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Elizabeth S.

Anderson*

Qual é o sentido da igualdade?**


What is the point of equality?

Se grande parte do trabalho acadêmico recente defendendo a igualdade


tivesse sido escrita secretamente por conservadores, os resultados poderiam
ter sido mais constrangedores para os igualitaristas1? Examinemos quanto
desse trabalho abre espaço para críticas conservadoras clássicas e devasta-
doras. Ronald Dworkin (1981b) define igualdade como uma distribuição
de recursos “livre de cobiça”, o que alimenta a suspeita de que a motivação
por trás de políticas igualitárias seja a simples cobiça. Philippe Van Parijs
(1991) argumenta que a igualdade, em conjunto com a neutralidade liberal
entre concepções do bem, requer que o Estado sustente surfistas preguiço-
sos e aptos, que não estejam dispostos a trabalhar. Isso provoca a acusação
de que os igualitaristas sustentam a irresponsabilidade e incentivam os
indolentes a ser parasitários em relação aos produtivos. Segundo Richard
Arneson (1997), a igualdade exige que, em determinadas condições, o Estado
subsidie cerimônias religiosas extremamente caras que os seus cidadãos se

*
É professora da University of Michigan (East Lansing, MI, Estados Unidos). E-mail: eandersn@umich.edu.
**
Do original “What is the point of equality?”, publicado em Ethics, v. 109, n. 2, jan. 1999. Direitos autorais
concedidos pela The University of Chicago Press. Tradução de Roberto Cataldo Costa. Revisão técnica
da tradução por Flávia Biroli.
1
Agradeço a Louise Antony, Stephen Everson, Allan Gibbard, Mark Hansen, Don Herzog, David Hills,
Louis Loeb, Martha Nussbaum, David Velleman e os membros do público na Universidade da Carolina
do Norte e da Universidade de Chicago, onde apresentei versões anteriores deste artigo. Um agra-
decimento especial a Amy Gutmann, por seus comentários perspicazes no 31º Colóquio Anual de
Filosofia, em Chapel Hill, NC.

Revista Brasileira de Ciência Política, nº15. Brasília, setembro - dezembro de 2014, pp. 163-227.
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0103-335220141507

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sintam compelidos a realizar. G. A. Cohen (1989) nos diz que a igualdade


requer que compensemos as pessoas por terem temperamento melancólico
ou por estarem tão incuravelmente entediadas com passatempos baratos que
só consigam se satisfazer com diversões caras. Essas propostas reforçam a
objeção de que os igualitaristas se esquecem dos limites adequados do poder
do Estado e permitem a coerção de outros para fins meramente privados.
Van Parijs (1995) sugere que, para implementar de forma justa o direito
igual de se casar, quando os parceiros do sexo masculino são escassos, toda
mulher deveria receber uma fatia negociável igual do conjunto de solteiros
disponíveis e teria de fazer uma oferta pelos direitos de parceria, implemen-
tando, assim, uma transferência de riqueza das noivas bem-sucedidas para
compensar as perdedoras no amor. Essa ideia sustenta a objeção de que o
igualitarismo, em sua determinação de corrigir as injustiças percebidas em
qualquer parte, invade a nossa privacidade e sobrecarrega os laços pessoais
de amor e carinho que estão no centro da vida familiar.
Quem está situado à esquerda não tem menos razão do que os conserva-
dores e os libertários para se sentir perturbado pelas recentes tendências do
pensamento igualitário acadêmico. Em primeiro lugar, examinemos aqueles
a quem recentes igualitaristas acadêmicos têm dado atenção especial: vaga-
bundos de praia, preguiçosos e irresponsáveis​​, pessoas que não conseguem
se divertir com prazeres simples e fanáticos religiosos. Thomas Nagel (1979)
e Gerald Cohen nos apresentam personagens um pouco mais simpáticos,
mas igualmente dignos de pena, ao considerar pessoas burras, sem talento
e amargas como beneficiárias exemplares das preocupações igualitárias. O
que aconteceu com as preocupações dos politicamente oprimidos? E o que
dizer das desigualdades de raça, gênero, classe e casta? Onde estão as vítimas
dos genocídios nacionalistas, da escravidão e da subordinação étnica?
Em segundo lugar, as agendas definidas por grande parte da teorização
igualitária recente têm um foco muito estreito na distribuição de bens divisí-
veis e que são apropriados de forma privada, como renda e recursos, ou dos
que são desfrutados de forma privada, como o bem-estar. Isso negligencia
as agendas muito mais amplas dos movimentos políticos igualitários pro-
priamente ditos. Por exemplo, gays e lésbicas buscam a liberdade de aparecer
em público como as pessoas que são, sem vergonha nem medo de violência,
bem como o direito de se casar e de desfrutar dos benefícios do casamento,
de adotar e manter a guarda dos filhos. As pessoas com deficiência têm cha-

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mado a atenção para as formas como a configuração dos espaços públicos


as têm excluído e marginalizado, e têm feito campanhas contra estereótipos
degradantes que as apresentam como burras, incompetentes e patéticas.
Assim, no que diz respeito aos alvos da preocupação igualitária, bem como
a suas agendas, as recentes abordagens igualitárias parecem estranhamente
desconectadas dos movimentos políticos igualitários existentes.
O que deu errado? Argumentarei que esses problemas decorrem de um
entendimento falho sobre o sentido da igualdade. Abordagens igualitárias
recentes passaram a ser dominadas pela visão de que o objetivo fundamental
da igualdade é compensar as pessoas por má sorte imerecida, como nascer
com dons naturais escassos, pais ruins e personalidades desagradáveis, sofrer
acidentes e doenças, e assim por diante. Argumentarei que, ao se concentra-
rem em corrigir uma suposta injustiça cósmica, as abordagens igualitárias
recentes perderam de vista os objetivos especificamente políticos do igua-
litarismo. O objetivo negativo correto da justiça igualitária não é eliminar
das questões humanas o impacto da sorte bruta, mas acabar com a opressão,
que, por definição, é socialmente imposta. O objetivo positivo correto não
é garantir que todos recebam o que merecem moralmente, mas criar uma
comunidade em que as pessoas estejam em condições de igualdade entre si.
Neste artigo, compararei as implicações dessas duas concepções para
o sentido da igualdade. A primeira concepção, que considera a injustiça
fundamental como a desigualdade natural na distribuição da sorte, pode
ser chamada de “igualitarismo da sorte” ou “igualdade de fortuna”. Argu-
mentarei que a igualdade de fortuna não passa no teste mais fundamental a
que qualquer teoria igualitária deve se submeter: o de que os seus princípios
expressam respeito e preocupação iguais para com todos os cidadãos. Ela
não passa nesse teste em três aspectos. Em primeiro lugar, exclui alguns
cidadãos das condições sociais de liberdade sob o argumento espúrio de
que eles próprios são culpados por perdê-las. Ela só escapa desse problema
pagando o preço do paternalismo. Em segundo lugar, a igualdade de fortuna
faz com que a base para as reivindicações que os cidadãos colocam uns aos
outros seja o fato de que alguns são inferiores a outros no valor de suas vidas,
seus talentos e suas qualidades pessoais. Assim, os princípios dessa visão
expressam uma pena desdenhosa para com aqueles que o Estado carimba
como sendo infelizmente inferiores e defende a cobiça como base para a
distribuição de bens dos sortudos aos desafortunados. Esses princípios es-

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tigmatizam os desafortunados e desrespeitam os afortunados ao não mostrar


como a cobiça pode comprometê-los com suas obrigações. Em terceiro lugar,
a igualdade de fortuna, na tentativa de garantir que as pessoas assumam a
responsabilidade por suas escolhas, faz juízos degradantes e invasivos sobre
as capacidades das pessoas de exercer a responsabilidade e efetivamente lhes
dita os usos apropriados de sua liberdade.
A teoria que defenderei pode ser chamada de “igualdade democrática”. Na
busca da construção de uma comunidade de iguais, a igualdade democrática
integra os princípios de distribuição às demandas que expressam respeito
igual. A igualdade democrática garante a todos os cidadãos cumpridores da lei
o acesso efetivo às condições sociais de sua liberdade, em todos os momentos.
Ela justifica as distribuições necessárias para assegurar essa garantia ao apelar
às obrigações dos cidadãos em um Estado democrático. Nesse Estado, os ci-
dadãos fazem reivindicações uns para os outros em virtude de sua igualdade,
e não de sua inferioridade. Como o objetivo fundamental dos cidadãos na
construção de um Estado é o de garantir a liberdade de todos, os princípios de
distribuição da igualdade democrática não têm a pretensão de dizer às pessoas
como usar suas oportunidades nem tentam julgar o quanto essas pessoas são
responsáveis por escolhas que levem a resultados desafortunados. Em vez
disso, essa teoria evita a bancarrota nas mãos dos imprudentes limitando o
leque de bens fornecidos coletivamente e esperando que as pessoas assumam
a responsabilidade pessoal pelos outros bens que possuem.

A justiça como igualdade de fortuna


A seguinte passagem de Richard Arneson descreve bem a concepção de
justiça que pretendo criticar:

A preocupação da justiça distributiva é compensar os indivíduos pelo infortúnio.


Algumas pessoas são abençoadas com boa sorte, outras são amaldiçoadas com má
sorte, e é responsabilidade da sociedade – todos nós, considerados coletivamente –
mudar a distribuição de bens e males que surge da miscelânea de loterias que cons-
tituem a vida humana como a conhecemos (...). A justiça distributiva estipula que
os sortudos devem transferir aos azarados parte ou todos os seus ganhos devidos à
sorte (Arneson, 2008, p. 32).

Essa concepção de justiça pode ser identificada na obra de John Rawls


(1971) e tem sido (erroneamente, acredito) atribuída a ele. A igualdade de

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fortuna é atualmente uma das posições teóricas predominantes entre os


igualitaristas, como ficou claro na lista de teóricos que a apoiam, incluindo
Richard Arneson, Gerald Cohen, Ronald Dworkin, Thomas Nagel (1991),
Eric Rakowski (1991) e John Roemer (1994). Philippe Van Parijs também
incorpora esse princípio à sua teoria da igualdade de recursos ou ativos. O
igualitarismo da sorte se baseia em duas premissas morais: a de que as pessoas
devem ser compensadas por infortúnios imerecidos e a de que a compensação
deve vir apenas daquela parte da boa fortuna das outras que for imerecida.
Parte do apelo da igualdade de fortuna vem de seu impulso aparente-
mente humanitário. Quando pessoas decentes veem outras sofrerem sem
uma boa razão – por exemplo, crianças morrendo de fome –, elas tendem a
considerar uma questão de obrigação que os mais afortunados venham em
seu auxílio. Parte do apelo vem da força da afirmação obviamente correta de
que ninguém merece seus dons genéticos ou outros acidentes de nascença,
por exemplo, quem são os pais de uma pessoa ou onde ela nasceu. Isso parece
enfraquecer as reivindicações por parte dos abençoados por seus próprios
genes ou circunstâncias sociais de manter todas as vantagens que normal-
mente derivam dessa boa fortuna. Além dessas fontes intrínsecas de apelo,
os defensores da igualdade de fortuna têm tentado construir apoio para o
igualitarismo respondendo a muitas das imensas objeções que conservadores
e libertários fizeram contra os igualitaristas do passado.
Examinemos a seguinte ladainha de objeções à igualdade. Alguns críticos
argumentam que a busca da igualdade é fútil, pois não existem duas pes-
soas realmente iguais: a diversidade dos indivíduos em termos de talentos,
objetivos, identidades sociais e circunstâncias garante que, para alcançar a
igualdade em alguma esfera, é preciso criar desigualdades em outras (Von
Hayek, 1960, p. 87). Dê às pessoas a mesma quantidade de dinheiro, e as
prudentes vão obter mais felicidade dele do que as imprudentes. Igualitaristas
recentes têm respondido bem a essas acusações, prestando muita atenção
ao problema de definir o espaço adequado no qual a igualdade é desejável.
A igualdade é um objetivo viável uma vez que o espaço de preocupação
igualitária tenha sido definido e se mostre que as desigualdades resultantes
em outras esferas são aceitáveis. Outros críticos acusam a busca da igualdade
de ser um desperdício, pois ela considera melhor jogar fora bens que não
possam ser divididos a permitir que alguns tenham mais do que outros (Raz,
1986, p. 227). E o que é pior: pode demandar o nivelamento por baixo dos

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talentos das pessoas quando nem todas puderem ser alçadas aos mesmos
padrões elevados (Nozick, 1974, p. 229). Igualitaristas recentes adotam um
critério leximin da igualdade, permitindo as desigualdades desde que os que
estão em pior situação sejam beneficiados ou, mais permissivamente, não
sejam prejudicados (Cohen, 1995, p. 335; e Van Parijs, 1995, p. 5). Portanto,
eles não se importam muito com as disparidades de renda entre os muito
prósperos. Vários defensores da igualdade de fortuna também aceitam um
forte princípio de autoapropriação e, portanto, deploram a interferência nas
escolhas das pessoas para o desenvolvimento dos seus talentos ou a apro-
priação forçada desses talentos (Arneson, 1997, p. 230; Dworkin, 1981b, p.
311-2; Rakowski, 1991, p. 2; e Van Parijs, 1995, p. 25).
Os igualitaristas de fortuna foram mais sensíveis às críticas à igualdade
baseadas em ideais de merecimento, responsabilidade e mercados. Os crí-
ticos da igualdade argumentam que os igualitaristas tiram bens de quem
merece (Bauer, 1981). Os defensores da igualdade de fortuna respondem que
tiram dos afortunados apenas a parte de suas vantagens que todo mundo
reconhece como imerecida. No lado receptor, os críticos protestam que o
igualitarismo prejudica a responsabilidade pessoal ao garantir resultados
independentemente das escolhas individuais que as pessoas fizerem (Mead,
1986). Em resposta, os igualitaristas da sorte passaram de uma concepção
de justiça baseada em igualdade de resultados a uma baseada em igualdade
de oportunidades: eles só pedem que pessoas comecem com igualdade de
oportunidades para alcançar o bem-estar ou o acesso a vantagens ou que
comecem com uma parte igual dos recursos (Arneson, 1997, p. 235). Mas
aceitam a justeza de quaisquer desigualdades que resultem das escolhas vo-
luntárias de adultos. Todos enfatizam muito a distinção entre os resultados
pelos quais um indivíduo é responsável – ou seja, os que resultam de suas
escolhas voluntárias – e os resultados pelos quais ele não é responsável –
bons ou maus resultados que ocorrem independentemente da escolha dele
ou do que poderia ter razoavelmente previsto. Os igualitaristas da sorte
chamam a isso de distinção entre “sorte opcional” e “sorte bruta” (Dworkin,
1981b, p. 293).
As teorias da igualdade de fortuna que resultam disso têm, portanto, um
núcleo em comum: um híbrido de capitalismo e Estado de Bem-Estar Social.
Para os resultados pelos quais os indivíduos são responsabilizados, os igua-
litaristas da sorte prescrevem individualismo rigoroso: que a distribuição de

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bens seja regida pelos mercados capitalistas e outros acordos voluntários2.


Essa dependência dos mercados responde à objeção de que o igualitarismo
não apreciaria as virtudes dos mercados como mecanismos de alocação
eficientes e como espaços para o exercício da liberdade (Von Hayek, 1960).
Para os resultados determinados pela sorte bruta, a igualdade de fortuna
prescreve que toda a boa fortuna seja compartilhada de forma igual e que
todos os riscos sejam agrupados. “Boa fortuna” significa, principalmente,
ativos não produzidos, como terra sem melhorias, recursos naturais e a renda
atribuível a dons naturais de talento. Alguns teóricos também incluiriam as
oportunidades de bem-estar atribuíveis à posse de características mentais
e físicas favoráveis não escolhidas. Os “riscos” significam qualquer pers-
pectiva que reduza o bem-estar ou os recursos da pessoa. Assim sendo, os
igualitaristas da sorte veem o Estado de Bem-Estar como uma companhia
de seguros gigante, que assegura seus cidadãos contra todas as formas de má
sorte bruta. Os impostos para fins redistributivos são o equivalente moral dos
prêmios de seguro contra a má sorte. Os pagamentos da assistência social
compensam as pessoas contra perdas que possam ser atribuídas à má sorte
bruta, como fazem as apólices de seguro.
Ronald Dworkin (1981b) formulou essa analogia com os seguros de forma
mais elaborada. Ele argumenta que a justiça exige que o Estado compense
cada indivíduo por qualquer risco bruto contra o qual ele tenha feito um
seguro, com base no pressuposto de que todos estavam igualmente propensos
a sofrer daquele risco. O Estado entra em cena para proporcionar o seguro
social quando não há seguro privado para um risco disponível a todos em
condições iguais e acessíveis. Nos casos em que esse seguro privado estiver
disponível, a sorte bruta é automaticamente convertida em sorte opcional,
pois a sociedade pode responsabilizar os indivíduos por fazer o seguro para
si próprios (Rakowski, 1991, p. 80-1). Na sua forma pura, o igualitarismo
da sorte insistiria em que, se os indivíduos imprudentemente não o fizerem,
não haverá demanda de justiça que exija que a sociedade os socorra. Porém,

2
Cohen é o único igualitário da sorte de destaque a considerar a dependência da sociedade em relação
aos mercados capitalistas como uma negociação lamentável com a justiça, embora necessária em
um futuro próximo, e não como um instrumento vital para alocação justa. Ver Cohen, 1995, p. 395.
Roemer (1994) apoia uma versão complexa de socialismo de mercado por razões distributivas, mas
essas razões não parecem suficientes para demonstrar a superioridade do socialismo de mercado
sobre, digamos, a versão de Van Parijs de capitalismo.

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a maioria dos igualitaristas da sorte rechaça essa ideia e, assim, justifica o


seguro obrigatório ou outras restrições à liberdade argumentando que os
indivíduos têm de desperdiçar sua fatia de boa sorte, por razões paternalistas
(Arneson, 1997, p. 239; Dworkin, 1981b, p. 295; e Rakowki, 1991, p. 76).
Os igualitaristas da sorte discordam entre si, principalmente em relação ao
espaço da igualdade defendida. Deveriam os igualitaristas buscar igualdade
de recursos ou ativos (Dworkin, Rakowski, Roemer), liberdade real – isto é,
direitos jurídicos mais os meios para alcançar os próprios fins (Van Parijs),
oportunidades iguais de bem-estar (Arneson) ou igual acesso a vantagens
– uma mescla de capacidades internas, oportunidades de bem-estar e re-
cursos (Cohen, Nagel)? Esses pontos de vista parecem muito diversos, mas
o desacordo fundamental entre eles separa os igualitaristas da sorte em dois
campos: um que aceita a igualdade de bem-estar como o objeto legítimo (se
não o único) da preocupação igualitária (Arneson, Cohen, Roemer, prova-
velmente Nagel) e outro que só iguala recursos (Dworkin, Rakowski, Van
Parijs). Todas as partes aceitam uma análise do bem-estar de um indivíduo
em termos do atendimento de suas preferências informadas. O papel das
preferências individuais na igualdade de fortuna será um objeto central da
minha crítica, de modo que vale a pena examinar essas diferenças.
Os igualitaristas devem se importar com que as pessoas tenham oportu-
nidades iguais de bem-estar ou apenas que sua fatia de recursos seja igual?
Os igualitaristas de recursos se opõem ao considerar o bem-estar como um
equalisandum por causa do problema dos gostos caros (Dworkin, 1981a).
Algumas pessoas – crianças mimadas, esnobes, sibaritas – têm preferências
que são caras de atender. É preciso muito mais recursos para satisfazê-las
no mesmo nível em que uma pessoa modesta e autocontrolada pode ser
satisfeita. Se igualar o bem-estar ou as oportunidades de bem-estar fossem
o objeto da igualdade, a satisfação das pessoas autocontroladas ficaria refém
das autoindulgentes. Isso parece injusto. Os igualitaristas de recursos argu-
mentam, portanto, que as pessoas devem ter direito a recursos iguais, mas
ser responsabilizadas por desenvolver seus gostos de forma a poder viver
satisfatoriamente com os meios de que dispõem.
Contra essa visão, aqueles que acreditam que o bem-estar é um espaço
legítimo de preocupação igualitária apresentam três argumentos. Um de-
les é que as pessoas valorizam os recursos pelo bem-estar que trazem. Os
igualitaristas não deveriam se preocupar com o que, em última análise, é

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importante para as pessoas em vez de se concentrarem em bens meramente


instrumentais (Arneson, 1997, p. 237)? Em segundo lugar, argumentam que
os igualitaristas de recursos responsabilizam injustamente as pessoas por
todas as suas preferências e pelos custos de atendê-las. Embora algumas
preferências sejam cultivadas voluntariamente pelos indivíduos, muitas
outras são definidas por influências genéticas e ambientais que estão fora
de seu controle e são altamente resistentes a mudanças deliberadas. Além
disso, um indivíduo pode não ser responsável pelo fato de que as atender
seja tão caro. Por exemplo, um acontecimento imprevisível pode causar uma
grande escassez de um meio para atender a algum gosto que já foi abundante
e, assim, aumentar o seu preço. Os teóricos do bem-estar argumentam que
responsabilizar as pessoas por seus gostos involuntários ou involuntariamente
caros é injusto e incompatível com a premissa básica do igualitarismo da
sorte (Arneson, 1997, p. 230-1; e Cohen, 1989, p. 522-3). Em terceiro lugar,
argumentam que pessoas com deficiência têm direito a mais recursos (trata-
mento de saúde, cães-guia etc.) do que outras, por causa de sua deficiência,
e que os igualitaristas de recursos não conseguem dar conta dessa visão.
Isso porque ter deficiência é analiticamente equivalente a ter preferências
involuntariamente caras de atender. A preferência pela mobilidade pode ser
a mesma entre uma pessoa que pode andar e uma paraplégica, mas o custo
de atender à preferência da segunda é muito mais elevado, embora não por
escolha dela. O paraplégico tem um gosto involuntariamente caro pela mobi-
lidade. Se aceitarem a exigência liberal de que as teorias da justiça devem ser
neutras entre concepções conflitantes do bem, os igualitaristas de recursos
não podem fazer discriminação entre gostos involuntariamente caros pela
mobilidade por parte de pessoas com deficiência e gostos involuntariamente
caros por champanhe de alta qualidade por parte de gourmets (Arneson,
1990, p. 185-7 190-1; e Dworkin, 1981b, p. 285-9).
Examinarei a primeira e a terceira defesas dos teóricos do bem-estar em
um momento posterior deste artigo. A segunda defesa está aberta à seguinte
resposta por parte dos igualitaristas de recursos: a justiça exige que as rei-
vindicações que as pessoas têm direito de fazer para outras sejam sensíveis
não apenas aos benefícios esperados por parte de quem as faz, mas também
aos fardos que essas reivindicações geram sobre as outras. Esses fardos
são medidos pelos custos de oportunidade dos recursos destinados ao seu
atendimento, que são uma função das preferências de outras pessoas pelos

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mesmos recursos. Para fins igualitários, o valor de um pacote de recursos


externos deve ser determinado, portanto, não pela quantidade de bem-estar
que o dono pode obter dele, mas pelo preço que teria em um mercado per-
feitamente competitivo se todos pudessem fazer ofertas por ele e se todos
tivessem os mesmos ativos monetários (Dworkin, 1981b, p. 285-289).
A importância dessa resposta é que ela mostra como até mesmo os igualita-
ristas de recursos dão às preferências subjetivas um papel central na medida da
igualdade. Isso porque o valor dos recursos é medido pelos preços de mercado
que eles teriam em um leilão hipotético, e esses preços são uma função das
preferências subjetivas por esses recursos. Diz-se que todos têm um pacote igual
de recursos quando a distribuição destes é livre de cobiça, ou seja, ninguém
prefere o pacote de recursos de outra pessoa ao seu próprio. Os igualitaristas
de recursos concordam em que os recursos externos não produzidos devem
ser distribuídos igualmente nesse sentido livre de cobiça e que essa distribui-
ção é idêntica à que seria alcançada em um leilão perfeitamente competitivo
e aberto a todos, se houvesse entre todos igualdade de informações, talentos,
habilidades para fazer ofertas e dinheiro disponível para fazê-las (Dworkin,
1981b, p. 285-289; Rakowski, 1991, p. 69; Van Parijs, 1995, p. 51). A diferença
entre os igualitaristas de recursos e os igualitaristas de bem-estar, portanto, não
consiste em saber se a medida da igualdade é baseada em preferências subje-
tivas. Eles diferem apenas no fato de que, para os igualitaristas de bem-estar,
as reivindicações que uma pessoa faz dependem dos gostos dela, enquanto,
para os igualitaristas de recursos, elas são uma função dos gostos de todos.
As diferentes concepções de igualdade de fortuna diferem em muitos
detalhes dos quais não posso tratar aqui. Esbocei o que considero serem
as diferenças cruciais entre elas. Meu objetivo, no entanto, foi identificar as
características compartilhadas por essas concepções de justiça, pois quero
mostrar que essas características refletem uma concepção fundamentalmente
falha de justiça. Nas duas seções a seguir, apresentarei uma série de casos em
que o igualitarismo da sorte gera injustiça. Nem todas as versões da igual-
dade de fortuna são vulneráveis a cada contraexemplo, mas cada versão é
vulnerável a um ou mais contraexemplos em cada secção.

As vítimas da má sorte opcional


O Estado, diz Ronald Dworkin, deve tratar cada um de seus cidadãos com
igual respeito e preocupação (Dworkin, 1977, p. 272-273). Praticamente to-

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dos os igualitaristas aceitam essa fórmula, mas poucas vezes a analisaram. Em


vez disso, evocam a fórmula e, em seguida, propõem seu princípio favorito de
distribuição igualitária como sendo uma interpretação dela, sem apresentar
um argumento que prove que seu princípio realmente expressa igual respeito
e preocupação para com todos os cidadãos. Nesta seção, argumentarei que
as razões que os igualitaristas da sorte apresentam para se recusar a auxiliar
as vítimas da má sorte opcional expressam uma incapacidade de tratar esses
desafortunados com igual respeito e preocupação. Na seção a seguir, argu-
mentarei que as razões que os igualitaristas da sorte apresentam para ir ao
auxílio das vítimas da má sorte bruta expressam desrespeito para com elas.
Os igualitaristas da sorte dizem que, supondo-se que todos tivessem
igual oportunidade de correr um determinado risco, quaisquer resultados
devidos a escolhas voluntárias cujas consequências pudessem ser razoa-
velmente previstas pelo agente deveriam ser suportadas ou desfrutadas
por ele. As desigualdades que elas geram não dão origem a reivindicações
redistributivas sobre os outros se o resultado for ruim, nem estão sujeitas a
tributação redistributiva se o resultado for bom (Rakowski, 1991, p. 74-5).
Pelo menos essa é a doutrina em sua forma mais dura. Comecemos com a
versão de Rakowski sobre igualdade de fortuna, já que ela se aproxima mais
dessa linha dura.
Pensemos em um motorista sem seguro de saúde, que negligentemente
faz uma conversão proibida e causa um acidente com outro carro. Testemu-
nhas chamam a polícia, informando de quem é a culpa; a polícia transmite
essas informações a técnicos da emergência médica. Ao chegarem à cena
do crime e descobrirem que o motorista culpado não tem seguro, eles o
deixam à beira da estrada. Segundo a doutrina de Rakowski, essa ação é
justa, pois eles não têm obrigação de lhe dar atendimento de emergência.
Sem dúvida, há sólidas razões, relacionadas a políticas, para não fazer juízos
precipitados de responsabilidade pessoal na cena de uma emergência. A
melhor política é resgatar todos e resolver as questões de culpa posterior-
mente, mas isso em nada ajuda o igualitarista da sorte. O motorista sem
seguro está ligado a um respirador, lutando por sua vida. Uma audiência
judicial o considerou culpado pelo acidente. De acordo com Rakowski,
o motorista culpado não tem como fazer uma reivindicação justa pela
continuação do atendimento médico. Chamemos a isso de problema do
abandono de vítimas negligentes.

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Se o motorista culpado sobrevive, mas fica com uma deficiência, a so-


ciedade não tem obrigação de dar conta dessa deficiência. Arneson (1990,
p. 187) se une a Rakowski nesse argumento. Conclui-se que uma agência
dos correios deve deixar os cães-guia dos cegos congênitos guiarem seus
proprietários pelo prédio, mas pode, com justiça, rejeitar os cães-guia dos
motoristas culpados que perderam a visão em um acidente de carro. Sem
dúvida, seria muito caro para o Estado administrar um sistema tão discrimi-
natório, mas essa consideração administrativa é irrelevante para se saber se
o igualitarismo da sorte identifica o padrão correto das exigências da justiça.
Chamemos a isso de problema da discriminação entre deficientes.
Os igualitaristas da sorte abandonam até mesmo as pessoas prudentes ao
próprio destino quando os riscos que elas correm acabam mal.

Se um cidadão de uma nação grande e geograficamente diversificada como os Esta-


dos Unidos constrói sua casa em uma planície de inundação, perto da Falha de San
Andreas ou no meio da região de tornados, ele escolhe correr o risco de inundação,
terremoto ou ventos destruidores, uma vez que esses riscos podem ser totalmente
eliminados morando em outro lugar (Rakowski, 1991, p. 79).

Não devemos nos esquecer da ameaça de furacões devastando os litorais


do Golfo e da Costa Leste. Deve-se esperar que todos os norte-americanos
se aglomerem em Utah, por exemplo, para ter direito a ajuda federal quando
houver desastres3? A visão de Rakowski limita efetivamente a ajuda apenas a
cidadãos que residam em certas partes do país. Chamemos a isso de problema
da discriminação geográfica entre cidadãos.
Examinemos, então, o caso de trabalhadores em profissões perigosas.
Policiais, bombeiros, militares, agricultores, pescadores e mineiros correm
riscos muito acima da média de lesões e mortes no trabalho. Mas são “casos
exemplares de sorte opcional” e, portanto, não podem gerar reivindicações
de assistência médica com subsídio público ou ajuda aos dependentes em
caso de acidente (Rakowki, 1991, p. 79). Rakowski teria de aceitar o direito
das pessoas recrutadas para as forças armadas a receber os pagamentos por
3
Rakowski (1991, p. 80) aceita que, em áreas onde houver não mais do que o risco médio de desastre
natural, “quaisquer perdas resultantes de qualquer risco que seja um fator concomitante necessário à
propriedade de bens essenciais para viver uma vida moderadamente satisfatória” sejam totalmente
compensáveis “como casos de má sorte bruta”. Mas, se houver seguro privado disponível, a sorte bruta
se converte em sorte opcional e partes não seguradas estão sozinhas novamente.

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Qual é o sentido da igualdade? 175

deficiência que são feitos aos veteranos. No entanto, sua doutrina sugere
que voluntários patrióticos, tendo corrido os riscos da batalha por opção,
podem ser obrigados com justiça a pagar por sua reabilitação. Chamemos
a isso de problema da discriminação ocupacional.
Os cuidadores dependentes e seus filhos enfrentam problemas especiais
sob a abordagem da igualdade de fortuna. Muitas pessoas que cuidam de
dependentes – crianças, doentes e debilitados – não recebem salário de
mercado por cumprir suas obrigações para com aqueles que não podem
se cuidar e, portanto, não têm tempo nem flexibilidade para ganhar um
salário decente. Por essa razão, os cuidadores dependentes, quase sempre
mulheres, tendem a ser financeiramente dependentes de alguém remunera-
do, viver da assistência social ou ser extremamente pobres. A dependência
financeira das mulheres em relação a um homem com renda resulta em
sua vulnerabilidade sistemática a exploração, violência e dominação (Okin,
1989, p. 134-69). Mas a doutrina de Rakowski sugere que essa pobreza e a
subordinação resultante são decorrentes de opção e, portanto, não geram
reivindicações justas sobre os outros. Elas são um “estilo de vida”, talvez
assumido em função de profunda convicção, mas, precisamente por essa
razão, não são algo que possa ser conseguido à custa daqueles que não
compartilham seu “zelo” ou sua “crença” de que uma pessoa tem o dever
de cuidar de seus parentes (Rakowski, 1991, p. 109). Se não quiserem estar
sujeitas a essa pobreza e a essa vulnerabilidade, as mulheres não devem
optar por ter filhos.
As crianças tampouco têm qualquer direito à ajuda de pessoa alguma
que não seja seus pais. Do ponto de vista de todas as outras pessoas, eles
são uma invasão inoportuna, que reduziria as fatias justas de recursos
naturais às quais os que chegaram antes têm direito caso fossem autori-
zadas a reivindicar essas fatias independentemente de seu direito sobre
as de seus pais.

É injusto declarar que (...) porque duas pessoas decidem ter um filho (...) todo mundo
é obrigado a partilhar seus recursos com quem acaba de chegar, e na mesma medida
dos pais. Com que direito duas pessoas podem forçar todas as outras, por meio de
um comportamento intencional, em vez de má sorte bruta, a se contentar com menos
do que a fatia que lhes cabe após os recursos terem sido divididos de forma justa?
(Rakowski, 1991, p. 153).

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176 Elizabeth S. Anderson

O desejo de procriar é apenas mais um gosto caro, que os igualitaristas


de recursos não precisam subsidiar.
Não há dúvidas de que a visão de Rakowski está no extremo mais rígido
dos igualitaristas da sorte. A maioria destes consideraria o momento em que
uma pessoa entra na sociedade como irrelevante para que ela reivindique
sua fatia das dádivas da natureza. As crianças não são responsáveis pela
falta de riqueza de seus pais nem pela decisão deles de se reproduzir. Assim,
se os pais delas não tiverem os meios para lhes dar a sua fatia justa, essa é
uma questão de má sorte bruta, que exige compensação. Mas as mulheres
que se dedicam a cuidar de crianças representam um caso diferente. Como
as mulheres não são, em média, menos talentosas do que os homens, mas
optam por desenvolver e exercitar talentos que recebem pouca ou nenhuma
remuneração de mercado, não está claro se os igualitaristas da sorte têm al-
guma base para corrigir as injustiças que acompanham a dependência delas
em relação à remuneração dos homens. Chamemos a isso de problema da
vulnerabilidade dos cuidadores dependentes.
Na versão linha-dura de Rakowski sobre igualdade de fortuna, ao arriscar
e perder sua fatia justa da riqueza natural, as pessoas não têm o que reivin-
dicar de outras para interromper sua queda livre na miséria e no desamparo.
A igualdade de fortuna não impõe restrições à estrutura de oportunidades
gerada pelos mercados livres. Nada impediria as pessoas, mesmo aquelas
cujas apostas foram prudentes, mas que sofreram de má sorte opcional, de
sujeição à escravidão por dívida, condições de trabalho degradantes ou ou-
tras formas de exploração. Não há limites às desigualdades e ao sofrimento
permitidos por essa visão. Chamemos a isso de problemas da exploração e
de falta de uma rede de proteção.
Rakowski poderia insistir em que o seguro privado ou público estivessem
disponíveis a todos para evitar essas condições. Assim, o fato de os indiví-
duos que não conseguiram adquirir esse seguro estarem tão destituídos e
vulneráveis à exploração seria culpa deles próprios. No entanto, a justiça não
permite a exploração nem o abandono de qualquer pessoa, nem mesmo das
imprudentes. Além disso, se alguém não consegue manter em dia todos os
pagamentos de seguros necessários para se proteger contra inúmeras catás-
trofes, isso não reflete necessariamente imprudência. Se sua sorte opcional
for particularmente má, ela pode não conseguir pagar por todos esses seguros
e ainda atender às necessidades básicas de sua família. Nessas condições, é

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Qual é o sentido da igualdade? 177

perfeitamente racional e, de fato, moralmente obrigatório atender às neces-


sidades urgentes da família em detrimento das necessidades especulativas
– por exemplo, abandonar alguns seguros para pagar pela alimentação.
Chamemos a isso de problema do abandono dos prudentes.
A versão de Rakowski sobre a igualdade de fortuna trata as vítimas da má
sorte opcional com rigidez. Suas regras distributivas são consideravelmente
mais rígidas até mesmo do que as encontradas nos Estados Unidos, que não
distribuem serviços de saúde com base em culpa, protegem de discriminação
todas as pessoas com deficiência, proporcionam ajuda federal em caso de
desastres a todos os residentes do país, exigem que os empregadores forneçam
cobertura para invalidez a seus trabalhadores, fornecem benefícios a vete-
ranos e assistência financeira pelo menos temporária a famílias pobres com
filhos dependentes, exigem salários mínimos e proíbem escravidão, servidão
por dívida e pelo menos alguns tipos de condições de trabalho muito degra-
dantes. Será que outros igualitaristas da sorte fazem mais do que Rakowski
para proteger dos piores destinos as vítimas de má sorte opcional? A teoria de
Dworkin não oferece melhor proteção do que a de Rakowski contra práticas
predatórias do livre mercado, caso as pessoas tenham perdido sua fatia dos
recursos por má sorte opcional, e tampouco ajudaria cuidadores dependentes
ou pessoas que têm deficiências como resultado de escolhas que fizeram.
Van Parijs garantiria a todos a máxima renda básica incondicional que
pudesse ser sustentada em uma sociedade. Se essa renda fosse significativa,
certamente ajudaria cuidadores dependentes, pessoas com deficiência e
desempregados involuntários, bem como qualquer outra pessoa que esteja
sofrendo por má sorte (Van Parijs, 1990, p. 131). No entanto, Van Parijs
(1995, p. 76) admite que essa renda pode ser muito baixa, até mesmo nula. A
principal dificuldade de sua proposta é que sua renda básica seria concedida
a todos de maneira incondicional, independentemente de serem aptos ou
realizarem trabalho socialmente útil. Surfistas preguiçosos e aptos teriam
tanto direito a essa renda quanto cuidadores dependentes ou pessoas com
deficiência. A fim de oferecer um incentivo para as pessoas trabalharem e,
assim, proporcionar a receita fiscal para financiar uma renda básica, teria
de haver uma diferença substancial entre a renda básica e a remuneração do
trabalho não qualificado mais mal pago. Essa renda básica baixa poderia ser
satisfatória para quem está sempre na praia, sem compromissos, que pode
ficar satisfeito em um camping, mas dificilmente seria suficiente para pais

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178 Elizabeth S. Anderson

que se esforçam, desempregados involuntários ou pessoas com deficiência,


que têm despesas especiais. Se fosse vinculada a uma exigência de que as
pessoas aptas realizassem trabalho socialmente útil, a renda básica garantida
poderia ser elevada a um nível muito mais alto. A proposta de Van Parijs
efetivamente favorece os gostos dos preguiçosos e irresponsáveis, em detri-
mento de outros que precisam de ajuda (Barry, 1992, p. 138).
Arneson propõe que todos tenham oportunidades iguais e garantidas de
bem-estar. Ao atingir a idade adulta, todos devem se deparar com um leque
de escolhas tais que a soma das vantagens esperadas para cada história de vida
que esteja igualmente acessível seja igual à soma das vantagens que qualquer
outra pessoa tem em sua história de vida possível. Uma vez que essas opor-
tunidades sejam garantidas, os destinos das pessoas são determinados por
suas escolhas e sua sorte opcional (Arneson, 1997). Assim como as teorias
de Rakowski e Dworkin, a de Arneson garante igualdade, e até mesmo uma
vida minimamente decente, apenas ex ante, antes de se fazerem quaisquer
escolhas adultas. Esse é um pequeno conforto para pessoas que levaram uma
vida cautelosa e prudente, mas ainda assim foram vítimas de uma sorte op-
cional extremamente má (Roemer, 1996, p. 270). Arneson poderia responder
incorporando às árvores de decisão potenciais das pessoas suas preferências
para enfrentar (ou não ter de enfrentar) certas opções em cada momento. No
entanto, isso poderia prejudicar por completo a responsabilidade pessoal, per-
mitindo que as pessoas descartassem até mesmo perdas menores resultantes
de quaisquer escolhas que fizessem (Rakowski, 1991, p. 47). Além disso, vimos
que Arneson não exigiria que fosse resolvido o problema de pessoas deficientes
por sua própria culpa. Os cuidadores dependentes também não receberiam
muita ajuda de Arneson. Como diz Roemer, explicando a posição de Arneson
e Cohen, “a sociedade não deve compensar as pessoas por escolherem um
caminho [mais altruísta, de autossacrifício] porque não deve às pessoas qual-
quer compensação por conta de seus pontos de vista morais” (Roemer, 1996,
p. 270). As pessoas que querem evitar as vulnerabilidades que acompanham
a condição de cuidador dependente devem, portanto, decidir cuidar apenas
de si mesmas. Esse é o igualitarismo só para egoístas. É de se perguntar como
as crianças e os debilitados devem ser tratados, com um sistema que oferece a
seus cuidadores tão pouca proteção contra pobreza e dominação.
As teorias de Roemer e Cohen são as únicas que questionam a estrutura
de oportunidades gerada pelos mercados em resposta às escolhas das pessoas.

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Qual é o sentido da igualdade? 179

Cohen argumenta que a igualdade exige igualdade de acesso a vantagens


e inclui na definição de vantagem não apenas bem-estar, mas a liberdade
em relação à exploração ou sujeição a negociações injustas (Cohen, 1989,
p. 908). A versão de Roemer do socialismo de mercado, na qual as famílias
compartilhariam igualmente os retornos do capital por meio de um benefício
universal, também evitaria os piores resultados gerados pelo capitalismo
de laissez faire, como a escravidão por dívidas e o trabalho em condições
degradantes. No entanto, como teóricos da tradição marxista, eles se con-
centram na exploração de trabalhadores assalariados, excluindo cuidadores
dependentes que não ganham salário (Roemer, 1992).
O que dizem os igualitaristas da sorte em resposta a esses problemas?
Nenhum deles reconhece as implicações sexistas de incluir na classe de gostos
voluntariamente caros o cumprimento das obrigações morais de cuidar de
dependentes. A maioria é sensível ao fato de que uma visão igualitária, que
garanta a igualdade apenas ex ante – antes de os adultos começarem a fazer
escolhas por conta própria – e nada ofereça depois disso, vai gerar, na verdade,
desigualdades substanciais no destino das pessoas ao longo da vida, a ponto
de as que estiverem em pior situação muitas vezes ficarem em péssima situa-
ção. Eles pressupõem que os prudentes evitarão esses destinos aproveitando
a disponibilidade de seguro privado (ou público, quando necessário). Todos
concordam, então, que a principal dificuldade para os igualitaristas da sorte
é como ter um seguro contra a desgraça dos imprudentes.
Arneson examinou esse problema mais profundamente, nos termos do
igualitarismo da sorte. Ele afirma que, às vezes, é injusto responsabilizar
as pessoas pelo grau em que são agentes responsáveis. As capacidades ne-
cessárias para a escolha responsável – previsão, perseverança, capacidade
de cálculo, força de vontade, autoconfiança – decorrem em parte de dons
genéticos e, em parte, da boa fortuna de ter pais decentes. Assim, os impru-
dentes têm direito a proteção paternalista especial por parte da sociedade
contra suas más escolhas. Isso pode envolver, por exemplo, contribuições
obrigatórias a um plano de aposentadoria que lhes dê garantias na velhice
(Arneson, 1997, p. 239). Os outros igualitaristas da sorte concordam em
que a pura igualdade de fortuna pode ter de ser modificada por uma dose
significativa de intervenção paternalista para salvar os imprudentes das pio-
res consequências de suas escolhas. No entanto, na opinião deles, somente
razões paternalistas podem justificar que os vários programas universais de

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180 Elizabeth S. Anderson

seguro social, característicos dos Estados de bem-estar modernos, tornem-se


obrigatórios: seguridade social, plano de saúde e contra deficiência, ajuda em
desastres e assim por diante. Apenas razões paternalistas justificam distribuir
a concessão de renda básica dos indivíduos mensalmente, e não de uma só
vez, quando eles envelhecerem (Van Parijs, 1995, p. 47; e Arneson, 1992, p.
510). Chamemos a isso de problema do paternalismo.
Façamos uma pausa para examinar se essas políticas expressam respei-
to pelos cidadãos. Os igualitaristas da sorte dizem às vítimas da péssima
sorte opcional que, tendo escolhido correr seus riscos, elas merecem o seu
infortúnio e a sociedade não precisa protegê-las contra o desamparo e a
exploração. No entanto, uma sociedade que permite que seus membros
afundem a profundidades tais, devido a escolhas inteiramente razoáveis (e,
no caso dos cuidadores dependentes, até mesmo obrigatórias), não os trata
com muito respeito. Nem mesmo os imprudentes merecem esses destinos. É
verdade que os igualitaristas da sorte cogitam modificações em seu sistema
rígido, mas apenas por razões paternalistas. Ao adotarem regimes de seguro
social obrigatório, pelas razões que eles oferecem, os igualitaristas da sorte
estão efetivamente dizendo aos cidadãos que eles são burros demais para
comandar suas vidas, de modo que o Grande Irmão vai ter de lhes dizer o
que fazer. É difícil ver como se poderia esperar que os cidadãos aceitassem
esse raciocínio e ainda preservassem sua autoestima.
Contra essas objeções, pode-se argumentar da seguinte forma4. Em
primeiro lugar, dada a sua preocupação de que ninguém sofra infortúnio
imerecido, os igualitaristas da sorte devem ser capazes de argumentar que
alguns resultados são tão terríveis que ninguém merece sofrê-los, nem mesmo
os imprudentes. Motoristas negligentes não merecem morrer porque lhes
foi negado atendimento de saúde. Em segundo lugar, o paternalismo pode
ser uma justificativa honesta e convincente para a legislação. Por exemplo,
não é nenhum grande insulto um Estado aprovar leis que exijam o uso de
cinto de segurança, desde que a lei seja aprovada democraticamente. Pessoas
com boa autoestima podem apoiar algumas leis paternalistas como sendo
simplesmente proteção contra seus próprios descuidos.
Eu aceito o espírito desses argumentos, mas eles sugerem aspirações para
a teoria igualitária que nos afastam da igualdade de fortuna. O primeiro
4
Amy Gutmann formulou esses argumentos em seus comentários públicos sobre uma versão anterior
deste artigo, apresentada no 31º Colóquio Anual de Filosofia, em Chapel Hill, NC.

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Qual é o sentido da igualdade? 181

argumento aponta para a necessidade de diferenciar entre os bens que a so-


ciedade garante a todos os cidadãos e os que podem ser totalmente perdidos
sem gerar demandas por compensação. Essa não é apenas uma questão de
definir níveis agregados mínimos de bem-estar ou propriedade que sejam
garantidos. Um motorista negligente pode sofrer muito mais com a morte
de seu filho em um acidente de carro causado pelo próprio motorista do que
com a negação de cirurgia de reabilitação para sua própria perna ferida. A
sociedade não lhe deve nenhuma compensação pelo sofrimento pior, mesmo
que isso o coloque abaixo de um limiar de bem-estar, mas não deve privá-lo
de atendimento de saúde, mesmo que ele não caia abaixo desse limiar sem o
atendimento. Os igualitaristas devem tentar garantir às pessoas certos tipos
de bens. Esse pensamento vai contra o espírito da igualdade de fortuna, que
visa à compensação integral das pessoas contra perdas imerecidas de todos
os tipos, dentro do âmbito geral de igualdade que especificarem (bem-estar
ou recursos). O argumento de Arneson para a impossibilidade de se distin-
guirem as necessidades das pessoas com deficiência dos desejos de qualquer
pessoa com gostos caros involuntariamente ilustra isso.
O segundo argumento levanta a questão de como justificar leis que li-
mitam a liberdade com o objetivo de proporcionar benefícios àqueles cuja
liberdade está sendo limitada. As leis dos cintos de segurança são boas, mas
representam um caso insignificante, porque a liberdade limitada é banal.
Quando a liberdade que está sendo limitada é significativa, como no caso
da participação obrigatória em um regime de seguridade social, deve-se aos
cidadãos uma explicação mais digna do que a de que o Grande Irmão sabe
o que é melhor para eles. É uma aspiração da teoria igualitária ser capaz de
fornecer esse tipo de explicação.

Vítimas da má sorte bruta


Examinemos agora as vítimas da má sorte bruta: quem nasce com graves
deficiências genéticas ou congênitas ou quem se torna significativamente
deficiente devido a negligência, doença ou acidentes na infância pelos quais
não possa ser responsabilizado. Os igualitaristas da sorte incluem nessa
categoria quem tem pouco talento natural e aqueles cujos talentos não têm
muito valor de mercado. Van Parijs (1995, p. 68) também incluiria no grupo
qualquer pessoa que estivesse insatisfeita com os seus outros dons naturais,
sejam eles talentos não pecuniários, beleza e outros atributos físicos ou tra-

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182 Elizabeth S. Anderson

ços de personalidade agradáveis. Cohen (1989, p. 930-1) e Arneson (1990)


também acrescentariam as pessoas que têm gostos involuntariamente caros
ou estados psíquicos cronicamente deprimidos. A igualdade de fortuna diz
que essas vítimas da má sorte bruta têm direito a compensação em virtude
de seus ativos internos e estados internos defeituosos.
Ao passo que tendem a ser duros ou paternalistas para com as vítimas
da má sorte opcional, os igualitaristas da sorte parecem se compadecer das
vítimas da má sorte bruta. O atrativo principal da igualdade de fortuna para
aqueles que têm tendência igualitária reside nessa aparência de humanitarismo.
A igualdade de fortuna diz que ninguém deveria ter de sofrer de infortúnio
imerecido e que a prioridade na distribuição deve ser dada àqueles que estão
em pior situação sem ter culpa disso. Argumentarei aqui que a aparência de
humanitarismo é desmentida pela doutrina da igualdade de fortuna em dois
aspectos. Em primeiro lugar, suas regras para determinar quem deve ser in-
cluído entre os que estão em pior situação sem culpa por isso não manifestam
preocupação por todos que estão em má situação. Em segundo lugar, as razões
apresentadas para conceder auxílio a essas pessoas em pior situação são pro-
fundamente desrespeitosas para com aquelas a quem a ajuda é direcionada.
Em quais situações o déficit em ativos internos é grande a ponto de
demandar compensação? Não se quer que qualquer pessoa com alguma
insatisfação pessoal trivial, com seu cabelo, por exemplo, tenha direito a
compensação. Dworkin argumenta que as pessoas que deveriam ser compen-
sadas por defeitos em ativos internos são aquelas que teriam comprado um
seguro contra o defeito caso estivessem atrás de um véu de ignorância e não
soubessem se teriam esse defeito. Conclui-se, impiedosamente, que pessoas
que têm uma deficiência muito rara, mas grave, poderiam ser inelegíveis
para ajuda especial só porque as chances de alguém sofrer dela seriam tão
mínimas que lhes seria racional não adquirir um seguro ex ante. A proposta
faz discriminação entre pessoas com deficiências raras e comuns (Rakowski,
1991, p. 99). Além disso, a proposta de Dworkin trataria duas pessoas com a
mesma deficiência de formas diferentes, dependendo dos gostos delas (Van
Parijs, 1995, p. 70). Uma pessoa cega que tenha aversão ao risco poderia
ter direito ao auxílio que foi negado a uma pessoa cega que goste de risco,
porque esta provavelmente não teria feito seguro contra cegueira, dadas as
probabilidades. Estes são outros casos de discriminação entre deficientes.
O critério de deficiência compensável de Dworkin, uma vez que depende

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Qual é o sentido da igualdade? 183

das preferências individuais das pessoas pelo seguro, também é vítima do


problema dos gostos caros (Van Parijs, 1995, p. 70). Suponhamos que uma
pessoa vaidosa ficasse histérica com a perspectiva de ter nariz adunco por
determinação genética. A ansiedade com relação a essa perspectiva pode ser
suficiente para fazer com que seja racional para ela fazer um seguro de saúde
para a cirurgia plástica antes de saber como será o seu nariz. É difícil ver
como essa preferência poderia gerar uma obrigação por parte da sociedade
de pagar a cirurgia plástica. Além disso, muitas pessoas não consideram o
nariz adunco algo tão ruim, e muitas dessas pessoas têm narizes aduncos:
elas se sentiriam corretamente insultadas se a sociedade tratasse o nariz
adunco como um defeito tão grave a ponto de dar direito a compensação.
Para evitar ser refém de gostos caros, idiossincráticos e frívolos, Van Parijs,
na linha de Ackerman (1980, p. 115-21), propôs que a classe de pessoas cujas
carências de ativos interno dão direito a compensação fosse determinada pelo
princípio da diversidade não dominada. A ideia é chegar a um critério objetivo
de deficiência com que todos concordem, dada a grande heterogeneidade em
ativos internos e gostos relacionados a eles. Consideremos o total de ativos
internos de alguém A. Se existe uma pessoa B tal que todos prefiram ter o
conjunto total de ativos internos de B em vez do de A, então a diversidade de
ativos de A é dominada pela de B. A é considerada tão desgraçada que ninguém
considera qualquer de seus ativos internos valioso o suficiente para compensar
seus defeitos internos a ponto de tornar seus ativos pelo menos iguais aos de
B. Essa condição parece ruim o suficiente para justificar a compensação, do
ponto de vista de qualquer pessoa. A quantidade de compensação é definida
como o ponto em que, para qualquer B dada, pelo menos uma pessoa prefere
o conjunto de ativos internos e externos de A em relação aos de B.
Contra o critério da diversidade não dominada, é possível se queixar de
que, se uma estranha seita religiosa considerasse que quem tem deficiência
grave é abençoado por estar mais perto de Deus em função de sua deficiên-
cia, nenhuma das pessoas com deficiência teria direito a ajuda especial, nem
mesmo as que rejeitassem a religião. Van Parijs considera esse exemplo um
exagero: só quem tem uma apreciação real das desvantagens de ter a defici-
ência, e cujas preferências são inteligíveis ao público em geral, deve ter suas
preferências levadas em conta no teste. Mas há um caso real à mão: a maioria
das pessoas que se identificam como membros da comunidade surda não
acredita que ser surdo é um defeito tão grave que haja qualquer pessoa ouvinte

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184 Elizabeth S. Anderson

cujas habilidades sejam preferíveis às dela. Van Parijs aceita o desafio acerca
dessa questão e diz que, se for assim, os surdos não têm direito a qualquer
ajuda especial, quer se identifiquem como parte da comunidade surda, quer
não. Segundo seu próprio juízo, eles consideram suas competências satisfa-
tórias sem a ajuda, então por que oferecê-la a elas (Van Parijs, 1995, p. 77)?
Um problema semelhante atinge teorias igualitárias do bem-estar como a
de Arneson. Cohen (1989, p. 917-18) diz que, na visão de Arneson, se Tiny
Tim ainda fosse feliz sem sua cadeira de rodas e o mal-humorado Scrooge
se sentisse consolado por ter o dinheiro que ela custa, então Tim deveria
ter de abrir mão de sua cadeira de rodas para Scrooge5. O problema é que
essas teorias, ao trabalharem com avaliações subjetivas e agregarem dife-
rentes dimensões de bem-estar, permitem que satisfações privadas sejam
consideradas compensações por desvantagens impostas publicamente. Se
as pessoas encontrarem felicidade em suas vidas apesar de serem oprimidas
por outras, isso não justifica continuar a opressão. Da mesma forma, seria
certo compensar desigualdades naturais, como nascer feio, com vantagens
sociais como a obtenção de contratação preferencial sobre os bonitos (Po-
gge, 1995, p. 247-8)? Chamemos a isso de problema de usar (in)satisfação
privada para justificar opressão pública. E o problema sugere outra aspiração
da teoria igualitária: a de que a solução que ela oferece corresponde ao tipo
de injustiça que ela aborda.
Até agora, salientei as injustiças que a igualdade de fortuna inflige sobre
os que são excluídos dos benefícios. Consideremos agora aqueles a quem
a igualdade de fortuna escolhe como beneficiários exemplares dessa ajuda.
Vejamos a visão de Thomas Nagel:

Quando a injustiça racial e a sexual tiverem sido reduzidas, ainda ficaremos com
a grande injustiça dos inteligentes e dos burros, que são recompensados de forma
tão diferente por esforços comparáveis (...). Talvez alguém descubra uma maneira
de reduzir as desigualdades socialmente produzidas (especialmente as econômicas)
entre inteligentes e não inteligentes, talentosos e sem talento, ou mesmo bonitos e
feios (Nagel, 1979, p. 105).

O que os igualitaristas da sorte têm a dizer àqueles amaldiçoados por


esses defeitos em seus ativos internos? Suponhamos que os cheques de suas
5
A referência é às personagens de Um conto de Natal, de Charles Dickens [N. T.]

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Qual é o sentido da igualdade? 185

indenizações tenham chegado pelo correio juntamente com uma carta as-
sinada pelo Conselho de Estado para a Igualdade explicando as razões de
sua compensação. Imagine o que essas cartas diriam:

Às pessoas com deficiência: Seus dons naturais defeituosos ou suas deficiências atu-
ais, infelizmente, fazem com que viver sua vida valha menos a pena do que viver a
vida das pessoas normais. Para compensar esse infortúnio, nós, os aptos, vamos lhe
dar recursos extras suficientes para que o valor de viver sua vida seja suficiente para
que pelo menos uma pessoa a considere comparável à vida de alguma outra pessoa.
Aos burros e sem talento: Infelizmente, as outras pessoas não valorizam o pouco que
você tem a oferecer no sistema de produção. Seus talentos são demasiado escassos
para ter valor de mercado. Por causa do infortúnio de você ter nascido tão maldotado
de talentos, nós, os produtivos, vamos compensá-lo: permitiremos que participe da
recompensa daquilo que produzimos com nossas capacidades muito superiores e
altamente valorizadas.
Aos feios e socialmente desajeitados: Que pena que você seja tão repulsivo às pessoas
ao seu redor a ponto de ninguém querer ser seu amigo ou seu companheiro de vida.
Não vamos lhe compensar sendo seus amigos nem seus parceiros no casamento
– temos nossa própria liberdade de associação para exercer –, mas você pode se
consolar em sua solidão miserável consumindo os bens materiais que nós, os bonitos
e charmosos, vamos lhe proporcionar. E, então, quem sabe? Talvez você não seja
um fracassado no amor quando os parceiros potenciais verem o quanto você é rico.

É possível um cidadão que respeite a si mesmo não ser insultado por


essas mensagens? Como o Estado se atreve a julgar o valor dos seus cida-
dãos como trabalhadores e amantes! Além disso, exigir que os cidadãos
apresentem evidências de inferioridade pessoal para obter ajuda do Es-
tado é reduzi-los a rastejar por essa ajuda. O Estado também não tem de
julgar o valor das qualidades que os cidadãos exercem ou exibem em seus
assuntos privados. Mesmo que todos achassem que A era tão feio ou so-
cialmente desagradável que preferissem as qualidades pessoais socialmente
atraentes de B, não é problema do Estado colocar um carimbo oficial de
reconhecimento nesses juízos privados. Se é humilhante ser amplamente
considerado pelos próprios colegas como um imbecil social, pense em
quanto mais degradante seria o Estado elevar esses juízos privados ao
status de opiniões publicamente reconhecidas, aceitas como verdadeiras
para fins de administração da justiça. A igualdade de fortuna deprecia os

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186 Elizabeth S. Anderson

desfavorecidos internamente e eleva o desdém privado ao status de verdade


oficialmente reconhecida.
Não pensemos que o problema aqui reside apenas nas consequências de
enviar as cartas insultuosas juntamente com os cheques de indenização. É
claro que mandar realmente essas cartas só adicionaria o insulto à injúria.
Mesmo que elas não fossem enviadas, o conhecimento geral das razões pe-
las quais os cidadãos reivindicam ajuda especial seria estigmatizante. Um
consequencialista pode, portanto, recomendar que o Conselho de Estado
para a Igualdade faça suas investigações em sigilo e encubra seus raciocínios
com eufemismo e dissimulação. É difícil ver como o órgão poderia reunir as
informações necessárias para implementar princípios igualitários da sorte
sem marcar alguns de seus cidadãos como inferiores. Como se pode dizer
se o estado de uma pessoa é tão digno de pena que todos preferem os ativos
internos de outra aos daquela, sem fazer uma pesquisa? No entanto, essas
objeções ao utilitarismo na implementação da política governamental, em-
bora enormes, não chegam ao cerne do problema da igualdade de fortuna.
Independentemente de comunicar ou não suas razões para a ajuda, a
igualdade de fortuna baseia seus princípios distributivos em considerações
que só podem expressar pena por seus supostos beneficiários. Observemos
as razões que foram oferecidas para a distribuição de recursos extras aos
deficientes e aos pobres de talento ou apelo pessoal: em cada caso, é alguma
deficiência ou defeito relativo em suas pessoas ou suas vidas. As pessoas
reivindicam os recursos da redistribuição igualitária em virtude de sua
inferioridade em relação a outras, e não em virtude de sua igualdade com
outras. O sentimento de pena é incompatível com o respeito à dignidade dos
outros. Basear as recompensas em considerações de pena é deixar de seguir
os princípios da justiça distributiva que expressam respeito igual por todos
os cidadãos. O igualitarismo da sorte viola, portanto, o requisito fundamental
de qualquer teoria sólida sobre a igualdade6.

6
Essa é uma preocupação com quais atitudes a teoria expressa, e não com as consequências de expressar
essas atitudes. Cidadãos que respeitam a si mesmos rejeitariam uma sociedade baseada em princípios
que os tratassem como inferiores, mesmo que esses princípios fossem mantidos em sigilo. Portanto,
o utilitarismo na implementação da política não é solução. Tampouco é uma defesa satisfatória da
igualdade de fortuna recomendar que a sociedade adote políticas distributivas mais generosas do
que a teoria requer, de modo a evitar insultos às pessoas. A questão não é se desviar do que a justiça
exige para evitar consequências ruins, e sim se uma teoria da justiça baseada em um sentimento de
pena desdenhosa por seus supostos beneficiários atende à exigência igualitária de que a justiça deve
ser baseada no respeito igual pelas pessoas.

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Qual é o sentido da igualdade? 187

Poder-se-ia argumentar que a preocupação manifestada pela igualdade


de fortuna é simples compaixão humanitária, e não pena desdenhosa. Te-
mos de ser claros com relação à diferença. A compaixão se baseia em uma
consciência do sofrimento, uma condição intrínseca da pessoa. A pena, pelo
contrário, é despertada por uma comparação da condição do observador
com a condição do objeto dessa pena. Seu juízo característico não é “ela
está em condições muito ruins”, mas “ela está em condições piores do que as
minhas”. Quando as condições comparadas são estados internos dos quais as
pessoas se orgulham, o pensamento da pena é “ela é, infelizmente, inferior
a mim”. A compaixão e a pena podem, ambas, levar uma pessoa a agir com
benevolência, mas só a pena é condescendente.
Em virtude de suas bases cognitivas distintas, a compaixão humanitária
e a pena motivam a ação a partir de princípios diferentes. A compaixão
não produz princípios igualitários de distribuição: ela se destina a aliviar o
sofrimento, não a igualá-lo. Uma vez que as pessoas tenham sido aliviadas
do sofrimento e da carência, a compaixão não gera um novo impulso em
direção à igualdade de condições (Raz, 1986, p. 242). Além disso, a compaixão
procura aliviar o sofrimento onde quer que ele exista, sem fazer juízo moral
sobre aqueles que sofrem. Organizações humanitárias internacionais, como
a Cruz Vermelha, oferecem ajuda a todas as vítimas de guerra, incluindo até
mesmo os agressores. Por outro lado, a igualdade de fortuna busca equalizar
ativos mesmo quando as pessoas não estão realmente sofrendo de déficits
internos, mas apenas obtêm menos vantagens pelos seus ativos do que outras
obtêm pelos seus. E limita sua simpatia àqueles que estão em desvantagem
sem que sejam culpados. A igualdade de fortuna, portanto, não expressa
compaixão. Seu foco não está na miséria absoluta da condição de uma pes-
soa, e sim na distância entre os menos e os mais afortunados. Assim sendo,
entre os mais afortunados que são movidos pela igualdade de fortuna, ela
evoca o pathos da distância, uma consciência da superioridade própria dos
benfeitores sobre os objetos de sua compaixão. Isso é pena.
Se a pena é a atitude que os mais afortunados expressam em relação
aos menos afortunados quando adotam o igualitarismo da sorte como
princípio de ação, qual é a atitude que os menos afortunados expressam em
relação aos mais afortunados, quando fazem reivindicações de acordo com
essa teoria? Os igualitaristas da sorte que focam nos recursos são explícitos
sobre este ponto: é a cobiça. O critério deles sobre uma distribuição igua-

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188 Elizabeth S. Anderson

litária dos recursos é uma distribuição livre de cobiça: um critério tal que
ninguém queira o pacote de recursos de qualquer outra pessoa (Dworkin,
1981b, p. 285; Rakowski, 1991, p. 65-6; e Van Parijs, 1995, p. 51). As duas
atitudes são bem adaptadas entre si: a atitude mais generosa que o cobiçado
poderia apropriadamente ter para com o que cobiça seus recursos é a pena.
Embora isso torne a igualdade de fortuna emocionalmente coerente, não
chega a justificar a teoria. O pensamento da cobiça é: “Eu quero o que você
tem.” É difícil ver como esses desejos podem gerar obrigações por parte do
cobiçado. Até mesmo apresentar a própria cobiça como razão ao cobiçado
para satisfazer o próprio desejo é profundamente desrespeitoso.
Assim, o igualitarismo da sorte não consegue expressar preocupação para
com os excluídos da ajuda e não consegue expressar respeito pelos incluídos
entre os beneficiários, bem como por aqueles de quem se espera que paguem
por seus benefícios. Ele não passa nos testes mais fundamentais que qualquer
teoria igualitária deve superar.

Os problemas do igualitarismo da sorte: um diagnóstico


Já vimos que a igualdade de fortuna apoia um esquema institucional híbri-
do: os mercados livres, para reger a distribuição de bens atribuíveis a fatores
pelos quais os indivíduos são responsáveis​​; e o Estado de Bem-Estar, para
reger a distribuição de bens atribuíveis a fatores que estão fora do controle
do indivíduo. A igualdade de fortuna pode, portanto, ser vista como uma
tentativa de combinar o melhor do capitalismo e do socialismo. Seus aspectos
de livre mercado promovem a eficiência, a liberdade de escolha, a “soberania
do consumidor” e a responsabilidade individual. Seus aspectos socialistas
dão a todos um começo justo na vida e protegem os inocentes contra a má
sorte bruta. A igualdade de fortuna poderia ser vista como uma doutrina
da qual os socialistas se aproximariam naturalmente depois de aprender as
lições das loucuras do amplo planejamento econômico estatal centralizado
e as virtudes consideráveis das alocações de mercado. Ao incorporar um
papel muito importante para as decisões de mercado a seus arranjos insti-
tucionais, os igualitaristas da sorte podem parecer ter desarmado as críticas
conservadoras e libertárias tradicionais ao igualitarismo.
Porém, os juízos contraintuitivos que os igualitaristas da sorte fazem
dos casos discutidos sugerem um juízo mais sombrio: a igualdade de for-
tuna parece nos oferecer alguns dos piores aspectos do capitalismo e do

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Qual é o sentido da igualdade? 189

socialismo. O igualitarismo deve refletir uma visão cosmopolita, humana


e generosa de uma sociedade que reconhece os indivíduos como iguais em
toda a sua diversidade. Deve promover arranjos institucionais que permi-
tam que a diversidade de talentos, aspirações, papéis e culturas das pessoas
beneficie a todos e seja reconhecida como mutuamente benéfica. Em vez
disso, o híbrido de capitalismo e socialismo imaginado pelos igualitaristas
da sorte reflete a visão paroquial, mesquinha e desdenhosa de uma sociedade
que representa a diversidade humana de forma hierárquica, contrastando
de forma moralista os responsáveis e os irresponsáveis, os superiores por
natureza e os inferiores por natureza, os independentes e os dependentes.
Não oferece ajuda àqueles a quem chama de irresponsáveis e oferece uma
ajuda humilhante aos que rotula como inferiores por natureza. Ele nos dá a
visão apequenada das Leis dos Pobres na qual os desafortunados respiram
palavras de súplica e se sujeitam aos humilhantes juízos morais do Estado.
Como os igualitaristas da sorte poderiam ter se enganado tanto? Exa-
minemos, inicialmente, as formas em que a igualdade de fortuna provoca
problemas ao se basear em decisões de mercado. Ela oferece uma rede de
apoio muito inadequada às vítimas da má sorte opcional. Isso reflete o fato
de que a igualdade de fortuna é, essencialmente, uma “teoria da linha de
largada”: desde que as pessoas tenham fatias justas no início da vida, ela não
se preocupa muito com o sofrimento e a sujeição geradas pelos acordos vo-
luntários feitos pelas pessoas em mercados livres7. O fato de que esses males
são produto de escolhas voluntárias não os justifica: a liberdade de escolha
dentro de um conjunto de opções não justifica o conjunto de opções em si. Ao
se concentrar em corrigir as supostas injustiças da natureza, os igualitaristas
da sorte se esqueceram de que o tema principal da justiça são os arranjos
institucionais que geram as oportunidades das pessoas ao longo do tempo.
Alguns igualitaristas da sorte, principalmente Dworkin, também usam
decisões de mercado para dar orientações sobre as alocações estatais apro-
priadas no início da vida. A ideia norteadora é a de que a autonomia indivi-
dual é protegida pela “soberania do consumidor”. Assim, Dworkin (1981b,
p. 299) sugere que os preços de mercado que as pessoas realmente pagam
por um seguro contra lesões corporais podem ser usados como guia para as
compensações oferecidas pelo Estado a pessoas que sofrem danos do mesmo
7
Dworkin (1981b, p. 309-11) nega que a sua teoria seja uma “teoria de linha de largada”, mas apenas
porque ele alocaria compensação por talentos desiguais durante toda a vida.

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190 Elizabeth S. Anderson

tipo sem que tenham culpa. Mas os preços reais dos seguros no mercado
refletem dois fatores irrelevantes para determinar a compensação que o Es-
tado pode dever aos que sofrem danos sem culpa: a necessidade de manter a
compensação extremamente baixa para reduzir o risco moral de danos não
fatais (uma compensação elevada pode seduzir as pessoas a arriscar danos
maiores) e o fato de que as pessoas fazem seguro apenas contra os custos dos
danos contra os quais o Estado não as indeniza (por exemplo, deficiência no
local de trabalho, espaços públicos para pessoas com deficiência).
O recurso de Dworkin a compras hipotéticas de seguros por parte de pesso-
as que não conhecem suas competências sofre de um problema maior: o autor
nunca explica por que essas escolhas de mercado hipotéticas têm qualquer
relevância para determinar o que os cidadãos devem uns aos outros. Uma vez
que essas escolhas não foram realmente feitas, o fato de as alocações do Estado
não as refletirem não viola as escolhas autônomas reais de qualquer pessoa. As
escolhas de mercado dos indivíduos variam de acordo com seus gostos, mas
o que alguém é obrigado a fazer pelos outros não é, em geral, determinado
pelos próprios gostos dessa pessoa, nem pelos gostos dos beneficiários. Vimos
que essa relatividade de gosto autoriza a discriminação contra os cidadãos
com deficiências raras e contra os que gostam de correr riscos. Mas, mesmo
que algumas pessoas estejam dispostas a assumir riscos a si mesmas, não se
conclui disso que elas tenham desistido de sua reivindicação para que seus
concidadãos lhes proporcionem os mesmos benefícios de seguro social con-
tra deficiências involuntariamente causadas, aos quais quem tem aversão ao
risco tem direito. Além disso, mesmo se todos racionalmente comprassem
algum seguro por conta própria – por exemplo, para uma cirurgia plástica
que corrigisse pequenos defeitos na aparência –, esse fato não chegaria a ser
suficiente para gerar uma obrigação à sociedade para que pague por isso. Se
todos quisessem, é claro que poderiam votar para incluir a cirurgia plástica
em um plano de saúde nacional, mas, se votam para não a incluir e deixam
que todo mundo compre esse seguro com seus recursos privados, fica difícil
ver como qualquer cidadão poderia fazer uma reivindicação justa contra a
decisão dos votantes. Uma coisa é que todos decidam se vale a pena comprar
algo para seu consumo privado, e outra bem diferente é decidir que os cidadãos
agindo coletivamente são obrigados a socializar os custos de proporcionar
esse bem a todos. Concluo que as escolhas de mercado reais ou hipotéticas das
pessoas não oferecem orientação sobre o que os cidadãos são obrigados a fornecer

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Qual é o sentido da igualdade? 191

uns aos outros em uma base coletiva. Isso sugere uma outra aspiração para a
teoria igualitária: ela deve fornecer princípios para a vontade coletiva – ou
seja, para o que os cidadãos devem querer em conjunto, e não apenas para o
que cada um pode querer individualmente.
Analisemos, agora, as maneiras pelas quais o igualitarismo da sorte gera
problemas nas formas em que se baseia em princípios socialistas. A igualdade
de fortuna nos diz que ninguém deve sofrer de infortúnio imerecido. Para
implementar seus princípios, o Estado deve fazer juízos de merecimento ou
responsabilidade moral ao atribuir os resultados a sorte bruta ou opcional.
Para determinar se um fumante que adquiriu o hábito enquanto era soldado
deve receber tratamento para o câncer de pulmão financiado pelo Estado,
outras pessoas devem julgar se ele deveria ter demonstrado mais força de
vontade contra o tabagismo, considerando-se as pressões sociais que enfren-
tou de seus pares e dos anunciantes enquanto servia ao exército, os benefícios
do cigarro para redução da ansiedade na situação altamente estressante de
combate, as oportunidades que lhe foram oferecidas para superar seu vício
depois da guerra e assim por diante8.
Friedrich A. Von Hayek (1960, p. 95-7) identificou o problema central
desses sistemas de recompensa baseados em mérito: para reivindicar algum
benefício importante, as pessoas são forçadas a obedecer aos juízos de outras
sobre quais usos deveriam ter feito de suas oportunidades, em vez de seguir
seus próprios juízos. Esse sistema exige que o Estado faça juízos moralizantes
muito invasivos sobre as escolhas individuais. A igualdade de fortuna inter-
fere, assim, na privacidade e na liberdade dos cidadãos. Além disso, como
deixam claro Arneson e Roemer, esses juízos exigem que o Estado determine
8
E se alguém corre um risco para a saúde que só aumenta suas chances já significativas de doença?
Que estudos científicos distribuem os riscos de doença devidos a causas involuntárias (por exemplo,
genes defeituosos) e causas voluntárias (por exemplo, alimentação gordurosa) e descontam os
recursos que foram fornecidos para cuidar dos doentes segundo a proporção em que seu risco foi
voluntário (Rakowski, 1991, p. 75). Roemer aceita essa lógica, mas insiste em que a responsabilidade
das pessoas por suas condições deveria ter o desconto das influências sociológicas não escolhidas,
bem como as genéticas. Assim, se duas pessoas com câncer de pulmão fumam o número médio de
anos para seu tipo sociológico (determinado por sexo, raça, classe, profissão, hábitos de fumar dos
pais etc.), elas têm direito, mantendo-se os outros fatores, a igual compensação contra os custos de
seu câncer, mesmo que uma tenha fumado por oito anos e a outra, por 25 anos (Roemer, 1994a, p.
183). A intuição do autor é de que as pessoas que exercem graus comparáveis de responsabilidade,
ajustados para compensar as diferentes influências sociais sobre seu comportamento, devem ter
direito a graus iguais de compensação contra os custos de seu comportamento. Roemer não leva em
conta as expressivas implicações de o Estado pressupor que diferentes classes de cidadãos devem ter
padrões diferentes de comportamento responsável.

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192 Elizabeth S. Anderson

quanta responsabilidade cada cidadão foi capaz de exercer em cada caso.


Mas é desrespeitoso o Estado julgar o quanto as pessoas são responsáveis
por seus gostos caros ou suas escolhas imprudentes (Korsgaard, 1993, p. 61).
Mais além, a igualdade de fortuna não promoveria realmente a responsa-
bilidade pessoal da maneira que afirma. É verdade que ela nega compensações
a pessoas que sejam consideradas responsáveis por seu próprio infortúnio,
mas isso dá aos indivíduos um incentivo para negar a responsabilidade pessoal
por seus problemas e apresentar sua situação como se estivessem indefesos
diante de forças incontroláveis. Dificilmente poderia haver melhores condi-
ções sociais para promover a disseminação de uma mentalidade baseada nas
lamúrias de vítimas passivas. Elas permitem que os cidadãos reivindiquem
bens como benefícios de saúde básicos ao custo de fazerem de si mesmos
um espetáculo indigno. Além disso, é mais fácil construir uma história tris-
te que seja digna de pena contando os próprios infortúnios imerecidos do
que fazer um trabalho produtivo e que seja valorizado por outros. Ao dar
às pessoas um incentivo para canalizar suas energias egoístas na primeira
direção e não na segunda, a igualdade de fortuna gera um enorme peso
morto para a sociedade.
Na promoção de uma combinação tão infeliz de instituições capitalistas e
socialistas, a igualdade de fortuna não consegue estabelecer uma sociedade
de iguais e apenas reproduz o regime estigmatizante das Leis dos Pobres, no
qual os cidadãos reivindicam ajuda do Estado desde que aceitem um status
inferior. O raciocínio dos igualitaristas da sorte é permeado pelo pensamento
típico das Leis dos Pobres. Isso fica mais claro na distinção que fazem entre
os desfavorecidos que merecem e os que não merecem – entre aqueles que
não são responsáveis por seu infortúnio e aqueles que o são. Assim, como
no regime da Leis dos Pobres, abandonam os desfavorecidos devido a suas
próprias escolhas por seus destinos miseráveis e definem os desfavorecidos
merecedores em termos de sua inferioridade inata de talento, inteligência,
capacidade ou apelo social.
Além do mais, ao classificar aqueles que dedicam a maior parte de suas
energias a cuidar de dependentes junto com os que têm um gosto volunta-
riamente caro pela caridade, a igualdade de fortuna pressupõe o egoísmo
e autossuficiência atomísticos como norma para os seres humanos. Ela só
promete igualdade a quem cuidar apenas dos próprios interesses, evitar
estabelecer relações com outros que possam gerar obrigações de se envol-

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Qual é o sentido da igualdade? 193

ver em atividades de cuidado dependentes e conseguir cuidar de si com os


próprios ganhos, sem ter de depender de renda gerada no mercado que seja
fornecida por qualquer outra pessoa. Mas essa norma não pode ser univer-
salizada para os seres humanos. Longos períodos de dependência em relação
aos cuidados de outras pessoas são uma parte normal e inevitável do ciclo
de vida de todos. Portanto, é condição indispensável para a continuidade
da sociedade humana que muitos adultos dediquem grande parte do seu
tempo a esse cuidado, mesmo que esse tipo de trabalho possa ser muito mal
remunerado no mercado. E isso, por sua vez, implica alguma dependência
dos cuidadores em relação à renda gerada por outras pessoas. A igualdade
de fortuna, ao apresentar a dependência dos cuidadores como um desvio
voluntário de uma norma androcêntrica falsamente universalizada, acaba
justificando a subordinação das mulheres aos homens com renda e a estig-
matização dos cuidadores dependentes em relação a pessoas remuneradas
e autossuficientes. Dificilmente se poderia imaginar uma reprodução mais
perfeita do pensamento típico da Lei dos Pobres, incluindo seu sexismo e
sua combinação de trabalho responsável com remuneração de mercado9.

Qual é o sentido da igualdade?


Tem de haver uma maneira melhor de conceber o sentido da igualdade.
Para isso, é útil recordar como movimentos políticos igualitários têm conce-
bido historicamente seus objetivos. Quais foram os sistemas não igualitários
a que eles se opuseram? As visões não igualitárias afirmaram a justeza ou a
necessidade de basear a ordem social em uma hierarquia de seres humanos,
classificados de acordo com seu valor intrínseco. A desigualdade se referia
não tanto à distribuição de bens, e mais às relações entre pessoas superio-
res e inferiores. Considerava-se que as superiores teriam direito de infligir
violência às inferiores, excluí-las ou segregá-las da vida social, tratá-las com

9
Young (1995) faz uma crítica semelhante, sem relação com o igualitarismo da sorte, sobre os movimen-
tos de reforma da previdência contemporâneos. A versão de Van Parijs sobre o igualitarismo da sorte
pode parecer escapar ao pensamento da Lei dos Pobres porque promete uma renda incondicional
a todos, independentemente de exercerem trabalho remunerado. No entanto, como mencionado
anteriormente, até mesmo a sua visão considera implicitamente como norma os gostos de adultos ego-
ístas sem responsabilidades de cuidar de outros. Isso porque a diferença entre salário mínimo e renda
incondicional será definida pelos incentivos necessários para trazer o egoísta marginal desimpedido
ao mercado de trabalho. O destino dos cuidadores dependentes não remunerados dependerá, pois,
dos equilíbrios entre trabalho e lazer de vagabundos da praia, e não de suas próprias necessidades.
Quanto mais ligado ao lazer for o vagabundo de praia, menor deve ser a renda incondicional.

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194 Elizabeth S. Anderson

desprezo, forçando-as a obedecer, a trabalhar sem retribuição e a abandonar


suas próprias culturas. São essas as faces da opressão identificadas por Iris
Young (1990): marginalização, hierarquia de status, dominação, exploração e
imperialismo cultural. Essas relações sociais desiguais geram desigualdades
na distribuição de liberdades, recursos e bem-estar, e foram consideradas
como justificativas dessas desigualdades. Esse é o núcleo das ideologias
anti-igualitárias do racismo, sexismo, nacionalismo, casta, classe e eugenia.
Os movimentos políticos igualitários se opõem a essas hierarquias. Eles
afirmam o valor moral igual das pessoas. Essa afirmação não significa que
todos tenham virtudes ou talentos iguais. Negativamente, a afirmação repudia
distinções de valor moral com base em nascimento ou identidade social – a
família da qual a pessoa faz parte, status social herdado, raça, etnia, gênero
ou genes. Não há escravos, plebeus nem aristocratas naturais. Positivamente,
a afirmação diz que todos os adultos competentes são igualmente agentes
morais: todos têm igual poder de desenvolver e exercer responsabilidade
moral, cooperar com os outros de acordo com princípios de justiça, formar
e buscar uma concepção própria de bem10.
Os igualitaristas baseiam as afirmações de igualdade social e política
na igualdade moral universal. Essas afirmações também têm um aspecto
negativo e um positivo. Negativamente, os igualitaristas procuram abolir
a opressão – ou seja, formas de relacionamento social pelas quais algumas
pessoas dominam, exploram, marginalizam, humilham e infligem violência
sobre outras. Diversidades em identidades socialmente atribuídas, papéis
distintos na divisão do trabalho ou diferenças em características pessoais,
sejam elas diferenças biológicas e psicológicas neutras, talentos e virtudes
valiosos ou deficiências e debilidades desafortunadas, nunca justificam as
relações sociais desiguais listadas. Nada pode justificar tratar as pessoas
assim, com exceção da punição a crimes e da defesa contra a violência.
Positivamente, os igualitaristas buscam uma ordem social em que as pes-
soas estejam em relações de igualdade. Elas buscam viver juntas em uma
comunidade democrática, ao contrário de uma hierárquica. A democracia é
entendida aqui como autodeterminação coletiva por meio de discussão aberta
10
Ver Rawls (1980, p. 525). O uso do termo “igualmente” para modificar “agentes morais” pode parecer
desnecessário: por que não dizer apenas que todos os adultos competentes são agentes morais? Os
igualitaristas negam uma hierarquia de tipos de agência moral – por exemplo, qualquer teoria que
diga que há um tipo inferior de ser humano que só é capaz de seguir comandos morais de outros e
um tipo superior, capaz de emitir ou descobrir comandos morais por si.

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Qual é o sentido da igualdade? 195

entre iguais, de acordo com regras aceitáveis a todos. Estar em condições


de igualdade perante os outros em discussão significa que a pessoa tem o
direito de participar, que os outros reconhecem a obrigação de ouvir com
respeito e responder aos argumentos dela, que ninguém precisa abaixar a
cabeça diante dos outros nem representar a si mesmo como inferior, como
condição para ter sua reivindicação ouvida11.
Compare essa concepção democrática de igualdade com a igualdade de
fortuna. Em primeiro lugar, a igualdade democrática visa a abolir a opressão
socialmente criada. A igualdade de fortuna visa a corrigir o que considera
injustiças geradas pela ordem natural. Em segundo lugar, a igualdade de-
mocrática é o que eu chamo de uma teoria relacional da igualdade: ela vê
a igualdade como uma relação social. A igualdade de fortuna é uma teoria
distributiva da igualdade: concebe a igualdade como um padrão de distri-
buição. Assim, a igualdade de fortuna considera duas pessoas como iguais
desde que elas tenham quantidades iguais de um bem distribuível – renda,
recursos, oportunidades de bem-estar e assim por diante. As relações so-
ciais são amplamente tidas como fundamentais para gerar esses padrões
de distribuição. Por outro lado, a igualdade democrática vê duas pessoas
como iguais quando cada uma aceita a obrigação de justificar suas ações por
princípios aceitáveis à outra e segundo os quais elas aceitam de antemão a
consulta, a reciprocidade e o reconhecimento mútuos. Certos padrões na
distribuição de bens podem ser fundamentais para garantir essas relações,
resultar delas ou até mesmo constituí-las. Mas os igualitaristas democráticos
se preocupam fundamentalmente com as relações dentro das quais os bens
são distribuídos, não só com a distribuição dos bens em si. Isso implica, em
terceiro lugar, que a igualdade democrática seja sensível à necessidade de
integrar as demandas por igual reconhecimento às demandas por igual dis-
tribuição (Fraser, 1997b; e Honneth, 1995). Os bens devem ser distribuídos
de acordo com princípios e processos que expressem respeito por todos.
As pessoas não devem ser obrigadas a rastejar ou se humilhar perante os
outros como condição para reivindicar sua parte dos bens. A base para as

11
Ver Anderson (1995). Essa exigência significa que devemos sempre ouvir pacientemente àqueles
que provaram ser burros, impertinentes ou desonestos? Não. Significa (1) que todo mundo deve ter
o benefício inicial da dúvida, (2) que uma pessoa só pode ser ignorada ou excluída da discussão por
razões demonstradas de incompetência comunicativa ou falta de disposição para travar uma discussão
justa e (3) que os excluídos devem ter oportunidades razoáveis para demonstrar sua competência
comunicativa e, assim, reconquistar um lugar na conversação.

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reivindicações das pessoas aos bens distribuídos é que elas sejam iguais, e
não inferiores, às outras.
Isso nos dá uma concepção crua da igualdade. Como podemos derivar
dela princípios de justiça? Nossa investigação da igualdade de fortuna não
foi completamente inútil: a partir de seus fracassos, recolhemos algumas
aspirações para os princípios igualitários. Em primeiro lugar, esses princípios
devem identificar determinados bens aos quais todos os cidadãos têm de ter
acesso efetivo durante toda a vida. Alguns bens são mais importantes do que
outros do ponto de vista igualitário, dentro de qualquer espaço de igualdade
identificado como sendo de preocupação específica para os igualitaristas. E
as teorias da linha de largada ou quaisquer outros princípios que permitam a
cidadãos cumpridores da lei perder o acesso a níveis adequados desses bens
são inaceitáveis. Em segundo lugar, os igualitaristas devem ser capazes de
justificar essas garantias vitalícias de acessibilidade sem recorrer ao paterna-
lismo. Em terceiro lugar, os princípios igualitários devem oferecer soluções
que correspondam ao tipo de injustiça a ser corrigida. Satisfações privadas
não podem compensar opressão pública. Em quarto lugar, os princípios
igualitários devem manter a responsabilidade dos indivíduos para com
suas próprias vidas, sem fazer juízos humilhantes e invasivos sobre as suas
capacidades de exercer responsabilidade ou sobre como eles usaram suas
liberdades. Por fim, esses princípios devem ser objetos possíveis da vontade
coletiva. Eles devem ser capazes de fornecer razões suficientes para que ci-
dadãos atuando em conjunto garantam coletivamente os bens particulares
que são alvo da preocupação dos igualitaristas.
Tratemos primeiramente da última aspiração. A determinação do que
pode ou deve ser objeto de vontade coletiva tem sido a tarefa tradicional
da teoria do contrato social. Nas versões democráticas liberais da teoria, o
objetivo fundamental do Estado é garantir a liberdade de seus membros.
Como o Estado democrático nada mais é do que os cidadãos agindo
coletivamente, conclui-se que a obrigação fundamental dos cidadãos
uns para com os outros é garantir as condições sociais para a liberdade
de todos (Korsgaard, 1993). Como os libertários também adotam essa
fórmula, pode-se pensar que ela levaria a implicações desiguais. Em vez
de repudiar a fórmula, a igualdade democrática a interpreta: ela afirma
que a condição social para viver uma vida livre é que a pessoa esteja em
relações de igualdade com as outras.

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Qual é o sentido da igualdade? 197

Essa afirmação pode parecer paradoxal, dada a visão predominante que


apresenta a igualdade e a liberdade como ideais conflitantes. Podemos ver
como ela é verdadeira examinando as relações opressivas que a igualdade
social nega. Os iguais não estão sujeitos a violência arbitrária ou coerção
física por parte de outros. A escolha não restringida por coerção física ar-
bitrária é uma das condições fundamentais da liberdade. Os iguais não são
marginalizados por outros e, portanto, são livres para participar da política
e das principais instituições da sociedade civil. Os iguais não são dominados
por outros; eles não vivem à mercê das vontades dos outros. Isso significa
que regem suas vidas segundo suas próprias vontades – o que é liberdade.
Os iguais não são explorados por outros, o que significa que são livres para
definir o justo valor de seu trabalho. Os iguais não estão sujeitos ao imperia-
lismo cultural: são livres para praticar sua própria cultura, sujeita à restrição
do respeito a todas as outras pessoas. Sendo assim, viver em uma comunidade
igualitária é estar livre da opressão para participar e usufruir dos bens da
sociedade e para participar do autogoverno democrático.

Assim sendo, os igualitaristas diferem dos libertários porque defendem uma com-
preensão mais ampla das condições sociais da liberdade. É importante ressaltar que
eles veem as relações privadas de dominação, mesmo as estabelecidas por consenti-
mento ou contrato, como violações da liberdade individual. Os libertários tendem
a identificar a liberdade com liberdade formal e negativa: ter direito legal de fazer o
que se quer sem precisar pedir permissão a ninguém e sem a interferência de outros.
Essa definição de liberdade negligencia a importância de dispor dos meios para
fazer o que se quer. Além disso, a definição pressupõe implicitamente que, dados
os meios materiais e a capacidade interna de se fazer o que se quer, basta a ausência
de interferência por parte de outros para se fazer o que se quer. Com isso, ignora-se
o fato de que a maioria das coisas que as pessoas querem fazer exige a participação
em atividades sociais e, portanto, comunicação e interação com outros. Uma pessoa
não pode fazer essas coisas se as demais a tornarem uma “pária”. Um libertário pode
argumentar que a liberdade de associação implica o direito de se recusar a se associar
a outras pessoas por qualquer motivo. No entanto, uma sociedade que incorpore um
direito tão incondicional quase não precisa de coerção física para forçar as pessoas
a obedecer aos desejos daquelas que têm poder de excluir outras de participação na
vida social. O mesmo se aplica a uma sociedade em que a propriedade seja distribu-
ída de forma tão desigual que alguns adultos vivam em uma dependência abjeta de
outros e, portanto, à sua mercê. As sociedades que permitem a criação de “párias”
e classes subordinadas podem ser tão repressivas como qualquer regime despótico.

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198 Elizabeth S. Anderson

Igualdade no espaço de liberdade: a abordagem das capacidades


Amartya Sen propôs uma maneira melhor de entender a liberdade. Con-
sidere os estados de ser e de fazer que constituem o bem-estar de uma pessoa:
ela pode ser saudável, bem nutrida, fisicamente apta, instruída, participante
ativa na vida da comunidade, ter mobilidade, ser feliz, respeitada, confiante
e assim por diante. A pessoa pode também se preocupar com outros estados
de ser e fazer que reflitam seus fins autônomos: ela pode querer ser extro-
vertida, criar os filhos, praticar medicina, jogar futebol, fazer amor e assim
por diante. Chamemos a esses estados de funcionamentos. As capacidades
de uma pessoa consistem nos conjuntos de funcionamentos de que ela
consegue dispor, dados os recursos pessoais, materiais e sociais disponíveis.
As capacidades não medem funcionamentos realmente adquiridos, e sim a
liberdade de uma pessoa para adquirir funcionamentos valorizados. Uma
pessoa goza de mais liberdade quanto maior for a gama de oportunidades
efetivamente acessíveis e significativamente diferentes que tem para colocar
em funcionamento ou levar sua vida de maneiras que ela valorize mais (Sen,
1992, p. 39-42 e 49). Podemos entender o objetivo igualitário de garantir a
todos as condições sociais de sua liberdade em termos de capacidades. Na
linha de Sen, eu digo que os igualitaristas devem buscar a igualdade para
todos no espaço das capacidades.
Contudo, o igualitarismo de capacidades de Sen deixa em aberto uma
questão importante. Quais capacidades a sociedade tem obrigação de equa-
lizar? Algumas pessoas se preocupam com jogar cartas bem, outras com
desfrutar de férias de luxo no Taiti. Os igualitaristas devem, em nome da
igualdade de liberdade, oferecer gratuitamente aulas de carteado e férias em
terras exóticas subsidiadas pelo Estado? Certamente há limites em relação a
quais capacidades os cidadãos são obrigados a proporcionar uns aos outros.
Devemos prestar atenção a nossa primeira aspiração para identificar bens
específicos dentro do espaço da igualdade que sejam de especial preocupação
para as abordagens igualitárias.
A reflexão sobre os objetivos negativos e positivos do igualitarismo nos
ajuda a atender a essa exigência. Em termos negativos, as pessoas têm direito
a quaisquer capacidades necessárias para lhes permitir evitar ou escapar do
envolvimento em relações sociais opressivas; positivamente, têm direito às
capacidades necessárias para funcionar como cidadãs iguais em um Estado
democrático. Embora se sobreponham em grande medida, os alvos negativos

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Qual é o sentido da igualdade? 199

e positivos do igualitarismo não são idênticos. Se funcionar como cidadão


igual fosse a única coisa que importa aos igualitaristas, eles não poderiam
se opor à clitoridectomia forçada, pela qual os homens controlam a sexu-
alidade das mulheres nas relações privadas. Mas os igualitaristas também
visam a abolir relações privadas de dominação e, portanto, sustentar os
funcionamentos necessários para a autonomia sexual individual. Se ter as
capacidades necessárias para evitar a opressão fosse a única coisa importan-
te, os igualitaristas não se oporiam à discriminação entre os relativamente
privilegiados – por exemplo, o teto de vidro que impede mulheres executivas
de ascender. Mas os igualitaristas também visam a permitir que todos os ci-
dadãos sejam iguais entre si na sociedade civil, e isso requer que as carreiras
estejam abertas a talentos.
Portanto, a igualdade democrática visa à igualdade em uma ampla gama
de capacidades, mas não sustenta a igualdade completa no espaço das ca-
pacidades. Ser um mau jogador de cartas não faz de alguém um oprimido.
Mais precisamente, a ordem social pode e deve ser organizada de modo que a
habilidade de alguém no jogo de cartas não determine seu status na sociedade
civil. Ser um bom jogador de cartas tampouco é necessário para funcionar
como cidadão, de modo que a sociedade não tem obrigação de proporcionar
aulas de carteado gratuitas aos cidadãos. A igualdade democrática cumpre
a primeira aspiração da teoria igualitária.
Examinemos mais a fundo os recursos que a igualdade democrática con-
segue garantir aos cidadãos. Concentremo-nos nas capacidades necessárias
para o funcionamento como cidadãos iguais. A cidadania envolve funcionar
não só como agente político – votar, engajar-se no discurso político, fazer
demandas ao governo e assim por diante – mas também participar da so-
ciedade civil em condições de igualdade. A sociedade civil é a esfera da vida
social que é aberta ao público em geral e não faz parte da burocracia estatal,
responsável pela administração das leis. Suas instituições incluem ruas e
parques públicos, espaços de uso público, como restaurantes, lojas, teatros,
ônibus e companhias aéreas, sistemas de comunicação, como radiodifusão,
telefonia e internet, bibliotecas públicas, hospitais, escolas e assim por diante.
As empresas envolvidas na produção para o mercado também fazem parte
da sociedade civil, porque vendem seus produtos a qualquer cliente e seus
empregados são oriundos do público em geral. Uma das importantes con-
quistas do movimento dos direitos civis foi defender uma compreensão de

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200 Elizabeth S. Anderson

cidadania que incluísse o direito de participar como igual da sociedade civil,


bem como nos assuntos do governo. Um grupo que excluído ou segregado
dentro das instituições da sociedade civil, ou submetido a discriminação com
base em identidades sociais atribuídas por instituições da sociedade civil,
terá sido relegado à condição de cidadão de segunda classe, mesmo que seus
membros desfrutem de todos os seus direitos políticos.
Assim, ser capaz de funcionar como cidadão igual envolve não apenas
a capacidade de exercer com eficácia direitos especificamente políticos mas
também de participar das diversas atividades da sociedade civil de forma
mais ampla, incluindo a participação na economia. E funcionar dessa forma
pressupõe funcionar como ser humano. Consideremos, então, três aspectos
do funcionamento individual: como ser humano, como participante de um
sistema de produção cooperativa e como cidadão de um Estado democrático.
Ser capaz de funcionar como ser humano exige acesso efetivo aos meios para
sustentar sua existência biológica – comida, moradia, vestuário, assistência
médica – e acesso às condições básicas da agência humana – conhecimento das
próprias circunstâncias e opções, capacidade de deliberar sobre meios e fins,
condições psicológicas de autonomia, incluindo a autoconfiança para pensar
e julgar por conta própria, liberdade de pensamento e movimento. Ser capaz
de funcionar como participante igual em um sistema de produção cooperativa
exige acesso efetivo aos meios de produção, acesso à educação necessária para
desenvolver os próprios talentos, liberdade de escolha profissional, direito de
estabelecer contratos e celebrar acordos de cooperação com outras pessoas,
direito de receber um valor justo pelo próprio trabalho e reconhecimento das
próprias contribuições produtivas por parte de outros. Para funcionar como
cidadão são necessários direitos de participação política, como liberdade de
expressão e de voto, e também acesso efetivo a bens e relações da sociedade
civil. Isso implica liberdade de associação, acesso a espaços públicos, como
estradas, parques e serviços públicos, incluindo transporte público, serviço
postal e telecomunicações. Implica, também, as condições sociais de ser aceito
por outros, como a capacidade de aparecer em público sem sentir vergonha e
não ser considerado excluído. A liberdade de estabelecer relações na sociedade
civil também exige acesso efetivo aos espaços privados, uma vez que muitas
dessas relações só podem funcionar quando protegidas da observação e das
invasões de outros. Ser sem-teto – ou seja, ter apenas a opção de moradia
pública – é uma condição de profunda falta de liberdade.

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Qual é o sentido da igualdade? 201

Três questões devem ser levantadas sobre a estrutura de garantias igualitá-


rias no espaço de liberdade ou de capacidades. Em primeiro lugar, a igualdade
democrática não garante níveis de funcionamento propriamente ditos, e sim o
acesso efetivo a esses níveis. Os indivíduos são livres para escolher funcionar
em um nível inferior do que lhes é garantido. Por exemplo, podem optar por
entrar para um grupo religioso que desestimule a participação política. Além
disso, a igualdade democrática pode condicionar o acesso a determinados
funcionamentos – os que exigem renda – ao trabalho para conquistá-los,
desde que os cidadãos tenham acesso efetivo a essas condições – os que
forem fisicamente capazes de realizar o trabalho, que o fazer seja coerente
com seus outros deveres, que eles consigam encontrar um emprego e assim
por diante. O acesso efetivo a um nível de funcionamento significa que as
pessoas podem alcançar esse funcionamento implantando meios já à sua
disposição, e não que o funcionamento seja garantido incondicionalmente,
sem qualquer esforço da parte delas. Assim, antes de tudo, a igualdade demo-
crática é coerente com a construção dos sistemas de incentivos necessários
a fim de que uma economia moderna sustente a produção necessária para
dar suporte a garantias igualitárias.
Em segundo lugar, a igualdade democrática não garante acesso efetivo
a níveis iguais de funcionamento, e sim acesso efetivo a níveis de funciona-
mento suficientes para estar em condições de igualdade na sociedade. Para
alguns funcionamentos, cidadania igual requer níveis iguais. Por exemplo,
cada cidadão tem direito ao mesmo número de votos de qualquer outra
pessoa em uma eleição. Entretanto, para outros funcionamentos, estar em
condições de igualdade não requer níveis iguais de funcionamento. Estar em
condições de igualdade na sociedade civil exige alfabetização, mas, no con-
texto dos Estados Unidos, não exige alfabetização em qualquer idioma que
não seja o inglês, nem a capacidade de interpretar obras obscuras da teoria
literária. A igualdade democrática não é contrariada se nem todo mundo
souber um idioma estrangeiro e se apenas alguns tiverem um doutorado em
literatura. Em outros países, a alfabetização multilíngue pode ser necessária
para a igualdade de condições.
Em terceiro lugar, a igualdade democrática garante o acesso efetivo a
um pacote de capacidades suficiente para estar em condições vitalícias de
igualdade. Não é uma teoria de linha de largada, na qual as pessoas podem
perder seu acesso às condições de igualdade por má sorte opcional. O acesso

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aos recursos igualitários também é inalienável no mercado: contratos pelos


quais os indivíduos transfiram de forma irrevogável suas liberdades funda-
mentais a outros são nulos12. A justificativa para o estabelecimento desses
direitos inalienáveis pode parecer de difícil compreensão do ponto de vista
do titular do direito. Por que alguém não deve ser livre para trocar algumas
de suas liberdades garantidas pelos igualitaristas por outros bens que prefira?
Não é paternalista lhe negar a liberdade de negociar?
Podemos evitar esse pensamento ao considerar o ponto de vista do titular
da obrigação. A contrapartida ao direito inalienável que um indivíduo tem
às condições sociais de sua liberdade é a obrigação incondicional de outros
de respeitar a dignidade ou a igualdade moral dele. Kant explicaria da se-
guinte forma: cada indivíduo tem um valor ou uma dignidade que não está
condicionada a desejos ou preferências de qualquer pessoa, nem mesmo aos
próprios desejos. Isso implica que algumas coisas nunca poderão ser feitas
a outras pessoas, como escravizá-las, mesmo que se tenha a permissão ou o
consentimento delas. Portanto, os contratos de escravidão ou servidão são
inválidos. Ao basear direitos inalienáveis no que os outros são obrigados
a fazer, e não nos próprios interesses subjetivos de quem tem os direitos,
a igualdade democrática atende à segunda aspiração da teoria igualitária:
justificar garantias vitalícias, sem recorrer ao paternalismo.
A abordagem da igualdade baseada em capacidades tem a vantagem de
nos permitir analisar as injustiças em relação a outros assuntos além da dis-
tribuição de recursos e outros bens divisíveis. As capacidades de uma pessoa
decorrem não apenas de suas características pessoais fixas e de seus recursos
divisíveis mas também de suas características mutáveis, relações sociais e
normas, bem como da estrutura de oportunidades, bens públicos e espaços
públicos. Os movimentos políticos igualitários nunca perderam de vista
todo o conjunto de metas de avaliação igualitária. Por exemplo, as feministas
trabalham para superar os obstáculos internos à escolha – abnegação, falta
de confiança e baixa autoestima – que as mulheres muitas vezes enfrentam
por causa da internalização das normas de feminilidade. Gays e lésbicas
buscam poder revelar publicamente suas identidades sem sentir vergonha ou
medo, o que requer mudanças significativas nas relações sociais de desprezo
e hostilidade, bem como nas normas de gênero e sexualidade. Os deficientes
12
Radin (1987). Contudo, pode ser necessário privar uma pessoa de algumas de suas liberdades de
mercado inalienáveis, se ela for condenada por um crime grave.

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Qual é o sentido da igualdade? 203

querem reconfigurar os espaços públicos para torná-los acessíveis e adaptar


as situações de trabalho às suas necessidades para que possam participar da
atividade produtiva. A mera redistribuição de recursos divisíveis não pode
garantir a liberdade que esses grupos procuram.
Claro, a igualdade democrática também se preocupa com a distribuição
dos recursos divisíveis. Ela exige que todos tenham acesso efetivo a recursos
suficientes para evitar que sejam oprimidos por outros e para que possam
funcionar como iguais na sociedade civil. O que se considera “suficiente” varia
de acordo com as normas culturais, o ambiente natural e as circunstâncias
individuais. Por exemplo, as normas culturais e o clima influenciam o tipo de
roupa necessário para aparecer em público sem sentir vergonha e com pro-
teção adequada em relação às intempéries. Circunstâncias individuais, como
deficiências, influenciam a quantidade de recursos de que se precisa para
funcionar como igual. Pessoas que não têm como fazer uso das suas pernas
podem precisar de mais recursos – cadeiras de rodas, carros especialmente
adaptados – para alcançar uma mobilidade comparável à das pessoas que
caminham. A igualdade no espaço das capacidades pode, portanto, exigir
uma divisão desigual de recursos para acomodar os deficientes (Sen, 1992,
p. 79-84). O que os cidadãos de fato devem uns aos outros são as condições
sociais das liberdades de que as pessoas precisam para funcionar como cida-
dãos iguais. Por causa de diferenças em suas capacidades internas e situações
sociais, as pessoas não são igualmente capazes de converter os recursos em
capacidades para o funcionamento. Portanto, elas têm direito a diferentes
quantidades de recursos para que possam desfrutar de liberdade como iguais.
Suponhamos que se possa abstrair o fato de que as pessoas têm diferentes
capacidades físicas e mentais internas. A igualdade democrática exigiria
que os recursos externos fossem divididos igualmente desde o início, como
sustenta a igualdade de fortuna? Não há razão para pensar que sim. Os re-
cursos relevantes para funcionar como ser humano, como participante do
sistema de cooperação social e como cidadão igual não incluem todos os
funcionamentos ou todos os níveis de funcionamento. Para funcionar como
ser humano, é preciso uma nutrição adequada. Para comer sem ser relegado a
um estado subumano, é necessário acesso a fontes de nutrição que não sejam
alimentos para animais de estimação ou a lixeira. Porém, para ser capaz de
funcionar como um ser humano digno, não é preciso ingerir a quantidade
ou a qualidade de comida de um gourmet. Portanto, a igualdade democrática

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204 Elizabeth S. Anderson

requer que todos tenham acesso efetivo a uma nutrição adequada, bem como
a fontes de nutrição que a própria sociedade considera dignas – próprias para
consumo no convívio social. Ela não exige que todos tenham os recursos
necessários para uma oportunidade igual de funcionar como um gourmet.
Não exige, portanto, critérios para igualdade de recursos que dependam
da ideia moralmente duvidosa de que a distribuição dos recursos deve ser
sensível a considerações relacionadas à cobiça.

Participação em condições de igualdade em um sistema de


produção cooperativa
Até aqui, examinamos o que os cidadãos são obrigados a proporcionar
uns aos outros, mas como essas coisas serão produzidas e por que meios e
princípios devem ser distribuídas? Ao enfatizar o conceito de obrigação, a
igualdade democrática bloqueia a ideia de que, em uma sociedade iguali-
tária, todos poderiam, de alguma forma, ter direito a receber bens sem que
ninguém tenha a obrigação de produzi-los. A igualdade democrática procura
igualdade na liberdade ou na capacidade efetiva de adquirir funcionamentos
que façam parte da cidadania, em seu sentido amplo. Para aqueles capazes de
trabalhar e com acesso a empregos, a aquisição efetiva desses funcionamen-
tos está, no caso normal, condicionada à participação no sistema produtivo.
Ao contrário da visão de Van Parijs, os cidadãos não devem uns aos outros
a liberdade real para funcionar como vagabundos de praia, de modo que a
maioria dos cidadãos aptos terá acesso aos recursos divisíveis de que precisa
para funcionar obtendo um salário ou uma remuneração equivalente, que
lhes seja devida por cumprirem algum papel na divisão do trabalho.
Ao decidir sobre princípios para uma divisão justa do trabalho e uma
divisão justa de seus frutos, os trabalhadores devem considerar a economia
como um sistema de produção cooperativa e conjunta13. Quero comparar
essa imagem da produção conjunta com a imagem mais familiar que nos

13
Falo de “trabalhadores” em vez de “cidadãos” em parte porque as implicações morais de considerar
a economia como um sistema de produção cooperativa vão além das fronteiras internacionais. À
medida que a economia se torna global, estamos todos implicados em uma divisão internacional
do trabalho sujeita a avaliação do ponto de vista igualitário. Temos obrigações não só para com os
cidadãos de nosso país mas para com os nossos colegas de trabalho, que agora se encontram em
praticamente todas as partes do globo. Também temos obrigações humanitárias globais para com
todos, considerados simplesmente como seres humanos – aliviar a fome e as doenças, evitar fomen-
tar ou facilitar de guerras de agressão e assim por diante. Infelizmente, não tenho espaço aqui para
examinar as implicações internacionais da igualdade democrática.

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Qual é o sentido da igualdade? 205

convida a considerar a economia como se fosse um sistema de Robinson


Crusoes autossuficientes, produzindo tudo por conta própria até chegar ao
comércio. Com “produção conjunta”, quero dizer que as pessoas consideram
que cada produto da economia é produzido conjuntamente por todos os que
trabalham. Do ponto de vista da justiça, a tentativa, independentemente dos
princípios morais, de creditar partes específicas da produção a contribuições
específicas de indivíduos específicos representa um corte arbitrário na teia
causal que, na verdade, é o que torna a contribuição produtiva de todos de-
pendente do que cada um dos outros está fazendo. A competência de cada
trabalhador para o trabalho depende de uma vasta gama de contribuições
produzidas por outras pessoas – comida, ensino, cuidar dos filhos e assim
por diante. Depende até de trabalhadores das indústrias de recreação e de
entretenimento, uma vez que desfrutar de atividades de lazer ajuda a res-
taurar a energia e o entusiasmo pelo trabalho. Além disso, a produtividade
de um trabalhador em uma função específica não depende apenas de seus
próprios esforços, mas também de que outras pessoas cumpram seus papéis
na divisão do trabalho. Michael Jordan não poderia fazer tantas cestas se
ninguém varresse a quadra de basquete e a mantivesse limpa. Milhões de
pessoas nem poderiam chegar ao trabalho se os trabalhadores do transpor-
te público entrassem em greve. A abrangência da divisão do trabalho em
uma economia moderna faz com que ninguém produza tudo – na verdade,
nada – do que consome apenas por seus próprios esforços. Ao considerar
a divisão do trabalho como um sistema abrangente de produção conjunta,
trabalhadores e consumidores se consideram encarregando coletivamente
todos os outros de desempenhar seus respectivos papéis escolhidos na eco-
nomia. Ao desempenhar seu papel em uma divisão eficiente do trabalho,
cada trabalhador é visto como um agente para as pessoas que consomem seus
produtos e para os outros trabalhadores que, desobrigados de exercer esse
papel, ficam livres para dedicar seus talentos a atividades mais produtivas.
Em relação à economia como empreendimento cooperativo, os trabalha-
dores aceitam a demanda daquilo que G. A. Cohen definiu como o princípio
da justificação interpessoal (Cohen, 1995, p. 348): qualquer consideração
oferecida como razão para uma política deve servir para justificar essa política
quando proferida por qualquer pessoa a qualquer outra pessoa que participe
da economia como trabalhador ou consumidor. Os princípios que regem a
divisão do trabalho e a atribuição de benefícios específicos ao desempenho

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206 Elizabeth S. Anderson

de funções na divisão do trabalho devem ser aceitáveis a todos nesse sentido.


Para ver como a justificação interpessoal funciona dentro do contexto da
economia considerada como sistema de produção conjunta e cooperativa,
examinaremos três dos casos que a igualdade de fortuna entende mal: com-
pensação por deficiência para trabalhadores em profissões perigosas, ajuda
federal em caso de desastres e cuidadores dependentes com seus filhos.
Rakowski (1991, p. 49) argumenta que os trabalhadores que escolhem
profissões particularmente perigosas, como agricultura, pesca, mineração,
silvicultura, combate a incêndios e policiamento, não podem reivindicar
serviços médicos, reabilitação ou indenização se forem feridos no trabalho.
Por entrarem nessas profissões por escolha própria, qualquer infortúnio
que sofram no trabalho é uma forma de sorte opcional, cujas consequências
devem ser assumidas apenas pelo trabalhador. O teste de Cohen nos convida
a considerar até onde esse argumento é convincente quando apresentado
aos trabalhadores com deficiência por parte de consumidores que comem
o alimento, usam o metal e a madeira e se beneficiam da proteção contra
incêndios e crimes que esses trabalhadores proporcionam. Esses consumi-
dores não são livres para se isentar de toda a responsabilidade pela má sorte
que se abate sobre os trabalhadores em profissões perigosas, pois os encar-
regaram de executar essas tarefas perigosas em seu nome. Os trabalhadores
estavam atuando como agentes para os consumidores de seu trabalho. Não
pode ser justo designar uma função profissional na divisão de trabalho que
envolva esses riscos e, em seguida, atribuir um pacote de benefícios ao de-
sempenho no papel que, dados os riscos, não garanta as condições sociais
de liberdade àqueles que ocupam esse papel. O princípio que diz “sejamos
servidos por ocupações tão inadequadamente compensadas que os que as
exercem careçam dos meios necessários para garantir sua liberdade, tendo
em conta os riscos e as condições de seu trabalho” não sobrevive ao teste da
justificação interpessoal.
Reflexões semelhantes se aplicam àqueles que optam por viver e trabalhar
em áreas propensas a desastres naturais particularmente graves, como quem
mora perto da Falha de San Andreas. Rakowski (1991, p. 49) argumenta
que esses moradores devem ser excluídos da ajuda federal porque moram lá
por opção. Mas eles moram lá porque outros cidadãos os encarregaram de
explorar os recursos naturais da Califórnia, por meio de sua demanda por
produtos desse estado. Negar-lhes a ajuda federal para desastres é invocar o

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Qual é o sentido da igualdade? 207

princípio rejeitado anteriormente. Os economistas podem objetar que, no


cômputo geral, talvez não seja eficiente continuar a produção em determinada
região e que a ajuda em caso de desastres, ao subsidiar os custos de se morar
em regiões sujeitas a esses desastres, perpetua um erro caro. No entanto, se,
no cômputo geral, os cidadãos decidem que uma região deve ser declarada
inabitável porque os custos da ajuda são muito altos, a resposta correta não
é deixar seus moradores abandonados, e sim usar a ajuda para auxiliá-los
a se mudar. Os cidadãos não devem ser privados de recursos básicos em
função do local onde moram14.
Os casos das cuidadoras dependentes sem renda e das crianças podem
parecer fora do alcance da sociedade como sistema de cooperação, mas
isso é confundir a economia com o setor de mercado (Waring, 1990). As
cuidadoras dependentes não remuneradas contribuem para a produção de
pelo menos três maneiras. Em primeiro lugar, a maioria realiza produção
familiar – limpeza, cozinha e assim por diante – para a qual os serviços, se
não fossem realizados, teriam de ser contratados. Em segundo lugar, elas
criam os futuros trabalhadores da economia e ajudam a reabilitar doentes
e feridos para que possam voltar ao trabalho. Em terceiro, ao cumprir as
obrigações que todos têm para com os dependentes, considerados como
seres humanos, e as obrigações que todos os membros da família têm para
com seus parentes dependentes, elas aliviam outros dessa responsabilidade
e assim os deixam livres para participar da economia de mercado. O pai não
seria tão produtivo no mercado se a mãe de seus filhos, que trabalha sem
remuneração ou em meio expediente, não o desobrigasse de grande parte
de sua responsabilidade pelos cuidados diretos (Williams, 1994, p. 2.227). O
princípio de “designar outros para cumprir nossas obrigações de cuidadores
para com pessoas dependentes e associar benefícios tão escassos a esse papel
que essas cuidadoras vivam à nossa mercê” tampouco sobrevive à justificação
interpessoal. As cuidadoras dependentes têm direito a uma parcela suficiente

14
E quanto às pessoas ricas que constroem suas casas de férias em áreas sujeitas a desastres? Elas não
foram encarregadas por outras pessoas de viverem lá, nem parece justo forçar os contribuintes a ga-
rantir suas propriedades de luxo. A igualdade democrática não pode permitir que mesmo os cidadãos
improdutivos percam tudo, mas os compensa por todas as suas perdas. Ela só garante ajuda suficiente
para que eles voltem a ficar de pé, mas não para que o façam sobre calçados de luxo. Se até essa
ajuda parece cara demais, um Estado igualitário pode proibir as pessoas de morar em áreas sujeitas a
desastres ou tributar quem o fizer para cobrir os custos do excesso de ajuda em casos de desastres. O
que ele não pode fazer é deixá-las viver lá por sua conta e risco e, em seguida, abandoná-las em sua
hora de necessidade. Essa ação trata até mesmo os imprudentes com desprezo inadmissível.

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208 Elizabeth S. Anderson

da renda de seus parceiros para que não sejam vulneráveis à dominação e à


exploração dentro do relacionamento. Esse princípio sustenta a proposta do
Okin de que os contracheques sejam divididos entre marido e mulher (Okin,
1989, p. 180-2). Se isso não for suficiente para eliminar a vulnerabilidade
das cuidadoras em parcerias domésticas, pode-se defender a socialização de
alguns dos custos do cuidado dependente por meio de um subsídio para o
cuidado de crianças (ou de idosos), como é comum na Europa Ocidental.
Em última análise, a igualdade plena pode não ser alcançável simplesmente
pela redistribuição dos recursos materiais e pode exigir uma mudança nas
normas sociais, pelas quais se esperaria que os homens, bem como as mu-
lheres, compartilhassem as responsabilidades do cuidado (Fraser, 1997a).
Contra a proposta de socializar os custos dos cuidados de dependentes,
Rakowski (1991, p. 153) insiste em que as crianças têm direito apenas aos
recursos de seus próprios pais, e não aos de outros. Mesmo que proporcionem
benefícios a outros quando crescem e participam da economia, é injusto fazer
as pessoas pagarem por benefícios pelos quais nunca pediram e cuja maior
parte reverterá em favor de outros membros da família. Se a economia consis-
tisse em grupos familiares isolados e economicamente autossuficientes, como
em uma sociedade primitiva de caçadores-coletores, poder-se-ia entender o
argumento de Rakowski, mas, em uma sociedade com uma ampla divisão do
trabalho, suas suposições não fazem sentido. Desde que a pessoa não pretenda
cometer suicídio quando a próxima geração entrar no mercado de trabalho,
não se pode deixar de exigir a mão de obra das gerações futuras. Além disso,
a maior parte do que as pessoas produzem em uma economia de mercado
é consumida por pessoas que não são seus parentes. Ao considerar toda a
sociedade como um sistema de cooperação que gera conjuntamente toda a
produção da economia, a igualdade democrática reconhece a profunda depen-
dência mútua de todos na sociedade moderna. Ela rejeita a norma atomística
da autossuficiência individual por ser baseada em um não reconhecimento da
dependência dos remunerados em relação ao trabalho daqueles cuja mão de
obra não está à venda. Ao ajustar os direitos para dar conta do fato de que os
adultos são moralmente responsáveis por cuidar de dependentes, a igualdade
democrática também rejeita a redução das obrigações morais a gostos caros
feita pela igualdade de fortuna e a consequente garantia de igualdade apenas
para egoístas. A igualdade democrática diz que ninguém deve ser reduzido
a um status inferior por cumprir a obrigação de cuidar dos outros.

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Qual é o sentido da igualdade? 209

A concepção da sociedade como um sistema de cooperação proporcio-


na uma rede de apoio por meio da qual mesmo os imprudentes jamais são
forçados a cair. Ela prevê que nenhum papel no sistema produtivo receba
benefícios tão inadequados que, dados os riscos e as exigências do trabalho,
as pessoas possam ser privadas das condições sociais de sua liberdade por
terem cumprido os requisitos desse papel. A sociedade não pode definir
papéis de trabalho que equivalham à servidão ou escravidão nem, se puder
evitar, pagar-lhes tão pouco que uma pessoa apta trabalhando em tempo
integral ainda careça de recursos básicos15. Um mecanismo para se alcan-
çar um mínimo decente seria um salário mínimo. Um salário mínimo não
precisa aumentar o desemprego se trabalhadores de baixa renda receberem
treinamento suficiente que os torne mais produtivos ou se o salário mais
elevado induzir os empregadores a dar a seus trabalhadores ferramentas que
aumentem a produtividade. Os benefícios também podem ser vinculados
ao trabalho por outros meios, tais como regimes de pensão por deficiência
ou idade garantidos socialmente e créditos fiscais para renda auferida. A
igualdade democrática também favorece um direito qualificado ao trabalho
por parte de adultos dispostos e aptos. O seguro-desemprego é um mau
substituto para o trabalho, dada a importância central da participação na
atividade produtiva para viver a vida como igual na sociedade civil. Esse
também é o caso da workfare16, se, como geralmente acontece nos Estados
Unidos, isso significa forçar as pessoas a realizar qualquer trabalho para
receber ajuda enquanto as priva da dignidade de um trabalho de verdade
com um salário de verdade.
É instrutivo examinar o que a igualdade democrática diz a quem tem
talentos reduzidos. A igualdade de fortuna ofereceria compensação a essas
pessoas, justamente porque a inferioridade inata delas torna seu trabalho
relativamente inútil para outras, segundo julga o mercado. A igualdade
democrática questiona a própria ideia de que dons naturais inferiores têm
a ver com as desigualdades de renda observadas nas economias capitalis-
tas. As maiores fortunas são feitas não por aqueles que trabalham, mas por

15
Pode-se pensar que as sociedades pobres não tenham como fornecer nem mesmo as capacidades
básicas para todos os trabalhadores. No entanto, estudos de Sen sobre o padrão de vida na Índia
e China mostram que mesmo as sociedades extremamente pobres conseguem proporcionar um
conjunto impressionante de capacidades básicas – alimentação, saúde e alfabetização decentes e
assim por diante – a todos os seus membros caso se dediquem à tarefa. Ver, por exemplo, Sen (1985).
16
Trabalho requerido para o recebimento de direitos previdenciários. [N.R.T.]

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210 Elizabeth S. Anderson

aqueles que possuem os meios de produção. Mesmo entre os trabalhadores


assalariados, a maioria das diferenças se deve ao fato de que a sociedade tem
investido muito mais em desenvolver os talentos de algumas pessoas do que
os de outras e de que ela coloca quantidades muito desiguais de capital à
disposição de cada trabalhador. A produtividade se vincula principalmente
aos papéis profissionais, e não a indivíduos. A igualdade democrática lida
com esses fatos salientando a importância de educar os menos favorecidos
e oferecendo às empresas incentivos para aumentar a produtividade de em-
pregos de baixa remuneração por meio de investimentos de capital.
Além disso, ao considerar a sociedade como um sistema de cooperação, a
igualdade democrática tem uma lógica menos degradante do que a igualdade
de fortuna para intervenções do Estado destinadas a aumentar os salários
dos trabalhadores de baixa renda. A sociedade não precisa tentar fazer o
juízo impossível e insultuoso sobre se os trabalhadores de baixa renda estão
lá por opção ou pelo fato de que seus dons naturais escassos os impedem de
conseguir um trabalho melhor. Em vez disso, concentra-se na apreciação dos
papéis cumpridos pelos trabalhadores de salários baixos. Ao exercer tarefas
rotineiras e de baixa qualificação, esses trabalhadores liberam outras pessoas
para fazer usos mais produtivos de seus próprios talentos. As pessoas que
ocupam papéis mais produtivos devem muito de sua produtividade ao fato
de que as que ocupam funções menos produtivas as liberam da necessidade
de gastar seu tempo em tarefas de baixa qualificação. Sofisticados executivos
de grandes empresas não conseguiriam fazer tantos negócios lucrativos se
tivessem de atender os telefonemas que recebem. Essas reflexões manifes-
tam apreço pelas maneiras em que todos se beneficiam da diversidade de
talentos e papéis na sociedade. Elas também contrariam a ideia de que os
trabalhadores que estão no topo dão uma contribuição maior ao produto
social, ajudando a motivar uma concepção de reciprocidade que reduziria
o fosso entre trabalhadores de maior e menor remuneração.
A igualdade democrática apoiaria uma política de compressão salarial
tão exigente quanto o princípio da diferença de Rawls? Isso proibiria todas
as desigualdades de renda que não melhorassem a renda dos menos desfavo-
recidos (Rawls, 1971, p. 75-8). Ao dar prioridade absoluta a estes, o princípio
da diferença pode exigir sacrifícios consideráveis nas faixas intermediárias
inferiores para ganhos insignificantes nos níveis mais baixos. A igualdade
democrática exigiria uma forma menos exigente de reciprocidade. Uma vez

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Qual é o sentido da igualdade? 211

que todos os cidadãos gozassem de um bom conjunto de liberdades, sufi-


ciente para funcionar como iguais na sociedade, as desigualdades de renda
para além desse ponto não pareceriam tão preocupantes por si sós. O grau
de desigualdade de renda aceitável dependeria, em parte, da facilidade de
converter a renda em desigualdade de status – diferenças nas bases sociais
da autoestima, influência em eleições e coisas do tipo. Quanto mais fortes
forem as barreiras contra a mercantilização do status social, da influência
política e de outras formas afins, mais aceitáveis serão as desigualdades de
renda significativas (Walzer, 1983; e Kaus, 1992). Quanto mais cuidadosa-
mente for definido o domínio em que essas alocações atuam sem restrição,
mais se reforça o status moral das alocações de livre mercado.

Igualdade democrática, responsabilidade pessoal e paternalismo


A igualdade democrática garante acesso eficaz às condições sociais de
liberdade para todos os cidadãos, independentemente da imprudência com
que conduzam suas vidas. Ela não priva os cidadãos negligentes ou autodes-
trutivos de cuidados médicos necessários, não discrimina os deficientes em
função do quanto eles podem ser responsabilizados por sua deficiência. Sob
a igualdade democrática, os cidadãos se abstêm de fazer juízos invasivos e
moralizantes sobre como as pessoas deveriam ter usado as oportunidades
que lhes foram abertas ou até onde elas conseguiram exercer a responsabi-
lidade pessoal. Ela não precisa fazer esses juízos porque não condiciona a
possibilidade que os cidadãos têm de desfrutar de seus recursos a um uso
responsável. A única exceção a esse princípio diz respeito à conduta crimi-
nosa. Somente a prática de um crime pode justificar que se tirem de uma
pessoa as liberdades básicas e o status de igual na sociedade civil. Mesmo os
criminosos condenados, no entanto, mantêm seu status de seres humanos
iguais e, assim, ainda têm direito a funcionamentos humanos básicos, tais
como alimentação adequada, moradia e atendimento médico.
Podem-se colocar objeções à igualdade democrática, alegando que todas
essas garantias são um convite à irresponsabilidade pessoal, exatamente como
os críticos da igualdade há muito suspeitam. Se as pessoas vão ser socorridas
de situações em que entram em função de sua própria imprudência, por que
agiriam com prudência? Os igualitaristas devem enfrentar a necessidade de
manter a responsabilidade pessoal, nem que seja apenas para evitar a falência
do Estado. Há duas estratégias gerais para fazer isso. Uma delas é dar garan-

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212 Elizabeth S. Anderson

tias apenas contra algumas causas de perda: distinguir as perdas pelas quais
as pessoas são responsáveis daquelas pelas quais elas não são e as compensar
apenas contra estas. Tal é a abordagem do igualitarismo da sorte, o que leva a
pensamento típico das Leis dos Pobres e a juízos invasivos e desrespeitosos so-
bre os indivíduos. A segunda estratégia é dar garantias apenas contra as perdas
de determinados tipos de bens: distinguir tipos garantidos e não garantidos
de bens no âmbito da preocupação igualitária e garantir os indivíduos apenas
contra a perda dos primeiros. Esse é o ponto de vista da igualdade democrática.
A igualdade democrática não compensa indivíduos por todas as perdas
devidas à sua conduta imprudente. Ela só garante um conjunto de capacida-
des necessárias para funcionar como cidadão livre e igual e evitar a opressão.
Os indivíduos devem suportar muitas outras perdas por conta própria. Por
exemplo, uma pessoa que fuma teria direito a tratamento para o câncer de
pulmão resultante desse hábito independentemente do seu grau de respon-
sabilidade por fumar, mas não teria direito à compensação pela dificuldade
de desfrutar da vida provocada por seu confinamento no hospital e sua
capacidade pulmonar reduzida, pelo medo que sente ao contemplar sua
mortalidade, nem pela censura dos parentes que desaprovam seu estilo de
vida. Assim, os indivíduos têm muito a perder com a sua conduta irrespon-
sável e, portanto, têm um incentivo para se comportar de forma prudente.
O igualitarismo da sorte não pode aproveitar essa estrutura de incentivos
porque compensa os indivíduos pela perda de todos os tipos de bens (tipos
de recursos ou fontes de bem-estar) dentro do âmbito da preocupação igua-
litária. Portanto, deve recorrer a juízos morais sobre a causa da perda para
promover a responsabilidade individual.
A igualdade democrática tem duas outras estratégias para a promoção
da responsabilidade individual. Primeiro, oferece igualdade no espaço de
possibilidades, ou seja, oportunidades e liberdades. Os indivíduos ainda têm
de exercer agência responsável para alcançar a maioria dos funcionamentos
aos quais a sociedade garante acesso eficaz. No caso típico de um adulto
apto, por exemplo, o acesso a uma renda decente estaria condicionado ao
desempenho responsável nos deveres do trabalho, supondo-se que exista
emprego disponível.
Em segundo lugar, a maior parte das liberdades que garantem igualdade
democrática é um prerrequisito para o exercício da agência responsável. A
agência responsável requer opções reais, consciência dessas opções, compe-

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Qual é o sentido da igualdade? 213

tências deliberativas e a autoestima necessária para confiar no próprio juízo.


A igualdade democrática garante a educação necessária para conhecer as
próprias opções, deliberando sobre elas, e as bases sociais da autoestima. Além
disso, as pessoas farão quase qualquer coisa para proteger aquilo de que preci-
sam para sobreviver. Ao assegurar o acesso efetivo aos meios de subsistência
por caminhos legítimos, a igualdade democrática impede o comportamento
criminoso que seria estimulado por uma sociedade que deixasse as pessoas
caírem abaixo dos níveis de subsistência ou que as privasse dos meios legítimos
e dignos para subsistir. Ela também evita os poderosos incentivos para negar
a responsabilidade pessoal que estão embutidos na igualdade de fortuna,
porque garante que as pessoas sempre tenham meios legítimos ao seu alcance
para obter acesso a suas capacidades básicas, sem ter de recorrer ao engano
em relação o papel que tiveram até chegar à situação em que se encontram.
Pode-se objetar que a igualdade democrática, ao garantir a todos bens
como assistência médica, ainda requer um reprovável subsídio ao compor-
tamento irresponsável. Por que os prudentes não fumantes têm de pagar
por uma cobertura de saúde mais universal porque muitos tolos escolhem
fumar? Se os custos de alguma atividade particularmente perigosa são altos,
e se a pessoa não a exerce como participante do sistema produtivo, a justiça
permite uma taxação sobre essa atividade a fim de cobrir os custos extras
da assistência médica para os que sofrem danos ao se envolver nela. Um
imposto sobre cada maço de cigarros, ajustado para cobrir os custos médicos
do tratamento dos fumantes, forçaria esses fumantes a absorver os custos
extras de seu comportamento.
Se é justo forçar os fumantes a absorver esses custos ex ante, por que não
seria igualmente justo forçá-los a absorver esses custos ex post, como susten-
tam alguns igualitaristas da sorte? O plano de Roemer (1994a, p. 179-96) faz
isso ao descontar o subsídio médico a que as pessoas têm direito de acordo
com o seu grau de responsabilidade pessoal. Além de enredar o Estado em
juízos invasivos e moralizantes sobre responsabilidade pessoal, o plano de
Roemer deixa as pessoas vulneráveis a tanta privação das suas capacidades
que elas não conseguem funcionar como iguais. Isso é injusto. Ao fazer com
que os fumantes paguem os custos do seu comportamento ex ante, a igualdade
democrática preserva a liberdade e a igualdade deles ao longo de toda a vida.
Pode-se objetar que a igualdade democrática, ao garantir um conjunto
específico de capacidades para os cidadãos, viola paternalisticamente a li-

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214 Elizabeth S. Anderson

berdade dos cidadãos e a exigência de neutralidade liberal entre concepções


do bem. Suponhamos que um fumante prefira ter cigarros mais baratos
a receber atendimento médico. Os cidadãos não deveriam ser livres para
escolher quais bens preferem ter? Assim, os cidadãos deveriam ter o direito
ao equivalente em bem-estar dos serviços de saúde e não ser obrigados a
consumir esses serviços à custa de outras coisas que podem preferir. Essa
linha de pensamento sustenta a igualdade no espaço de oportunidades para
o bem-estar, em vez de capacidades para a cidadania igual.
Essas objeções perdem de vista a distinção entre o que as pessoas que-
rem e o que as outras pessoas são obrigadas a lhes dar. O dever básico dos
cidadãos, agindo por intermédio do Estado, não é fazer a todos felizes, e sim
garantir as condições para a liberdade de todos. Ao assegurar aos cidadãos
apenas as capacidades de que necessitam para funcionar como iguais, o
Estado não está declarando que esses recursos são mais importantes para
a felicidade individual do que outros que eles podem preferir. Ele deixa as
pessoas livres para decidir por conta própria até onde os bens que o Estado
garante lhes são úteis ou importantes. Ele garante certas capacidades aos
cidadãos não porque elas sejam as mais importantes segundo o ponto de
vista da melhor concepção do bem, mas porque são as que os cidadãos são
obrigados a proporcionar uns aos outros em comum.
No entanto, por que um determinado cidadão não pode renunciar a seu
direito a serviços de saúde garantidos em troca de seu equivalente em bem-
-estar? Os cidadãos podem, com justiça, recusar-se a proporcionar o que
todos consideram como o equivalente em bem-estar dos cuidados de saúde.
Como enfatizou Thomas Scanlon, o fato de uma pessoa preferir receber ajuda
para construir um templo ao seu deus a que ser alimentada decentemente
não gera um direito maior de exigir que as outras subsidiem o templo em
vez de lhe garantir acesso a uma alimentação adequada (Scanlon, 1975, p.
659-60). Além disso, a obrigação de proporcionar serviços de saúde é in-
condicional e não pode ser rescindida, mesmo com a autorização da pessoa
a quem a obrigação é devida. Não podemos abandonar as pessoas que estão
morrendo à beira da estrada só porque elas nos deram permissão para lhes
negar serviços médicos de emergência17.

17
Esse argumento é totalmente diferente do direito de recusar tratamento médico. Uma coisa é um
indivíduo exercer o direito de recusar tratamento quando lhe for oferecido; outra, bem diferente, é
outros se recusarem a oferecer atendimento médico quando necessário.

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Qual é o sentido da igualdade? 215

Pode-se objetar que a igualdade democrática não respeita a neutralida-


de entre concepções conflitantes de bem. Alguns cidadãos vão considerar
os conjuntos de capacidades que lhes são garantidas muito mais úteis do
que outros. Por exemplo, aqueles cuja concepção de bem envolve ampla
participação na sociedade civil vão considerar o seu bem mais plenamente
garantido pela igualdade democrática do que os que preferem levar a vida
dentro de cultos religiosos isolados. A igualdade democrática é, portanto,
tendenciosa em favor de determinadas concepções de bem.
Essa objeção não entende o sentido da neutralidade. Como Rawls enfati-
zou, dado o fato de que as pessoas têm concepções conflitantes sobre o bem,
os Estados liberais precisam de alguma base para julgar reivindicações de
justiça que não se baseiem em visões partidárias do bem. O ponto de vista
dos cidadãos que agem coletivamente – o ponto de vista político – não rei-
vindica autoridade em virtude de promover os bens objetivamente melhores
ou mais importantes, mas em virtude de ser um possível objeto de vontade
coletiva. Bens neutros são aqueles que podemos concordar razoavelmente
em proporcionar coletivamente, considerando-se o pluralismo (Rawls, 1993).
Assim, as capacidades de que os cidadãos precisam para funcionar como
iguais na sociedade civil não são consideradas bens neutros para fins de
justiça porque todo mundo as considera igualmente valiosas, e sim porque
pessoas razoáveis podem reconhecer que elas formam uma base legítima para
fazer reivindicações morais umas às outras (De Marneffe, 1990, p. 55-9). Por
outro lado, pessoas razoáveis não precisam reconhecer o desejo de construir
um templo para seu deus como base legítima para uma reivindicação de
subsídio público. Uma pessoa que não adore esse deus poderia razoavelmente
se opor a que o Estado a tribute para subsidiar involuntariamente os desejos
religiosos caros de outra.
Consideremos agora o que a igualdade de fortuna e a igualdade demo-
crática têm a dizer à pessoa que decide, de forma prudente ou imprudente,
não fazer um seguro de saúde para si. De acordo com a igualdade de fortuna,
existem duas opções. Uma delas é permitir que a pessoa abra mão do seguro
de saúde e abandoná-la se ela precisar de cuidados de emergência. A outra
é lhe dizer: “Você é burro demais para cuidar de sua própria vida. Portanto,
vamos forçá-lo a fazer um seguro de saúde porque sabemos melhor do que
você o que é para o seu próprio bem.” A igualdade democrática não faz
juízo sobre se seria prudente ou imprudente qualquer indivíduo comprar

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216 Elizabeth S. Anderson

um seguro de saúde. Ela diz à pessoa que não compraria o seguro: “Você
tem um valor moral que ninguém pode desconsiderar. Reconhecemos esse
valor em seu direito inalienável à nossa ajuda em caso de emergência. Você
é livre para recusar essa ajuda quando a oferecermos, mas essa liberdade não
o exime da obrigação de ajudar outras pessoas quando as necessidades de
saúde delas forem urgentes. Como essa é uma obrigação que todos devemos
a nossos concidadãos, todos devem ser tributados por esse bem, que deverá
ser proporcionado a todos. Isso faz parte de sua reivindicação legítima como
cidadão igual.” Qual justificativa para proporcionar seguro de saúde mais
bem expressa o respeito por seus beneficiários?

As pessoas com deficiência, as feias e outras vítimas de má sorte


Segundo a igualdade democrática, a distribuição da boa ou da má fortuna
da natureza não é justa nem injusta. Considerada em si mesma, nada nessa
distribuição exige qualquer correção por parte da sociedade. Não se podem
gerar reivindicações por compensação apenas pelos efeitos da natureza. Esta
pode parecer uma doutrina excessivamente dura. Será que ela não abandona
os congenitamente deficientes, os feios e os estúpidos à sua própria sorte,
mesmo que eles não mereçam seus destinos lamentáveis?
A igualdade democrática diz que não. Embora a distribuição dos recur-
sos naturais não seja uma questão de justiça, o que as pessoas fazem em
resposta a esta distribuição o é (Rawls, 1971, p. 102). As pessoas podem
não fazer do fato de terem uma deficiência, uma aparência repugnante ou
baixa inteligência a ocasião para a exclusão de outras da sociedade civil,
dominando-as, batendo nelas ou oprimindo-as de alguma outra maneira. Em
um Estado democrático liberal, todos os cidadãos têm direito às condições
sociais de sua liberdade e de estar em condições de igualdade na sociedade
civil, independentemente de deficiência, aparência física ou inteligência18.
Além disso, essas condições são sensíveis a variações nas circunstâncias
das pessoas, incluindo suas deficiências. Quem não pode andar tem direito
a exigir que a sociedade civil dê conta disso: cadeiras de rodas, rampas em
prédios públicos e assim por diante, mas essas condições não estão sujeitas

18
Algumas exceções teriam de ser feitas àqueles com deficiências mentais ou insanidade tão graves que
não possam funcionar como agentes. Além disso, as crianças não têm direito imediatamente a todas
as liberdades dos adultos, e sim a condições sociais para o desenvolvimento de suas capacidades de
funcionar como cidadãos livres e iguais.

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Qual é o sentido da igualdade? 217

a variações no gosto das pessoas. Todas têm o direito ao mesmo pacote de


capacidades, não importando o que mais possam ter, e independentemente
do que prefiram ter. Assim, se uma pessoa que precisa de uma cadeira de
rodas para se locomover tem um gosto involuntariamente caro por realizar
determinados rituais religiosos e preferiria ter esse gosto atendido a ter uma
cadeira de rodas, a igualdade democrática não substitui o subsídio à cadeira
de rodas por um subsídio aos rituais. Isso porque os indivíduos precisam ser
capazes de se locomover na sociedade civil para ter igualdade de condições
como cidadãos, mas não precisam ser capazes de fazer cultos particularmente
caros para funcionar como iguais.
Richard Arneson se opõe a essa distinção entre pessoas com deficiência e
pessoas com gostos involuntariamente caros. As deficiências são consideradas
como apenas mais um tipo de gosto involuntariamente caro. Não é culpa do
indivíduo com deficiência que se locomover em uma cadeira de rodas custe
mais para ele do que o mesmo deslocamento para pessoas que podem cami-
nhar. Quando vemos que o caráter involuntário dos custos dos seus gostos é o
que lhes dá direito a subsídio especial, deve-se permitir que pessoas com outros
gostos involuntariamente caros façam reivindicações iguais em nome de suas
preferências. Arneson afirma que só uma doutrina perfeccionista ilegítima –
a alegação de que a mobilidade é intrinsecamente mais importante do que o
culto – pode sustentar a discriminação entre deficientes e pessoas com outros
gostos involuntariamente caros (Arneson, 1990, p. 159, 187, 190-4).
A igualdade democrática não toma posição sobre quais bens os indivíduos
deveriam valorizar mais ao pensar apenas em seus próprios interesses. Ela
proporciona as condições sociais para a cidadania igual, e não as condições
iguais de capacidade para cumprir as exigências dos deuses de alguém, por-
que os cidadãos são obrigados a proporcionar as primeiras e não são obriga-
dos a proporcionar as segundas. Arneson argumenta que as capacidades são
diversas, e os recursos disponíveis para proporcioná-las, escassos, de forma
que devem ser aceitas algumas compensações entre as capacidades. Sendo
assim, é necessário algum índice para classificar a importância de diferentes
capacidades. Caso se rejeitem doutrinas perfeccionistas, a única base para a
construção de um índice de capacidade é subjetiva, baseada na importância
que essa capacidade têm para o indivíduo (Arneson, 1997, p. 236-7).
Contra Arneson, a igualdade democrática segue Scanlon (1975, p. 659)
ao insistir em que o peso que o direito de um cidadão tem sobre os outros

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218 Elizabeth S. Anderson

depende exclusivamente do conteúdo de seu interesse e não da importância


que ele lhe dê em sua própria concepção de bem. Em alguns casos, o peso
de um interesse pode ser determinado considerando-se o seu impacto sobre
a posição de uma pessoa como igual na sociedade. Algumas privações de
capacidades expressam maior desrespeito do que outras, de maneiras que
qualquer pessoa razoável pode reconhecer. Do ponto de vista público, é mais
desrespeitoso negar acesso às escolas públicas a uma pessoa em uma cadeira
de rodas do que lhe negar acesso a um parque de diversões que só atende
a quem caminha. Isso é verdadeiro mesmo se ela preferiria andar de roda-
-gigante a aprender a ler. Em outros casos em que os conceitos de condições
de igualdade e respeito não produzem uma resposta determinada para como
os recursos devem ser classificados, a classificação pode legitimamente ser
deixada para a legislação democrática. Mesmo em tais casos, os eleitores
não devem se perguntar quais prioridades eles dão a diferentes capacidades
para a cidadania em suas escolhas privadas, e sim quais prioridades querem
que o Estado atribua a essas diferentes capacidades, uma vez que esses bens
serão proporcionados em comum. As respostas para as perguntas tendem
a divergir, ainda que seja somente porque muitas capacidades são mais
valiosas para os outros do que para quem as possui. A maioria das pessoas
ganha muito mais com a liberdade de expressão de outras do que com a sua
própria (Raz, 1994, p. 52-55).
Pode-se argumentar que a igualdade democrática ainda é muito dura
com aqueles que são deficientes como decorrência de má sorte bruta. Ela
não os compensaria por todas as misérias que enfrentam. Por exemplo, a
igualdade democrática garantiria aos surdos ter acesso igual à sociedade
civil, mas não ser compensados pela perda dos prazeres da audição em si.
No entanto, a vida dos surdos é menos feliz pela falta desses prazeres e deve
ser compensada por conta disso.
É útil perguntar o que os surdos demandam por sua própria conta, em
nome da justiça. Eles lamentam o sofrimento de não poder ouvir e deman-
dam compensação por essa carência? Pelo contrário: como as pessoas com
deficiência de forma mais geral, eles se ressentem de serem considerados
como símbolos para que os aptos sintam pena, porque não querem ter de
fazer suas reivindicações como apelos à benevolência condescendente de
benfeitores bondosos. Muitas pessoas surdas se identificam como parte
de uma comunidade surda separada, que repudia o valor intrínseco que a

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Qual é o sentido da igualdade? 219

audição teria em si. Elas insistem em que a língua de sinais é uma forma de
comunicação tão valiosa quanto a fala e que os outros bens que podem ser
obtidos pela audição, como apreciação de música, são partes dispensáveis
de qualquer concepção de bem. Não é preciso julgar o valor intrínseco da
audição para apreciar os usos retóricos de sua negação: os surdos querem
colocar a audição no seu devido lugar para purgar a suposição arrogante
dos ouvintes de que a vida dos surdos, de alguma forma, vale menos a pena
ser vivida. Eles querem fazer reivindicações sobre os ouvintes de uma forma
que exprima a dignidade que eles veem em suas vidas e sua comunidade, e
não de uma maneira que atraia pena por sua condição19. E o fazem negando
que sua condição, em si, seja algo a ser lamentado.
Apesar de considerar o tratamento das pessoas com deficiência como
um caso exemplar, a igualdade de fortuna tem dificuldade com essas ideias.
Isso se deve ao fato de que ela se baseia em medidas subjetivas de bem-estar
ou do valor dos ativos pessoais. As medidas subjetivas provocam todos os
pensamentos errados por parte dos aptos. O critério de Van Parijs sobre
diversidade não dominada só permite que as pessoas com deficiência façam
reivindicações de justiça em relação a sua deficiência se todos considerarem
sua condição tão desgraçada que todos prefiram ser outra pessoa. Esse teste
pede que os aptos considerem o horror que sentem imaginando que têm uma
deficiência como razão para compensar os deficientes. Considerar a condição
das pessoas com deficiência como intrinsecamente horrível é insultar aquelas
que levam suas vidas com dignidade. O critério de Arneson sobre igualdade
de oportunidades para o bem-estar implica que, desde tenham as mesmas
chances de felicidade, as pessoas com deficiência não tenham pretensões
a tratamento especial. A pesquisa mostra que as pessoas com deficiência
vivenciam as mesmas variações de felicidade das aptas (Silvers, 1995, p. 54).
Assim, pelo critério de Arneson, está certo excluir as pessoas com deficiência
da vida pública porque elas estão felizes o suficiente sem ser incluídas.
Medidas subjetivas da condição das pessoas geram pena por quem tem
deficiência ou relutância em considerar suas reivindicações de justiça. A
maneira de escapar desse dilema é levar a sério as reclamações de fato feitas
por essas pessoas. Elas não pedem para ser compensadas pela deficiência
em si, e sim que as desvantagens sociais que outros lhes impõem por ter a
19
Wrigley (1996) discute as potencialidades e os problemas de se redefinir a deficiência (ser surdo) como
comunidade (ser surdo), à maneira de uma política de identidade.

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220 Elizabeth S. Anderson

deficiência sejam eliminadas. “A desigualdade de pessoas que andam em


cadeiras de rodas (...) não se manifesta na incapacidade de andar, mas em
sua exclusão de banheiros, cinemas, transporte, locais de trabalho [e] o tra-
tamentos médicos que podem salvar vidas” (Silvers, 1995, p. 54). A igualdade
democrática pode lidar com essa distinção. Por exemplo, ela demanda que
as pessoas com deficiência tenham um acesso bom o suficiente a espaços
públicos para que possam funcionar como iguais na sociedade civil. Ser
capaz de funcionar como igual não requer que o acesso de uma pessoa seja
igualmente rápido, confortável ou conveniente, nem que o uso de espaços
públicos lhes seja igualmente útil do ponto de vista subjetivo. Pode ser que
não seja possível conseguir isso, mas o fato de, com a tecnologia atual, levar
um minuto a mais para entrar na prefeitura não compromete a posição da
pessoa como cidadã igual.
Sendo assim, a igualdade democrática apoia o uso de testes objetivos de
desvantagem injusta. Esses testes se adaptam às reivindicações de justiça que
as pessoas com deficiência fazem em seu próprio nome. Por exemplo, o que os
surdos consideram censurável não é não poder ouvir, e sim que todo mundo
tenha manipulado os meios de comunicação de maneiras que os deixam de
fora da conversa. Pode-se detectar essa injustiça sem investigar preferências
ou estados subjetivos de quem quer que seja. O teste para uma solução sa-
tisfatória é igualmente objetivo. A lei americana que versa sobre deficiências
(Americans with Disabilities Act), por exemplo, incorpora um padrão objetivo
para a organização dos espaços. “Em vez de especular sobre como a resposta
pessoal subjetiva de agentes sem deficiência seria transfigurada pelo surgi-
mento de deficiência física ou mental, esse padrão propõe projetar como a
prática social objetiva seria transformada se o funcionamento não deficiente
fosse atípico a ponto de ter importância apenas marginal para as políticas
sociais” (Silvers, 1995, p. 49). A lei nos pede para imaginar como as comuni-
cações da sociedade civil seriam organizadas se quase todos fossem surdos
e, em seguida, tentar oferecer aos surdos sistemas que se aproximem disso.
Os padrões objetivos de injustiça e solução propostos pela igualdade de-
mocrática têm várias vantagens sobre os propostos pela igualdade de fortuna.
Eles fazem corresponder a solução à injustiça: se a injustiça é a exclusão, a
solução é a inclusão. A igualdade democrática não tenta usar satisfações
privadas para justificar a opressão pública. Os padrões objetivos não represen-
tam as pessoas com deficiência ofensivamente, como merecedoras de ajuda

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Qual é o sentido da igualdade? 221

por causa de sua condição interna digna de pena. Eles situam a desvantagem
injusta da deficiência na maneira como os outros tratam os deficientes. A
igualdade democrática também não assimila os deficientes à situação dos que
sofrem de gostos involuntariamente caros. Ter uma deficiência não é como
ser tão mimado que é impossível não querer brinquedos caros.
Outras vítimas da má sorte bruta devem ser tratadas como as pessoas
com deficiência? A igualdade de fortuna pensa que sim – ela estende sua
preocupação também aos feios, aos estúpidos e aos sem talento. A igualdade
democrática não emite juízos sobre o valor dos dons naturais das pessoas
e, por isso, nada tem de especial a dizer aos burros e aos sem talento. Em
vez disso, concentra-se nos papéis produtivos que as pessoas ocupam, em
reconhecimento ao fato de que a sociedade vincula benefícios econômicos ao
desempenho em um papel, e não à posse do talento em si. A igualdade demo-
crática requer que sejam vinculados benefícios suficientes ao desempenho em
cada papel para que todos os trabalhadores possam funcionar como iguais na
sociedade. O talento também traz vantagens não econômicas, como a admi-
ração dos outros. A igualdade democrática não vê injustiça nessa vantagem,
porque a pessoa não precisa ser admirada para ser capaz de funcionar como
cidadã igual. Como exige a justiça, a maioria dos residentes de democracias
modernas vive em um estado de civilização no qual a conquistar honra não
é uma condição para desfrutar de liberdades fundamentais. Em lugares onde
não é assim, como em determinados bairros pobres e difíceis, está claro que
a injustiça não reside no fato de que alguns indivíduos, infelizmente, nascem
com dons naturais inferiores de coragem, mas em que a ordem social esteja
organizada de modo que só os dispostos a apresentar graus incomumente
elevados de crueldade consigam ter segurança pessoal.
E os feios? Eles não têm direito a uma compensação por sua aparência
repugnante, que os torna tão indesejáveis em ambientes sociais? Alguns
igualitaristas da sorte considerariam que essa má sorte requer uma solução,
talvez na forma de cirurgia plástica com subsídio público. A igualdade de-
mocrática se recusa a endossar publicamente os juízos privados degradantes
sobre a aparência, que são a base dessas reivindicações de compensação.
Em vez disso, pergunta se as normas baseadas nesses juízos são opressivas.
Consideremos um defeito de nascença que afete apenas a aparência e que
seja considerado tão abominável segundo as normas sociais vigentes que as
pessoas tendam a evitar quem o tem. Uma vez que a capacidade de parti-

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cipar na sociedade civil como cidadão igual é uma liberdade fundamental,


os igualitaristas exigem que seja fornecida alguma solução para isso. Mas a
solução não precisa ser uma cirurgia plástica que corrija o problema; uma
alternativa seria convencer todos a adotar novas normas de aparência física
aceitável, de modo que as pessoas com o “defeito” de nascença já não fossem
tratadas como párias. Isso não significa pedir a abolição completa das normas
de beleza. As normas só precisam ser flexíveis o suficiente para considerar
a pessoa uma presença aceitável na sociedade civil. Elas não precisam dar
direito a essa pessoa de exigir igualdade de beleza para com as outras, já
que o funcionamento bem-sucedido como concorrente em um concurso
de beleza ou como um bom candidato a um encontro de sábado à noite não
está entre as capacidades necessárias para funcionar como cidadão igual.
Ao direcionar a atenção às normas sociais opressivas de beleza, a igualdade
democrática evita a observação depreciativa dos feios através das lentes das
próprias normas opressivas. Isso nos permite ver que a injustiça não está no
infortúnio natural dos feios, mas no fato social de que as pessoas evitam as
outras por causa da aparência. Mudar a pessoa em vez de mudar a norma
sugere ofensivamente que o defeito reside na pessoa e não na sociedade.
Mantendo-se os outros fatores, então, a igualdade democrática prefere alterar
normas sociais a redistribuir recursos materiais em resposta às desvantagens
enfrentadas por quem tem má aparência. É claro, nem sempre os outros fa-
tores se mantêm. Pode ser muito difícil e oneroso alterar as normas vigentes
de beleza que cruelmente ditam quem não pode aparecer em público sem
provocar choque e rejeição. O Estado liberal não tem muito o que fazer a
esse respeito sem ultrapassar seus limites adequados; assim, a tarefa deve
ser delegada principalmente aos movimentos sociais igualitários, que variam
em suas possibilidades de transformar as normas sociais. Nessas condições,
a melhor opção também pode ser proporcionar a cirurgia plástica. A igual-
dade democrática, ao se concentrar na igualdade como relação social e não
simplesmente como padrão de distribuição, pelo menos nos permite ver
que temos uma escolha entre redistribuir recursos materiais e alterar outros
aspectos da sociedade para atender às demandas de igualdade.

A igualdade democrática e as obrigações dos cidadãos


A igualdade democrática reorienta a teorização igualitária em vários
aspectos. Ela concebe a justiça como uma questão de obrigações que não

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são definidas pela satisfação de preferências subjetivas. Isso garante que


os direitos das pessoas não dependam de variações arbitrárias em gostos
individuais e que elas não possam reivindicar direitos sem aceitar obriga-
ções correspondentes para com as outras pessoas. A igualdade democrática
aplica juízos de justiça aos sistemas humanos, e não à ordem natural. Isso
nos ajuda a ver que as pessoas, e não a natureza, são responsáveis por trans-
formar a diversidade natural dos seres humanos em hierarquias opressivas.
Ela situa as deficiências injustas na ordem social, e não nos dons inatos das
pessoas. Em vez de lamentar a diversidade humana de talentos e tentar
compensar aquilo que é representado como deficiências inatas nesses talen-
tos, a igualdade democrática oferece um modo de conceber e aproveitar a
diversidade humana de modo que beneficie a todos e seja reconhecida por
fazê-lo. A igualdade democrática concebe a igualdade como uma relação
entre as pessoas, em vez de meramente um padrão na distribuição de bens
divisíveis. Isso nos ajuda a ver como os igualitaristas podem considerar
outras características da sociedade, para além da distribuição de bens – por
exemplo, as normas sociais – como sujeitas a exame crítico. Ela nos permite
ver como as injustiças podem ser mais bem solucionadas alterando-se as
normas sociais e a estrutura de bens públicos do que redistribuindo recursos.
E nos permite integrar demandas por igual distribuição e igual respeito,
assegurando que os princípios pelos quais distribuímos bens, por mais que
os padrões resultantes possam ser iguais, não expressem pena desdenhosa
para com os beneficiários da preocupação igualitária. Portanto, a igualdade
democrática oferece uma forma superior de entender as demandas ex-
pressivas de justiça – a demanda por agir apenas a partir de princípios que
expressem respeito por todos. Por fim, ao reorientar a teorização igualitária
acadêmica, a igualdade democrática cumpre a promessa de restabelecer
conexões com os movimentos igualitários realmente existentes. Não é um
acidente moral que vagabundos da praia e pessoas que são escravas de
seus hobbies caros não estejam se organizando para fazer reivindicações
de justiça em nome de seus estilos de vida. Tampouco é irrelevante que os
deficientes estejam repudiando formas de caridade que apelem à pena por
sua condição e estejam lutando pelo respeito dos outros, e não por esmolas.
A igualdade democrática ajuda a formular as demandas dos verdadeiros
movimentos igualitários em uma estrutura que ofereça alguma esperança
de apelo mais amplo.

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224 Elizabeth S. Anderson

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Resumo
O igualitarismo democrático dá às sociedades um meio para entender os princípios da
justiça e como eles se aplicam a elas próprias e a outras. Ao perceber a forma como a justiça
exige respeito mútuo para funcionar, os cidadãos de uma comunidade política podem
se tornar ativos no sentido de garantir que suas estruturas sociais e políticas facilitem o
desenvolvimento de respeito e tolerância mútuos.
Palavras-chave: justiça, igualdade de fortuna, igualdade democrática, justiça distributiva,
dependência.

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Abstract:
Democratic egalitarianism gives societies a means to understand the principles of justice
and how they apply to those and other societies. Realizing how justice requires mutual
respect to work, citizens of a polity can become active in ensuring that its social and
political structures facilitate the development of mutual respect and tolerance.
Keywords: justice, equality of fortune, democratic equality, distributive justice, depen-
dence.

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