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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

Imaginário dos afetos no novo cinema brasileiro: a desconstrução do amor romântico na


perspectivas de personagens femininas

Bárbara de Pina Cabral1

Resumo:

Este projeto se propõe a investigar as relações do afeto feminino em narrativas


cinematográficas brasileiras da última década. O objetivo é pesquisar como são
construídas em termos de linguagem as personagens que desconstroem a noção de amor
romântico atribuído às mulheres nas narrativas do cinema clássico. Em busca de um
estudo complexo, utilizaremos o conceito de imaginário aplicado às teorias do cinema e à
análise fílmica, bem como estudo de recepção.

Disciplina: Metodologia de Pesquisa


em Comunicação
Prof: Dra Elen Geraldes

1
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade de Brasília (PPGCom/UnB)
1. Novas representações dos afetos: outra abordagem para o amor feminino no
cinema
As relações amorosas nos filmes denominados como clássicos 2 acontecem de
forma romantizada, elas representam um ideal de amor contextualizado às aspirações da
época: um amor que busca a completude identitária através da relação afetiva.
O Brasil foi bastante influenciado pelas narrativas hollywoodianas, havendo uma
ruptura com a chegada do cinema novo e, mais recentemente, com os movimentos do
cinema independente que nega as narrativas hegemônicas propostas pelas grandes
produtoras e distribuidoras do audiovisual. Dadas as discussões estéticas e sociais dos
últimos anos, seria possível falar sobre um cinema de pós-retomada com características
narrativas e estéticas próprias? Há um aumento, nas últimas duas décadas, de filmes
brasileiros calcados nos dramas íntimos do cotidiano e que têm em suas narrativas
personagens substanciais. As mulheres não aparecem mais como “mocinhas” ou como
objeto de desejo sexual, mas como atuantes – agentes e responsáveis pela sua trajetória.
Nessa perspectiva, como se configuram e como são representadas as relações
afetivas/amorosas das personagens femininas? Como as mudanças na linguagem
audiovisual pode ressignificar a representação dos afetos?

2. Objetivo geral

O objetivo geral do estudo é analisar como se constroem os imaginários do amor


feminino nos filmes brasileiros autorais3 da última década. No momento em que surge
uma nova onda feminista no Brasil e no mundo, é necessário abordar e questionar a

2 O teórico David Bordwell caracteriza o cinema clássico hollywoodiano a partir dos conceitos de
estabilidade e unidade da narração marcados pela unidade de ação, espaço e tempo – critérios neoclássicos
de representação. A narração do cinema clássico é onisciente, comunicativa e autoconsciente. A temática
atrelada esta linguagem está quase sempre ligada aos melodramas.

3 Filmes calcados na visão do diretor como principal força criativa, em que existe uma marca autoral. Na
maioria dos casos, os roteiros são escritos e dirigidos pelo mesmo profissional. A nouvelle vague e o
neorrealismo italiano empregaram o cinema de autor. No cinema atual americano, podemos citar Quetin
Tarantino enquanto um cinema de violência, porém reflexivo. No Brasil, os exemplo de produções neste
estilo são os recentes filmes pernambucanos que carregam a marca autoral dos seus diretores.

2
condição das mulheres das mais variadas formas. Nesse sentido, este projeto se justifica
por buscar compreender como são representadas as problemáticas subjetivas vivenciadas
por estas personagens.
Dentro da linguagem cinematográfica, as possibilidades de contar uma história são
diversas. Um projeto audiovisual é uma oportunidade para o desenvolvimento da mescla
destas mais diferentes formas. Discorrer sobre sentimentos é algo dito como difícil,
transformar as emoções em linguagem exige uma capacidade de meditação grande. O
cinema quer representar por meio das imagens e do som as sensações humanas. Nesse
sentido, é necessário explorar os imaginários, as personalidades das personagens, os
diálogos afim de compreender melhor como os afetos são representados em uma análise
de imagem e som.
Para isto é preciso entender o cinema não só enquanto obra artística individual,
mas, também, como produto de uma sociedade, influenciado pelos contextos culturais e
históricos da época em que é produzido, mas igualmente influenciando esta realidade. O
cinema aparece como uma das variáveis que atuam sobre os imaginários. Poder-se-ia
ainda compará-lo ao trajeto antropológico, definido por Gilbert Durand como “[...]
incessante troca que existe ao nível do imaginário entre as pulsões subjetivas e
assimiladoras e as intimações objetivas que emanam do meio cósmico e social”
(DURAND, 41: 1997).

3. Objetivos específicos

Os objetivos específicos do trabalho são: analisar as mudanças nas formas de


representação do amor no cinema brasileiro; examinar como são construídas as
personagens que desconstroem a noção de amor romântico atribuído às mulheres nas
narrativas do cinema clássico, desta forma, identificar na linguagem e na narrativa
cinematográfica, a incidência 
de novas percepções na representação do amor feminino
em filmes brasileiros contemporâneos. Entre os objetivos estão também: entrevistar
realizadores com o intuito de compreender a produção dos imaginários, e ainda, analisar a
percepção do público em relação às novas representações de afeto no cinema brasileiro.

3
4. A mulher enquanto representação do amor romântico

O cinema seguiu as tendências das demais linguagens narrativas do início da


década de 1930, quando a cultura de massa orientava o imaginário em direção ao realismo
e dessa forma estimulava a identificação dos personagens com o espectador. Surge a
necessidade, diante das vontades individuais, de um herói em qual o espectador possa se
projetar e realizar, através dele, os seus desejos. O protagonista se torna o alter-ego da
plateia As histórias deixam de ter suas características ligadas estritamente às tragédias
gregas e passam abordar narrativas melodramáticas, em que o herói torna-se alguém que
sofre, luta, mas no final alcança a felicidade eterna, o happy end. Diante desta estrutura
narrativa cinematográfica que se firmou primeiramente nos Estados Unidos e mais tarde
em todo o cinema ocidental, o cinema clássico se constitui como forma primeira das
narrativas cinematográficas.
Seguindo o conceito proposto por Morin (1990) de cultura de massa, o cinema seria
uma espécie de meio catalisador da libido humana. Por meio das imagens, o homem
poderia realizar seus desejos mais íntimos, impossíveis de serem vivenciados em sua vida
banal e cotidiana. O star system e a estrutura do cinema clássico criaram um ambiente
propício para os discursos sobre temas incompreensíveis e, por vezes, tabus como os
afetos humanos. No entanto, ao utilizar a lógica do happy end, o sentido de felicidade e
dos afetos é simplificado e massificado em uma única cena: o beijo final entre herói e a
mocinha, e assim apaga a noção de passado e futuro no absoluto do instante supremo.
Nas primeiras narrativas cinematográficas hollywoodianas, as personagens
femininas eram quase sempre tratadas como objetos da ação masculina, mas nunca como
seres atuantes ou providos de personalidade e identidade. Nesse sentido, as mulheres
foram colocadas em papel secundário não só na vida social, mas também nas mais
diversas representações. No ensaio intitulado “Visual pleasure and narrative cinema”, na
revista Screen em 1977, a teórica Laura Mulvey faz um panorama da representação da
mulher no cinema até então. Mulvey relaciona conceitos como fetichismo e voyeurismo
da psicanálise para teorizar sobre o “olhar masculino” calcado no prazer visual.
A mulher, desta forma, existe na cultura patriarcal como o significante do outro
masculino, presa por uma ordem simbólica na qual o homem pode exprimir
suas fantasias e obsessões através do comando linguístico, impondo-as sobre a

4
imagem silenciosa da mulher, ainda presa a seu lugar como portadora de
significado e não produtora de significado (MULVEY In XAVIER, 1983:
438).

Na construção de suas características básicas, o amor romântico foi sempre


relacionado a mulher, tanto na literatura quanto no cinema. O sociólogo Anthony
Giddens, no livro Transformações da intimidade – sexualidade, amor e erotismo nas
sociedades modernas (1992) , atenta para a formação do amor romântico no início do
século XVIII. As estruturas matrimoniais começam a ser permeadas por afeto e não mais
apenas pela noção econômica como acontecia nos séculos anteriores. Giddens classifica o
amor romântico como diferente do amour passion4. O amor romântico, apesar de abarcar
a sexualidade, supera a noção desta e enxerga o outro como ser especial. A noção de
romantismo está ligada com o mito dos andróginos ou das almas gêmeas discursado por
Aristófanes na obra o Banquete de Platão. O indivíduo só se reconhece a partir do outro;
a partir desta relação pretende preencher um vazio que nem mesmo sabia que existia.
Em seu estudo, Giddens disserta ainda sobre a ligação entre o amor romântico e a
condição das mulheres. “A idealização da mãe foi parte integrante da moderna construção
da maternidade, e sem dúvida alimentou diretamente alguns dos valores propagados pelo
amor romântico.” Com a “invenção da maternidade”, criou-se a noção de um amor
romântico essencialmente feminilizado. A divisão de tarefas relacionada aos gêneros
enclausurou a mulher em espaços íntimos, enquanto homem fazia parte da vida pública.
Os discursos hegemônicos que inferiorizam a condição da mulher enquanto ser
passivo presente nas narrativas cinematográficas é frequentemente destinado às próprias
mulheres. Os “filmes de romance” e, ainda atualmente, as comédias-românticas são
classificados como filmes destinados ao público feminino. Em alguma medida, estas
narrativas buscam a noção de identificação/projeção com espectadoras mulheres, mas
simultaneamente continuam a reforçar o discurso patriarcal onde impera o olhar
masculino. Na grande maioria destas narrativas, os conflitos da personagem principal são
resumidos à relação romântica. A mulher só se reconhece enquanto ser a partir de uma

4
O autor faz referência ao conceito de Stendhal, mas não segue o significado que ele atribui. O amour
passion em Giddens é caracterizado como sentimento avassalador, ligado a sexualidade e é universal,
diferentemente do amor romântico, muito mais cultural e específico.

5
relação amorosa romantizada, em que a problematização dos afetos é resumida na busca
pelo par ideal. O herói é a motivação única da vida da protagonista, reforçando a ideia de
que a realização pessoal feminina estaria ligada unicamente ao relacionamento romântico,
na maioria das vezes, heterossexual. Sobre o olhar masculino que desemboca em um tipo
de violência simbólica, Bourdieu disserta sobre o problema da dominação masculina não
como uma questão binária entre gêneros, mas em uma lógica estrutural de construção dos
discursos reproduzidos e aceitos socialmente:
E as próprias mulheres aplicam toda a realidade e, particularmente, às
relações de poder em que se veem envolvidas em esquemas de pensamento
que são produto da incorporação dessas relações de poder e que se expressam
nas oposições fundantes da ordem simbólica. (BOURDIEU, 2011 :45)

No entanto, com a revolução sexual e o advento da teoria feminista tanto na


Europa quanto nos Estados Unidos, novos modelos de relação começam a ser propostos;
esta nova perspectiva influencia nas narrativas artísticas. Na França, surge a nouvelle
vague que quebra com vários dos aspectos técnicos da cinematografia dita como clássica.
O Brasil também foi atingido por essas mudanças sociais, no entanto de forma mais
atenuada. Em relação à linguagem cinematográfica, as estruturas tradicionais clássicas
foram importadas, há uma intensa influencia do cinema hollywoodiano nas produções da
Cinédia5. Neste período surgem estrelas como Carmem Miranda, enfatizando um cinema
“nacionalista” e as comédias musicais que desembocariam nas chanchadas (1930 a 1950).
No mesmo período, há uma intensificação do tema “romântico” nos musicais, exemplo é
o filme Bonequinha de seda (1936), de Oduvaldo Vianna – em que mulher é vista como
uma alegoria a ser admirada. A fórmula da chanchada, entretanto, acaba se esgotando e a
maioria dos atores e produtores vai para televisão. Durante esta transição, nasce o Cinema
Novo que rompe com a “estrutura clássica”, representado principalmente por Glauber
Rocha – os temas são outros para além das questões amorosas.
Com o governo Collor (1990) e a falta de incentivo ao cinema nacional, a
produção brasileira cai a quase zero. No cinema de retomada (1995), começam a surgir
filmes que ainda respeitam o modo clássico e outras produções mais experimentais, no

5
Estúdio e produtora que vigorou entre as produções brasileiras nas décadas de 1930 a 1950.

6
entanto, o amor é ainda tratado, na maioria dos casos, de forma romântica e idealizada – o
happy end entra como atmosfera para a maior parte destas produções.

4. 1 A hipótese da desconstrução do amor romântico

Apesar de ter sido influenciado pelas mudanças cinematográficas e sociais


mundiais, é preciso compreender que os contextos e formação cultural de cada lugar é
diferente. Tratando-se de um país ainda com questões sociais a serem problematizadas na
esfera pública, o Brasil pode ser dito como um país patriarcal e isso se reflete nas
narrativas cinematográficas produzidas. Na contramão desta perspectiva, filmes fora do
circuito comercial se propõem a discutir relações. Estas obras, em grande parte, são
produções que circulam em festivais, mostras e internet onde há uma predominância do
cinema de autor, como é o caso de Separações, de Domingos de Oliveira (2002), Nome
próprio (2007), de Murilo Salles e, mais recentemente, Era uma vez eu, Verônica (2012),
de Marcelo Gomes. O acadêmico Denilson Lopes afirma que estas seriam narrativas
femininas, “onde o corpo deixa de ser objeto de voyeurismo masculino e assume
concretude, uma história”.

Se o mundo exterior, das viagens, era dos homens, a intimidade deixa de ser
prisão para emergir como possibilidade de resistência, de demarcação da
diferença. Se já não se trata de falar da história dos grandes fatos e
acontecimentos, mas também do cotidiano, uma linhagem feminina se constrói
onde aparentemente só havia silêncio e opressão. Por um lado, isso levou a um
trabalho de arquivos, de resgate, mas levou também a apontar as possibilidades
estratégicas de uma estética feminina (LOPES, 2006: 388).

Neste sentido, é preciso atentar-se para a complexificação do sujeito moderno, em


que as intimidades e as sexualidades passam a ser politizadas no discurso público. O
corpo da mulher, que há algumas décadas era propriedade do marido e assim
mercantilizado/objetificado nas narrativas e nos meios de comunicação, passa a ser
politizado na lógica da teoria feminista. Foucault, em História da Sexualidade - A
vontade de saber (1990), problematiza a chamada “repressão sexual”, ao dizer que desde

7
a institucionalização do pecado pela igreja, a sexualidade sempre esteve presente em
nossos discursos (confissões cristãs e médicas, em círculo de convivência); porém de
forma atenuada, para que ninguém percebesse. A questão para Foucault é a forma como
se fala sobre sexualidade, pois a sexualidade em si, está presente em todo discurso.
Foucault coloca o discurso da sexualidade como poder-conhecimento. Giddens vai além
da proposta do filósofo, e pensa a sexualidade como reflexividade institucional.
Institucional, pois a sexualidade seria elemento estrutural básico da atividade social na
modernidade. “É reflexivo no sentido de que os termos introduzidos para descrever a vida
social habitualmente chegam e transformam” (GIDDENS, 1992:39). Desta forma,
pergunta-se: diante das transformações sociais, políticas, discursivas, ideológicas, como é
representado o amor e a sexualidade na perspectiva das personagens no novo cinema
brasileiro?
O objetivo específico é analisar a desconstrução do amor romântico nestes filmes.
A hipótese de pesquisa levanta a possibilidade de uma pré-existência do amor idealizado
e romantizado nas novas narrativas cinematográficas brasileiras (cinema autoral), mas
que no decorrer da história é desconstruído pelas ações das personagens e suas formas de
representação. O conceito de sexualidade é um dos caminhos para compreender como
acontece essa quebra narrativa. Enquanto houve um reforço no discurso social e também
cinematográfico de que a mulher estaria ligada ao amor romântico e o homem ao amor
sexual, a discussão sobre a sexualidade da mulher envolve novas possibilidades de
representação do afeto no cinema.

5. Procedimentos metodológicos: análise fílmica, etnografia virtual e entrevista em


profundidade

Em uma pesquisa, a própria construção do objeto é um ato subjetivo que, no


entanto, deve ser objetivamente justificado. “Procurar não cair na armadilha do objeto
pré-construído não é fácil, na medida em que se trata por definição, de um objeto que me
interessa, sem que eu conheça verdadeiramente o princípio verdadeiro desse interesse”
(BOURDIEU, 1989: 30). Não existem dados em “estado natural” para que sejam
analisados, o que existe é a construção do objeto a partir das experiências e preferências

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do pesquisador, do seu contexto cultural e histórico. “Não olhamos senão por meio do
modo como pensamos, e pensamos de acordo com o nosso lugar na história”
(MEKSENAS, 2002: 15). Em relação às pesquisas sociais e ao estudo do imaginário, a
subjetividade é ainda mais explicita dada a complexidade dos métodos qualitativos e de
análise que os envolvem: o próprio objeto é dinâmico e mutável, dependente de
fenômenos históricos, relações de poder e manifestações culturais. Ao discutir sobre o
lugar de fala do pesquisador, a pesquisa busca não somente se concentrar em seu objeto
de estudo, mas problematiza a criação deste enquanto processo metodológico.
Composto de imagens arquetípicas, inconsciente coletivo e noções interpretativas
à luz da fenomenologia, é impossível uma análise do imaginário que não leve em
consideração o contexto do pesquisador. O que se propõe é fazer uma análise segundo a
metodologia complexa proposta por Morin, em que objeto e sujeito fazem parte de uma
mesma estrutura aberta, respeitando as trocas afim de acessar o conhecimento de forma
mais profunda e menos previsível. Nesse sentido, Morin chama de scienza nuova o
método científico que incorpora aspectos excluídos pelo ciência clássica como o acaso, o
individual, o acidente, as subjetividades. No entanto, a scienza nuova não nega a ciência
clássica, mas sim a incorpora.

O objeto e o sujeito, entregues cada um a si próprios, são conceitos


insuficientes. A ideia de universo puramente objetivo está privada não apenas
de sujeito, mas de entorno, de além; ela é de uma extrema pobreza, fechada
sobre si mesma, não repousando sobre nada mais do que o postulado de
objetividade, cercado por um vazio insondável tendo em seu centro, lá onde há
o pensamento deste universo, um outro vazio insondável [...] Assim, surge o
grande paradoxo: sujeito e objeto são indissociáveis, mas nosso modo de
pensar excluiu um do outro, deixando-nos apenas livres para escolher,
conforme os momentos do dia, entre o sujeito metafísico e o objeto positivista.
(MORIN, 41: 2007)

Este é também um dos problemas de pesquisa: relativizar o lugar de fala enquanto


pesquisadora e mulher: até que ponto essas narrativas me atingem enquanto espectadora,
mulher ou cineasta? Este aspecto implica necessariamente em um problema
metodológico a ser apreciado durante a pesquisa.

9
5.1 Análise fílmica

Entre os processos metodológicos, a análise fílmica aponta para a possibilidade


interpretativa segundo a decomposição da obra afim de descrever os elementos e, em
seguida, compreender as construções de sentido entre os elementos decompostos.
Jacques Aumont, em seu livro intitulado Análise do filme (2013) disserta sobre as
diversas formas possíveis para a análise fílmica. O autor coloca três postulados
importantes antes mesmo de começar a explicar os processos de análise: não existe
método universal para analisar filmes; é preciso delimitar o que será analisado, pois a
análise de um filme é interminável e, para concluir: antes de começar a análise, é
necessário conhecer a história do cinema e a história dos discursos que o filme escolhido
suscitou. Com estes três postulados, Aumont disserta sobre às especificidades da análise
fílmica enquanto método. O corpus e as circunstâncias às quais ele está submetido é que
vão delimitar que tipo de análise fílmica seguir.
Entre os filmes a serem analisados estão a princípio: Era uma vez eu, Verônica
(2012) de Marcelo Gomes, Olmo e a Gaivota (2015), de Petra Costa e Lea Glo (2012) e
Simone de Juan Zapata (2013). Tratam-se de produções cinematográficas brasileiras 6
recentes e dentro do escopo do cinema de autor. Os três filmes têm como protagonista
personagens mulheres. Verônica é uma jovem médica recém-formada que decide gravar
seus pensamentos em um velho gravador da faculdade. Psiquiatra em um hospital público
de Recife, ela tem de lidar não apenas com suas angustias afetivas, mas com a de seus
pacientes também. Olivia personagem de o Olmo e Gaivota é atriz da companhia Cirque
du Soleil e está animada com a estreia da peça A gaivota, de Tchekhov. Casada com
outro ator da peça, Olívia fica grávida e os rumos de sua vida mudam. Ela precisa lidar
com a gravidez inesperada, a ausência do marido e as mudanças corporais. Simone do
filme Simone sempre se relacionou afetivamente e sexualmente com mulheres. Ela possui
uma namorada, mas acaba se apaixonando por um colega de trabalho e se vê diante de
outras possibilidades.

6
Olmo e a gaivota é uma co-produção entre Brasil, França, Portugal e Dinamarca. Uma das diretora é
brasileira.

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Em uma primeira análise, os três filmes tratam sobre afetos e quebras de
expectativas diante das mudanças que acontecem na vida destas mulheres. Neste sentido,
as primeiras possibilidades para a análise fílmica seriam a análise do filme como
narrativa e análise do filme enquanto imagem e som.

Análise do filme como narrativa: a temática e o conteúdo

Tendo em vista que os critérios para a escolha dos filmes que compõe o corpus se
baseiam em temas e concepções narrativas específicas, é preciso analisar as obras a partir
de seu conteúdo e temática. Assim como o objeto de pesquisa, “[...]o conteúdo de um
filme nunca é um dado imediato, mas deve, em qualquer caso, construir-se” (AUMONT,
2013:120). O cinema, como um campo produtor de significado, expressa o conteúdo
também através da forma. Por isso, é essencial para a interpretação buscar como as
estruturas se relacionam afim de criar um discurso.
No contexto narratológico, poder-se-ia destacar quais seriam os pontos de
enunciação dos filmes. A partir desta prática, seria possível analisar o ponto de vista do
personagem e o ponto de vista do narrador. Os três filmes a serem analisados propõe uma
busca pelo entendimento dos afetos. As obras são compostas por vários planos de câmera
subjetiva7 e as histórias em muitas cenas narradas pela a própria personagem. Assim se
misturam a língua do narrador e do personagem, a que propósito estético essas técnicas
pretendem atingir? Como a narrativa se constrói a partir destes elementos? A análise
busca investigar por meio da construção narrativa os propósitos e os desencadeamentos
segundo as ações e percepções das personagens.

Análise de imagem e som

[...] é certo que a linguagem da arte só poderá ser compreendida nas suas
relações mais profundas com a teoria dos signos. Sem esta, qualquer filosofia
da linguagem permanece fragmentária, porque a relação entre linguagem e
signo vem das origens e é fundamental. (BENJAMIN, 1994: 195).

7
Câmera sob a perspectiva do personagem

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Se a narrativa é composta pela junção entre os signos, é preciso compreender
como se dá essa relação. A análise de imagem e som, é na verdade, um complemento da
análise narrativa. Nesta perspectiva, o filme é entendido enquanto meio de expressão e
composto de uma linguagem. O trabalho do pesquisador é analisar a construção da
linguagem a partir dos signos dentro do espaço fílmico.
A análise de imagem e som utiliza os conceitos cinematográficos com
enquadramento, mise-en-scène, iluminação, trilha sonora e composição sonora em busca
da constituição de sentido. Existe uma preocupação com a semiologia do quadro fílmico,
a imagem e som são analisados enquanto produtores de significado.

5.2 A produção de imaginários: o amor feminino segundo cineastas e espectadores


brasileiros

Um estudo completo em audiovisual envolveria pelo menos três instâncias: a


análise, a produção e a recepção. O pesquisador ao fazer a análise fílmica leva em
consideração sua bagagem de percepções o que difere da análise de um público com
experiências distintas das dele. Como foi dito antes, o estudo do imaginário do amor a
partir destes filmes envolve complexidade e subjetividade, por isso é essencial relativizar
o lugar de fala enquanto pesquisador.
Os estudos de recepção revelam uma possibilidade de triangulação metodológica
da pesquisa, pois buscam mais um sentido para a interpretação dos imaginários.

Os estudos de audiovisual e recepção com recorte nos estudos de gênero e na


crítica feminista privilegiam as conexões entre comunicação e cultura e busca,
sobretudo, capturar as experiências dos sujeitos, das audiências e receptores,
levando em consideração o deslocamento dos meios e sua presença na vida
cotidiana; as formas de mediação que se estabelecem entre sujeito e
mensagem; e, ainda, os processos de hibridismo cultural (GARCÍA
CANCLINI, 1989), desafiando a noção de que os sistemas de comunicação
global subjugam cidadãos, sexos, territórios, nações e paradigmas teóricos.
(MONTORO In BAMBA 2013: 75)

No entanto, as pesquisas de recepção envolvem grupos focais e um longo

12
processo de depuração, impossibilitado pelo curto tempo destinado ao mestrado. Por este
motivo, proponho enquanto triangulação de pesquisa, um estudo de recepção na web,
buscando entender qual é a percepção dos expectadores em relação ao tema “amor
feminino” através de comentários em sites de crítica e trailers de filmes. Além disso
propõe-se também fazer entrevistas em profundidade com uma dezena de diferentes
espectadores. O objetivo é compreender outras percepções em relação ao tema que
dialoguem ou contraponham a análise do pesquisador. Para isso, iremos buscar grupos
específicos levando em consideração categorias como classe social, faixa-etária, grau de
escolaridade, orientação sexual e religião.

Para completar a análise, serão feitas entrevistas em profundidade com os


cineastas (diretores, roteiristas e fotógrafos) dos filmes analisados e outros que se
encaixem na proposta 8afim de compreender como são construídos as representações do
amor feminino no recente cinema brasileiro. Por meio das entrevistas, o que se busca não
é uma resposta objetiva para a construção dos afetos femininos no cinema, mas
problematizar como as representações são criadas para o cinema e por meio de quais
recursos (narrativos/cinematográficos).

Esta pesquisa busca um recorte de gênero em relação às afetividades


representadas no novo cinema brasileiro. A análise fílmica, a análise externa, a
etnografia virtual e a entrevista em profundidade compõe os principais procedimentos
metodológicos. Além destes métodos, será necessário um estudo bibliográfico extenso
afim de levantar os conceitos a serem adotados. Neste sentido, a pesquisa histórica em
relação ao cinema melodramático e o conceito de amor em cinema, já estudado em outros
trabalhos acadêmicos, serão de extrema importância para a concepção do que estamos
chamando de desconstrução do amor romântico.
Bibliografia
AUMONT, Jacques. A análise do filme. Texto e Grafia, Lisboa, 2004.
BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido – Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

8
Cinema de autor, filmes recentes brasileiros, personagens femininas, discussão sobre amor e afeto.

13
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. In. LIMA,
Luiz C. (Org.). Teoria da cultura de massa. 2.ed. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1978. p.205-
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14
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