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Osvaldo Coggiola
University of São Paulo
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All content following this page was uploaded by Osvaldo Coggiola on 17 December 2015.
Na guerra, umas botas; na fuga, um lugar no barco ou em um caminhão,
podem ser as coisas mais importantes deste mundo, mais valorizadas do
que uma fortuna incalculável. Em tempos de hiperinflação, um quilo de
batatas pode valer, para alguns, mais que toda Ia prataria da família, e
um pedaço de carne mais que um piano de cola. Uma prostituta na
família é melhor que um filho morto; roubar é preferível a passar fome;
não passar frio é mais importante que conservar a honra; vestir‐se está
antes que as convicções democráticas; e comer é mais necessário que a
liberdade.
Adam Ferguson
O dinheiro é a verdadeira inteligência de todas as coisas; quem tem
poder sobre as pessoas inteligentes, não é mais inteligente do que elas?
O modo de produção capitalista conclui por identificar‐se com a
venalidade geral, isto é, com a troca em potencial de todos os produtos,
coisas, sentimentos e relações. Esta prostituição geral é uma fase necessária.
Karl Marx
A hiperinflação alemã do primeiro pós‐guerra é geralmente abordada como um fenômeno
econômico, reservado aos economistas; suas conseqüências sociais e políticas são o campo
dos historiadores. O fenômeno fica assim “fatiado” em partes independentes, não
mutuamente inteligíveis. Mas, no capitalismo (e a Alemanha era a sociedade mais capitalista
da Europa, à época), o dinheiro não se limita a ser mediador das trocas ou meio de
entesouramento (como nas sociedades pré‐capitalistas, ou nas sociedades mercantis sem
acumulação capitalista): ele é mediador geral de todas as relações, expressão mais abstrata e
concentrada do fetichismo da mercadoria, e expressão alienada de todas as relações sociais (e
pessoais). A cisão que torna autônomo o valor de troca, dando‐lhe existência própria e
separada, é simbolizada pelo dinheiro como potência autônoma, poder externo e estranho aos
produtores de mercadorias: a forma natural e a forma social dos produtos são contrapostas.
Para Marx: «O valor de troca cindido das próprias mercadorias, e existente ele mesmo junto a
elas, é dinheiro. Todas as propriedades da mercadoria enquanto valor de troca se apresentam
no dinheiro como um objeto distinto dela, como uma forma de existência social cindida de sua
forma de existência natural».
A “morte do dinheiro” (assim chamou Adam Ferguson à hiperinflação alemã) é a expressão da
morte dessas relações e, na medida em que não é superada, é percebida subjetivamente (ou
“vivida”) como a morte de todas as relações sociais e humanas.1 A hiperinflação alemã do
1
No capitalismo, o dinheiro “ordena” as relações sociais e pessoais, ou, nas palavras de Marx: “Somos feios ou feias, mas
podemos comprar as mulheres e os homens mais belos; portanto, não mais somos feios ou feias, porque o efeito da
1
início da década de 1920 provocou uma contra‐revolução social, com poucas pessoas
acumulando riquezas e acentuando a formação de uma classe de monopolizadores da
propriedade, ao passo que milhões de indivíduos ficaram relegados à pobreza e à miséria, em
todos os sentidos. A arte radical da República de Weimar foi, em boa parte, a resposta da
sensibilidade a esse desvendamento sem precedentes das relações sociais e humanas.
Capital‐Dinheiro e Inflação
O dinheiro é quase tão antigo quanto a troca comercial, na medida em que esta supera o
limite do escambo ocasional ou daquele realizado entre comunidades imediatamente vizinhas.
Do uso de objetos diversos (animais inclusive) de uso comum, como moeda, passou‐se para os
metais preciosos, e daí para o papel moeda fiduciário prometendo pagar ouro ou prata,
seguido pelo papel moeda de curso forçado, experimentado pela primeira vez, no ocidente, na
França de inícios do século XVIII, embora haja evidências de seu uso na China um milênio
antes.
A sociedade capitalista é, como toda sociedade mercantil, baseada na lei do valor (a troca das
mercadorias sendo realizada pelo tempo de trabalho socialmente necessário para produzi‐las),
sua especificidade consiste na transformação da força de trabalho em mercadoria, capaz de
produzir, pelo seu valor de uso, valores superiores aos socialmente necessários para produzi‐la
e reproduzi‐la, isto é, de produzir uma mais‐valia, que constitui a base da exploração e da
acumulação capitalista. O dinheiro, nessa sociedade, desenvolve todas suas potencialidades
como expressão da forma total ou desenvolvida do valor (as trocas comerciais podem se
realizar sem dinheiro, não assim a acumulação capitalista), presentes na mercadoria‐dinheiro,
reconhecida socialmente por todas as outras, e como forma monetária do valor.2 São funções
do dinheiro:
1. Medida de valor: dá às mercadorias a medida na qual expressam seus valores, sob uma
mesma denominação e fazendo‐as comparáveis desde o ponto de vista da quantidade. A
forma moeda tem sua origem nessa função.
2. Meio de circulação: ao estabelecer um equivalente geral mundialmente reconhecido, o
dinheiro, facilita e acelera a circulação das mercadorias, que antes se realizava por simples
troca, ou utilizando equivalentes ocasionais. Ao mesmo tempo, divide o ato da troca em dois
atos distintos: a compra e a venda. É nessa divisão que aparece a possibilidade da crise, isto é,
a interrupção da circulação de mercadorias; ou seja, quando um vendedor, que obteve
dinheiro pela venda de sua mercadoria, não se transforma em comprador, preferindo guardar
o dinheiro. É nessa função que tem sua origem esse símbolo emitido pelo Estado, que pode
substituir parcialmente a mercadoria‐dinheiro: o papel‐moeda.
3. Meio de pagamento: quando um vendedor entrega sua mercadoria contra uma promessa
de pagamento futuro ‐ o comprador não possui a totalidade do dinheiro porque espera
consegui‐lo vendendo suas mercadorias, cuja produção leva mais tempo, etc. ‐, "o vendedor se
transforma em credor, o comprador, em devedor. Como a metamorfose da mercadoria toma
aqui um novo aspecto, o dinheiro adquire também uma nova função: transforma‐se em meio
de pagamento" (O Capital).
feiúra, sua força repulsiva, é anulada pelo dinheiro. Somos malvados, desonestos, inescrupulosos, estúpidos; mas o
dinheiro é honrado e, em conseqüência, também o é seu possuidor. O dinheiro é o bem supremo, portanto, seu possuidor
é bom. O dinheiro nos exime da necessidade de sermos desonestos, portanto, presume‐se que sejamos honestos”.
2
"O ouro não desempenha o papel de moeda diante das mercadorias, a não ser porque já desempenhava diante delas o
papel de mercadoria. Igual a elas, funcionava também como equivalente, às vezes acidentalmente em trocas isoladas, às
vezes como equivalente particular com outros equivalentes. Pouco a pouco começa a funcionar como equivalente geral,
dentro de limites mais ou menos amplos. Desde que conquista o monopólio dessa posição na expressão do valor do
mundo das mercadorias, transforma‐se em mercadoria‐dinheiro, e é só a partir do momento em que já se transformou em
mercadoria‐dinheiro que a forma geral do valor se transforma em forma monetária" (Karl Marx, O Capital).
2
4. Meio de entesouramento: "Desde que se desenvolva a circulação de mercadorias, se
desenvolve também a necessidade e o desejo de conservar o produto da primeira
metamorfose, a mercadoria se transforma em crisálida de ouro ou de prata. A partir de agora
as mercadorias são vendidas não só para comprar outras, mas também para substituir a forma
mercadoria pela forma dinheiro. A moeda retida em sua circulação petrifica‐se, por assim
dizer, e se transforma em tesouro, e o vendedor se transforma em entesourador" (O Capital).
5. Dinheiro mundial: como meio de troca entre diferentes mercados (países), a moeda assume
toda a sua força. "No marco da circulação nacional, não é mais do que uma mercadoria que
pode servir como medida de valor e conseqüentemente como moeda. No mercado do mundo,
reina uma dupla medida de valor, o ouro e a prata". Quando acontece uma transferência de
riqueza de um país para outro através da moeda, esta por fim funciona como a forma absoluta
da riqueza.
Popularmente, inflação é a queda do valor de mercado ou poder de compra do dinheiro, o que
se expressa como aumento no nível geral de preços, um processo pelo qual ocorre aumento
generalizado nos preços dos bens e serviços, provocando perda do poder aquisitivo da moeda.
Isso faz com que o dinheiro valha cada vez menos, sendo necessária uma quantidade cada vez
maior dele para adquirir os mesmos produtos. Isto, eventualmente, estaria vinculado a um
aumento no suprimento de dinheiro e a expansão monetária, o que é visto como a causa do
aumento de preços. Externamente, a inflação se traduz por uma desvalorização da moeda
local frente a outras, e internamente ela se exprime no aumento do volume de dinheiro e no
aumento dos preços. Hiperinflação é uma inflação “fora de controle”, com encarecimento
rápido dos produtos, recessão, e desvalorização acentuada da moeda (o caso clássico é a crise
alemã de 1923).
A inflação é tão antiga quanto o uso da moeda, e acentuada com a moeda fiduciária: crises
inflacionárias já afetavam o Império Romano.3 Para o surgimento do capitalismo
contemporâneo, foi decisivo um fenômeno inflacionário de alcance europeu, motivado pelo
afluxo de metais preciosos consecutivo à conquista da América. Espanha recebeu de suas
colônias americanas, no período de 1503 a 1660, 181.133 kg de ouro e 16.886.815 kg de prata.
Pierre Chaunu calculou em 85 a 90 mil toneladas, em valor prata, a produção de metais
preciosos da América colonial de 1500 a 1800, isto é, o equivalente de 80% a 85% da produção
mundial nesse mesmo período. Essa entrada enorme de metais preciosos na Europa constituiu
um dos episódios maiores da história moderna. Segundo Chaunu, “foi esse fato que
desencadeou a crise dos preços do século XVI, e salvou a Europa de uma nova Idade Média,
permitindo a reconstituição de seu estoque metálico”.
Mas essa crise, chamada de “revolução dos preços” (os quais se multiplicaram por quatro ao
longo de um século) contribuiu, através da inflação resultante, para a ruína de inúmeros
artesãos ou pequenos proprietários, criando uma das condições da passagem para o
capitalismo: o aparecimento de trabalhadores livres, desprovidos de qualquer propriedade a
não ser a sua força de trabalho. Na época, os senhores feudais já recebiam as contribuições
anuais dos servos em moeda, uma taxa fixa por pessoa. Ao dobrar a quantidade de ouro,
permanecendo pouco alterada a produção de bens, os preços duplicaram igualmente,
reduzindo pela metade os rendimentos dos senhores feudais. Assim, a “revolução dos preços”
levou a una transferência de renda dos senhores feudais para a classe capitalista comercial
emergente, debilitando os primeiros e fortalecendo a segunda. Se os efeitos da “revolução”
estão fora de discussão, não acontece o mesmo com suas causas. Para explicar a alta geral dos
preços na Europa no século XVI, a maioria dos autores atribui a o surto inflacionário aos metais
3
Um aumento de preços no Império Romano foi causado pela desvalorização dos denários que, antes confeccionados em
ouro puro, passaram a ser fabricados com todo tipo de impurezas. O imperador Diocleciano culpou a avareza dos
mercadores pela alta dos preços, promulgando em 301 um edito que punia com a morte qualquer um que praticasse
preços acima dos fixados pelo governo.
3
preciosos vindos da América, mas Van Bath não concorda: a alta geral dos preços seria anterior
à vinda dos metais preciosos. O fluxo de metais preciosos não explicaria essa alta, em que os
produtos agrícolas subiram mais do que os bens manufaturados, e mais do que os salários. O
que a explicaria seria a explosão demográfica: o aumento da população teria levado ao
aumento da procura por produtos de subsistência e, conseqüentemente, a um aumento nos
preços. Por outro lado, com o crescimento da população houve uma maior oferta de mão‐de‐
obra, o que levou a uma depreciação dos salários. Houve assim um forte estímulo à produção
agrícola de subsistência, evidenciado pelo aumento da área cultivada, e também pelo aumento
do conhecimento agronômico.
Como seja, foi uma reviravolta crucial da economia européia. Segundo Wallerstein: “Europa se
expandiu nas Américas. Isto pode não ter sido determinante em si mesmo, mas foi importante.
O fato crucial da expansão foi apontado por [Fernand] Braudel: «o ouro e a prata do Novo
Mundo permitiram a Europa viver por cima de suas possibilidades, investir por cima de sua
poupança». Investir por cima de sua poupança e aumentá‐la por meio da revolução dos preços
e o retraso dos salários... O próprio ouro era «uma mercadoria e uma expansão geral do
comércio subjaz a "prosperidade" do século XVI, que não foi um jogo nem uma miragem, nem
tampouco uma ilusão monetária»”.4 Não foi uma ilusão, certamente, mas sim uma maldição
para seus agentes (Espanha e Portugal, as principais potencias colonizadoras), cujas economias
ficaram atreladas à circulação de mercadorias (a função “2” do dinheiro), deixando para outras
a produção delas, para o que lhes foi necessário operar a transformação da força de trabalho
em mercadoria, isto é, virarem capitalistas.5
Um exemplo clássico de inflação de meios de pagamento foi a dos assignats, emitidos durante
a Revolução Francesa. Inicialmente simples títulos da dívida flutuante, sem poder liberatório
de moeda legal, foram, em 1793, declarados o único meio legal de pagamento. Apesar de ser
crime, passível da pena de morte, recusar assignats ou negociá‐los abaixo do seu valor ao par,
suas sucessivas e desproporcionadas emissões logo os privaram de poder de troca.
4
Segundo John K. Galbraith: “A descoberta e a conquista puseram em movimento um enorme fluxo de metal precioso da
América à Europa, e o resultado foi uma grande elevação de preços ‐ uma inflação ocasionada por um aumento da oferta
do melhor tipo de dinheiro de boa qualidade. Quase ninguém na Europa estava tão afastado das influências do mercado
para não sentir algum efeito sobre o seu salário, sobre o que vendia, sobre qualquer pequeno objeto que quisesse
comprar. Os aumentos de preços ocorreram inicialmente na Espanha, onde os metais chegaram em primeiro lugar; a
seguir, à medida em que eram carregados pelo comércio (ou, talvez em menor escala, pelo contrabando ou por conquista)
à França, aos Países‐Baixos e à Inglaterra, a inflação os seguiu. Na Andaluzia, entre 1500 e 1600, os preços subiram cinco
vezes. Na Inglaterra, se tomássemos como 100 os preços da última metade do século quinze, isto é, antes das viagens de
Colombo, à altura da última década do século XVI estariam a 250; oitenta anos mais tarde, ou seja, na década de 1673 a
1682, estariam a 350, três vezes e meia acima do que haviam alcançado antes de Colombo, Cortez e Pizarro. Após 1680,
estabilizaram‐se e assim permaneceram, pois tinham caído muito antes na Espanha. Esses preços, e não os relatos dos
conquistadores, representaram a notícia de que a América tinha sido descoberta, para a grande maioria dos europeus”.
5
Nas palavras de James Buchan: “À medida que o século avançava, pessoas ponderadas detectaram uma mudança operar‐
se na Espanha metropolitana, primeiro lentamente, e depois numa convulsão. A prosperidade, que parecia ter subsistido
na posse dos metais preciosos, tinha simplesmente deixado a Espanha de lado. O país tinha se tornado, numa famosa
formulação da época, as Índias do estrangeiro, irremediavelmente indigente, explorado pelos vizinhos, fraco, endividado e
árido: era como se a prata fosse uma doença contagiosa, como a sífilis que os homens pensavam que Colombo tinha
trazido de volta, e não menos destrutiva. A prata de Potosí entrava através de Cádiz e Sevilha e passava rapidamente
através dos portos costeiros da Cantábria e do Mediterrâneo, em troca de produtos importados de qualidade inferior a
preços sempre mais altos e salários dos trabalhadores em ascensão; ou era esbanjada nos exércitos atolados no lodo da
Holanda tentando debelar a revolta holandesa. A partir da virada do século XVII, os preços em Sevilha eram
provavelmente cerca de quatro vezes o que tinham sido quando Colombo partiu em direção ao ocidente. Don Gerónymo
de Uztáriz, secretário do Conselho de Índias, estimou mais tarde que cerca de cinco bilhões de dólares [sic] tinham vindo
da América para a Espanha desde 1492, dos quais, a partir de 1724, apenas cerca de um bilhão permanecia em moeda e
em prataria doméstica e eclesiástica. Mesmo agora, no grande retablo dourado da catedral de Sevilha ou nas igrejas
barrocas do México, Peru e Equador, vêem‐se os vestígios de um esforço psicológico desesperado: o de esterilizar os
metais americanos do seu conteúdo monetário e dirigir o resíduo ornamental para as sensações de admiração e fé. Isso,
essencialmente, é o barroco na arquitetura religiosa. Quanto ao remanescente, foi para a França, a Holanda, Inglaterra e o
Báltico”.
4
Entendido como inflação todo aumento do volume da moeda, é preciso que tal aumento seja
anormal ou excessivo, e só se pode reconhecer esse caráter tomando‐se um ponto de
referência. No século XIX esse ponto era o depósito de metal, geralmente o ouro. A doutrina
da Currency School firmou‐se quando (1811) a Câmara da Inglaterra discutiu o Bullion Report,
para saber a causa do preço alto dos lingotes de ouro. David Ricardo defendeu as conclusões
do Bullion Committee, recomendando o retorno ao padrão metálico e a restrição da circulação
de notas (propondo que a emissão da moeda de papel só acontecesse pela contrapartida de
um depósito de metal, idéia aceita com o Act de Peel, de 1844). No século XX, o volume da
emissão passou a ser medido em relação a outro fator, o volume da produção nacional: se
caracterizou a inflação pelo aumento excessivo da moeda em suas diversas formas, com
respeito à produção nacional.
Na definição econômica tradicional, uma inflação é "uma alta generalizada dos preços e dos
fatores de produção" ou, "um movimento ascensional de preços auto‐perpetuante e
irreversível, causado por um excesso de procura sobre a capacidade de oferta". A elevação dos
preços e dos rendimentos monetários não é coincidente em tempo e tamanho para todos os
produtos e para todos os agentes econômicos. O fenômeno inflacionário seria prejudicial,
porque não incide de forma uniforme e simultânea sobre todos os setores da economia. Os
rendimentos que não acompanham a alta dos preços verão seu poder de compra diminuir,
enquanto os rendimentos monetários que crescem a uma taxa igual ou superior à elevação
dos preços, se manterão ou aumentarão em termos reais. Essa “redistribuição da renda”,
provocada pela inflação, resultaria do inconformismo de certas categorias de “agentes
econômicos” com a distribuição precedente: esses agentes (classes ou grupos de classe)
tentariam uma redistribuição através de mecanismos inflacionários. A inflação, portanto, não
geraria riqueza, só a (re) distribuiria. Num manual de vulgarização, lê‐se: “Inflação é a alta dos
preços. Ela degrada a qualidade das escolhas dos agentes econômicos (que) podem, por
exemplo, conceder com excessiva facilidade aumentos de salários, superiores aos ganhos de
produtividade. Podem se endividar demais, para investir demais. O melhor é, pois, estabilizar
as antecipações de preços”.
A teoria quantitativa da moeda (a teoria clássica da inflação), explica a inflação por uma única
causa: o excesso de papel‐moeda emitido. Houve depois sucessivas reformulações da teoria:
outros fatores foram considerados, como a rapidez de circulação da moeda, o emprego, o
encaixe bancário, a renda líquida, a renda gasta, a industrialização do ouro, etc. A formulação
keynesiana surgiu como uma variante da teoria quantitativa (no quadro de uma teoria geral da
renda). Em sua General Theory of Employment, Interest and Money, de 1936, Keynes afirmou
que o nível geral dos preços era determinado pela relação entre as despesas em moeda e o
volume dos bens e serviços produzidos: a inflação não era um fenômeno exclusivamente
monetário; Keynes elaborou uma teoria conjuntural da inflação, tentando explicar o fenômeno
na produção de bens, na sua circulação, no comércio exterior, na distribuição de renda.
A teoria marxista situou a inflação no contexto geral da acumulação capitalista, considerando‐
a sob uma tripla perspectiva: a depreciação da moeda, a alta geral dos preços e a diminuição
do preço real do trabalho. O traço fundamental do processo inflacionário é a própria redução
do valor da força de trabalho, idéia antagônica às concepções baseadas na teoria da renda, em
suas diversas formas (oferta versus procura, demanda global versus oferta global, espiral de
preços e salários, etc.). Enquanto a teoria da renda e suas variantes afirmam que o processo
inflacionário se inicia no instante em que a renda monetária dos assalariados se eleva,
havendo um excesso de demanda sobre a oferta dos produtos, a teoria marxista estabelece
que o processo inflacionário começa quando a renda dos assalariados se reduz pela
depreciação da moeda.
A perda do poder aquisitivo da moeda depende da estrutura geral da economia e da
sociedade. Para Marx: "Tratando‐se do papel‐moeda de curso forçado, ninguém pode impedir
5
o Estado de pôr em circulação um número qualquer de cédulas e dar a essas cédulas nomes
monetários arbitrários: 1 libra esterlina, 5 libras, 20 libras. etc. Mas este poder do Estado é
apenas aparente. Ele pode à vontade jogar na circulação uma quantidade qualquer de cédulas
com nomes arbitrários; mas seu controle não ultrapassa esse ato mecânico. Dominado pela
circulação, o signo do valor, o papel‐moeda, sofre suas leis imanentes".
A questão da forma monetária do capital refere‐se ao financiamento da produção.
Incorporada à lógica da acumulação de capital, a função monetária de meio de circulação se
transforma numa função de capital‐dinheiro, capaz de conformar um valor econômico que,
pelas exigências internas do seu próprio movimento, adquire novas formas. Sem a forma
dinheiro não seria possível a renovação constante dos fatores da produção capitalista: tal
forma é também imprescindível para que as mercadorias possam ser realizadas como valores
de uso pelos seus consumidores.
O financiamento da acumulação de capital, referente à renovação ampliada da riqueza social
(mercadorias) implica uma série de problemas de realização provenientes do modo específico
da produção capitalista. A contradição entre os atos de compra e venda, relacionada à
manutenção de estoques, criação de falsos custos ou faux frais (custos de conservação), exige,
junto às necessidades sociais ampliadas, concentração e centralização de capitais, bem como
remete à questão do entesouramento e do crédito. Segundo Marx: "O entesouramento
desempenha diversas funções na economia de circulação metálica. A função mais próxima
decorre das condições de curso da moeda de ouro e prata. Com as continuas oscilações da
circulação das mercadorias em volume, preços e velocidade, a quantidade de dinheiro em
curso diminui e aumenta infatigavelmente. É necessário, portanto, que seja capaz de contrair‐
se e expandir‐se. Para que a massa de dinheiro realmente circulante corresponda, a todo
momento, ao grau de saturação da esfera de circulação, é necessário que o quantum de ouro e
prata existente num país exceda o quantum absorvido pela função monetária. Essa condição é
satisfeita por meio do dinheiro em forma de tesouro".
Marx refere‐se à produção e circulação de mercadorias em geral e, por isso mesmo, também à
produção capitalista. No âmbito da reprodução ampliada de capital, dados os limites imediatos
das inversões (financiamento) possíveis, formam‐se reservas monetárias ‐ também
determinadas pelos diferentes tempos de rotação do capital fixo e circulante. A centralização
de capitais e o crédito, particularmente, permitem a mobilização de estoques de capitais
necessários à ampliação da produção. Por diversos canais fluem recursos monetários antes
dispersos, agora agrupados por obra do crédito. A divisão dos recursos, porém, não elimina a
necessidade de uma "poupança social" inibidora de "perturbações inflacionárias" (Suzanne de
Brünhoff). O desideratum da produção capitalista é a criação de valor novo, cujo signo é o
dinheiro (substituído em certas funções por signos dele mesmo). O valor de uso é tão somente
a base necessária para dar suporte à mediação social dos diversos produtos, o valor de troca.
Mas a existência contraditória do valor de uso e do valor implica uma antítese entre a utilidade
de um bem, e a sua necessidade de autonomia externa, como trabalho diretamente social. A
mercadoria é a forma em que a antinomia pode se movimentar. Um produto é realizado
quando é vendido: o primeiro ato, a venda (M ‐ D), explicita a circulação da mercadoria
transacionada; o segundo ato, a compra (D ‐ M), demonstra um processo oposto, o
movimento do dinheiro, sempre percorrendo como meio circulante, enquanto as mercadorias
desaparecem na esfera do consumo: "O dinheiro afasta as mercadorias constantemente da
esfera de circulação, ao colocar‐se continuamente em seus lugares na circulação e, com isso,
distanciando‐se de seu próprio ponto de partida. Embora o movimento do dinheiro seja
apenas a expressão da circulação de mercadorias, esta aparece, ao contrário, apenas como
resultado do movimento do dinheiro" (Marx).
6
Os desequilíbrios inflacionários são gerados pelas contradições imanentes ao processo cíclico
de reprodução do capital. A análise da forma mercadoria e de suas antíteses internas explicita
a possibilidade genérica das crises, inclusive as inflacionárias. A natureza da crise inflacionária
não pode ser deslocada do âmbito em que se movem as contradições do processo de
acumulação. Foram formuladas teorias que identificaram a inflação e o déficit orçamentário ‐
o financiamento desse déficit, entretanto, não é fator explicativo da inflação, pois o aumento
da despesa estatal acompanhado do incremento do consumo privado (sendo constante o
investimento) implica crescimento da renda corrente ‐ como o consumo aumentou, o
diferencial entre renda privada e gastos públicos aumenta com o próprio déficit (Kalecki).
Outras teorias enfatizam o controle das autoridades monetárias sobre a compra‐venda de
títulos públicos, ou na determinação da percentagem de encaixe (depósitos obrigatórios) e na
emissão de moeda legal.
A explosão e crescimento generalizado dos preços encontram compreensão no âmbito das
próprias contradições da acumulação de capital. A escassez de oferta nos períodos de
saturação da capacidade instalada, em face do crescimento da demanda, gera inflação.
Destarte, o pleno emprego não é proporcional à oferta de bens de consumo, e qualquer
aumento nominal de salário não resgata seu poder real de compra anterior à espiral
inflacionária. O mesmo vale para os capitalistas, concorrentes cada vez mais pelos limitados
recursos disponíveis ‐ seus custos sobem. A Curva de Philips, que associa a taxa de inflação e a
taxa de desemprego, como inversamente proporcionais, foi praticamente refutada: no início
da década de 1970, a ocorrência simultânea de inflação e estagnação nos EUA demonstrou a
insuficiência da abordagem “ortodoxa” da inflação.
Por outro lado, a ênfase na hipertrofia do setor financeiro da economia, com aumento
permanente de recursos monetários invertidos fora do âmbito do capital produtivo, dribla a
importância do chamado setor “real” da economia. Cada vez é menor o crescimento do
produto social; são poucos os investimentos, o que gera pontos de estrangulamento na
economia ‐ qualquer aumento de demanda não pode ser satisfeito por uma ampliação da
produção: os preços sobem. A reprodução ampliada de capital subsume o aspecto concreto e
material da acumulação: a renovação dos fatores de produção. Toda ampliação de capitais
invertidos no setor financeiro, embora seja rentável do ponto de vista do capital individual, é
deletéria do ponto de vista do processo global de reprodução. A mera e progressiva
substituição de ativos reais por ativos financeiros, estimulada pela inflação permanentemente
alta, corrói a longo prazo a economia, desembocando na destruição da moeda: a insuficiência
crônica de oferta em face da demanda implode os preços ‐ nem é necessário dizer que
também a fuga das inversões do setor produtivo gera diminuição relativa do produto social,
desemprego estrutural, fome, solidão e miséria. O caráter improdutivo do setor financeiro
evidencia que as crises e a inflação relacionam‐se com a produção real: só no âmbito do capital
produtivo cria‐se mais‐valia; todo o excedente “criado” pelo setor financeiro, os lucros
auferidos pelo capital nesta esfera, são deduções da riqueza social.
A acumulação financeira em descompasso com as taxas de investimento na base produtiva
gera a situação de taxas de lucro elevadas, inversões produtivas baixas, a taxa de juros como
referência para a formação de preços, estagnação e inflação. A contradição entre a lógica
empresarial e a “lógica macroeconômica” não deve ocultar que a própria “racionalidade
microeconômica” do capitalista é a manifestação do processo automático e sem sujeito da
valorização do valor‐capital, de quem o capitalista é personificação: "Quanto mais agudas e
freqüentes se tornam as revoluções de valor, tanto mais se impõe, atuando com a violência de
um processo natural elementar, o movimento automático do valor tornado autônomo em face
da previsão e do cálculo do capitalista individual, e tanto mais se torna o curso da produção
normal vassalo da especulação anormal; e tanto maior se torna o perigo para a existência dos
capitais individuais” (Marx). O processo inflacionário é um fenômeno automático e endógeno,
7
manifestação das contradições imanentes à acumulação, a inflação é só mitigada com o
controle de preços (que gera “inflação latente”), cortes orçamentários, reajustes fiscais: a
inflação é um fenômeno que afeta todas as relações econômicas, especialmente aquelas que
observam diferenças no tempo, porque nela a moeda deixa de cumprir uma de suas principais
funções: ser reserva de valor.
Numa situação de desequilíbrio crônico entre demanda global e oferta global (com prejuízo
desta) a inflação dos preços é perene como forma de ajuste. Mas isto não tipifica a
hiperinflação. Os movimentos dos preços não se dão simultaneamente e em curto período, o
que caracteriza a "hiper". A renda é redistribuída aos setores que auferem aumentos dos
preços de seus produtos num dado momento. Os trabalhadores, por sua vez, dependem da
luta de classes para reajustar ou aumentar seus salários. O ajuste inflacionário não é
harmônico e impõe perdas reais a curto e longo prazo, pois os trabalhadores não podem
repassar aos salários a elevação dos preços dos seus meios de subsistência da mesma forma
que os capitalistas repassam às suas mercadorias os aumentos de seus custos.
A Especificidade Histórica Alemã
A crise econômica alemã da primeira metade da década de 1920 foi, de um lado, um
fenômeno “nacional”, compreensível na sua especificidade (o caos monetário alemão como
expressão concentrada dos problemas mal resolvidos da constituição tardia da Alemanha
como nação independente), mas foi também, por outro lado, um fenômeno “internacional”,
uma expressão da fragilidade da prosperity capitalista mundial no seu “elo mais fraco” (a
principal nação derrotada na primeira conflagração bélica mundial).
Na era moderna, Alemanha chegou tardiamente ao cenário histórico europeu. Carlos V,
senhor do maior império europeu desde Carlos Magno,6 não conseguiu impor‐se na ebulição
interna do país. Depois da sua abdicação, seu “império mundial” foi dividido. Os proto‐estados
nacionais da Europa Ocidental e os estados territoriais alemães constituíam a Europa do século
XVI. Na Europa, a primeira revolução burguesa, a Reforma e o Renascimento, acompanhou o
aparecimento do Estado nacional e a emancipação do campesinato. Mas, nem o Estado
nacional, nem a emancipação do campesinato, tiveram lugar na Alemanha, nos séculos XV e
XVI. Engels considerou que a guerra camponesa foi um fenômeno apenas alemão: "A
revolução de 1525 foi um assunto particular da Alemanha": "o principal efeito da guerra dos
camponeses foi tornar mais aguda e consolidar a divisão política da Alemanha, esta mesma
divisão que havia sido a causa do seu fracasso". Alemanha participou apenas parcialmente, no
plano espiritual, do primeiro ciclo, ou fase inicial, da revolução burguesa européia.7
Com a Paz de Westfalia (1648), Alemanha perdeu territórios para a França e a Suécia; e houve
o desmembramento da Suíça e da Holanda do império. “Alemanha” concedia seus aos estados
6
Este tinha sido estabelecido pelo seu avô, o imperador Maximiliano I de Habsburgo, “rei dos romanos” desde 1493, eleito
imperador do Sacro Império Romano‐Germânico em 1508. A dispersão territorial e as diferenças entre os territórios do
patrimônio dos Habsburgo obrigaram Maximiliano a unificar a ordem legal, administrativa e militar, além de realizar
pactos internacionais. Morto em 1519, Maximiliano foi sucedido pelo seu neto Carlos de Gante, que encabeçaria o Império
com o nome de Carlos V.
7
Engels afirmou: “A longa luta da burguesia européia contra o feudalismo culminou em três grandes e decisivas batalhas.
A primeira foi a Reforma protestante na Alemanha. A segunda grande insurreição da burguesia encontrou no calvinismo
uma doutrina pormenorizada e talhada à sua medida. A explosão deu‐se em Inglaterra. Foi posta em marcha pela
burguesia das cidades, mas foram os camponeses médios ‐ a yeomanry ‐ que a fizeram triunfar. É bastante curioso que,
nas três grandes revoluções da burguesia, tenha sido o campesinato a fornecer as tropas de combate e a ser precisamente
a classe que, depois de se alcançar o triunfo, sai arruinada infalivelmente pelas conseqüências econômicas desse triunfo...
A grande Revolução Francesa foi a terceira insurreição da burguesia; a primeira que rejeitou totalmente o manto religioso,
travando todas as suas batalhas no campo abertamente político; foi também a primeira que levou realmente o combate
até o aniquilamento de um dos combatentes, a aristocracia, e ao triunfo completo do outro, a burguesia. Na Inglaterra, a
continuidade das instituições pré‐revolucionárias e pós‐revolucionárias e o compromisso entre os grandes latifundiários e
os capitalistas encontraram a sua expressão na continuidade dos precedentes judiciais e na conservação respeitosa das
formas legais de feudalismo”.
8
todos os direitos essenciais de soberania em questões religiosas e seculares, permitindo‐lhes
formar alianças com parceiros internacionais. No século XVII, os estados territoriais alemães,
quase soberanos, adotaram o absolutismo, caracterizado por um soberano com poderes
ilimitados, estruturas administrativas rígidas, economia financeira organizada e a formação de
exércitos permanentes. Os principais eram Baviera, Brandemburgo, Saxônia e Hannover. Ao
longo do período, os imperadores da Alemanha fracassaram em suas tentativas de criar um
Estado centralizado e cederam cada vez mais autonomia a seus vassalos. Mais de 300
baronatos, cidades livres, condados, ducados, principados, e outros Estados grandes ou
pequenos, tornaram‐se independentes para quase todos os efeitos, incluindo sistemas
monetários. No inicio do século XVIII, havia na Alemanha 170 sistemas monetários
independentes. A maioria dos sistemas monetários da Alemanha (e Escandinávia), porém, era
baseado no Thaler ou táler, cunhado pela primeira vez no Tirol, em 1486.8
A Áustria, que conseguira conter a invasão turca e havia incorporado a Hungria e parte dos
Bálcãs, tornou‐se uma grande potência. No século XVIII, ela ganhou um rival, a Prússia, que se
formara a partir de Brandemburgo, e se transformou numa grande potência militar durante o
reinado de Frederico, o Grande (1740‐1786). A Revolução Francesa contribuiu para
desmoronar o Sacro Império em 1806, mas seu impacto não chegou a se alastrar na Alemanha,
devido à estrutura federal do Império. Atacado pelo exército de Napoleão Bonaparte, o
Império sucumbiu definitivamente. A França anexou a margem esquerda do Reno. A
reorganização territorial deu‐se à custa dos principados menores e dos religiosos. Os estados
médios foram beneficiados, unindo‐se em 1806 na Liga Renana (ou Confederação do Reno).
No mesmo ano, o imperador Francisco II abdicou da coroa, pondo fim ao Sacro Império
Romano‐Germânico. A oposição aos franceses acabou dando asas ao “espírito nacional”
alemão. A abolição da vassalagem, a liberdade profissional, a autonomia municipal, a
igualdade perante a lei e o serviço militar obrigatório, foram implantadas nos estados da Liga
Renana e mais tarde também na Prússia.
O Congresso de Viena (1814–1815) estabeleceu uma nova ordem na Europa, após a vitória da
reação aristocrática contra Napoleão. A aspiração a um Estado nacional alemão não se
concretizou. A Liga Alemã era uma união de estados soberanos pouco coesos. O seu único
órgão, a Dieta de Frankfurt, não era um parlamento eleito, e sim um congresso de delegados.
A Liga só podia agir com o beneplácito das duas grandes potências, Prússia e Áustria; nas
décadas seguintes, reprimiu todas as tentativas de unificação e liberdade. De 1815 a 1848 a
Santa Aliança (Prússia, Rússia e Áustria, com apoio inglês) impediu os Estados confederados
8
O nome dessa moeda era uma abreviação de Joachimsttlaler, por ter sido originalmente cunhada com prata da mina de
Joachimsthal na Boêmia, anexada ao ducado da Áustria após a guerra dos 30 anos. Seu nome também deu origem ao daler
dos países escandinavos e ao dólar norte‐americano (o táler, na peculiar pronuncia dos yankees), que na origem nada mais
era que o peso espanhol, aproximadamente equivalente ao táler. O táler da Áustria ‐ Speciesthaler ou táler padrão ‐
dividia‐se em 2 Gulden, 120 Kreuzer, 480 Pfennig ou 960 Heller. Em alguns estados dentro da esfera de influência austríaca,
cunhavam‐se também moedas chamadas Albus. Dois táleres austriacos equivaliam a um ducado de ouro de 3,5 gramas a
98,6% (23 quilates e 2/3). O Speciesthaler tinha 28,82 gramas de prata até 1753, quando uma convenção celebrada entre a
Áustria e alguns principados alemães de sua área de influência definiu uma moeda comum chamada Conventianthaler,
com 28,0668 gramas de prata de 20 quilates. Isso equivalia a exatamente 10 táleres por marco (unidade de peso
equivalente a 233,855 g) de prata pura. Os Conventionthalers cunhados pela Áustria tornaram‐se uma moeda de ampla
circulação internacional, principalmente no Oriente Médio e África do Norte, onde foram chamados bir (na Etiópia) ou de
riyal. Esta última palavra era uma arabização do nome da moeda espanhola real, pois o peso espanhol era também
chamado peça de 8 reales. Dentro da fragmentada Alemanha, o ducado protestante da Prússia, depois promovido a reino,
após as guerras napoleônicas, tornou‐se hegemônico na Alemanha do Norte, onde muitos Estados haviam adotado seu
sistema monetário, também baseado no Thaler. O táler prussiano ou Reichsthaler (táler do Estado) valia menos que o
austríaco ‐ pesava 22,272 gramas de prata de 18 quilates; a razão de troca era mais ou menos 1,4 Reichsthalers por
Conventionthaler ‐ e sua subdivisão era diferente: 1 Reichsthaler = 1,5 Gulden = 24 Silbergroschen = 288 Pfennig = 576
Heller. Fazia parte desse sistema uma moeda de ouro chamada Goldgulden, com 3,25 gramas de ouro a 77% (18% quilates)
equivalente a 2 Reichstaler e outra chamada pistola, que continha 6,682 gramas de ouro a 90,3% (21 quilates e 2/3) e
equivalia a 5 táleres prussianos. Havia estados que, apesar de se situarem no norte da Alemanha, conservavam sistemas
que nada tinham a ver com o prussiano, e estavam relacionados ao Speciedaler dinamarquês, equivalente ao Speciesthaler
austriaco, como os de Schlewig‐Holsteín e das cidades livres hanseáticas de Hamburgo e Lübeck.
9
germânicos de manter qualquer espécie de autodeterminação democrática. Fez caminho a
idéia de uma centralização do poder com a criação de um Estado germânico, sob uma única
monarquia. Em 1834, foi fundada a União Alfandegária Alemã (Zollverein), que tentou
implantar um mercado nacional e,9 em 1835, foi inaugurada a primeira estrada de ferro
“nacional”. Começava a industrialização e, com as fábricas, formou‐se uma nova classe
operária fabril. O forte crescimento demográfico levou a um excedente de mão‐de‐obra. A
massa dos operários vivia na miséria, e não demorou para se organizar.
A revolução européia de 1848 teve eco na Alemanha. Insurreições populares em todos os
estados da federação obrigaram os príncipes a concessões. A unificação proposta pelos
democratas parecia um projeto revolucionário para renovar o Reich, unificando a
confederação em um Estado nacional. As reivindicações dos insurgentes logo deram lugar ao
discurso que deu o tom do projeto de unificação alemã. Além da liberdade de pensamento e
de imprensa, a revolução conquistou o compromisso dos reis germânicos em promulgar
constituições e estabelecer ministérios liberais. Em maio de 1848, para promulgar a
Constituição de Estado alemão unificado, foi convocado o Parlamento de Frankfurt, com
delegados de todos os Estados da Confederação. Na contramão dos demais Estados, a Prússia
se posicionou no sentido oposto.
Era o início do fracasso da Assembléia Nacional ou Parlamento alemão: "A sua convocação
tinha sido a primeira prova de que tinha havido efetivamente uma revolução na Alemanha...
Eleito sob a influência da classe capitalista por uma população rural desmembrada e dispersa,
na maioria, mal acordando do mutismo feudal, este Parlamento serviu para trazer para a arena
política, num só órgão, todos os grandes nomes populares de 1820‐1848, e depois para os
arruinar totalmente. Todas as celebridades do liberalismo da classe média estavam aí
reunidas; a burguesia esperava maravilhas; colheu vergonha para si própria e para os seus
representantes... O liberalismo político, o regime da burguesia, tanto sob uma forma de
governo monárquica como republicana, é para sempre impossível na Alemanha", concluiu
Engels. Em 1848, como no começo do século XVI, com Lutero, a Alemanha só conseguiu se
igualar à Europa, e até mesmo se colocar em sua dianteira, no plano do espírito, do
pensamento religioso e filosófico.
Em Berlim, apoiado pelos junkers (elite latifundiária), o rei prussiano dissolveu o parlamento e
promulgou uma nova constituição, que privilegiava os membros da aristocracia, estabelecendo
uma câmara aristocrática nomeada pelo soberano, e outra composta através de voto
censitário. Em julho, a Assembléia de Frankfurt deliberou a formação de um governo
provisório. O impasse se resolveu numa reviravolta na Assembléia que, em março de 1849,
ofereceu a coroa ao rei prussiano, Frederico Guilherme IV. Nas palavras de Trotsky: “A
burguesia alemã, desde o princípio, bem longe de fazer a revolução, dissociou‐se dela. A sua
consciência dirigia‐se contra as condições objetivas da sua própria dominação. A revolução não
podia ser feita por ela, mas só contra ela. As instituições democráticas representavam, no seu
espírito, não um objetivo pelo qual combatesse, mas uma ameaça para o seu bem‐estar”.10
9
Era um mercado comum da Prússia com 25 outros estados do norte da Alemanha que, em 1839, adotou uma moeda
chamada Vereinsthaler (táler da união), definida como 18,5595 gramas de prata a 90%, de modo que 14 táleres faziam
exatamente um marco de prata. O Vereinsthaler passou a dividir‐se em 30 Groschen, 360 Pfennig e 720 Heller. Alguns
estados alemães do sul, liderados pela Baviera e Wurttemberg, formaram um mercado comum sul‐alemão e adotaram
como padrão um Gulden ou florim; 24,5 florins equivaliam a 14 táleres prussianos. Nas décadas seguintes, continuou a
rivalidade entre Áustria e Prússia, mas a primeira gradualmente perdeu terreno. Em 1842, houve uma tentativa de unificar
os padrões monetários do norte e do sul da Alemanha com uma moeda única, o Vereinsmünze (moeda da união) ou duplo
táler, valendo 2 táleres ou 3,5 florins, mas o projeto não foi além disso. A Áustria tentou aderir ao Zollverein, mas foi
rejeitada pela Prússia. Em 1857, houve um acordo monetário entre os três padrões vigentes na Alemanha: o Vereinsthaler
foi redefinido como 18,5186 gramas, para se adequar melhor ao sistema decimal: 30 táleres passaram a conter
exatamente ½ kg de prata pura, equivalentes a 52,5 florins do sul da Alemanha, ou 45 florins austríacos.
10
Disse Trotsky: “O proletariado era ainda fraco demais: faltavam‐lhe organização, experiência e conhecimentos. O
capitalismo tinha se desenvolvido o suficiente para tornar necessária a abolição das velhas relações feudais, mas não o
10
O “centro” liberal, que visava uma monarquia constitucional com direito eleitoral limitado, era
a força dominante na Assembléia, dividida entre a chamada "grande solução" e a "pequena
solução", ou seja, um império alemão com ou sem a Áustria. A constituição aprovada previa
que o governo imperial prestasse contas ao parlamento. A Assembléia Nacional ofereceu,
como vimos, ao rei da Prússia a coroa hereditária do Império Alemão. Mas o soberano não
quis aceitar a dignidade concedida por uma revolução. Em maio, fracassaram os levantes
populares que pretendiam impor a constituição "de baixo para cima". Selada a derrota da
revolução alemã, a maioria das conquistas democráticas foi anulada, e em 1850 foi
restabelecida a Liga Alemã.
Unificação Nacional, Capitalismo e Guerra
O desenvolvimento econômico registrado a partir de meados do século XIX favoreceu a
unificação nacional, tornando a Alemanha um país industrial, com destaque para a indústria
pesada e a construção de máquinas. Na vanguarda desse desenvolvimento estava a Prússia. A
pujança econômica, por sua vez, fortalecia a consciência política da burguesia liberal. O Partido
Progressista Alemão, fundado em 1861, tornou‐se a principal força no parlamento da Prússia,
opondo‐se muitas vezes ao governo. Por volta de 1850 o reino prussiano reuniu 39 Estados;
em 1853, a renovação da União Aduaneira, que mais uma vez excluía a Áustria, provocou a
acelerada inserção dos Estados da Confederação Germânica na industrialização.
Foram criados pólos industriais, que se transformaram nos grandes distritos industriais da
Saxônia, Renânia, Westfalia e Silésia. O distanciamento social em relação à classe burguesa
acentuou a luta de classes, com a conversão de antigos camponeses em operários nas cidades,
e a transformação de antigos redutos agrários e pastoris em centros industriais urbanos.
Prússia, em 1856, contabilizava 500 milhões de francos em capital de sociedades,
restabelecendo a pujança dos decadentes junkers e nobres, que passaram de arruinados
proprietários de terras à promissores administradores industriais. O desenvolvimento
econômico se acentuou de 1860 a 1870, com relevante aumento do volume do comércio
exterior. Empossado em 1862 como chanceler, Otto von Bismarck governou contra o
parlamento e sem um orçamento próprio. Para impor novas taxas, e assim financiar a reforma
militar, recorreu a medidas repressivas, censura da imprensa e restrição do direito de reunião.
Os êxitos na política exterior compensaram a fraca posição de Bismarck na política nacional.
Ao vencer a guerra contra a Dinamarca (1864), a Alemanha obteve os territórios de Schleswig‐
Holstein, no norte, passando a administrá‐los de modo conjunto e conflituoso com a Áustria. O
conflito acabou levando a uma guerra contra a Áustria, que saiu derrotada (1866). A Liga
Alemã foi dissolvida e substituída pela Liga Setentrional Alemã, que reunia todos os estados
germânicos ao norte do Rio Meno.
O desenvolvimento do movimento operário e socialista ocorria em paralelo. Em 1864, morria
Ferdinand Lassalle, líder dos socialistas alemães, fundador da primeira organização política de
trabalhadores na Alemanha (a Allgemeinen Deutschen Arbeitervereins). Este primeiro “partido
socialista” continuou a reivindicar sua memória e defender seus princípios. Seus sucessores na
presidência do partido, Bernhard Becker (entre 1864 e 1867) e Johann Baptist von Schweitzer
(de 1867 a 1871), conseguiram expandir a organização (que em 1864 possuía 4.600 membros,
espalhados em 50 agrupamentos; em 1875 o número de membros chegou a 15.322) através
do trabalho de divulgação e propaganda, no qual o jornal Sozialdemokrat teve um importante
papel. Marx e Engels passaram a dirigir críticas e alertar para o "caminho falso" trilhado pela
organização lassalleana. Esta, para Marx, "era, simplesmente, uma organização sectária". O
seu apego à política realista (Realpolitik) culminaria na acomodação à situação existente, em
bastante para levar ao primeiro plano, como força política decisiva, à classe operária, nascida das novas relações
industriais. No caso da Alemanha, o antagonismo entre o proletariado a burguesia tinha ido longe demais para permitir à
segunda assumir sem temor o papel de dirigente da nação, e não o suficientemente longe para permitir ao proletariado
assumi‐lo no seu lugar”.
11
que, nas palavras de Marx, “o movimento operário na Prússia (e, em conseqüência, no resto
da Alemanha) só existe por uma concessão da polícia. Querem, por isso, tomar as coisas como
são e evitar provocar o governo”.
Prússia transformou o Zollverein numa Federação da Alemanha do Norte sob sua liderança.
Depois de derrotar a França, na guerra franco‐prussiana de 1870, Prússia tornou‐se a maior
potência militar da Europa continental e impôs aos outros estados alemães (exceto Áustria,
Luxemburgo e Liechtenstein), a unificação num novo Império Alemão (o II Reich) liderado pelo
rei da Prússia, completando a unificação da Alemanha no sentido da "pequena solução", e
conquistando a Alsácia e a Lorena da França.11 Em Versalhes, o rei Guilherme I da Prússia foi
proclamado imperador (Kaiser) da Alemanha, em janeiro de 1871: “A unidade alemã é um
acontecimento mais importante do que a Revolução Francesa do século passado”, disse o
premiê britânico Disraeli. A unidade alemã, portanto, não resultou da vontade do povo, mas
de um pacto entre os príncipes, isto é, "de cima para baixo" e com a supremacia esmagadora
da Prússia. O parlamento, o Reichstag, era eleito por sufrágio (censitário), mas tinha influência
limitada. O chanceler do Império, embora só prestasse contas ao imperador, era obrigado a
procurar apoio para a sua política no parlamento. Tratava‐se de um aparelho de Estado
centralizado na figura do Kaiser. A estrutura política do império permaneceu inalterada até o
término da Primeira Guerra Mundial.
Escrevendo em 1874, Engels afirmou: "A desgraça da burguesia alemã consiste em que,
seguindo o costume favorito alemão, chegou demasiado tarde... Desse modo à Prússia
correspondeu o peculiar destino de culminar no final deste século, e na forma agradável do
bonapartismo, sua revolução burguesa que se iniciou em 1808‐1813, e que deu um passo à
frente em 1848. E se tudo caminha bem, se o mundo permanece quieto e tranqüilo, e nós
chegarmos à velhice, talvez em 1900 vejamos que o governo prussiano acabou realmente com
as instituições feudais e que a Prússia alcançou por fim a situação em que se encontrava a
França em 1792".
Em 1875, no Congresso de Gotha, as duas organizações políticas dos operários socialistas da
Alemanha, os eichenianos (marxistas) e lassalianos, fundiram‐se em um único partido. Nasceu
assim o Partido Socialdemocrata da Alemanha (Sozialistische Partei Deutschland, SPD). Apesar
das críticas da Marx e Engels ao programa aprovado, no qual os socialistas internacionalistas
haviam feito concessões injustificáveis às idéias de Lassalle, ele representou um importante
acontecimento para o proletariado alemão, que agora dispunha de um forte instrumento para
se lançar na luta política. A Associação Geral dos Operários Alemães tinha sido o grupo mais
numeroso na fusão que deu origem à socialdemocracia alemã. Na década seguinte, o SPD
obteve resultados eleitorais importantes, obtendo 12 cadeiras no parlamento federal. Os votos
socialdemocratas alemães pularam, em 1874, para 372.000; em 1877, para 493.000. O
“reconhecimiento” desses progressos pelo governo Bismarck foi a “lei contra os socialistas”,
dissolvendo as organizações centrais e locais, assim como os jornais do partido. O partido foi
momentaneamente destroçado. Em 1881, concorrendo às eleições de modo mutilado, o seu
número de votos desceu até 312.000. Mas o SPD se recuperou e, ainda sob o peso da Lei de
Exceção, sem imprensa, sem organização legal, sem direito de associação e de reunião,
recomeçou, no entanto, a difundir‐se com rapidez, obtendo novas vitórias eleitorais: em 1884,
550.000 votos; em 1887, 763.000; em 1890, 1.427.000. A socialdemocracia se transformou
assim no maior partido político da Alemanha, e em exemplo mundial para o movimento
operário. Suportando a dupla ofensiva da repressão e da legislação social editada pelo governo
11
Monetariamente, a ruptura com o passado foi simbolizada pela adoção de uma nova moeda, o marco de 100 Pfennig,
cujo valor era sustentado em boa parte por ouro obtido através das indenizações de guerra pagas pela França: um marco
passou a ser equivalente a 0,3982 gramas de ouro com título de 90%. Os táleres continuaram a circular, como moedas de
três marcos. A Áustria ficou fora dessa unificação, mas também redefiniu seu Gulden segundo o padrão ouro, 0,80645
gramas de ouro a 90% até 1892, quando criou uma nova moeda chamada Krone ou coroa.
12
para silenciar a classe operária militante, o SPD sobreviveu e cresceu através de suas
organizações sociais ‐ esportivas, de lazer ‐, de um jornal impresso no exterior e de congressos
realizados fora da Alemanha. E emergiu da ilegalidade, quando da revogação das leis
repressivas, em 1890, mais forte do que nunca, chegando perto de 1,5 milhão de eleitores,
18% do total de votantes. 12
Não eram uniformes as leis eleitorais: em onze estados existia o sistema eleitoral por classes,
dependente dos impostos pagos pelo eleitor e, em outros quatro, mantinha‐se a
representação por corporações. Bismarck governou o Império por 19 anos, fortalecendo sua
posição na Europa através de uma política de paz e de alianças. Bismarck combateu, no
interior, a ala esquerda da burguesia liberal, os políticos católicos e, principalmente, o
movimento operário organizado, que reprimiu, pondo os socialistas na ilegalidade, e terminou
vítima do seu próprio sistema: o jovem imperador Guilherme II forçou‐o à demissão, em 1890.
Sob seu reinado, a Alemanha procurou recuperar o terreno perdido na corrida imperialista das
grandes potências. A participação do país no movimento colonial, porém, deu‐se em
proporções modestas, no Togo, Camarões, o Sudoeste Africano e os territórios da África
Oriental Alemã.
Alemanha concluía tardiamente sua revolução burguesa, já na era imperialista do capital. O
processo de “modernização” da Prússia iniciara‐se, em 1808‐1813, como resposta às invasões
napoleônicas; aprofundara‐se, a partir de 1848, como resposta à revolução desse mesmo ano,
e culminara na unificação em 1870. Nos três momentos, a transformação se fez sempre "por
cima", pelas mãos do Estado. Alemanha ingressara, apesar de tudo, no caminho da
transformação capitalista, através da “unificação sob a égide da Prússia”.13
O desenvolvimento econômico levou a um aumento da população (de 41 milhões, em 1871,
para 61 milhões, em 1910), com grande aumento da exportação. A siderurgia desenvolveu‐se
com firmas poderosas, como Krupp e Thyssen. Na indústria química, os fertilizantes
melhoravam a agricultura e os explosivos repercutiam no campo militar, ampliando a
produção armamentista. A indústria se organizou com base em monopólios (konzern). As
ferrovias mais do que triplicaram em 40 anos, até atingir 61 mil quilômetros em 1910; a
interligação ferroviária com outros países colocou a Alemanha no centro de uma rede
européia. A construção de canais melhorou a rede fluvial e houve grande ampliação das linhas
marítimas e da marinha mercante.
12
A conquista de uma legislação social avançada para a época, um nível considerável de liberdades políticas, a importância
da luta legal, das eleições e da atuação parlamentar fizeram brotar no SPD tendências favoráveis à revisão dos conceitos
revolucionários de Marx. Os chamados “revisionistas”, liderados por Bernstein, argumentaram, a partir de 1896, que os
operários haviam‐se tornado cidadãos. Através do voto, conquistariam a maioria do parlamento e através de uma nova
legislação reformariam e superariam, lenta, gradual e pacificamente o capitalismo. Bernstein afirmou que o avanço do
capitalismo não estava levando a um aprofundamento das diferenças entre as classes; que o sistema capitalista não iria
entrar nas crises sucessivas que o destruiriam e abririam caminho ao socialismo; e que a democracia burguesa permitiria
que os partidos operários conseguissem todas as reformas necessárias para assegurar o bem‐estar dos trabalhadores, sem
necessidade de uma ditadura do proletariado. As opiniões de Bernstein não iam, porém, muito além de uma prostração
diante do fait accompli da expansão imperialista, da melhora da situação econômica da classe operária metropolitana e do
caráter mais complexo da dominação política burguesa através de métodos democráticos.Estas idéias seriam derrotadas
em 1903 no Congresso que o SPD realizou em Dresden mas continuavam muito fortes no interior do partido, sobretudo
entre as lideranças sindicais. Em 1910, Rosa Luxemburgo falaria de novas tendências revisionistas que se manifestavam na
subestimação da ação de massas e no privilégio dado às reformas parlamentares e às negociações sindicais.
13
Para Engels, "Bismarck realizou a vontade da burguesia alemã contra a vontade desta (...) Os burgueses alemães
continuavam a mover‐se na sua famosa contradição: por um lado, reivindicavam o poder político para si sós. Por outro
lado, reclamavam uma transformação revolucionária das estruturas da Alemanha ‐ o que só era possível com o recurso à
violência, logo com uma verdadeira ditadura. Ora, desde 1848, a burguesia, em todos os momentos decisivos, deu sempre
a prova de que não possuía nem sombra da energia necessária para realizar uma dessas tarefas, quanto mais as duas (...)
Esse conflito, foi resolvido graças à revolução da Alemanha por cima. Nas condições alemãs de 1871, Bismarck estava
efetivamente voltado a conduzir uma política de tergiversação entre as diversas classes. A única coisa que importava era
saber que objetivo prosseguia a sua política. Se, qualquer que fosse o seu ritmo, ela se dirigisse para o reinado final da
burguesia, estaria em harmonia com a evolução histórica”.
13
Paralelamente, crescia a rede bancária. O novo capital financeiro teve seu centro de expansão
na Alemanha. A classe trabalhadora passou a organizar‐se legalmente em sindicatos, desde o
fim da lei anti‐socialista de Bismarck, em 1890. O SPD (partido socialista) virou a maior força
partidária, com milhões de eleitores filiados, mas o Reichstag não exercia nenhum controle
sobre o governo. Na classe burguesa e nas classes médias um intenso nacionalismo se
expandiu. O imperador definiu a seguinte máxima: "Política mundial como missão, potência
mundial como objetivo, esquadra como meio". A ênfase dada à marinha decorria da
concorrência com a Inglaterra e da intensificação dos interesses coloniais germânicos.
Em 1900, uma nova lei naval dobrava o poderio marítimo alemão. Não só se aguçava a
rivalidade econômica anglo‐alemã, mas também surgiam preparativos militares, que
caracterizaram o ano 1913, em que se definiram os que seriam os principais adversários do
conflito mundial: Alemanha e Áustria, contra Inglaterra, França e Rússia. O assassinato do
sucessor do trono austríaco, em junho de 1914, desencadeou a Primeira Guerra Mundial.
A aquiescência do SPD foi decisiva para evitar uma crise política interna (e internacional) pela
deflagração da guerra. Ela acompanhou a capitulação da Internacional Socialista. A orientação
dos dirigentes da Internacional Socialista, nos Congressos realizados a partir de 1907, era que
os trabalhadores tentassem ao máximo, em seus países, evitar a deflagração do conflito. Caso
isso não fosse possível, como vimos, deveriam aproveitar o momento “para precipitar a queda
do capitalismo”.
Até 1914 o SPD crescera com o capitalismo alemão. Nas eleições de 1912, alcançou cerca de
4,3 milhões de votos, 34,8% do total ‐ 49,3% nas grandes cidades ‐, e elegeu a bancada mais
numerosa no parlamento (110 deputados). Às vésperas da guerra, o SPD tinha pouco mais de 1
milhão de filiados, 30 mil quadros profissionalizados, 10 mil funcionários, 203 jornais com 1,5
milhão de assinantes, dezenas de associações esportivas e culturais, movimentos de juventude
e a principal central sindical. A confederação geral dos trabalhadores alemães, sob sua direção,
tinha 3 milhões de filiados. Mas esta força impressionante não foi posta na balança para evitar
a guerra, contrariando as decisões prévias da Internacional Socialista.
Em 1915, na prisão real da Prússia onde estava presa por suas atividades anti‐militaristas, Rosa
Luxemburgo estigmatizou a capitulação do socialismo alemão em 4 de agosto de 1914, ao
votar os créditos de guerra, em seu panfleto A Crise da Social Democracia: "Os interesses
nacionais não passam de uma mistificação que tem por objetivo colocar as massas populares
trabalhadoras a serviço de seu inimigo mortal: o imperialismo. A paz mundial não pode ser
preservada por planos utópicos ou francamente reacionários, tais como tribunais
internacionais de diplomatas capitalistas, por convenções diplomáticas sobre
“desarmamento”, “liberdade marítima”, supressão do direito de captura marítima, por
“alianças políticas européias”, por “uniões aduaneiras na Europa Central”, por Estados‐
tampões nacionais etc. O proletariado socialista não pode renunciar à luta de classe e à
solidariedade internacional, nem em tempos de paz, nem em tempos de guerra: isso
equivaleria a um suicídio. (...) O objetivo final do socialismo só será atingido pelo proletariado
internacional se este enfrentar em toda a linha o imperialismo e fizer da palavra de ordem
“guerra à guerra” a regra de conduta de sua prática política, empenhando aí toda a sua energia
e toda a sua coragem".
Na guerra, Alemanha viu‐se obrigada a lutar em duas frentes: a rápida derrota da França,
como previa o plano de guerra dos alemães, não teve lugar; depois da derrota alemã na
batalha do Marne, a luta estagnou. Uma guerra de trincheiras culminou em batalhas sem
sentido, no oeste, com enormes perdas de material e de vidas. Desde o começo da guerra, o
imperador e os primeiros‐ministros passaram ao segundo plano, com os militares (o marechal
Paul von Hindenburg e o general Erich Luddendorf, sobretudo) dando as cartas.
14
Foi durante a guerra mundial que teve início a descontrolada emissão monetária na Alemanha.
Segundo Adam Ferguson, “os primeiros passos da inflação tiveram lugar sob os auspícios de
KarI Helfferich, secretario de Estado para as Finanças de 1915 a 1917”. Até 1914, a política de
crédito do Reichsbank fora regida pela lei bancária de 1875, que obrigava a que não menos de
um terço das notas emitidas estivesse respaldado por ouro, e o restante por promissórias
emitidas para três meses, adequadamente garantidas. Em agosto de 1914 foram tomadas
medidas para financiar a guerra e evitar a perda das reservas de ouro: suprimiu‐se a
conversibilidade em ouro das notas emitidas pelo Banco Central (e conclamou‐se à população
a entregar todo o ouro que possuísse – jóias, enfeites, etc. – ao Banco Central). Para financiar a
guerra recorreu‐se a empréstimos bancários, cujos fundos eram fornecidos pelo simples
sistema de fazer funcionar a máquina de imprimir notas. Os bancos podiam emprestar às
empresas, aos estados federados, às prefeituras e às novas corporações de guerra, e podiam
até antecipar dinheiro, alavancado em futuras emissões de bônus de guerra. No período da
crise bélica, o Reichsbank, banco central alemão, como todos os outros bancos centrais,
suspendeu o lastro do marco alemão em ouro com o intuito de impedir a pulverização de suas
reservas. O governo alemão preferiu pedir emprestadas as quantias necessárias para seu
funcionamento ao Reichsbank, que simplesmente passou a comprar a maior parte dos títulos
do Tesouro, ao invés de ter de aumentar substancialmente os impostos. Só depois de 1916 os
impostos começaram a ser usados para o esforço bélico.
A guerra decidiu‐se com a entrada dos Estados Unidos, em 1917. Luddendorf, contudo,
ignorou que o país estava completamente exaurido, insistindo, até setembro de 1918, numa
"paz vitoriosa". O sentido profundo da guerra aparecia em fatos e processos situados fora da
dimensão puramente militar ou geopolítica: nas ilusões nacionalistas de combatentes e
populações, transformadas, depois de quatro anos de sofrimento inéditos, em desejo de
vingança. O fim da guerra foi precipitado pelo “grande medo” provocado, nos dois lados do
conflito, pela explosão da revolução russa e, sobretudo, pelo início da revolução na Alemanha,
com sua capital e suas principais cidades governadas por conselhos operários, e com motins
nas próprias tropas do front.
Foi esse o fator que precipitou uma “paz” não inteiramente lógica em termos militares ou
diplomáticos, uma paz que consagrava a derrota alemã (e dos Impérios Centrais), uma derrota
ainda não clara no campo de batalha (e assim o entendiam muitos dos seus oficiais). E uma
vitória dos “aliados” (a Entente + EUA) mesquinha, que alguns dos seus generais (notadamente
o comandante das tropas norte‐americanas, “Black Jack” Pershing) pretendiam transformar
em vitória total, impondo a rendição incondicional do Reich e a ocupação militar da Alemanha,
em especial de sua capital, Berlim, para evitar futuras guerras (o que foi evitado em 1918, mas
seria o desfecho da Segunda Guerra Mundial). A rebelião social, transformada em revolução
(com a vitória bolchevique na Rússia, e a queda do Kaiser, seguida da proclamação da
república, na Alemanha), se impôs, tragicamente (o chefe da delegação alemã que assinou o
Armistício de 1918, Mathias Erzberger, seria assassinado pouco tempo depois por militares
nacionalistas), sobre a razão diplomática tradicional, suscitando todo tipo de reações
contraditórias nos políticos, chefes militares e simples combatentes.
A vitória revolucionária russa mudou o cenário da guerra, e todo o cenário político mundial,
em primeiro lugar nos países beligerantes. Depois da revolução vitoriosa de outubro 1917 na
Rússia, a Alemanha passou a ser o principal campo de batalha da revolução. Aí a batalha
decisiva foi travada. O movimento revolucionário na Alemanha quase conseguiu provocar a
queda da dominação de classe da burguesia alemã. A onda revolucionária mundial se iniciou
como oposição à Primeira Guerra Mundial; e isso apenas três anos depois da maior derrota
política do movimento operário internacional: a falência da Internacional Socialista pelo apoio
dos partidos social‐democratas aos créditos de guerra solicitados pelos governos europeus,
avalizando assim sua aprovação à guerra e seu alistamento em um ou outro campo
15
imperialista. Os sindicatos assumiram essa política, mobilizando o proletariado no massacre
dos seus irmãos de classe além das fronteiras. Para os revolucionários de então, o
fundamental era que fosse a classe operária que colocasse um termo à guerra pela revolução
(os bolcheviques defenderam esse desfecho com a política do “derrotismo revolucionário”).
Qualquer outro cenário de final de guerra teria significado, e significou de fato, somente um
"cessar‐fogo" até a próxima guerra.
Todas as questões básicas que empurraram Alemanha à Primeira Guerra Mundial em 1914 —
acesso a mercados e matéria‐prima para sua indústria dinâmica, e a reorganização da Europa
sob sua hegemonia — continuaram sem solução. Além de terem perdido a guerra com um
tremendo custo de vidas humanas e recursos materiais, a Alemanha foi obrigada pelo Tratado
acordo de Versalhes a pagar quantias imensas em reparação ao seu maior rival, a França,
assim como a outras potências. Keynes, membro da delegação inglesa às negociações de “paz”
tornou‐se notório por afirmar, em As Conseqüências Econômicas da Paz, a impossibilidade
alemã de pagar as reparações: “É tão inconveniente para Alemanha, como para os aliados, que
ela não saiba o que tem que pagar, nem eles o que têm para receber. O método que
aparentemente se propõe o Tratado, chegar ao resultado final pela adição de centenas de
milhares de reclamações individuais por danos... é impraticável; o procedimento razoável teria
sido, para ambas as partes, um entendimento para chegar a uma soma arredondada sem
examinar os detalhes. Se essa soma tivesse sido precisada no Tratado, o arranjo teria sido feito
sobre uma base parecida a uma transação mercantil. Isso era impossível porque foram feitas
duas classes de afirmações falsas: quanto à capacidade de Alemanha para pagar; e quanto à
soma das justas reclamações dos aliados. Uma cifra que tivesse fixado a possível capacidade de
Alemanha para pagar, que não excedesse os cálculos das autoridades más sinceras e bem
informadas, teria estado desesperadamente longe das esperanças populares, tanto de
Inglaterra como da França”. Keynes, contra a lenda atual a respeito, estimou que Alemanha
poderia pagar entre cinco e oito bilhões de libras esterlinas, uma cifra bem perto daquela que
foi finalmente fixada.
Após suportar quatro anos de uma guerra extremamente cara do ponto de vista humano e
econômico, a Alemanha não tinha mais escolha a não ser aceitar o armistício. A Bulgária, sua
aliada, já havia capitulado, e os turcos se lançavam a uma guerra de pilhagem no Cáucaso,
contrapondo‐se aos projetos alemães iniciais. Alemanha fora extremamente afetada pelo
conflito, principalmente no âmbito econômico, pelo bloqueio naval imposto pelos seus
inimigos, que interrompeu as relações comerciais com os tradicionais clientes da indústria
alemã. Conseqüentemente, a economia deixou de ser predominantemente exportadora,
voltando sua atividade para o mercado interno e para os países vizinhos, neutros durante o
conflito. Com a derrota, Alemanha perdeu 13% de seu território, 10% de sua população, 15%
de suas áreas agricultáveis, consideráveis parcelas de suas reservas de aço, cerca de 10% da
produção industrial e 36% da produção carbonífera. As perdas humanas também foram
elevadas. Morreram em conseqüência do conflito cerca de 1,8 milhões de pessoas, outras 4,2
milhões sofreram ferimentos graves: a Alemanha sofreu duramente com baixas taxas de
natalidade no pós‐guerra.
Depois do armistício de 1918, o Tratado de Versalhes foi assinado em 26 de junho de 1919: foi
uma “paz” imposta aos perdedores antes que uma situação negociada, já nenhum
representante alemão ou austríaco foi admitido às conferências até que os documentos
estivessem prontos para serem assinados.14 A principal cláusula do Tratado impunha à
Alemanha toda a responsabilidade pelos danos e perdas sofridas pelas nações vencedoras. A
Alemanha foi desarmada: antes mesmo da assinatura do armistício, as potências aliadas já
14
"Isso não é paz. Isso é um armistício por vinte anos", comentou o Marechal Foch (Comandante Supremo dos Exércitos
Aliados na França) a respeito do Tratado de Versalhes, precisando quase matematicamente o início da Segunda Guerra
Mundial (21 anos depois do armistício).
16
haviam decidido o que fazer com a marinha de guerra alemã. No entanto, prevendo a
possibilidade de ver seus navios reforçando as marinhas aliadas ‐ principalmente a italiana e a
francesa ‐ os alemães afundaram sua frota assim que ficou claro que os navios não
retornariam. As cláusulas militares impunham à Alemanha, a abolição do serviço militar
obrigatório; a redução do exército a 100 mil homens, com somente 4 mil oficiais; a proibição
do uso de tanques, da aviação militar e da artilharia pesada, além da destruição das obras de
fortificação alemãs. A marinha alemã estava proibida de possuir submarinos e foi obrigada a
entregar seus navios de guerra e embarcações auxiliares. Limitando‐se a 1500 oficiais, a
Alemanha via sua força marítima se reduzir a seis encouraçados, seis cruzadores leves, doze
destróieres e doze torpedeiros.
À medida que os delegados alemães assinaram o armistício, a notícia do fim do conflito se
espalhou pelo mundo. Nas cidades alemãs, os soldados voltavam da frente de batalha e eram
recebidos por grandes manifestações populares. Os anos imediatamente após a guerra, de
1918 a 1921, caracterizaram‐se por uma série de levantamentos revolucionários que foram
abafados pelos esforços, freqüentemente conjuntos, da social‐democracia (SPD) e das forças
paramilitares de direita.
A Revolução de Novembro de 1918
“Em qualquer hipótese, sob quaisquer circunstâncias, se a revolução alemã não acontecer,
estaremos condenados” – assim se expressava Lênin em fevereiro de 1918, logo depois do
nascimento da Rússia Soviética. Em finais de 1917, na Alemanha, já tinham acontecido greves
massivas em solidariedade com a revolução russa. Em 1918, o proletariado na Rússia esperava
ardentemente a revolução na Alemanha, perspectiva apoiada pelas greves massivas
estourando nas grandes cidades alemãs. Entretanto, isso era somente o prelúdio da revolução.
Os soldados estavam cansados da guerra, muitos desertavam enquanto a população na
retaguarda sofria de fome. A Revolução Russa espalhara a idéia dos conselhos operários, no
interior das fábricas ou com funções especificamente políticas. Na Alemanha, durante a
revolução que se iniciou em fins de 1918, havia cerca de dez mil conselhos, em sua maioria
influenciados pelo SPD (Partido Socialdemocrata).
A derrota bélica significou o final do império dos Hohenzollern, no qual o governo não devia
responder ao parlamento. Quando, a 5 de outubro de 1918, se anunciou que a Alemanha
pedia um armistício, o movimento pela paz cresceu com a velocidade de uma avalanche,
houve demonstrações contra a guerra; a 3 de novembro, insurgiram‐se os marinheiros de Kiel;
a 9 de novembro, os operários berlinenses desceram às ruas e, junto com os soldados
revolucionários, apossaram‐se da cidade. Os conselhos eram, de fato, senhores da situação nas
cidades, até o começo de 1919: podiam controlar a situação como fator de governo, ainda que
seu poder fosse limitado. Em geral não tinham sido eleitos, mas formados com base num
acordo entre os órgãos dos dois partidos social‐democratas. Na Alemanha Central, em Berlim,
na bacia do Rühr, os conselhos controlavam, nos primeiros meses, a produção, e limitavam
fortemente o poder dos capitalistas nas empresas. O primeiro congresso nacional dos
conselhos dos operários e dos soldados, que se reuniu de 16 a 21 de dezembro, decidiu confiar
ao governo o poder legislativo e o executivo até a convocação de uma assembléia nacional.
A questão da liderança revolucionária apresentava‐se complexa. Em 1915, em plena guerra e
vigência da onda patriótica, formara‐se o Gruppe Internationale, mais tarde chamado de
Spartakusbund [Liga Espártaco], mas sua líder, Rosa Luxemburgo, não rompeu então
formalmente com o SPD. Seu slogan era: "Não abandone o partido, mude o rumo do partido".
Em 1915, os espartacistas rejeitaram o chamado de Lênin por uma nova internacional na
Conferência de Zimmerwald e, mais tarde, em março de 1919, o delegado do KPD para o
primeiro congresso da Terceira Internacional (Comunista), Hugo Eberlein, absteve‐se na
17
votação para a fundação de uma nova internacional. Ele fora instruído pelo KPD a votar contra,
mas foi persuadido em Moscou de que a decisão era correta, motivo pelo qual se absteve.
Rosa Luxembrugo
Quando surgiu o USPD (Unabhangige Sozialdemokratische Partei Deutschlands), Partido Social‐
Democrata Alemão Independente, fundado, em abril de 1917, por deputados do SPD ao
Reichstag, que foram expulsos do partido por se recusarem a votar por novos créditos para a
guerra, Luxemburgo e a Liga Espártaco uniram‐se a essa organização “centrista” como fração.
Fizeram isso apesar do fato de que entre os lideres mais proeminentes do USPD estavam Karl
Kautsky,15 e Eduard Bernstein, líder teórico do “revisionismo” anti‐revolucionário alemão.
Luxemburgo justificou isso em um artigo, declarando que a Liga Espártaco não se uniu ao USPD
para dissolver‐se em uma oposição enfraquecida: "Ela se uniu ao novo partido — confiante no
agravamento cada vez maior da situação social e trabalhando por isso — para impulsionar o
partido adiante, para ser sua consciência encorajadora... e para tomar a liderança do partido"
(Paul Frölich).
Rosa Luxemburgo atacou severamente a “Esquerda de Bremen”, comunista — liderada por
Karl Radek e Paul Frölich — que se recusou a entrar para a USPD e a descreveu como uma
perda de tempo. Ela denunciou sua defesa de um partido independente como um
Kleinküchensystem ["sistema de pequenas cozinhas", no sentido da fragmentação] e escreveu:
"É uma pena que esse sistema de pequenas cozinhas esqueceu‐se do principal, as condições
objetivas, que, em última análise, são decisivas e serão decisivas para a ação das massas... Não
é suficiente que um punhado de pessoas tenha a melhor receita em seus bolsos e saibam
como conduzir as massas. O pensamento das massas deve ser libertado das tradições dos
últimos 50 anos. Isso só é possível com um grande processo de continua autocrítica interna do
movimento como um todo". Foi somente em dezembro de 1918, um mês depois que três
líderes do USPD uniram‐se a um governo provisório, liderado pelos lideres da direita do SPD,
Friedrich Ebert e Philipp Scheidemann, que os espartacistas romperam com o USPD. O
Governo de Ebert tornar‐se‐ia o executor da revolução de novembro. Ele logo se aliou ao
comando militar. O USPD, que já tinha cumprido seu papel, não era mais necessário. No final
15
Nascido em Praga, Karl Kautsky (1854 ‐ 1938) foi uma das mais importantes figuras da história do marxismo, tendo
editado o quarto volume do Das Kapital, de Karl Marx, e as Teorias de Mais‐Valia. Kautsky estudou história e filosofia na
Universidade de Viena em 1874, e se tornou membro do Partido Social Democrático da Áustria (SPÖ) em 1875. Em 1882,
Kautsky fundou a revista Die Neue Zeit ("Tempo Novo"), da qual foi editor até 1917. De 1885 a 1890, ele viveu em Londres,
onde ele se tornou amigo de Friedrich Engels. Em 1891 ele co‐redigiu o Programa de Erfurt do Partido Social Democrata da
Alemanha (SPD) com August Bebel e Eduard Bernstein. Após a morte de Friedrich Engels em 1895, Kautsky se tornou um
dos mais importantes e influentes teóricos do socialismo. Mais tarde, no entanto, adotou uma posição de centro no
interior da socialdemocracia alemã, quando Rosa Luxemburgo e a esquerda do partido se separaram em 1916 devido ao
apoio do partido à participação da Alemanha na guerra mundial. No entanto, diferentemente da direita do seu partido,
não sustentou esta posição patriótica até o fim da guerra. Em 1917 Kautsky mudou de opinião, deixando o SPD
brevemente até 1922, quando se filiou ao USPD. Pelo seu apoio à entrada na Alemanha na Primeira Guerra Mundial, e
suas posições crescentemente reformistas e anti‐revolucionárias, Kautsky acabou qualificado de "renegado" por Lênin.
Após a guerra, Kautsky escreveu várias críticas ao bolchevismo, Comunismo e Terrorismo (que foi respondida por Trotsky)
e uma monografia em 1934, Bolchevismo: Democracia e Ditadura. Perdeu cada vez mais importância política, e concluiu
como uma relíquia de um tempo morto mais do que como um líder político ativo.
18
do ano, em meio a violentas lutas revolucionárias, o KPD (Partido Comunista da Alemanha) foi
finalmente fundado pela Liga Espártaco, pela Esquerda de Bremen, e outras organizações de
esquerda.
A revolução não estourou em Berlin, a capital, mas no litoral, em Wilhelmshaven. No dia 4 de
novembro 1918, uma parte dos marinheiros da frota se sublevou. Os rebeldes foram levados
para Kiel, onde a execução os esperava, mas foi impedido esse fim trágico. A solidariedade se
expressou, sendo estimulada por outra parte dos marinheiros, que não participaram nesse ato
da rebelião. Passaram três dias em discussão, com os operários e os estivadores, sobre o que
fazer. No terceiro dia, milhares de operários se juntaram a eles numa grande passeata de
demonstração de força. Era o início da revolução cujo destino devia ser decidido em Berlim. Já
chegavam à capital as tropas do front que tinham sido utilizadas com êxito para massacrar a
revolução finlandesa, primeira extensão internacional da revolução russa.
Em Berlim, a 9 de novembro de 1918, mais de 100 mil operários saíram das fábricas na
madrugada, dirigindo‐se para o centro da cidade. Fizeram paradas no caminho para arrastar
outros operários, e também diante dos quartéis. Esperavam o pior, mas, apesar disso, a
determinação era grande para tentar convencer os soldados. Havia cartazes dizendo "Irmãos,
não atirem!". A tensão aumentava e os soldados abriram os quartéis, ajudaram a erguer a
bandeira vermelha e acompanharam às massas sublevadas. A guerra estava de fato encerrada,
e tinha início a revolução alemã. Mas a dominação do capital não estava ainda derrubada.
É impossível provar o que passava pela cabeça de soldados, oficiais e populares durante essa
semana de novembro de 1918, em que os acontecimentos políticos precipitaram um rápido e
inesperado desfecho ao conflito que açoitava à humanidade durante os últimos quatro anos e
meio. Mas é bem provável que o fantasma da Comuna de Paris (1871) passasse pelo cérebro
do comandante supremo alemão, o marechal Hindenburg, ele que a tinha testemunhado
como jovem oficial prussiano na guerra contra a França (1870‐1871). E um Adolf Hitler, ainda
anônimo, ferido no leito de um hospital militar, mas muito mais “ferido” interiormente pela
notícia da capitulação do Estado Maior alemão, tomava a decisão de se dedicar à política para
mudar esse desenlace. Os “judeus” já apareciam, na cabeça de Hitler e de outros, como o bode
expiatório de uma derrota que, aparentemente, carecia de lógica militar.
Em novembro de 1918, o motim dos marinheiros de Kiel coincidiu com a decisão do Estado
Maior do Kaiser de pedir o armistício. Em poucos dias, a Alemanha ficou coberta de conselhos
de operários e soldados: o novo chanceler do Reich, o socialista Friedrich Ebert, foi nomeado
também presidente do “Conselho dos Comissários do Povo”, no qual estavam representados
os dois partidos socialistas: o “oficial” (SPD) e o “independente” (USPD), mais à esquerda. O
Káiser alemão foi derrubado pela revolução dos räte, tradução do termo russo soviet
(conselho). Embora o poder não tivesse permanecido nas mãos dos trabalhadores alemães, a
partir desse momento (novembro 1918), ficou rompido o isolamento da revolução russa.
Abriu‐se um período de convulsão social.
Com a revolução, e sem nenhuma resistência, imperador e príncipes abandonaram seus
tronos, ao final de novembro de 1918. Ninguém levantou a voz em defesa da monarquia, que
caíra em descrédito. Ao meio dia de 9 de novembro, diante da pressão das massas reunidas na
frente do Reichstag, o socialista reformista Scheidemann proclamou a república alemã livre.
Pouco tempo depois, Karl Liebknecht, principal dirigente comunista junto com Rosa
Luxemburgo, e outros prisioneiros que tinham sido libertados pelo proletariado insurgido,
estavam com 100 mil operários na frente do palácio do imperador. Proclamaram a “República
Socialista”, e chamaram à luta pela revolução mundial.
Nesse intervalo, os delegados de fábrica ocuparam uma sala do Reichstag redigindo um
chamamento aos soldados e operários de Berlim para que elegessem, no dia seguinte,
delegados ao conselho de operários e soldados, inspirado no Soviet da Revolução Russa. O
19
conselho, no entanto, nomeou um governo socialista provisório sob a direção de Friedrich
Ebert, chefe da social‐democracia reformista. À noite do mesmo dia, Ebert assinava um acordo
secreto com o alto comando geral militar com a finalidade de esmagar a revolução. Era o final
da dominação imperial na Alemanha, mas a batalha real entre o proletariado e o capital estava
ainda à frente.
Apesar da revolução do dia 9 de novembro ter sido liderada pelos operários, Rosa Luxemburgo
chamou essa primeira fase de "revolução dos soldados", pois a principal preocupação tinha
sido a paz. Uma vez a guerra acabada, a revolução tinha de enfrentar as ilusões dos soldados e
operários na social‐democracia. Richard Müller, delegado de fábrica, eleito presidente do
conselho geral dos operários e soldados, confirmou que, nas reuniões do conselho, muitos
soldados queriam linchar qualquer revolucionário que qualificasse a social‐democracia como
contra‐revolucionária. Apesar disso, a revolução tinha criado conselhos operários e de
soldados, órgãos de poder. A própria existência desses órgãos, apesar de serem dominados
pela social‐democracia reformista, constituía objetivamente uma situação de duplo poder
frente ao Estado capitalista na Alemanha. Apesar do fim da guerra, os problemas não
deixavam de exigir uma solução urgente: a fome, a inflação, as reduções de salário, a
aceleração do desemprego.
O SPD, majoritário nos conselhos e sustentado pela Entente e a burguesia alemã, estava
vinculado em segredo à chefia das forças armadas. Fazendo concessões econômicas (jornada
de trabalho de 8 horas) o governo “socialista” de Ebert afastou o perigo do armamento do
proletariado, e conseguiu isolar os espartacistas. Friedrich Ebert, agora o chefe no objetivo de
evitar a revolução, ligou‐se à casta dos oficiais e, por outro lado, marcou aos conselhos de
operários e soldados, surgidos espontaneamente, a tarefa de colaborar com a administração
estatal tradicional. A «tarefa maior» dos conselhos ‐ afirmava um decreto governamental
assinado por Ebert, Haase, Scheidemann, a 12 de novembro de 1918 ‐ «é impedir toda a
desordem ou amotinamento». A 10 de novembro, num chamado ao Exército, Ebert havia
ordenado aos conselhos de soldados que atuassem, estabelecendo «o acordo mais estreito
entre soldados e oficiais». Bem podia o marechal Hindenburg expressar a vontade do Co‐
mando Supremo de «proceder de comum acordo com o chanceler do Reich, Ebert» a fim de
«impedir assim a difusão do terrorismo bolchevique na Alemanha».
Os social democratas majoritários ‐ os “independentes” (USPD) ‐ estavam divididos e
inclinavam‐se em direções opostas: consideravam que a máquina estatal do Reich, e seu
aparelho administrativo, eram insubstituíveis, e que o necessário não era substituir o
parlamentarismo burguês pelo Estado dos Conselhos, mas sim democratizar a máquina estatal
existente. Convocada uma Assembléia Constituinte, ela foi denunciada pelos comunistas como
uma tentativa de desviar a revolução: o USPD se afastou então do governo de Ebert.
Com a derrota alemã na guerra, a revolução operária tomara conta do país, a monarquia fora
abolida. As reivindicações econômicas tinham jogado um papel secundário durante a
revolução de novembro. Uma segunda fase combinaria as reivindicações econômicas e as
políticas; a contra‐revolução, entretanto, não estava de braços cruzados, mas ocupada em
preparar o esmagamento da revolução através de provocações. A social‐democracia (SPD) era
o cérebro dessas manobras, que se apoiavam sobre as ilusões de muitos operários sobre esse
partido, que consideravam ainda como próprio. O estado de dissolução do exército dificultava
sua utilização como instrumento do “terror branco”. Foi com o objetivo de assumir essa tarefa
que foram fundados os Corpos‐Francos (Freikorps) que, mais tarde, constituiriam a coluna
vertebral do nazismo.16 A social‐democracia justificava o terror branco na luta contra os
16
Falando, em suas memórias, sobre um alto chefe das SS nazista (Bach‐Zelewski), um oficial da Wehrmacht (católico e
anti‐comunista ferrenho), disse: “Alistado ainda jovem durante os últimos anos da Grande Guerra, deixara‐se arrastar, em
1918‐1919, pela aventura dos corpos francos. Nela perdera não só seus princípios, como todo e qualquer sentimento de
humanidade” (grifo nosso).
20
“espartacistas assassinos”. Ao mesmo tempo, o principal jornal social‐democrata, Vorwärts,
instigava abertamente o assassinato de Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo.
No dia 6 de dezembro, a sede do jornal espartacista Rote Fahne (Bandeira Vermelha) foi
atacada; e logo depois uma manifestação do Spartakusbund foi atacada de surpresa perto do
centro da cidade; houve uma tentativa de deter e assassinar Liebknecht. Em reação, houve
manifestações em solidariedade em Berlin e greves na indústria pesada na Alta‐Silésia e em
Rühr. A segunda ofensiva da contra‐revolução foi o assalto da divisão de marinheiros armados
que ocupavam o arsenal em Berlim. Esses marinheiros tinham trazido a revolução do litoral
para a capital. A grande imprensa acusou os marinheiros de serem assassinos, ladrões e
“espartacistas”. Assim que os marinheiros foram atacados, numerosos operários, mulheres e
filhos, despertados pelo barulho, chegaram espontaneamente para apoiá‐los. Muitos entre
eles, sem nenhuma arma, ficaram entre os soldados e seus alvos, os marinheiros. Sua coragem
e persuasão fizeram com que os soldados baixassem suas armas e tomassem as de seus
oficiais. No dia seguinte, em Berlim, houve a manifestação mais massiva desde o início da
revolução, desta vez contra o SPD.
O SPD e as elites militares perceberam que os ataques diretos contra símbolos da revolução,
como Karl Liebknecht ou a divisão de marinheiros, só faziam fortalecê‐la, pois resultavam em
reações de solidariedade e de protesto. É a razão pela qual o alvo da seguinte ofensiva foi o
chefe de polícia de Berlim, Emil Eichhorn, membro da esquerda da USPD, fração centrista da
social‐democracia. A contra‐revolução esperava pouca solidariedade dos operários para
Eichhorn, e uma reação limitada do proletariado em Berlim poderia ser esmagada antes dela
receber o apoio da província. Começou uma campanha contra o prefeito. Eichhorn desafiou a
decisão do governo, recusando obedecer às ordens do ministro do Interior, e afirmando que
sua autoridade só podia ser questionada pelo conselho de operários e soldados. A direção do
USPD de Berlim apoiou essa decisão e resolveu resistir, convocando as massas às ruas para
uma manifestação de protesto. Os espartacistas apoiaram a ação de rua, mas defendendo a
greve geral e, mais importante, que as tropas do exército deveriam ser desarmadas, e os
trabalhadores, armados. Os operários entenderam que o ataque ao prefeito era um ataque à
revolução: 500 mil operários manifestaram em Berlim contra a demissão do prefeito.
Rote Fahne, agora órgão do KPD, apoiava a necessidade de novas eleições nos conselhos,
totalmente dominados pelo SPD e pelo USPD, para que se refletisse neles a evolução dos
operários para as posições da esquerda. Além disso, conclamava o armamento dos operários
sem deixar de evidenciar que a hora da tomada do poder não tinha chegado ainda, pois o
resto do país não estava tão avançado como em Berlim. Os acontecimentos se precipitaram
em janeiro de 1919. Os chefes revolucionários se reuniram para dar objetivos à massa de
operários que ocupava as ruas de Berlim. Participaram 70 delegados de fábrica (da esquerda
do USPD e próximos ao KPD), Karl Liebknecht e Wilhelm Pieck pelo KPD e, mais tarde, alguns
chefes da USPD. Tinham recebido relatórios informando que algumas guarnições militares
expressavam vontade em participar da insurreição armada. Os chefes revolucionários estavam
indecisos. Chegaram outras informações dizendo que os grandes jornais, e em particular o
Vorwärts, tinham sido ocupados pelos operários. Karl Liebknecht se posicionou a favor da
tomada imediata do poder. A greve geral foi votada e houve uma grande maioria a favor de
derrubar o governo e manter a ocupação dos jornais. Além disso, fundaram um comitê
provisório de iniciativa revolucionária. O proletariado tinha caído na armadilha. Logo foi
comprovado que os relatórios recebidos eram falsos.
A direção do KPD ficou consternada quando soube da insurreição proposta, considerada como
uma aventura. As advertências de Rosa Luxemburgo contra uma insurreição prematura não
tinham sido entendidas. Diante de uma insurreição prematura, julgou‐se que se devia, no
entanto, apoiar à classe operária. Só a tomada do poder em Berlim podia impedir um
derramamento de sangue. Apesar dos operários terem evoluído para a esquerda desde 1918 e
21
desconfiarem cada vez mais da social‐democracia, isso não significava que a liderança política
estivesse nas mãos do KPD. Na realidade a liderança estava nas mãos da USPD, uma social‐
democracia “de esquerda”. Sua política de oscilações confundia os operários, especialmente
quando o “comitê provisório” (do qual os membros do KPD tinham saído) iniciou negociações
com o SPD em lugar de combatê‐lo. Chegou então o momento esperado pela reação. O terror
branco atacou com força através da artilharia, de assassinatos, atos de violência contra os
operários e soldados, maltratando mulheres e crianças, e da caça sistemática contra Rosa
Luxemburgo e Karl Liebknecht.17
Diante da inflação crescente, das demissões, do desemprego massivo, as greves se estenderam
no país inteiro, particularmente na Alta‐Silesia, na Renânia, em Westfalia (ao longo do Rühr) e
na Alemanha central. A região do Rühr, especificamente, era muito combativa, com milhões de
mineiros e operários siderúrgicos implicados nas greves e outras ações. Enquanto as greves se
expandiam, a Berlim revolucionária lutava pela sua sobrevivência. No dia 15 de janeiro de
1919, Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht foram detidos e brutalmente assassinados pelos
Corpos Francos, sob ordens do ministro do Interior, o social‐democrata Noske (o corpo de
Rosa Luxemburgo foi decapitado e esquartejado, só vindo a ser localizado semanas depois).18
Rosa Luxemburgo, Karl Liebknecht e Wilhelm Pieck ‐ dirigentes do Partido Comunista da
Alemanha – haviam sido presos e levados para interrogatório no Adlon Hotel em Berlim: os
paramilitares do Freikorps levaram‐nos do hotel. Pieck conseguiu fugir e Rosa e Liebknecht
receberam coronhadas na cabeça e foram colocados dentro de um carro. Durante o percurso,
os dois foram baleados na cabeça, o corpo mutilado de Rosa foi atirado no curso d'água
conhecido como Canal do Exército Territorial (Landwehrkanal). A imprensa, incluindo o
Vorwärts do SPD, informou que Liebknecht havia sido morto ao tentar escapar e que Rosa
Luxemburgo havia sido linchada pela multidão quando saía do Hotel Eden onde estava presa. A
17
Karl Liebknecht (1871‐1919), político e dirigente socialista alemão, era filho de Wilhelm Liebknecht, companheiro de
lutas de Marx e Engels. Estudou direito nas Universidades de Leipzig e Berlim, concluindo seu doutorado na Universidade
de Würzburg, em 1897. Abriu um escritório de advocacia e passou a defender causas trabalhistas. Em 1900 aderiu ao
Partido Socialdemocrata da Alemanha. Passou a ter intensa militância política e fundou em 1915, juntamente com Rosa
Luxemburgo e outros, a Liga Spartacus, sendo expulso do SPD em 1916: a Liga Spartacus seria a base da fundação do
Partido Comunista da Alemanha (KPD). Em 15 de janeiro de 1919, após o governo socialdemocrata alemão ter colocado as
cabeças dos “extremistas da esquerda” a prêmio, Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo foram assassinados em Berlim. A 13
de janeiro de 2008, uma passeata com 70 mil pessoas dirigiu‐se ao cemitério de Friedrichsfelde, em Berlim, somando‐se a
outras milhares de pessoas que foram ao cemitério durante todo o dia para homenagear Karl Liebknecht e Rosa
Luxemburgo.
18
Rosa Luxemburgo (1871‐1919), nascida na Polônia, militante revolucionária internacionalista, era de família judaica.
Participou na fundação de um grupo marxista no seu país. Tornou‐se, em 1897, uma das primeiras mulheres a concluir o
curso de doutorado em ciências políticas. Rosa Luxemburgo nasceu num vilarejo de Zamość, perto de Lublin. Aos treze
anos entrou na escola secundária para mulheres em Varsóvia, onde concluiu os seus estudos e iniciou sua militância
política no Partido Revolucionário Proletário. Em 1889, Rosa, devido a sua militância política, fugiu para a Suíça, evitando
uma detenção iminente. Lá, permaneceu por nove anos e freqüentou a Universidade de Zurique juntamente com outros
militantes socialistas como Anatoli Lunacharsky e Leo Jogiches (seu marido por mais de 15 anos). Participou da fundação
do Partido Socialista Polaco (PSP) em 1892. Dois anos depois, rompeu com o PSP e em conjunto com Leo Jogiches e Julian
Marchlewski fundou a Socialdemocracia do Reino da Polônia e criou a revista Sprawa Robotnicza ("A Causa Operária"),
como reação ao nacionalismo do Partido Socialista Polaco. Rosa defendia que a independência da Polônia só seria possível
através de uma revolução nos impérios da Alemanha, Áustria e Rússia, e que o combate ao capitalismo era prioritário em
relação à independência nacional. Negava o direito da autodeterminação para as nações, o que a colocava em desacordo
com Lênin. Rosa casou‐se, em abril de 1897, com Gustav Lueck, filho de um amigo alemão, a fim de conquistar a cidadania
alemã para o resto de sua vida. O falso casamento durou cinco anos, que era o tempo mínimo estabelecido pela legislação
do país. Após fixar‐se em Berlim, Rosa tornou‐se uma figura‐chave entre os socialistas europeus. Escreveu obras polêmicas
e defendeu a espontaneidade revolucionária do proletariado, que se manifestava, segundo ela, através das greves de
massas e os conselhos operários, e tentando fixar o papel do partido revolucionário, em polêmica com a burocracia
socialdemocrata e, por momentos, também com o bolchevismo. Com a guerra mundial, Rosa criou, junto com Karl
Liebknecht, a Liga Spartacus que, depois do assassinato de Rosa, formaria, junto com uma fração do Partido
Socialdemocrata Independente (USPD), o KPD (Partido Comunista da Alemanha). Seu assassinato pelos Corpos Francos
(Freikorps) do exército, a mando do ministro socialdemocrata Noske, aconteceu em janeiro de 1919. Os Freikorps não
eram só provocadores‐ assassinos de aluguel: foram também a base social da extrema‐direita, onde se recrutaram as
primeiras tropas do nazismo, sendo usados inicialmente pela aliança entre o SPD e o Estado Maior do exército alemão,
contra a revolução soviética e a revolução operária na Alemanha.
22
social‐democracia havia percorrido todo o caminho em direção à contra‐revolução. A mídia
disseminava que Rosa Luxemburgo fora linchada pela multidão exasperada, e que Liebknecht
fora morto quando tentara fugir. No dia 25 de janeiro, Noske proclamou o estado de guerra
em Berlim, sem ter medo das reações do proletariado. O SPD instalou uma ditadura militar.19
Karl Liebknecht
A Reação Impossível
Num dos seus últimos textos (A Ordem Reina em Berlim, de janeiro de 1919), Rosa
Luxemburgo constatava: “A ordem reina em Berlim! proclama triunfalmente a imprensa
burguesa entre nós, bem como os ministros Ebert e Noske e os oficiais das tropas vitoriosas,
para quem a gentalha pequeno burguesa de Berlim agita os lenços e emite os seus hurras. A
glória e a honra das armas alemãs estão a salvo perante a história mundial. Os que
combateram miseravelmente em Flandres e Argonne podem agora restabelecer o seu nome
mediante a brilhante vitória atingida sobre trezentos espartacistas que lhes resistiram no
prédio do Vorwaerts. As primeiras e gloriosas irrupções das tropas inimigas na Bélgica e os
tempos do general Von Emmich, o imortal vencedor de Liège, se tornaram pálidos se
comparadas com as façanhas dos Reinhardt e os seus "camaradas" nas ruas de Berlim. Os
delegados dos sitiados no Vorwaerts, enviados como parlamentares para tratarem da sua
rendição, foram destroçados a pancadas de garrote pela soldadesca governamental, e isto
aconteceu até tal ponto que não foi possível reconhecer os seus cadáveres. Quanto aos
prisioneiros, foram pendurados dos muros e assassinados de tal maneira que muitos deles
tinham o cérebro fora do seu crânio. Quem acha ainda, depois destes fatos, algum mistério
nas vergonhosas derrotas impingidas pelos franceses, os ingleses e os americanos aos
alemães? Spartakus é o inimigo, e Berlim o campo de batalha em que somente sabem vencer
os nossos oficiais. Noske, "o operário" é o general que sabe organizar a vitória ali onde
Luddendorf fracassara”.
19
Gustav Noske (1868‐1946), dirigente do SPD, entre fevereiro de 1919 e março de 1920 foi ministro da Guerra.
Organizador do assassinato de Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg, em janeiro de 1919, e um dos principais organizadores
do terror branco em janeiro‐março de 1919, chamado a “Era de Noske”. Num jornal do SPD da época, lia‐se: “faz‐se o
seguinte apelo: «Cidadão, trabalhador! A pátria está à beira do caos. Salvemo‐la! A ameaça não vem do exterior mas do
interior, do grupo do Spartacus! Mata o seu dirigente! Mata Liebknecht!»”. A 13 de janeiro de 1919 escrevia Artur Zickler
no jornal do SPD, Vorwärts: «Centenas de mortos numa fila... mas Karl, Rosa e Radek não se encontram lá». Dois dias
depois, a 15 de janeiro, os dois comunistas eram assassinados por soldados comandados por Waldemar Pabst. Pabst,
falecido em 1970, que se tornou ideólogo do nazismo e negociante de armas com Formosa e a Espanha de Franco,
escreveu nas suas memórias: «É evidente que para me proteger a mim e aos meus soldados nunca poderia ter conduzido a
ação sem o consentimento de Noske. Só muito poucas pessoas se aperceberam porque é que nunca fui interrogado nem
acusado. Eu retribui o comportamento do SPD a meu respeito como um cavalheiro, com cinqüenta anos de silencio». No
cemitério Friederichsfelde, também conhecido como “cemitério socialista de Berlim”, o túmulo destinado a Rosa
Luxemburgo ficou aberto porque a polícia tinha feito desaparecer o seu corpo. Nos anos seguintes foram ali sepultadas
outras vítimas do terror policial de 1919‐1920. Médicos legistas Berlim pensam que o cadáver de Rosa Luxemburgo está
ainda no necrotério local, onde há um cadáver recolhido na água, sem cabeça, sem mãos e sem pés, que, segundo eles,
tem "parecidos espantosos com a verdadeira Rosa Luxemburgo".
23
A luta pelo prosseguimento da revolução foi derrotada. Diante da repressão na Renânia e
Westfalia, a greve retomou vigor em todo país; até guarnições militares nas cidades de Erfurt e
Merseburg deram explicitamente seu apoio aos operários revolucionários. Nesse instante, a
greve tinha alcançado seu auge. A única possibilidade de passar para uma etapa superior era
que os operários de Berlim se juntassem a greve. No dia 25 de fevereiro a greve geral era total
e o governo tinha fugido para a pequena cidade de Weimar. Depois de ter assistido aos atos
sangrentos do SPD em Berlim e em outros locais, os operários não acreditavam mais nos seus
apelos pela paz.
O SPD tentou impedir a greve em Berlim por todos os meios. O conselho geral do soviet
berlinense hesitava. A decisão foi finalmente tomada pelos próprios operários, que enviaram
delegados das grandes fábricas para informar ao conselho que todas as fábricas já tinham
votado a greve. A greve geral se expandiu na cidade inteira. Diante desta situação, os
delegados do SPD no conselho operário e de soldados votaram a favor da revolução, contra a
linha de seu partido.
O proletariado de Berlim se levantou, porém tarde demais. A greve na Alemanha central, que
tinha esperado tanto por um sinal de Berlim, estava acabando. O trauma de janeiro de 1919
tinha sido fatal.20 A hora da contra‐revolução tinha chegado. O terror branco foi desencadeado
no país inteiro, particularmente em Berlim. Milhares de operários revolucionários foram
caçados e assassinados (entre eles, Leo Jogiches, ex marido de Rosa Luxemburgo).21 Embora
fracassada, a revolução operária de 1918 obrigou à burguesia alemã a colocar um termo à
Primeira Guerra Mundial, para não correr o risco de precipitar o desenvolvimento da
revolução européia.
Mas a revolução proletária alemã foi confrontada com um inimigo muito mais forte do que na
Rússia. O SPD, partido socialista, contribuiu em muito para dar essa força política suplementar
ao Estado, pois soube aproveitar‐se da confiança que ainda gozava no seio da classe operária
para combater a revolução. Nas eleições de janeiro de 1919, dois meses depois da “revolução
de novembro”, o SPD obteve mais de onze milhões de votos, o USPD, dois milhões, enquanto o
KPD, perseguido e descabeçado, não participava.
As eleições para a assembléia constituinte foram realizadas a 19 de janeiro. O governo dos
"comissários do povo" da socialdemocracia foi a ponta de lança da "coalizão de Weimar", que
recebeu 76% dos votos: o SPD 37,9%, e os partidos dos representantes diretos do grande
capital, o partido do centro e o partido democrata, 19,7% e 18,5%, respectivamente. Os dois
partidos socialistas (SPD e USPD) obtiveram 45,5% dos votos. A social‐democracia havia se
20
Era o que temia Rosa Luxemburgo: “É possível esperar uma vitória definitiva do proletariado revolucionário, na sua luta
com os Ebert‐Scheidemann, para aceder a uma ditadura socialista? Decerto que não, sobretudo se se considerarem
devidamente todos os fatores chamados a decidir sobre a questão. O ponto vulnerável da causa revolucionária neste
momento é a não‐maduração política da grande massa de soldados que ainda permitem aos seus oficiais que os mandem
contra os seus próprios irmãos de classe. De resto, a não madurez do trabalhador‐soldado não é mais do que um sintoma
da não‐maduração geral em que ainda se acha imersa a revolução alemã. O campo, que é donde procedem a maioria dos
soldados, fica tanto depois como antes fora do campo de influência da revolução. Berlim é até o presente, face ao resto do
país, algo assim como um ilhéu. Os centros revolucionários da província (os de Renânia, Wasserkant, Brunschwitz, Saxe e
Wurtemberg nomeadamente) estão de corpo e alma do lado do proletariado berlinês, mas no momento falta uma
concordância direta na ação, que é a única que pode proporcionar uma incomparável eficácia ao arranque e a
combatividade dos operários de Berlim. Além disso, a luta econômica (que é origem de verdadeiras fontes vulcânicas em
que se alimenta a revolução) acha‐se ainda numa fase claramente inicial. Disso tudo pode deduzir‐se claramente que não é
razoável contar pelo momento com uma vitória de tipo decisivo”.
21
Rosa Luxemburgo, Liebknecht, Jogiches e outros espartacistas tinham sido detidos até o final da guerra, quando o
governo de Max von Baden outorgou uma anistía política. Mas o governo do socialdemocrata Friedrich Ebert, em janeiro
de 1919, passou a perseguir, deter e eliminar os espartaciastas, nessa altura já membros do KPD (Partido Comunista da
Alemanha). Leo Jogiches foi assassinado na prisão em 10 de março de 1919, cerca de um mês após o assassinato de Rosa
Luxemburgo e Karl Liebknecht, que ele investigou e denunciou publicamente como obra do conluio entre a
socialdemocracia e o Estado Maior do exército alemão.
24
tornado o eixo em torno do qual girava a frente única de toda a burguesia empresarial,
incluindo o partido nacional‐alemão, anti‐republicano e anti‐semita.
Por isso, muitas tendências ultra‐esquerdistas surgiram na Alemanha no inicio dos anos 1920.
A traição do SPD — primeiro em 1914, quando apoiou a guerra e, depois, em 1918, quando
afogou a revolução em sangue — levou a uma reação entre os trabalhadores de vanguarda,
que buscaram diferentes grupos ultra‐esquerdistas ou mesmo anarquistas. Esse problema iria
atormentar o KPD por um longo tempo. No congresso de fundação do KPD, Luxemburgo
esteve em minoria em relação a participar das eleições para a assembléia nacional (a maioria
do partido era contra, julgando o parlamento ultrapassado).22 Também havia muitas outras
tendências ultra‐esquerdistas fora do partido. Em abril de 1920, depois de uma revolta armada
de trabalhadores em Rühr, a esquerda rachou e formou o KAPD [Partido Comunista Operário
da Alemanha], com uma política ultra‐esquerdista e anti‐parlamentar. O KAPD levou consigo
uma considerável parcela dos membros do KPD — talvez a maioria. Mas se desintegrou
rapidamente, sem programa coerente. A Internacional Comunista, com algum sucesso, tentou
reaver setores do KAPD, convidando‐os para um de seus congressos.
Em março de 1920, um setor da oficialidade nacionalista, encabeçado por Kapp‐Luttwitz,
tentou um golpe de estado (o “putsch de Kapp”) contra a república, pensando poder arrastar o
Exército e a classe empresarial (o que se revelou um cálculo errado). A extrema‐direita,
chefiada por Kapp e apoiada nos Corpos Francos (Freikorps), com o golpe, deflagrou a reação
operária: os “conselhos operários” reapareceram em diversas regiões alemãs. O SPD dividiu‐se
ao meio. Enquanto os membros do governo e da administração central abandonavam o
terreno de luta, fugindo de Berlim, os sindicatos, dirigidos por Legien,23 assumiram a defesa do
regime republicano, e decretaram a greve geral, que acabou com a tentativa golpista.
O putsch de Kapp era a “reação impossível”, e guardava semelhanças com o fracassado putsch
de Kornilov que antecedeu à Revolução Russa de 1917. A situação geral adquiriu novamente
aspectos revolucionários, embora localizados, mostrando também o caráter limitado da
derrota operária de 1919.
A reação ao putsch não foi só grevista. Nos dias que se seguiram, numerosas unidades
militares operárias, cujos efetivos variam de algumas dezenas a algumas centenas ou um
milhar, se unificaram no Rühr em um “Exército Vermelho”: comandado pelos militantes
independentes Josef Ernst e Karl Wohlgemuth e pelo sindicalista Karl Leidner.
Os historiadores estimaram esse exército em cem mil homens, com três direções centrais
rivais. Seus chefes eram operários, freqüentemente metalúrgicos, mas também mineradores e
ferroviários, nomeados à cúpula pelos comitês de ação, eleitos entre os quadros médios e no
local. A maioria deles pertencia ao USPD, sobretudo à sua ala esquerda; os outros pertenciam
ao KPD ou à sua oposição. A revolução batia novamente à porta?
Os Lênin e Trotsky alemães (Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht), no entanto, haviam sido
assassinados em 1919. Pouco depois do fracasso do putsch de Kapp surgiu a proposta de um
governo composto pelos partidos e sindicatos operários (SPD, USPD e KPD), um “governo
22
“De que maneira quer você influir nas eleições se de antemão explica que as consideramos nulas? Precisamos mostrar
às massas que não há melhor resposta à resolução contra‐revolucionária contra o sistema conselhista do que realizar uma
poderosa manifestação dos eleitores, precisamente elegendo pessoas que são contra a Assembléia Nacional e a favor do
sistema de conselhos operários. Esse é o método ativo que permite dirigir contra o peito do adversário a arma apontada
contra nós. Vocês precisam compreender que aquele que levanta contra nós a suspeita de oportunismo, insistindo em que
o tempo e o trabalho urgem, não teve tempo para examinar, de maneira calma e fundamentada, quer a sua, quer a nossa
concepção. Trata‐se apenas de ver qual o método mais adequado para o fim comum de esclarecer as massas”,
argumentou Rosa Luxemburgo, na ocasião.
23
Karl Legien (1861‐1920) foi líder sindical e socialdemocrata na Alemanha, chefe histórico da “direita” do SPD, alinhado
com os revisionistas na crise do partido na década de 1890. Entre 1893 e 1920, de modo quase ininterrupto, foi deputado
no Reichstag. Símbolo internacional da ala “social‐patriota” da Segunda Internacional na guerra 1914‐1918.
25
operário”, que partiu das lideranças sindicais mais moderadas; a proposta não vingou. As
eleições de junho de 1920 registrariam o desgaste sofrido pelo SPD como partido governante.
Entretanto, foi principalmente o USPD que se beneficiou com o giro a esquerda da classe
operária. Na eleição de 1920 ao Reichstag, o SPD recebeu 6 milhões de votos, o USPD, cinco
milhões, o KPD, 600 mil. Nesse primeiro Reichstag “democrático” (sem voto censitário ou
corporativo) o SPD recuou de 163 para 112 eleitos, enquanto os “independentes” (USPD)
progrediram de 22 para 81. A social‐democracia, depois de salvar o Estado, perdeu o governo
para o Zentrum católico e para o Partido Populista (Stresemann).
A Internacional Comunista, então, aprofundou os rachas dentro do USPD. Em dezembro de
1920, a maioria desse partido, com Paul Levi, finalmente se uniu ao KPD — ou VKPD [Partido
Comunista Unificado da Alemanha], como ficou conhecido por algum tempo. A minoria, mais
tarde, voltou a se unir ao SPD. Era uma tendência européia: resolveram estudar o possível
ingresso de seus partidos na Internacional Comunista as convenções partidárias do USPD
alemão, dos socialistas suíços, dos franceses e italianos. Parecia que a revolução socialista
estava prestes a experimentar nova força na Europa ocidental. A IC, no se segundo Congresso
Mundial, votou a centralização e disciplinamento dos partidos comunistas, nas resoluções
sobre os Estatutos e nas “21 condições” a serem atendidas para a admissão de novos partidos.
Segundo Wolfgang Abendroth: “Essas condições forçaram os partidos de massas da Europa
ocidental, agora desejosos de se incorporarem à Internacional [Comunista], a mudarem as
suas estruturações. Tinham que submeter‐se às resoluções da Comissão Executiva da
Internacional e afastar‐se dos agrupamentos de liderança social‐pacifistas ou radical‐
reformistas. Isso, na prática, era um verdadeiro convite à divisão desses partidos, já que essas
condições pareciam inaceitáveis a uma grande parte dos líderes, contrariando também a
tradição do movimento trabalhista da Europa ocidental. Apesar disso, continuava tão intenso o
entusiasmo pela revolução soviética que a convenção partidária do USPD alemão, em outubro
de 1920, realizada em Halle, se decidiu a favor do ingresso na Internacional, mesmo contra o
voto de seus líderes mais prestigiosos (Hilferding, Ledebour, Dittmann), o mesmo tendo
acontecido, em dezembro de 1920, na convenção partidária do SFIO francês, em Tours, contra
a vontade declarada de [Jean] Longuet e de Paul Faure, minorias fortes, que acabaram por isso
desligando‐se. Por outro lado, embora na convenção dos socialistas italianos, em Livorno, em
26
janeiro de 1921, Serrati tivesse conseguido impor a sua vontade de preservar a unidade do
partido, a minoria em torno de Antonio Gramsci e de Amadeo Bordiga mostrou ter força
suficiente para afastar‐se e organizar um partido comunista de massas próprio”.
A fusão com o USPD quintuplicou a quantidade de membros do KPD e o transformou num
partido de massas. Mas os novos membros trouxeram consigo muitas tradições centristas do
USPD. Depois de ter perdido 40 mil de seus 100 mil membros com a saída dos ultra‐
esquerdistas que fundaram o efêmero KAPD, em 1920, o KPD agora recebia o reforço de 300
mil novos militantes...
República, Inflação e Ovos de Serpente
A República alemã fora proclamada às pressas em 1919, na cidade de Weimar, para onde o
governo social‐democrata tinha fugido, espantado pela insurreição em Berlim. A eleição de
1919 – a primeira em que mulheres votaram – deu maioria parlamentar ao SPD e aos partidos
burgueses moderados. A constituição promulgada em agosto acentuou a unidade
administrativa do país; os Estados perderam grande parte de sua soberania.
Nesse início de 1919, outro acontecimento, que passou então quase despercebido, ganharia
proporções gigantescas na década seguinte. O NSDAP (Partido Nacional‐Socialista dos
Trabalhadores Alemães, ou simplesmente Partido Nazista) foi fundado em Munique, em
janeiro de 1919. Seu sétimo aderente, Adolf Hitler, pintor de construção austríaco, estava
imbuído de nacionalismo racista, anti‐semita, e de ódio pelo comunismo. O NSDAP adquiriu
logo uma fisionomia peculiar dentro dos grupelhos nacionalistas devido à sua insistência em
temas “sociais”, e à personalidade de seus dirigentes, Hitler em especial, mas também
Goebbels, mestre da propaganda. Logo beneficiou‐se de apoios no mundo dos negócios e no
exército, neste através de Luddendorf. Sua doutrina era simples, e tinha seu eixo na oposição
entre a Alemanha e seus “inimigos internos e externos”: 1) O povo alemão, ariano, trabalhador
e generoso, foi “traído” durante a guerra; 2) Pelo judeu, inspirador das ideologias marxistas,
democráticas, e das religiões universais, que apodreceram o Estado desde dentro; 3) É
necessário restaurar a Alemanha eterna, seu Lebensraum (espaço vital), regenerar seu povo
para torná‐lo “senhor” do mundo; 4) Insistência nos temas da “comunidade nacional”, do
“sangue puro”, da “pureza de raça”, da “ordem”, das virtudes guerreiras, do esmagamento dos
inimigos, da extensão territorial às custas da URSS bolchevique e da decadente França.24
A contenção da revolução, no entanto, não se baseou só na repressão, mas também na ilusão
de que algum tipo de “socialismo” seria implantado pelo SPD. Hugo Simon, ministro prussiano
de finanças, declarava em novembro de 1918 ao Deutsche Allgemeine Zeitung: «A socialização
será fácil nos casos em que se tratar de substituir um monopólio particular por um monopólio
do Estado, como na indústria química... Só estão em causa as explorações que permitam
prever com certeza que darão benefícios». No outono de 1918 fora constituída, sob a
presidência de Karl Kautsky, uma comissão de socialização que incluía economistas (como o
ulteriormente célebre Joseph A. Schumpeter), sindicalistas e lideranças socialistas, entre as
quais Rudolph Hilferding.
Os trabalhos dessa comissão orientaram‐se rapidamente para a “socialização” das minas de
carvão, um setor econômico chave. Por unanimidade foi aprovado um relatório (fevereiro de
1919) em que se recomendava: 1°) As minas de carvão seriam retiradas dos seus proprietários,
24
O NSDAP era dirigido por medíocres, ex‐combatentes que se sentiam traídos na derrota nacional de 1918, e pequeno‐
burgueses espantados pelo “nivelamento social”: Ernest Röhm, provocador que mantinha vínculos com os militares e
ajudou a formar uma milícia particular dos nazistas, conhecida como “camisas pardas”; Hermann Göering, herói da
aviação, brutal e ambicioso, chefe das SA (Sturmableitungen, tropas de assalto); Rudolf Hess (secretário de Hitler), Heinrich
Himmler, Martin Bormann, homens sem escrúpulos; o báltico Alfred Rosenberg, filósofo amador, teórico da “raça”
ignorante e pretensioso; demagogos obreiristas anti‐semitas: Julius Streicher, Gregor Strasser... Comandados pelo Führer,
constituíam no início uma verdadeira quadrilha.
27
que seriam indenizados; 2°) As minas não seriam entregues ao Estado, mas a uma Comunidade
Alemã do Carvão, concebida como pessoa jurídica autônoma; 3°) Essa Comunidade estaria
subordinada ao Estado pela sua política de preços e hipotecária. Entregaria seus benefícios ao
Estado; 4°) À testa da comunidade estaria um Conselho do Carvão composto por 100
membros: 25 eleitos pelas direções da exploração; 25 eleitos pelos assalariados; 25 designados
pelos consumidores (grandes indústrias, municípios); 25 designados pelo Estado (10 pelo
Parlamento, 15 pelo Governo). Este Conselho nomearia um Diretório de cinco membros, que
administraria a Comunidade por cinco anos.
Em novembro de 1918 constitui‐se uma “Comunidade do Trabalho”, em acordo de patrões e
sindicatos, para instaurar o dia de oito horas e constituir nas fábricas comissões arbitrais
destinadas a resolver os conflitos do trabalho. Tratava‐se de pregar uma peça aos conselhos
operários que, nesse momento, podiam transformar‐se em soviets (órgãos de poder estatal
operário). Em março de 1920 houve a constituição de uma segunda comissão de socialização,
da qual faziam ainda parte Hilferding, Kautsky e Schumpeter, mas onde desta vez a maioria já
não pertencia à esquerda. Esta tentou rever o texto da primeira comissão. Mas a maioria,
seguindo o banqueiro Walter Rathenau, votou um texto que deixava, por trinta anos, a
propriedade das minas aos que as explorassem. O Conselho do Carvão estaria habilitado a fixar
os preços de venda, tendo cada mina que entregar a totalidade da sua produção ao preço de
custo. O texto se orientava para uma planificação, conservando e transformando as fábricas da
indústria de guerra, e auxiliando as empresas particulares em dificuldades, fazendo pagar em
ações os estoques que lhes fornecia.
O Tratado de Versalhes, celebrado entre as potências beligerantes (com a exceção da Rússia
soviética), proibira o rearmamento alemão, e impôs ao país perdas territoriais e pesadas
reparações de guerra. Alemanha foi condenada a pagar uma enorme indenização à França,
muito superior à que a França havia pago à Alemanha em conseqüência da guerra precedente
(1870‐1871). Para supervisionar o cumprimento dessa cláusula, instituiu‐se a Comissão Inter‐
Aliada de Controle: foi permitido às autoridades alemãs colaborarem voluntariamente com a
Comissão ‐ possibilitando a omissão e contravenção das condições expostas no tratado – o que
provocou denúncias de não cumprimento das imposições. Alemanha, do seu lado, assinou um
acordo militar secreto com a recém criada União Soviética, o Tratado de Rapallo (1922), onde
os dois países renunciavam, simultaneamente, as respectivas indenizações de guerra, além de
estreitar laços de cooperação militar, possibilitando o treinamento de pilotos alemães em
território soviético, e o desenvolvimento da indústria bélica soviética.
As reparações alemãs deveriam, supostamente, cobrir as despesas de reconstrução das
regiões devastadas na guerra, e o pagamento de pensões aos inválidos, às viúvas e aos órfãos
de guerra. A Comissão de Reparações calculou em 6.600 milhões de libras esterlinas o
montante dos prejuízos de guerra que a Alemanha devia pagar aos países vencedores na
guerra mundial. O governo francês contava com essas reparações para reconstruir regiões
assoladas e equilibrar seu orçamento. A 27 de abril de 1921 a Comissão fixou finalmente as
reparações a serem pagas pela Alemanha em 132.000.000.000 marcos‐ouro, uma soma maior
do que o país poderia pagar (era equivalente a mais de três vezes a renda nacional anual).
Embora nem toda essa dívida arcasse com juros imediatos, o pagamento das reparações
somaria mais de um terço de todos os gastos do país em 1921 e 1922. Em face de um ultimato
aliado, com a ameaça de ocupação do vale do Rühr, o chanceler alemão afiançou um voto,
relutante, a favor do pagamento (mas não conseguiu pagar as somas exigidas na data
acertada).
O governo francês não aceitava que Alemanha se subtraísse de cobrir os custos das dívidas de
guerra. Os britânicos, assustados pelo “perigo bolchevique”, tinham simpatia pelo esforço do
governo alemão em combater a ameaça de revolução, preferindo não sobrecarregá‐lo com
exigências. Os EUA tentaram concluir um acordo de reparações supostamente baseado na
28
capacidade da Alemanha em efetuar o pagamento: ficou decidido que a Alemanha deveria
pagar a título de adiantamento, 20 bilhões de marcos‐ouro. Deveria, ainda, entregar cerca de
2,2 milhões de toneladas de grãos, 5 mil locomotivas, 130 mil artefatos agrícolas, 135 mil
cabeças de gado e 50 mil cavalos. Teria ainda de repor os navios comerciais afundados. Era
uma política de saque do país.
A reação nacionalista era inevitável, e se manifestou de formas políticas diversas. Ela
fortaleceu o núcleo do partido nazista. Em 1920 foi divulgado seu programa, embora o aspecto
característico do novo movimento fosse um ativismo desenfreado, mais importante que
qualquer princípio programático. O NSDAP logo se transformou em um grupo paramilitar: a
maioria de seus membros era proveniente dos Freikorps e da Reichswehr e tinha a intenção de
lutar contra o governo da República de Weimar, sem se ater a qualquer regra democrática.
Adolf Hitler assumiu a direção do partido. Foram formadas as SA (tropas de assalto) como
força fundamental na condução dos choques em locais públicos. No final de 1920, saiu o seu
diário Volkischer Beobacther, graças ao financiamento da Reichswehr e de setores privados. Ao
lado de Hitler começou a perfilar‐se o peso crescente de personalidades que, a seguir, teriam
um papel fundamental: Alfred Rosenberg, Rudolf Hess e Hans Frank (quando, em janeiro de
1923, se realizou o primeiro congresso do partido, os seus inscritos eram 20 mil, embora o
NSDAP ainda estivesse restrito à região da Baviera, e não pretendesse se tornar um partido
que defendesse seu programa no âmbito da batalha parlamentar).
A questão que envolvia a fronteira alemã também foi muito controvertida. Segundo o Tratado:
"A Alemanha renuncia a todos os seus direitos e títulos sobre suas possessões ultramarinas em
favor das potências aliadas principais e associadas". Pelas cláusulas, a França recebia a AIsácia‐
Lorena, regiões anexadas pela Alemanha durante o conflito de 1870. Como compensação
parcial pela destruição das minas de carvão e das usinas metalúrgicas do nordeste francês, foi
permitido à França o acesso irrestrito as minas de carvão da bacia do Sarre, durante um
período de quinze anos, quando o governo alemão poderia compra‐Ias (!). O território do
Sarre seria administrado pela Liga das Nações até 1935, quando se realizaria um plebiscito
entre os habitantes, para decidir se a região continuaria submetida à Liga das Nações, se
voltaria para Alemanha, ou se seria concedida à França.
O tratado obrigava a Alemanha a reconhecer a independência da Áustria em fronteiras ainda
sem demarcação, assim como, a existência de um Estado tchecoslovaco e de um Estado
polonês. Segundo os "catorze pontos de Wilson" (presidente dos EUA), a Polônia seria um país
independente que abrangeria os territórios "habitados por populações indiscutivelmente
polonesas" e as quais seria garantido "um acesso livre e seguro para o mar". Medindo 100
quilômetros de largura, o "corredor polonês" representava a saída para o mar, no entanto,
separava a antiga Prússia da Alemanha. A cidade de Dantzig seria um porto livre, tutelado pela
Liga das Nações, e se tornaria o principal escoadouro do comércio externo polonês. A Polônia
também receberia a Posnânia e a Alta Silésia, esta última área de imenso valor econômico, que
fornecia à Alemanha 23% de seu carvão e 80% de seu zinco antes da guerra. A atribuição da
Alta Silésia à Polônia, assim como, a criação do chamado "corredor polonês" causaram muitos
incidentes de fronteira, contribuindo para o sentimento de discriminação racial.
O Tratado de Versalhes ainda estabelecia a ocupação da Renânia por tropas aliadas durante
quinze anos, como forma de garantia das condições expostas. Por fim, a Alemanha cedeu: à
Bélgica, Eupen e Malmedy; à Lituânia: Memel, com 160 mil habitantes; e à Dinamarca,
Schleswig‐Holstein. Despojada de suas possessões coloniais, que passariam a ser
administradas pelas principais potências vitoriosas, o território germânico foi reduzido a
540.000 Km2 (aproximadamente 1/6 do original, se incluídas as colônias). Todas essas
cláusulas do tratado foram recebidas com muito protesto pelos nacionalistas alemães, que
obtinham eco popular (e também seriam o caldo de cultura de sua variante extrema, o
nazismo).
29
Durante a fase inicial da República de Weimar (1919‐1923), a inflação alemã disparou,
supostamente como resultado da emissão de moeda para pagamento das dívidas de guerra.
Mas o processo tivera início, como vimos, antes: quando a guerra começou, a 31 de julho de
1914, o Reichsbank suspendeu o câmbio em moedas de ouro, como todos os outros bancos
centrais das nações beligerantes, com o intuito de impedir que suas reservas se esgotassem.
Depois disso não houve nenhum limite legal para a impressão de dinheiro em grande
quantidade. À diferença da Inglaterra, o governo alemão preferiu pedir emprestado as
quantias necessárias para financiar a guerra, ao invés de aumentar substancialmente os
impostos. Com o fim da guerra o dinheiro em circulação tinha crescido quatro vezes, e o índice
de preços ao consumidor tinha subido 140%. A dívida flutuante tinha aumentado de 3 bilhões
para 55 bilhões de marcos. As grandes dívidas adquiridas impuseram a Alemanha a depreciar o
marco em relação às moedas estrangeiras.
Durante a guerra, houve crise monetária em todos os países beligerantes. O meio circulante
mais comum baseava‐se em moedas metálicas, metal valioso em uma época em que as
guerras eram disputadas com canhões e baionetas. Com falta de recursos minerais, os países
da Europa central começaram a retirar moedas de circulação para serem utilizadas na indústria
bélica. A escassez de moedas seria compensada pela emissão de papel‐moeda; o grande
problema era a dificuldade de controlar a emissão, pelo volume de cédulas que deviam de ser
emitidas. A concessão do direito de emissão a municipalidades, institutos creditícios, governos
locais (estados e municípios) e empresas, que puseram cédulas em circulação, foi a saída
encontrada. Era o Notgeld, “dinheiro de emergência”.25 As cédulas eram simples, visando
apenas suprir a demanda, porém com o prolongamento do uso, as cédulas tornaram‐se mais
elaboradas em padrões, formas e materiais. A quantidade de cédulas emitidas chegou a
volumes enormes. Entre 1914 e 1923 o Notgeld esteve presente na Alemanha e Áustria, os
maiores utilizadores deste recurso, e em países com economias satélites delas, como a Hungria
e a Polônia.
As tensões e desordens monetárias eram gerais. O mecanismo internacional que vigorava
antes de 1914 era o padrão‐ouro. Este ligava as diferentes moedas entre si através de seu peso
em ouro definido de forma fixa; as moedas eram convertíveis em ouro, e o metal, que
circulava a público, podia ser importado e exportado livremente. A Conferência Internacional
de Gênova, em 1922, sancionou um sistema diferente, o do padrão de câmbio‐ouro (gold
exchange standard), que já estava parcialmente estabelecido a partir de 1918. As necessidades
de retomada do comércio internacional levaram a uma conservação da referência em ouro;
porém, devido à sua raridade e à sua distribuição desigual, era uma referência em segundo
grau: a moeda de cada país não ficava diretamente ligada ao ouro, mas a uma moeda
fundamental, definida e conversível em ouro.
Os créditos em países de moeda "central", as reservas cambiais, substituíram o ouro em quase
todos os países. Houve duas “moedas centrais”, a libra esterlina e o dólar, que alargaram a
base das trocas internacionais. O ouro, em si, não circulava mais e adquiriu um papel de
reserva nacional ao lado das reservas cambiais. O sistema “bipolar” confirmava o
enfraquecimento britânico e a ascensão ainda hesitante dos EUA: a regulação internacional
dependia do controle e da coordenação dos dois centros, e da confiança dos demais países. A
liquidação da herança da guerra implicou duas séries de compensações: de um lado, o
reembolso das dívidas de guerra; de outro, a questão das reparações que a Alemanha deveria
pagar por ter perdido o conflito (132 bilhões de marcos‐ouro, dos que só 22,5 bilhões foram de
fato restituídos). Acabou‐se estabelecendo uma cadeia, com os pagamentos alemães servindo
25
Também chamado de Kriegsgeld, “dinheiro de guerra”. Juntamente com outras emissões, era conhecido como Kleingeld,
dinheiro miúdo ou troco, pois seu valor raras vezes ultrapassava a unidade monetária da época, sendo quase sempre
denominados em Pfennig ou Heller, unidade centesimal do marco e da coroa, as moedas em circulação na Alemanha e
Áustria, respectivamente.
30
para regular ou compensar as dívidas entre os aliados; outros empréstimos eram necessários
para o financiamento dos pagamentos alemães – empréstimos que acabariam vindo dos EUA.
O impasse econômico alemão era a expressão de uma crise internacional.
Para Charles Kindleberger: “Após a I Guerra Mundial, não existiu um lender of last resort
internacional na crise de 1920‐21. Parte da corda foi tensionada através de taxas de câmbio
flexíveis. Em uma crise causada por debilidade da balança de pagamentos e escoamento de
capital, a taxa de câmbio é depreciada. Isso eleva os preços internacionais ‐ ou seja, os preços
de bens e serviços exportados ou importados, e daqueles capazes de serem exportados ou de
competirem com os importados ‐ e pode curar os sintomas de declínio de preços de uma fuga
de inventários reais para dinheiro. Mas um estímulo inflacionário acentuado pode produzir
outro tipo de crise ‐ de dinheiro para bens, levando à hiperinflação. Isso foi o que aconteceu na
Europa Oriental e Central em 1923”.
Mas, em fevereiro de 1920 o episódio inflacionário alemão parecia acabado. Durante os meses
seguintes os índices de preços ficaram estáveis. O marco valorizou‐se em relação às moedas
estrangeiras, de modo que os preços de bens importados caíram aproximadamente 50%.
Porém, durante quinze meses o governo continuou a emitir mais moeda; a moeda em
circulação aumentou 50% e a dívida flutuante do Reichsbank quase 100%, providenciando
mais combustível para uma nova explosão. O aumento de preços continuou em 1920, mas, no
fim nesse ano, houve até uma pequena redução.
A recessão (sobre‐produção) dos EUA, com a repentina abundância de produtos agrícolas e
outros bens, exerceu efeitos sobre a Alemanha. Da primavera de 1920 ao verão de 1921, os
preços na Alemanha estavam estabilizados, na prática, a quatorze vezes acima do nível do
período anterior à guerra. J. M. Keynes, apoiando‐se no seu julgamento amplamente divulgado
de que as exigências do Tratado de Versalhes estavam muito além da capacidade da economia
alemã, havia estado especulando febrilmente – como dirigente bancário – contra o marco.
Escapou por um triz da ruína financeira, sendo salvo por empréstimos de seus editores e de
um financista amigo: “Teria sido um desastre se o homem que tão recentemente tinha
despertado a curiosidade da opinião mundial dizendo saber mais do que os melhores
especialistas fosse envolvido por uma falência", disse um biógrafo do economista inglês.
O erro de Keynes foi quanto à data. No verão de 1921, os preços começaram novamente a
subir. Em abril, o montante total de indenizações de guerra foi finalmente fixado em Londres
no valor de 132 bilhões de marcos ouro, marcos de valor correspondente ao período anterior à
guerra. A publicidade desta soma pode ter levado alguns alemães a concluir que não havia
esperança, e a começar a trocar os seus ativos monetários por bens. Os preços mundiais de
mercadorias também tinham parado de cair. E um déficit orçamentário crescente externo e
interno estava fazendo sentir os seus efeitos. Os preços internos subiram de 14 vezes o nível
de 1913, em meados de 1921, a 35 vezes esse nível no final do ano.
Os Comunistas e a Ação de Março
A deterioração rampante do nível de vida provocou a reação operária. Em março de 1921,
greves insurrecionais (conhecidas como "ação de março") eclodiram na Alemanha central,
governada pela social‐democracia, onde a repressão patronal e policial era particularmente
dura. O KAPD, partido comunista de ultra‐esquerda cindido do KPD, promovia esse movimento
de ação direta. Seus militantes, nas comissões de fábrica e empresas, dedicaram‐se a
radicalizar essas ações, e recusaram qualquer negociação com os patrões. O KPD se mostrou
indeciso, mas finalmente apoiou a tentativa insurrecional. Isoladas e sem perspectivas, as
milícias operárias foram derrotadas, as fábricas ocupadas foram retomadas pela polícia. O
fracasso da "ação de março" foi um "retorno à normalidade", tão desejado pela social‐
democracia. Mais de três mil militantes foram presos, os militantes combativos expulsos das
31
empresas e forçados à clandestinidade. As organizações comunistas mais radicais, o KAPD e as
Uniões Operárias foram postos fora da lei, entrando depois em declínio.
Desde 1920, os dirigentes da Internacional Comunista combatiam os “esquerdistas” que se
recusavam a atuar nos sindicatos. Quando Lênin classificou esses comunistas como
"esquerdistas", no seu conhecido texto O Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo,
pretendia criticar sua recusa de qualquer compromisso político por principio. A esta crítica
respondeu Hermann Gorter, comunista holandês, numa Carta Aberta a Lênin. Para a
“esquerda comunista”, a extensão da tática de compromisso bolchevique à Europa ocidental
asfixiava as organizações autônomas do proletariado, cujas ações seriam as únicas capazes de
desenvolver a consciência subversiva. Gorter e seus amigos insistiram em que a maior
presença de revolucionários conscientes equivalia ao menor papel dos dirigentes.
Consideravam que a tática dos bolcheviques implicava de fato "a primazia dos dirigentes" e o
oportunismo burocrático.26
A revolta fracassada na Alemanha Central — a chamada Märzaktion [ação de março] —
provocou uma nova crise nas fileiras do KPD. Depois que o governo nacional enviou unidades
policiais até as fábricas para desarmar os operários, o KPD (ou VKPD) e o KAPD chamaram à
greve geral e à derrubada do governo nacional. Esse levante foi claramente prematuro e
acabou numa derrota sangrenta. Aproximadamente 2.000 trabalhadores foram mortos na luta
e na violenta repressão que se seguiu. Paul Levi, um dos principais líderes do KPD, que se opôs
ao levante desde o começo, atacou o partido em publico. Ele foi expulso: o motivo da exclusão
não era o conteúdo da crítica de Levi ao KPD (cujos termos foram retomados pelo próprio
Lênin, em sua brochura O Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo), mas o fato de ter sido
publicada antes de qualquer debate interno, quebrando a solidariedade partidária. Excluído,
Levi voltou ao SPD.
Em março, segundo Denis Authier, “formaram‐se diversos grupos ou comandos compostos ao
todo por 4000 homens. Apesar da sua inferioridade numérica face às tropas da polícia,
conseguiram, contudo, num primeiro momento, repeli‐las utilizando uma táctica semelhante à
guerra de guerrilhas... Esta nova forma de guerra civil revelava que os revolucionários se
tinham tornado minoritários entre o proletariado, mantendo‐se os operários numa atitude
idêntica à da greve geral. Os revolucionários ficaram então reduzidos a pequenos núcleos... A
«ação de março» tornou‐se complicada pelo fato de que o PC oficial (VKPD após a fusão com a
ala esquerda do USPD), passando de um legalismo extremo ao pior dos «golpismos», quis
tomar o poder a todo custo, e com esse objetivo lançou sobre as lutas da Alemanha central ‐
menos poderosas que as insurreições dos anos precedentes ‐ uma palavra de ordem
insurrecional para toda a Alemanha”.
Segundo o mesmo autor: “O VKPD foi impelido nessa direção por uma delegação da
Internacional, dirigida por Béla Kun, que chegou em março a Berlim. Enviados por Zinoviev ou
Radek, e sem o consentimento de Lênin, esses emissários pensavam que era necessário
«forçar o destino da revolução» na Alemanha. E tudo porque o poder bolchevique passava por
26
A Internacional Comunista condenou a tática dos esquerdistas: “O 3º Congresso Mundial constata com satisfação que as
resoluções mais importantes, e particularmente a parte da resolução sobre tática referente à ação de março,
ardentemente discutida, foram adotadas por unanimidade e que mesmo os representantes da oposição alemã, em sua
resolução sobre a ação de março, se colocaram de fato sobre um terreno idêntico àquele do Congresso. O Congresso viu
isso como uma prova de que um trabalho coerente e uma colaboração íntima sobre a base das decisões do 3º Congresso
são não apenas desejadas, mas também possíveis no interior do Partido Comunista Unificado da Alemanha. O Congresso
estima que toda divisão das forças no seio do Partido Comunista Unificado da Alemanha, toda formação de frações, sem
falar de cisão, constitui o maior perigo para o conjunto do movimento. O Congresso espera da Direção Central e da maioria
do Partido Comunista Unificado da Alemanha uma atitude tolerante para com a antiga oposição, apelando para que ela
aplique lealmente as decisões tomadas pelo 3º Congresso; este está persuadido de que a Direção Central fará todo o
possível para reunir todas as forças do Partido. O Congresso pede à antiga oposição que dissolva imediatamente toda
organização de fração, subordine absoluta e completamente sua fração parlamentar à Direção Central, subordine
inteiramente a imprensa às organizações respectivas do Partido“.
32
uma fase difícil desde o inverno de 1920‐21, após o término da guerra civil contra a reação,
com insurreições camponesas, persistência do movimenta makhnovista, «Oposição Operária»
dentro do partido, numerosas greves, das quais a mais séria foi a greve geral do proletariado
de Petrogrado, enfim, a insurreição de Kronstadt. Paul Levi condenou publicamente a política
dos «emissários» e foi expulso [do VKPD]. Depois da derrota da «ação de março», o PC alemão
e a III Internacional retomaram sua posição e condenaram o movimento. O VKPD voltou ao
trabalho exclusivamente legal. Era a sua segunda viragem em apenas um ano, o que é
comprometedor para uma «direção esclarecida», mas típico de um partido que tem medo de
ser «ultrapassado pela sua esquerda», ou seja, que tem medo da revolução. O KAPD fez frente
comum com o VKPD durante a «ação de março» (foi a primeira e a última vez), pois iludiu‐se
ao pensar que «as massas do VKPD adeririam às posições do KAPD». [Otto] Rühle, pelo
contrário, condenou a «ação», nada mais vendo nela que a tentativa do golpe a ser dado pelo
VKPD: o KAPD enganara‐se ao comprometer‐se com uma ação aparentemente revolucionária,
mas que, na realidade, tinha sido lançada em função dos problemas internos da Rússia.
Segundo ele, após o revés da «ação de março», a revolução alemã estava perdida por muito
tempo”.
Os eventos do março alemão foram debatidos no III Congresso da Internacional Comunista, em
junho e julho de 1921, em Moscou. Trotsky mais tarde descreveu o Congresso como um
"marco": "Ele apontou o fato de que os recursos dos partidos comunistas, tanto politicamente
quanto organizativamente, não foram suficientes para a conquista do poder. Ele promoveu o
slogan ‘Às massas,' isto é, a conquista do poder através de uma conquista anterior das massas,
realizada com base na vida cotidiana e nas lutas. As massas continuam vivendo sua vida
cotidiana em uma época revolucionaria, mesmo que de uma maneira diferente". O Congresso
desenvolveu a tática das reivindicações transitórias, da Frente Única Operária, e a palavra de
ordem de "governo operário", para ganhar a confiança dos trabalhadores que ainda apoiavam
os social‐democratas. Insistiu‐se na necessidade de trabalhar nos sindicatos.
Isso foi de encontro com a resistência das tendências de esquerda e ultra‐esquerda dentro do
KPD, que promoviam a chamada "teoria da ofensiva", rejeitando qualquer forma de
compromisso político, assim como o trabalho no parlamento e nos sindicatos. Eles eram
apoiados por Nikolai Bukhárin, dirigente bolchevique russo, que defendia uma "ofensiva
revolucionaria ininterrupta". Foi em resposta a essas tendências que Lênin escreveu seu
folheto contra o esquerdismo. Lênin, assim como Trotsky, tentou uma aproximação paciente
das diferentes facções no KPD, prevenindo rachas prematuros. Contiveram os esquerdistas e
também a direita do partido, que queriam expulsar seus oponentes. Intransigentes em relação
à "esquerda infantil", também perceberam certo conservadorismo na liderança do partido.
O KPD (partido comunista alemão) passou de 360 mil membros em finais de 1920, depois da
sua fusão com a maioria do USPD, para metade de esse efetivo em finais de 1921...
Da Inflação à Hiperinflação
Na Alemanha, a inflação começou outra vez; os preços, em julho de 1922, tinham aumentado
700%. No início de 1922 o aumento dos preços revivera os negócios. As pessoas estavam
comprando mercadorias de forma tão rápida quanto obtinham dinheiro; as empresas
apressadas para expandir fábricas e transformar dinheiro em investimento fixo. Alemanha era
invejada por sua "prosperidade" por muitos estrangeiros. O aumento continuou em 1922; no
final desse ano, os preços eram 1.475 vezes superiores aos anteriores à guerra.
A chegada do salário (em espécie) no dia do pagamento, às mais importantes concentrações
de trabalhadores, virou uma questão de ordem pública. Para médicos, professores,
funcionários de bancos, a capacidade de compra de seus salários ou rendas ficou muito
deteriorada. O Frankfurter Zeitung apontava que os preços tinham se multiplicado por 139
desde a guerra. Em julho de 1922, o índice de preços dos alimentos pulou 50% só em um mês.
33
O jornal comunista Rote Fahne afirmava que «o mínimo de subsistência para uma família de
quatro membros» se havia incrementado no país em 86 vezes desde 1914, enquanto os
salários só se incrementaram 34 vezes. Um ovo, que custava 4 pfennigs, valia 7,2 marcos, 180
vezes mais.
Havia uma forte demanda de câmbio estrangeiro por parte dos que possuíam reservas em
marcos‐papel. Os saldos em marcos das firmas industriais, e mesmo de pessoas físicas, eram
convertidos em ações e em câmbio estrangeiro. Uma quantidade considerável de câmbio
estrangeiro era, portanto, continuamente retirada do mercado e se transformava em um
investimento mais ou menos permanente. Em certas ocasiões, como em outubro de 1921,
julho e agosto de 1922 e em janeiro de 1923, após a ocupação do Rühr, a compra de câmbio
estrangeiro pelo público “assumiu proporções de um fenômeno patológico”, segundo
Bresciani‐Turroni, provocando a rápida queda do marco.
À medida que progredia a desvalorização, o marco tornava‐se continuamente mais
inadequado para a função de meio circulante; para esse fim o câmbio estrangeiro tomou o
lugar da moeda alemã. Desse modo, moedas estrangeiras se infiltraram permanentemente
nos canais de circulação interna. Era a “morte da moeda”: o marco‐ouro valia 46 marcos‐papel
em janeiro de 1922, 84.000 em julho de 1923, 24 milhões em setembro, 6 bilhões em outubro,
até atingir... um trilhão!, em dezembro de 1923. A continuidade da desvalorização era
matematicamente impossível.
A desvalorização estimulou uma crescente especulação no câmbio estrangeiro. A compra de
moeda estrangeira era um método freqüentemente usado pelo comércio para diminuir os
riscos que surgiam das flutuações do câmbio. Os comerciantes que vendiam bens para entrega
futura com pagamento em marcos‐papel se protegiam contra o risco da futura desvalorização
do marco através da compra, na época da conclusão do contrato, de uma quantidade
correspondente de moeda estrangeira. O cálculo de preços em moeda estrangeira se tornou
comum na segunda metade de 1922 como uma proteção contra os riscos da desvalorização do
marco, e resultou em uma acentuada elevação na demanda de moeda estrangeira, porque os
comerciantes que assumiam as obrigações de pagar uma soma em marcos‐papel, que variava
de acordo com a taxa de câmbio do dia de pagamento, tinham que se proteger contra perdas
eventuais, comprando câmbio estrangeiro.
Tropas francesas e belgas ocuparam a região do Rühr, quando Alemanha deixou de pagar as
parcelas da indenização de guerra. A hiperinflação em si, por isso, é tida como iniciada em
1923, quando o governo alemão tentou estabilizar a taxa de câmbio no momento da ocupação
da região do Rühr. Essa ocupação foi resultado da decisão do governo alemão de suspender os
pagamentos de reparação impostos pelo Tratado de Versalhes. Esses pagamentos eram
referentes ao ano de 1921; em janeiro de 1922 foram normalmente realizados, mas, em junho
do mesmo ano, foram suspensos. A ocupação da região do Rühr foi uma retaliação por essa
suspensão.
O governo alemão decidiu imprimir dinheiro para pagar os salários dos trabalhadores alemães
do Rühr que faziam greve contra a ocupação francesa. O ritmo da inflação chegou a ser da
ordem de 50% ao dia. Nesse ambiente conturbado, Hitler tentou um golpe malogrado em
Munique, como chefe do pequeno Partido Nacional‐Socialista (NSDAP), e também os
comunistas (KPD) fizeram uma tentativa frustrada de tomar o poder. Entre 1920 e o final de
1923, a inflação disparou, até se transformar em uma hiperinflação desconhecida em qualquer
experiência econômica precedente.
O processo hiper‐inflacionário antecedeu a ocupação do Rühr, em inícios de 1923. Em 1923, a
bacia do Rühr proporcionava 85% do carvão da Alemanha, 80% de seu aço e ferro. Seu
comercio de mercadorias e minerais representava 70% do total do país, apesar de só contar
com 10% de seus habitantes. O marco era cotado a 35.000 por libra esterlina no Natal de 1922,
34
o dia prévio da invasão foi para 48.000, no final de janeiro de 1923 chegou a... 227.500!
(50.000 marcos por dólar). Foi quando o Reichsbank pôs em circulação sua primeira nota de
100.000 marcos (com poder de compra equivalente a... 2 dólares). Segundo Adam Ferguson,
“talvez, enquanto discutiam seu formato e desenho, seu valor se reduzira para um décimo ou
menos e, sem dúvida, nos depósitos do Banco Central já estariam sendo fabricadas as notas de
um milhão de marcos postas para circular três semanas depois”.
Em 1923 a inflação alemã explodiu de modo inédito para os padrões históricos e mundiais, até
que, em 27 de novembro de 1923, os preços internos eram 1.422.900.000.000 vezes
superiores aos do período anterior à guerra. Foi, segundo Galbraith, a “inflação suprema”. Na
fase de estabilidade momentânea em 1921, o marco estava a aproximadamente 81 por dólar.
Em meados de 1922, tinha caído a 670. Na primavera de 1923, uma comissão de Reichstag foi
constituída para examinar as razões pelas quais o marco tinha caído a 30.000 por dólar.
Quando a comissão finalmente reuniu‐se em 18 de junho, o marco já estava a 152.000 por
dólar, em julho foi a um milhão. A partir daí, o declínio foi rápido. Homens e mulheres corriam
para gastar seus salários, se possível minutos após recebê‐los. Notas eram transportadas às
lojas em carrinhos de mão ou de bebê. Recorreu‐se a virtualmente todas as prensas que
fossem capazes de imprimir dinheiro. As notas eram produzidas sem parar. Ocasionalmente, o
comércio até parava quando as impressoras se atrasavam na produção de novas notas de
denominações suficientemente grandes para que o volume de papel exigido para o alimento
do dia pudesse ser carregado.
O Reichsbank continuou imprimindo mais moeda, mas a um ritmo menor que a elevação dos
preços. Os empresários começaram a abandonar suas ocupações habituais para fazer
especulações no mercado de bens, especulando sobre os preços de todo produto que
pudessem. O processo atingiu seu ponto culminante em novembro de 1923, quando a inflação
assumiu proporções dramáticas (um dólar chegou a valer 12 trilhões de marcos, no mercado
livre). Cada bem e serviço estava custando trilhões de marcos. O dólar americano estava
cotado oficialmente a 4,2 trilhões de marcos, e o penny (moeda de um cent) americano
custava 42 bilhões de marcos.
Índice de preços por atacado
Julho 1914 1,0
Janeiro 1919 2,6
Julho 1919 3,4
Janeiro 1920 12,6
Janeiro 1921 14,4
Julho 1921 14,3
Janeiro 1922 36,7
Julho 1922 100,6
Janeiro 1923 2,785.0
Julho 1923 194,000.0
Novembro 1923 726,000,000,000.0
O período de 1920‐1924 foi caracterizado por Hjalmar Schacht, nas suas memórias, como a
“era da inflação”: “Bloqueio da entrada de alimentos do país, entrega de bens a potências
estrangeiras, inexistência de direitos políticos, revolução social, enriquecimento repentino de
figuras obscuras. Perda substancial das classes até então abastadas, empobrecimento das
pequenas, médias e altas burguesias. Corrupção entre políticos e funcionários públicos,
negociatas políticas entre os partidos, as Forças Armadas e os ministérios. Mortalidade infantil
35
crescente, criminalidade crescente, jovens deformados por causa do raquitismo, morte
prematura dos idosos. Tudo isso e muito mais está contido nas palavras “era da inflação””.
No final de 1923, vinte bilhões de notas de marcos estavam em circulação no uso diário. O
índice de inflação anual chegou a 182 bilhões por cento. Os preços estavam, em média, 1,26
trilhões de vezes mais altos do que em 1913. Ao desencorajar a poupança e encorajar o
consumo, a inflação acelerada tinha estimulado a produção e o emprego até o último
trimestre de 1922. O marco depreciado, como vimos, havia estimulado as exportações alemãs.
Mas o colapso de 1923 fez com que a produção industrial caísse à metade do seu nível de
1913. O desemprego disparou.
A Rota da Hiperinflação
A inflação fora internacional no fim da guerra, principalmente nos países europeus derrotados.
Ela foi controlada por países como os EUA, enquanto a Alemanha despencou para a
hiperinflação, com índices de 2300% já em 1921, o mesmo ano em que os EUA padeciam de
deflação. A inflação retardou a crise por algum tempo, porém acabou por acentuá‐la,
causando o desemprego de milhões de pessoas. Primeiramente a inflação estimulou a
produção por causa da divergência entre os valores internos e externos do marco, porém mais
tarde exerceu uma influência cada vez mais desvantajosa, desorganizando a produção. Acabou
com o ato de poupar; tornou a reforma do orçamento nacional impossível por anos; impediu
de fato a solução da questão das reparações.
Segundo Maurice Niveau, a hiperinflação alemã desenvolveu‐se em dois tempos: no primeiro
lugar, a alta da cotação das divisas (baixa do câmbio) foi é mais rápida que a elevação dos
preços; no segundo, a elevação dos preços levou a melhor sobre o câmbio, mas as moedas
estrangeiras (libra, dólar, franco) já substituíam o marco como meio de pagamento interno. No
decorrer desse período, e até o princípio de 1923, a produção alemã aumentou. A partir do
mês de março de 1923, o governo alemão pôs em prática diversos meios de estabilização.
A situação alemã era caracterizada por alta desvalorização da moeda, alto endividamento
interno e externo, e alta emissão monetária para financiar a expansão do crédito para gastos
privados. Uma porcentagem crescente da dívida do governo, originada na Grande Guerra, foi
parar nos cofres do Banco Central, e um montante equivalente de papel‐moeda, impresso sem
qualquer lastro, acabou como dinheiro vivo de posse do público. Ou seja, o Banco Central
estava monetizando a crescente dívida do governo. O marco alemão, neste período, em
comparação ao dólar americano e a libra inglesa, sofreu com políticas que injetaram na
economia nada menos que 496,5 quintilhões de marcos. Cada bem e serviço ficou
hiperinflacionado. O dinheiro na Alemanha foi perdendo seu poder de compra; segundo Adam
Ferguson, “morreu”.
36
Os responsáveis políticos visíveis pela situação eram os partidos políticos alemães que se
revezavam no governo, o Partido Socialista (SDP), o Partido Católico de Centro (Zentrum), os
Democratas, que formaram várias coalizões governamentais. Alguns economistas faziam
esforços para mostrar que não havia inflação monetária nem inflação de crédito na Alemanha.
Verificaram só que houve um grande despejo de papel‐moeda na economia. Argumentavam
que os produtos de bens e serviços perderam seu valor em relação ao ouro, em comparação
aos mesmos preços dos bens e serviços antes da guerra praticados por outros países
industriais. Os preços mostraram uma tendência equivalente às variações do dólar, seguindo
as flutuações cambiais.
Recapitulemos: entre a deflagração da Primeira Guerra Mundial até o armistício, a
desvalorização do marco alemão fora relativamente lenta. Em outubro de 1918 um marco
ouro valia 1,57 marco de papel moeda. Neste período a dívida flutuante do Reich se elevou,
passando de 300 milhões em julho de 1914 para 55,2 bilhões em dezembro de 1918. No
período seguinte, de novembro de 1918 a julho de 1919, a desvalorização do marco aumentou
aceleradamente. A tendência começou a se fazer sentir na taxa do dólar e nos preços dos bens
importados mais rapidamente que nos preços internos. Em fevereiro de 1920, a taxa do dólar
era 23,6 vezes a taxa da paridade anterior. De agosto desse ano em diante os preços os preços
dos bens importados sofreram um aumento acelerado, que elevou o índice para 40,63 em
fevereiro; nesse ínterim o número índice dos bens internos se elevou para 12,10 (1913 = 1).
Em maio de 1921 a taxa do dólar ainda estava abaixo do nível alcançado em fevereiro de 1920.
Os preços dos bens importados diminuíram consideravelmente. Porém houve um acentuado
aumento da dívida flutuante e, conseqüentemente, da moeda em circulação. Os fenômenos
expostos aconteceram entre 1921 e 1922. A elevação mais rápida ocorreu na taxa do dólar e
no preço dos bens importados.
Em seguida vieram os preços internos e no atacado. A partir de fevereiro de 1922 tais preços
mostraram uma tendência de se adaptar ao dólar de modo muito mais rápido que no período
anterior. Após abril de 1923, a taxa do dólar mais uma vez subiu rapidamente, deixando para
trás os números‐índices dos preços internos e do custo de vida. No decorrer desse período, a
dívida flutuante e a circulação da moeda mostraram um aumento contínuo, como também no
período em que houve instabilidade da taxa do dólar. Mas durante o ano todo, a circulação da
moeda aumentos menos do que os preços. Nos meses que precederam à reforma monetária,
a desvalorização do marco foi tão rápida que seria necessário marcar as representações
gráficas em uma escala logarítmica. O uso dessas representações gráficas, que anteriormente
eram usadas apenas em manuais de estatística e consideradas quase uma curiosidade, deve‐se
à desvalorização do marco em 1923.
Nota de 100 milhões de marcos em 1923
Em meados de 1923 os empregados eram pagos três vezes por dia. Suas esposas esperavam às
portas da empresa os pagamentos para usar o dinheiro instantaneamente. As lojas ficavam
vazias. Um pedaço de pão chegou a custar quinhentos bilhões de marcos. Nos portões das
fábricas, os operários entregavam de imediato às suas mulheres o dinheiro que recebiam
ainda no transcurso do dia, para que ele não perdesse todo seu valor até o fim do expediente.
A falta de materiais para impressão de notas era grande e utilizava‐se todo o tipo de sobras;
37
cartas de baralho, cédulas antigas, bilhetes de loteria, formulários etc. serviram para a
manufatura de cédulas. Havia uma alta rejeição do papel moeda, fazendeiros e outros
produtores rejeitavam o marco. Trabalhadores urbanos invadiam então as fazendas para
escavar a terra em busca de alimentos. As pessoas de classe média que dependiam de
qualquer tipo de renda fixa se viram desamparados, vendiam mobiliário, vestuário, jóias e
obras de arte para comprar comida. Em outubro de 1923, apenas 0,8% das despesas do
governo eram cobertas por receitas de impostos.
Às compras...
Sennholz acerta ao situar uma origem política (a revolução... pela metade) na transformação
da inflação em hiperinflação: “As demandas sobre o Tesouro já eram extremamente intensas
por causa dos gastos com a desmobilização militar, das exigências do Armistício, das desordens
oriundas da revolução e dos atordoantes déficits das indústrias que foram nacionalizadas,
principalmente as ferrovias, os serviços postais, a telefonia e os telégrafos. A administração
pública conduzida pelos novos homens alçados ao poder pela revolução era, todavia,
extravagante, uma vez que os recursos disponibilizados pela possibilidade de se criar dinheiro
eram aparentemente ilimitados. Foram apresentadas algumas medidas para a nacionalização
de certas indústrias (por exemplo, as de carvão, elétrica e potassa), mas não tiveram sucesso
em virar lei. A jornada diária de oito horas foi promulgada, e os sindicatos ganharam várias
imunidades e privilégios jurídicos”.
Niall Ferguson também aponta os compromissos do Estado com o movimento operário pela
emissão desenfreada que levou a hiperinflação (mas esquecendo de apontar que a
hiperinflação foi, exatamente, o meio para destruir conquistas sociais que, além de recortarem
os lucros do capital, no momento não podiam ser destruídas), responsabilizando “as raízes
políticas domésticas da crise monetária. O sistema de impostos da República de Weimar era
frágil, não apenas parque o novo regime não tinha legitimidade entre os grupos de maior
renda, que não queriam pagar os impostos. Ao mesmo tempo, o dinheiro público era gasto de
maneira irresponsável, sobretudo nos generosos acordos salariais para os sindicatos do setor
público. A combinação de impostos insuficientes e de gasto excessiva criou déficits enormes
de 1919 a 1920 (um excedente de 10% do seu produto interno líquido), antes que os
vencedores [da guerra] tivessem apresentado as contas de suas reparações”. Assim, para
Ferguson, se os empresários roubavam dinheiro público, isto se justificava, porque o regime
“não tinha legitimidade”; já as conquistas salariais eram produto, não da luta sindical e
política, mas da “irresponsabilidade”. A crítica (ideológico/conservadora) do “populismo”
contemporâneo é projetada retroativamente “para a história”: isto não é história, mas
ideologia em estado puro (e com certeza, o pior procedimento histórico).
38
A depreciação (na verdade, destruição) da moeda provocou a destruição de riqueza tributável,
como hipotecas, títulos, anuidades e pensões, o que por sua vez reduziu as receitas do
governo. Alguns especuladores colheram lucros espetaculares com a depreciação, e eles
sabiam como se esquivar facilmente dos impostos.
Os negócios começaram a fechar e o desemprego a elevar‐se de repente. A prostituição (e o
consumo de drogas) conheceu um surto espetacular. Erich Maria Remarque, Prêmio Nobel de
literatura, em O Obelisco Negro, relatou que até os cemitérios foram transformados, à noite,
em vastos motéis, e que a malandragem, a cafetinagem e todo tipo de pequenos expedientes
se generalizaram nas regiões urbanas, diante do desemprego, da perda de valor da moeda,
para garantir a sobrevivência mais elementar de pessoas e famílias (ou, como disse Adam
Ferguson “uma prostituta na família é melhor que um filho morto; roubar é preferível a passar
fome; não passar frio é mais importante que conservar a honra”), a decomposição social
adquiriu formas inimagináveis, não vistas sequer durante o período de guerra.
Helfferich, ministro das Finanças até 1923, garantia repetidamente que não havia inflação na
Alemanha (!), uma vez que o valor total da moeda em circulação, quando mensurado em ouro,
estava coberto pelas reservas de ouro no Reichsbank a uma razão maior do que antes da
guerra. O presidente do Reichsbank, Havenstein, negava categoricamente que o banco central
houvesse inflado a moeda alemã. Ele estava convencido de que o Banco Central havia seguido
uma política restritiva, pois seu portfolio valia, em marcos redimíveis em ouro, menos da
metade de seus haveres de 1913.
VALOR EM OURO DO DINHEIRO EM CIRCULAÇÃO (marcos por pessoa)
1920 1922
Alemanha 87,63 17,92
Inglaterra 84,40 110,73
França 180,05 229,90
Suíça 89,49 103,33
EUA 101,35 97,66
Para muitos homens de negócio a hiperinflação limpou seus débitos. Souberam inclusive
lucrar, especulando na troca com moeda estrangeira, convertendo dinheiro em bens, pedindo
dinheiro aos bancos e usando‐o para comprar estoques baratos. Seus custos com salários em
valor real diminuíram, inchando seus lucros. Em outubro de 1923, 1% da renda do governo
veio dos impostos e 99% da criação de dinheiro (“senhoriagem”). A velocidade da inflação era
tão grande que superava a velocidade de impressão de papel moeda. A produção de marcos
chegou a 500.000 trilhões por dia. A hiperinflação inchou alguns negócios: em 1913 havia
100.000 trabalhadores bancários, em 1923, 375.000.
Schacht reforçou que: “Como em todas as questões econômicas, especialmente em questão
de dinheiro, as pessoas instruídas entendem o processo de desvalorização mais rapidamente
do que a grande massa inexperiente. Quem percebeu a inflação a tempo pode proteger‐se
contra as perdas do papel‐moeda, comprando mais rapidamente possíveis bens quaisquer,
que, ao contrario do papel‐moeda em desvalorização, mantivessem seu valor como casas,
39
terra, produtos, matérias primas e outras mercadorias. A fuga para os bens possibilitou não
apenas as pessoas abastadas, mais em particular, também aqueles negociantes
inescrupulosos, salvarem suas fortunas e possivelmente aumentá‐las. As conseqüências dessa
luta para enriquecer e manter a fortuna, explorando a ignorância da grande massa, foi o
envenenamento moral de todos os negócios. A poupança em dinheiro deixou de existir.
Inquietação imensa e amargura crescente tomavam conta dos operários, dos funcionários e
aposentados, que não podiam mais pagar o sustento diário. Diversos empresários passaram a
pagar seus trabalhadores com mantimentos”.
Julius Wolf, economista, escrevendo no verão de 1922, disse: "Em proporção à necessidade, há
menos dinheiro circulando agora na Alemanha do que antes da guerra. Essa declaração pode
causar surpresa, mas é correta. A circulação é agora de 15‐20 vezes aquela dos dias anteriores
à guerra, enquanto que os preços subiram 40‐50 vezes". Elster assegurou que “por mais
enorme que possa ser o aparente aumento na circulação em 1922, na realidade os números
mostram um declínio". Em inicio de 1923, o governo alemão verificou uma grande escassez de
moeda. Sem moeda em circulação o marco alemão estava perdendo cada vez mais seu poder
de compra, aumentando assim a inflação de marcos no exterior. Nesse momento, as
autoridades responsáveis pela economia do país simplesmente se eximiram da
responsabilidade do desastre, retirando todos os limites à emissão do papel‐moeda. No
declínio do marco, outras moedas, mais estáveis, atuavam como moeda de reserva.
A destruição da moeda alemã foi marcada pela disseminação de moedas estrangeiras
“estáveis”. O marco ouro já não era reserva de valor, nem unidade de conta, e agora, perdia
mais uma função, a de meio de pagamento. Em 1923, houve colapso monetário em janeiro,
uma leve estabilização entre fevereiro e março e, logo depois, outro colapso, em decorrência
das enormes perdas de reservas para o controle da taxa e câmbio. Daí em diante, os preços
não possuíram mais estabilidade nenhuma, mudavam mais de uma vez ao dia. A solução foi,
em primeiro lugar, política: a busca da reconstrução da autoridade do Estado, ameaçado pelas
“revoluções internas”, e a aprovação de leis que driblavam a constituição, em nome da “defesa
da economia nacional alemã”: foram emitidos títulos da dívida do governo, aceitos como
moeda corrente, com promessa do governo de resgate desses títulos em ouro; e aumento da
tributação para que as dificuldades fiscais fossem resolvidas.
O processo propriamente de hiperinflação iniciou‐se nos primeiros meses de 1923, após o
governo alemão tentar estabilizar a taxa de câmbio durante o período de ocupação da região
de Rühr. Em seguida ao colapso em janeiro, durante a ocupação, a taxa recuperou‐se e ficou
estabilizada entre meados de fevereiro e meados de abril. A inflação, que tinha apresentado
taxas de 28% e 29% nos meses de dezembro e janeiro, cresceu até atingir 111% durante o mês
de fevereiro. Após iniciar‐se o processo de estabilização da taxa de câmbio, houve uma
deflação de 17% em março e uma inflação de 7% durante o mês de abril. Logo depois, a
sustentação foi abandonada devido a enormes perdas de reservas, e a inflação voltou a
crescer.
A hiperinflação atingiu vários países da Europa Oriental—Tchecoslováquia, Hungria, Áustria e
Polônia, alguns estados novos, surgidos do desmantelamento do Império Austro Húngaro, e
todos sob a influência do marco alemão. Na Alemanha, em janeiro e fevereiro de 1923, tanto
os preços quanto a taxa de câmbio em relação ao dólar tinham dobrado, embora em março e
abril tenha havido um leve equilíbrio, ocasião em que os preços baixaram e a moeda valorizou‐
se. O fato pode ser explicado pela intervenção do Reichsbank no mercado de câmbio. Houve
uma aceleração da inflação e da desvalorização em meados de maio; durante o resto do ano a
economia alemã deteriorou‐se, quando as taxas de inflação alcançaram o valor de
aproximadamente 30.000% ao mês, ou pouco acima de 20% ao dia. O nível de preços dobrava
em menos de quatro dias.
40
Decomposição Econômica, Política e Social
Nos momentos mais dramáticos da hiperinflação, as pessoas compravam duas garrafas de
cerveja de cada vez porque o seu preço poderia subir antes que ela viesse a descongelar‐se.
Preferia‐se andar de táxi ao invés de ônibus, pois no táxi a corrida era paga ao final da viagem.
As firmas pagavam a seus funcionários utilizando‐se de caminhões de transporte de mobília.
Muitas gráficas faziam emissões de papel moeda para o governo em regime de tempo integral
para atender à demanda.
Em julho, a taxa de inflação, ao dia, era de 3,5%, tendo aumentado para 6,5% em agosto e
11,2% em setembro, atingindo uma taxa média de 20,9% em novembro. Neste estagio final os
preços e as taxas de câmbio tornaram‐se altamente correlacionados e, por isso, relatórios
semanais sobre os preços por atacado ou sobre o custo de vida estavam defasados em relação
aos acontecimentos em curso. A prática de cotar os preços em moeda estrangeira foi, segundo
alguns, o elemento fundamental para o avanço em direção à hiperinflação. Entre setembro e
novembro os preços mudavam mais de uma vez por dia.
Todos os hábitos da prudência e urbanidade burguesas do passado, e os valores a eles
vinculados, foram arrasados pela hiperinflação. Os estrangeiros, acusados de despojar a
Alemanha. Dois preços existiam para produtos idênticos: um, bem em evidência, dirigido aos
estrangeiros; outro, dissimulado, reservado aos alemães. Na Baviera, onde as tendências
xenófobas eram muito fortes, os preços eram sistematicamente aumentados em 50% para os
estrangeiros.
Hiperinflação: nota de quinhentos milhões de marcos
Os mais atingidos pela inflação foram os possuidores de pequenos rendimentos e os
aposentados: eles foram forçados, com mais de sessenta anos, a encontrar expedientes para
não sucumbir à miséria. Uns vendiam tudo: jóias, quadros ou móveis. Outros alugavam ou
sublocavam uma parte do seu apartamento. Os mais desprovidos esperavam a morte ou se
antecipavam a ela.
Nas suas Memórias, Ernst Noth relatou que seu avô, a fim de permitir‐lhe mais tarde realizar
seus estudos, acumulara dinheiro toda a sua vida. Após sua morte, Noth recebeu 8.000 marcos
como herança, depositados num banco. Em 1923, seus pais apressaram‐se em retirar o
dinheiro, para que não perdesse todo o seu valor. Mas ele só deu para comprar um pão, 500
gramas de margarina e 60 gramas de café...27
27
Eric Hobsbawm relatou que seu avô, cuja apólice de seguro venceu durante a inflação austríaca (paralela à alemã),
gostava de contar a história de que sacou essa grande soma em moeda desvalorizada e descobriu que ela dava apenas
para tomar um drinque em seu café favorito.
41
O ano de 1923 desorganizou toda a vida econômica. A fonte que criou os estímulos à
produção, isto é, a poupança forçada, havia secado inteiramente quando, em um estagio
avançado, o ajuste dos salários à desvalorização do marco era feito cada vez com mais rapidez.
Ao mesmo tempo a poupança voluntária diminuiu rapidamente. Todo mundo preferia gastar
assim que recebesse o dinheiro. A troca substituiu outros procedimentos comerciais. Um
trabalhador que levou um carrinho de mão cheio de papel‐moeda para a loja com o intuito de
comprar um pão. Ele estacionou o carrinho na rua (afinal de contas, quem se aborreceria
roubando aquilo?) e entrou para ver o tipo de pão estava disponível. Quando ele saiu, ele
achou o dinheiro largado no chão, mas o seu carrinho de mão havia sido roubado.
Devido ao aumento continuo das despesas gerais, a diminuição da intensidade do trabalho e o
aumento dos riscos, o custo de produção e, com isso, os preços, cresceram rapidamente.
Numa época de rápida desvalorização monetária, as casas comerciais tinham que fazer
grandes esforços para conservar seu capital de giro. O empresário se protegia forçando seus
clientes a pagarem em moeda estrangeira ou em quantidades em marcos papel que eram
computados à taxa do dia, que o empresário poderia converter em moeda estrangeira. O
varejista tentava se proteger fixando um preço básico em marcos ouro ou dólar, que ele
convertia em marcos papel à taxa diária.
Em 1º de novembro de 1923 a taxa oficial do dólar no câmbio de Berlim era de 130 bilhões de
marcos em papel‐moeda. Essa taxa tinha de ser usada como base para as vendas que seriam
efetuadas nas 24 horas seguintes à sua fixação. Na tarde do mesmo dia os lojistas tiveram a
surpresa de verificar que a taxa do dólar havia aumentado para 320 bilhões. O papel‐moeda
que haviam recebido na parte da manhã tinha perdido 60% de seu valor. O atacadista teve,
portanto, de aumentar seu preço básico. A conseqüência foi a interrupção das vendas. Os
estabelecimentos comerciais e as grandes lojas ficaram desertos. As demissões se
multiplicaram.
A ocupação de Rühr, e a conseqüente “Resistência Passiva”, agravaram a crise econômica que
ocorreu na Alemanha na segunda metade de 1923; mas não foram as únicas nem as principais
causas dessa crise. Em certo período a ocupação de Rühr deu até estimulo às indústrias nos
territórios não‐ocupados.
A hiperinflação desorganizou a base econômica da sociedade alemã, com uma drástica queda
em suas vendas, ritmo decrescente da produção, altos níveis de desemprego. Apesar de todos
esses indicadores, o Reichsbank se mantinha passivo. As taxas postais relativas ao período
mostram a dramaticidade da situação inflacionária. Para se ter uma idéia dos valores
envolvidos, eis um resumo das mudanças nos portes para envio de cartas simples internas:
42
• Data Valor da Taxa em Marcos
1 de abr 1921 0,60
1 de Jan 1922 2,00
1 de Jul 1922 3,00
1 de out 1922 6,00
15 Nov 1922 12,00
15 Dez 1922 25,00
15 Jan 1923 50,00
1 Abr 1923 100,00
1 Jul 1923 300,00
1 Ago 1923 1.000,00
24 Ago 1923 20.000,00
1 Set 1923 75.000,00
20 Set 1923 250.000,00
1 Out 1923 2.000.000,00
10 Out 1923 5.000.000,00
20 Out 1923 10.000.000,00
1 Nov 1923 100.000.000,00
5 Nov 1923 1.000.000.000,00
12 Nov 1923 10.000.000.000,00
20 Nov 1923 20.000.000.000,00
26 Nov 1923 80.000.000.000,00
1 Dez 1923 100.000.000.000,00 ou 0.10 marcos novos
Schacht lembrou: “No verão de 1923, a miséria da inflação alemã atingiu seu auge. Cinco anos
após o termino da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha se contorcia sob uma febre que
ameaçava consumir suas últimas forças. Por toda a parte na Saxônia, Turíngia e Baviera
inflamavam‐se tumultos. No sul, Hitler fazia agitações. O governo comunista/social‐democrata
de Zeigner, na Saxônia, deu rédea solta ao terror vermelho. Em Hamburgo aconteceram lutas
furiosas nas ruas durante dias, tendo sido mortos quinze policiais e 65 civis. “o país
arrebentava em todas as suas fendas”, escreveu um observador. A inflação levava todos ao
desespero. O perigo de uma revolução era ameaçador”.
Segundo Sennholz, a elevação do poder de compra da moeda leva as pessoas a aumentar o
valor de troca do dinheiro. A sociedade, percebendo a alteração do poder de compra do
dinheiro, deixa de poupar e passa a consumir. Os preços dos bens tendiam a subir mais
rapidamente do que a depreciação do valor do dinheiro. Se a poupança das pessoas declinasse
mais rapidamente do que a taxa de impressão monetária, o valor do estoque total do dinheiro
também se depreciaria mais rápido do que essa taxa.Para o autor, isso não teria sido
compreendido pelas autoridades monetárias. Com a mudança de regime político, foram
grandes os gastos do governo alemão, logo após a guerra, para áreas como a saúde, educação
e assistencialismo. As reservas do Tesouro estavam apertadas devido aos gastos com a
desmobilização militar, aos déficits das indústrias, à nacionalização das ferrovias, dos correios
e da telefonia.
Correspondência para os EUA (12 de outubro de 1923): 15 milhões de marcos pagavam a taxa fixada a partir de 10 de outubro
43
Os novos “homens do poder” pareciam conduzir a administração pública acreditando que os
recursos disponibilizados pela possibilidade de se criar dinheiro eram ilimitados. Enquanto os
gastos do governo cresciam descontroladamente, as receitas foram sofrendo um declínio
gradual até que, em outubro de 1923, apenas 0,8% das despesas do governo eram cobertas
por receitas de impostos (para o período 1914‐1923, no total, apenas 15% das despesas eram
cobertas por esse meio). Na fase final da inflação, o governo padeceu de uma completa atrofia
do sistema fiscal. Com a depreciação da moeda houve uma destruição na receita do governo
alemão, sua arrecadação através dos tributos caiu drasticamente, aniquilando hipotecas,
títulos, anuidades e pensões. Em contrapartida da diminuição das arrecadações do governo,
especuladores tiveram lucros espetaculares com a depreciação, se esquivando facilmente dos
tributos impostos pelo governo.
O governo criou políticas fiscais que impunham impostos que recaiam diretamente sobre toda
a riqueza. Esse fato provocou uma maciça fuga de capital da Alemanha, fazendo com que os
capitalistas passassem a não mais investir no país, preferindo investir seu dinheiro em contas
bancárias no exterior, bem como em moedas e papéis estrangeiros. Essa rápida desvalorização
do marco alemão acarretou um processo de enorme redução dos passivos fiscais. A população
economicamente ativa da Alemanha pagava tributos cujo valor real era rapidamente reduzido
pela inflação. Os gastos do governo eram cada vez maiores que suas receitas, que estavam
caindo rapidamente. A produção industrial caiu na Alemanha, em 1923, um 35%!
Os déficits eram crescentes, e passaram a ser cobertos com quantidades cada vez maiores de
dinheiro impresso, aumentado assim o déficit, deixando as autoridades monetárias da
Alemanha, num ciclo vicioso, sem perspectiva de resolução. Segundo Sennholz, o que explica a
constante depreciação monetária, durante todo o período da inflação, foi uma balança de
pagamento desfavorável, cujo culpado, por sua vez, era o pagamento de reparações e outros
ônus impostos pelo Tratado de Versalhes. Os déficits do governo e a inflação do papel‐moeda
não seriam as causas, mas as conseqüências da depreciação do marco alemão no exterior.
Para o economista, e ex ministro alemão, Helfferich, um dos principais responsáveis do
governo durante o período hiper‐inflacionário: "A inflação e o colapso do câmbio são filhos dos
mesmos pais: a impossibilidade de se pagar os tributos impostos sobre nós. O problema de se
restaurar a circulação não é um problema técnico ou bancário; é, em última análise, o
problema do equilíbrio entre os encargos e a capacidade de a economia alemã suportar esses
encargos”. Mesmo os economistas americanos fizeram eco à teoria alemã. Williams
apresentou a seguinte ordem causal: "Pagamentos de reparação, taxa de câmbio em
depreciação contínua, aumento dos preços de importação e exportação, aumento dos preços
domésticos, déficits orçamentários seguidos e, ao mesmo tempo, um aumento na demanda
por crédito bancário; e finalmente um aumento na emissão de papel‐moeda".
Os países estrangeiros passaram a oferecer gratuitamente matérias‐primas e comestíveis.
Instituições financeiras e investidores particulares adquiriram mais de 60 bilhões em cédulas
de marco, colocados a venda pelo Reichsbank. Uma cédula de um marco valia 0,25 de uma
cédula de marco‐ouro. Mas, com a grande depreciação do marco alemão, os estrangeiros
sofreram perdas de aproximadamente 15 bilhões de marcos ouro, algo como $3,5 bilhões de
dólares americanos, quantia expressiva quando comparada ao que Alemanha havia pagado em
moedas estrangeiras por conta de reparações.
O governo passou a ter superávit orçamentário, podendo com isso proporcionar o pagamento
das reparações. O governo efetua a compra do seu próprio Banco Central, a quantia necessária
de ouro ou de moeda estrangeira e repassa para a instituição de destino. A correção das
perdas de ouro ou de moeda estrangeira será contrabalanceada com a redução da emissão de
papel‐moeda, mantendo a paridade do padrão ouro, o que por sua vez tende a abater os
preços dos bens. Com um preço menor dos bens, a um estimulo nas exportações ao mesmo
44
tempo em que desestimula importações, gerando, um balanço de pagamento favorável. Com
um novo estimulo de ouro e moeda estrangeira, o banco central retrai a depreciação da
moeda, diminuindo a escassez de ouro ou de moeda estrangeira.
Segundo Sennholz, a causa fundamental do desarranjo do sistema monetário alemão foi o
desequilíbrio do balanço de pagamentos. A desordem das finanças nacionais e a inflação foram
conseqüências da depreciação da moeda, o que desordenou o equilíbrio do orçamento e
tornou o desastre inevitável. O governo considerava os especuladores como uma doença que
havia impregnado a economia, causando a inflação e a destruição da moeda nacional. Essas
eram as tentativas de justificar o fracasso das políticas adotadas no período da crise.
Dinheiro jogado na rua, varrido por gari municipal
Não obstante, o governo que tinha negado a existência de qualquer inflação reforçou a
depreciação causada pelos especuladores, quando não culpava os aliados pelas retaliações na
economia através das reparações impostas. Havenstein, presidente do Reichsbank, abraçando
toda teoria que pudesse isentar de culpa suas políticas, também culpou os especuladores.
Perante uma comissão parlamentar, ele deu seu testemunho: "No dia 28 de março começou o
ataque contra o mercado de câmbio. Em várias classes da economia alemã, daquele dia em
diante, a idéia era visar apenas o interesse pessoal e não as necessidades do país".
O movimento básico dos especuladores é antecipar a inflação e a depreciação da moeda, com
isso antecipam a sua venda, substituindo‐a por moedas estrangeiras ou bens que não vão
sofrer depreciação. Esse movimento é conduzido para preservar seu capital. Os especuladores
que trocaram seu capital em marco alemão para dólar conseguiram proteger seu capital,
atrelando seu patrimônio a uma moeda estável.
O Fracasso Insurrecional de 1923
Com a hiperinflação, uma situação revolucionária desenvolveu‐se na Alemanha. O clima de
polarização e violência política vinha se acentuando desde 1922, quando, a 24 de junho, fora
assassinado, por bandos de direita, o ex ministro e banqueiro Walther Rathenau, provocando
uma passeata de 200 mil pessoas. O controle do Estado sobre as organizações paramilitares
(de direita ou esquerda) continuava quase nulo. Em 1923, o Partido Comunista Alemão (KPD),
em estreita colaboração com a Internacional Comunista, preparou uma insurreição e cancelou‐
a no último minuto. Trotsky, depois, referiu‐se ao fato como "um clássico exemplo de como é
possível perder uma situação revolucionária excepcional de importância histórica e mundial".
A ocupação pelas tropas francesas e belgas do Rühr reacendera a crise social e política. O
governo francês justificou a ocupação militar do centro da indústria alemã de aço e carvão
declarando que a Alemanha não havia cumprido com suas obrigações de pagar as reparações
de guerra. O governo alemão — um regime de direita liderado por Wilhelm Cuno e tolerado
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pelo SPD— reagiu chamando a “resistência pacífica”. Na prática, isso significou o boicote das
forças de ocupação pelas as autoridades locais e as companhias do Rühr. O governo continuou
a pagar os salários da administração local e ofereceu subsídios aos barões do carvão e do aço
para compensar suas perdas. O resultado desses enormes gastos e da ausência de carvão e aço
do Rühr, produtos de extrema necessidade, foi o colapso completo da moeda alemã. O marco,
já altamente inflado, era negociado a 21.000 por dólar no início do ano. Ao final do ano,
quando a inflação alcançou seu ápice, a taxa de câmbio chegou a quase 6 trilhões de marcos
por dólar — um número com 12 casas decimais.
O impacto social e político da hiperinflação foi explosivo. A sociedade alemã foi polarizada de
forma jamais vista. Para os trabalhadores, a inflação era uma ameaça à vida. Quando recebiam
seus salários ao final da semana, estes mal cobriam o valor do papel sobre o qual as enormes
somas eram impressas. As esposas aguardavam nos portões das fábricas para correrem ao
mercado mais próximo e comprarem algo antes que o dinheiro perdesse seu valor no dia
seguinte.
Por exemplo: um ovo custava 300 marcos no dia 3 de fevereiro. Em 5 de agosto, custava
12.000 marcos e, três dias depois, 30.000 marcos. Mesmo sendo os salários ajustados com a
inflação, o salário médio calculado em dólares caiu 50% em seis meses. Ao mesmo tempo, o
número de desempregados inflava — de menos que 100.000 ao início do ano a 3,5 milhões de
desempregados e 2,3 milhões de trabalhadores em empregos a curto‐prazo ao final do ano.
Mas os trabalhadores, como vimos, não eram os únicos arruinados pela hiperinflação. Aqueles
que viviam em pensões perderam todos os seus meios de subsistência. Aqueles que haviam
economizado um pouco de dinheiro perdiam tudo da noite para o dia. Para sobreviver, muitos
tinham que vender suas casas, jóias e tudo mais que houvessem guardado durante toda a vida,
apenas para descobrirem, no dia seguinte, que o rendimento não valia mais nada.
Para Rosenberg "a expropriação sistemática das classes médias alemãs, não por um governo
socialista, mas por um Estado burguês dedicado à defesa da propriedade privada, foi um dos
maiores roubos da história mundial". Do outro lado do abismo social estava um grupo de
especuladores e aproveitadores que fizeram enorme fortuna com a inflação. Qualquer um que
obtivesse acesso a moedas estrangeiras ou a ouro poderia exportar mercadorias alemãs ao
exterior e colher lucros enormes, devido aos baixos salários.
Rua de Berlim em 1923: o desespero
Com a inflação, e graças a ela, indústrias como Krupp, Thyssen e KIockner, progrediram. As
perdas sofridas pelas empresas vinculadas às altas finanças internacionais foram menores que
seus lucros. A indústria radiofônica alemã (Telefunken, Lorenz e Huth) data dessa época.
Outros empresários, que dispunham de fundos, constituíram fortunas colossais através da
aquisição de bens. O industrial Hugo Stinnes fundou um verdadeiro império, quadruplicando,
em 1923, seus bens, graças a empréstimos bancários, e possuía 4.500 empresas. Tinha
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participação em ramos tão diversos quanto o aço, a imprensa, a hotelaria, os transportes
marítimos, as fábricas de cigarro e a produção do açúcar. Era, dizia‐se, mais rico do que
Rockefeller. Quando morreu, em 1924, os herdeiros não puderam gerir o excesso de bens por
ele legado. Stinnes também foi, nos bastidores, articulador político do Partido Populista, do
chanceler Stresemannn.
A polarização social e a falência das classes médias fez surgir uma aguda polarização política. O
Partido Social‐Democrata Alemão (SPD) perdeu rapidamente tanto membros quanto eleitores
e desintegrou‐se. Desde a derrubada do Kaiser pela Revolução de Novembro de 1918, ele
havia se aliado ao alto comando militar e às forças paramilitares de direita, Freikorps, para
reprimir a revolução proletária e assassinar seus líderes mais destacados. O SPD era o único
partido na Alemanha que defendia a República de Weimer incondicionalmente. Todos os
outros partidos preferiram uma forma mais autoritária de dominação. Friedrich Ebert, líder do
SPD, ocupou o gabinete presidencial até sua morte, em 1925.28
O papel contra‐revolucionário do SPD afastou muitos trabalhadores e levou‐os ao Partido
Comunista Alemão, o KPD. No início de 1923, os sindicatos e camadas de trabalhadores mais
conservadoras ainda apoiavam o SPD. Com o impacto da inflação, isso mudou rapidamente.
Rosenberg, dirigente do KPD em 1923, escreveu: "Durante o ano de 1923, o SPD perdeu forças
de forma constante. Os sindicatos, em especial, que sempre haviam sido o principal pilar de
influência do SPD, estavam em total desintegração. Milhões de trabalhadores alemães não
queriam mais ouvir ou falar das velhas táticas sindicais e abandonaram as associações. A
desintegração dos sindicatos somava‐se à paralisia do SPD".
Enquanto o SPD se desintegrava, os trabalhadores social‐democratas ouviam atentamente o
que os comunistas tinham para dizer. Dentro do SPD desenvolveu‐se uma ala esquerda pronta
para colaborar com o KPD. Governos de coalizão da esquerda do SPD e do KPD foram
formados na Saxônia e Turíngia por um breve período. Enquanto o número de filiados do SPD
diminuía, a influência do KPD crescia. Seus filiados cresceram de 225 mil para 295 mil em um
ano. No Saar, uma região mineira antes dominada pelo catolicismo, o KPD aumentou sua
votação entre 1922 e 1924 de 14.000 a 39.000.
Dentro dos sindicatos, a influência comunista crescia proporcionalmente à custa do SPD.
Quando os delegados do congresso da União dos Trabalhadores Metalúrgicos da Alemanha
foram eleitos em Berlim, o KPD teve muitos mais votos do que o SPD (54.000 contra 22.000).
De acordo com um líder do KPD, em junho o partido tinha 500 seções nos principais sindicatos.
Aproximadamente, 720.000 metalúrgicos apoiavam os comunistas. Hermann Weber
comentou: "O ano de 1923 mostrou uma crescente influência do KPD, que tinha
provavelmente a maioria dos trabalhadores socialistas por detrás".
Mas, em 1923, o KPD era tudo, exceto um partido unificado. Tinha apenas quatro anos de
idade, mas já havia passado por eventos tumultuosos, diversas mudanças na direção, rachas e
fusões, e estava afetado por divisões internas. A ala direita (dirigente do Partido, com Heinrich
Brandler e August Thalheimer) chamava à aliança com o SPD, interpretando a Frente Única
como uma política de alianças parlamentares; a ala esquerda (Ruth Fischer, Arkadi Maslow),
influente em Berlim, Hamburgo, Frankfurt e no Rühr, chamava o SPD de “ala esquerda da
28
Friedrich Ebert (1871‐1925), um dos principais dirigentes social‐democratas da Alemanha, se envolveu em política, ainda
jovem, como sindicalista, e se tornou Secretário Geral do Partido Social Democrata (SPD) em 1905. Depois da I Guerra
Mundial e da queda do Kaiser, ocupou os cargos de Reichskanzler (Chanceler do Império Alemão) de 9 de novembro de
1918 até 11 de fevereiro de 1919, e de Reichspräsident (Presidente da Alemanha) de fevereiro de 1919 até fevereiro de
1925. Foi um dos líderes da República de Weimar. No dia 4 de março de 1925, o Partido Social Democrata da Alemanha
criou a Fundação Friedrich Ebert, batizada com o nome do presidente alemão falecido poucos dias antes. Seu objetivo
seria “promover a consciência democrática e o entendimento entre os povos”. Desde 2000, sua sede está em Berlim. A
fundação conta com parceiros em 76 países, e é uma grande plataforma de cooptação política.
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burguesia”, e propunha (sem sucesso) a formação de “sindicatos vermelhos”, o boicote dos
sindicatos e do parlamento, e a insurreição (mais ou menos) imediata.
A divisão do KPD se projetava ao próprio movimento operário. Em maio de 1923 explodiu uma
greve salarial dos mineiros de Dortmund, com confrontos com a polícia sob o grito “As minas
do Rühr ao proletariado do Rühr!”. No Rühr (e em Dortmund) o KPD era dirigido pela sua ala
esquerda. Ossip K. Flechteim informa que delegados da direção central do KPD foram então às
minas para... tentar pôr fim à greve, enquanto Die Rote Fahne escrevia que “no momento, só
as burguesias alemã e francesa têm interesse em uma luta pelo poder na bacia do Rühr”...
Após a ocupação do Rühr, os conflitos entre a direção majoritária do partido e a oposição de
esquerda emergiram sobre a questão do apoio dado pelo KPD ao governo da ala esquerda do
Partido Social‐Democrata Alemão (SPD) na Saxônia, bem como sobre a política a ser adotada
na região do Rühr, ocupada pelos franceses. O partido era dirigido por Heinrich Brandler,
membro fundador da Liga Espártaco. A facção de esquerda se agrupava sob direção de Ruth
Fischer, Arkadi Maslow e Ernst Thälmann. Fischer e Maslow eram ambos jovens intelectuais
que ingressaram no movimento após a guerra. Tinham a maioria da seção de Berlin atrás de si.
Thälmann era um trabalhador que ingressara no KPD por meio do SPD‐Independente (USPD) e
era dirigente do partido em Hamburgo.
No dia 10 de janeiro, caiu o governo do SPD na Saxônia e o KPD conduziu uma campanha por
uma frente única e um governo dos trabalhadores. Enquanto isso, a maioria do SPD defendia
uma coalizão com partidos burgueses e apenas uma minoria de esquerda defendia a aliança
com o KPD. Este, por sua vez, desenvolveu uma forte e vigorosa agitação e tornou público um
"Programa dos Trabalhadores" que incluía o confisco das propriedades da antiga família real; o
armamento dos trabalhadores; o desmantelamento do judiciário, da polícia e da administração
governamental (parlamento); por um congresso dos conselhos de fábricas e pelo controle dos
preços pelos comitês eleitos pela base. Tais reivindicações ganharam apoio dentro do SPD,
onde a ala esquerda tornou‐se maioria. Ela aceitava o "Programa dos Trabalhadores" com
apenas uma exceção: a dissolução do parlamento e a convocação de um congresso de
conselhos de fábricas. Com base nisso, retirando esse ponto do programa, um governo do SPD
foi criado com apoio do KPD.
Esse passo foi apoiado pela maioria do KPD, inclusive por Karl Radek, dirigente da Internacional
Comunista , combatido pela esquerda do KPD. Estes viam seu apoio ao governo da Saxônia não
como uma tática para ganhar os trabalhadores social‐democratas, mas como uma adaptação
aos social‐democratas de esquerda, os quais consideravam iguais aos de direita. Suas suspeitas
não eram sem razão. No Rühr, o KPD distanciava‐se bastante do SPD, que dava amplo apóio à
"resistência passiva" do governo Cuno, que, por sua vez, colaborava com as gangues
paramilitares — apoiadas secretamente pelo exército — encorajando‐as a realizar atos de
sabotagem contra os franceses. Tais medidas atraíam reacionários e fascistas de toda
Alemanha para o Rühr.
O SPD encontrou‐se, portanto, em verdadeira aliança com tais forças. O KPD denunciou o
nacionalismo do SPD como um repetição de sua política de 1914, quando votou pelos créditos
da guerra imperialista, e opôs‐se fortemente a ela. Chamava pela luta tanto contra a ocupação
francesa quanto contra o governo berlinense. Uma edição do Rote Fahne, jornal do KPD, trazia
como manchete: "Lutar contra Poincaré [presidente francês] e Cuno no Rühr e em Spree". Os
trabalhadores começaram a se rebelar contra as insuportáveis condições sociais, protestando
contra a ocupação francesa, contra os industriais locais, bem como contra o governo de Berlin.
Os líderes da esquerda do KPD mudaram de posição: Ruth Fischer defendia um chamado para
que os trabalhadores tomassem as fábricas e minas; pela tomada do poder político e o
estabelecimento da República Democrática dos Trabalhadores do Rühr, que poderia tornar‐se
base para um exército dos trabalhadores para marchar até a Alemanha central, tomar o poder
48
em Berlin e “destruir de uma vez por todas a contra‐revolução nacionalista”. Sua linha parecia
uma aventureira repetição da “ação de março” de 1921. Um levante no Rühr teria
permanecido isolado e sem apoio no resto da Alemanha. Além disso, o Rühr estava cheio de
organizações fascistas e paramilitares que não aceitariam passivamente um levante operário.
Os franceses, por sua vez, olhavam com bons olhos os protestos contra o governo alemão, mas
assumiriam outra posição em relação a uma insurreição operária.
Diante da luta entre as frações do KPD, Zinoviev, presidente da Internacional Comunista,
convidou ambas a Moscou, onde assumiram um compromisso. Assim, a Internacional
concordava com o apoio dado ao SPD, embora criticasse algumas formulações do apoio,
indicando que essa deveria ser uma tática apenas momentânea. Em relação ao Rühr, rejeitou
os planos de Fischer. A resolução acordada dava indicações de que a direção da Internacional
não estava atenta à velocidade dos eventos na Alemanha: "As diferenças surgidas do lento
desenvolvimento revolucionário da Alemanha e das dificuldades objetivas às quais conduz,
alimentam, simultaneamente, divergências de direita e de esquerda".
Um poderoso movimento de conselhos espalhava‐se nas mais importantes instalações fabris,
com o KPD como força mais ativa. Formaram‐se, por iniciativa do KPD, as Centúrias Proletárias
e a 1º de maio de 1923 desfilaram em Berlim mais de 25 mil trabalhadores com bracelete
vermelho. O propósito do KPD de conformar as Centúrias como órgãos de frente única
operária frustrou‐se, embora um número importante de operários do SPD e independentes
passaram a formar parte delas. No mesmo mês explodiu uma greve geral na bacia do Rühr e a
rebelião em Bochum. Erich Wollemberg (Walther, experto militar da IC) relatou que “a
insurreição de Bochum conseguiu a fraternidade entre os proletários alemães que a
aclamaram e gritaram: Abaixo Poincaré! Abaixo Stinnes! Em maio de 1923, desperdiçou‐se
uma grande oportunidade para a revolução socialista”.
Em junho de 1923, Radek introduziu uma nova linha política, que confundiu e desorientou o
KDP, a chamada "Linha Schlageter". O KPD preocupava‐se, há certo tempo, com o crescimento
do fascismo na Alemanha. Em outubro de 1922, Mussolini tomara o poder em Roma, após
uma campanha violenta de seus destacamentos armados, os fasci, contra as organizações
operárias e trabalhadores militantes. Na Alemanha, antes disso, a extrema‐direita limitava‐se
apenas a remanescentes do exército imperial e a pequenos partidos anti‐semitas. Mas, em
1923, começava a crescer e ganhar base social. Atividades contra os "criminosos de
novembro", contra os judeus e estrangeiros encontraram apoio entre elementos deslocados
da pequena‐burguesia, bem como entre alguns trabalhadores pauperizados pelo impacto da
inflação. No Rühr, membros da extrema‐direita apresentavam‐se como heróicos combatentes
contra a ocupação francesa.
A Baviera, em particular, com suas largas áreas rurais, tornou‐se praticamente um baluarte da
extrema‐direita. Após a repressão sangrenta à Republica Soviética de Munique, em 1919, a
região tornou‐se antro de organizações nacionalistas, fascistas e paramilitares. Em 7 de abril,
Albert Schlageter, um membro da Freikorps, foi preso pelo exército francês em Düsseldorf
porque tinha participado de ataques com bomba a estradas de ferro. Foi sentenciado à morte
por uma corte militar e executado a 26 de maio. A direita imediatamente o tornou um mártir.
Na reunião do Comitê Executivo da Internacional Comunista (ECCI), em junho, Radek propôs
que o KPD disputasse os trabalhadores e os elementos pequeno‐burgueses seduzidos pelo
fascismo, juntando‐se a essa campanha e adaptando‐se ao nacionalismo.
"As massas pequeno‐burguesas, os intelectuais e técnicos que desempenharão um importante
papel na revolução assumem a posição de um antagonismo nacional ao capitalismo, que os
está relegando", defendeu Radek. "Se nós queremos ser um partido dos trabalhadores, capaz
de empreender a luta pelo poder, temos que achar um caminho que possa nos aproximar das
massas, e devemos encontrá‐lo não por meio da diminuição de nossas responsabilidades, mas
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pela defesa de que a classe trabalhadora sozinha pode salvar a nação". Mais tarde, na reunião,
elogiou solenemente Schlageter que, enquanto "um valente soldado da contra‐revolução",
ainda "merece sinceras homenagens da nossa parte, como soldados da revolução." "O
ocorrido a este mártir do nacionalismo alemão não deve ser esquecido, ou meramente
honrado em breves palavras", disse Radek: "Nós precisamos fazer de tudo para proteger os
homens que, como Schlageter, estão prontos para dar suas vidas por uma causa comum, vindo
a ser não viajantes no vazio, mas viajantes na direção de um futuro melhor para toda a
humanidade". Na Alemanha, Radek publicou o panfleto Schlageter, o Peregrino do Nada.
Die Rote Fahne, órgão do Partido Comunista da Alemanha (KPD)
A Linha Schlageter foi defendida pela Rote Fahne e predominou por diversas semanas. Ela
criou uma grande confusão entre as fileiras comunistas, as quais tinham resistido até então às
pressões nacionalistas. E não há a mínima indicação de que tenha enfraquecido as fileiras
nazistas, com exceção de alguns poucos “nacional‐bolcheviques”, que entraram para o KPD e
criaram muitos problemas antes que fosse possível livrar‐se deles novamente. A campanha
Schlageter proveu de ampla munição a propaganda anticomunista do SPD e tornou muito
difícil para o Partido Comunista Francês (PCF) organizar a solidariedade dos soldados franceses
para com os trabalhadores alemães.
Enquanto Radek desenvolvia a Linha Schlageter, a luta de classes na Alemanha se intensificou.
Em junho e julho, agitações e greves contra a alta dos preços estouraram por todo o país.
Participavam com freqüência centenas de milhares de trabalhadores, entre eles setores que
nunca antes tinham participado de uma luta social: no começo de junho, 100.000
trabalhadores rurais e 10.000 diaristas entraram em greve em Brandemburgo. O KPD tentou
fazer do 29 de julho um dia de luta, mas o Comitê Central cambaleou, por causa da proibição
do governo. Brandler pediu conselho do Comitê Executivo da Internacional. Stalin contestou:
“Se hoje na Alemanha o poder, por dizê‐lo de algum modo, caíra, e no caso que os comunistas
quiseram conquistá‐lo, fracassariam com grandes perdas. Isto no melhor dos casos. No pior
seriam destroçados”.
Em 8 de agosto, o chanceler Cuno se dirigiu ao Reichstag. Exigia novos cortes e ataques sobre a
classe trabalhadora e combinava tais demandas com a exigência do voto de confiança. O SPD
buscava salvar‐se abstendo‐se de votar. Em seguida, tendo início em Berlim, desenvolveu‐se
uma espontânea onda de greves exigindo a renúncia do governo de Cuno. A greve geral em
Berlim obrigou a demitir o governo de Cuno. A burguesia, apavorada, apoiou um governo da
social‐democracia para estabilizar a situação. A revolução na Alemanha entrava na fase
decisiva com um Comitê Central do KPD desorientado.
Em 10 de agosto, uma conferência de representantes de sindicatos, sob pressão do SPD,
rejeitou o chamado por uma greve geral. Mas, no dia seguinte, uma conferência de conselhos
de fábrica, apressadamente convocada pelo KPD, tomou a iniciativa e anunciou uma greve
geral. Três milhões e meio de trabalhadores participaram. Em diversas cidades, aconteceram
batalhas com os policiais e dezenas de trabalhadores mortos. As leis foram profundamente
abaladas: "Nunca houve um período na história moderna alemã que foi tão favorável para
uma revolução socialista como no verão de 1923", escreveu Arthur Rosenberg.
50
Momentaneamente, o SPD salvou a burguesia. Contra considerável resistência nas suas
próprias fieiras, entrou num governo de coalizão liderado por Gustav Stresemann do Deutsche
Volkspartei (DVP — Partido Popular Alemão, ou “populista”), um partido dos homens de
negócios, como o já mencionado Hugo Stinnes.
Somente então, após as greves contra Cuno, o KPD e a Internacional Comunista perceberam a
oportunidade revolucionária que havia se desenvolvido na Alemanha. Em 21 de agosto, o
Bureau Político do Partido Comunista da URSS (PCUS) decidiu preparar‐se para uma revolução
na Alemanha. Formou uma "Comissão de Obrigações Internacionais" para supervisionar o
trabalho na Alemanha, composta por Zinoviev, Kamenev, Radek, Stalin, Trotsky e Chicherin —
e, depois, Dzerzhinsky, Piatakov e Sokolnikov. Nos dias e semanas que se seguiram, houve
numerosas discussões e contínua correspondência com os líderes do KPD, que
freqüentemente viajavam a Moscou. Suporte financeiro, logístico e militar foi organizado para
armar centenas de operários, preparados nos meses anteriores. Em outubro, Radek, Piatakov
e Sokolnikov foram mandados para a Alemanha, para preparar o levante.
Trotsky, acima de tudo, lutou incansavelmente para superar o fatalismo e a complacência
existentes na seção alemã e no partido russo. Enquanto isso, Stalin escreveu a Zinoviev: "Na
minha opinião, os alemães precisam ser contidos e não encorajados", e "para nós, seria uma
vantagem os fascistas entrarem em greve antes". Trotsky insistiu que e insurreição devia ser
preparada em um período de semanas, ao invés de meses, e a data definitiva devia ser
escolhida. O que parecia só uma proposta organizativa — a escolha de uma data — era, na
realidade, uma proposta política. De acordo com a preocupação de Trotsky, a principal tarefa
no momento era concentrar todas as energias e atenções do partido no preparo da revolução.
De uma preparação propagandística geral, tinha de passar à preparação prática da insurreição.
Durante o encontro do Bureau Político, em 21 de agosto, Trotsky disse: "Quão longe vai o
ânimo das massas revolucionárias alemãs? A sensação de que estão no caminho da revolução
— tal sentimento existe. O problema posto é o problema da preparação. O caos revolucionário
não pode ser selado com borracha. A questão é: ou começamos a revolução, ou a
organizamos". Trotsky alertou sobre o perigo de que fascistas bem organizados poderiam
esmagar ações descoordenadas de trabalhadores, e exigiu: "O KPD precisa escolher um tempo
limite para a preparação, para a preparação militar e — em tempo correspondente — para
agitação política". Trotsky sofreu oposição por parte de Stalin, que argumentava contra um
prazo marcado, alegando que "os trabalhadores continuam acreditando na social‐democracia"
e que o governo poderia durar por outros oito meses.
Brandler, em uma carta para o Comitê Executivo da Internacional de 28 de agosto, também
sustentava um longo período: "Eu não acredito que o governo Stresemann vai viver muito
mais", escreveu. "Entretanto, não acredito que a próxima onda, que já se aproxima, vai decidir
a questão do poder. Nós devemos tentar concentrar nossas forças para que possamos, se for
inevitável, assumir a luta em seis semanas. Mas, ao mesmo tempo, fazer os preparativos para
estarmos prontos com o trabalho mais sólido em cinco meses". Além disso, acrescentou que
acreditava que um período de seis a oito meses seria o mais provável. Em discussões entre a
comissão russa e a liderança alemã, um mês depois, Trotsky voltou ao assunto do cronograma.
Interrompeu a discussão a respeito do problema do Rühr, e disse: "Eu não compreendo por
que tanta relevância é dada para o caso Rühr. O problema, agora, é tomar o poder na
Alemanha. Essa é a tarefa, o restante decorrerá disso".
Trotsky respondeu, então, às preocupações de que os trabalhadores alemães lutariam por
reivindicações econômicas, mas não tão facilmente por objetivos políticos: "A inibição política
é nada mais que certa dúvida, por conta das marcas que as derrotas anteriores deixaram no
cérebro das massas... o partido só pode ganhar a classe trabalhadora alemã para a luta
revolucionária decisiva — e a situação está aqui, agora — se convencer um largo segmento da
51
classe trabalhadora, sua direção, de que também é organizativamente capaz de liderar a
vitória no sentido mais concreto da palavra... A expressão de tendências fatalistas pelo
partido, aí é que está o grande perigo". Trotsky explicou, em seguida, que o fatalismo podia
assumir diferentes formas: primeiro, se diz que a situação é revolucionária, o que é repetido
todos os dias. Isso se torna usual e a política passa a ser esperar pela revolução. Então, se dá
armas aos trabalhadores e se diz que isso levará ao conflito armado. Mas, ainda assim, seria
apenas o "fatalismo armado".
Através da informação repassada pelos comunistas alemães, Trotsky concluiu que eles
concebiam a tarefa como fácil demais: "Se a revolução é para ser mais do que uma perspectiva
confusa", disse ele, "se é para ser a tarefa principal, deve ser tomada por uma tarefa prática,
organizativa... É preciso estabelecer uma data, preparar e lutar". Em 23 de setembro, Trotsky
publicou, inclusive, um artigo no Pravda: "Pode uma contra‐revolução ou revolução ser feita
com tempo marcado?" Trotsky discutia a questão em termos gerais, sem mencionar a
Alemanha, já que o pedido público de definição de uma data para a revolução alemã por um
representante‐chave da direção, como ele, poderia provocar uma crise internacional ou
mesmo uma guerra.
Sete dias depois, o mesmo Trotsky (com Lênin seriamente doente, ele era a principal figura
pública da URSS) concedeu entrevista ao senador norte‐americano King, preocupado com o
risco de uma nova guerra no coração da Europa, devida aos acontecimentos alemães. À
pergunta: “É possível que a URSS intervenha em caso de uma revolução na Alemanha?”,
Trotsky respondeu: “Antes do mais, nós queremos a paz. Não enviaremos nenhum soldado do
Exército Vermelho além das fronteiras da Rússia soviética, se não formos forçados. Nossos
operários e camponeses não permitiriam ao governo que tomasse a iniciativa de uma ação
militar, inclusive se o governo enlouquecesse ao ponto de optar por uma política de agressão.
Se os monarquistas alemães fossem vitoriosos e chegassem a um acordo com a Entente,
recebendo dos aliados um mandato para intervir militarmente na Rússia (o que já foi proposto
por Luddendorf e Hoffman) nós lutaríamos e seriamos, creio, vencedores. Mas não acho que
isso acontecerá. Em qualquer caso, não interviríamos numa guerra civil. Não poderíamos fazê‐
lo se não fazendo a guerra à Polônia. E não queremos a guerra”.29
Na Alemanha aconteciam mudanças políticas, com a posse de Gustav Stresemann. A 13 de
agosto de 1923, ele disse, em seu discurso de posse: "Nessa época de profundos
questionamentos quanto ao nosso futuro, só há uma estrela‐guia para o nosso partido:
responder aos desafios do nosso tempo, livre de ilusões e com o realismo político que, na
realidade, é o ideal mais elevado, porque freia as emoções onde somente o raciocínio frio e
calculista nos leva adiante". A principal meta de Stresemann era estabilizar a economia. Para
tanto, era necessário encerrar a disputa pela região do Rühr – uma medida impopular.
Stresemann tentou durante muito tempo, sem sucesso, acertar com a França um fim de
conflito "honroso para a Alemanha". Em setembro, percebendo que não havia mais margem
para negociação, Stresemann declarou o fim da resistência passiva. A imprensa direitista
atacou‐o violentamente, acusando‐o de traição à pátria. Stresemann foi ameaçado de morte.
Diante dos assassinatos de Matthias Erzberger em 1921 e de Walter Rathenau em 1922, não se
tratava de ameaças vazias. A extrema direita não perdoou Stresemann por haver mudado de
corrente política e por defender um entendimento com o inimigo. No entanto, justamente
pelo fato de ser um direitista moderado, Stresemann conquistou apoio para sua política.
29
Alguns trotskistas, como o célebre escritor negro C. L. R. James, viram nesta entrevista uma tentativa de freio de
Trotsky à revolução alemã. Anos depois, Trotsky teve que esclarecer o caráter diplomático da mesma, do qual eram
cientes os comunistas alemães, e que, nesse mesmo momento, o chefe do Exército Vermelho tinha um regimento,
comandado por Dybenko, prestes a entrar em combate na fronteira polonesa.
52
Segundo Jost Dülffer, "a esquerda democrática de Weimar era programaticamente a favor de
um equilíbrio político. Isso eram os social‐democratas, liberais de esquerda, democratas
alemães e políticos do Zentrum. A participação do direitista Partido Popular Alemão nessa
política só se tornou viável devido ao engajamento de seu líder Gustav Stresemann. Mais do
que qualquer um de seus antecessores, ele conseguiu conquistar apoio para esta coalizão
política interna". A contra‐revolução democrática ampliava suas bases, o que teria
conseqüências decisivas.
Na Internacional Comunista, a data para o levante foi finalmente definida: 9 de novembro. Os
eventos ganhavam velocidade. Em 26 de setembro, Stresemann anunciara o fim da resistência
passiva. Argumentou que não havia outra maneira de controlar a hiperinflação. Isso provocou
a extrema‐direita. No mesmo dia, o governo da Baviera decretou estado de emergência e
instalou uma ditadura liderada por Ritter von Kahr. Von Kahr colaborou com os nazistas de
Hitler e, imitando a marcha de Mussolini sobre Roma, planejou uma marcha em Berlim para
instalar uma ditadura. Kahr tinha o apoio do comandante das tropas da Reichswehr [Defesa do
Império] posicionadas na Baviera.
O governo de Berlim reagiu estabelecendo sua própria ditadura. Todo o poder executivo foi
transferido ao Ministro da Defesa, que o delegou ao general Hans von Seeckt, comandante da
Reichswehr. Seeckt simpatizava com a extrema‐direita e se recusava a disciplinar os
comandantes bávaros rebelados. Líderes empresariais, com Hugo Stinnes, apoiavam o plano
de uma ditadura, optando por Seeckt como ditador. A 13 de outubro, o Reichstag, depois de
vários dias de discussão, aprovou um ato autorizando a abolição das conquistas sociais da
revolução de novembro de 1918, incluindo a jornada de 8 horas. O SPD votou a favor do ato.
A agressão à Saxônia desencadeara uma greve geral. O KPD entrou a formar parte do governo
de Saxônia, onde participava seu Secretário Geral, Heinrich Brandler. A Saxônia e a Turíngia
eram os centros da resistência da classe trabalhadora contra tais preparações contra‐
revolucionárias. Nos dois lander, em 10 e 16 de outubro, respectivamente, o KPD juntou‐se aos
governos da esquerda do SPD. Isso era parte do plano elaborado em Moscou. Pela entrada em
um governo de coalizão, o KPD esperava fortalecer sua posição e ter acesso a armas. Mas,
apesar de que ambos os governos eram formados legalmente, e dirigidos por uma maioria
parlamentar, o comandante da Reichswehr na Saxônia, Müller, se recusava a reconhecer a sua
autoridade. Em concordância com o governo berlinense, submeteu a polícia ao seu próprio
comando.
O plano da Internacional Comunista (e do KPD) parta da defesa dos governos da Saxônia e
Turíngia contra a intervenção da Reichswehr, para deflagrara a greve geral e a insurreição. Esta
estava planejada nos mínimos detalhes, política, técnica e militarmente, com um plano
financeiro, um projeto de constituição do Exército Vermelho da Alemanha, a clandestinidade
dos dirigentes do KPD enquanto durasse a ação, com todas as medidas de proteção cabíveis. A
“provocação” seria a constituição de “governos operários” e “milícias operárias” pelos
governos de esquerda (KPD + esquerda do SPD) dos dois Länder. Na URSS, em fábricas e
centros de ensino, se produzia uma mobilização de massas à espera do “Outubro alemão”.
Ameaçado pela Baviera, que faz fronteira com a Saxônia e a Turíngia no sul, e pelo governo
central em Berlim, situado ao norte, o KPD teve de adiantar seus planos para a revolução.
Chamou um congresso de conselhos de fábrica em Chemnitz, Saxônia, no dia 21 de outubro. O
congresso deveria convocar uma greve geral e dar o sinal para a insurreição em toda a
Alemanha. Quando o Exército deu o ultimato e preparou a entrada no Länd, os social‐
democratas de esquerda, no entanto, negaram‐se a fazer o chamamento à greve geral. Como
eles não concordavam, Brandler cancelou os planos e interrompeu o levante armado, já
acertado com a Internacional Comunista.
53
O KPD vacilou e sem um plano de recâmbio, anulou a ordem de insurreição. A decisão de
cancelar a revolução não chegou em Hamburgo a tempo: uma insurreição foi organizada e
deflagrada na cidade, mas permaneceu isolada e foi derrotada em três dias. Os militantes
comunistas lutaram nas ruas enquanto as fábricas trabalhavam em ritmo lento e a população,
ainda que simpatizando com os insurretos, olhava passiva. Embora o congresso de Chemnitz
ainda estivesse reunido, o Reichswehr começou a ocupar a Saxônia. Conflitos armados
causaram a morte de vários trabalhadores. Em 28 de outubro, o presidente social‐democrata
Friedrich Ebert deu ordens ao Reichsexekution contra a Saxônia. Ordenou a remoção forçada
do governo da Saxônia — encabeçado por Erich Zeigner, social‐democrata de esquerda — pela
Reichswehr. A indignação pública obrigou o SPD a retirar‐se do governo Stresemann em
Berlim. Alguns dias depois, a Reichswehr entrou na Turíngia e removeu também o governo
local. A deposição desses dois governos de esquerda por Ebert e Seeckt encorajou a extrema‐
direita da Baviera.
Em poucos dias, portanto, a história balançou: a conferência operária de Chemnitz, dominada
pelos socialistas saxões, deveria lançar a greve geral. Não o fez, e os comunistas adiaram então
a insurreição. Em 1924, Trotsky escreveu: “O PC não foi suficientemente firme, clarividente,
resoluto e combativo para garantir a intervenção no momento necessário, e a vitória”.
Só os comunistas de Hamburgo (dirigidos pela ala esquerda do KPD) cumpriram a ordem
insurrecional, enquanto, na Rússia, a “troika” (Stalin‐Zinoviev‐Kamenev), empenhada no
combate contra Trotsky, prestava pouca atenção aos acontecimentos alemães. Em finais de
1923, quando a situação exigia uma mudança brusca de orientação, o KPD a tomou sem
convicção, com um considerável atraso e quando já era muito tarde. A vacilação e, finalmente,
a claudicação de Heinrich Brandler (principal dirigente do KPD) foi o capítulo final de uma
longa série de vacilações, confusões e recuos. A revolução fora adiada (sine die). Ela não
voltaria a se apresentar nas próximas décadas.
A maioria dos delegados de Chemnitz teria apoiado a convocação da greve geral, como
Brandler escreveu em uma carta a Clara Zetkin. Mas, mesmo assim, ele não quis agir sem o
apoio dos social‐democratas de esquerda: "Durante a conferência de Chemnitz eu percebi que
não poderíamos, sob quaisquer circunstâncias, partir para a luta decisiva, uma vez que não
havíamos conseguido convencer a esquerda do SPD a assinar a decisão de greve geral",
escreveu Brandler.
E acrescentou: "Com a massiva resistência [social‐democrata de esquerda], eu mudei o curso e
evitei que nós, comunistas, fossemos ao combate sozinhos. É claro que poderíamos ter
recebido uma maioria de dois terços em favor de uma greve geral na conferência de Chemnitz.
Mas, o SPD teria deixado a conferência, e seus slogans confusos, sobre como a intervenção do
Reich contra a Saxônia tinha simplesmente o propósito de ocultar a intervenção do Reich
contra a Baviera, teriam quebrado nosso espírito de luta. Então, eu conscientemente lutei por
um compromisso desagradável". E desastroso.
É impossível ler essas (e outras) ponderações de Brandler, sem sentir um frio na espinha,
sabendo que da sua decisão (ou, melhor, da falta dela) dependia a sorte da revolução alemã e,
por extensão da revolução européia e mundial. Na verdade, porém, a decisão da direção do
KPD foi endossada pela “comissão alemã” da Internacional Comunista – Radek, Piatakov,
Ounschlicht – que se encontrava, no mesmo momento, em território alemão.
O Fracasso Nazista e a Estabilização
A crise e confusão política eram de tal grau que a extrema direita acreditou, erroneamente,
que era chegada a sua hora. Um cálculo apressado e errado (o centro da contra‐revolução era
ainda o governo Stresemann‐Ebert): a política da extrema direita foi o simétrico oposto da
política do KPD. Sem condições para uma insurreição vitoriosa, a extrema direita lançou‐a, de
qualquer maneira.
54
No dia 8 de novembro, Adolf Hitler proclamou a "revolução nacional" em Munique e ensaiou
um golpe. O Partido Nacional‐Socialista (NSDAP), supostamente, contava já com 50.000
membros e as Formações de Assalto (SA) eram fortemente armadas, ajudadas, protegidas e
financiadas por grandes empresários e oficiais do Exército. Seu objetivo era forçar o ditador da
Baviera, Kahr, a marchar para Berlim e, tomar o poder. Hitler foi apoiado, no NSDAP, pelo
general Luddendorf, um dos mais altos comandantes militares da Primeira Guerra Mundial. A 9
de novembro, os dois nazistas promoveram seu desfile nas ruas centrais de Munique,
acreditando que o clima de decomposição política e deslocamento à direita os favoreceria. O
golpe (na verdade um proto‐golpe) Hitler‐Luddendorf, no entanto, também falhou. Berlim já
havia se movido tanto para a direita que a direita da Baviera não precisava mais de uma figura
como Hitler.
A política de estabilização e equilíbrio implementada por Stresemann, por outro lado, teve
êxito. Em novembro de 1923, ele conseguiu iniciar a derrubada da inflação. O marco foi
desvalorizado no dia 1º de dezembro de 1923 à taxa de 1.000.000.000.000 de marcos velhos
para 1 marco novo, ou um trilhão a um. E, através de vários acordos, o Império Alemão livrou‐
se de seu isolamento político internacional.30 Mas Stresemann não conseguiu colher os frutos
de seu trabalho. Em novembro de 1923, foram apresentados ao Parlamento dois pedidos de
votos de desconfiança contra ele: o primeiro, do Partido Social Democrata, e o segundo, do
Partido Nacional Popular da Alemanha. Atacado pela direita e pela esquerda, ele submeteu‐se
ao voto de confiança e perdeu a votação por 231 a 156 votos. Em 23 de novembro de 1923,
cem dias após sua posse, Gustav Stresemann renunciou ao cargo de chanceler. Ebert se
acomodou ao golpe, delegando o comando das forças armadas e do poder executivo a Seeckt.
Embora as instituições da República de Weimar ainda existissem formalmente, a Alemanha
seria governada por uma ditadura militar de fato até março de 1924.
A chancelaria foi ocupada por Wilhelm Marx, que apoiara o Tratado de Versalhes durante a
ocupação da Renânia, segundo ele porque, se a Alemanha não aceitasse, ela seria separada do
país. Marx também unificou o Zentrum para apoiar o governo, usando o apelo ao catolicismo.
Era o décimo gabinete alemão desde 1919. Seu primeiro mandato durou 13 meses, o segundo
25 meses: Marx presidiu ao longo de quatro gabinetes. O seu ministro de Reelações Externas
foi Gustav Stresemann, o que levou a tolerância do governo pelo SPD. Durante o governo de
Marx aconteceu a “estabilização” da economia alemã. Até o final de 1924, o estado de
emergência foi revogado. No seu segundo mandato, Alemanha aderiu à Liga das Nações, e
Marx depôs o general Hans Von Seeckt, argumentando que queria fazer do exército um
"Estado dentro do Estado" (ou seja, de planejar um golpe militar).
O ano de 1923 mudou o rumo da Internacional Comunista. Com Lênin doente, o choque de
Trotsky e a Oposição de Esquerda (que foi lançada publicamente em outubro desse ano na
URSS, com a “Plataforma dos 46”) contra a direção do PCUS estourou abertamente, no mesmo
momento em que o KPD fracassava na sua tentativa de tomar o poder na Alemanha. Trotsky
refletiu: “Zinoviev definia nestes termos a significação do que acontecera na Alemanha:
«Esperávamos a revolução alemã, mas não veio (Pravda, 22 de junho de 1924)». Em realidade,
a revolução estava no seu direito de contestar: «Eu viera, mas vocês, senhores, chegaram
tarde a cita»”.
O KPD e a Internacional Comunista haviam deixado escapar uma situação revolucionária
excepcional, de importância histórica mundial. O PC alemão (KPD) fez depender a insurreição
revolucionária da ala esquerda da socialdemocracia, que desertou o campo revolucionário no
último momento, quanto até a preparação técnica da insurreição operária estava pronta, e
30
Por seus “esforços de reconciliação”, ou seja, por desativar a bomba guerra‐revolução, o chanceler alemão receberia,
junto com seu colega francês Aristide Briand, o Prêmio Nobel da Paz de 1926.
55
com data marcada. O KPD perdeu a principal batalha, e sua maior oportunidade histórica,
praticamente sem dar batalha.
A burguesia alemã encontrou, então, um novo eixo de estabilidade: o abandono da
“resistência passiva” (à França), a prisão dos comunistas e também dos nazistas (Adolf Hitler,
preso pelo Reichswehr, aproveitaria o tempo passado na prisão para redigir, ou ditar, seu
libelo esquizofrênico‐paranóico Mein Kampf). O capital norte‐americano colaborou com o
novo governo Stresemann através do Plano Dawes (com um empréstimo inicial de 800 milhões
de dólares): até 1930, a Alemanha tomou emprestados 30 bilhões de marcos, 70% dos bancos
americanos. O Doktor Hjalmar Schacht, ministro de Finanças (que, depois, seria o “mágico
financeiro” de Hitler) pôde criar então o marco forte.
Quatro meses depois do fracasso da insurreição comunista, Trotsky se perguntava: “Porque
não houve vitória na Alemanha?”. E respondia: “Porque não havia ali um partido bolchevique,
nem um dirigente como nós [na URSS] tivemos em Outubro [de 1917]”. Teriam sido Karl
Liebknecht e Rosa Luxemburgo os “Lênin e Trotsky” alemães?
Dois meses mais tarde, Trotsky precisou ainda mais: “O KPD não apreciou em tempo o
surgimento de uma crise revolucionária com a ocupação do Rühr e o fim da resistência passiva
(janeiro‐junho de 1923). Falhou no momento crucial. É difícil para um partido revolucionário
passar de um período de agitação e propaganda prolongado para uma luta direta pelo poder
através de uma insurreição. Isso provoca inevitavelmente uma crise no partido... De um lado,
o partido esperava uma revolução, de outro, havida conta que se tinha queimado os dedos nos
acontecimentos de março [de 1921] evitou até o final de 1923 a própria idéia de organizar
uma revolução, ou seja, preparar a insurreição. A atividade política do partido continuava em
ritmo de tempos de paz quando o desfecho se aproximava. O momento da insurreição foi
fixado quando, essencialmente, o inimigo já havia usado o tempo perdido pelo partido e
reforçado suas posições. A preparação militar e técnica do partido começou de modo febril,
mas cortada da atividade política do partido, que continuava em ritmo de tempos de paz. As
massas não compreendiam o partido e não o acompanhavam. O partido sentiu essa ruptura
com as massas, e ficou paralisado. Daí aconteceu a retirada sem combate das posições – sem
combate, a mais amarga das derrotas” (grifo nosso).
A derrota operária alemã de 1923 teve conseqüências de longo alcance. Graças a ela, a
burguesia alemã consolidou seu domínio e estabilizou a situação por seis anos. Quando a
grande crise mundial irrompeu, em 1929, a classe trabalhadora não estava reposta das
derrotas de 1919‐1923. Mundialmente, a derrota do “Outubro Alemão” aprofundou o
isolamento da URSS, e constituiu um importante para a ascensão da burocracia stalinista. A 23
de novembro o KPD foi proibido em todo o território do Reich (essa proibição seria levantada
em março de 1924), do mesmo modo que o partido nazista, por obra de Von Seeckt, quem
recebera poderes excepcionais no dia do putsch nazista de Munique.
Uma nova etapa se abriu nesse momento na Europa, caracterizada pelo isolamento da URSS, o
“neo‐reformismo” governamental e a “prosperidade” econômica, comandada pelos EUA. A
Europa, dólar‐dependente, tendia também a se subordinar politicamente ao novo
imperialismo emergente. A derrota da revolução alemã, condenou à Revolução Russa a um
período indefinido de isolamento: a oposição de Trotsky na Rússia soviética, já organizada,
seria, no entanto, condenada na XII Conferência do PC da URSS, em janeiro de 1924.
Trotsky, atento aos novos desenvolvimentos, escreveu em 1924: “O programa americano de
tutela do mundo inteiro não é um programa pacifista, mas grávido de guerras e crises. Os EUA
afirmam poder fabricar barcos de guerra como pãezinhos: eis a perspectiva da próxima guerra
mundial, que terá por teatro o Atlântico tanto quanto o Pacífico, se é que a burguesia pode
continuar governando até lá... Os conflitos militares são inevitáveis. A ‘era americana’ que
56
parecia abrir‐se não é mais do que a preparação de novas guerras monstruosas”. Trotsky já
era, no entanto, na URSS e no mundo, uma voz crescentemente isolada...
O Choque Econômico
Keynes fizera uma proposta para dar ponto final no processo inflacionário alemão,
apresentada para o Institute of Bankers, em novembro de 1922, incluindo a manutenção da
taxa de juros em patamar elevado no período pós‐estabilização. Segundo Keynes, um dos
principais motivos para a elevada inflação era o alto déficit fiscal, fruto dos pagamentos
advindos da I Guerra Mundial, propondo assim suspender o pagamento para sanear as contas
públicas e assim tentar diminuir uma das causas do processo. Na busca da estabilização Keynes
propôs que a primeira etapa seria a prefixação da taxa de câmbio, e também de período
prolongado de aperto monetário, evitando assim que o Reichsbank perdesse reservas, e
estimulando o ingresso de recursos para compra de ativos em marcos, o que daria estabilidade
e força ao ajuste da economia alemã.
Keynes não via necessidade de estabilizar a balança comercial antes de prefixar o câmbio,
dizendo, em resposta a Havenstein: “A maior parte da sua carta é dirigida, parece‐me, a
argumentar que nas atuais circunstancias mesmo com uma moratória a realização de qualquer
projeto de estabilização seria extremamente temerária. Admito que seus argumentos têm
algum poder de persuasão mas, ainda assim, estou em total desacordo com eles,
principalmente porque eu não dou importância que o senhor dá a um balanço comercial
adverso. Se eu estivesse seguro de poder controlar a situação orçamentária, eu não duvidaria
da minha capacidade, na presente situação da Alemanha, de controlar o cambio. Tão logo a
oferta de moeda seja restringida, não vejo como o balanço comercial possa continuar em uma
posição adversa”. Era, para Keynes, uma tentativa para dar ao governo um período para que as
medidas de ajuste orçamentário surtissem efeito, e assim a inércia inflacionária fosse contida.
Os “plano de estabilização” iniciou‐se antes da hiperinflação ter atingido o seu ponto crítico. O
governo Stresemann, empossado em agosto de 1923, suspendeu a “Resistência Passiva” em
outubro; foi aprovada a lei de amplos poderes que permitia ao governo aprovar leis e
regulamentos mesmo sobrepondo‐se à constituição, sempre que fosse de interesse econômico
nacional; e desde agosto de 1923 o governo fez um empréstimo no valor de 500 milhões de
marcos ouro, sendo uma parte em títulos de pequenos valores. Tais títulos começaram a
circular e eram aceitos como moeda corrente mesmo não possuindo nenhuma garantia, a não
ser a promessa do governo de resgatá‐los em ouro. A aceitação dos títulos em marcos ouro,
para os quais a conversão em ouro não era assegurada, preparou o caminho para a criação de
um novo instrumento monetário.
Os títulos em marcos ouro funcionaram como garantia para passivos (emitidos em marcos
ouro) pelas municipalidades e outros órgãos do governo. Colocou‐se a alternativa de se criar
um banco com emissão lastreada em ouro, ou um banco lastreado em centeio. Prevaleceu o
“Banco do Centeio” (mercadorias), chamado de Rentenbank, lastreado em hipotecas.
Em 20 de novembro de 1923, criou‐se uma nova moeda, o Rentenmark, que tinha paridade
fixa com o ouro‐marco, e com o marco‐papel. Era emitido pelo Rentenbank, não tinha
57
circulação, mas era aceito pelo governo para pagamento de impostos, e poderia ser convertido
em ouro mais 5% a.a de taxa de juros. Veio junto o controle da emissão de Rentenmark,
impondo disciplina fiscal ao governo. Trocava‐se um Rentenmark por 1.000 bilhões (!) de
marcos‐papel. Muitos duvidavam da eficácia dessa moeda, tendo um correspondente da The
Economist (27 de dezembro de 1923) escrito: “O [novo] papel‐moeda é ainda um mistério e
uma incógnita. A cada dia que passa torna‐se mais duvidoso (ainda que o governo afirme o
contrario) que um papel‐moeda não conversível como o Rentenmark possa manter uma
paridade fictícia tão acima do seu poder de compra.”
Os elementos institucionais da estabilização foram três: a) A legislação de meados de outubro
de 1923 instituía o Rentenbank como um órgão semi‐público, sendo o seu capital constituído
por títulos fictícios referentes à propriedade de terras e indústrias; b) As exigibilidades do
Rentenbank correspondiam aos Rentenmarks. Eles tinham uma conversibilidade que os
vinculava ao empréstimo denominado em marco ouro: mediante requisição, 500 Rentenmarks
poderiam ser convertidos num título cujo valor nominal era de 500 marcos ouro,
estabelecendo desta forma a relação 1:1 entre o Rentenmark e os certificados do empréstimo
em marco ouro em circulação; c) A mesma legislação estabelecia a norma pela qual o
Reichsbank ficava desautorizado a descontar os títulos do governo, sendo que as notas
emitidas tinham que ser lastreadas em pelo menos 1/3 em ouro e o restante em títulos
comerciais.
O Rentenbank começou a operar em 15 de novembro de 1923, iniciando a emissão do
Rentenmark. As filas formadas nos bancos comerciais e no Reichsbank para a obtenção de
papel‐moeda tornaram‐se cada vez mais extensas, não sendo satisfeita a intensa demanda. A
depreciação e a inflação destruíram o valor real da moeda muito mais rapidamente do que a
capacidade que o governo, as autoridades municipais ou qualquer outra pessoa tinha para
criar papel‐moeda.
A criação do Rentenmark não eliminou automaticamente a hiperinflação, nem as negociatas
vinculadas a ela. O russo belga Victor Serge (Viktor Lvovitch Kibaltchitch), correspondente da
Internacional Comunista na Alemanha, em 1923, constatava que continuavam, a circular, ao
menos, dez moedas diferentes no país (que já tinha o hábito secular, como vimos, de coexistir
com diversos sistemas monetários), das quais quatro sem nenhum valor real. Entre as que
possuíam valor contavam‐se o empréstimo em ouro dos EUA (Goldanleihe), dito “dólar
alemão”, e os papéis monetários emitidos por prefeituras, Länder, companhias de estradas de
ferro, etc. A especulação continuava, baseada nessa variedade: “Um banqueiro esperto
comprou 2.000 ‘dólares alemães’ pela cotação de 65 bilhões de marcos [por dólar‐ouro], isto
é, por 130 trilhões. O Reichsbank só entregou os dólares com atraso, quando o dólar já era
cotado em centenas de bilhões; mas o banqueiro só pagou (como acertado) pela cotação do
dia em que os comprou. O Reichsbank só recebeu, portanto, o valor em marcos‐papel de 200
58
dólares. O banqueiro ganhou 1.800 dólares na operação, o Reichsbank os perdeu. Esses abusos
são correntes”.
Depois de saquear os capitais menores, a pequena‐burguesia e a classe operária, os
especuladores saqueavam as finanças do Estado. Este, por sua vez, estava na alternativa de
pôr fim a esse saque, ou plantar bandeira de leilão e desaparecer (levando os saqueadores
junto): não era nesse ponto, certamente, que Keynes pensava ao se referir á “eutanásia do
rentista”...
Um aspecto importante no processo de estabilização foi a relativa estabilidade dos preços e da
taxa de câmbio em face da rápida expansão da moeda e do crédito. Durante o período
compreendido entre a data da estabilização, 15 de novembro, e o fim do ano, o crédito do
Reichsbank foi quadruplicado, assim como a quantidade de suas notas em circulação quase
dobrou. Em 1924, finalmente, Alemanha reorganizou seu sistema monetário. O Rentenmark,
conversível em divisas estrangeiras,31 à razão de 4,20 por dólar, tornou‐se a moeda oficial com
o nome de Reichsmark (marco do Estado). O dinheiro perdido ficou sem valor. Os depósitos de
banco tornaram‐se tão sem valor quanto o dinheiro. Entretanto, após a estabilização o
governo decretou o reembolso parcial, e somas na escala de 15‐30% do valor original do
depósito foram reembolsadas.
No “período de reconstrução”, de 1924 a 1929, novamente com Gustav Stresemann fazendo
parte do governo, empréstimos externos foram empregados na modernização da indústria. Os
EUA aprovaram o Plano Dawes, com empréstimos para possibilitar que o país arcasse com o
cumprimento de suas obrigações de guerra sem arruinar‐se completamente. Uma Comissão
presidida pelo norte‐americano Dawes calculou que a Alemanha devia pagar entre 50 e 125
milhões de libras esterlinas por ano, durante um período indeterminado. O primeiro
pagamento seria facilitado por um empréstimo internacional de 40 milhões de libras
(“empréstimo Dawes”). A partir daí, os capitais privados ‐ sobretudo anglo‐norte‐americanos ‐
interessaram‐se pela Alemanha e ajudaram‐na a readquirir sua capacidade de produção.
A política externa de Stresemann recuperou para a Alemanha a igualdade de direitos
internacionais através do Tratado de Locarno (1925) e do ingresso do país na Liga das Nações
(1926). Após a morte do social‐democrata Friedrich Ebert, primeiro presidente republicano, foi
eleito chefe de Estado, em 1925, o marechal Hindenburg, candidato da direita, mas com apoio
social‐democrata. A falta de confiança no sucesso imediato do programa de estabilização de
1923 pode ser percebida no comportamento das taxas de juros em elevação, somente caindo
no final de dezembro. Em fevereiro, a cotação do marco na Alemanha começou a divergir da
de Nova York, mostrando que “o mercado” (o grande capital) via o plano com ressalvas: em
abril de 1924, o Reichsbank, convencido da possível volta da inflação, reduziu drasticamente o
crédito interno. A nova moeda caminhou para a estabilização.
Interpretações e Propostas
A estabilização econômica alemã ficou associada ao nome de Hjalmar Schacht, assim como a
estabilidade política e internacional ficou associada ao nome de Gustav Stresemann. 32 No dia
31
A conversibilidade durou só até a crise internacional do padrão‐ouro, desencadeada pela crise financeira na Áustria em
1931.
32
Hjalmar Schacht nasceu em Tinglev, Nordschleswig, região da Jutlândia do Sul, hoje Dinamarca, antigo território alemão,
em janeiro de 1877, filho da baronesa dinamarquesa Constanze Justine Sophie von Eggers. Depois de se formar em
economia, durante a Primeira Guerra Mundial, foi encarregado da administração econômica da Bélgica ocupada. Em 1915,
passou a trabalhar para o Nationalbank, permanecendo até 1923, quando ocorreu a fusão com o Darmstädter Bank. Em
novembro de 1918, Schacht participou da fundação do Partido Democrático Alemão (DDP ‐ Deutsche Demokratische
Partei). Além de ministro, foi um importante banqueiro alemão, presidente do Banco Central e Ministro da Economia do
III Reich (1934‐1937), tendo conseguido na sua gestão no governo de Hitler acabar com o desemprego sem provocar alta
inflação, adotando as políticas de déficit público que depois seriam teorizadas por Keynes. Schacht foi considerado o mais
importante empreendedor de políticas econômicas na Alemanha de 1923 a 1944, e em 1932 foi o avalista político do apoio
empresarial ao partido nazista (NSDAP), então ainda na oposição, o que permitiu a Hitler assumir o governo em janeiro de
59
12 de novembro de 1923, o ministro alemão de finanças, Hans Luther, nomeou Schacht
"secretário da moeda do Reich" (Reichswährungskommissar). Coube a Schacht implementar as
medidas para conter o processo hiperinflacioniário alemão, com a criação da nova moeda
baseada em garantia hipotecária, que acabou com o processo inflacionário através da
aplicação de uma reforma monetária indexatória. Com o sucesso da reforma, em 22 de
dezembro de 1923, Schacht foi nomeado presidente do Reichsbank, cargo que ocupou até 2 de
abril de 1930.
Quanto ao sucesso do processo de estabilização, há cinco explicações convencionais,
envolvendo em cada caso um ganho de confiança baseado em um ou mais dos seguintes
fatores, enfatizando um ou outro: 1) estabilização monetária através das restrições sobre o
desconto de títulos do tesouro impostas ao Reichsbank e ao Rentenbank; 2) estabilização
fiscal; 3) estabilização na taxa de câmbio (“A estabilização do câmbio alemão apresentou,
assim como o da Áustria, a seguinte característica: foi estabilizado antes que existissem as
condições [considerando‐se o equilíbrio do orçamento do Reich] que, sozinhas, pudessem
assegurar uma recuperação permanente da situação”, disse Bresciani‐Turroni em 1937); 4)
estabilização política ocorrida com fim da “Resistência Passiva”, e com a reunião dos
componentes da comissão internacional de reparações; e 5) redução do valor real da moeda.
Em função dessa explicações, configuraram‐se duas escolas que discutem a estabilização e a
hiperinflação. Uma enfatiza o orçamento e a emissão da moeda como causas ativas da
hiperinflação; e a outra responsabiliza o balanço de pagamentos. Para a primeira, o governo
passou a financiar o déficit público exclusivamente com os ganhos de senhoriagem derivados
da emissão de moeda, daí a hiperinflação. Para Philip Cagan a renda alemã era estável e a taxa
nominal de juros (taxa de inflação mais taxa de juros real) era extremamente variável. Os
“agentes econômicos” estimavam a taxa de juros nominal, ou taxa de inflação esperada,
usando expectativas defasadas. A inflação esperada é dada por uma média móvel com pesos
exponencialmente decrescentes das inflações passadas. Os países que tiveram hiperinflação
estavam além do ponto máximo da curva de receita do imposto inflacionário. A procura por
mais imposto inflacionário aumentava a taxa de inflação, mas reduzia a receita, levando à
hiperinflação.
Os passos para o sucesso da estabilização da moeda foram o congelamento da taxa de câmbio
e o combate ao dinheiro de emergência, emitido pelo setor público e pelas empresas privadas,
numa situação em que o banco central não era o único responsável pela emissão de papel‐
moeda. Nas análises de Cagan se supõe a completa flexibilidade dos preços, e que estes são
determinados pelo equilíbrio do mercado de moeda. O processo poderia ser entendido sob
duas óticas: em função de “expectativas adaptativas” (onde a inflação futura é inercial, dado
que corresponde ao carregamento da inflação passada), ou de “expectativas racionais”
(relacionadas ao estoque futuro de moeda).
A tese de Cagan supõe que o déficit público a ser financiado por moeda é maior do que o valor
máximo do imposto inflacionário que a economia é capaz de arrecadar dos agentes que
demandam a moeda. As hiperinflações teriam sido produzidas pelo crescimento da oferta
monetária para financiar o déficit público; o imposto inflacionário estaria acima do valor
1933. O desemprego na Alemanha superava a cifra de 6 milhões. A principal preocupação do chanceler Hitler era como
combater o desemprego. Em 17 de março de 1933, Schacht assumia a presidência do Reichsbank novamente, agora
convidado por Hitler. Durante a Segunda Guerra, Schacht participou da tentativa de atentado contra Hitler em 20 de julho
de 1944, sendo preso pela Gestapo no dia 23 de julho. Em 1946 foi julgado, junto a outros hierarcas nazistas, no Tribunal
de Nuremberg, sendo o único dos acusados a ser absolvido. Preso novamente pelo governo alemão, foi libertado em
setembro de 1948, com 71 anos. Após sua saída da prisão escreveu Mais dinheiro, mais Capital, mais Trabalho, em 1949,
sobre a situação econômica alemã no pós‐guerra. Escreveu também sua autobiografia, Setenta e Seis Anos de Minha Vida,
e Contas Acertadas, sobre o período em que fez parte do governo nazista. Publicou também outros livros sobre a
economia alemã. Em 1953, fundou um banco de investimentos em Düsseldorf, o Schacht & Cia., que funcionou até 1963.
Faleceu em 4 de junho de 1970, aos 93 anos.
60
máximo que poderia ser obtido em equilíbrio estacionário. A reforma fiscal e o fim do déficit
público teriam permitido, portanto, o fim da hiperinflação. No entanto, nos quatro países que
tiveram hiperinflação, entre as duas grandes guerras, primeiro o câmbio foi fixado, depois o
déficit foi ajustado.
Bresciani‐Turroni e Cagan coincidiram em atribuir o controle súbito e bem sucedido da
hiperinflação à reforma fiscal que acabou com o déficit público; seus críticos explicaram o fim
da hiperinflação pela estabilização da taxa cambial. Essa teoria, tornada conhecida pela crítica
feita por Gustavo Franco às teses de Cagan, repete as conclusões dos estudos de Aftalion, da
década de 1930: na Tchecoslováquia, entre maio de 1922 e dezembro de 1923, os preços
caíram sem que a circulação diminuísse sensivelmente; houve uma diminuição de 33% sobre
os preços, 4,1 % sobre a circulação e 34% sobre o dólar. Na França, entre 1922 e 1924, houve a
seguinte ordem: 1°) o câmbio; 2°) os preços; 3°) a velocidade da circulação; 4°) o montante da
circulação.
Na Alemanha da República de Weimar, de maio de 1921 a fevereiro de 1923, os preços
subiram de 1 a 430, a circulação de 1 a 44, mas o câmbio de 1 a 474. Ainda na Alemanha, entre
fevereiro de 1923 e abril de 1923, a circulação dobrou, mas os preços e o câmbio desceram um
pouco. Logo que o dólar subiu, ou preços ascenderam. Desses exemplos, Aftalion concluiu na
responsabilidade principal do câmbio na hiperinflação. Para ele, no entanto, as flutuações dos
preços dependiam ainda de outros fatores, não indicados pela teoria quantitativa da moeda e
da inflação: as variações das rendas, decorrentes não só das variações da quantidade de
moeda, mas ainda do câmbio, dos preços exteriores, das colheitas, das invenções técnicas; e
“fatores psicológicos” (apreciações subjetivas).33 Segundo Sennholz, “durante todo o período
da inflação, a explicação mais popular para a depreciação monetária era aquela que jogava a
culpa em um desfavorável balanço de pagamentos, cujo culpado era, por sua vez, o
pagamento de reparações e outros ônus impostos pelo Tratado de Versalhes. Para a maioria
dos escritores e políticos alemães, os déficits do governo e a inflação do papel‐moeda não eram
as causas, mas, sim, as conseqüências da depreciação externa do marco”.
Para Barbosa e Sallum, não há necessidade dessas hipóteses: “A essencialidade da moeda
implica um custo social extremamente elevado para a sociedade, que não pode prescindir dos
serviços da mesma... o Estado no final da hiperinflação chegaria a uma situação falimentar,
sem recursos para financiar suas despesas, e não há exemplo de Estado que simplesmente
feche suas portas. A sociedade sabe de antemão que a trajetória da hiperinflação é
insustentável e que uma mudança de regime de política econômica ocorrerá antes que a
hiperinflação chegue ao seu término. Todavia, a sociedade não sabe o momento exato da
mudança do regime de política econômica”.
Para as duas “escolas”, os acontecimentos políticos, com o fim da “resistência passiva”, e a
favorável perspectiva dos empréstimos de estabilização, constituíram um componente
importante. Sargent atribuiu a estabilização ao limite institucional da monetização dos déficits
e à resultante necessidade de reforma fiscal. A limitação de crédito para o governo estipulada
pelo Rentenbank e a proibição de desconto de títulos do governo pelo Reichsbank associaram‐
se, separando o déficit orçamentário do sistema monetário.
33
Gustavo Franco usou os dados de Cagan para demonstrar que eles sugeriam o contrário da tese deste. O déficit fiscal
podia gerar hiperinflação se fosse maior do que qualquer ponto da curva de receita total: o governo emitiria cada vez mais
e recolheria cada vez menos. Se a inflação esperada fosse maior do que a observada, o imposto inflacionário seria maior
do que o ganho de senhoriagem. Se a inflação esperada fosse menor do que a observada, seria menor. Ou seja, se a
emissão de moeda provocasse uma expectativa de inflação maior do que a inflação observada, o imposto inflacionário
seria menor do que o ganho de senhoriagem. O governo emite 100 e o imposto inflacionário é 80; emite 200 e o imposto
inflacionário é 90; ao emitir mais arrecada menos imposto inflacionário: neste caso, temos hiperinflação. Para Franco, o
fim da hiperinflação resultou da estabilização da taxa de câmbio, possível depois de uma renegociação dos pagamentos de
reparação da Alemanha com os EUA, o país que tinha reservas em ouro e emitia a moeda que já passava a ser a mais
importante da economia mundial. Ou seja, que a condição do fim da hiperinflação não foi econômica, mas política.
61
Entre 1923 e 1924, apesar da elevação nas despesas, as receitas foram retomadas e subiram
mais de 1200%, alcançando um superávit orçamentário. E no ano 1925 o saldo se manteve
estabilizado. O Reichsbank manteve uma taxa de juros de 90% ao ano (mais despesas diárias)
até fins de janeiro de 1924. Como durante o período compreendido entre 20 de novembro até
fins de dezembro de 1923 os preços mantiveram‐se constantes, ou mesmo decrescentes, as
taxas de juros reais vigentes eram extremamente altas.
Depois de posto em prática o “plano de estabilização”, o orçamento público sofreu uma
reviravolta, para uma situação de equilíbrio fiscal:
Orçamento Federal Alemão (1922‐1925)
(milhões de marcos ouro)
1922 1923* 1924 1925
Despesa 3.951 5.278 7.220 7.444
Receita 1.508 588 7.757 7.334
Déficit orçamentário ‐2.443 ‐4.690 ‐537 +110
Uma vez o problema inflacionário suprimido, foi possível sanar a questão fiscal, observado o
aumento real da arrecadação tributária. Dornbusch listou outros quatro fatores que
favoreceram a estabilização fiscal: •O corte dos gastos do governo e a criação de novos
impostos; •Parte da dívida que antes era de curto prazo, do tesouro junto ao Reichsbank, foi
trocada por créditos em Rentenmarks isentos de juros; •O processo hiper‐inflacionário
proporcionou a eliminação do valor real (“liquidificou”) da dívida do governo de longo prazo,
contraída junto ao público; •Aumento da arrecadação via impostos, dado o fim da inflação que
achatava a receita fiscal.
Gustav Stresemann
A dívida pública de longo prazo foi um ponto importante, uma vez que, medida ao final da
guerra, ela representava mais da metade de toda a despesa orçamentária, e em 1924 passa a
representar apenas 3% do total. O crescimento nos preços de forma expressiva, em conjunto
com a redução das despesas, face o fim da resistência passiva, era considerado pré‐condição
para a estabilidade da economia.
O aumento cumulativo dos preços, segundo Keynes, acelerava a velocidade da circulação da
moeda a tal ponto que diminuía a um mínimo o saldo real monetário, desta forma uma
pequena quantia de capital advinda de empréstimos externos seria necessária para lastrear
em ouro todo o montante em circulação da moeda doméstica; além disso, este crescimento do
aumento da velocidade de circulação da moeda passava a ser insustentável, visto que era cada
vez maior a movimentação de moeda física, criando entraves a sua circulação.
A estabilização do câmbio era tida como principal fase do processo de estabilização fiscal, pois
guiava as expectativas de um novo patamar de preços, propiciando um ambiente favorável à
continuidade do processo, através de seus efeitos sobre a receita fiscal. Inibir a especulação
privada era outra possibilidade. Às vésperas do início da circulação da nova moeda, o governo
62
desvalorizou a moeda em 333%, deixando clara a finalidade da criação de bases sustentáveis
para o início do processo de estabilização. Além disso, essa grande desvalorização visava
adequar à taxa de câmbio oficial à taxa de câmbio dos territórios ocupados.
TAXA DE CÂMBIO OFICIAL E EM COLÔNIA (1923: BILHÕES DE MARCOS/US$)
OFICIAL COLÔNIA
12/nov 0,63 3,9
13/nov 0,84 6,85
14/nov 1,26 5,8
15/nov 2,52 6,5
20/nov 4,2 11,7
20/nov 4,2 11
30/nov 4,2 7,8
06/dez 4,2 4,9
10/dez 4,2 4,2
Foi somente um mês após a “estabilização” que o “mercado” aceitou a taxa oficial de câmbio,
fixada em 4,2 marcos ouro, ainda em 30 de novembro se observava uma grande disparidade
entre a taxa de mercado livre e a oficial. The Economist dizia, ainda em 27 de novembro de
1923, que a situação era de insegurança e confusão, não havia nenhum consenso acerca do
futuro da economia, mas, a 16 de dezembro, já informava que o clima, apesar de ainda muito
incerto, trazia um consenso: a situação monetária havia melhorado, visto que “por algum
motivo desconhecido” (sic) a moeda era estável e havia uma queda no nível dos preços.
A fixação da taxa de câmbio, somada a redução na concessão de crédito, funcionava como
fator de credibilidade da estabilização. A taxa de juros era de 3% ao dia, cerca de 150% ao ano,
e o fato do dólar ter se depreciado consideravelmente, além do grande custo de crédito, criava
drásticos mecanismos estabilizadores, visto que um simples adiamento na retomada da
hiperinflação representava perdas enormes para o capital especulador.
Quando, em 1924, a moeda alemã voltou a se desvalorizar, havia uma forte restrição ao
crédito, criando barreiras para a sua contínua desvalorização. Apesar de, temporariamente, o
risco de retorno da inflação ter sido afastado, não foi descartado; a taxa de juros depois da
estabilização, e a conseqüente circulação do Rentenmark, atingia 20%, e somente na primeira
semana de dezembro caiu para uma faixa menor, de cerca de 1,5% ao dia; neste mesmo
momento o marco estava valorizado, o que inibia a especulação com o câmbio, impondo
enormes perdas a quem o fizesse.
A possibilidade de retorno dos altos níveis de inflação era refletida no nível da taxa de juros
um mês após a estabilização, que também revelava um potencial de desvalorização da moeda.
A restrição ao crédito, quando a economia voltava a sofrer a pressão a favor da desvalorização
da moeda, a queda dos preços e a estabilização, somadas às taxas reais de juros e de câmbio
altas, foram pontos para o controle da inflação, bem como o fim dos descontos para o
governo, a atualização fiscal, e o fim dos ganhos de capital no mercado de câmbio.
63
Quatro anos após o putsch nazista de Munique, e da fracassada insurreição do KPD, a
República de Weimar parecia estabilizada, graças à ação de seu Ministro do Exterior, Gustav
Stresemann. Em agosto de 1924, a negociação com os EUA do Plano Dawes revogou os
pagamentos de reparação. Em outubro, uma nova moeda‐ouro, o Reichsmark, substituira o
Rentenmark. No ano seguinte, o Pacto de Locarno reconheceu formalmente as fronteiras
ocidentais de pós‐guerra, reconciliando a Alemanha com seus vizinhos, em particular a França.
Conclusão
A hiperinflação alemã reconhece antecedentes históricos, na dívida pública originada no
financiamento bélico do Império Alemão na I Guerra Mundial, e antes ainda, nas
peculiaridades da história econômica da Alemanha no século XIX. Sua explosão na década de
1920, porém, vincula‐se com as especificidades da conjuntura econômica internacional de pós‐
guerra. Originada no próprio movimento da acumulação de capital, foi necessária uma crise
internacional e nacional de grandes proporções (a Grande Guerra e a derrota alemã, com
todas suas conseqüências) para que uma inflação sem precedentes:
a) Operasse como meio extremo de salvamento do grande capital (Krupp, Thyssen),
permitindo‐lhe a absorção dos capitais pequenos e médios, quebrados. Os grandes
empresários usavam a "arma da inflação”, mediante seu fácil acesso ao crédito bancário ‐ que
pagavam depois em dinheiro desvalorizado – para comprar empresas menores sem acesso ao
crédito. Durante a guerra, o império de Stinnes cresceu até abarcar minas de carvão, fábricas
de ferro e aço, e uma parte da indústria elétrica; depois da guerra estendeu esse império a
fábricas de papel e tipografias, jornais e editoras, estaleiros e companhias de navegação,
hotéis e fazendas. Seu controle sobre as exportações forneceu‐lhe divisas estrangeiras,
permitindo‐lhe especular contra o marco e comprar 572 empresas no exterior. Os grandes
capitalistas realizavam seus lucros em dólar ou ouro, mas pagavam suas dívidas, impostos e
salários em marcos, fazendo assim negócios milionários;
b) Agisse como meio de ascensão econômica e social de setores empresariais “abutres” (como
o próprio Stinnes), especuladores em grande e pequena escala, em todos os mercados
(industrial, cambial, financeiro, comercial e de serviços), extremamente dinâmicos e
predadores, o próprio protótipo do rentier de Keynes ou Bukhárin;
c) Fosse um meio efetivo para o Estado (e sua classe dominante) alemão se contraporem e
recuperarem, na concorrência e na guerra econômica internacional, as perdas impostas, pela
via militar, pelos Estados inimigos (a França em especial), na conflagração mundial, na forma
de pesadas reparações. Inicialmente, a inflação era uma "estratégia econômica”: os
empréstimos norte‐americanos feitos até o verão de 1922 eram pagos em moeda
desvalorizada, e assim, as perdas ficavam por conta dos credores. Mas a “astúcia” tinha duas
pontas, ou seja, remetia à estabilidade geral do sistema monetário internacional. Acreditando
na capacidade de recuperação da moeda alemã, o resto do mundo apressou‐se em comprar,
em quantidades crescentes, uma moeda, que, internamente, se desvalorizava verticalmente. A
hiperinflação aniquilou o poder aquisitivo interno do marco, enquanto a Alemanha podia
pagar as reparações de guerra que lhe foram impostas, utilizando‐se apenas da metade da
moeda estrangeira, que recebia do exterior, resultante das suas vendas de marcos. Assim,
“essa curiosa situação de uma moeda‐papel, repudiada na área do seu curso legal e
entesourada no estrangeiro, redundou em que as reparações de guerra (monetárias) fossem
pagas, efetivamente, pelos vencedores e não pelo vencido”;
d) Fosse, sobretudo, a arma decisiva de expropriação do salário e das conquistas sociais dos
trabalhadores (industriais, em primeiro lugar), no quadro de uma revolução que não só
derrubou a monarquia e abalou as raízes de velha aristocracia teutônica, mas também colocou
a questão da revolução social (proletária), ao ponto do governo emergente da queda da
monarquia chamar‐se “conselho dos comissários do povo” (como o governo da Rússia
64
soviética), para iludir acerca de seu caráter “revolucionário”, com a anuência da desesperada
burguesia alemã. Para Arthur Rosenberg, “a inflação foi objetivamente uma espécie de
revanche realizada pelas antigas camadas superiores, os grandes capitalistas e os grandes
proprietários de terra contra a massa do povo. Foi a desforra pelo susto que os senhores
levaram em 9 de novembro [de 1918] e nos meses seguintes”.34
A hiperinflação alemã, portanto, só é compreensível transbordando o quadro puramente
“econômico”, e situando‐se no quadro geral da luta de classes nacional e internacional. O
feitiço virou‐se contra o feiticeiro, quando este quis controlá‐lo: em três ocasiões, o governo
conseguiu estabilizar provisoriamente o valor da moeda: em 1920, no início de 1922, e em
março‐abril de 1923, sem conseguir evitar a degringolada.
Os meios de salvação do capitalismo alemão de suas contradições, se transformaram, assim,
em meios de sua própria decomposição. A forma mais abstrata do valor (isto é, da mais‐valia)
se decompôs. As poupanças privadas desapareceram, criando um vácuo quase completo de
capital ativo para as empresas, o explica a dependência maciça de empréstimos estrangeiros
da economia alemã nos anos seguintes, e sua vulnerabilidade quando veio a depressão
econômica da década de 1930.
A hiperinflação arruinou também os setores assalariados de posição mais sólida (funcionários
públicos, professores), os profissionais liberais e a pequena‐burguesia de renda variável
(lojistas, pequenos comerciantes e agricultores). Quando a hiperinflação acabou, devido à
decisão de parar de imprimir papel‐moeda em quantidades ilimitadas, e de mudar a moeda, as
pessoas que dependiam de rendas fixas e poupanças estavam aniquiladas, embora uma fração
do dinheiro tivesse sido salva na Polônia, Hungria e Áustria. Isto provocou um abalo social de
dimensões gigantescas, varrendo em pouco tempo valores e hábitos consolidados
secularmente (como a abstinência de consumo, e a poupança, como garantias do futuro
pessoal e familiar), criando uma crise social, política e cultural inédita, isto é, uma crise
civilizacional.35
Essa crise foi de tal ordem que até a conservadora e tradicionalista universidade alemã viu‐se
obrigada a abrir espaço para a crítica radical da ordem existente. A partir de um memorando
do germano‐argentino Felix Weil, a Universidade de Frankfurt aceitou que fosse criado um
“Instituto de Pesquisa Social”, para o “conhecimento e compreensão da vida social em sua
totalidade”, da “base econômica à superestrutura institucional e ideacional”. Surgia assim a
base da “teoria crítica” (ou “Escola de Frankfurt”). Carl Grünberg, historiador marxista
austríaco de reputação internacional, tornou‐se o primeiro diretor do Instituto, assumindo a
cadeira de Economia e Ciências Sociais na Universidade de Frankfurt em fins de 1923. A aula
inaugural de Grünberg tornou explícita a simpatia do Instituto pelo marxismo. O diretor
declarou‐se um oponente da ordem sócio‐econômica vigente e admitiu abertamente que se
incluía entre os "adeptos do marxismo": "O método ensinado como chave para resolução de
nossos problemas será o método marxista”. Weil, mais tarde, explicou que teria preferido
chamar o Instituto pelo que realmente pretendia ser, isto é, Institut für Marxismus (Instituto
de Marxismo).
A peça política central da recuperação in extremis do Estado burguês alemão foi a social‐
democracia (SPD). O preço pago pelo uso desses recursos econômicos e políticos foi uma
34
Quando o governo pediu aos industriais que o ajudassem a controlar a inflação, estes propuseram, como contrapartida a
um eventual repatriamento de capitais e à abertura de créditos em divisas, que o governo privatizasse as ferrovias e lhes
concedesse grandes vantagens fiscais. Em outubro de 1923, os grandes empresários exigiram o aumento da jornada de
trabalho, o fim de numerosas vantagens sociais, a supressão das subvenções para o pão e a re‐privatização das ferrovias,
ou seja, a supressão das conquistas sociais obtidas pelos trabalhadores com a Revolução de 1918.
35
É um exagero fatalista a afirmação de Hobsbawm de que a hiperinflação, pelo seu “efeito traumático” nas classes média,
e média baixa, “deixou a Europa Central pronta para o fascismo”, mas não deixa de ser verdade que o episódio concorreu
para esse desfecho.
65
situação revolucionária sem precedentes em países de capitalismo desenvolvido, envolvendo
todas as classes e grupos sociais, inclusive aqueles tradicionalmente afastados da luta social e
política. Durante seis anos a história alemã andou, cambaleante, no limiar do estreito fio da
revolução social que, unida à revolução soviética, teria mudado a história européia e, com ela,
a história mundial.
A primeira fase da revolução (novembro 1918 – janeiro 1919) fracassou, segundo Rosa
Luxemburgo, pela sua imaturidade, mas sem deixar de apontar o que seria a questão chave da
fase sucessiva (a direção política das massas trabalhadoras): “A nossa crise tem um duplo
rosto, o da contradição entre uma enorme decisão ofensiva por parte das massas e a falta de
convicção por parte dos chefes berlinenses. Falhou a direção. Mas este é o defeito menor,
porque a direção pode e deve ser criada pelas massas. As massas são com efeito o fator
decisivo, porque são a rocha sobre a que será edificada a vitória final da revolução. As massas
cumpriram com a sua missão, porque fizeram desta nova "derrota" o elo que nos une
legitimamente à cadeia histórica de "derrotas" que constituem o orgulho e a força do
socialismo internacional. Podemos ter a certeza de que desta "derrota" também há de
florescer a vitória definitiva. A ordem reina em Berlim!... Ah! Estúpidos e insensatos carrascos!
Não reparastes em que a vossa "ordem" está a alçar‐se sobre a areia. A revolução alçar‐se‐á
amanhã com a sua vitória e o terror pintar‐se‐á nos vossos rostos ao ouvir‐lhe anunciar com
todas as suas trombetas: era, sou e serei!”.
A ocupação francesa do Rühr de janeiro de 1923, e a inflação enorme, colocaram novamente
na ordem do dia a revolução proletária. Os operários desertavam em massa dos sindicatos e a
social‐democracia que os dirigia através destes perdeu o controle. No entanto, também a
direção do Partido Comunista alemão (KPD) fracassou na prova da revolução. Sua debilidade,
assim como a dos outros PCs, tornara‐se visível em 1921, quando atuou de modo ultra‐
esquerdista.
Até agosto de 1923, houve uma política prudente do KPD e da Internacional Comunista (depois
do fracasso de 1921, ambos chamaram a “conquistar as massas”), mas uma greve geral
espontânea derrubou o governo Cuno. Os dirigentes do KPD, em Moscou, marcaram a
insurreição para novembro, no sexto aniversário da revolução russa. As “centúrias proletárias”
se armaram, a insurreição foi planejada para partir dos governos social‐comunistas de Saxônia
e Turingia. Para Trotsky, “a história nunca criou e dificilmente criará condições mais favoráveis
para a revolução proletária e a tomada de poder. Se se pedisse aos pesquisadores marxistas
imaginar uma situação mais favorável à tomada do poder pelo proletariado, não
conseguiriam”. Mas a insurreição não aconteceu, cancelada pela direção do KPD, sob o olhar
passivo da direção da Internacional Comunista.
O balanço da direção do KPD e da Internacional Comunista em seu V Congresso (1924),
conduzido pela fração de Stálin e do presidente da IC, Zinoviev, considerou a revolução alemã
como um simples episódio perdido e não a derrota mais importante do processo
revolucionário europeu iniciado em 1917. Desta maneira, afirmavam que haveria outros
“Outubros”, ou mesmo diziam ter exagerado as condições que estavam colocadas para a
revolução, o que impediu que a IC extraísse as conclusões necessárias para o futuro da luta de
classes.
Trotsky, pelo contrário, considerou que a derrota da revolução alemã foi o ponto de virada
para a formação de frações na URSS (no PCUS) e na Internacional Comunista, dada a escala
gigantesca da luta de classes de onde se expressavam as diferenças. Respondia de forma
categórica, seguindo as definições que formulou conjuntamente com Lênin sobre o
desenvolvimento da revolução mundial: “Estavam dadas todas as condições para o triunfo da
revolução na Alemanha? Penso que teríamos que responder com absoluta claridade e firmeza,
sim, todas exceto uma. A Alemanha não tinha um partido bolchevique, não tinha uma direção
tal como tivemos em Outubro [de 1917, na Rússia]”. Escrevendo retrospectivamente, para
66
Fernando Claudín, ao contrário, as condições revolucionárias não estavam ainda maduras
naquela ocasião, e 1923 não deveria ser considerado “o ano da derrota” do KPD, uma vez que,
no ano seguinte, obteria quase 4 milhões de votos (compare‐se com os 600 mil de 1920):
adiando a insurreição, a direção do KPD teria salvo o partido de ser novamente esmagado,
como acontecera em março de 1921.36
Trotsky afirmou também que o erro fundamental do KPD foi não ter compreendido “a tempo”
a necessidade de um giro tático abrupto: “O que é mais difícil para uma direção revolucionária
é saber no momento oportuno tomar em suas mãos a situação política, perceber sua inflexão
brusca e mudar firmemente o rumo. Semelhantes qualidades de direção revolucionária não se
obtém simplesmente pelo fato de prestar juramento de fidelidade a última circular da
Internacional Comunista; se conquistam, se as premissas teóricas indispensáveis existem, pela
experiência adquirida por si mesma e praticando uma auto‐crítica verdadeira”: “Duas grandes
lições marcam a história do KPD: março de 1921 e novembro de 1923. No primeiro caso, o
partido confundiu a sua própria impaciência com uma situação revolucionária madura; no
segundo, foi incapaz de reconhecer uma situação revolucionária madura e a deixou escapar.
Estes são os perigos extremos da “esquerda” e da “direita”; estes são os limites entre os quais
passa, geralmente, a política do partido proletário em nossa época”.
A conclusão de Trotsky era aberta, indicando os perigos, mas sem propor uma solução única e
fechada. Trotsky escrevia como político, no calor dos acontecimentos. Com recuo histórico,
cabe perguntar se era possível que uma direção revolucionária surgisse da Armata
Brancaleone de massas que era o KPD entre 1919 e 1924, não só, nem principalmente, pelas
suas inúmeras viragens políticas, mas também pelas suas divisões internas e pelo fato de ter
mudado por completo sua liderança uma dezena de vezes durante esse curto período, pondo
essa responsabilidade, a cada virada, em equipes que careciam de qualquer experiência na
direção de um partido político.
Para o próprio Trotsky, este fora o problema central da revolução européia a partir do final da
guerra mundial: “Em escala mundial, houve três ocasiões em que a revolução proletária
chegou ao ponto em que era necessário um bisturi. Foi em outubro de 1917 na Rússia, em
setembro de 1919 na Itália, e na segunda metade do ano passado (julho‐novembro), na
Alemanha”, disse, em discurso de abril de 1924 em Tiflis (já embrenhado na luta de frações
dentro do PCUS) – como se sabe, somente na primeira dessas ocasiões o bisturi funcionou (ou,
simplesmente, existia).
Em meados da década de 1930, o revolucionário russo seria ainda mais contundente acerca do
alcance histórico da derrota alemã: “Se, em 1918, a social‐democracia alemã tivesse
aproveitado o poder que os operários lhe confiavam para consumar a revolução socialista e
não para salvar o capitalismo, não seria difícil conceber, apoiando‐nos no exemplo russo, o
invencível poder econômico que seria hoje o do maciço socialista da Europa central e oriental
e de uma parte considerável da Ásia. Os povos do mundo terão ainda que pagar, com novas
guerras e novas revoluções, os crimes históricos do reformismo”.
Para Pierre Broué, referindo‐se ao “fiasco alemão”, “jamais na história contemporânea houve
preparativos tão cuidadosos, sérios e sistemáticos para uma insurreição, em nenhum país.
Nunca uma revolução em um país foi tão esperada, com seus fundamentos edificados como os
de uma catedral pelos braços de dezenas de milhares de pessoas humildes. Jamais, portanto,
uma decepção foi tão forte para os crentes e os combatentes”. A “incapacidade” do KPD para
levar a cabo a revolução, por outro lado, foi endossada, como vimos, pela direção da
Internacional Comunista. Por isso, embora “nacional” pela sua forma, a derrota alemã foi
internacional no pleno sentido do termo, isto é, remete a uma limitação decisiva do processo
36
O argumento de Claudín contra Trotsky é fraco: os votos do KPD tiveram uma trajetória, em geral, ascendente até 1933,
o que não lhe poupou de ser derrotado, e esmagado da pior maneira imaginável, pelo nazismo.
67
revolucionário europeu (e mundial) iniciado em outubro de 1917, ou seja, da própria
Revolução de Outubro e de seu instrumento mundial, a Internacional Comunista.
Nos anos sucessivos à crise alemã, os problemas da direção política revolucionária se poriam,
em toda a Europa, em condições muito piores, devido à consolidação da burocracia stalinista e
a ascensão do nazismo. A bisonha tentativa insurrecional nazista de 1923 ensinou ao (até
então pitoresco) futuro Führer que, para obter uma audiência de massas, o uso das margens
de legalidade da República era indispensável. Nascido nas margens do exército, o NSDAP era
timidamente financiado, no início, por setores empresariais menores: o editor Bruckham, o
fabricante de pianos Bechstein.37
A partir de 1924, o NSDAP começou a participar de atividades políticas legais e eleitorais,
centrando‐se nelas. Às classes médias desesperadas, destruídas pela hiperinflação, os nazistas
propunham remédios contra a angústia: xenofobia, racismo, nacionalismo exacerbado,
acompanhados de uma demagogia anti‐capitalista que apontava os judeus (desde o século XIX
designados popularmente como “encarnação do capital”: o fundador do Partido Social‐
Democrata, August Bebel, já chamava o anti‐semitismo de “socialismo dos imbecis”). Também
eram denunciados o “imperialismo” (o diktat de Versalhes), os bonzos (os dirigentes operários,
acusados de colaboração com os judeus): os nazistas chegaram a apoiar as “greves selvagens”.
E, sobretudo, o NSDAP não deixou de usar a violência e o terror contra seus “inimigos”, para
demonstrar ao seu “público” sua determinação em atingir seus objetivos.
Bibliografia
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