrich Engels. Em 1891 ele co‐redigiu o Programa de Erfurt do Partido Social Democrata da 
Alemanha (SPD) com August Bebel e Eduard Bernstein. Após a morte de Friedrich Engels em 1895, Kautsky se tornou um 
dos  mais  importantes  e  influentes  teóricos  do  socialismo.  Mais  tarde,  no  entanto,  adotou  uma  posição  de  centro  no 
interior da socialdemocracia alemã, quando Rosa Luxemburgo e a esquerda do partido se separaram em 1916 devido ao 
apoio do partido à participação da Alemanha na guerra mundial. No entanto, diferentemente da direita do seu partido, 
não  sustentou  esta  posição  patriótica  até  o  fim  da  guerra.  Em  1917  Kautsky  mudou  de  opinião,  deixando  o  SPD 
brevemente até 1922,  quando  se  filiou  ao  USPD. Pelo seu apoio à  entrada  na  Alemanha  na  Primeira Guerra  Mundial,  e 
suas  posições  crescentemente  reformistas  e  anti‐revolucionárias,  Kautsky  acabou  qualificado  de  "renegado"  por  Lênin. 
Após a guerra, Kautsky escreveu várias críticas ao bolchevismo, Comunismo e Terrorismo (que foi respondida por Trotsky) 
e uma monografia em 1934, Bolchevismo: Democracia e Ditadura. Perdeu cada vez mais importância política, e concluiu 
como uma relíquia de um tempo morto mais do que como um líder político ativo.  

  18
do ano, em meio a violentas lutas revolucionárias, o KPD (Partido Comunista da Alemanha) foi 
finalmente fundado pela Liga Espártaco, pela Esquerda de Bremen, e outras organizações de 
esquerda. 
A revolução não estourou em Berlin, a capital, mas no litoral, em Wilhelmshaven. No dia 4 de 
novembro 1918, uma parte dos marinheiros da frota se sublevou. Os rebeldes foram levados 
para Kiel, onde a execução os esperava, mas foi impedido esse fim trágico. A solidariedade se 
expressou, sendo estimulada por outra parte dos marinheiros, que não participaram nesse ato 
da rebelião. Passaram três dias em discussão, com os operários e os estivadores, sobre o que 
fazer.  No  terceiro  dia,  milhares  de  operários  se  juntaram  a  eles  numa  grande  passeata  de 
demonstração de força. Era o início da revolução cujo destino devia ser decidido em Berlim. Já 
chegavam à capital as tropas do front que tinham sido utilizadas com êxito para massacrar a 
revolução finlandesa, primeira extensão internacional da revolução russa.  
Em  Berlim,  a  9  de  novembro  de  1918,  mais  de  100  mil  operários  saíram  das  fábricas  na 
madrugada,  dirigindo‐se  para  o  centro  da  cidade.  Fizeram  paradas  no  caminho  para  arrastar 
outros  operários,  e  também  diante  dos  quartéis.  Esperavam  o  pior,  mas,  apesar  disso,  a 
determinação era grande para tentar convencer os soldados. Havia cartazes dizendo "Irmãos, 
não  atirem!".  A  tensão  aumentava  e  os  soldados  abriram  os  quartéis,  ajudaram  a  erguer  a 
bandeira vermelha e acompanharam às massas sublevadas. A guerra estava de fato encerrada, 
e tinha início a revolução alemã. Mas a dominação do capital não estava ainda derrubada. 
É impossível provar o que passava pela cabeça de soldados, oficiais e populares durante essa 
semana de novembro de 1918, em que os acontecimentos políticos precipitaram um rápido e 
inesperado desfecho ao conflito que açoitava à humanidade durante os últimos quatro anos e 
meio. Mas é bem provável que o fantasma da Comuna de Paris (1871) passasse pelo cérebro 
do  comandante  supremo  alemão,  o  marechal  Hindenburg,  ele  que  a  tinha  testemunhado 
como jovem oficial prussiano na guerra contra a França (1870‐1871). E um Adolf Hitler, ainda 
anônimo,  ferido  no  leito  de  um  hospital  militar,  mas  muito  mais  “ferido”  interiormente  pela 
notícia da capitulação do Estado Maior alemão, tomava a decisão de se dedicar à política para 
mudar esse desenlace. Os “judeus” já apareciam, na cabeça de Hitler e de outros, como o bode 
expiatório de uma derrota que, aparentemente, carecia de lógica militar.  
Em  novembro  de  1918,  o  motim  dos  marinheiros  de  Kiel  coincidiu  com  a  decisão  do  Estado 
Maior do Kaiser de pedir o armistício. Em poucos dias, a Alemanha ficou coberta de conselhos 
de operários e soldados: o novo chanceler do Reich, o socialista Friedrich Ebert, foi nomeado 
também presidente do “Conselho dos Comissários do Povo”, no qual estavam representados 
os  dois  partidos  socialistas:  o  “oficial”  (SPD)  e  o  “independente”  (USPD),  mais  à  esquerda.  O 
Káiser  alemão  foi  derrubado  pela  revolução  dos  räte,  tradução  do  termo  russo  soviet 
(conselho). Embora o poder não tivesse permanecido nas mãos dos trabalhadores alemães, a 
partir  desse  momento  (novembro  1918),  ficou  rompido  o  isolamento  da  revolução  russa. 
Abriu‐se um período de convulsão social. 
Com  a  revolução,  e  sem  nenhuma  resistência,  imperador  e  príncipes  abandonaram  seus 
tronos, ao final de novembro de 1918. Ninguém levantou a voz em defesa da monarquia, que 
caíra em descrédito. Ao meio dia de 9 de novembro, diante da pressão das massas reunidas na 
frente  do  Reichstag,  o  socialista  reformista  Scheidemann  proclamou  a  república  alemã  livre. 
Pouco  tempo  depois,  Karl  Liebknecht,  principal  dirigente  comunista  junto  com  Rosa 
Luxemburgo,  e  outros  prisioneiros  que  tinham  sido  libertados  pelo  proletariado  insurgido, 
estavam com 100 mil operários na frente do palácio do imperador. Proclamaram a “República 
Socialista”, e chamaram à luta pela revolução mundial.  
Nesse  intervalo,  os  delegados  de  fábrica  ocuparam  uma  sala  do  Reichstag  redigindo  um 
chamamento  aos  soldados  e  operários  de  Berlim  para  que  elegessem,  no  dia  seguinte, 
delegados  ao  conselho  de  operários  e  soldados,  inspirado  no  Soviet  da  Revolução  Russa.  O 

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conselho,  no  entanto,  nomeou  um  governo  socialista  provisório  sob  a  direção  de  Friedrich 
Ebert, chefe da social‐democracia reformista. À noite do mesmo dia, Ebert assinava um acordo 
secreto com o alto comando geral militar com a finalidade de esmagar a revolução. Era o final 
da dominação imperial na Alemanha, mas a batalha real entre o proletariado e o capital estava 
ainda à frente.  
Apesar da revolução do dia 9 de novembro ter sido liderada pelos operários, Rosa Luxemburgo 
chamou  essa  primeira  fase  de  "revolução  dos  soldados",  pois  a  principal  preocupação  tinha 
sido a paz. Uma vez a guerra acabada, a revolução tinha de enfrentar as ilusões dos soldados e 
operários  na  social‐democracia.  Richard  Müller,  delegado  de  fábrica,  eleito  presidente  do 
conselho  geral  dos  operários  e  soldados,  confirmou  que,  nas  reuniões  do  conselho,  muitos 
soldados  queriam  linchar  qualquer  revolucionário  que  qualificasse  a  social‐democracia  como 
contra‐revolucionária.  Apesar  disso,  a  revolução  tinha  criado  conselhos  operários  e  de 
soldados,  órgãos  de  poder.  A  própria  existência  desses  órgãos,  apesar  de  serem  dominados 
pela  social‐democracia  reformista,  constituía  objetivamente  uma  situação  de  duplo  poder 
frente  ao  Estado  capitalista  na  Alemanha.  Apesar  do  fim  da  guerra,  os  problemas  não 
deixavam  de  exigir  uma  solução  urgente:  a  fome,  a  inflação,  as  reduções  de  salário,  a 
aceleração do desemprego.  
O  SPD,  majoritário  nos  conselhos  e  sustentado  pela  Entente  e  a  burguesia  alemã,  estava 
vinculado em segredo à chefia das forças armadas. Fazendo concessões econômicas (jornada 
de  trabalho  de  8  horas)  o  governo  “socialista”  de  Ebert  afastou  o  perigo  do  armamento  do 
proletariado, e conseguiu isolar os espartacistas. Friedrich Ebert, agora o chefe no objetivo de 
evitar  a  revolução,  ligou‐se  à  casta  dos  oficiais  e,  por  outro  lado,  marcou  aos  conselhos  de 
operários e soldados, surgidos espontaneamente, a tarefa de colaborar com a administração 
estatal  tradicional.  A  «tarefa  maior»  dos  conselhos  ‐  afirmava  um  decreto  governamental 
assinado  por  Ebert,  Haase,  Scheidemann,  a  12  de  novembro  de  1918  ‐  «é  impedir  toda  a 
desordem  ou  amotinamento».  A  10  de  novembro,  num  chamado  ao  Exército,  Ebert  havia 
ordenado  aos  conselhos  de  soldados  que  atuassem,  estabelecendo  «o  acordo  mais  estreito 
entre  soldados  e  oficiais».  Bem  podia  o  marechal  Hindenburg  expressar  a  vontade  do  Co‐
mando Supremo de «proceder de comum acordo com o chanceler do Reich, Ebert» a fim de 
«impedir assim a difusão do terrorismo bolchevique na Alemanha». 
Os  social  democratas  majoritários  ‐  os  “independentes”  (USPD)  ‐  estavam  divididos  e 
inclinavam‐se  em  direções  opostas:  consideravam  que  a  máquina  estatal  do  Reich,  e  seu 
aparelho  administrativo,  eram  insubstituíveis,  e  que  o  necessário  não  era  substituir  o 
parlamentarismo burguês pelo Estado dos Conselhos, mas sim democratizar a máquina estatal 
existente. Convocada uma Assembléia Constituinte, ela foi denunciada pelos comunistas como 
uma tentativa de desviar a revolução: o USPD se afastou então do governo de Ebert. 
Com a derrota alemã na guerra, a revolução operária tomara conta do país, a monarquia fora 
abolida.  As  reivindicações  econômicas  tinham  jogado  um  papel  secundário  durante  a 
revolução  de  novembro.  Uma  segunda  fase  combinaria  as  reivindicações  econômicas  e  as 
políticas;  a  contra‐revolução,  entretanto,  não  estava  de  braços  cruzados,  mas  ocupada  em 
preparar o esmagamento da revolução através de provocações. A social‐democracia (SPD) era 
o cérebro dessas manobras, que se apoiavam sobre as ilusões de muitos operários sobre esse 
partido, que consideravam ainda como próprio. O estado de dissolução do exército dificultava 
sua utilização como instrumento do “terror branco”. Foi com o objetivo de assumir essa tarefa 
que  foram  fundados  os  Corpos‐Francos  (Freikorps)  que,  mais  tarde,  constituiriam  a  coluna 
vertebral  do  nazismo.16  A  social‐democracia  justificava  o  terror  branco  na  luta  contra  os 
                                                            
16
 Falando, em suas memórias, sobre um alto chefe das SS nazista (Bach‐Zelewski), um oficial da Wehrmacht (católico e 
anti‐comunista ferrenho), disse: “Alistado ainda jovem durante os últimos anos da Grande Guerra, deixara‐se arrastar, em 
1918‐1919, pela aventura dos corpos francos. Nela perdera não só seus princípios, como todo e qualquer sentimento de 
humanidade” (grifo nosso). 

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“espartacistas  assassinos”.  Ao  mesmo  tempo,  o  principal  jornal  social‐democrata,  Vorwärts, 
instigava abertamente o assassinato de Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo.  
No  dia  6  de  dezembro,  a  sede  do  jornal  espartacista  Rote  Fahne  (Bandeira  Vermelha)  foi 
atacada; e logo depois uma manifestação do Spartakusbund foi atacada de surpresa perto do 
centro  da  cidade;  houve  uma  tentativa  de  deter  e  assassinar  Liebknecht.  Em  reação,  houve 
manifestações  em  solidariedade  em  Berlin  e  greves  na  indústria  pesada  na  Alta‐Silésia  e  em 
Rühr. A segunda ofensiva da contra‐revolução foi o assalto da divisão de marinheiros armados 
que  ocupavam  o  arsenal  em  Berlim.  Esses  marinheiros  tinham  trazido  a  revolução  do  litoral 
para  a  capital.  A  grande  imprensa  acusou  os  marinheiros  de  serem  assassinos,  ladrões  e 
“espartacistas”. Assim que os marinheiros foram atacados, numerosos operários, mulheres e 
filhos,  despertados  pelo  barulho,  chegaram  espontaneamente  para  apoiá‐los.  Muitos  entre 
eles, sem nenhuma arma, ficaram entre os soldados e seus alvos, os marinheiros. Sua coragem 
e  persuasão  fizeram  com  que  os  soldados  baixassem  suas  armas  e  tomassem  as  de  seus 
oficiais.  No  dia  seguinte,  em  Berlim,  houve  a  manifestação  mais  massiva  desde  o  início  da 
revolução, desta vez contra o SPD.  
O SPD e as elites militares perceberam que os ataques diretos contra símbolos da revolução, 
como Karl Liebknecht ou a divisão de marinheiros, só faziam fortalecê‐la, pois resultavam em 
reações de solidariedade e de protesto. É a razão pela qual o alvo da seguinte ofensiva foi o 
chefe de polícia de Berlim, Emil Eichhorn, membro da esquerda da USPD, fração centrista da 
social‐democracia.  A  contra‐revolução  esperava  pouca  solidariedade  dos  operários  para 
Eichhorn, e uma reação limitada do proletariado em Berlim poderia ser esmagada antes dela 
receber o apoio da província. Começou uma campanha contra o prefeito. Eichhorn desafiou a 
decisão do governo, recusando obedecer às ordens do ministro do Interior, e afirmando que 
sua autoridade só podia ser questionada pelo conselho de operários e soldados. A direção do 
USPD  de  Berlim  apoiou  essa  decisão  e  resolveu  resistir,  convocando  as  massas  às  ruas  para 
uma  manifestação  de  protesto.  Os  espartacistas  apoiaram  a  ação  de  rua,  mas  defendendo  a 
greve  geral  e,  mais  importante,  que  as  tropas  do  exército  deveriam  ser  desarmadas,  e  os 
trabalhadores, armados. Os operários entenderam que o ataque ao prefeito era um ataque à 
revolução: 500 mil operários manifestaram em Berlim contra a demissão do prefeito.  
Rote  Fahne,  agora  órgão  do  KPD,  apoiava  a  necessidade  de  novas  eleições  nos  conselhos, 
totalmente  dominados  pelo  SPD  e  pelo  USPD,  para  que  se  refletisse  neles  a  evolução  dos 
operários para as posições da esquerda. Além disso, conclamava o armamento dos operários 
sem  deixar  de  evidenciar  que  a  hora  da  tomada  do  poder  não  tinha  chegado  ainda,  pois  o 
resto  do  país  não  estava  tão  avançado  como  em  Berlim.  Os  acontecimentos  se  precipitaram 
em  janeiro  de  1919.  Os  chefes  revolucionários  se  reuniram  para  dar  objetivos  à  massa  de 
operários que ocupava as ruas de Berlim. Participaram 70 delegados de fábrica (da esquerda 
do USPD e próximos ao KPD), Karl Liebknecht e Wilhelm Pieck pelo KPD e, mais tarde, alguns 
chefes  da  USPD.  Tinham  recebido  relatórios  informando  que  algumas  guarnições  militares 
expressavam vontade em participar da insurreição armada. Os chefes revolucionários estavam 
indecisos.  Chegaram  outras  informações  dizendo  que  os  grandes  jornais,  e  em  particular  o 
Vorwärts,  tinham  sido  ocupados  pelos  operários.  Karl  Liebknecht  se  posicionou  a  favor  da 
tomada imediata do poder. A greve geral foi votada e houve uma grande maioria a favor de 
derrubar  o  governo  e  manter  a  ocupação  dos  jornais.  Além  disso,  fundaram  um  comitê 
provisório  de  iniciativa  revolucionária.  O  proletariado  tinha  caído  na  armadilha.  Logo  foi 
comprovado que os relatórios recebidos eram falsos.  
A direção do KPD ficou consternada quando soube da insurreição proposta, considerada como 
uma  aventura.  As  advertências  de  Rosa  Luxemburgo  contra  uma  insurreição  prematura  não 
tinham  sido  entendidas.  Diante  de  uma  insurreição  prematura,  julgou‐se  que  se  devia,  no 
entanto,  apoiar  à  classe  operária.  Só  a  tomada  do  poder  em  Berlim  podia  impedir  um 
derramamento de sangue. Apesar dos operários terem evoluído para a esquerda desde 1918 e 

  21
desconfiarem cada vez mais da social‐democracia, isso não significava que a liderança política 
estivesse  nas  mãos  do  KPD.  Na  realidade  a  liderança  estava  nas  mãos  da  USPD,  uma  social‐
democracia  “de  esquerda”.  Sua  política  de  oscilações  confundia  os  operários,  especialmente 
quando o “comitê provisório” (do qual os membros do KPD tinham saído) iniciou negociações 
com o SPD em lugar de combatê‐lo. Chegou então o momento esperado pela reação. O terror 
branco  atacou  com  força  através  da  artilharia,  de  assassinatos,  atos  de  violência  contra  os 
operários  e  soldados,  maltratando  mulheres  e  crianças,  e  da  caça  sistemática  contra  Rosa 
Luxemburgo e Karl Liebknecht.17  
Diante da inflação crescente, das demissões, do desemprego massivo, as greves se estenderam 
no país inteiro, particularmente na Alta‐Silesia, na Renânia, em Westfalia (ao longo do Rühr) e 
na Alemanha central. A região do Rühr, especificamente, era muito combativa, com milhões de 
mineiros e operários siderúrgicos implicados nas greves e outras ações. Enquanto as greves se 
expandiam,  a  Berlim  revolucionária  lutava  pela  sua  sobrevivência.  No  dia  15  de  janeiro  de 
1919,  Rosa  Luxemburgo  e  Karl  Liebknecht  foram  detidos  e  brutalmente  assassinados  pelos 
Corpos  Francos,  sob  ordens  do  ministro  do  Interior,  o  social‐democrata  Noske  (o  corpo  de 
Rosa Luxemburgo foi decapitado e esquartejado, só vindo a ser localizado semanas depois).18 
Rosa  Luxemburgo,  Karl  Liebknecht  e  Wilhelm  Pieck  ‐  dirigentes  do  Partido  Comunista  da 
Alemanha  –  haviam  sido  presos  e  levados  para  interrogatório  no  Adlon  Hotel  em  Berlim:  os 
paramilitares  do  Freikorps  levaram‐nos  do  hotel.  Pieck  conseguiu  fugir  e  Rosa  e  Liebknecht 
receberam coronhadas na cabeça e foram colocados dentro de um carro. Durante o percurso, 
os  dois  foram  baleados  na  cabeça,  o  corpo  mutilado  de  Rosa  foi  atirado  no  curso  d'água 
conhecido  como  Canal  do  Exército  Territorial  (Landwehrkanal).  A  imprensa,  incluindo  o 
Vorwärts  do  SPD,  informou  que  Liebknecht  havia  sido  morto  ao  tentar  escapar  e  que  Rosa 
Luxemburgo havia sido linchada pela multidão quando saía do Hotel Eden onde estava presa. A 
                                                            
17
  Karl  Liebknecht  (1871‐1919),  político  e  dirigente  socialista  alemão,  era  filho  de  Wilhelm  Liebknecht,  companheiro  de 
lutas de Marx e Engels. Estudou direito nas Universidades de Leipzig e Berlim, concluindo seu doutorado na Universidade 
de  Würzburg,  em  1897.  Abriu  um  escritório  de  advocacia  e  passou  a  defender  causas  trabalhistas.  Em  1900  aderiu  ao 
Partido Socialdemocrata da Alemanha. Passou a ter intensa militância política e fundou em 1915, juntamente com Rosa 
Luxemburgo  e  outros,  a  Liga  Spartacus,  sendo  expulso  do  SPD  em  1916:  a  Liga  Spartacus  seria  a  base  da  fundação  do 
Partido Comunista da Alemanha (KPD). Em 15 de janeiro de 1919, após o governo socialdemocrata alemão ter colocado as 
cabeças dos “extremistas da esquerda” a prêmio, Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo foram assassinados em Berlim. A 13 
de janeiro de 2008, uma passeata com 70 mil pessoas dirigiu‐se ao cemitério de Friedrichsfelde, em Berlim, somando‐se a 
outras  milhares  de  pessoas  que  foram  ao  cemitério  durante  todo  o  dia  para  homenagear  Karl  Liebknecht  e  Rosa 
Luxemburgo.  
18
  Rosa  Luxemburgo  (1871‐1919),  nascida  na  Polônia,  militante  revolucionária  internacionalista,  era  de  família  judaica. 
Participou na fundação de um grupo marxista no seu país. Tornou‐se, em 1897, uma das primeiras mulheres a concluir o 
curso  de  doutorado  em  ciências  políticas.  Rosa  Luxemburgo  nasceu  num  vilarejo  de  Zamość,  perto  de  Lublin.  Aos  treze 
anos  entrou  na  escola  secundária  para  mulheres  em  Varsóvia,  onde  concluiu  os  seus  estudos  e  iniciou  sua  militância 
política no Partido Revolucionário Proletário. Em 1889, Rosa, devido a sua militância política, fugiu para a Suíça, evitando 
uma detenção iminente. Lá, permaneceu por nove anos e freqüentou a Universidade de Zurique juntamente com outros 
militantes socialistas como Anatoli Lunacharsky e Leo Jogiches (seu marido por mais de 15 anos). Participou da fundação 
do Partido Socialista Polaco (PSP) em 1892. Dois anos depois, rompeu com o PSP e em conjunto com Leo Jogiches e Julian 
Marchlewski  fundou  a  Socialdemocracia  do  Reino  da  Polônia  e  criou  a  revista  Sprawa  Robotnicza  ("A  Causa  Operária"), 
como reação ao nacionalismo do Partido Socialista Polaco. Rosa defendia que a independência da Polônia só seria possível 
através de uma revolução nos impérios da Alemanha, Áustria e Rússia, e que o combate ao capitalismo era prioritário em 
relação à independência nacional. Negava o direito da autodeterminação para as nações, o que a colocava em desacordo 
com Lênin. Rosa casou‐se, em abril de 1897, com Gustav Lueck, filho de um amigo alemão, a fim de conquistar a cidadania 
alemã para o resto de sua vida. O falso casamento durou cinco anos, que era o tempo mínimo estabelecido pela legislação 
do país. Após fixar‐se em Berlim, Rosa tornou‐se uma figura‐chave entre os socialistas europeus. Escreveu obras polêmicas 
e  defendeu  a  espontaneidade  revolucionária  do  proletariado,  que  se  manifestava,  segundo  ela,  através  das  greves  de 
massas  e  os  conselhos  operários,  e  tentando  fixar  o  papel  do  partido  revolucionário,  em  polêmica  com  a  burocracia 
socialdemocrata  e,  por  momentos,  também  com  o  bolchevismo.  Com  a  guerra  mundial,  Rosa  criou,  junto  com  Karl 
Liebknecht,  a  Liga  Spartacus  que,  depois  do  assassinato  de  Rosa,  formaria,  junto  com  uma  fração  do  Partido 
Socialdemocrata  Independente  (USPD),  o  KPD  (Partido  Comunista  da  Alemanha).  Seu  assassinato  pelos  Corpos  Francos 
(Freikorps)  do  exército,  a  mando  do  ministro  socialdemocrata  Noske,  aconteceu  em  janeiro  de  1919.  Os  Freikorps  não 
eram  só  provocadores‐  assassinos  de  aluguel:  foram  também  a  base  social  da  extrema‐direita,  onde  se  recrutaram  as 
primeiras tropas do nazismo, sendo usados inicialmente pela aliança entre o SPD e o Estado Maior do exército alemão, 
contra a revolução soviética e a revolução operária na Alemanha.  

  22
social‐democracia  havia  percorrido  todo  o  caminho  em  direção  à  contra‐revolução.  A  mídia 
disseminava que Rosa Luxemburgo fora linchada pela multidão exasperada, e que Liebknecht 
fora morto quando tentara fugir. No dia 25 de janeiro, Noske proclamou o estado de guerra 
em Berlim, sem ter medo das reações do proletariado. O SPD instalou uma ditadura militar.19  

 
Karl Liebknecht 

A Reação Impossível 
Num  dos  seus  últimos  textos  (A  Ordem  Reina  em  Berlim,  de  janeiro  de  1919),  Rosa 
Luxemburgo  constatava:  “A  ordem  reina  em  Berlim!  proclama  triunfalmente  a  imprensa 
burguesa entre nós, bem como os ministros Ebert e Noske e os oficiais das tropas vitoriosas, 
para quem a gentalha pequeno burguesa de Berlim agita os lenços e emite os seus hurras. A 
glória  e  a  honra  das  armas  alemãs  estão  a  salvo  perante  a  história  mundial.  Os  que 
combateram  miseravelmente  em  Flandres  e  Argonne  podem  agora  restabelecer  o  seu  nome 
mediante  a  brilhante  vitória  atingida  sobre  trezentos  espartacistas  que  lhes  resistiram  no 
prédio  do  Vorwaerts.  As  primeiras  e  gloriosas  irrupções  das  tropas  inimigas  na  Bélgica  e  os 
tempos  do  general  Von  Emmich,  o  imortal  vencedor  de  Liège,  se  tornaram  pálidos  se 
comparadas  com  as  façanhas  dos  Reinhardt  e  os  seus  "camaradas"  nas  ruas  de  Berlim.  Os 
delegados  dos  sitiados  no  Vorwaerts,  enviados  como  parlamentares  para  tratarem  da  sua 
rendição,  foram  destroçados  a  pancadas  de  garrote  pela  soldadesca  governamental,  e  isto 
aconteceu  até  tal  ponto  que  não  foi  possível  reconhecer  os  seus  cadáveres.  Quanto  aos 
prisioneiros,  foram  pendurados  dos  muros  e  assassinados  de  tal  maneira  que  muitos  deles 
tinham  o  cérebro  fora  do  seu  crânio.  Quem  acha  ainda,  depois  destes  fatos,  algum  mistério 
nas  vergonhosas  derrotas  impingidas  pelos  franceses,  os  ingleses  e  os  americanos  aos 
alemães? Spartakus é o inimigo, e Berlim o campo de batalha em que somente sabem vencer 
os  nossos  oficiais.  Noske,  "o  operário"  é  o  general  que  sabe  organizar  a  vitória  ali  onde 
Luddendorf fracassara”. 

                                                            
19
  Gustav  Noske  (1868‐1946),  dirigente  do  SPD,  entre  fevereiro  de  1919  e  março  de  1920  foi  ministro  da  Guerra. 
Organizador do assassinato de Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg, em janeiro de 1919, e um dos principais organizadores 
do  terror  branco  em  janeiro‐março  de  1919,  chamado  a  “Era  de  Noske”.  Num  jornal  do  SPD  da  época,  lia‐se:  “faz‐se  o 
seguinte apelo: «Cidadão, trabalhador! A pátria está à beira do caos. Salvemo‐la! A ameaça não vem do exterior mas do 
interior, do grupo do Spartacus! Mata o seu dirigente! Mata Liebknecht!»”. A 13 de janeiro de 1919 escrevia Artur Zickler 
no  jornal  do  SPD,  Vorwärts:  «Centenas  de  mortos  numa  fila...  mas  Karl,  Rosa  e  Radek  não  se  encontram  lá».  Dois  dias 
depois,  a  15  de  janeiro,  os  dois  comunistas  eram  assassinados  por  soldados  comandados  por  Waldemar  Pabst.  Pabst, 
falecido  em  1970,  que  se  tornou  ideólogo  do  nazismo  e  negociante  de  armas  com  Formosa  e  a  Espanha  de  Franco, 
escreveu nas suas memórias: «É evidente que para me proteger a mim e aos meus soldados nunca poderia ter conduzido a 
ação sem o consentimento de Noske. Só muito poucas pessoas se aperceberam porque é que nunca fui interrogado nem 
acusado. Eu retribui o comportamento do SPD a meu respeito como um cavalheiro, com cinqüenta anos de silencio». No 
cemitério  Friederichsfelde,  também  conhecido  como  “cemitério  socialista  de  Berlim”,  o  túmulo  destinado  a  Rosa 
Luxemburgo ficou aberto porque a polícia tinha feito desaparecer o seu corpo. Nos anos seguintes foram ali sepultadas 
outras vítimas do terror policial de 1919‐1920. Médicos legistas Berlim pensam que o cadáver de Rosa Luxemburgo está 
ainda no necrotério local, onde há um cadáver recolhido na água, sem cabeça, sem mãos e sem pés, que, segundo eles, 
tem "parecidos espantosos com a verdadeira Rosa Luxemburgo".  

  23
A  luta  pelo  prosseguimento  da  revolução  foi  derrotada.  Diante  da  repressão  na  Renânia  e 
Westfalia, a greve retomou vigor em todo país; até guarnições militares nas cidades de Erfurt e 
Merseburg  deram  explicitamente  seu  apoio  aos  operários  revolucionários.  Nesse  instante,  a 
greve tinha alcançado seu auge. A única possibilidade de passar para uma etapa superior era 
que os operários de Berlim se juntassem a greve. No dia 25 de fevereiro a greve geral era total 
e o governo tinha fugido para a pequena cidade de Weimar. Depois de ter assistido aos atos 
sangrentos do SPD em Berlim e em outros locais, os operários não acreditavam mais nos seus 
apelos pela paz.  
O  SPD  tentou  impedir  a  greve  em  Berlim  por  todos  os  meios.  O  conselho  geral  do  soviet 
berlinense hesitava. A decisão foi finalmente tomada pelos próprios operários, que enviaram 
delegados  das  grandes  fábricas  para  informar  ao  conselho  que  todas  as  fábricas  já  tinham 
votado  a  greve.  A  greve  geral  se  expandiu  na  cidade  inteira.  Diante  desta  situação,  os 
delegados do SPD no conselho operário e de soldados votaram a favor da revolução, contra a 
linha de seu partido.  
O proletariado de Berlim se levantou, porém tarde demais. A greve na Alemanha central, que 
tinha esperado tanto por um sinal de Berlim, estava acabando. O trauma de janeiro de 1919 
tinha sido fatal.20 A hora da contra‐revolução tinha chegado. O terror branco foi desencadeado 
no  país  inteiro,  particularmente  em  Berlim.  Milhares  de  operários  revolucionários  foram 
caçados  e  assassinados  (entre  eles,  Leo  Jogiches,  ex  marido  de  Rosa  Luxemburgo).21  Embora 
fracassada,  a  revolução  operária  de  1918  obrigou  à  burguesia  alemã  a  colocar  um  termo  à 
Primeira  Guerra  Mundial,  para  não  correr  o  risco  de  precipitar  o  desenvolvimento  da 
revolução européia.  
Mas a revolução proletária alemã foi confrontada com um inimigo muito mais forte do que na 
Rússia. O SPD, partido socialista, contribuiu em muito para dar essa força política suplementar 
ao Estado, pois soube aproveitar‐se da confiança que ainda gozava no seio da classe operária 
para combater a revolução. Nas eleições de janeiro de 1919, dois meses depois da “revolução 
de novembro”, o SPD obteve mais de onze milhões de votos, o USPD, dois milhões, enquanto o 
KPD, perseguido e descabeçado, não participava.  
As  eleições  para  a  assembléia  constituinte  foram  realizadas  a  19  de  janeiro.  O  governo  dos 
"comissários do povo" da socialdemocracia foi a ponta de lança da "coalizão de Weimar", que 
recebeu  76%  dos  votos:  o  SPD  37,9%,  e  os  partidos  dos  representantes  diretos  do  grande 
capital, o partido do centro e o partido democrata, 19,7% e 18,5%, respectivamente. Os dois 
partidos  socialistas  (SPD  e  USPD)  obtiveram  45,5%  dos  votos.  A  social‐democracia  havia  se 

                                                            
20
 Era o que temia Rosa Luxemburgo: “É possível esperar uma vitória definitiva do proletariado revolucionário, na sua luta 
com  os  Ebert‐Scheidemann,  para  aceder  a  uma  ditadura  socialista?  Decerto  que  não,  sobretudo  se  se  considerarem 
devidamente  todos  os  fatores  chamados  a  decidir  sobre  a  questão.  O  ponto  vulnerável  da  causa  revolucionária  neste 
momento é a não‐maduração política da grande massa de soldados que ainda permitem aos seus oficiais que os mandem 
contra os seus próprios irmãos de classe. De resto, a não madurez do trabalhador‐soldado não é mais do que um sintoma 
da não‐maduração geral em que ainda se acha imersa a revolução alemã. O campo, que é donde procedem a maioria dos 
soldados, fica tanto depois como antes fora do campo de influência da revolução. Berlim é até o presente, face ao resto do 
país, algo assim como um ilhéu. Os centros revolucionários da província (os de Renânia, Wasserkant, Brunschwitz, Saxe e 
Wurtemberg  nomeadamente)  estão  de  corpo  e  alma  do  lado  do  proletariado  berlinês,  mas  no  momento  falta  uma 
concordância  direta  na  ação,  que  é  a  única  que  pode  proporcionar  uma    incomparável  eficácia  ao  arranque  e  a 
combatividade dos operários de Berlim. Além disso, a luta econômica (que é origem de verdadeiras fontes vulcânicas em 
que se alimenta a revolução) acha‐se ainda numa fase claramente inicial. Disso tudo pode deduzir‐se claramente que não é 
razoável contar pelo momento com uma vitória de tipo decisivo”.  
21
  Rosa  Luxemburgo,  Liebknecht,  Jogiches  e  outros  espartacistas  tinham  sido  detidos  até  o  final  da  guerra,  quando  o 
governo de Max von Baden outorgou uma anistía política. Mas o governo do socialdemocrata Friedrich Ebert, em janeiro 
de 1919, passou a perseguir, deter e eliminar os espartaciastas, nessa altura já membros do KPD (Partido Comunista da 
Alemanha). Leo Jogiches foi assassinado na prisão em 10 de março de 1919, cerca de um mês após o assassinato de Rosa 
Luxemburgo  e  Karl  Liebknecht,  que  ele  investigou  e  denunciou  publicamente  como  obra  do  conluio  entre  a 
socialdemocracia e o Estado Maior do exército alemão. 

  24
tornado  o  eixo  em  torno  do  qual  girava  a  frente  única  de  toda  a  burguesia  empresarial, 
incluindo o partido nacional‐alemão, anti‐republicano e anti‐semita. 
Por isso, muitas tendências ultra‐esquerdistas surgiram na Alemanha no inicio dos anos 1920. 
A traição do  SPD — primeiro em 1914, quando apoiou a guerra  e, depois, em 1918, quando 
afogou  a  revolução  em  sangue  —  levou  a  uma  reação  entre  os  trabalhadores  de  vanguarda, 
que buscaram diferentes grupos ultra‐esquerdistas ou mesmo anarquistas. Esse problema iria 
atormentar  o  KPD  por  um  longo  tempo.  No  congresso  de  fundação  do  KPD,  Luxemburgo 
esteve em minoria em relação a participar das eleições para a assembléia nacional (a maioria 
do  partido  era  contra,  julgando  o  parlamento  ultrapassado).22  Também  havia  muitas  outras 
tendências ultra‐esquerdistas fora do partido. Em abril de 1920, depois de uma revolta armada 
de trabalhadores em Rühr, a esquerda rachou e formou o KAPD [Partido Comunista Operário 
da  Alemanha],  com  uma  política  ultra‐esquerdista  e  anti‐parlamentar.  O  KAPD  levou  consigo 
uma  considerável  parcela  dos  membros  do  KPD  —  talvez  a  maioria.  Mas  se  desintegrou 
rapidamente, sem programa coerente. A Internacional Comunista, com algum sucesso, tentou 
reaver setores do KAPD, convidando‐os para um de seus congressos. 
Em  março  de  1920,  um  setor  da  oficialidade  nacionalista,  encabeçado  por  Kapp‐Luttwitz, 
tentou um golpe de estado (o “putsch de Kapp”) contra a república, pensando poder arrastar o 
Exército  e  a  classe  empresarial  (o  que  se  revelou  um  cálculo  errado).  A  extrema‐direita, 
chefiada por Kapp e apoiada nos Corpos Francos (Freikorps), com o golpe, deflagrou a reação 
operária: os “conselhos operários” reapareceram em diversas regiões alemãs. O SPD dividiu‐se 
ao  meio.  Enquanto  os  membros  do  governo  e  da  administração  central  abandonavam  o 
terreno de luta, fugindo de Berlim, os sindicatos, dirigidos por Legien,23 assumiram a defesa do 
regime republicano, e decretaram a greve geral, que acabou com a tentativa golpista.  
O putsch de Kapp era a “reação impossível”, e guardava semelhanças com o fracassado putsch 
de Kornilov que antecedeu à Revolução Russa de 1917. A situação geral adquiriu novamente 
aspectos  revolucionários,  embora  localizados,  mostrando  também  o  caráter  limitado  da 
derrota operária de 1919.  
A  reação  ao  putsch  não  foi  só  grevista.  Nos  dias  que  se  seguiram,  numerosas  unidades 
militares  operárias,  cujos  efetivos  variam  de  algumas  dezenas  a  algumas  centenas  ou  um 
milhar,  se  unificaram  no  Rühr  em  um  “Exército  Vermelho”:  comandado  pelos  militantes 
independentes Josef Ernst e Karl Wohlgemuth e pelo sindicalista Karl Leidner.  
Os  historiadores  estimaram  esse  exército  em  cem  mil  homens,  com  três  direções  centrais 
rivais. Seus chefes eram operários, freqüentemente metalúrgicos, mas também mineradores e 
ferroviários, nomeados à cúpula pelos comitês de ação, eleitos entre os quadros médios e no 
local. A maioria deles pertencia ao USPD, sobretudo à sua ala esquerda; os outros pertenciam 
ao KPD ou à sua oposição. A revolução batia novamente à porta?  
Os  Lênin  e  Trotsky  alemães  (Rosa  Luxemburgo  e  Karl  Liebknecht),  no  entanto,  haviam  sido 
assassinados em 1919. Pouco depois do fracasso do putsch de Kapp surgiu a proposta de um 
governo  composto  pelos  partidos  e  sindicatos  operários  (SPD,  USPD  e  KPD),  um  “governo 

                                                            
22
 “De que maneira quer você influir nas eleições se de antemão explica que as consideramos nulas? Precisamos mostrar 
às massas que não há melhor resposta à resolução contra‐revolucionária contra o sistema conselhista do que realizar uma 
poderosa manifestação dos eleitores, precisamente elegendo pessoas que são contra a Assembléia Nacional e a favor do 
sistema de conselhos operários. Esse é o método ativo que permite dirigir contra o peito do adversário a arma apontada 
contra nós. Vocês precisam compreender que aquele que levanta contra nós a suspeita de oportunismo, insistindo em que 
o tempo e o trabalho urgem, não teve tempo para examinar, de maneira calma e fundamentada, quer a sua, quer a nossa 
concepção.  Trata‐se  apenas  de  ver  qual  o  método  mais  adequado  para  o  fim  comum  de  esclarecer  as  massas”, 
argumentou Rosa Luxemburgo, na ocasião. 
23
 Karl Legien (1861‐1920) foi líder sindical e socialdemocrata na Alemanha, chefe histórico da “direita” do SPD, alinhado 
com os revisionistas na crise do partido na década de 1890. Entre 1893 e 1920, de modo quase ininterrupto, foi deputado 
no Reichstag. Símbolo internacional da ala “social‐patriota” da Segunda Internacional na guerra 1914‐1918.  

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operário”,  que  partiu  das  lideranças  sindicais  mais  moderadas;  a  proposta  não  vingou.  As 
eleições de junho de 1920 registrariam o desgaste sofrido pelo SPD como partido governante. 

 
Entretanto,  foi  principalmente  o  USPD  que  se  beneficiou  com  o  giro  a  esquerda  da  classe 
operária. Na eleição de 1920 ao Reichstag, o SPD recebeu 6 milhões de votos, o USPD, cinco 
milhões,  o  KPD,  600  mil.  Nesse  primeiro  Reichstag  “democrático”  (sem  voto  censitário  ou 
corporativo)  o  SPD  recuou  de  163  para  112  eleitos,  enquanto  os  “independentes”  (USPD) 
progrediram de 22 para 81. A social‐democracia, depois de salvar o Estado, perdeu o governo 
para o Zentrum católico e para o Partido Populista (Stresemann).  
A  Internacional  Comunista,  então,  aprofundou  os  rachas  dentro  do  USPD.  Em  dezembro  de 
1920, a maioria desse partido, com Paul Levi, finalmente se uniu ao KPD — ou VKPD [Partido 
Comunista Unificado da Alemanha], como ficou conhecido por algum tempo. A minoria, mais 
tarde,  voltou  a  se  unir  ao  SPD.  Era  uma  tendência  européia:  resolveram  estudar  o  possível 
ingresso  de  seus  partidos  na  Internacional  Comunista  as  convenções  partidárias  do  USPD 
alemão,  dos  socialistas  suíços,  dos  franceses  e  italianos.  Parecia  que  a  revolução  socialista 
estava prestes a experimentar nova força na Europa ocidental. A IC, no se segundo Congresso 
Mundial,  votou  a  centralização  e  disciplinamento  dos  partidos  comunistas,  nas  resoluções 
sobre os Estatutos e nas “21 condições” a serem atendidas para a admissão de novos partidos. 
Segundo  Wolfgang  Abendroth:  “Essas  condições  forçaram  os  partidos  de  massas  da  Europa 
ocidental,  agora  desejosos  de  se  incorporarem  à  Internacional  [Comunista],  a  mudarem  as 
suas  estruturações.  Tinham  que  submeter‐se  às  resoluções  da  Comissão  Executiva  da 
Internacional  e  afastar‐se  dos  agrupamentos  de  liderança  social‐pacifistas  ou  radical‐
reformistas. Isso, na prática, era um verdadeiro convite à divisão desses partidos, já que essas 
condições  pareciam  inaceitáveis  a  uma  grande  parte  dos  líderes,  contrariando  também  a 
tradição do movimento trabalhista da Europa ocidental. Apesar disso, continuava tão intenso o 
entusiasmo pela revolução soviética que a convenção partidária do USPD alemão, em outubro 
de 1920, realizada em Halle, se decidiu a favor do ingresso na Internacional, mesmo contra o 
voto  de  seus  líderes  mais  prestigiosos  (Hilferding,  Ledebour,  Dittmann),  o  mesmo  tendo 
acontecido, em dezembro de 1920, na convenção partidária do SFIO francês, em Tours, contra 
a vontade declarada de [Jean] Longuet e de Paul Faure, minorias fortes, que acabaram por isso 
desligando‐se. Por outro lado, embora na convenção dos socialistas italianos, em Livorno, em 

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janeiro  de  1921,  Serrati  tivesse  conseguido  impor  a  sua  vontade  de  preservar  a  unidade  do 
partido,  a  minoria  em  torno  de  Antonio  Gramsci  e  de  Amadeo  Bordiga  mostrou  ter  força 
suficiente para afastar‐se e organizar um partido comunista de massas próprio”.  
A  fusão  com  o  USPD  quintuplicou  a  quantidade  de  membros  do  KPD  e  o  transformou  num 
partido de massas. Mas os novos membros trouxeram consigo muitas tradições centristas do 
USPD.  Depois  de  ter  perdido  40  mil  de  seus  100  mil  membros  com  a  saída  dos  ultra‐
esquerdistas que fundaram o efêmero KAPD, em 1920, o KPD agora recebia o reforço de 300 
mil novos militantes... 
República, Inflação e Ovos de Serpente 
A  República  alemã  fora  proclamada  às  pressas  em  1919,  na  cidade  de  Weimar,  para  onde  o 
governo  social‐democrata  tinha  fugido,  espantado  pela  insurreição  em  Berlim.  A  eleição  de 
1919 – a primeira em que mulheres votaram – deu maioria parlamentar ao SPD e aos partidos 
burgueses  moderados.  A  constituição  promulgada  em  agosto  acentuou  a  unidade 
administrativa do país; os Estados perderam grande parte de sua soberania. 
Nesse  início  de  1919,  outro  acontecimento,  que  passou  então  quase  despercebido,  ganharia 
proporções  gigantescas  na  década  seguinte.  O  NSDAP  (Partido  Nacional‐Socialista  dos 
Trabalhadores  Alemães,  ou  simplesmente  Partido  Nazista)  foi  fundado  em  Munique,  em 
janeiro  de  1919.  Seu  sétimo  aderente,  Adolf  Hitler,  pintor  de  construção  austríaco,  estava 
imbuído  de  nacionalismo  racista,  anti‐semita,  e  de  ódio  pelo  comunismo.  O  NSDAP  adquiriu 
logo  uma  fisionomia  peculiar  dentro  dos  grupelhos  nacionalistas  devido  à  sua  insistência  em 
temas  “sociais”,  e  à  personalidade  de  seus  dirigentes,  Hitler  em  especial,  mas  também 
Goebbels, mestre da propaganda. Logo beneficiou‐se de apoios no mundo dos negócios e no 
exército, neste através de Luddendorf. Sua doutrina era simples, e tinha seu eixo na oposição 
entre a Alemanha e seus “inimigos internos e externos”: 1) O povo alemão, ariano, trabalhador 
e generoso, foi “traído” durante a guerra; 2) Pelo judeu, inspirador das ideologias marxistas, 
democráticas,  e  das  religiões  universais,  que  apodreceram  o  Estado  desde  dentro;  3)  É 
necessário  restaurar  a  Alemanha  eterna,  seu  Lebensraum  (espaço  vital),  regenerar  seu  povo 
para  torná‐lo  “senhor”  do  mundo;  4)  Insistência  nos  temas  da  “comunidade  nacional”,  do 
“sangue puro”, da “pureza de raça”, da “ordem”, das virtudes guerreiras, do esmagamento dos 
inimigos, da extensão territorial às custas da URSS bolchevique e da decadente França.24 
A contenção da revolução, no entanto, não se baseou só na repressão, mas também na ilusão 
de que algum tipo de “socialismo” seria implantado pelo SPD. Hugo Simon, ministro prussiano 
de finanças, declarava em novembro de 1918 ao Deutsche Allgemeine Zeitung: «A socialização 
será fácil nos casos em que se tratar de substituir um monopólio particular por um monopólio 
do  Estado,  como  na  indústria  química...  Só  estão  em  causa  as  explorações  que  permitam 
prever  com  certeza  que  darão  benefícios».  No  outono  de  1918  fora  constituída,  sob  a 
presidência  de  Karl  Kautsky,  uma  comissão  de  socialização  que  incluía  economistas  (como  o 
ulteriormente  célebre  Joseph  A.  Schumpeter),  sindicalistas  e  lideranças  socialistas,  entre  as 
quais Rudolph Hilferding.  
Os  trabalhos  dessa  comissão  orientaram‐se  rapidamente  para  a  “socialização”  das  minas  de 
carvão, um setor econômico chave. Por unanimidade foi aprovado um relatório (fevereiro de 
1919) em que se recomendava: 1°) As minas de carvão seriam retiradas dos seus proprietários, 

                                                            
24
 O NSDAP era dirigido por medíocres, ex‐combatentes que se sentiam traídos na derrota nacional de 1918, e pequeno‐
burgueses  espantados  pelo  “nivelamento  social”:  Ernest  Röhm,  provocador  que  mantinha  vínculos  com  os  militares  e 
ajudou  a  formar  uma  milícia  particular  dos  nazistas,  conhecida  como  “camisas  pardas”;  Hermann  Göering,  herói  da 
aviação, brutal e ambicioso, chefe das SA (Sturmableitungen, tropas de assalto); Rudolf Hess (secretário de Hitler), Heinrich 
Himmler,  Martin  Bormann,  homens  sem  escrúpulos;  o  báltico  Alfred  Rosenberg,  filósofo  amador,  teórico  da  “raça” 
ignorante e pretensioso; demagogos obreiristas anti‐semitas: Julius Streicher, Gregor Strasser... Comandados pelo Führer, 
constituíam no início uma verdadeira quadrilha. 

  27
que seriam indenizados; 2°) As minas não seriam entregues ao Estado, mas a uma Comunidade 
Alemã  do  Carvão,  concebida  como  pessoa  jurídica  autônoma;  3°)  Essa  Comunidade  estaria 
subordinada ao Estado pela sua política de preços e hipotecária. Entregaria seus benefícios ao 
Estado;  4°)  À  testa  da  comunidade  estaria  um  Conselho  do  Carvão  composto  por  100 
membros: 25 eleitos pelas direções da exploração; 25 eleitos pelos assalariados; 25 designados 
pelos  consumidores  (grandes  indústrias,  municípios);  25  designados  pelo  Estado  (10  pelo 
Parlamento, 15 pelo Governo). Este Conselho nomearia um Diretório de cinco membros, que 
administraria a Comunidade por cinco anos.  
Em novembro de 1918 constitui‐se uma “Comunidade do Trabalho”, em acordo de patrões e 
sindicatos,  para  instaurar  o  dia  de  oito  horas  e  constituir  nas  fábricas  comissões  arbitrais 
destinadas  a  resolver  os  conflitos  do  trabalho.  Tratava‐se  de  pregar  uma  peça  aos  conselhos 
operários  que,  nesse  momento,  podiam  transformar‐se  em  soviets  (órgãos  de  poder  estatal 
operário). Em março de 1920 houve a constituição de uma segunda comissão de socialização, 
da qual faziam ainda parte Hilferding, Kautsky e Schumpeter, mas onde desta vez a maioria já 
não  pertencia  à  esquerda.  Esta  tentou  rever  o  texto  da  primeira  comissão.  Mas  a  maioria, 
seguindo  o  banqueiro  Walter  Rathenau,  votou  um  texto  que  deixava,  por  trinta  anos,  a 
propriedade das minas aos que as explorassem. O Conselho do Carvão estaria habilitado a fixar 
os preços de venda, tendo cada mina que entregar a totalidade da sua produção ao preço de 
custo. O texto se orientava para uma planificação, conservando e transformando as fábricas da 
indústria de guerra, e auxiliando as empresas particulares em dificuldades, fazendo pagar em 
ações os estoques que lhes fornecia. 
O Tratado de Versalhes, celebrado entre as potências beligerantes (com a exceção da Rússia 
soviética),  proibira  o  rearmamento  alemão,  e  impôs  ao  país  perdas  territoriais  e  pesadas 
reparações  de  guerra.  Alemanha  foi  condenada  a  pagar  uma  enorme  indenização  à  França, 
muito superior à que a França havia pago à Alemanha em conseqüência da guerra precedente 
(1870‐1871). Para supervisionar o cumprimento dessa cláusula, instituiu‐se a Comissão Inter‐
Aliada de Controle: foi permitido às autoridades alemãs colaborarem voluntariamente com a 
Comissão ‐ possibilitando a omissão e contravenção das condições expostas no tratado – o que 
provocou denúncias de não cumprimento das imposições. Alemanha, do seu lado, assinou um 
acordo militar secreto com a recém criada União Soviética, o Tratado de Rapallo (1922), onde 
os dois países renunciavam, simultaneamente, as respectivas indenizações de guerra, além de 
estreitar  laços  de  cooperação  militar,  possibilitando  o  treinamento  de  pilotos  alemães  em 
território soviético, e o desenvolvimento da indústria bélica soviética. 
As  reparações  alemãs  deveriam,  supostamente,  cobrir  as  despesas  de  reconstrução  das 
regiões devastadas na guerra, e o pagamento de pensões aos inválidos, às viúvas e aos órfãos 
de  guerra.  A  Comissão  de  Reparações  calculou  em  6.600  milhões  de  libras  esterlinas  o 
montante  dos  prejuízos  de  guerra  que  a  Alemanha  devia  pagar  aos  países  vencedores  na 
guerra  mundial.  O  governo  francês  contava  com  essas  reparações  para  reconstruir  regiões 
assoladas  e  equilibrar  seu  orçamento.  A  27  de  abril  de  1921  a  Comissão  fixou  finalmente  as 
reparações a serem pagas pela Alemanha em 132.000.000.000 marcos‐ouro, uma soma maior 
do  que  o  país  poderia  pagar  (era  equivalente  a  mais  de  três  vezes  a  renda  nacional  anual). 
Embora  nem  toda  essa  dívida  arcasse  com  juros  imediatos,  o  pagamento  das  reparações 
somaria mais de um terço de todos os gastos do país em 1921 e 1922. Em face de um ultimato 
aliado,  com  a  ameaça  de  ocupação  do  vale  do  Rühr,  o  chanceler  alemão  afiançou  um  voto, 
relutante,  a  favor  do  pagamento  (mas  não  conseguiu  pagar  as  somas  exigidas  na  data 
acertada).  
O governo francês não aceitava que Alemanha se subtraísse de cobrir os custos das dívidas de 
guerra. Os britânicos, assustados pelo “perigo bolchevique”, tinham simpatia pelo esforço do 
governo  alemão  em  combater  a  ameaça  de  revolução,  preferindo  não  sobrecarregá‐lo  com 
exigências.  Os  EUA  tentaram  concluir  um  acordo  de  reparações  supostamente  baseado  na 

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capacidade  da  Alemanha  em  efetuar  o  pagamento:  ficou  decidido  que  a  Alemanha  deveria 
pagar a título de adiantamento, 20 bilhões de marcos‐ouro. Deveria, ainda, entregar cerca de 
2,2  milhões  de  toneladas  de  grãos,  5  mil  locomotivas,  130  mil  artefatos  agrícolas,  135  mil 
cabeças  de  gado  e  50  mil  cavalos.  Teria  ainda  de  repor  os  navios  comerciais  afundados.  Era 
uma política de saque do país. 
A  reação  nacionalista  era  inevitável,  e  se  manifestou  de  formas  políticas  diversas.  Ela 
fortaleceu o núcleo do partido nazista. Em 1920 foi divulgado seu programa, embora o aspecto 
característico  do  novo  movimento  fosse  um  ativismo  desenfreado,  mais  importante  que 
qualquer  princípio  programático.  O  NSDAP  logo  se  transformou  em  um  grupo  paramilitar:  a 
maioria de seus membros era proveniente dos Freikorps e da Reichswehr e tinha a intenção de 
lutar  contra  o  governo  da  República  de  Weimar,  sem  se  ater  a  qualquer  regra  democrática. 
Adolf  Hitler  assumiu  a  direção  do  partido.  Foram  formadas  as  SA  (tropas  de  assalto)  como 
força fundamental na condução dos choques em locais públicos. No final de 1920, saiu o seu 
diário Volkischer Beobacther, graças ao financiamento da Reichswehr e de setores privados. Ao 
lado de Hitler começou a perfilar‐se o peso crescente de personalidades que, a seguir, teriam 
um  papel  fundamental:  Alfred  Rosenberg,  Rudolf  Hess  e  Hans  Frank  (quando,  em  janeiro  de 
1923,  se  realizou  o  primeiro  congresso  do  partido,  os  seus  inscritos  eram  20  mil,  embora  o 
NSDAP  ainda  estivesse  restrito  à  região  da  Baviera,  e  não  pretendesse  se  tornar  um  partido 
que defendesse seu programa no âmbito da batalha parlamentar). 
A questão que envolvia a fronteira alemã também foi muito controvertida. Segundo o Tratado: 
"A Alemanha renuncia a todos os seus direitos e títulos sobre suas possessões ultramarinas em 
favor das potências aliadas principais e associadas". Pelas cláusulas, a França recebia a AIsácia‐
Lorena,  regiões  anexadas  pela  Alemanha  durante  o  conflito  de  1870.  Como  compensação 
parcial pela destruição das minas de carvão e das usinas metalúrgicas do nordeste francês, foi 
permitido  à  França  o  acesso  irrestrito  as  minas  de  carvão  da  bacia  do  Sarre,  durante  um 
período  de  quinze  anos,  quando  o  governo  alemão  poderia  compra‐Ias  (!).  O  território  do 
Sarre  seria  administrado  pela  Liga  das  Nações  até  1935,  quando  se  realizaria  um  plebiscito 
entre  os  habitantes,  para  decidir  se  a  região  continuaria  submetida  à  Liga  das  Nações,  se 
voltaria para Alemanha, ou se seria concedida à França.  
O tratado obrigava a Alemanha a reconhecer a independência da Áustria em fronteiras ainda 
sem  demarcação,  assim  como,  a  existência  de  um  Estado  tchecoslovaco  e  de  um  Estado 
polonês. Segundo os "catorze pontos de Wilson" (presidente dos EUA), a Polônia seria um país 
independente  que  abrangeria  os  territórios  "habitados  por  populações  indiscutivelmente 
polonesas"  e  as  quais  seria  garantido  "um  acesso  livre  e  seguro  para  o  mar".  Medindo  100 
quilômetros  de  largura,  o  "corredor  polonês"  representava  a  saída  para  o  mar,  no  entanto, 
separava a antiga Prússia da Alemanha. A cidade de Dantzig seria um porto livre, tutelado pela 
Liga das Nações, e se tornaria o principal escoadouro do comércio externo polonês. A Polônia 
também receberia a Posnânia e a Alta Silésia, esta última área de imenso valor econômico, que 
fornecia à Alemanha 23% de seu carvão e 80% de seu zinco antes da guerra. A atribuição da 
Alta Silésia à Polônia, assim como, a criação do chamado "corredor polonês" causaram muitos 
incidentes de fronteira, contribuindo para o sentimento de discriminação racial.  
O  Tratado  de  Versalhes  ainda  estabelecia  a  ocupação  da  Renânia  por  tropas  aliadas  durante 
quinze  anos,  como  forma  de  garantia  das  condições  expostas.  Por  fim,  a  Alemanha  cedeu:  à 
Bélgica,  Eupen  e  Malmedy;  à  Lituânia:  Memel,  com  160  mil  habitantes;  e  à  Dinamarca, 
Schleswig‐Holstein.  Despojada  de  suas  possessões  coloniais,  que  passariam  a  ser 
administradas  pelas  principais  potências  vitoriosas,  o  território  germânico  foi  reduzido  a 
540.000  Km2  (aproximadamente  1/6  do  original,  se  incluídas  as  colônias).  Todas  essas 
cláusulas  do  tratado  foram  recebidas  com  muito  protesto  pelos  nacionalistas  alemães,  que 
obtinham  eco  popular  (e  também  seriam  o  caldo  de  cultura  de  sua  variante  extrema,  o 
nazismo).  

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Durante  a  fase  inicial  da  República  de  Weimar  (1919‐1923),  a  inflação  alemã  disparou, 
supostamente como resultado da emissão de moeda para pagamento  das dívidas de guerra. 
Mas o processo tivera início, como vimos, antes: quando a guerra começou, a 31 de julho de 
1914,  o  Reichsbank  suspendeu  o  câmbio  em  moedas  de  ouro,  como  todos  os  outros  bancos 
centrais das nações beligerantes, com o intuito de impedir que suas reservas se esgotassem. 
Depois  disso  não  houve  nenhum  limite  legal  para  a  impressão  de  dinheiro  em  grande 
quantidade.  À  diferença  da  Inglaterra,  o  governo  alemão  preferiu  pedir  emprestado  as 
quantias  necessárias  para  financiar  a  guerra,  ao  invés  de  aumentar  substancialmente  os 
impostos. Com o fim da guerra o dinheiro em circulação tinha crescido quatro vezes, e o índice 
de preços ao consumidor tinha subido 140%. A dívida flutuante tinha aumentado de 3 bilhões 
para 55 bilhões de marcos. As grandes dívidas adquiridas impuseram a Alemanha a depreciar o 
marco em relação às moedas estrangeiras. 
Durante  a  guerra,  houve  crise  monetária  em  todos  os  países  beligerantes.  O  meio  circulante 
mais  comum  baseava‐se  em  moedas  metálicas,  metal  valioso  em  uma  época  em  que  as 
guerras eram disputadas com canhões e baionetas. Com falta de recursos minerais, os países 
da Europa central começaram a retirar moedas de circulação para serem utilizadas na indústria 
bélica.  A  escassez  de  moedas  seria  compensada  pela  emissão  de  papel‐moeda;  o  grande 
problema era a dificuldade de controlar a emissão, pelo volume de cédulas que deviam de ser 
emitidas. A concessão do direito de emissão a municipalidades, institutos creditícios, governos 
locais  (estados  e  municípios)  e  empresas,  que  puseram  cédulas  em  circulação,  foi  a  saída 
encontrada.  Era  o  Notgeld,  “dinheiro  de  emergência”.25  As  cédulas  eram  simples,  visando 
apenas suprir a demanda, porém com o prolongamento do uso, as cédulas tornaram‐se mais 
elaboradas  em  padrões,  formas  e  materiais.  A  quantidade  de  cédulas  emitidas  chegou  a 
volumes  enormes.  Entre  1914  e  1923  o  Notgeld  esteve  presente  na  Alemanha  e  Áustria,  os 
maiores utilizadores deste recurso, e em países com economias satélites delas, como a Hungria 
e a Polônia. 
As  tensões  e  desordens  monetárias  eram  gerais.  O  mecanismo  internacional  que  vigorava 
antes de 1914 era o padrão‐ouro. Este ligava as diferentes moedas entre si através de seu peso 
em  ouro  definido  de  forma  fixa;  as  moedas  eram  convertíveis  em  ouro,  e  o  metal,  que 
circulava a público, podia ser importado e exportado livremente. A Conferência Internacional 
de  Gênova,  em  1922,  sancionou  um  sistema  diferente,  o  do  padrão  de  câmbio‐ouro  (gold 
exchange standard), que já estava parcialmente estabelecido a partir de 1918. As necessidades 
de  retomada  do  comércio  internacional  levaram  a  uma  conservação  da  referência  em  ouro; 
porém,  devido  à  sua  raridade  e  à  sua  distribuição  desigual,  era  uma  referência  em  segundo 
grau:  a  moeda  de  cada  país  não  ficava  diretamente  ligada  ao  ouro,  mas  a  uma  moeda 
fundamental, definida e conversível em ouro.  
Os créditos em países de moeda "central", as reservas cambiais, substituíram o ouro em quase 
todos  os  países.  Houve  duas  “moedas  centrais”,  a  libra  esterlina  e  o  dólar,  que  alargaram  a 
base  das  trocas  internacionais.  O  ouro,  em  si,  não  circulava  mais  e  adquiriu  um  papel  de 
reserva  nacional  ao  lado  das  reservas  cambiais.  O  sistema  “bipolar”  confirmava  o 
enfraquecimento  britânico  e  a  ascensão  ainda  hesitante  dos  EUA:  a  regulação  internacional 
dependia do controle e da coordenação dos dois centros, e da confiança dos demais países. A 
liquidação  da  herança  da  guerra  implicou  duas  séries  de  compensações:  de  um  lado,  o 
reembolso das dívidas de guerra; de outro, a questão das reparações que a Alemanha deveria 
pagar por ter perdido o conflito (132 bilhões de marcos‐ouro, dos que só 22,5 bilhões foram de 
fato restituídos). Acabou‐se estabelecendo uma cadeia, com os pagamentos alemães servindo 
                                                            
25
 Também chamado de Kriegsgeld, “dinheiro de guerra”. Juntamente com outras emissões, era conhecido como Kleingeld, 
dinheiro  miúdo  ou  troco,  pois  seu  valor  raras  vezes  ultrapassava  a  unidade  monetária  da  época,  sendo  quase  sempre 
denominados  em  Pfennig  ou  Heller,  unidade  centesimal  do  marco e  da  coroa,  as  moedas em  circulação  na  Alemanha  e 
Áustria, respectivamente. 

  30
para regular ou compensar as dívidas entre os aliados; outros empréstimos eram necessários 
para o financiamento dos pagamentos alemães – empréstimos que acabariam vindo dos EUA. 
O impasse econômico alemão era a expressão de uma crise internacional. 
Para  Charles  Kindleberger:  “Após  a  I  Guerra  Mundial,  não  existiu  um  lender  of  last  resort 
internacional  na  crise  de  1920‐21.  Parte  da  corda  foi  tensionada  através  de  taxas  de  câmbio 
flexíveis.  Em  uma  crise  causada  por  debilidade  da  balança  de  pagamentos  e  escoamento  de 
capital, a taxa de câmbio é depreciada. Isso eleva os preços internacionais ‐ ou seja, os preços 
de bens e serviços exportados ou importados, e daqueles capazes de serem exportados ou de 
competirem com os importados ‐ e pode curar os sintomas de declínio de preços de uma fuga 
de  inventários  reais  para  dinheiro.  Mas  um  estímulo  inflacionário  acentuado  pode  produzir 
outro tipo de crise ‐ de dinheiro para bens, levando à hiperinflação. Isso foi o que aconteceu na 
Europa Oriental e Central em 1923”.  
Mas, em fevereiro de 1920 o episódio inflacionário alemão parecia acabado. Durante os meses 
seguintes os índices de preços ficaram  estáveis. O  marco valorizou‐se em relação às moedas 
estrangeiras,  de  modo  que  os  preços  de  bens  importados  caíram  aproximadamente  50%. 
Porém,  durante  quinze  meses  o  governo  continuou  a  emitir  mais  moeda;  a  moeda  em 
circulação  aumentou  50%  e  a  dívida  flutuante  do  Reichsbank  quase  100%,  providenciando 
mais combustível para uma nova explosão. O aumento de preços continuou em 1920, mas, no 
fim nesse ano, houve até uma pequena redução.  
A  recessão  (sobre‐produção)  dos  EUA,  com  a  repentina  abundância  de  produtos  agrícolas  e 
outros bens, exerceu efeitos sobre a Alemanha. Da  primavera de 1920 ao verão de 1921, os 
preços  na  Alemanha  estavam  estabilizados,  na  prática,  a  quatorze  vezes  acima  do  nível  do 
período anterior à guerra. J. M. Keynes, apoiando‐se no seu julgamento amplamente divulgado 
de que as exigências do Tratado de Versalhes estavam muito além da capacidade da economia 
alemã,  havia  estado  especulando  febrilmente  –  como  dirigente  bancário  –  contra  o  marco. 
Escapou  por  um  triz  da  ruína  financeira,  sendo  salvo  por  empréstimos  de  seus  editores  e  de 
um  financista  amigo:  “Teria  sido  um  desastre  se  o  homem  que  tão  recentemente  tinha 
despertado  a  curiosidade  da  opinião  mundial  dizendo  saber  mais  do  que  os  melhores 
especialistas fosse envolvido por uma falência", disse um biógrafo do economista inglês. 
O  erro  de  Keynes  foi  quanto  à  data.  No  verão  de  1921,  os  preços  começaram  novamente  a 
subir. Em abril, o montante total de indenizações de guerra foi finalmente fixado em Londres 
no valor de 132 bilhões de marcos ouro, marcos de valor correspondente ao período anterior à 
guerra.  A  publicidade  desta  soma  pode  ter  levado  alguns  alemães  a  concluir  que  não  havia 
esperança,  e  a  começar  a  trocar  os  seus  ativos  monetários  por  bens.  Os  preços  mundiais  de 
mercadorias  também  tinham  parado  de  cair.  E  um  déficit  orçamentário  crescente  externo  e 
interno estava fazendo sentir os seus efeitos. Os preços internos subiram de 14 vezes o nível 
de 1913, em meados de 1921, a 35 vezes esse nível no final do ano.  
Os Comunistas e a Ação de Março 
A  deterioração  rampante  do  nível  de  vida  provocou  a  reação  operária.  Em  março  de  1921, 
greves  insurrecionais  (conhecidas  como  "ação  de  março")  eclodiram  na  Alemanha  central, 
governada  pela  social‐democracia,  onde  a  repressão  patronal  e  policial  era  particularmente 
dura. O KAPD, partido comunista de ultra‐esquerda cindido do KPD, promovia esse movimento 
de  ação  direta.  Seus  militantes,  nas  comissões  de  fábrica  e  empresas,  dedicaram‐se  a 
radicalizar essas ações, e recusaram qualquer negociação com os patrões. O KPD se mostrou 
indeciso,  mas  finalmente  apoiou  a  tentativa  insurrecional.  Isoladas  e  sem  perspectivas,  as 
milícias  operárias  foram  derrotadas,  as  fábricas  ocupadas  foram  retomadas  pela  polícia.  O 
fracasso  da  "ação  de  março"  foi  um  "retorno  à  normalidade",  tão  desejado  pela  social‐
democracia. Mais de três  mil militantes foram presos, os militantes combativos expulsos das 

  31
empresas e forçados à clandestinidade. As organizações comunistas mais radicais, o KAPD e as 
Uniões Operárias foram postos fora da lei, entrando depois em declínio.  
Desde  1920,  os  dirigentes  da  Internacional  Comunista  combatiam  os  “esquerdistas”  que  se 
recusavam  a  atuar  nos  sindicatos.  Quando  Lênin  classificou  esses  comunistas  como 
"esquerdistas",  no  seu  conhecido  texto  O  Esquerdismo,  Doença  Infantil  do  Comunismo, 
pretendia  criticar  sua  recusa  de  qualquer  compromisso  político  por  principio.  A  esta  crítica 
respondeu  Hermann  Gorter,  comunista  holandês,  numa  Carta  Aberta  a  Lênin.  Para  a 
“esquerda comunista”, a extensão da tática de compromisso bolchevique à Europa ocidental 
asfixiava as organizações autônomas do proletariado, cujas ações seriam as únicas capazes de 
desenvolver  a  consciência  subversiva.  Gorter  e  seus  amigos  insistiram  em  que  a  maior 
presença  de  revolucionários  conscientes  equivalia  ao  menor  papel  dos  dirigentes. 
Consideravam que a tática dos bolcheviques implicava de fato "a primazia dos dirigentes" e o 
oportunismo burocrático.26  
A  revolta  fracassada  na  Alemanha  Central  —  a  chamada  Märzaktion  [ação  de  março]  — 
provocou uma nova crise nas fileiras do KPD. Depois que o governo nacional enviou unidades 
policiais até  as fábricas para desarmar os operários, o KPD (ou VKPD) e o KAPD chamaram  à 
greve  geral  e  à  derrubada  do  governo  nacional.  Esse  levante  foi  claramente  prematuro  e 
acabou numa derrota sangrenta. Aproximadamente 2.000 trabalhadores foram mortos na luta 
e na violenta repressão que se seguiu. Paul Levi, um dos principais líderes do KPD, que se opôs 
ao levante desde o começo, atacou o partido em publico. Ele foi expulso: o motivo da exclusão 
não  era  o  conteúdo  da  crítica  de  Levi  ao  KPD  (cujos  termos  foram  retomados  pelo  próprio 
Lênin, em sua brochura O Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo), mas o fato de ter sido 
publicada  antes  de  qualquer  debate  interno,  quebrando  a  solidariedade  partidária.  Excluído, 
Levi voltou ao SPD. 
Em março, segundo Denis Authier, “formaram‐se diversos grupos ou comandos compostos ao 
todo  por  4000  homens.  Apesar  da  sua  inferioridade  numérica  face  às  tropas  da  polícia, 
conseguiram, contudo, num primeiro momento, repeli‐las utilizando uma táctica semelhante à 
guerra  de  guerrilhas...  Esta  nova  forma  de  guerra  civil  revelava  que  os  revolucionários  se 
tinham  tornado  minoritários  entre  o  proletariado,  mantendo‐se  os  operários  numa  atitude 
idêntica à da greve geral. Os revolucionários ficaram então reduzidos a pequenos núcleos... A 
«ação de março» tornou‐se complicada pelo fato de que o PC oficial (VKPD após a fusão com a 
ala  esquerda  do  USPD),  passando  de  um  legalismo  extremo  ao  pior  dos  «golpismos»,  quis 
tomar o poder a todo custo, e com esse objetivo lançou sobre as lutas da Alemanha central ‐ 
menos  poderosas  que  as  insurreições  dos  anos  precedentes  ‐  uma  palavra  de  ordem 
insurrecional para toda a Alemanha”.  
Segundo  o  mesmo  autor:  “O  VKPD  foi  impelido  nessa  direção  por  uma  delegação  da 
Internacional, dirigida por Béla Kun, que chegou em março a Berlim. Enviados por Zinoviev ou 
Radek,  e  sem  o  consentimento  de  Lênin,  esses  emissários  pensavam  que  era  necessário 
«forçar o destino da revolução» na Alemanha. E tudo porque o poder bolchevique passava por 
                                                            
26
 A Internacional Comunista condenou a tática dos esquerdistas: “O 3º Congresso Mundial constata com satisfação que as 
resoluções  mais  importantes,  e  particularmente  a  parte  da  resolução  sobre  tática  referente  à  ação  de  março, 
ardentemente  discutida,  foram  adotadas  por  unanimidade  e  que  mesmo  os  representantes  da  oposição  alemã,  em  sua 
resolução sobre a ação de março, se colocaram de fato sobre um terreno idêntico àquele do Congresso. O Congresso viu 
isso como uma prova de que um trabalho coerente e uma colaboração íntima sobre a base das decisões do 3º Congresso 
são não apenas desejadas, mas também possíveis no interior do Partido Comunista Unificado da Alemanha. O Congresso 
estima que toda divisão das forças no seio do Partido Comunista Unificado da Alemanha, toda formação de frações, sem 
falar de cisão, constitui o maior perigo para o conjunto do movimento. O Congresso espera da Direção Central e da maioria 
do Partido Comunista Unificado da Alemanha uma atitude tolerante para com a antiga oposição, apelando para que ela 
aplique  lealmente  as  decisões  tomadas  pelo  3º  Congresso;  este  está  persuadido  de  que  a  Direção  Central  fará  todo  o 
possível  para  reunir  todas  as  forças  do  Partido.  O  Congresso  pede  à  antiga  oposição  que  dissolva  imediatamente  toda 
organização  de  fração,  subordine  absoluta  e  completamente  sua  fração  parlamentar  à  Direção  Central,  subordine 
inteiramente a imprensa às organizações respectivas do Partido“. 

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uma  fase  difícil  desde  o  inverno  de  1920‐21,  após o  término  da  guerra  civil  contra  a  reação, 
com insurreições camponesas, persistência do movimenta makhnovista, «Oposição Operária» 
dentro do partido, numerosas greves, das quais a mais séria foi a greve geral do proletariado 
de Petrogrado, enfim, a insurreição de Kronstadt. Paul Levi condenou publicamente a política 
dos «emissários» e foi expulso [do VKPD]. Depois da derrota da «ação de março», o PC alemão 
e  a  III  Internacional  retomaram  sua  posição  e  condenaram  o  movimento.  O  VKPD  voltou  ao 
trabalho  exclusivamente  legal.  Era  a  sua  segunda  viragem  em  apenas  um  ano,  o  que  é 
comprometedor para uma «direção esclarecida», mas típico de um partido que tem medo de 
ser «ultrapassado pela sua esquerda», ou seja, que tem medo da revolução. O KAPD fez frente 
comum com o VKPD durante a «ação de março» (foi a primeira e a última vez), pois iludiu‐se 
ao  pensar  que  «as  massas  do  VKPD  adeririam  às  posições  do  KAPD».  [Otto]  Rühle,  pelo 
contrário, condenou a «ação», nada mais vendo nela que a tentativa do golpe a ser dado pelo 
VKPD: o KAPD enganara‐se ao comprometer‐se com uma ação aparentemente revolucionária, 
mas  que,  na  realidade,  tinha  sido  lançada  em  função  dos  problemas  internos  da  Rússia. 
Segundo ele, após o revés da «ação de março», a revolução alemã estava perdida por muito 
tempo”.  
Os eventos do março alemão foram debatidos no III Congresso da Internacional Comunista, em 
junho  e  julho  de  1921,  em  Moscou.  Trotsky  mais  tarde  descreveu  o  Congresso  como  um 
"marco": "Ele apontou o fato de que os recursos dos partidos comunistas, tanto politicamente 
quanto organizativamente, não foram suficientes para a conquista do poder. Ele promoveu o 
slogan ‘Às massas,' isto é, a conquista do poder através de uma conquista anterior das massas, 
realizada  com  base  na  vida  cotidiana  e  nas  lutas.  As  massas  continuam  vivendo  sua  vida 
cotidiana em uma época revolucionaria, mesmo que de uma maneira diferente". O Congresso 
desenvolveu a tática das reivindicações transitórias, da Frente Única Operária, e a palavra de 
ordem de "governo operário", para ganhar a confiança dos trabalhadores que ainda apoiavam 
os social‐democratas. Insistiu‐se na necessidade de trabalhar nos sindicatos. 
Isso foi de encontro com a resistência das tendências de esquerda e ultra‐esquerda dentro do 
KPD,  que  promoviam  a  chamada  "teoria  da  ofensiva",  rejeitando  qualquer  forma  de 
compromisso  político,  assim  como  o  trabalho  no  parlamento  e  nos  sindicatos.  Eles  eram 
apoiados  por  Nikolai  Bukhárin,  dirigente  bolchevique  russo,  que  defendia  uma  "ofensiva 
revolucionaria  ininterrupta".  Foi  em  resposta  a  essas  tendências  que  Lênin  escreveu  seu 
folheto contra o esquerdismo. Lênin, assim como Trotsky, tentou uma aproximação paciente 
das diferentes facções no KPD, prevenindo rachas prematuros. Contiveram os esquerdistas e 
também a direita do partido, que queriam expulsar seus oponentes. Intransigentes em relação 
à "esquerda infantil", também perceberam certo conservadorismo na liderança do partido. 
O KPD (partido comunista alemão) passou de 360 mil membros em finais de 1920, depois da 
sua fusão com a maioria do USPD, para metade de esse efetivo em finais de 1921...   
Da Inflação à Hiperinflação 
Na Alemanha, a inflação começou outra vez; os preços, em julho de 1922, tinham aumentado 
700%.  No  início  de  1922  o  aumento  dos  preços  revivera  os  negócios.  As  pessoas  estavam 
comprando  mercadorias  de  forma  tão  rápida  quanto  obtinham  dinheiro;  as  empresas 
apressadas para expandir fábricas e transformar dinheiro em investimento fixo.  Alemanha era 
invejada por sua "prosperidade" por muitos estrangeiros. O aumento continuou em 1922; no 
final desse ano, os preços eram 1.475 vezes superiores aos anteriores à guerra.  
A chegada do salário (em espécie) no dia do pagamento, às mais importantes concentrações 
de  trabalhadores,  virou  uma  questão  de  ordem  pública.  Para  médicos,  professores, 
funcionários  de  bancos,  a  capacidade  de  compra  de  seus  salários  ou  rendas  ficou  muito 
deteriorada.  O  Frankfurter  Zeitung  apontava  que  os  preços  tinham  se  multiplicado  por  139 
desde a guerra. Em julho de 1922, o índice de preços dos alimentos pulou 50% só em um mês. 

  33
O jornal comunista Rote Fahne afirmava que «o mínimo de subsistência para uma família de 
quatro  membros»  se  havia  incrementado  no  país  em  86  vezes  desde  1914,  enquanto  os 
salários só se incrementaram 34 vezes. Um ovo, que custava 4 pfennigs, valia 7,2 marcos, 180 
vezes mais. 
Havia  uma  forte  demanda  de  câmbio  estrangeiro  por  parte  dos  que  possuíam  reservas  em 
marcos‐papel. Os saldos em marcos das firmas industriais, e mesmo de pessoas físicas, eram 
convertidos  em  ações  e  em  câmbio  estrangeiro.  Uma  quantidade  considerável  de  câmbio 
estrangeiro  era,  portanto,  continuamente  retirada  do  mercado  e  se  transformava  em  um 
investimento  mais  ou  menos  permanente.  Em  certas  ocasiões,  como  em  outubro  de  1921, 
julho e agosto de 1922 e em janeiro de 1923, após a ocupação do Rühr, a compra de câmbio 
estrangeiro  pelo  público  “assumiu  proporções  de  um  fenômeno  patológico”,  segundo 
Bresciani‐Turroni, provocando a rápida queda do marco.  
À  medida  que  progredia  a  desvalorização,  o  marco  tornava‐se  continuamente  mais 
inadequado  para  a  função  de  meio  circulante;  para  esse  fim  o  câmbio  estrangeiro  tomou  o 
lugar  da  moeda  alemã.  Desse  modo,  moedas  estrangeiras  se  infiltraram  permanentemente 
nos canais de circulação interna. Era a “morte da moeda”: o marco‐ouro valia 46 marcos‐papel 
em janeiro de 1922, 84.000 em julho de 1923, 24 milhões em setembro, 6 bilhões em outubro, 
até  atingir...  um  trilhão!,  em  dezembro  de  1923.  A  continuidade  da  desvalorização  era 
matematicamente impossível. 
A  desvalorização  estimulou  uma  crescente  especulação  no  câmbio  estrangeiro.  A  compra  de 
moeda  estrangeira  era  um  método  freqüentemente  usado  pelo  comércio  para  diminuir  os 
riscos que surgiam das flutuações do câmbio. Os comerciantes que vendiam bens para entrega 
futura com pagamento em marcos‐papel se protegiam contra o risco da futura desvalorização 
do  marco  através  da  compra,  na  época  da  conclusão  do  contrato,  de  uma  quantidade 
correspondente de moeda estrangeira. O cálculo de preços em moeda estrangeira se tornou 
comum na segunda metade de 1922 como uma proteção contra os riscos da desvalorização do 
marco, e resultou em uma acentuada elevação na demanda de moeda estrangeira, porque os 
comerciantes que assumiam as obrigações de pagar uma soma em marcos‐papel, que variava 
de acordo com a taxa de câmbio do dia de pagamento, tinham que se proteger contra perdas 
eventuais, comprando câmbio estrangeiro. 
Tropas francesas e belgas ocuparam a região do Rühr, quando Alemanha deixou de pagar as 
parcelas  da  indenização  de  guerra.  A  hiperinflação  em  si,  por  isso,  é  tida  como  iniciada  em 
1923, quando o governo alemão tentou estabilizar a taxa de câmbio no momento da ocupação 
da região do Rühr. Essa ocupação foi resultado da decisão do governo alemão de suspender os 
pagamentos  de  reparação  impostos  pelo  Tratado  de  Versalhes.  Esses  pagamentos  eram 
referentes ao ano de 1921; em janeiro de 1922 foram normalmente realizados, mas, em junho 
do mesmo ano, foram suspensos. A ocupação da região do Rühr foi uma retaliação por essa 
suspensão. 
O governo alemão decidiu imprimir dinheiro para pagar os salários dos trabalhadores alemães 
do  Rühr  que  faziam  greve  contra  a  ocupação  francesa.  O  ritmo  da  inflação  chegou  a  ser  da 
ordem  de  50%  ao  dia.  Nesse  ambiente  conturbado,  Hitler  tentou  um  golpe  malogrado  em 
Munique,  como  chefe  do  pequeno  Partido  Nacional‐Socialista  (NSDAP),  e  também  os 
comunistas (KPD) fizeram uma tentativa frustrada de tomar o poder. Entre 1920 e o final de 
1923, a inflação disparou, até se transformar em uma hiperinflação desconhecida em qualquer 
experiência econômica precedente. 
O processo hiper‐inflacionário antecedeu a ocupação do Rühr, em inícios de 1923. Em 1923, a 
bacia  do  Rühr  proporcionava  85%  do  carvão  da  Alemanha,  80%  de  seu  aço  e  ferro.  Seu 
comercio  de  mercadorias  e minerais representava 70% do total  do país, apesar de só contar 
com 10% de seus habitantes. O marco era cotado a 35.000 por libra esterlina no Natal de 1922, 

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o  dia  prévio  da  invasão  foi  para  48.000,  no  final  de  janeiro  de  1923  chegou  a...  227.500! 
(50.000 marcos por dólar). Foi  quando  o Reichsbank pôs em circulação sua primeira nota  de 
100.000 marcos (com poder de compra equivalente a... 2 dólares). Segundo Adam Ferguson, 
“talvez, enquanto discutiam seu formato e desenho, seu valor se reduzira para um décimo ou 
menos e, sem dúvida, nos depósitos do Banco Central já estariam sendo fabricadas as notas de 
um milhão de marcos postas para circular três semanas depois”. 
Em 1923 a inflação alemã explodiu de modo inédito para os padrões históricos e mundiais, até 
que,  em  27  de  novembro  de  1923,  os  preços  internos  eram  1.422.900.000.000  vezes 
superiores aos do período anterior à guerra. Foi, segundo Galbraith, a “inflação suprema”. Na 
fase de estabilidade momentânea em 1921, o marco estava a aproximadamente 81 por dólar. 
Em meados de 1922, tinha caído a 670. Na primavera de 1923, uma comissão de Reichstag foi 
constituída  para  examinar  as  razões  pelas  quais  o  marco  tinha  caído  a  30.000  por  dólar. 
Quando  a  comissão  finalmente  reuniu‐se  em  18  de  junho,  o  marco  já  estava  a  152.000  por 
dólar, em julho foi a um milhão. A partir daí, o declínio foi rápido. Homens e mulheres corriam 
para  gastar  seus  salários,  se  possível  minutos  após  recebê‐los.  Notas  eram  transportadas  às 
lojas  em  carrinhos  de  mão  ou  de  bebê.  Recorreu‐se  a  virtualmente  todas  as  prensas  que 
fossem capazes de imprimir dinheiro. As notas eram produzidas sem parar. Ocasionalmente, o 
comércio  até  parava  quando  as  impressoras  se  atrasavam  na  produção  de  novas  notas  de 
denominações suficientemente grandes para que o volume de papel exigido para o alimento 
do dia pudesse ser carregado.  
O Reichsbank continuou imprimindo mais moeda, mas a um ritmo menor que a elevação dos 
preços.  Os  empresários  começaram  a  abandonar  suas  ocupações  habituais  para  fazer 
especulações  no  mercado  de  bens,  especulando  sobre  os  preços  de  todo  produto  que 
pudessem. O processo atingiu seu ponto culminante em novembro de 1923, quando a inflação 
assumiu proporções dramáticas (um dólar chegou a valer 12 trilhões de marcos, no mercado 
livre).  Cada  bem  e  serviço  estava  custando  trilhões  de  marcos.  O  dólar  americano  estava 
cotado  oficialmente  a  4,2  trilhões  de  marcos,  e  o  penny  (moeda  de  um  cent)  americano 
custava 42 bilhões de marcos. 
Índice de preços por atacado  

Julho 1914  1,0 
Janeiro 1919  2,6 
Julho 1919  3,4 
Janeiro 1920  12,6 
Janeiro 1921  14,4 
Julho 1921  14,3 
Janeiro 1922  36,7 
Julho 1922  100,6 
Janeiro 1923  2,785.0 
Julho 1923  194,000.0
Novembro 1923  726,000,000,000.0 

O  período  de  1920‐1924  foi  caracterizado  por  Hjalmar  Schacht,  nas  suas  memórias,  como  a 
“era  da  inflação”:  “Bloqueio  da  entrada  de  alimentos  do  país,  entrega  de  bens  a  potências 
estrangeiras,  inexistência  de  direitos  políticos,  revolução  social,  enriquecimento  repentino  de 
figuras  obscuras.  Perda  substancial  das  classes  até  então  abastadas,  empobrecimento  das 
pequenas,  médias  e  altas  burguesias.  Corrupção  entre  políticos  e  funcionários  públicos, 
negociatas políticas entre os partidos, as Forças Armadas e os ministérios. Mortalidade infantil 

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crescente,  criminalidade  crescente,  jovens  deformados  por  causa  do  raquitismo,  morte 
prematura dos idosos. Tudo isso e muito mais está contido nas palavras “era da inflação””.  
No  final  de  1923,  vinte  bilhões  de  notas  de  marcos  estavam  em  circulação  no  uso  diário.  O 
índice de inflação anual chegou a 182 bilhões por cento. Os preços estavam, em média, 1,26 
trilhões  de  vezes  mais  altos  do  que  em  1913.  Ao  desencorajar  a  poupança  e  encorajar  o 
consumo,  a  inflação  acelerada  tinha  estimulado  a  produção  e  o  emprego  até  o  último 
trimestre de 1922. O marco depreciado, como vimos, havia estimulado as exportações alemãs. 
Mas  o  colapso  de  1923  fez  com  que  a  produção  industrial  caísse  à  metade  do  seu  nível  de 
1913. O desemprego disparou. 

 
A Rota da Hiperinflação 
A inflação fora internacional no fim da guerra, principalmente nos países europeus derrotados. 
Ela  foi  controlada  por  países  como  os  EUA,  enquanto  a  Alemanha  despencou  para  a 
hiperinflação, com índices de 2300% já em 1921, o mesmo ano em que os EUA padeciam de 
deflação.  A  inflação  retardou  a  crise  por  algum  tempo,  porém  acabou  por  acentuá‐la, 
causando  o  desemprego  de  milhões  de  pessoas.  Primeiramente  a  inflação  estimulou  a 
produção por causa da divergência entre os valores internos e externos do marco, porém mais 
tarde exerceu uma influência cada vez mais desvantajosa, desorganizando a produção. Acabou 
com o ato de poupar; tornou a reforma do orçamento nacional impossível por anos; impediu 
de fato a solução da questão das reparações. 
Segundo Maurice Niveau, a hiperinflação alemã desenvolveu‐se em dois tempos: no primeiro 
lugar,  a  alta  da  cotação  das  divisas  (baixa  do  câmbio)  foi  é  mais  rápida  que  a  elevação  dos 
preços;  no  segundo,  a  elevação  dos  preços  levou  a  melhor  sobre  o  câmbio,  mas  as  moedas 
estrangeiras (libra, dólar, franco) já substituíam o marco como meio de pagamento interno. No 
decorrer  desse  período,  e  até  o  princípio  de  1923,  a  produção  alemã  aumentou.  A  partir  do 
mês de março de 1923, o governo alemão pôs em prática diversos meios de estabilização.  
A  situação  alemã  era  caracterizada  por  alta  desvalorização  da  moeda,  alto  endividamento 
interno e externo, e alta emissão monetária para financiar a expansão do crédito para gastos 
privados. Uma porcentagem crescente da dívida do governo, originada na Grande Guerra, foi 
parar nos cofres do Banco Central, e um montante equivalente de papel‐moeda, impresso sem 
qualquer  lastro,  acabou  como  dinheiro  vivo  de  posse  do  público.  Ou  seja,  o  Banco  Central 
estava  monetizando  a  crescente  dívida  do  governo.  O  marco  alemão,  neste  período,  em 
comparação  ao  dólar  americano  e  a  libra  inglesa,  sofreu  com  políticas  que  injetaram  na 
economia  nada  menos  que  496,5  quintilhões  de  marcos.  Cada  bem  e  serviço  ficou 
hiperinflacionado. O dinheiro na Alemanha foi perdendo seu poder de compra; segundo Adam 
Ferguson, “morreu”.  

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Os  responsáveis  políticos  visíveis  pela  situação  eram  os  partidos  políticos  alemães  que  se 
revezavam no governo, o Partido Socialista (SDP), o Partido Católico de Centro (Zentrum), os 
Democratas,  que  formaram  várias  coalizões  governamentais.  Alguns  economistas  faziam 
esforços para mostrar que não havia inflação monetária nem inflação de crédito na Alemanha. 
Verificaram  só  que  houve  um  grande  despejo  de  papel‐moeda  na  economia.  Argumentavam 
que os produtos de bens e serviços perderam seu valor em relação ao ouro, em comparação 
aos  mesmos  preços  dos  bens  e  serviços  antes  da  guerra  praticados  por  outros  países 
industriais. Os preços mostraram uma tendência equivalente às variações do dólar, seguindo 
as flutuações cambiais.  
Recapitulemos:  entre  a  deflagração  da  Primeira  Guerra  Mundial  até  o  armistício,  a 
desvalorização  do  marco  alemão  fora  relativamente  lenta.  Em  outubro  de  1918  um  marco 
ouro valia 1,57 marco de papel moeda. Neste período a dívida flutuante do Reich se elevou, 
passando  de  300  milhões  em  julho  de  1914  para  55,2  bilhões  em  dezembro  de  1918.  No 
período seguinte, de novembro de 1918 a julho de 1919, a desvalorização do marco aumentou 
aceleradamente. A tendência começou a se fazer sentir na taxa do dólar e nos preços dos bens 
importados mais rapidamente que nos preços internos. Em fevereiro de 1920, a taxa do dólar 
era 23,6 vezes a taxa da paridade anterior. De agosto desse ano em diante os preços os preços 
dos  bens  importados  sofreram  um  aumento  acelerado,  que  elevou  o  índice  para  40,63  em 
fevereiro; nesse ínterim o número índice dos bens internos se elevou para 12,10 (1913 = 1). 
Em maio de 1921 a taxa do dólar ainda estava abaixo do nível alcançado em fevereiro de 1920. 
Os preços dos bens importados diminuíram consideravelmente.  Porém houve um acentuado 
aumento  da  dívida  flutuante  e,  conseqüentemente,  da  moeda  em  circulação.  Os  fenômenos 
expostos aconteceram entre 1921 e 1922. A elevação mais rápida ocorreu na taxa do dólar e 
no preço dos bens importados. 
Em seguida vieram os preços internos e no atacado. A partir de fevereiro de 1922 tais preços 
mostraram uma tendência de se adaptar ao dólar de modo muito mais rápido que no período 
anterior. Após abril de 1923, a taxa do dólar mais uma vez subiu rapidamente, deixando para 
trás os números‐índices dos preços internos e do custo de vida. No decorrer desse período, a 
dívida flutuante e a circulação da moeda mostraram um aumento contínuo, como também no 
período em que houve instabilidade da taxa do dólar. Mas durante o ano todo, a circulação da 
moeda aumentos menos do que os preços. Nos meses que precederam à reforma monetária, 
a  desvalorização  do  marco  foi  tão  rápida  que  seria  necessário  marcar  as  representações 
gráficas em uma escala logarítmica. O uso dessas representações gráficas, que anteriormente 
eram usadas apenas em manuais de estatística e consideradas quase uma curiosidade, deve‐se 
à desvalorização do marco em 1923. 

 
Nota de 100 milhões de marcos em 1923 
Em meados de 1923 os empregados eram pagos três vezes por dia. Suas esposas esperavam às 
portas  da  empresa  os  pagamentos  para  usar  o  dinheiro  instantaneamente.  As  lojas  ficavam 
vazias.  Um  pedaço  de  pão  chegou  a  custar  quinhentos  bilhões  de  marcos.  Nos  portões  das 
fábricas,  os  operários  entregavam  de  imediato  às  suas  mulheres  o  dinheiro  que  recebiam 
ainda no transcurso do dia, para que ele não perdesse todo seu valor até o fim do expediente. 
A falta de materiais para impressão de notas era grande e utilizava‐se todo o tipo de sobras; 

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cartas  de  baralho,  cédulas  antigas,  bilhetes  de  loteria,  formulários  etc.  serviram  para  a 
manufatura  de  cédulas.    Havia  uma  alta  rejeição  do  papel  moeda,  fazendeiros  e  outros 
produtores  rejeitavam  o  marco.  Trabalhadores  urbanos  invadiam  então  as  fazendas  para 
escavar  a  terra  em  busca  de  alimentos.  As  pessoas  de  classe  média  que  dependiam  de 
qualquer  tipo  de  renda  fixa  se  viram  desamparados,  vendiam  mobiliário,  vestuário,  jóias  e 
obras  de  arte  para  comprar  comida.    Em  outubro  de  1923,  apenas  0,8%  das  despesas  do 
governo eram cobertas por receitas de impostos. 

 
Às compras... 

Sennholz acerta ao situar uma origem política (a revolução... pela metade) na transformação 
da inflação em hiperinflação: “As demandas sobre o Tesouro já eram extremamente intensas 
por causa dos gastos com a desmobilização militar, das exigências do Armistício, das desordens 
oriundas  da  revolução  e  dos  atordoantes  déficits  das  indústrias  que  foram  nacionalizadas, 
principalmente  as  ferrovias,  os  serviços  postais,  a  telefonia  e  os  telégrafos.  A  administração 
pública  conduzida  pelos  novos  homens  alçados  ao  poder  pela  revolução  era,  todavia, 
extravagante, uma vez que os recursos disponibilizados pela possibilidade de se criar dinheiro 
eram aparentemente ilimitados. Foram apresentadas algumas medidas para a nacionalização 
de certas indústrias (por exemplo, as de carvão, elétrica e potassa), mas não tiveram sucesso 
em  virar  lei.  A  jornada  diária  de  oito  horas  foi  promulgada,  e  os  sindicatos  ganharam  várias 
imunidades e privilégios jurídicos”.  
Niall  Ferguson  também  aponta  os  compromissos  do  Estado  com  o  movimento  operário  pela 
emissão  desenfreada  que  levou  a  hiperinflação  (mas  esquecendo  de  apontar  que  a 
hiperinflação foi, exatamente, o meio para destruir conquistas sociais que, além de recortarem 
os  lucros  do  capital,  no  momento  não  podiam  ser  destruídas),  responsabilizando  “as  raízes 
políticas domésticas da  crise monetária. O sistema  de impostos da República  de Weimar era 
frágil,  não  apenas  parque  o  novo  regime  não  tinha  legitimidade  entre  os  grupos  de  maior 
renda, que não queriam pagar os impostos. Ao mesmo tempo, o dinheiro público era gasto de 
maneira irresponsável, sobretudo nos generosos acordos salariais para os sindicatos do setor 
público.  A  combinação  de  impostos  insuficientes  e  de  gasto  excessiva  criou  déficits  enormes 
de  1919  a  1920  (um  excedente  de  10%  do  seu  produto  interno  líquido),  antes  que  os 
vencedores  [da  guerra]  tivessem  apresentado  as  contas  de  suas  reparações”.  Assim,  para 
Ferguson,  se  os  empresários  roubavam  dinheiro  público,  isto  se  justificava,  porque  o  regime 
“não  tinha  legitimidade”;  já  as  conquistas  salariais  eram  produto,  não  da  luta  sindical  e 
política,  mas  da  “irresponsabilidade”.  A  crítica  (ideológico/conservadora)  do  “populismo” 
contemporâneo  é  projetada  retroativamente  “para  a  história”:  isto  não  é  história,  mas 
ideologia em estado puro (e com certeza, o pior procedimento histórico).  

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A depreciação (na verdade, destruição) da moeda provocou a destruição de riqueza tributável, 
como  hipotecas,  títulos,  anuidades  e  pensões,  o  que  por  sua  vez  reduziu  as  receitas  do 
governo.  Alguns  especuladores  colheram  lucros  espetaculares  com  a  depreciação,  e  eles 
sabiam como se esquivar facilmente dos impostos.    
Os negócios começaram a fechar e o desemprego a elevar‐se de repente. A prostituição (e o 
consumo de drogas)  conheceu um surto espetacular. Erich Maria Remarque, Prêmio Nobel de 
literatura, em O Obelisco Negro, relatou que até os cemitérios foram transformados, à noite, 
em vastos motéis, e que a malandragem, a cafetinagem e todo tipo de pequenos expedientes 
se  generalizaram  nas  regiões  urbanas,  diante  do  desemprego,  da  perda  de  valor  da  moeda, 
para  garantir  a  sobrevivência  mais  elementar  de  pessoas  e  famílias  (ou,  como  disse  Adam 
Ferguson “uma prostituta na família é melhor que um filho morto; roubar é preferível a passar 
fome;  não  passar  frio  é  mais  importante  que  conservar  a  honra”),  a  decomposição  social 
adquiriu formas inimagináveis, não vistas sequer durante o período de guerra.  
Helfferich, ministro das Finanças até 1923, garantia repetidamente que não havia inflação na 
Alemanha (!), uma vez que o valor total da moeda em circulação, quando mensurado em ouro, 
estava  coberto  pelas  reservas  de  ouro  no  Reichsbank  a  uma  razão  maior  do  que  antes  da 
guerra. O presidente do Reichsbank, Havenstein, negava categoricamente que o banco central 
houvesse inflado a moeda alemã. Ele estava convencido de que o Banco Central havia seguido 
uma  política  restritiva,  pois  seu  portfolio  valia,  em  marcos  redimíveis  em  ouro,  menos  da 
metade de seus haveres de 1913. 
VALOR EM OURO DO DINHEIRO EM CIRCULAÇÃO (marcos por pessoa) 
   1920  1922 
Alemanha  87,63  17,92 
Inglaterra  84,40  110,73 
França  180,05  229,90 
Suíça  89,49  103,33 
EUA  101,35  97,66 

Para  muitos  homens  de  negócio  a  hiperinflação  limpou  seus  débitos.  Souberam  inclusive 
lucrar, especulando na troca com moeda estrangeira, convertendo dinheiro em bens, pedindo 
dinheiro aos bancos e usando‐o para comprar estoques baratos. Seus custos com salários em 
valor  real  diminuíram,  inchando  seus  lucros.  Em  outubro  de  1923,  1%  da  renda  do  governo 
veio dos impostos e 99% da criação de dinheiro (“senhoriagem”). A velocidade da inflação era 
tão grande que superava a velocidade de impressão de papel moeda. A produção de marcos 
chegou  a  500.000  trilhões  por  dia.  A  hiperinflação  inchou  alguns  negócios:  em  1913  havia 
100.000 trabalhadores bancários, em 1923, 375.000. 
Schacht  reforçou  que:  “Como  em  todas  as  questões  econômicas,  especialmente  em  questão 
de dinheiro, as pessoas instruídas entendem o processo de desvalorização mais rapidamente 
do  que  a  grande  massa  inexperiente.  Quem  percebeu  a  inflação  a  tempo  pode  proteger‐se 
contra  as  perdas  do  papel‐moeda,  comprando  mais  rapidamente  possíveis  bens  quaisquer, 
que,  ao  contrario  do  papel‐moeda  em  desvalorização,  mantivessem  seu  valor  como  casas, 

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terra,  produtos,  matérias  primas  e  outras  mercadorias.  A  fuga  para  os  bens  possibilitou  não 
apenas  as  pessoas  abastadas,  mais  em  particular,  também  aqueles  negociantes 
inescrupulosos, salvarem suas fortunas e possivelmente aumentá‐las. As conseqüências dessa 
luta  para  enriquecer  e  manter  a  fortuna,  explorando  a  ignorância  da  grande  massa,  foi  o 
envenenamento  moral  de  todos  os  negócios.  A  poupança  em  dinheiro  deixou  de  existir. 
Inquietação  imensa  e  amargura  crescente  tomavam  conta  dos  operários,  dos  funcionários  e 
aposentados, que não podiam mais pagar o sustento diário. Diversos empresários passaram a 
pagar seus trabalhadores com mantimentos”. 
Julius Wolf, economista, escrevendo no verão de 1922, disse: "Em proporção à necessidade, há 
menos dinheiro circulando agora na Alemanha do que antes da guerra. Essa declaração pode 
causar surpresa, mas é correta. A circulação é agora de 15‐20 vezes aquela dos dias anteriores 
à  guerra,  enquanto  que  os  preços  subiram  40‐50  vezes".  Elster  assegurou  que  “por  mais 
enorme que possa ser o aparente aumento na circulação em 1922, na realidade os números 
mostram um declínio". Em inicio de 1923, o governo alemão verificou uma grande escassez de 
moeda. Sem moeda em circulação o marco alemão estava perdendo cada vez mais seu poder 
de  compra,  aumentando  assim  a  inflação  de  marcos  no  exterior.  Nesse  momento,  as 
autoridades  responsáveis  pela  economia  do  país  simplesmente  se  eximiram  da 
responsabilidade  do  desastre,  retirando  todos  os  limites  à  emissão  do  papel‐moeda.  No 
declínio do marco, outras moedas, mais estáveis, atuavam como moeda de reserva.  
A  destruição  da  moeda  alemã  foi  marcada  pela  disseminação  de  moedas  estrangeiras 
“estáveis”. O marco ouro já não era reserva de valor, nem unidade de conta, e agora, perdia 
mais  uma  função,  a  de  meio  de  pagamento.  Em  1923,  houve  colapso  monetário  em  janeiro, 
uma leve estabilização entre fevereiro e março e, logo depois, outro colapso, em decorrência 
das enormes perdas de reservas para o controle da taxa e câmbio. Daí em  diante, os preços 
não possuíram mais estabilidade nenhuma, mudavam mais de uma vez ao dia. A solução foi, 
em primeiro lugar, política: a busca da reconstrução da autoridade do Estado, ameaçado pelas 
“revoluções internas”, e a aprovação de leis que driblavam a constituição, em nome da “defesa 
da  economia  nacional  alemã”:  foram  emitidos  títulos  da  dívida  do  governo,  aceitos  como 
moeda corrente, com promessa do governo de resgate desses títulos em ouro; e aumento da 
tributação para que as dificuldades fiscais fossem resolvidas. 
O  processo  propriamente  de  hiperinflação  iniciou‐se  nos  primeiros  meses  de  1923,  após  o 
governo alemão tentar estabilizar a taxa de câmbio durante o período de ocupação da região 
de Rühr. Em seguida ao colapso em janeiro, durante a ocupação, a taxa recuperou‐se e ficou 
estabilizada entre meados de fevereiro e meados de abril. A inflação, que tinha apresentado 
taxas de 28% e 29% nos meses de dezembro e janeiro, cresceu até atingir 111% durante o mês 
de  fevereiro.  Após  iniciar‐se  o  processo  de  estabilização  da  taxa  de  câmbio,  houve  uma 
deflação  de  17%  em  março  e  uma  inflação  de  7%  durante  o  mês  de  abril.  Logo  depois,  a 
sustentação  foi  abandonada  devido  a  enormes  perdas  de  reservas,  e  a  inflação  voltou  a 
crescer. 
A hiperinflação atingiu vários países da Europa Oriental—Tchecoslováquia, Hungria, Áustria e 
Polônia,  alguns  estados  novos,  surgidos  do  desmantelamento  do  Império  Austro  Húngaro,  e 
todos sob a influência do marco alemão. Na Alemanha, em janeiro e fevereiro de 1923, tanto 
os preços quanto a taxa de câmbio em relação ao dólar tinham dobrado, embora em março e 
abril tenha havido um leve equilíbrio, ocasião em que os preços baixaram e a moeda valorizou‐
se. O fato pode ser explicado pela intervenção do Reichsbank no mercado de câmbio. Houve 
uma aceleração da inflação e da desvalorização em meados de maio; durante o resto do ano a 
economia  alemã  deteriorou‐se,  quando  as  taxas  de  inflação  alcançaram  o  valor  de 
aproximadamente 30.000% ao mês, ou pouco acima de 20% ao dia. O nível de preços dobrava 
em menos de quatro dias. 

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Decomposição Econômica, Política e Social 
Nos  momentos  mais  dramáticos  da  hiperinflação,  as  pessoas  compravam  duas  garrafas  de 
cerveja de cada vez porque o seu preço poderia subir antes que ela viesse a descongelar‐se. 
Preferia‐se andar de táxi ao invés de ônibus, pois no táxi a corrida era paga ao final da viagem. 
As firmas pagavam a seus funcionários utilizando‐se de  caminhões de transporte de mobília. 
Muitas gráficas faziam emissões de papel moeda para o governo em regime de tempo integral 
para atender à demanda. 
Em  julho,  a  taxa  de  inflação,  ao  dia,  era  de  3,5%,  tendo  aumentado  para  6,5%  em  agosto  e 
11,2% em setembro, atingindo uma taxa média de 20,9% em novembro. Neste estagio final os 
preços  e  as  taxas  de  câmbio  tornaram‐se  altamente  correlacionados  e,  por  isso,  relatórios 
semanais sobre os preços por atacado ou sobre o custo de vida estavam defasados em relação 
aos acontecimentos em curso. A prática de cotar os preços em moeda estrangeira foi, segundo 
alguns, o elemento fundamental para o avanço em direção à hiperinflação. Entre setembro e 
novembro os preços mudavam mais de uma vez por dia.  
Todos  os  hábitos  da  prudência  e  urbanidade  burguesas  do  passado,  e  os  valores  a  eles 
vinculados,  foram  arrasados  pela  hiperinflação.  Os  estrangeiros,  acusados  de  despojar  a 
Alemanha. Dois preços existiam para produtos idênticos: um, bem em evidência, dirigido aos 
estrangeiros;  outro,  dissimulado,  reservado  aos  alemães.  Na  Baviera,  onde  as  tendências 
xenófobas eram muito fortes, os preços eram sistematicamente aumentados em 50% para os 
estrangeiros.  

 
Hiperinflação: nota de quinhentos milhões de marcos 

Os  mais  atingidos  pela  inflação  foram  os  possuidores  de  pequenos  rendimentos  e  os 
aposentados: eles foram forçados, com mais de sessenta anos, a encontrar expedientes para 
não  sucumbir  à  miséria.  Uns  vendiam  tudo:  jóias,  quadros  ou  móveis.  Outros  alugavam  ou 
sublocavam  uma  parte  do  seu  apartamento.  Os  mais  desprovidos  esperavam  a  morte  ou  se 
antecipavam a ela.  
Nas suas Memórias, Ernst Noth relatou que seu avô, a fim de permitir‐lhe mais tarde realizar 
seus estudos, acumulara dinheiro toda a sua vida. Após sua morte, Noth recebeu 8.000 marcos 
como  herança,  depositados  num  banco.  Em  1923,  seus  pais  apressaram‐se  em  retirar  o 
dinheiro, para que não perdesse todo o seu valor. Mas ele só deu para comprar um pão, 500 
gramas de margarina e 60 gramas de café...27  

                                                            
27
  Eric  Hobsbawm  relatou  que  seu  avô,  cuja  apólice  de  seguro  venceu  durante  a  inflação  austríaca  (paralela  à  alemã), 
gostava de contar a história de que sacou essa grande soma em moeda desvalorizada e descobriu que ela dava apenas 
para tomar um drinque em seu café favorito. 

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O  ano  de  1923  desorganizou  toda  a  vida  econômica.  A  fonte  que  criou  os  estímulos  à 
produção,  isto  é,  a  poupança  forçada,  havia  secado  inteiramente  quando,  em  um  estagio 
avançado, o ajuste dos salários à desvalorização do marco era feito cada vez com mais rapidez. 
Ao mesmo tempo a poupança voluntária diminuiu rapidamente. Todo mundo preferia gastar 
assim  que  recebesse  o  dinheiro.  A  troca  substituiu  outros  procedimentos  comerciais.  Um 
trabalhador que levou um carrinho de mão cheio de papel‐moeda para a loja com o intuito de 
comprar  um  pão.  Ele  estacionou  o  carrinho  na  rua  (afinal  de  contas,  quem  se  aborreceria 
roubando  aquilo?)  e  entrou  para  ver  o  tipo  de  pão  estava  disponível.  Quando  ele  saiu,  ele 
achou o dinheiro largado no chão, mas o seu carrinho de mão havia sido roubado.  
Devido ao aumento continuo das despesas gerais, a diminuição da intensidade do trabalho e o 
aumento  dos  riscos,  o  custo  de  produção  e,  com  isso,  os  preços,  cresceram  rapidamente. 
Numa  época  de  rápida  desvalorização  monetária,  as  casas  comerciais  tinham  que  fazer 
grandes esforços para conservar seu capital de giro. O empresário se protegia forçando seus 
clientes  a  pagarem  em  moeda  estrangeira  ou  em  quantidades  em  marcos  papel  que  eram 
computados  à  taxa  do  dia,  que  o  empresário  poderia  converter  em  moeda  estrangeira.  O 
varejista  tentava  se  proteger  fixando  um  preço  básico  em  marcos  ouro  ou  dólar,  que  ele 
convertia em marcos papel à taxa diária.  
Em 1º de novembro de 1923 a taxa oficial do dólar no câmbio de Berlim era de 130 bilhões de 
marcos em papel‐moeda. Essa taxa tinha de ser usada como base para as vendas que seriam 
efetuadas nas 24 horas seguintes à sua fixação. Na tarde do mesmo dia os lojistas tiveram a 
surpresa de verificar que a taxa do dólar havia aumentado para 320 bilhões. O papel‐moeda 
que  haviam  recebido  na  parte  da  manhã  tinha  perdido  60%  de  seu  valor.  O  atacadista  teve, 
portanto,  de  aumentar  seu  preço  básico.  A  conseqüência  foi  a  interrupção  das  vendas.  Os 
estabelecimentos  comerciais  e  as  grandes  lojas  ficaram  desertos.  As  demissões  se 
multiplicaram. 
A ocupação de Rühr, e a conseqüente “Resistência Passiva”, agravaram a crise econômica que 
ocorreu na Alemanha na segunda metade de 1923; mas não foram as únicas nem as principais 
causas  dessa  crise.  Em  certo  período  a  ocupação  de  Rühr  deu  até  estimulo  às  indústrias  nos 
territórios não‐ocupados. 
A hiperinflação desorganizou a base econômica da sociedade alemã, com uma drástica queda 
em suas vendas, ritmo decrescente da produção, altos níveis de desemprego. Apesar de todos 
esses  indicadores,  o  Reichsbank  se  mantinha  passivo.  As  taxas  postais  relativas  ao  período 
mostram  a  dramaticidade  da  situação  inflacionária.  Para  se  ter  uma  idéia  dos  valores 
envolvidos, eis um resumo das mudanças nos portes para envio de cartas simples internas:  

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• Data Valor da Taxa em Marcos
1 de abr 1921 0,60
1 de Jan 1922 2,00
1 de Jul 1922 3,00
1 de out 1922 6,00
15 Nov 1922 12,00
15 Dez 1922 25,00
15 Jan 1923 50,00
1 Abr 1923 100,00
1 Jul 1923 300,00
1 Ago 1923 1.000,00
24 Ago 1923 20.000,00
1 Set 1923 75.000,00
20 Set 1923 250.000,00
1 Out 1923 2.000.000,00
10 Out 1923 5.000.000,00
20 Out 1923 10.000.000,00
1 Nov 1923 100.000.000,00
5 Nov 1923 1.000.000.000,00
12 Nov 1923 10.000.000.000,00
20 Nov 1923 20.000.000.000,00
26 Nov 1923 80.000.000.000,00
1 Dez 1923 100.000.000.000,00 ou 0.10 marcos novos

Schacht lembrou: “No verão de 1923, a miséria da inflação alemã atingiu seu auge. Cinco anos 
após  o  termino  da  Primeira  Guerra  Mundial,  a  Alemanha  se  contorcia  sob  uma  febre  que 
ameaçava  consumir  suas  últimas  forças.  Por  toda  a  parte  na  Saxônia,  Turíngia  e  Baviera 
inflamavam‐se tumultos. No sul, Hitler fazia agitações. O governo comunista/social‐democrata 
de Zeigner, na Saxônia, deu rédea solta ao terror vermelho. Em Hamburgo aconteceram lutas 
furiosas  nas  ruas  durante  dias,  tendo  sido  mortos  quinze  policiais  e  65  civis.  “o  país 
arrebentava  em  todas  as  suas  fendas”,  escreveu  um  observador.  A  inflação  levava  todos  ao 
desespero. O perigo de uma revolução era ameaçador”.  
Segundo  Sennholz,  a  elevação  do  poder  de  compra  da  moeda  leva  as  pessoas  a  aumentar  o 
valor  de  troca  do  dinheiro.  A  sociedade,  percebendo  a  alteração  do  poder  de  compra  do 
dinheiro,  deixa  de  poupar  e  passa  a  consumir.  Os  preços  dos  bens  tendiam  a  subir  mais 
rapidamente do que a depreciação do valor do dinheiro. Se a poupança das pessoas declinasse 
mais rapidamente do que a taxa de impressão monetária, o valor do estoque total do dinheiro 
também  se  depreciaria  mais  rápido  do  que  essa  taxa.Para  o  autor,  isso  não  teria  sido 
compreendido  pelas  autoridades  monetárias.  Com  a  mudança  de  regime  político,  foram 
grandes os gastos do governo alemão, logo após a guerra, para áreas como a saúde, educação 
e  assistencialismo.  As  reservas  do  Tesouro  estavam  apertadas  devido  aos  gastos  com  a 
desmobilização militar, aos déficits das indústrias, à nacionalização das ferrovias, dos correios 
e da telefonia.  

 
Correspondência para os EUA (12 de outubro de 1923): 15 milhões de marcos pagavam a taxa fixada a partir de 10 de outubro 

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Os novos “homens do poder” pareciam conduzir a administração pública acreditando que os 
recursos disponibilizados pela possibilidade de se criar dinheiro eram ilimitados. Enquanto os 
gastos  do  governo  cresciam  descontroladamente,  as  receitas  foram  sofrendo  um  declínio 
gradual  até  que,  em  outubro  de  1923,  apenas  0,8%  das  despesas  do  governo  eram  cobertas 
por receitas de impostos (para o período 1914‐1923, no total, apenas 15% das despesas eram 
cobertas por esse meio). Na fase final da inflação, o governo padeceu de uma completa atrofia 
do sistema fiscal. Com a depreciação da moeda houve uma destruição na receita do governo 
alemão,  sua  arrecadação  através  dos  tributos  caiu  drasticamente,  aniquilando  hipotecas, 
títulos,  anuidades  e  pensões.  Em  contrapartida  da  diminuição  das  arrecadações  do  governo, 
especuladores tiveram lucros espetaculares com a depreciação, se esquivando facilmente dos 
tributos impostos pelo governo.  
O governo criou políticas fiscais que impunham impostos que recaiam diretamente sobre toda 
a riqueza. Esse fato provocou uma maciça fuga de capital da Alemanha, fazendo com que os 
capitalistas passassem a não mais investir no país, preferindo investir seu dinheiro em contas 
bancárias no exterior, bem como em moedas e papéis estrangeiros. Essa rápida desvalorização 
do marco alemão acarretou um processo de enorme redução dos passivos fiscais. A população 
economicamente ativa da Alemanha pagava tributos cujo valor real era rapidamente reduzido 
pela  inflação.  Os  gastos  do  governo  eram  cada  vez  maiores  que  suas  receitas,  que  estavam 
caindo rapidamente. A produção industrial caiu na Alemanha, em 1923, um 35%! 
Os déficits eram crescentes, e passaram a ser cobertos com quantidades cada vez maiores de 
dinheiro  impresso,  aumentado  assim  o  déficit,  deixando  as  autoridades  monetárias  da 
Alemanha, num ciclo vicioso, sem perspectiva de resolução. Segundo Sennholz, o que explica a 
constante  depreciação  monetária,  durante  todo  o  período  da  inflação,  foi  uma  balança  de 
pagamento desfavorável, cujo culpado, por sua vez, era o pagamento de reparações e outros 
ônus impostos pelo Tratado de Versalhes. Os déficits do governo e a inflação do papel‐moeda 
não seriam as causas, mas as conseqüências da depreciação do marco alemão no exterior. 
Para  o  economista,  e  ex  ministro  alemão,  Helfferich,  um  dos  principais  responsáveis  do 
governo durante o período hiper‐inflacionário: "A inflação e o colapso do câmbio são filhos dos 
mesmos pais: a impossibilidade de se pagar os tributos impostos sobre nós. O problema de se 
restaurar  a  circulação  não  é  um  problema  técnico  ou  bancário;  é,  em  última  análise,  o 
problema do equilíbrio entre os encargos e a capacidade de a economia alemã suportar esses 
encargos”.  Mesmo  os  economistas  americanos  fizeram  eco  à  teoria  alemã.  Williams 
apresentou  a  seguinte  ordem  causal:  "Pagamentos  de  reparação,  taxa  de  câmbio  em 
depreciação contínua, aumento dos preços de importação e exportação, aumento dos preços 
domésticos,  déficits  orçamentários  seguidos  e,  ao  mesmo  tempo,  um  aumento  na  demanda 
por crédito bancário; e finalmente um aumento na emissão de papel‐moeda". 
Os  países  estrangeiros  passaram  a  oferecer  gratuitamente  matérias‐primas  e  comestíveis. 
Instituições  financeiras  e  investidores  particulares  adquiriram  mais  de  60  bilhões  em  cédulas 
de  marco,  colocados  a  venda  pelo  Reichsbank.  Uma  cédula  de  um  marco  valia  0,25  de  uma 
cédula  de  marco‐ouro.  Mas,  com  a  grande  depreciação  do  marco  alemão,  os  estrangeiros 
sofreram perdas de aproximadamente 15 bilhões de marcos ouro, algo como $3,5 bilhões de 
dólares americanos, quantia expressiva quando comparada ao que Alemanha havia pagado em 
moedas estrangeiras por conta de reparações. 
O governo passou a ter superávit orçamentário, podendo com isso proporcionar o pagamento 
das reparações. O governo efetua a compra do seu próprio Banco Central, a quantia necessária 
de  ouro  ou  de  moeda  estrangeira  e  repassa  para  a  instituição  de  destino.  A  correção  das 
perdas de ouro ou de moeda estrangeira será contrabalanceada com a redução da emissão de 
papel‐moeda,  mantendo  a  paridade  do  padrão  ouro,  o  que  por  sua  vez  tende  a  abater  os 
preços dos bens. Com um preço menor dos bens, a um estimulo nas exportações ao mesmo 

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tempo em que desestimula importações, gerando, um balanço de pagamento favorável. Com 
um  novo  estimulo  de  ouro  e  moeda  estrangeira,  o  banco  central  retrai  a  depreciação  da 
moeda, diminuindo a escassez de ouro ou de moeda estrangeira.  
Segundo  Sennholz,  a  causa  fundamental  do  desarranjo  do  sistema  monetário  alemão  foi  o 
desequilíbrio do balanço de pagamentos. A desordem das finanças nacionais e a inflação foram 
conseqüências  da  depreciação  da  moeda,  o  que  desordenou  o  equilíbrio  do  orçamento  e 
tornou o desastre inevitável. O governo considerava os especuladores como uma doença que 
havia  impregnado  a  economia,  causando  a  inflação  e  a  destruição  da  moeda  nacional.  Essas 
eram as tentativas de justificar o fracasso das políticas adotadas no período da crise.  

 
Dinheiro jogado na rua, varrido por gari municipal 

Não  obstante,  o  governo  que  tinha  negado  a  existência  de  qualquer  inflação  reforçou  a 
depreciação causada pelos especuladores, quando não culpava os aliados pelas retaliações na 
economia através das reparações impostas. Havenstein, presidente do Reichsbank, abraçando 
toda  teoria  que  pudesse  isentar  de  culpa  suas  políticas,  também  culpou  os  especuladores. 
Perante uma comissão parlamentar, ele deu seu testemunho: "No dia 28 de março começou o 
ataque  contra  o  mercado  de  câmbio.  Em  várias  classes  da  economia  alemã,  daquele  dia  em 
diante, a idéia era visar apenas o interesse pessoal e não as necessidades do país". 
O movimento básico dos especuladores é antecipar a inflação e a depreciação da moeda, com 
isso  antecipam  a  sua  venda,  substituindo‐a  por  moedas  estrangeiras  ou  bens  que  não  vão 
sofrer depreciação. Esse movimento é conduzido para preservar seu capital. Os especuladores 
que  trocaram  seu  capital  em  marco  alemão  para  dólar  conseguiram  proteger  seu  capital, 
atrelando seu patrimônio a uma moeda estável. 
O Fracasso Insurrecional de 1923 
Com  a  hiperinflação,  uma  situação  revolucionária  desenvolveu‐se  na  Alemanha.  O  clima  de 
polarização e violência política vinha se acentuando desde 1922, quando, a 24 de junho, fora 
assassinado, por bandos de direita, o ex ministro e banqueiro Walther Rathenau, provocando 
uma  passeata  de  200  mil  pessoas.  O  controle  do  Estado  sobre  as  organizações  paramilitares 
(de direita ou esquerda) continuava quase nulo. Em 1923, o Partido Comunista Alemão (KPD), 
em estreita colaboração com a Internacional Comunista, preparou uma insurreição e cancelou‐
a no último minuto. Trotsky, depois, referiu‐se ao fato como "um clássico exemplo de como é 
possível perder uma situação revolucionária excepcional de importância histórica e mundial".  
A  ocupação  pelas  tropas  francesas  e  belgas  do  Rühr  reacendera  a  crise  social  e  política.  O 
governo  francês  justificou  a  ocupação  militar  do  centro  da  indústria  alemã  de  aço  e  carvão 
declarando que a Alemanha não havia cumprido com suas obrigações de pagar as reparações 
de guerra. O governo alemão — um regime de direita liderado por Wilhelm Cuno e tolerado 

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pelo SPD— reagiu chamando a “resistência pacífica”. Na prática, isso significou o boicote das 
forças de ocupação pelas as autoridades locais e as companhias do Rühr. O governo continuou 
a pagar os salários da administração local e ofereceu subsídios aos barões do carvão e do aço 
para compensar suas perdas. O resultado desses enormes gastos e da ausência de carvão e aço 
do Rühr, produtos de extrema necessidade, foi o colapso completo da moeda alemã. O marco, 
já  altamente  inflado,  era  negociado  a  21.000  por  dólar  no  início  do  ano.  Ao  final  do  ano, 
quando a inflação alcançou seu ápice, a taxa de câmbio chegou a quase 6 trilhões de marcos 
por dólar — um número com 12 casas decimais. 
O impacto social e político da hiperinflação foi explosivo. A sociedade alemã foi polarizada de 
forma jamais vista. Para os trabalhadores, a inflação era uma ameaça à vida. Quando recebiam 
seus salários ao final da semana, estes mal cobriam o valor do papel sobre o qual as enormes 
somas  eram  impressas.  As  esposas  aguardavam  nos  portões  das  fábricas  para  correrem  ao 
mercado  mais  próximo  e  comprarem  algo  antes  que  o  dinheiro  perdesse  seu  valor  no  dia 
seguinte. 
Por  exemplo:  um  ovo  custava  300  marcos  no  dia  3  de  fevereiro.  Em  5  de  agosto,  custava 
12.000 marcos e, três dias depois, 30.000 marcos. Mesmo sendo os salários ajustados com a 
inflação, o salário médio calculado em dólares caiu 50% em seis meses. Ao mesmo tempo, o 
número de desempregados inflava — de menos que 100.000 ao início do ano a 3,5 milhões de 
desempregados  e  2,3  milhões  de  trabalhadores  em  empregos  a  curto‐prazo  ao  final  do  ano. 
Mas os trabalhadores, como vimos, não eram os únicos arruinados pela hiperinflação. Aqueles 
que  viviam  em  pensões  perderam  todos  os  seus  meios  de  subsistência.  Aqueles  que  haviam 
economizado um pouco de dinheiro perdiam tudo da noite para o dia. Para sobreviver, muitos 
tinham que vender suas casas, jóias e tudo mais que houvessem guardado durante toda a vida, 
apenas para descobrirem, no dia seguinte, que o rendimento não valia mais nada. 
Para Rosenberg "a expropriação sistemática das classes médias alemãs, não por um governo 
socialista, mas por um Estado burguês dedicado à defesa da propriedade privada, foi um dos 
maiores  roubos  da  história  mundial".  Do  outro  lado  do  abismo  social  estava  um  grupo  de 
especuladores e aproveitadores que fizeram enorme fortuna com a inflação. Qualquer um que 
obtivesse  acesso  a  moedas  estrangeiras  ou  a  ouro  poderia  exportar  mercadorias  alemãs  ao 
exterior e colher lucros enormes, devido aos baixos salários.  

 
Rua de Berlim em 1923: o desespero 

Com  a  inflação,  e  graças  a  ela,  indústrias  como  Krupp,  Thyssen  e  KIockner,  progrediram.  As 
perdas sofridas pelas empresas vinculadas às altas finanças internacionais foram menores que 
seus  lucros.  A  indústria  radiofônica  alemã  (Telefunken,  Lorenz  e  Huth)  data  dessa  época. 
Outros  empresários,  que  dispunham  de  fundos,  constituíram  fortunas  colossais  através  da 
aquisição de bens. O industrial Hugo Stinnes fundou um verdadeiro império, quadruplicando, 
em  1923,  seus  bens,  graças  a  empréstimos  bancários,  e  possuía  4.500  empresas.  Tinha 

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participação  em  ramos  tão  diversos  quanto  o  aço,  a  imprensa,  a  hotelaria,  os  transportes 
marítimos,  as  fábricas  de  cigarro  e  a  produção  do  açúcar.  Era,  dizia‐se,  mais  rico  do  que 
Rockefeller. Quando morreu, em 1924, os herdeiros não puderam gerir o excesso de bens por 
ele  legado.  Stinnes  também  foi,  nos  bastidores,  articulador  político  do  Partido  Populista,  do 
chanceler Stresemannn. 
A polarização social e a falência das classes médias fez surgir uma aguda polarização política. O 
Partido Social‐Democrata Alemão (SPD) perdeu rapidamente tanto membros quanto eleitores 
e  desintegrou‐se.  Desde  a  derrubada  do  Kaiser  pela  Revolução  de  Novembro  de  1918,  ele 
havia  se  aliado  ao  alto  comando  militar  e  às  forças  paramilitares  de  direita,  Freikorps,  para 
reprimir  a  revolução  proletária  e  assassinar  seus  líderes  mais  destacados.  O  SPD  era  o  único 
partido  na  Alemanha  que  defendia  a  República  de  Weimer  incondicionalmente.  Todos  os 
outros partidos preferiram uma forma mais autoritária de dominação. Friedrich Ebert, líder do 
SPD, ocupou o gabinete presidencial até sua morte, em 1925.28 
O  papel  contra‐revolucionário  do  SPD  afastou  muitos  trabalhadores  e  levou‐os  ao  Partido 
Comunista Alemão, o KPD. No início de 1923, os sindicatos e camadas de trabalhadores mais 
conservadoras  ainda  apoiavam  o  SPD.  Com  o  impacto  da  inflação,  isso  mudou  rapidamente. 
Rosenberg, dirigente do KPD em 1923, escreveu: "Durante o ano de 1923, o SPD perdeu forças 
de  forma  constante.  Os  sindicatos,  em  especial,  que  sempre  haviam  sido  o  principal  pilar  de 
influência  do  SPD,  estavam  em  total  desintegração.  Milhões  de  trabalhadores  alemães  não 
queriam  mais  ouvir  ou  falar  das  velhas  táticas  sindicais  e  abandonaram  as  associações.  A 
desintegração dos sindicatos somava‐se à paralisia do SPD". 
Enquanto  o  SPD  se  desintegrava,  os  trabalhadores  social‐democratas  ouviam  atentamente  o 
que os comunistas tinham para dizer. Dentro do SPD desenvolveu‐se uma ala esquerda pronta 
para  colaborar  com  o  KPD.  Governos  de  coalizão  da  esquerda  do  SPD  e  do  KPD  foram 
formados na Saxônia e Turíngia por um breve período. Enquanto o número de filiados do SPD 
diminuía, a influência do KPD crescia. Seus filiados cresceram de 225 mil para 295 mil em um 
ano.  No  Saar,  uma  região  mineira  antes  dominada  pelo  catolicismo,  o  KPD  aumentou  sua 
votação entre 1922 e 1924 de 14.000 a 39.000. 
Dentro  dos  sindicatos,  a  influência  comunista  crescia  proporcionalmente  à  custa  do  SPD. 
Quando  os  delegados  do  congresso  da  União  dos  Trabalhadores  Metalúrgicos  da  Alemanha 
foram eleitos em Berlim, o KPD teve muitos mais votos do que o SPD (54.000 contra 22.000). 
De acordo com um líder do KPD, em junho o partido tinha 500 seções nos principais sindicatos. 
Aproximadamente,  720.000  metalúrgicos  apoiavam  os  comunistas.  Hermann  Weber 
comentou:  "O  ano  de  1923  mostrou  uma  crescente  influência  do  KPD,  que  tinha 
provavelmente a maioria dos trabalhadores socialistas por detrás".  
Mas,  em  1923,  o  KPD  era  tudo,  exceto  um  partido  unificado.  Tinha  apenas  quatro  anos  de 
idade, mas já havia passado por eventos tumultuosos, diversas mudanças na direção, rachas e 
fusões, e estava afetado por divisões internas. A ala direita (dirigente do Partido, com Heinrich 
Brandler  e  August  Thalheimer)  chamava  à  aliança  com  o  SPD,  interpretando  a  Frente  Única 
como  uma  política  de  alianças  parlamentares;  a  ala  esquerda  (Ruth  Fischer,  Arkadi  Maslow), 
influente  em  Berlim,  Hamburgo,  Frankfurt  e  no  Rühr,  chamava  o  SPD  de  “ala  esquerda  da 

                                                            
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 Friedrich Ebert (1871‐1925), um dos principais dirigentes social‐democratas da Alemanha, se envolveu em política, ainda 
jovem,  como  sindicalista,  e  se  tornou  Secretário  Geral  do  Partido  Social  Democrata  (SPD)  em  1905.  Depois  da  I  Guerra 
Mundial e da queda do Kaiser, ocupou os cargos de Reichskanzler (Chanceler do Império Alemão) de 9 de novembro de 
1918 até 11 de fevereiro de 1919, e de Reichspräsident (Presidente da Alemanha) de fevereiro de 1919 até fevereiro de 
1925. Foi um dos líderes da República de Weimar. No dia 4 de março de 1925, o Partido Social Democrata da Alemanha 
criou  a  Fundação  Friedrich  Ebert,  batizada  com  o  nome  do  presidente  alemão  falecido  poucos  dias  antes.  Seu  objetivo 
seria “promover a consciência democrática e o entendimento entre os povos”. Desde 2000, sua sede está em Berlim. A 
fundação conta com parceiros em 76 países, e é uma grande plataforma de cooptação política. 

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burguesia”,  e  propunha  (sem  sucesso)  a  formação  de  “sindicatos  vermelhos”,  o  boicote  dos 
sindicatos e do parlamento, e a insurreição (mais ou menos) imediata. 
A divisão do KPD se projetava ao próprio movimento operário. Em maio de 1923 explodiu uma 
greve salarial dos mineiros de Dortmund, com confrontos com a polícia sob o grito “As minas 
do Rühr ao proletariado do Rühr!”. No Rühr (e em Dortmund) o KPD era dirigido pela sua ala 
esquerda. Ossip K. Flechteim informa que delegados da direção central do KPD foram então às 
minas para... tentar pôr fim à greve, enquanto Die Rote Fahne escrevia que “no momento, só 
as burguesias alemã e francesa têm interesse em uma luta pelo poder na bacia do Rühr”... 
Após a ocupação do Rühr, os conflitos entre a direção majoritária do partido e a oposição de 
esquerda emergiram sobre a questão do apoio dado pelo KPD ao governo da ala esquerda do 
Partido Social‐Democrata Alemão (SPD) na Saxônia, bem como sobre a política a ser adotada 
na  região  do  Rühr,  ocupada  pelos  franceses.  O  partido  era  dirigido  por  Heinrich  Brandler, 
membro fundador da Liga Espártaco. A facção de esquerda se agrupava sob direção de Ruth 
Fischer,  Arkadi  Maslow  e  Ernst  Thälmann.  Fischer  e  Maslow  eram  ambos  jovens  intelectuais 
que ingressaram no movimento após a guerra. Tinham a maioria da seção de Berlin atrás de si. 
Thälmann era um trabalhador que ingressara no KPD por meio do SPD‐Independente (USPD) e 
era dirigente do partido em Hamburgo. 
No dia 10 de janeiro, caiu o governo do SPD na Saxônia e o KPD conduziu uma campanha por 
uma frente única e um governo dos trabalhadores. Enquanto isso, a maioria do SPD defendia 
uma  coalizão  com  partidos  burgueses  e  apenas  uma  minoria  de  esquerda  defendia  a  aliança 
com o KPD. Este, por sua vez, desenvolveu uma forte e vigorosa agitação e tornou público um 
"Programa dos Trabalhadores" que incluía o confisco das propriedades da antiga família real; o 
armamento dos trabalhadores; o desmantelamento do judiciário, da polícia e da administração 
governamental (parlamento); por um congresso dos conselhos de fábricas e pelo controle dos 
preços  pelos  comitês  eleitos  pela  base.  Tais  reivindicações  ganharam  apoio  dentro  do  SPD, 
onde  a  ala  esquerda  tornou‐se  maioria.  Ela  aceitava  o  "Programa  dos  Trabalhadores"  com 
apenas  uma  exceção:  a  dissolução  do  parlamento  e  a  convocação  de  um  congresso  de 
conselhos de fábricas. Com base nisso, retirando esse ponto do programa, um governo do SPD 
foi criado com apoio do KPD. 
Esse passo foi apoiado pela maioria do KPD, inclusive por Karl Radek, dirigente da Internacional 
Comunista , combatido pela esquerda do KPD. Estes viam seu apoio ao governo da Saxônia não 
como uma tática para ganhar os trabalhadores social‐democratas, mas como uma adaptação 
aos social‐democratas de esquerda, os quais consideravam iguais aos de direita. Suas suspeitas 
não eram sem razão. No Rühr, o KPD distanciava‐se bastante do SPD, que dava amplo apóio à 
"resistência  passiva"  do  governo  Cuno,  que,  por  sua  vez,  colaborava  com  as  gangues 
paramilitares  —  apoiadas  secretamente  pelo  exército  —  encorajando‐as  a  realizar  atos  de 
sabotagem  contra  os  franceses.  Tais  medidas  atraíam  reacionários  e  fascistas  de  toda 
Alemanha para o Rühr.  
O  SPD  encontrou‐se,  portanto,  em  verdadeira  aliança  com  tais  forças.  O  KPD  denunciou  o 
nacionalismo do SPD como um repetição de sua política de 1914, quando votou pelos créditos 
da guerra imperialista, e opôs‐se fortemente a ela. Chamava pela luta tanto contra a ocupação 
francesa quanto contra o governo berlinense. Uma edição do Rote Fahne, jornal do KPD, trazia 
como manchete: "Lutar contra Poincaré [presidente francês] e Cuno no Rühr e em Spree". Os 
trabalhadores começaram a se rebelar contra as insuportáveis condições sociais, protestando 
contra a ocupação francesa, contra os industriais locais, bem como contra o governo de Berlin. 
Os líderes da esquerda do KPD mudaram de posição: Ruth Fischer defendia um chamado para 
que  os  trabalhadores  tomassem  as  fábricas  e  minas;  pela  tomada  do  poder  político  e  o 
estabelecimento da República Democrática dos Trabalhadores do Rühr, que poderia tornar‐se 
base para um exército dos trabalhadores para marchar até a Alemanha central, tomar o poder 

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em Berlin e “destruir de uma vez por todas a contra‐revolução nacionalista”. Sua linha parecia 
uma  aventureira  repetição  da  “ação  de  março”  de  1921.  Um  levante  no  Rühr  teria 
permanecido isolado e sem apoio no resto da Alemanha. Além disso, o Rühr estava cheio de 
organizações fascistas e paramilitares que não aceitariam passivamente um levante operário. 
Os franceses, por sua vez, olhavam com bons olhos os protestos contra o governo alemão, mas 
assumiriam outra posição em relação a uma insurreição operária. 
Diante  da  luta  entre  as  frações  do  KPD,  Zinoviev,  presidente  da  Internacional  Comunista, 
convidou  ambas  a  Moscou,  onde  assumiram  um  compromisso.  Assim,  a  Internacional 
concordava  com  o  apoio  dado  ao  SPD,  embora  criticasse  algumas  formulações  do  apoio, 
indicando que essa deveria ser uma tática apenas momentânea. Em relação ao Rühr, rejeitou 
os planos de Fischer. A resolução acordada dava indicações de que a direção da Internacional 
não  estava  atenta  à  velocidade  dos  eventos  na  Alemanha:  "As  diferenças  surgidas  do  lento 
desenvolvimento  revolucionário  da  Alemanha  e  das  dificuldades  objetivas  às  quais  conduz, 
alimentam, simultaneamente, divergências de direita e de esquerda". 
Um poderoso movimento de conselhos espalhava‐se nas mais importantes instalações fabris, 
com o KPD como força mais ativa. Formaram‐se, por iniciativa do KPD, as Centúrias Proletárias 
e  a  1º  de  maio  de  1923  desfilaram  em  Berlim  mais  de  25  mil  trabalhadores  com  bracelete 
vermelho.  O  propósito  do  KPD  de  conformar  as  Centúrias  como  órgãos  de  frente  única 
operária  frustrou‐se,  embora  um  número  importante  de  operários  do  SPD  e  independentes 
passaram a formar parte delas. No mesmo mês explodiu uma greve geral na bacia do Rühr e a 
rebelião  em  Bochum.  Erich  Wollemberg  (Walther,  experto  militar  da  IC)  relatou  que  “a 
insurreição  de  Bochum  conseguiu  a  fraternidade  entre  os  proletários  alemães  que  a 
aclamaram  e  gritaram:  Abaixo  Poincaré!  Abaixo  Stinnes!  Em  maio  de  1923,  desperdiçou‐se 
uma grande oportunidade para a revolução socialista”. 
Em junho de 1923, Radek introduziu uma nova linha política, que confundiu e desorientou o 
KDP, a chamada "Linha Schlageter". O KPD preocupava‐se, há certo tempo, com o crescimento 
do  fascismo  na  Alemanha.  Em  outubro  de  1922,  Mussolini  tomara  o  poder  em  Roma,  após 
uma  campanha  violenta  de  seus  destacamentos  armados,  os  fasci,  contra  as  organizações 
operárias e trabalhadores militantes. Na Alemanha, antes disso, a extrema‐direita limitava‐se 
apenas  a  remanescentes  do  exército  imperial  e  a  pequenos  partidos  anti‐semitas.  Mas,  em 
1923,  começava  a  crescer  e  ganhar  base  social.  Atividades  contra  os  "criminosos  de 
novembro",  contra  os  judeus  e  estrangeiros  encontraram  apoio  entre  elementos  deslocados 
da  pequena‐burguesia,  bem  como  entre  alguns  trabalhadores  pauperizados  pelo  impacto  da 
inflação. No Rühr, membros da extrema‐direita apresentavam‐se como heróicos combatentes 
contra a ocupação francesa. 
A Baviera, em particular, com suas largas áreas rurais, tornou‐se praticamente um baluarte da 
extrema‐direita.  Após  a  repressão  sangrenta  à  Republica  Soviética  de  Munique,  em  1919,  a 
região tornou‐se antro de organizações nacionalistas, fascistas e paramilitares. Em 7 de abril, 
Albert  Schlageter,  um  membro  da  Freikorps,  foi  preso  pelo  exército  francês  em  Düsseldorf 
porque tinha participado de ataques com bomba a estradas de ferro. Foi sentenciado à morte 
por uma corte militar e executado a 26 de maio. A direita imediatamente o tornou um mártir. 
Na reunião  do Comitê  Executivo  da Internacional Comunista  (ECCI), em junho, Radek propôs 
que  o  KPD  disputasse  os  trabalhadores  e  os  elementos  pequeno‐burgueses  seduzidos  pelo 
fascismo, juntando‐se a essa campanha e adaptando‐se ao nacionalismo. 
"As massas pequeno‐burguesas, os intelectuais e técnicos que desempenharão um importante 
papel  na  revolução  assumem  a  posição  de  um  antagonismo  nacional  ao  capitalismo,  que  os 
está relegando", defendeu Radek. "Se nós queremos ser um partido dos trabalhadores, capaz 
de empreender a luta pelo poder, temos que achar um caminho que possa nos aproximar das 
massas, e devemos encontrá‐lo não por meio da diminuição de nossas responsabilidades, mas 

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pela defesa de que a classe trabalhadora sozinha pode salvar a nação". Mais tarde, na reunião, 
elogiou  solenemente  Schlageter  que,  enquanto  "um  valente  soldado  da  contra‐revolução", 
ainda  "merece  sinceras  homenagens  da  nossa  parte,  como  soldados  da  revolução."  "O 
ocorrido  a  este  mártir  do  nacionalismo  alemão  não  deve  ser  esquecido,  ou  meramente 
honrado  em  breves  palavras",  disse  Radek:  "Nós  precisamos  fazer  de  tudo  para  proteger  os 
homens que, como Schlageter, estão prontos para dar suas vidas por uma causa comum, vindo 
a  ser  não  viajantes  no  vazio,  mas  viajantes  na  direção  de  um  futuro  melhor  para  toda  a 
humanidade". Na Alemanha, Radek publicou o panfleto Schlageter, o Peregrino do Nada. 

 
Die Rote Fahne, órgão do Partido Comunista da Alemanha (KPD) 

A  Linha  Schlageter  foi  defendida  pela  Rote  Fahne  e  predominou  por  diversas  semanas.  Ela 
criou uma grande confusão entre as fileiras comunistas, as quais tinham resistido até então às 
pressões  nacionalistas.  E  não  há  a  mínima  indicação  de  que  tenha  enfraquecido  as  fileiras 
nazistas, com exceção de alguns poucos “nacional‐bolcheviques”, que entraram para o KPD e 
criaram  muitos  problemas  antes  que  fosse  possível  livrar‐se  deles  novamente.  A  campanha 
Schlageter  proveu  de  ampla  munição  a  propaganda  anticomunista  do  SPD  e  tornou  muito 
difícil para o Partido Comunista Francês (PCF) organizar a solidariedade dos soldados franceses 
para com os trabalhadores alemães. 
Enquanto Radek desenvolvia a Linha Schlageter, a luta de classes na Alemanha se intensificou. 
Em  junho  e  julho,  agitações  e  greves  contra  a  alta  dos  preços  estouraram  por  todo  o  país. 
Participavam  com  freqüência  centenas  de  milhares  de  trabalhadores,  entre  eles  setores  que 
nunca  antes  tinham  participado  de  uma  luta  social:  no  começo  de  junho,  100.000 
trabalhadores rurais e 10.000 diaristas entraram em greve em Brandemburgo. O KPD tentou 
fazer do 29 de julho um dia de luta, mas o Comitê Central cambaleou, por causa da proibição 
do governo. Brandler pediu conselho do Comitê Executivo da Internacional. Stalin contestou: 
“Se hoje na Alemanha o poder, por dizê‐lo de algum modo, caíra, e no caso que os comunistas 
quiseram  conquistá‐lo,  fracassariam  com  grandes  perdas.  Isto  no  melhor  dos  casos.  No  pior 
seriam destroçados”.  
Em 8 de agosto, o chanceler Cuno se dirigiu ao Reichstag. Exigia novos cortes e ataques sobre a 
classe trabalhadora e combinava tais demandas com a exigência do voto de confiança. O SPD 
buscava  salvar‐se  abstendo‐se  de  votar.  Em  seguida,  tendo  início  em  Berlim,  desenvolveu‐se 
uma  espontânea  onda  de  greves  exigindo  a  renúncia  do  governo  de  Cuno.  A  greve  geral  em 
Berlim obrigou a demitir o governo de Cuno. A burguesia, apavorada, apoiou um governo da 
social‐democracia  para  estabilizar  a  situação.  A  revolução  na  Alemanha  entrava  na  fase 
decisiva com um Comitê Central do KPD desorientado.  
Em  10  de  agosto,  uma  conferência  de  representantes  de  sindicatos,  sob  pressão  do  SPD, 
rejeitou o chamado por uma greve geral. Mas, no dia seguinte, uma conferência de conselhos 
de  fábrica,  apressadamente  convocada  pelo  KPD,  tomou  a  iniciativa  e  anunciou  uma  greve 
geral. Três milhões e meio de trabalhadores participaram. Em diversas cidades, aconteceram 
batalhas  com  os  policiais  e  dezenas  de  trabalhadores  mortos.  As  leis  foram  profundamente 
abaladas:  "Nunca  houve  um  período  na  história  moderna  alemã  que  foi  tão  favorável  para 
uma  revolução  socialista  como  no  verão  de  1923",  escreveu  Arthur  Rosenberg. 

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Momentaneamente,  o  SPD  salvou  a  burguesia.  Contra  considerável  resistência  nas  suas 
próprias fieiras, entrou num governo de coalizão liderado por Gustav Stresemann do Deutsche 
Volkspartei    (DVP  —  Partido  Popular  Alemão,  ou  “populista”),  um  partido  dos  homens  de 
negócios, como o já mencionado Hugo Stinnes. 
Somente então, após as greves contra Cuno, o KPD e a Internacional Comunista perceberam a 
oportunidade  revolucionária  que  havia  se  desenvolvido  na  Alemanha.  Em  21  de  agosto,  o 
Bureau Político do Partido Comunista da URSS (PCUS) decidiu preparar‐se para uma revolução 
na  Alemanha.  Formou  uma  "Comissão  de  Obrigações  Internacionais"  para  supervisionar  o 
trabalho na Alemanha, composta por Zinoviev, Kamenev, Radek, Stalin, Trotsky e Chicherin — 
e,  depois,  Dzerzhinsky,  Piatakov  e  Sokolnikov.  Nos  dias  e  semanas  que  se  seguiram,  houve 
numerosas  discussões  e  contínua  correspondência  com  os  líderes  do  KPD,  que 
freqüentemente viajavam a Moscou. Suporte financeiro, logístico e militar foi organizado para 
armar centenas de operários, preparados nos meses anteriores. Em outubro, Radek, Piatakov 
e Sokolnikov foram mandados para a Alemanha, para preparar o levante. 
Trotsky,  acima  de  tudo,  lutou  incansavelmente  para  superar  o  fatalismo  e  a  complacência 
existentes na seção alemã e no partido russo. Enquanto isso, Stalin escreveu  a Zinoviev: "Na 
minha opinião, os alemães precisam ser contidos e não encorajados", e "para nós, seria uma 
vantagem os fascistas entrarem em greve antes". Trotsky insistiu que e insurreição devia ser 
preparada  em  um  período  de  semanas,  ao  invés  de  meses,  e  a  data  definitiva  devia  ser 
escolhida.  O  que  parecia  só  uma  proposta  organizativa  —  a  escolha  de  uma  data  —  era,  na 
realidade, uma proposta política. De acordo com a preocupação de Trotsky, a principal tarefa 
no momento era concentrar todas as energias e atenções do partido no preparo da revolução. 
De uma preparação propagandística geral, tinha de passar à preparação prática da insurreição. 
Durante  o  encontro  do  Bureau  Político,  em  21  de  agosto,  Trotsky  disse:  "Quão  longe  vai  o 
ânimo das massas revolucionárias alemãs? A sensação de que estão no caminho da revolução 
— tal sentimento existe. O problema posto é o problema da preparação. O caos revolucionário 
não  pode  ser  selado  com  borracha.  A  questão  é:  ou  começamos  a  revolução,  ou  a 
organizamos".  Trotsky  alertou  sobre  o  perigo  de  que  fascistas  bem  organizados  poderiam 
esmagar ações descoordenadas de trabalhadores, e exigiu: "O KPD precisa escolher um tempo 
limite  para  a  preparação,  para  a  preparação  militar  e  —  em  tempo  correspondente  —  para 
agitação  política".  Trotsky  sofreu  oposição  por  parte  de  Stalin,  que  argumentava  contra  um 
prazo marcado, alegando que "os trabalhadores continuam acreditando na social‐democracia" 
e que o governo poderia durar por outros oito meses.  
Brandler,  em  uma  carta  para  o  Comitê  Executivo  da  Internacional  de  28  de  agosto,  também 
sustentava  um  longo  período:  "Eu  não  acredito  que  o  governo  Stresemann  vai  viver  muito 
mais", escreveu. "Entretanto, não acredito que a próxima onda, que já se aproxima, vai decidir 
a questão do poder. Nós devemos tentar concentrar nossas forças para que possamos, se for 
inevitável, assumir a luta em seis semanas. Mas, ao mesmo tempo, fazer os preparativos para 
estarmos prontos com o trabalho mais sólido em cinco meses". Além disso, acrescentou que 
acreditava que um período de seis a oito meses seria o mais provável. Em discussões entre a 
comissão russa e a liderança alemã, um mês depois, Trotsky voltou ao assunto do cronograma. 
Interrompeu  a  discussão  a  respeito  do  problema  do  Rühr,  e  disse:  "Eu  não  compreendo  por 
que  tanta  relevância  é  dada  para  o  caso  Rühr.  O  problema,  agora,  é  tomar  o  poder  na 
Alemanha. Essa é a tarefa, o restante decorrerá disso". 
Trotsky  respondeu,  então,  às  preocupações  de  que  os  trabalhadores  alemães  lutariam  por 
reivindicações econômicas, mas não tão facilmente por objetivos políticos: "A inibição política 
é nada mais que certa dúvida, por conta das marcas que as derrotas anteriores deixaram no 
cérebro  das  massas...  o  partido  só  pode  ganhar  a  classe  trabalhadora  alemã  para  a  luta 
revolucionária decisiva — e a situação está aqui, agora — se convencer um largo segmento da 

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classe  trabalhadora,  sua  direção,  de  que  também  é  organizativamente  capaz  de  liderar  a 
vitória  no  sentido  mais  concreto  da  palavra...  A  expressão  de  tendências  fatalistas  pelo 
partido,  aí  é  que  está  o  grande  perigo".  Trotsky  explicou,  em  seguida,  que  o  fatalismo  podia 
assumir diferentes formas: primeiro, se diz que a situação é revolucionária, o que é repetido 
todos os dias. Isso se torna usual e a política passa a ser esperar pela revolução. Então, se dá 
armas aos trabalhadores e se diz que isso levará ao conflito armado. Mas, ainda assim, seria 
apenas o "fatalismo armado". 
Através  da  informação  repassada  pelos  comunistas  alemães,  Trotsky  concluiu  que  eles 
concebiam a tarefa como fácil demais: "Se a revolução é para ser mais do que uma perspectiva 
confusa", disse ele, "se é para ser a tarefa principal, deve ser tomada por uma tarefa prática, 
organizativa... É preciso estabelecer uma data, preparar e lutar". Em 23 de setembro, Trotsky 
publicou, inclusive, um artigo no Pravda: "Pode uma contra‐revolução ou revolução ser feita 
com  tempo  marcado?"  Trotsky  discutia  a  questão  em  termos  gerais,  sem  mencionar  a 
Alemanha, já que o pedido público de definição de uma data para a revolução alemã por um 
representante‐chave  da  direção,  como  ele,  poderia  provocar  uma  crise  internacional  ou 
mesmo uma guerra. 
Sete  dias  depois,  o  mesmo  Trotsky  (com  Lênin  seriamente  doente,  ele  era  a  principal  figura 
pública  da  URSS)  concedeu  entrevista  ao  senador  norte‐americano  King,  preocupado  com  o 
risco  de  uma  nova  guerra  no  coração  da  Europa,  devida  aos  acontecimentos  alemães.  À 
pergunta:  “É  possível  que  a  URSS  intervenha  em  caso  de  uma  revolução  na  Alemanha?”, 
Trotsky respondeu: “Antes do mais, nós queremos a paz. Não enviaremos nenhum soldado do 
Exército  Vermelho  além  das  fronteiras  da  Rússia  soviética,  se  não  formos  forçados.  Nossos 
operários  e  camponeses  não  permitiriam  ao  governo  que  tomasse  a  iniciativa  de  uma  ação 
militar, inclusive se o governo enlouquecesse ao ponto de optar por uma política de agressão. 
Se  os  monarquistas  alemães  fossem  vitoriosos  e  chegassem  a  um  acordo  com  a  Entente, 
recebendo dos aliados um mandato para intervir militarmente na Rússia (o que já foi proposto 
por Luddendorf e Hoffman) nós lutaríamos e seriamos, creio, vencedores. Mas não acho que 
isso acontecerá. Em qualquer caso, não interviríamos numa guerra civil. Não poderíamos fazê‐
lo se não fazendo a guerra à Polônia. E não queremos a guerra”.29   
Na  Alemanha  aconteciam  mudanças  políticas,  com  a  posse  de  Gustav  Stresemann.  A  13  de 
agosto  de  1923,  ele  disse,  em  seu  discurso  de  posse:  "Nessa  época  de  profundos 
questionamentos  quanto  ao  nosso  futuro,  só  há  uma  estrela‐guia  para  o  nosso  partido: 
responder  aos  desafios  do  nosso  tempo,  livre  de  ilusões  e  com  o  realismo  político  que,  na 
realidade,  é  o  ideal  mais elevado,  porque  freia  as emoções  onde  somente  o  raciocínio  frio  e 
calculista nos leva adiante". A principal meta de Stresemann era estabilizar a economia. Para 
tanto,  era  necessário  encerrar  a  disputa  pela  região  do  Rühr  –  uma  medida  impopular. 
Stresemann  tentou  durante  muito  tempo,  sem  sucesso,  acertar  com  a  França  um  fim  de 
conflito "honroso para a Alemanha". Em setembro, percebendo que não havia mais margem 
para  negociação,  Stresemann  declarou  o  fim  da  resistência  passiva.  A  imprensa  direitista 
atacou‐o violentamente, acusando‐o de traição à pátria. Stresemann foi ameaçado de morte. 
Diante dos assassinatos de Matthias Erzberger em 1921 e de Walter Rathenau em 1922, não se 
tratava de ameaças vazias. A extrema direita não perdoou Stresemann por haver mudado de 
corrente  política  e  por  defender  um  entendimento  com  o  inimigo.  No  entanto,  justamente 
pelo fato de ser um direitista moderado, Stresemann conquistou apoio para sua política.  

                                                            
29
 Alguns trotskistas, como o célebre escritor negro C. L. R. James, viram nesta entrevista uma tentativa de freio de 
Trotsky à revolução alemã. Anos depois, Trotsky teve que esclarecer o caráter diplomático da mesma, do qual eram 
cientes os comunistas alemães, e que, nesse mesmo momento, o chefe do Exército Vermelho tinha um regimento, 
comandado por Dybenko, prestes a entrar em combate na fronteira polonesa. 

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Segundo Jost Dülffer, "a esquerda democrática de Weimar era programaticamente a favor de 
um  equilíbrio  político.  Isso  eram  os  social‐democratas,  liberais  de  esquerda,  democratas 
alemães  e  políticos  do  Zentrum.  A  participação  do  direitista  Partido  Popular  Alemão  nessa 
política só se tornou viável devido ao engajamento de seu líder Gustav Stresemann. Mais do 
que  qualquer  um  de  seus  antecessores,  ele  conseguiu  conquistar  apoio  para  esta  coalizão 
política  interna".  A  contra‐revolução  democrática  ampliava  suas  bases,  o  que  teria 
conseqüências decisivas. 
Na Internacional Comunista, a data para o levante foi finalmente definida: 9 de novembro. Os 
eventos ganhavam velocidade. Em 26 de setembro, Stresemann anunciara o fim da resistência 
passiva. Argumentou que não havia outra maneira de controlar a hiperinflação. Isso provocou 
a  extrema‐direita.  No  mesmo  dia,  o  governo  da  Baviera  decretou  estado  de  emergência  e 
instalou  uma  ditadura  liderada  por  Ritter  von  Kahr.  Von  Kahr  colaborou  com  os  nazistas  de 
Hitler e, imitando a marcha de Mussolini sobre Roma, planejou uma marcha em Berlim para 
instalar uma ditadura. Kahr tinha o apoio do comandante das tropas da Reichswehr [Defesa do 
Império] posicionadas na Baviera. 
O  governo  de  Berlim  reagiu  estabelecendo  sua  própria  ditadura.  Todo  o  poder  executivo  foi 
transferido ao Ministro da Defesa, que o delegou ao general Hans von Seeckt, comandante da 
Reichswehr.  Seeckt  simpatizava  com  a  extrema‐direita  e  se  recusava  a  disciplinar  os 
comandantes  bávaros  rebelados.  Líderes  empresariais,  com  Hugo  Stinnes,  apoiavam  o  plano 
de uma ditadura, optando por Seeckt como ditador. A 13 de outubro, o Reichstag, depois de 
vários  dias  de  discussão,  aprovou  um  ato  autorizando  a  abolição  das  conquistas  sociais  da 
revolução de novembro de 1918, incluindo a jornada de 8 horas. O SPD votou a favor do ato.  
A agressão à Saxônia desencadeara uma greve geral. O KPD entrou a formar parte do governo 
de  Saxônia,  onde  participava  seu  Secretário  Geral,  Heinrich  Brandler.  A  Saxônia  e  a  Turíngia 
eram  os  centros  da  resistência  da  classe  trabalhadora  contra  tais  preparações  contra‐
revolucionárias. Nos dois lander, em 10 e 16 de outubro, respectivamente, o KPD juntou‐se aos 
governos da esquerda do SPD. Isso era parte do plano elaborado em Moscou. Pela entrada em 
um  governo  de  coalizão,  o  KPD  esperava  fortalecer  sua  posição  e  ter  acesso  a  armas.  Mas, 
apesar  de  que  ambos  os  governos  eram  formados  legalmente,  e  dirigidos  por  uma  maioria 
parlamentar, o comandante da Reichswehr na Saxônia, Müller, se recusava a reconhecer a sua 
autoridade.  Em  concordância  com  o  governo  berlinense,  submeteu  a  polícia  ao  seu  próprio 
comando.  
O  plano  da  Internacional  Comunista  (e  do  KPD)  parta  da  defesa  dos  governos  da  Saxônia  e 
Turíngia contra a intervenção da Reichswehr, para deflagrara a greve geral e a insurreição. Esta 
estava  planejada  nos  mínimos  detalhes,  política,  técnica  e  militarmente,  com  um  plano 
financeiro, um projeto de constituição do Exército Vermelho da Alemanha, a clandestinidade 
dos dirigentes do KPD enquanto durasse a ação, com todas as medidas de proteção cabíveis. A 
“provocação”  seria  a  constituição  de  “governos  operários”  e  “milícias  operárias”  pelos 
governos  de  esquerda  (KPD  +  esquerda  do  SPD)  dos  dois  Länder.  Na  URSS,  em  fábricas  e 
centros de ensino, se produzia uma mobilização de massas à espera do “Outubro alemão”. 
Ameaçado  pela  Baviera,  que  faz  fronteira  com  a  Saxônia  e  a  Turíngia  no  sul,  e  pelo  governo 
central  em  Berlim,  situado  ao  norte,  o  KPD  teve  de  adiantar  seus  planos  para  a  revolução. 
Chamou um congresso de conselhos de fábrica em Chemnitz, Saxônia, no dia 21 de outubro. O 
congresso  deveria  convocar  uma  greve  geral  e  dar  o  sinal  para  a  insurreição  em  toda  a 
Alemanha.  Quando  o  Exército  deu  o  ultimato  e  preparou  a  entrada  no  Länd,  os  social‐
democratas de esquerda, no entanto, negaram‐se a fazer o chamamento à greve geral. Como 
eles  não  concordavam,  Brandler  cancelou  os  planos  e  interrompeu  o  levante  armado,  já 
acertado com a Internacional Comunista. 

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O  KPD  vacilou  e  sem  um  plano  de  recâmbio,  anulou  a  ordem  de  insurreição.  A  decisão  de 
cancelar  a  revolução  não  chegou  em  Hamburgo  a  tempo:  uma  insurreição  foi  organizada  e 
deflagrada  na  cidade,  mas  permaneceu  isolada  e  foi  derrotada  em  três  dias.  Os  militantes 
comunistas lutaram nas ruas enquanto as fábricas trabalhavam em ritmo lento e a população, 
ainda que simpatizando com os insurretos, olhava passiva. Embora o congresso de Chemnitz 
ainda  estivesse  reunido,  o  Reichswehr  começou  a  ocupar  a  Saxônia.  Conflitos  armados 
causaram a morte de vários trabalhadores. Em 28 de outubro, o presidente social‐democrata 
Friedrich Ebert deu ordens ao Reichsexekution contra a Saxônia. Ordenou a remoção forçada 
do governo da Saxônia — encabeçado por Erich Zeigner, social‐democrata de esquerda — pela 
Reichswehr.  A  indignação  pública  obrigou  o  SPD  a  retirar‐se  do  governo  Stresemann  em 
Berlim.  Alguns  dias  depois,  a  Reichswehr  entrou  na  Turíngia  e  removeu  também  o  governo 
local. A deposição desses dois governos de esquerda por Ebert e Seeckt encorajou a extrema‐
direita da Baviera. 
Em poucos dias, portanto, a história balançou: a conferência operária de Chemnitz, dominada 
pelos socialistas saxões, deveria lançar a greve geral. Não o fez, e os comunistas adiaram então 
a  insurreição.  Em  1924,  Trotsky  escreveu:  “O  PC  não  foi  suficientemente  firme,  clarividente, 
resoluto e combativo para garantir a intervenção no momento necessário, e a vitória”.  
Só  os  comunistas  de  Hamburgo  (dirigidos  pela  ala  esquerda  do  KPD)  cumpriram  a  ordem 
insurrecional,  enquanto,  na  Rússia,  a  “troika”  (Stalin‐Zinoviev‐Kamenev),  empenhada  no 
combate  contra  Trotsky,  prestava  pouca  atenção  aos  acontecimentos  alemães.  Em  finais  de 
1923,  quando  a  situação  exigia  uma  mudança  brusca  de  orientação,  o  KPD  a  tomou  sem 
convicção, com um considerável atraso e quando já era muito tarde. A vacilação e, finalmente, 
a  claudicação  de  Heinrich  Brandler  (principal  dirigente  do  KPD)  foi  o  capítulo  final  de  uma 
longa  série  de  vacilações,  confusões  e  recuos.  A  revolução  fora  adiada  (sine  die).  Ela  não 
voltaria a se apresentar nas próximas décadas. 
A  maioria  dos  delegados  de  Chemnitz  teria  apoiado  a  convocação  da  greve  geral,  como 
Brandler  escreveu  em  uma  carta  a  Clara  Zetkin.  Mas,  mesmo  assim,  ele  não  quis  agir  sem  o 
apoio dos social‐democratas de esquerda: "Durante a conferência de Chemnitz eu percebi que 
não  poderíamos,  sob  quaisquer  circunstâncias,  partir  para  a  luta  decisiva,  uma  vez  que  não 
havíamos  conseguido  convencer  a  esquerda  do  SPD  a  assinar  a  decisão  de  greve  geral", 
escreveu Brandler.  
E acrescentou: "Com a massiva resistência [social‐democrata de esquerda], eu mudei o curso e 
evitei  que  nós,  comunistas,  fossemos  ao  combate  sozinhos.  É  claro  que  poderíamos  ter 
recebido uma maioria de dois terços em favor de uma greve geral na conferência de Chemnitz. 
Mas, o SPD teria deixado a conferência, e seus slogans confusos, sobre como a intervenção do 
Reich  contra  a  Saxônia  tinha  simplesmente  o  propósito  de  ocultar  a  intervenção  do  Reich 
contra a Baviera, teriam quebrado nosso espírito de luta. Então, eu conscientemente lutei por 
um compromisso desagradável". E desastroso. 
É  impossível  ler  essas  (e  outras)  ponderações  de  Brandler,  sem  sentir  um  frio  na  espinha, 
sabendo que da sua decisão (ou, melhor, da falta dela) dependia a sorte da revolução alemã e, 
por  extensão  da  revolução  européia  e  mundial.  Na  verdade,  porém,  a  decisão  da  direção  do 
KPD  foi  endossada  pela  “comissão  alemã”  da  Internacional  Comunista  –  Radek,  Piatakov, 
Ounschlicht – que se encontrava, no mesmo momento, em território alemão. 
O Fracasso Nazista e a Estabilização 
A  crise  e  confusão  política  eram  de  tal  grau  que  a  extrema  direita  acreditou,  erroneamente, 
que era chegada a sua hora. Um cálculo apressado e errado (o centro da contra‐revolução era 
ainda  o  governo  Stresemann‐Ebert):  a  política  da  extrema  direita  foi  o  simétrico  oposto  da 
política do KPD. Sem condições para uma insurreição vitoriosa, a extrema direita lançou‐a, de 
qualquer maneira. 

  54
No dia 8 de novembro, Adolf Hitler proclamou a "revolução nacional" em Munique e ensaiou 
um  golpe.  O  Partido  Nacional‐Socialista  (NSDAP),  supostamente,  contava  já  com  50.000 
membros  e  as  Formações  de  Assalto  (SA)  eram  fortemente  armadas,  ajudadas,  protegidas  e 
financiadas por grandes empresários e oficiais do Exército. Seu objetivo era forçar o ditador da 
Baviera,  Kahr,  a  marchar  para  Berlim  e,  tomar  o  poder.  Hitler  foi  apoiado,  no  NSDAP,  pelo 
general Luddendorf, um dos mais altos comandantes militares da Primeira Guerra Mundial. A 9 
de  novembro,  os  dois  nazistas  promoveram  seu  desfile  nas  ruas  centrais  de  Munique, 
acreditando que o clima de decomposição política e deslocamento à direita os favoreceria. O 
golpe  (na  verdade  um  proto‐golpe)  Hitler‐Luddendorf,  no  entanto,  também  falhou.  Berlim  já 
havia se movido tanto para a direita que a direita da Baviera não precisava mais de uma figura 
como Hitler.  
A  política  de  estabilização  e  equilíbrio  implementada  por  Stresemann,  por  outro  lado,  teve 
êxito.  Em  novembro  de  1923,  ele  conseguiu  iniciar  a  derrubada  da  inflação.  O  marco  foi 
desvalorizado no dia 1º de dezembro de 1923 à taxa de 1.000.000.000.000 de marcos velhos 
para 1 marco novo, ou um trilhão a um. E, através de vários acordos, o Império Alemão livrou‐
se de seu isolamento político internacional.30 Mas Stresemann não conseguiu colher os frutos 
de seu trabalho. Em novembro de 1923, foram apresentados ao Parlamento dois pedidos de 
votos  de  desconfiança  contra  ele:  o  primeiro,  do  Partido  Social  Democrata,  e  o  segundo,  do 
Partido Nacional Popular da Alemanha.  Atacado pela direita e pela esquerda, ele submeteu‐se 
ao voto de confiança e perdeu a votação por 231 a 156 votos. Em 23 de novembro de 1923, 
cem  dias  após  sua  posse,  Gustav  Stresemann  renunciou  ao  cargo  de  chanceler.    Ebert  se 
acomodou ao golpe, delegando o comando das forças armadas e do poder executivo a Seeckt. 
Embora  as  instituições  da  República  de  Weimar  ainda  existissem  formalmente,  a  Alemanha 
seria governada por uma ditadura militar de fato até março de 1924. 
A  chancelaria  foi  ocupada  por  Wilhelm  Marx,  que  apoiara  o  Tratado  de  Versalhes  durante  a 
ocupação da Renânia, segundo ele porque, se a Alemanha não aceitasse, ela seria separada do 
país. Marx também unificou o Zentrum para apoiar o governo, usando o apelo ao catolicismo. 
Era o décimo gabinete alemão desde 1919. Seu primeiro mandato durou 13 meses, o segundo 
25 meses: Marx presidiu ao longo de quatro gabinetes. O seu ministro de Reelações Externas 
foi Gustav Stresemann, o que levou a tolerância do governo pelo SPD. Durante o governo de 
Marx  aconteceu  a  “estabilização”  da  economia  alemã.  Até  o  final  de  1924,  o  estado  de 
emergência  foi  revogado.  No  seu  segundo  mandato,  Alemanha  aderiu  à  Liga  das  Nações,  e 
Marx  depôs  o  general  Hans  Von  Seeckt,  argumentando  que  queria  fazer  do  exército  um 
"Estado dentro do Estado" (ou seja, de planejar um golpe militar). 
O  ano  de  1923  mudou  o  rumo  da  Internacional  Comunista.  Com  Lênin  doente,  o  choque  de 
Trotsky  e  a  Oposição  de  Esquerda  (que  foi  lançada  publicamente  em  outubro  desse  ano  na 
URSS, com a “Plataforma dos 46”) contra a direção do PCUS estourou abertamente, no mesmo 
momento em que o KPD fracassava na sua tentativa de tomar o poder na Alemanha. Trotsky 
refletiu:  “Zinoviev  definia  nestes  termos  a  significação  do  que  acontecera  na  Alemanha: 
«Esperávamos a revolução alemã, mas não veio (Pravda, 22 de junho de 1924)». Em realidade, 
a  revolução  estava  no  seu  direito  de  contestar:  «Eu  viera,  mas  vocês,  senhores,  chegaram 
tarde a cita»”. 
O  KPD  e  a  Internacional  Comunista  haviam  deixado  escapar  uma  situação  revolucionária 
excepcional, de importância histórica mundial. O PC alemão (KPD) fez depender a insurreição 
revolucionária da ala esquerda da socialdemocracia, que desertou o campo revolucionário no 
último  momento,  quanto  até  a  preparação  técnica  da  insurreição  operária  estava  pronta,  e 

                                                            
30
 Por seus “esforços de reconciliação”, ou seja, por desativar a bomba guerra‐revolução, o chanceler alemão receberia, 
junto com seu colega francês Aristide Briand, o Prêmio Nobel da Paz de 1926. 

  55
com  data  marcada.  O  KPD  perdeu  a  principal  batalha,  e  sua  maior  oportunidade  histórica, 
praticamente sem dar batalha.  
A  burguesia  alemã  encontrou,  então,  um  novo  eixo  de  estabilidade:  o  abandono  da 
“resistência passiva” (à França), a prisão dos comunistas e também dos nazistas (Adolf Hitler, 
preso  pelo  Reichswehr,  aproveitaria  o  tempo  passado  na  prisão  para  redigir,  ou  ditar,  seu 
libelo  esquizofrênico‐paranóico  Mein  Kampf).  O  capital  norte‐americano  colaborou  com  o 
novo governo Stresemann através do Plano Dawes (com um empréstimo inicial de 800 milhões 
de dólares): até 1930, a Alemanha tomou emprestados 30 bilhões de marcos, 70% dos bancos 
americanos.  O  Doktor  Hjalmar  Schacht,  ministro  de  Finanças  (que,  depois,  seria  o  “mágico 
financeiro” de Hitler) pôde criar então o marco forte. 
Quatro  meses  depois  do  fracasso  da  insurreição  comunista,  Trotsky  se  perguntava:  “Porque 
não houve vitória na Alemanha?”. E respondia: “Porque não havia ali um partido bolchevique, 
nem  um  dirigente  como  nós  [na  URSS]  tivemos  em  Outubro  [de  1917]”.  Teriam  sido  Karl 
Liebknecht e Rosa Luxemburgo os “Lênin e Trotsky” alemães?  
Dois  meses  mais  tarde,  Trotsky  precisou  ainda  mais:  “O  KPD  não  apreciou  em  tempo  o 
surgimento de uma crise revolucionária com a ocupação do Rühr e o fim da resistência passiva 
(janeiro‐junho de 1923).  Falhou no momento  crucial. É  difícil para um partido revolucionário  
passar de um período de agitação e propaganda prolongado para uma luta direta pelo poder 
através de  uma insurreição. Isso provoca inevitavelmente uma crise no partido... De um lado, 
o partido esperava uma revolução, de outro, havida conta que se tinha queimado os dedos nos 
acontecimentos  de  março  [de  1921]  evitou  até  o  final  de  1923  a  própria  idéia  de  organizar 
uma revolução, ou seja, preparar a insurreição. A atividade política do partido continuava em 
ritmo  de  tempos  de  paz  quando  o  desfecho  se  aproximava.  O  momento  da  insurreição  foi 
fixado  quando,  essencialmente,  o  inimigo  já  havia  usado  o  tempo  perdido  pelo  partido  e 
reforçado  suas  posições.  A  preparação  militar  e  técnica  do  partido  começou  de  modo  febril, 
mas cortada da atividade política do partido, que continuava em ritmo de tempos de paz. As 
massas  não  compreendiam  o  partido  e  não  o  acompanhavam.  O  partido  sentiu  essa  ruptura 
com as massas, e ficou paralisado. Daí aconteceu a retirada sem combate das posições – sem 
combate, a mais amarga das derrotas” (grifo nosso). 
A  derrota  operária  alemã  de  1923  teve  conseqüências  de  longo  alcance.  Graças  a  ela,  a 
burguesia  alemã  consolidou  seu  domínio  e  estabilizou  a  situação  por  seis  anos.  Quando  a 
grande  crise  mundial  irrompeu,  em  1929,  a  classe  trabalhadora  não  estava  reposta  das 
derrotas  de  1919‐1923.  Mundialmente,  a  derrota  do  “Outubro  Alemão”  aprofundou  o 
isolamento da URSS, e constituiu um importante para a ascensão da burocracia stalinista. A 23 
de novembro o KPD foi proibido em todo o território do Reich (essa proibição seria levantada 
em  março  de  1924),  do  mesmo  modo  que  o  partido  nazista,  por  obra  de  Von  Seeckt,  quem 
recebera poderes excepcionais no dia do putsch nazista de Munique. 
Uma nova etapa se abriu nesse momento na Europa, caracterizada pelo isolamento da URSS, o 
“neo‐reformismo”  governamental  e  a  “prosperidade”  econômica,  comandada  pelos  EUA.  A 
Europa,  dólar‐dependente,  tendia  também  a  se  subordinar  politicamente  ao  novo 
imperialismo  emergente.  A  derrota  da  revolução  alemã,  condenou  à  Revolução  Russa  a  um 
período  indefinido  de  isolamento:  a  oposição  de  Trotsky  na  Rússia  soviética,  já  organizada, 
seria, no entanto, condenada na XII Conferência do PC da URSS, em janeiro de 1924.  
Trotsky,  atento  aos  novos  desenvolvimentos,  escreveu  em  1924:  “O  programa  americano  de 
tutela do mundo inteiro não é um programa pacifista, mas grávido de guerras e crises. Os EUA 
afirmam poder fabricar barcos de guerra como pãezinhos: eis a perspectiva da próxima guerra 
mundial,  que  terá  por  teatro  o  Atlântico  tanto  quanto  o  Pacífico,  se  é  que  a  burguesia  pode 
continuar  governando  até  lá...  Os  conflitos  militares  são  inevitáveis.  A  ‘era  americana’  que 

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parecia  abrir‐se  não  é  mais  do  que  a  preparação  de  novas  guerras  monstruosas”.  Trotsky  já 
era, no entanto, na URSS e no mundo, uma voz crescentemente isolada... 
O Choque Econômico  
Keynes  fizera  uma  proposta  para  dar  ponto  final  no  processo  inflacionário  alemão, 
apresentada  para  o  Institute  of  Bankers,  em  novembro  de  1922,  incluindo  a  manutenção  da 
taxa  de  juros  em  patamar  elevado  no  período  pós‐estabilização.  Segundo  Keynes,  um  dos 
principais  motivos  para  a  elevada  inflação  era  o  alto  déficit  fiscal,  fruto  dos  pagamentos 
advindos da I Guerra Mundial, propondo assim suspender o pagamento para sanear as contas 
públicas e assim tentar diminuir uma das causas do processo. Na busca da estabilização Keynes 
propôs  que  a  primeira  etapa  seria  a  prefixação  da  taxa  de  câmbio,  e  também  de  período 
prolongado  de  aperto  monetário,  evitando  assim  que  o  Reichsbank  perdesse  reservas,  e 
estimulando o ingresso de recursos para compra de ativos em marcos, o que daria estabilidade 
e força ao ajuste da economia alemã. 
Keynes  não  via  necessidade  de  estabilizar  a  balança  comercial  antes  de  prefixar  o  câmbio, 
dizendo,  em  resposta  a  Havenstein:  “A  maior  parte  da  sua  carta  é  dirigida,  parece‐me,  a 
argumentar que nas atuais circunstancias mesmo com uma moratória a realização de qualquer 
projeto  de  estabilização  seria  extremamente  temerária.  Admito  que  seus  argumentos  têm 
algum  poder  de  persuasão  mas,  ainda  assim,  estou  em  total  desacordo  com  eles, 
principalmente  porque  eu  não  dou  importância  que  o  senhor  dá  a  um  balanço  comercial 
adverso. Se eu estivesse seguro de poder controlar a situação orçamentária, eu não duvidaria 
da minha  capacidade,  na presente situação da Alemanha,  de controlar o cambio.  Tão logo a 
oferta de moeda seja restringida, não vejo como o balanço comercial possa continuar em uma 
posição adversa”. Era, para Keynes, uma tentativa para dar ao governo um período para que as 
medidas de ajuste orçamentário surtissem efeito, e assim a inércia inflacionária fosse contida. 
Os “plano de estabilização” iniciou‐se antes da hiperinflação ter atingido o seu ponto crítico. O 
governo  Stresemann,  empossado  em  agosto  de  1923,  suspendeu  a  “Resistência  Passiva”  em 
outubro;  foi  aprovada  a  lei  de  amplos  poderes  que  permitia  ao  governo  aprovar  leis  e 
regulamentos mesmo sobrepondo‐se à constituição, sempre que fosse de interesse econômico 
nacional; e desde agosto de 1923 o governo fez um empréstimo no valor de 500 milhões de 
marcos  ouro,  sendo  uma  parte  em  títulos  de  pequenos  valores.  Tais  títulos  começaram  a 
circular e eram aceitos como moeda corrente mesmo não possuindo nenhuma garantia, a não 
ser a promessa do governo de resgatá‐los em ouro. A aceitação dos títulos em marcos ouro, 
para os quais a conversão em ouro não era assegurada, preparou o caminho para a criação de 
um novo instrumento monetário.  

Nota de dois milhões de marcos 

Os  títulos  em  marcos  ouro  funcionaram  como  garantia  para  passivos  (emitidos  em  marcos 
ouro) pelas municipalidades e outros órgãos do governo. Colocou‐se a alternativa de se criar 
um banco com emissão lastreada em ouro, ou um banco lastreado em centeio. Prevaleceu o 
“Banco do Centeio” (mercadorias), chamado de Rentenbank, lastreado em hipotecas.  
Em  20  de  novembro  de  1923,  criou‐se  uma  nova  moeda,  o  Rentenmark,  que  tinha  paridade 
fixa  com  o  ouro‐marco,  e  com  o  marco‐papel.  Era  emitido  pelo  Rentenbank,  não  tinha 

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circulação, mas era aceito pelo governo para pagamento de impostos, e poderia ser convertido 
em  ouro  mais  5%  a.a  de  taxa  de  juros.  Veio  junto  o  controle  da  emissão  de  Rentenmark, 
impondo  disciplina  fiscal  ao  governo.  Trocava‐se  um  Rentenmark  por  1.000  bilhões  (!)  de 
marcos‐papel. Muitos duvidavam da eficácia dessa moeda, tendo um correspondente da The 
Economist  (27  de  dezembro  de  1923)  escrito:  “O  [novo]  papel‐moeda  é  ainda  um  mistério  e 
uma  incógnita.  A  cada  dia  que  passa  torna‐se  mais  duvidoso  (ainda  que  o  governo  afirme  o 
contrario)  que  um  papel‐moeda  não  conversível  como  o  Rentenmark  possa  manter  uma 
paridade fictícia tão acima do seu poder de compra.” 
Os elementos institucionais da estabilização foram três: a) A legislação de meados de outubro 
de 1923 instituía o Rentenbank como um órgão semi‐público, sendo o seu capital constituído 
por  títulos  fictícios  referentes  à  propriedade  de  terras  e  indústrias;  b)  As  exigibilidades  do 
Rentenbank  correspondiam  aos  Rentenmarks.  Eles  tinham  uma  conversibilidade  que  os 
vinculava ao empréstimo denominado em marco ouro: mediante requisição, 500 Rentenmarks 
poderiam  ser  convertidos  num  título  cujo  valor  nominal  era  de  500  marcos  ouro, 
estabelecendo desta forma a relação 1:1 entre o Rentenmark e os certificados do empréstimo 
em  marco  ouro  em  circulação;  c)  A  mesma  legislação  estabelecia  a  norma  pela  qual  o 
Reichsbank  ficava  desautorizado  a  descontar  os  títulos  do  governo,  sendo  que  as  notas 
emitidas  tinham  que  ser  lastreadas  em  pelo  menos  1/3  em  ouro  e  o  restante  em  títulos 
comerciais. 

 
O  Rentenbank  começou  a  operar  em  15  de  novembro  de  1923,  iniciando  a  emissão  do 
Rentenmark.  As  filas  formadas  nos  bancos  comerciais  e  no  Reichsbank  para  a  obtenção  de 
papel‐moeda tornaram‐se cada vez mais extensas, não sendo satisfeita a intensa demanda. A 
depreciação e a inflação destruíram o valor real da moeda muito mais rapidamente do que a 
capacidade  que  o  governo,  as  autoridades  municipais  ou  qualquer  outra  pessoa  tinha  para 
criar papel‐moeda.  
A  criação  do  Rentenmark  não  eliminou  automaticamente  a  hiperinflação,  nem  as  negociatas 
vinculadas a ela. O russo belga Victor Serge (Viktor Lvovitch Kibaltchitch), correspondente da 
Internacional  Comunista  na  Alemanha,  em  1923,  constatava  que  continuavam,  a  circular,  ao 
menos, dez moedas diferentes no país (que já tinha o hábito secular, como vimos, de coexistir 
com  diversos  sistemas  monetários),  das  quais  quatro  sem  nenhum  valor  real.  Entre  as  que 
possuíam  valor  contavam‐se  o  empréstimo  em  ouro  dos  EUA  (Goldanleihe),  dito  “dólar 
alemão”, e os papéis monetários emitidos por prefeituras, Länder, companhias de estradas de 
ferro,  etc.  A  especulação  continuava,  baseada  nessa  variedade:  “Um  banqueiro  esperto 
comprou 2.000 ‘dólares alemães’ pela cotação de 65 bilhões de marcos [por dólar‐ouro], isto 
é,  por  130  trilhões.  O  Reichsbank  só  entregou  os  dólares  com  atraso,  quando  o  dólar  já  era 
cotado em centenas de bilhões; mas o banqueiro só pagou (como acertado) pela cotação do 
dia em que os comprou. O Reichsbank só recebeu, portanto, o valor em marcos‐papel de 200 

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dólares. O banqueiro ganhou 1.800 dólares na operação, o Reichsbank os perdeu. Esses abusos 
são correntes”.  
Depois  de  saquear  os  capitais  menores,  a  pequena‐burguesia  e  a  classe  operária,  os 
especuladores  saqueavam  as  finanças  do  Estado.  Este,  por  sua  vez,  estava  na  alternativa  de 
pôr  fim  a  esse  saque,  ou  plantar  bandeira  de  leilão  e  desaparecer  (levando  os  saqueadores 
junto):  não  era  nesse  ponto,  certamente,  que  Keynes  pensava  ao  se  referir  á  “eutanásia  do 
rentista”... 
Um aspecto importante no processo de estabilização foi a relativa estabilidade dos preços e da 
taxa  de  câmbio  em  face  da  rápida  expansão  da  moeda  e  do  crédito.  Durante  o  período 
compreendido  entre  a  data  da  estabilização,  15  de  novembro,  e  o  fim  do  ano,  o  crédito  do 
Reichsbank  foi  quadruplicado,  assim  como  a  quantidade  de  suas  notas  em  circulação  quase 
dobrou.  Em  1924,  finalmente,  Alemanha  reorganizou  seu  sistema  monetário.  O  Rentenmark, 
conversível em divisas estrangeiras,31 à razão de 4,20 por dólar, tornou‐se a moeda oficial com 
o nome de Reichsmark (marco do Estado). O dinheiro perdido ficou sem valor. Os depósitos de 
banco  tornaram‐se  tão  sem  valor  quanto  o  dinheiro.  Entretanto,  após  a  estabilização  o 
governo  decretou  o  reembolso  parcial,  e  somas  na  escala  de  15‐30%  do  valor  original  do 
depósito foram reembolsadas. 
No “período de reconstrução”, de 1924 a 1929, novamente com Gustav Stresemann fazendo 
parte do governo, empréstimos externos foram empregados na modernização da indústria. Os 
EUA aprovaram o Plano Dawes, com empréstimos para possibilitar que o país arcasse com o 
cumprimento  de  suas  obrigações  de  guerra  sem  arruinar‐se  completamente.  Uma  Comissão 
presidida  pelo  norte‐americano  Dawes  calculou  que  a  Alemanha  devia  pagar  entre  50  e  125 
milhões  de  libras  esterlinas  por  ano,  durante  um  período  indeterminado.  O  primeiro 
pagamento  seria  facilitado  por  um  empréstimo  internacional  de  40  milhões  de  libras 
(“empréstimo Dawes”). A partir daí, os capitais privados ‐ sobretudo anglo‐norte‐americanos ‐ 
interessaram‐se pela Alemanha e ajudaram‐na a readquirir sua capacidade de produção. 
A  política  externa  de  Stresemann  recuperou  para  a  Alemanha  a  igualdade  de  direitos 
internacionais através do Tratado de Locarno (1925) e do ingresso do país na Liga das Nações 
(1926). Após a morte do social‐democrata Friedrich Ebert, primeiro presidente republicano, foi 
eleito chefe de Estado, em 1925, o marechal Hindenburg, candidato da direita, mas com apoio 
social‐democrata.  A  falta  de  confiança  no  sucesso  imediato  do  programa  de  estabilização  de 
1923 pode ser percebida no comportamento das taxas de juros em elevação, somente caindo 
no final de dezembro. Em fevereiro, a cotação do marco na Alemanha começou a divergir da 
de Nova York, mostrando que “o mercado” (o grande capital) via o plano  com ressalvas: em 
abril de 1924, o Reichsbank, convencido da possível volta da inflação, reduziu drasticamente o 
crédito interno. A nova moeda caminhou para a estabilização. 
Interpretações e Propostas  
A estabilização econômica alemã ficou associada ao nome de Hjalmar Schacht, assim como a 
estabilidade política e internacional ficou associada ao nome de Gustav Stresemann.  32 No dia 
                                                            
31
 A conversibilidade durou só até a crise internacional do padrão‐ouro, desencadeada pela crise financeira na Áustria em 
1931. 
32
 Hjalmar Schacht nasceu em Tinglev, Nordschleswig, região da Jutlândia do Sul, hoje Dinamarca, antigo território alemão, 
em  janeiro  de  1877,  filho  da  baronesa  dinamarquesa  Constanze  Justine  Sophie  von  Eggers.  Depois  de  se  formar  em 
economia, durante a Primeira Guerra Mundial, foi encarregado da administração econômica da Bélgica ocupada. Em 1915, 
passou a trabalhar para o Nationalbank, permanecendo até 1923, quando ocorreu a fusão com o Darmstädter Bank. Em 
novembro  de  1918,  Schacht  participou  da  fundação  do  Partido  Democrático  Alemão  (DDP  ‐  Deutsche  Demokratische 
Partei).  Além de ministro, foi um importante banqueiro alemão, presidente do Banco Central e Ministro da Economia do 
III Reich (1934‐1937), tendo conseguido na sua gestão no governo de Hitler acabar com o desemprego sem provocar alta 
inflação, adotando as políticas de déficit público que depois seriam teorizadas por Keynes. Schacht foi considerado o mais 
importante empreendedor de políticas econômicas na Alemanha de 1923 a 1944, e em 1932 foi o avalista político do apoio 
empresarial ao partido nazista (NSDAP), então ainda na oposição, o que permitiu a Hitler assumir o governo em janeiro de 

  59
12  de  novembro  de  1923,  o  ministro  alemão  de  finanças,  Hans  Luther,  nomeou  Schacht 
"secretário da moeda do Reich" (Reichswährungskommissar). Coube a Schacht implementar as 
medidas  para  conter  o  processo  hiperinflacioniário  alemão,  com  a  criação  da  nova  moeda 
baseada  em  garantia  hipotecária,  que  acabou  com  o  processo  inflacionário  através  da 
aplicação  de  uma  reforma  monetária  indexatória.  Com  o  sucesso  da  reforma,  em  22  de 
dezembro de 1923, Schacht foi nomeado presidente do Reichsbank, cargo que ocupou até 2 de 
abril de 1930. 
Quanto  ao  sucesso  do  processo  de  estabilização,  há  cinco  explicações  convencionais, 
envolvendo  em  cada  caso  um  ganho  de  confiança  baseado  em  um  ou  mais  dos  seguintes 
fatores,  enfatizando  um  ou  outro:  1)  estabilização  monetária  através  das  restrições  sobre  o 
desconto  de  títulos  do  tesouro  impostas  ao  Reichsbank  e  ao  Rentenbank;  2)  estabilização 
fiscal;  3)  estabilização  na  taxa  de  câmbio  (“A  estabilização  do  câmbio  alemão  apresentou, 
assim  como  o  da  Áustria,  a  seguinte  característica:  foi  estabilizado  antes  que  existissem  as 
condições  [considerando‐se  o  equilíbrio  do  orçamento  do  Reich]  que,  sozinhas,  pudessem 
assegurar  uma  recuperação  permanente  da  situação”,  disse  Bresciani‐Turroni  em  1937);  4) 
estabilização  política  ocorrida  com  fim  da  “Resistência  Passiva”,  e  com  a  reunião  dos 
componentes da comissão internacional de reparações; e 5) redução do valor real da moeda. 
Em  função  dessa  explicações,  configuraram‐se  duas  escolas  que  discutem  a  estabilização  e  a 
hiperinflação.  Uma  enfatiza  o  orçamento  e  a  emissão  da  moeda  como  causas  ativas  da 
hiperinflação; e a outra responsabiliza o balanço de pagamentos. Para a primeira, o governo 
passou a financiar o déficit público exclusivamente com os ganhos de senhoriagem derivados 
da emissão de moeda, daí a hiperinflação. Para Philip Cagan a renda alemã era estável e a taxa 
nominal  de  juros  (taxa  de  inflação  mais  taxa  de  juros  real)  era  extremamente  variável.  Os 
“agentes  econômicos”  estimavam  a  taxa  de  juros  nominal,  ou  taxa  de  inflação  esperada, 
usando expectativas defasadas. A inflação esperada é dada por uma média móvel com pesos 
exponencialmente  decrescentes  das  inflações  passadas.  Os  países  que  tiveram  hiperinflação 
estavam além do  ponto  máximo  da curva de receita do imposto inflacionário. A procura  por 
mais  imposto  inflacionário  aumentava  a  taxa  de  inflação,  mas  reduzia  a  receita,  levando  à 
hiperinflação.  
Os passos para o sucesso da estabilização da moeda foram o congelamento da taxa de câmbio 
e o combate ao dinheiro de emergência, emitido pelo setor público e pelas empresas privadas, 
numa  situação  em  que  o  banco  central  não  era  o  único  responsável  pela  emissão  de  papel‐
moeda. Nas análises de Cagan se supõe a completa flexibilidade dos preços, e que estes são 
determinados  pelo  equilíbrio  do  mercado  de  moeda.  O  processo  poderia  ser  entendido  sob 
duas óticas: em função de “expectativas adaptativas” (onde a inflação futura é inercial, dado 
que  corresponde  ao  carregamento  da  inflação  passada),  ou  de  “expectativas  racionais” 
(relacionadas ao estoque futuro de moeda). 
A tese de Cagan supõe que o déficit público a ser financiado por moeda é maior do que o valor 
máximo  do  imposto  inflacionário  que  a  economia  é  capaz  de  arrecadar  dos  agentes  que 
demandam  a  moeda.  As  hiperinflações  teriam  sido  produzidas  pelo  crescimento  da  oferta 
monetária  para  financiar  o  déficit  público;  o  imposto  inflacionário  estaria  acima  do  valor 
                                                                                                                                                                              
1933. O desemprego na Alemanha superava a cifra de 6 milhões. A principal preocupação do chanceler Hitler era como 
combater  o  desemprego.  Em  17  de  março  de  1933,  Schacht  assumia  a  presidência  do  Reichsbank  novamente,  agora 
convidado por Hitler. Durante a Segunda Guerra, Schacht participou da tentativa de atentado contra Hitler em 20 de julho 
de 1944, sendo preso pela Gestapo no dia 23 de julho. Em 1946 foi julgado, junto a outros hierarcas nazistas, no Tribunal 
de  Nuremberg,  sendo  o  único  dos  acusados  a  ser  absolvido.    Preso  novamente  pelo  governo  alemão,  foi  libertado  em 
setembro de 1948, com 71 anos. Após sua saída da prisão escreveu Mais dinheiro, mais Capital, mais Trabalho, em 1949, 
sobre a situação econômica alemã no pós‐guerra. Escreveu também sua autobiografia, Setenta e Seis Anos de Minha Vida, 
e  Contas  Acertadas,  sobre  o  período  em  que  fez  parte  do  governo  nazista.  Publicou  também  outros  livros  sobre  a 
economia alemã. Em 1953, fundou um banco de investimentos em Düsseldorf, o Schacht & Cia., que funcionou até 1963. 
Faleceu em 4 de junho de 1970, aos 93 anos.  

  60
máximo que poderia ser obtido em equilíbrio estacionário. A reforma fiscal e o fim do déficit 
público teriam permitido, portanto, o fim da hiperinflação. No entanto, nos quatro países que 
tiveram  hiperinflação,  entre  as  duas  grandes  guerras,  primeiro  o  câmbio  foi  fixado,  depois  o 
déficit foi ajustado. 
Bresciani‐Turroni  e  Cagan  coincidiram  em  atribuir  o  controle  súbito  e  bem  sucedido  da 
hiperinflação à reforma fiscal que acabou com o déficit público; seus críticos explicaram o fim 
da hiperinflação pela estabilização da taxa cambial. Essa teoria, tornada conhecida pela crítica 
feita por Gustavo Franco às teses de Cagan, repete as conclusões dos estudos de Aftalion, da 
década  de  1930:  na  Tchecoslováquia,  entre  maio  de  1922  e  dezembro  de  1923,  os  preços 
caíram sem que a circulação diminuísse sensivelmente; houve uma diminuição de 33% sobre 
os preços, 4,1 % sobre a circulação e 34% sobre o dólar. Na França, entre 1922 e 1924, houve a 
seguinte ordem: 1°) o câmbio; 2°) os preços; 3°) a velocidade da circulação; 4°) o montante da 
circulação.  
Na  Alemanha  da  República  de  Weimar,  de  maio  de  1921  a  fevereiro  de  1923,  os  preços 
subiram de 1 a 430, a circulação de 1 a 44, mas o câmbio de 1 a 474. Ainda na Alemanha, entre 
fevereiro de 1923 e abril de 1923, a circulação dobrou, mas os preços e o câmbio desceram um 
pouco. Logo que o dólar subiu, ou preços ascenderam. Desses exemplos, Aftalion concluiu na 
responsabilidade principal do câmbio na hiperinflação. Para ele, no entanto, as flutuações dos 
preços dependiam ainda de outros fatores, não indicados pela teoria quantitativa da moeda e 
da  inflação:  as  variações  das  rendas,  decorrentes  não  só  das  variações  da  quantidade  de 
moeda, mas ainda do câmbio, dos preços exteriores, das colheitas, das invenções técnicas; e 
“fatores  psicológicos”  (apreciações  subjetivas).33  Segundo  Sennholz,  “durante  todo  o  período 
da inflação, a explicação mais popular para a depreciação monetária era aquela que jogava a 
culpa  em  um  desfavorável  balanço  de  pagamentos,  cujo  culpado  era,  por  sua  vez,  o 
pagamento de reparações e outros ônus impostos pelo Tratado de Versalhes. Para a maioria 
dos escritores e políticos alemães, os déficits do governo e a inflação do papel‐moeda não eram 
as causas, mas, sim, as conseqüências da depreciação externa do marco”.  
Para  Barbosa  e  Sallum,  não  há  necessidade  dessas  hipóteses:  “A  essencialidade  da  moeda 
implica um custo social extremamente elevado para a sociedade, que não pode prescindir dos 
serviços  da  mesma...  o  Estado  no  final  da  hiperinflação  chegaria  a  uma  situação  falimentar, 
sem  recursos  para  financiar  suas  despesas,  e  não  há  exemplo  de  Estado  que  simplesmente 
feche  suas  portas.  A  sociedade  sabe  de  antemão  que  a  trajetória  da  hiperinflação  é 
insustentável  e  que  uma  mudança  de  regime  de  política  econômica  ocorrerá  antes  que  a 
hiperinflação  chegue  ao  seu  término.  Todavia,  a  sociedade  não  sabe  o  momento  exato  da 
mudança do regime de política econômica”. 
Para  as  duas  “escolas”,  os  acontecimentos  políticos,  com  o  fim  da  “resistência  passiva”,  e  a 
favorável  perspectiva  dos  empréstimos  de  estabilização,  constituíram  um  componente 
importante. Sargent atribuiu a estabilização ao limite institucional da monetização dos déficits 
e à resultante necessidade de reforma fiscal. A limitação de crédito para o governo estipulada 
pelo Rentenbank e a proibição de desconto de títulos do governo pelo Reichsbank associaram‐
se, separando o déficit orçamentário do sistema monetário. 
                                                            
33
 Gustavo Franco usou os dados de Cagan para demonstrar que eles sugeriam o contrário da tese deste. O déficit fiscal 
podia gerar hiperinflação se fosse maior do que qualquer ponto da curva de receita total: o governo emitiria cada vez mais 
e recolheria cada vez menos. Se a inflação esperada fosse maior do que a observada, o imposto inflacionário seria maior 
do  que  o  ganho  de  senhoriagem.  Se  a  inflação  esperada  fosse  menor  do  que  a  observada,  seria  menor.  Ou  seja,  se  a 
emissão  de  moeda  provocasse  uma  expectativa  de  inflação  maior  do  que  a  inflação  observada,  o  imposto  inflacionário 
seria menor do que o ganho de senhoriagem. O governo emite 100 e o imposto inflacionário é 80; emite 200 e o imposto 
inflacionário é 90; ao emitir mais arrecada menos imposto inflacionário: neste caso, temos hiperinflação. Para Franco, o 
fim da hiperinflação resultou da estabilização da taxa de câmbio, possível depois de uma renegociação dos pagamentos de 
reparação  da  Alemanha  com  os  EUA,  o  país  que  tinha  reservas  em  ouro  e  emitia  a  moeda  que  já  passava  a  ser  a  mais 
importante da economia mundial. Ou seja, que a condição do fim da hiperinflação não foi econômica, mas política. 

  61
Entre 1923 e 1924, apesar da elevação nas despesas, as receitas foram retomadas e subiram 
mais  de  1200%,  alcançando  um  superávit  orçamentário.  E  no  ano  1925  o  saldo  se  manteve 
estabilizado. O Reichsbank manteve uma taxa de juros de 90% ao ano (mais despesas diárias) 
até fins de janeiro de 1924. Como durante o período compreendido entre 20 de novembro até 
fins  de  dezembro  de  1923  os  preços  mantiveram‐se  constantes,  ou  mesmo  decrescentes,  as 
taxas de juros reais vigentes eram extremamente altas. 
Depois  de  posto  em  prática  o  “plano  de  estabilização”,  o  orçamento  público  sofreu  uma 
reviravolta, para uma situação de equilíbrio fiscal: 
Orçamento Federal Alemão (1922‐1925) 
  (milhões de marcos ouro) 
  1922  1923*  1924  1925 
Despesa  3.951  5.278  7.220  7.444 
Receita 1.508 588 7.757  7.334 
Déficit orçamentário  ‐2.443  ‐4.690  ‐537  +110 

* Até 31 de outubro. Ano fiscal abril-março

Uma vez o problema inflacionário suprimido, foi possível sanar a questão fiscal, observado o 
aumento  real  da  arrecadação  tributária.  Dornbusch  listou  outros  quatro  fatores  que 
favoreceram  a  estabilização  fiscal:  •O  corte  dos  gastos  do  governo  e  a  criação  de  novos 
impostos; •Parte da dívida que antes era de curto prazo, do tesouro junto ao Reichsbank, foi 
trocada  por  créditos  em  Rentenmarks  isentos  de  juros;  •O  processo  hiper‐inflacionário 
proporcionou a eliminação do valor real (“liquidificou”) da dívida do governo de longo prazo, 
contraída junto ao público; •Aumento da arrecadação via impostos, dado o fim da inflação que 
achatava a receita fiscal. 

Gustav Stresemann 

A  dívida  pública  de  longo  prazo  foi  um  ponto  importante,  uma  vez  que,  medida  ao  final  da 
guerra, ela representava mais da metade de toda a despesa orçamentária, e em 1924 passa a 
representar apenas 3% do total. O crescimento nos preços de forma expressiva, em conjunto 
com a redução das despesas, face o fim da resistência passiva, era considerado pré‐condição 
para a estabilidade da economia.  
O  aumento  cumulativo  dos  preços,  segundo  Keynes,  acelerava  a  velocidade  da  circulação  da 
moeda  a  tal  ponto  que  diminuía  a  um  mínimo  o  saldo  real  monetário,  desta  forma  uma 
pequena  quantia  de  capital  advinda  de  empréstimos  externos  seria  necessária  para  lastrear 
em ouro todo o montante em circulação da moeda doméstica; além disso, este crescimento do 
aumento da velocidade de circulação da moeda passava a ser insustentável, visto que era cada 
vez maior a movimentação de moeda física, criando entraves a sua circulação. 
A estabilização do câmbio era tida como principal fase do processo de estabilização fiscal, pois 
guiava as expectativas de um novo patamar de preços, propiciando um ambiente favorável à 
continuidade  do  processo,  através  de  seus  efeitos  sobre  a  receita  fiscal.  Inibir  a  especulação 
privada era outra possibilidade. Às vésperas do início da circulação da nova moeda, o governo 

  62
desvalorizou a moeda em 333%, deixando clara a finalidade da criação de bases sustentáveis 
para  o  início  do  processo  de  estabilização.  Além  disso,  essa  grande  desvalorização  visava 
adequar à taxa de câmbio oficial à taxa de câmbio dos territórios ocupados. 
TAXA DE CÂMBIO OFICIAL E EM COLÔNIA (1923: BILHÕES DE MARCOS/US$) 
OFICIAL     COLÔNIA 
12/nov     0,63     3,9 
13/nov     0,84     6,85 
14/nov     1,26     5,8 
15/nov     2,52     6,5 
20/nov     4,2     11,7 
20/nov     4,2     11 
30/nov     4,2     7,8 
06/dez     4,2     4,9 
10/dez     4,2     4,2 

Foi somente um mês após a “estabilização” que o “mercado” aceitou a taxa oficial de câmbio, 
fixada em 4,2 marcos ouro, ainda em 30 de novembro se observava uma grande disparidade 
entre  a  taxa  de  mercado  livre  e  a  oficial.  The  Economist  dizia,  ainda  em  27  de  novembro  de 
1923,  que  a  situação  era  de  insegurança  e  confusão,  não  havia  nenhum  consenso  acerca  do 
futuro da economia, mas, a 16 de dezembro, já informava que o clima, apesar de ainda muito 
incerto,  trazia  um  consenso:  a  situação  monetária  havia  melhorado,  visto  que  “por  algum 
motivo desconhecido” (sic) a moeda era estável e havia uma queda no nível dos preços. 
A  fixação  da  taxa  de  câmbio,  somada  a  redução  na  concessão  de  crédito,  funcionava  como 
fator de credibilidade da estabilização. A taxa de juros era de 3% ao dia, cerca de 150% ao ano, 
e o fato do dólar ter se depreciado consideravelmente, além do grande custo de crédito, criava 
drásticos  mecanismos  estabilizadores,  visto  que  um  simples  adiamento  na  retomada  da 
hiperinflação representava perdas enormes para o capital especulador.  
Quando,  em  1924,  a  moeda  alemã  voltou  a  se  desvalorizar,  havia  uma  forte  restrição  ao 
crédito, criando barreiras para a sua contínua desvalorização. Apesar de, temporariamente, o 
risco  de  retorno  da  inflação  ter  sido  afastado,  não  foi  descartado;  a  taxa  de  juros  depois  da 
estabilização, e a conseqüente circulação do Rentenmark, atingia 20%, e somente na primeira 
semana  de  dezembro  caiu  para  uma  faixa  menor,  de  cerca  de  1,5%  ao  dia;  neste  mesmo 
momento  o  marco  estava  valorizado,  o  que  inibia  a  especulação  com  o  câmbio,  impondo 
enormes perdas a quem o fizesse. 

 
A possibilidade de retorno dos altos níveis de inflação era refletida no nível  da taxa de juros 
um mês após a estabilização, que também revelava um potencial de desvalorização da moeda. 
A restrição ao crédito, quando a economia voltava a sofrer a pressão a favor da desvalorização 
da moeda, a queda dos preços e a estabilização, somadas às taxas reais de juros e de câmbio 
altas,  foram  pontos  para  o  controle  da  inflação,  bem  como  o  fim  dos  descontos  para  o 
governo, a atualização fiscal, e o fim dos ganhos de capital no mercado de câmbio. 

  63
Quatro  anos  após  o  putsch  nazista  de  Munique,  e  da  fracassada  insurreição  do  KPD,  a 
República  de Weimar parecia estabilizada, graças à ação de seu Ministro do  Exterior, Gustav 
Stresemann.  Em  agosto  de  1924,  a  negociação  com  os  EUA  do  Plano  Dawes  revogou  os 
pagamentos  de  reparação.  Em  outubro,  uma  nova  moeda‐ouro,  o  Reichsmark,  substituira  o 
Rentenmark.  No  ano  seguinte,  o  Pacto  de  Locarno    reconheceu  formalmente  as  fronteiras 
ocidentais de pós‐guerra, reconciliando a Alemanha com seus vizinhos, em particular a França. 
Conclusão 
A  hiperinflação  alemã  reconhece  antecedentes  históricos,  na  dívida  pública  originada  no 
financiamento  bélico  do  Império  Alemão  na  I  Guerra  Mundial,  e  antes  ainda,  nas 
peculiaridades da história econômica da Alemanha no século XIX. Sua explosão na década de 
1920, porém, vincula‐se com as especificidades da conjuntura econômica internacional de pós‐
guerra.  Originada  no  próprio  movimento  da  acumulação  de  capital,  foi  necessária  uma  crise 
internacional  e  nacional  de  grandes  proporções  (a  Grande  Guerra  e  a  derrota  alemã,  com 
todas suas conseqüências) para que uma inflação sem precedentes:  
a)  Operasse  como  meio  extremo  de  salvamento  do  grande  capital  (Krupp,  Thyssen), 
permitindo‐lhe  a  absorção  dos  capitais  pequenos  e  médios,  quebrados.  Os  grandes 
empresários usavam a "arma da inflação”, mediante seu fácil acesso ao crédito bancário ‐ que 
pagavam depois em dinheiro desvalorizado – para comprar empresas menores sem acesso ao 
crédito. Durante a guerra, o império de Stinnes cresceu até abarcar minas de carvão, fábricas 
de  ferro  e  aço,  e  uma  parte  da  indústria  elétrica;  depois  da  guerra  estendeu  esse  império  a 
fábricas  de  papel  e  tipografias,  jornais  e  editoras,  estaleiros  e  companhias  de  navegação, 
hotéis  e  fazendas.  Seu  controle  sobre  as  exportações  forneceu‐lhe  divisas  estrangeiras, 
permitindo‐lhe  especular  contra  o  marco  e  comprar  572  empresas  no  exterior.  Os  grandes 
capitalistas  realizavam  seus  lucros  em  dólar  ou  ouro,  mas  pagavam  suas  dívidas,  impostos  e 
salários em marcos, fazendo assim negócios milionários;  
b) Agisse como meio de ascensão econômica e social de setores empresariais “abutres” (como 
o  próprio  Stinnes),  especuladores  em  grande  e  pequena  escala,  em  todos  os  mercados 
(industrial,  cambial,  financeiro,  comercial  e  de  serviços),  extremamente  dinâmicos  e 
predadores, o próprio protótipo do rentier de Keynes ou Bukhárin;  
c)  Fosse  um  meio  efetivo  para  o  Estado  (e  sua  classe  dominante)  alemão  se  contraporem  e 
recuperarem, na concorrência e na guerra econômica internacional, as perdas impostas, pela 
via militar, pelos Estados inimigos (a França em especial), na conflagração mundial, na forma 
de  pesadas  reparações.  Inicialmente,  a  inflação  era  uma  "estratégia  econômica”:  os 
empréstimos  norte‐americanos  feitos  até  o  verão  de  1922  eram  pagos  em  moeda 
desvalorizada, e assim, as perdas ficavam por conta dos credores. Mas a “astúcia” tinha duas 
pontas, ou seja, remetia à estabilidade geral do sistema monetário internacional. Acreditando 
na capacidade de recuperação da moeda alemã, o resto do mundo apressou‐se em comprar, 
em quantidades crescentes, uma moeda, que, internamente, se desvalorizava verticalmente. A 
hiperinflação  aniquilou  o  poder  aquisitivo  interno  do  marco,  enquanto  a  Alemanha  podia 
pagar  as  reparações  de  guerra  que  lhe  foram  impostas,  utilizando‐se  apenas  da  metade  da 
moeda  estrangeira,  que  recebia  do  exterior,  resultante  das  suas  vendas  de  marcos.  Assim, 
“essa  curiosa  situação  de  uma  moeda‐papel,  repudiada  na  área  do  seu  curso  legal  e 
entesourada no estrangeiro, redundou em que as reparações de guerra (monetárias) fossem 
pagas, efetivamente, pelos vencedores e não pelo vencido”;  
d)  Fosse,  sobretudo,  a  arma  decisiva  de  expropriação  do  salário  e  das  conquistas  sociais  dos 
trabalhadores  (industriais,  em  primeiro  lugar),  no  quadro  de  uma  revolução  que  não  só 
derrubou a monarquia e abalou as raízes de velha aristocracia teutônica, mas também colocou 
a  questão  da  revolução  social  (proletária),  ao  ponto  do  governo  emergente  da  queda  da 
monarquia  chamar‐se  “conselho  dos  comissários  do  povo”  (como  o  governo  da  Rússia 

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soviética), para iludir acerca de seu caráter “revolucionário”, com a anuência da desesperada 
burguesia  alemã.  Para  Arthur  Rosenberg,  “a  inflação  foi  objetivamente  uma  espécie  de 
revanche  realizada  pelas  antigas  camadas  superiores,  os  grandes  capitalistas  e  os  grandes 
proprietários  de  terra  contra  a  massa  do  povo.  Foi  a  desforra  pelo  susto  que  os  senhores 
levaram em 9 de novembro [de 1918] e nos meses seguintes”.34 
 A  hiperinflação  alemã,  portanto,  só  é  compreensível  transbordando  o  quadro  puramente 
“econômico”,  e  situando‐se  no  quadro  geral  da  luta  de  classes  nacional  e  internacional.  O 
feitiço virou‐se contra o feiticeiro, quando este quis controlá‐lo: em três ocasiões, o governo 
conseguiu  estabilizar  provisoriamente  o  valor  da  moeda:  em  1920,  no  início  de  1922,  e  em 
março‐abril de 1923, sem conseguir evitar a degringolada.  
Os meios de salvação do capitalismo alemão de suas contradições, se transformaram, assim, 
em meios de sua própria decomposição. A forma mais abstrata do valor (isto é, da mais‐valia) 
se  decompôs.  As  poupanças  privadas  desapareceram,  criando  um  vácuo  quase  completo  de 
capital ativo para as empresas, o explica a dependência maciça de empréstimos estrangeiros 
da  economia  alemã  nos  anos  seguintes,  e  sua  vulnerabilidade  quando  veio  a  depressão 
econômica da década de 1930. 
A hiperinflação arruinou também os setores assalariados de posição mais sólida (funcionários 
públicos,  professores),  os  profissionais  liberais  e  a  pequena‐burguesia  de  renda  variável 
(lojistas,  pequenos  comerciantes  e  agricultores).  Quando  a  hiperinflação  acabou,  devido  à 
decisão de parar de imprimir papel‐moeda em quantidades ilimitadas, e de mudar a moeda, as 
pessoas que dependiam de rendas fixas e poupanças estavam aniquiladas, embora uma fração 
do dinheiro tivesse sido salva na Polônia, Hungria e Áustria. Isto provocou um abalo social de 
dimensões  gigantescas,  varrendo  em  pouco  tempo  valores  e  hábitos  consolidados 
secularmente  (como  a  abstinência  de  consumo,  e  a  poupança,  como  garantias  do  futuro 
pessoal  e  familiar),  criando  uma  crise  social,  política  e  cultural  inédita,  isto  é,  uma  crise 
civilizacional.35 
Essa crise foi de tal ordem que até a conservadora e tradicionalista universidade alemã viu‐se 
obrigada a abrir espaço para a crítica radical da ordem existente. A partir de um memorando 
do  germano‐argentino  Felix  Weil,  a  Universidade  de  Frankfurt  aceitou  que  fosse  criado  um 
“Instituto  de  Pesquisa  Social”,  para  o  “conhecimento  e  compreensão  da  vida  social  em  sua 
totalidade”,  da  “base  econômica  à  superestrutura  institucional  e  ideacional”.  Surgia  assim  a 
base  da  “teoria  crítica”  (ou  “Escola  de  Frankfurt”).  Carl  Grünberg,  historiador  marxista 
austríaco  de  reputação  internacional,  tornou‐se  o  primeiro  diretor  do  Instituto,  assumindo  a 
cadeira de Economia e Ciências Sociais na Universidade de Frankfurt em fins de 1923. A aula 
inaugural  de  Grünberg  tornou  explícita  a  simpatia  do  Instituto  pelo  marxismo.  O  diretor 
declarou‐se  um  oponente  da  ordem  sócio‐econômica  vigente  e  admitiu  abertamente  que  se 
incluía entre os "adeptos do marxismo": "O método ensinado como chave para resolução de 
nossos  problemas  será  o  método  marxista”.  Weil,  mais  tarde,  explicou  que  teria  preferido 
chamar o Instituto pelo que realmente pretendia ser, isto é, Institut für Marxismus (Instituto 
de Marxismo).  
A  peça  política  central  da  recuperação  in  extremis  do  Estado  burguês  alemão  foi  a  social‐
democracia  (SPD).  O  preço  pago  pelo  uso  desses  recursos  econômicos  e  políticos  foi  uma 
                                                            
34
 Quando o governo pediu aos industriais que o ajudassem a controlar a inflação, estes propuseram, como contrapartida a 
um eventual repatriamento de capitais e à abertura de créditos em divisas, que o governo privatizasse as ferrovias e lhes 
concedesse  grandes  vantagens  fiscais.  Em  outubro  de 1923,  os grandes empresários  exigiram  o  aumento da  jornada de 
trabalho, o fim de numerosas vantagens sociais, a supressão das subvenções para o pão e a re‐privatização das ferrovias, 
ou seja, a supressão das conquistas sociais obtidas pelos trabalhadores com a Revolução de 1918. 
35
 É um exagero fatalista a afirmação de Hobsbawm de que a hiperinflação, pelo seu “efeito traumático” nas classes média, 
e média baixa, “deixou a Europa Central pronta para o fascismo”, mas não deixa de ser verdade que o episódio concorreu 
para esse desfecho. 

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situação revolucionária sem precedentes em países de capitalismo desenvolvido, envolvendo 
todas as classes e grupos sociais, inclusive aqueles tradicionalmente afastados da luta social e 
política.  Durante  seis  anos  a  história  alemã  andou,  cambaleante,  no  limiar  do  estreito  fio  da 
revolução social que, unida à revolução soviética, teria mudado a história européia e, com ela, 
a história mundial. 
A  primeira  fase  da  revolução  (novembro  1918  –  janeiro  1919)  fracassou,  segundo  Rosa 
Luxemburgo, pela sua imaturidade, mas sem deixar de apontar o que seria a questão chave da 
fase  sucessiva  (a  direção  política  das  massas  trabalhadoras):  “A  nossa  crise  tem  um  duplo 
rosto, o da contradição entre uma enorme decisão ofensiva por parte das massas e a falta de 
convicção  por  parte  dos  chefes  berlinenses.  Falhou  a  direção.  Mas  este  é  o  defeito  menor, 
porque  a  direção  pode  e  deve  ser  criada  pelas  massas.  As  massas  são  com  efeito  o  fator 
decisivo, porque são a rocha sobre a que será edificada a vitória final da revolução. As massas 
cumpriram  com  a  sua  missão,  porque  fizeram  desta  nova  "derrota"  o  elo  que  nos  une 
legitimamente  à  cadeia  histórica  de  "derrotas"  que  constituem  o  orgulho  e  a  força  do 
socialismo  internacional.  Podemos  ter  a  certeza  de  que  desta  "derrota"  também  há  de 
florescer a vitória definitiva. A ordem reina em Berlim!... Ah! Estúpidos e insensatos carrascos! 
Não reparastes em que a vossa "ordem" está a alçar‐se sobre a areia. A revolução alçar‐se‐á 
amanhã com a sua vitória e o terror pintar‐se‐á nos vossos rostos ao ouvir‐lhe anunciar com 
todas as suas trombetas: era, sou e serei!”.  
A ocupação francesa do Rühr de janeiro de 1923, e a inflação enorme, colocaram novamente 
na ordem do dia a revolução proletária. Os operários desertavam em massa dos sindicatos e a 
social‐democracia  que  os  dirigia  através  destes  perdeu  o  controle.  No  entanto,  também  a 
direção do Partido Comunista alemão (KPD) fracassou na prova da revolução. Sua debilidade, 
assim  como  a  dos  outros  PCs,  tornara‐se  visível  em  1921,  quando  atuou  de  modo  ultra‐
esquerdista.  
Até agosto de 1923, houve uma política prudente do KPD e da Internacional Comunista (depois 
do  fracasso  de  1921,  ambos  chamaram  a  “conquistar  as  massas”),  mas  uma  greve  geral 
espontânea  derrubou  o  governo  Cuno.  Os  dirigentes  do  KPD,  em  Moscou,  marcaram  a 
insurreição para novembro, no sexto aniversário da revolução russa. As “centúrias proletárias” 
se armaram, a insurreição foi planejada para partir dos governos social‐comunistas de Saxônia 
e Turingia. Para Trotsky, “a história nunca criou e dificilmente criará condições mais favoráveis 
para a revolução proletária e a tomada de poder. Se se pedisse aos pesquisadores marxistas 
imaginar  uma  situação  mais  favorável  à  tomada  do  poder  pelo  proletariado,  não 
conseguiriam”. Mas a insurreição não aconteceu, cancelada pela direção do KPD, sob o olhar 
passivo da direção da Internacional Comunista. 
O  balanço  da  direção  do  KPD  e  da  Internacional  Comunista  em  seu  V  Congresso  (1924), 
conduzido pela fração de Stálin e do presidente da IC, Zinoviev, considerou a revolução alemã 
como  um  simples  episódio  perdido  e  não  a  derrota  mais  importante  do  processo 
revolucionário  europeu  iniciado  em  1917.  Desta  maneira,  afirmavam  que  haveria  outros 
“Outubros”,  ou  mesmo  diziam  ter  exagerado  as  condições  que  estavam  colocadas  para  a 
revolução, o que impediu que a IC extraísse as conclusões necessárias para o futuro da luta de 
classes. 
Trotsky,  pelo  contrário,  considerou  que  a  derrota  da  revolução  alemã  foi  o  ponto  de  virada 
para  a  formação  de  frações  na  URSS  (no  PCUS)  e  na  Internacional  Comunista,  dada  a  escala 
gigantesca  da  luta  de  classes  de  onde  se  expressavam  as  diferenças.  Respondia  de  forma 
categórica,  seguindo  as  definições  que  formulou  conjuntamente  com  Lênin  sobre  o 
desenvolvimento da revolução mundial: “Estavam dadas todas as condições para o triunfo da 
revolução na Alemanha? Penso que teríamos que responder com absoluta claridade e firmeza, 
sim, todas exceto uma. A Alemanha não tinha um partido bolchevique, não tinha uma direção 
tal  como  tivemos  em  Outubro  [de  1917,  na  Rússia]”.  Escrevendo  retrospectivamente,  para 

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Fernando  Claudín,  ao  contrário,  as  condições  revolucionárias  não  estavam  ainda  maduras 
naquela ocasião, e 1923 não deveria ser considerado “o ano da derrota” do KPD, uma vez que, 
no  ano  seguinte,  obteria  quase  4  milhões  de  votos  (compare‐se  com  os  600  mil  de  1920): 
adiando  a  insurreição,  a  direção  do  KPD  teria  salvo  o  partido  de  ser  novamente  esmagado, 
como acontecera em março de 1921.36 
Trotsky afirmou também que o erro fundamental do KPD foi não ter compreendido “a tempo” 
a necessidade de um giro tático abrupto: “O que é mais difícil para uma direção revolucionária 
é saber no momento oportuno tomar em suas mãos a situação política, perceber sua inflexão 
brusca e mudar firmemente o rumo. Semelhantes qualidades de direção revolucionária não se 
obtém  simplesmente  pelo  fato  de  prestar  juramento  de  fidelidade  a  última  circular  da 
Internacional Comunista; se conquistam, se as premissas teóricas indispensáveis existem, pela 
experiência adquirida por si mesma e praticando uma auto‐crítica verdadeira”: “Duas grandes 
lições  marcam  a  história  do  KPD:  março  de  1921  e  novembro  de  1923.  No  primeiro  caso,  o 
partido  confundiu  a  sua  própria  impaciência  com  uma  situação  revolucionária  madura;  no 
segundo,  foi  incapaz  de  reconhecer  uma  situação  revolucionária  madura  e  a  deixou  escapar. 
Estes são os perigos extremos da “esquerda” e da “direita”; estes são os limites entre os quais 
passa, geralmente, a política do partido proletário em nossa época”. 
A conclusão de Trotsky era aberta, indicando os perigos, mas sem propor uma solução única e 
fechada.  Trotsky  escrevia  como  político,  no  calor  dos  acontecimentos.  Com  recuo  histórico, 
cabe  perguntar  se  era  possível  que  uma  direção  revolucionária  surgisse  da  Armata 
Brancaleone de massas que era o KPD entre 1919 e 1924, não só, nem principalmente, pelas 
suas inúmeras viragens políticas, mas também pelas suas divisões internas e pelo fato de ter 
mudado por completo sua liderança uma dezena de vezes durante esse curto período, pondo 
essa  responsabilidade,  a  cada  virada,  em  equipes  que  careciam  de  qualquer  experiência  na 
direção de um partido político.   
Para o próprio Trotsky, este fora o problema central da revolução européia a partir do final da 
guerra  mundial:  “Em  escala  mundial,  houve  três  ocasiões  em  que  a  revolução  proletária 
chegou  ao  ponto  em  que  era  necessário  um  bisturi.  Foi  em  outubro  de  1917  na  Rússia,  em 
setembro  de  1919  na  Itália,  e  na  segunda  metade  do  ano  passado  (julho‐novembro),  na 
Alemanha”,  disse,  em  discurso  de  abril  de  1924  em  Tiflis  (já  embrenhado  na  luta  de  frações 
dentro do PCUS) – como se sabe, somente na primeira dessas ocasiões o bisturi funcionou (ou, 
simplesmente, existia). 
Em meados da década de 1930, o revolucionário russo seria ainda mais contundente acerca do 
alcance  histórico  da  derrota  alemã:  “Se,  em  1918,  a  social‐democracia  alemã  tivesse 
aproveitado  o  poder  que  os  operários  lhe  confiavam  para  consumar  a  revolução  socialista  e 
não  para  salvar  o  capitalismo,  não  seria  difícil  conceber,  apoiando‐nos  no  exemplo  russo,  o 
invencível poder econômico que seria hoje o do maciço socialista da Europa central e oriental 
e de uma parte considerável da Ásia. Os povos do mundo terão ainda que pagar, com novas 
guerras e novas revoluções, os crimes históricos do reformismo”. 
Para Pierre Broué, referindo‐se ao “fiasco alemão”, “jamais na história contemporânea houve 
preparativos  tão  cuidadosos,  sérios  e  sistemáticos  para  uma  insurreição,  em  nenhum  país. 
Nunca uma revolução em um país foi tão esperada, com seus fundamentos edificados como os 
de uma catedral pelos braços de dezenas de milhares de pessoas humildes. Jamais, portanto, 
uma decepção foi tão forte para os crentes e os combatentes”. A “incapacidade” do KPD para 
levar  a  cabo  a  revolução,  por  outro  lado,  foi  endossada,  como  vimos,  pela  direção  da 
Internacional  Comunista.  Por  isso,  embora  “nacional”  pela  sua  forma,  a  derrota  alemã  foi 
internacional no pleno sentido do termo, isto é, remete a uma limitação decisiva do processo 

                                                            
36
 O argumento de Claudín contra Trotsky é fraco: os votos do KPD tiveram uma trajetória, em geral, ascendente até 1933, 
o que não lhe poupou de ser derrotado, e esmagado da pior maneira imaginável, pelo nazismo. 

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revolucionário  europeu  (e  mundial)  iniciado  em  outubro  de  1917,  ou  seja,  da  própria 
Revolução de Outubro e de seu instrumento mundial, a Internacional Comunista. 
Nos anos sucessivos à crise alemã, os problemas da direção política revolucionária se poriam, 
em toda a Europa, em condições muito piores, devido à consolidação da burocracia stalinista e 
a  ascensão  do  nazismo.  A  bisonha  tentativa  insurrecional  nazista  de  1923  ensinou  ao  (até 
então pitoresco) futuro Führer que, para obter uma audiência de massas, o uso das margens 
de legalidade da República era indispensável. Nascido nas margens do exército, o NSDAP era 
timidamente  financiado,  no  início,  por  setores  empresariais  menores:  o  editor  Bruckham,  o 
fabricante de pianos Bechstein.37  
A  partir  de  1924,  o  NSDAP  começou  a  participar  de  atividades  políticas  legais  e  eleitorais, 
centrando‐se nelas. Às classes médias desesperadas, destruídas pela hiperinflação, os nazistas 
propunham  remédios  contra  a  angústia:  xenofobia,  racismo,  nacionalismo  exacerbado, 
acompanhados de uma demagogia anti‐capitalista que apontava os judeus (desde o século XIX 
designados  popularmente  como  “encarnação  do  capital”:  o  fundador  do  Partido  Social‐
Democrata, August Bebel, já chamava o anti‐semitismo de “socialismo dos imbecis”). Também 
eram denunciados o “imperialismo” (o diktat de Versalhes), os bonzos (os dirigentes operários, 
acusados de colaboração com os judeus): os nazistas chegaram a apoiar as “greves selvagens”. 
E, sobretudo, o NSDAP não deixou de usar a violência e o terror contra seus “inimigos”, para 
demonstrar ao seu “público” sua determinação em atingir seus objetivos.  

Adolf Hitler na década de 1920 


Derrota  bélica,  inflação  galopante,  decomposição  das  relações  econômicas  capitalistas, 
frustração revolucionária, adaptação definitiva da social‐democracia ao capital, emergência do 
stalinismo  na  URSS,  maduração  e  início  da  ascensão  do  nazismo  na  Alemanha:  a  conjuntura 
econômica  e  política  alemã  entre  1918  e  1924,  e  sua  irradiação  internacional,  foi  a  matriz  a 
partir da qual desenvolver‐se‐ia a história mundial do século XX. 

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 Com a crise de 1929, e já transformado em partido de massas, o caixa nazista recebeu o apoio dos konzern (Kirdorf, do 
carvão; Vorgler e Thyssen, do aço; IG Farben; o banqueiro Schroeder), preparando a sua conquista do poder na década de 
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