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22 42
46 52
62 65
03 carta ao leitor 22
destaque
Índia, parceria estratégica
de Israel na Ásia
06 NOSSAS GRANDES FESTAS por JAIME SPITZCOVSKy
O significado dos alimentos
simbólicos de Rosh Hashaná 25 história de Israel
Declaração Balfour
14
NOSSAS leis O centenário de um marco
Algumas leis relacionadas por zevi ghivelder
a Yom Kipur
4
REVISTA MORASHÁ i 97
06
25
36 arte 58
esportes
Em Bezalel nasce a
20ª Macabíadas: atletas judeus
nova arte israelense de 80 países, um só coração
42 educação
62
shoá
Maker Station
Novo espaço na Escola Beit Yaacov Ética médica nazista
46
por dr. morton scheinberg
história
Judiarias portuguesas:
Um reencontro com o passado
65 comunidades
A Polônia
52
israel Da fundação à partilha
Krav Maga:
O sistema de autodefesa de Israel 75 cartas
5 SETEMBRO 2017
NOSSAS GRANDES FESTAS
I
niciamos a refeição festiva nas duas noites de A realidade é que comer os alimentos de importância
Rosh Hashaná fazendo o Kidush com uma taça simbólica em Rosh Hashaná não é mero costume ou
cheia de vinho doce, fazendo a ablução ritual folclore e, muito menos, superstição. Pelo contrário,
das mãos (Netilat Yadayim) e comendo Chalá é uma prática imbuída de valor místico, fortemente
molhada no mel ou açúcar – um pedaço do qual estimulada pelo Talmud, e até codificada no Shulchan
é distribuído a todos os presentes. Antes de ser servido o Aruch, o Código de Lei Judaica.
jantar, é costume comer-se certos alimentos simbólicos
nesta festa. O consumo de cada um deles é precedido por O Talmud não tem o hábito de tentar justificar
uma bênção ou uma pequena oração. Apesar de variarem seus decretos, ensinamentos e recomendações,
entre as diferentes comunidades esses alimentos, o ritual independentemente de quão enigmáticos ou
de Rosh Hashaná é adotado por todo o Povo Judeu. surpreendentes possam ser. Essa obra de Lei e
Sabedoria Divina confia a tarefa a seus grandes
Para um observador casual, esse costume parece uma comentaristas. Um dos maiores dentre eles, Rabi
forma de superstição. Será que o fato de comer certos Menachem ben Shlomo Meiri (1249-1310), revela
alimentos tem, realmente, influência no ano que se uma das razões pelas quais comemos alimentos
inicia? Será que o fato de comer maçã vermelha molhada simbólicos em Rosh Hashaná, dizendo que seu
em mel ou açúcar muda veredictos celestiais? Esse ritual propósito é concentrar nossa atenção na agenda do
de Rosh Hashaná pode até mesmo parecer contrário dia: oração, arrependimento e a decisão de realizar
aos princípios do judaísmo, pois a Torá condena a bons atos. Conta que, a princípio, o costume era
superstição, equiparando-a à idolatria. Como, então, pode apenas olhar ou comer esses alimentos e refletir
o judaísmo estimular essa prática, e como pode todo o sobre seu significado. No entanto, com o tempo, as
Povo Judeu adotá-la, especialmente em Rosh Hashaná, pessoas ficaram mais entretidas na comida do que
o Ano Novo, que é quando D’us preside o julgamento e na introspeção. Para evitar que isso aconteça, as
decide o destino do mundo e de cada criatura para o ano comunidades judaicas adotaram o rito de recitar uma
vindouro? breve oração antes de comer cada um dos alimentos
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REVISTA MORASHÁ i 97
simbólicos. Isso garantiria que a – quando o registro de cada ser explica que, com frequência,
mensagem de cada um deles não se humano está sendo revisto nos acontece de os decretos e bênçãos
perdesse. Céus –, todo pensamento positivo Divinas que D’us concede
pesa a nosso favor. Precisamos ser permanecerem apenas em um
Ao ponderar sobre as preces, muito cuidadosos na maneira como estado potencial, nas esferas
podemos entender sobre o direcionamos nossa mente, pois isso espirituais, até que os seres
que devemos refletir ao comer influenciará todo o nosso ano. humanos realizem um ato físico
tais alimentos. Assim, um dos para concretizar e dar forma física
propósitos do ritual é provocar e Outros comentaristas da Torá vão a esses decretos. Isso significa que
direcionar nossos pensamentos mais além: explicam que o propósito a transição do potencial para o real
e planos para o novo ano. Isso é de se comer alimentos simbólicos no depende, em geral, dos atos físicos
especialmente relevante em Rosh Ano Novo não é apenas concentrar da pessoa.
Hashaná, pois, como ensinam nossos pensamentos. Eles revelam
nossos Sábios, essa festividade de que o ato de comê-los, de fato, Isso explica por que os profetas
dois dias dá o tom para o restante desencadeia bênçãos Divinas. Como geralmente realizavam um ato físico
do ano: aquilo em que pensamos, isso é possível? De que forma comer para simbolizar suas profecias.
o que dizemos e fazemos em maçã vermelha molhada no mel ou Por exemplo, vemos no Livro dos
Rosh Hashaná influenciará todo o no açúcar aumenta nossas chances Reis que o profeta Elisha levou
nosso ano. A Torá nos conta que de ter um ano bom e doce? E como o Rei Yoshiyahu ( Josias) a atirar
não apenas nossos atos e palavras comer as sementes da romã nos uma flecha na direção da terra de
têm poder; nossos pensamentos torna mais merecedores? Aram – o inimigo dos judeus à
também podem exercer influência Rabi Yehudá Lowe, o Maharal época – e pegar uma flecha e bater
sobre o mundo. Em Rosh Hashaná, de Praga, um dos maiores Sábios no chão, explicando que o número
quando o destino de todo o mundo e cabalistas de todos os tempos, de pancadas determinaria a força da
e de cada indivíduo é decidido famoso por ter criado o Golem, vitória de Israel sobre Aram.
7 SETEMBRO 2017
NOSSAS GRANDES FESTAS
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Por que comemos também molhados no mel. São Éden tem o aroma de um pomar
maçãs vermelhas em inúmeras as razões para esse de maçãs. De fato, ao analisar a
Rosh Hashaná costume judaico. A mais simples expressão usada por nosso patriarca
delas é que essa fruta tem um belo Itzhak ao descrever seu filho, Yaacov:
Em Rosh Hashaná, temos o costume aspecto, ótima fragrância e gosto. “Veja! O cheiro do meu filho é como
de tomar vinho doce e fazer as É saborosa de qualquer forma que o cheiro do campo que o Eterno
Chalot no feitio redondo, em vez do seja apresentada e extremamente abençoou!” (Gênesis, 27:27), Rashi,
tradicional oval, trançado. O Chatam saudável. E simboliza nossas comentarista clássico da Torá,
Sofer (1762-1839), que foi um de esperanças de que o Ano Novo explica que isso se refere ao aroma
nossos grandes Sábios e cabalistas, nos traga alegria, sucesso, saúde e de um pomar de maçãs – o aroma do
explica o costume como expressão felicidade em todas as áreas da vida. Jardim do Éden.
de que nossas orações e esperanças
sejam abençoadas infinitamente Mas o significado simbólico da maçã Ademais, em seu Cântico dos
durante o ano vindouro, pois o vai além do simples fato de ser uma Cânticos, o Rei Salomão descreve o
círculo é especial por não ter início fruta doce e saborosa. O Arizal (Rabi amor de D’us pelo Povo Judeu por
nem fim. Por isso fazemos os pães Itzhak Luria), maior cabalista de meio da seguinte metáfora: “Debaixo
nesse formato, como símbolo todos os tempos, ensina que há um de uma macieira, despertei teu amor”
de nossa esperança de que D’us profundo significado cabalístico no (Shir HaShirim 8:5). Ao comer
nos conceda bênçãos incontáveis, fato de comê-la nas noites de Rosh pedaços de maçã em Rosh Hashaná,
pessoais e coletivas, no novo ano. Hashaná. O Zohar, obra fundamental estamos nos recordando do amor de
da Cabalá, escrita pelo Rabi Shimon D’us por Seu povo.
Após o Kidush e a lavagem ritual bar Yochai, se refere ao Paraíso como
das mãos (Netilat Yadayim) e comer Chakal Tapuchin Kadishin – “Pomar Uma razão cabalística para esse
um pedaço da Chalá molhada no das Maçãs Sagradas”. As maçãs costume é que, como escreve o Ben
mel ou açúcar, comemos o primeiro simbolizam não só a doçura, mas Ish Chai, essa fruta é associada à
dos alimentos simbólicos da festa, também Gan Eden – o Paraíso. De Sefirá de Tiferet, que é a emanação
que são pedaços de maçã vermelha, acordo com o Midrash, o Jardim do Divina de misericórdia, beleza,
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NOSSAS GRANDES FESTAS
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por Seu Atributo da Misericórdia, é estranho que em uma festividade pois os arqui-inimigos dos Filhos
produzindo um resultado mais judaica – especialmente a que de Israel, como Hitler e Stalin,
doce”. marca o início de um novo ano – mostraram ser a personificação
estejamos presos a essa negatividade da maldade no mundo. Aqueles
Outra razão para comermos mel e pensando em nossos inimigos. que mostraram ser os líderes mais
em Rosh Hashaná é que nossos Evidentemente, há importantes perversos na história geralmente
Sábios ensinam que “o mel e razões para fazê-lo. começaram escolhendo o Povo
os doces restauram a visão das Nenhum judeu jamais pode Judeu como alvo para depois passar
pessoas”. O Talmud menciona vários esquecer que, ao longo da história, para o restante da humanidade. Seu
“recursos” para auxiliar a memória tivemos muitos inimigos que, sem desaparecimento seria benéfico para
e os comentaristas talmúdicos qualquer razão, perseguiram e todo o mundo.
acrescentam: “Também o mel torna tentaram exterminar nosso povo.
a pessoa sábia” (Talmud Bavli, Como proclamamos na Hagadá de Há, no entanto, uma explicação
Horayot 13b). Pessach: “Em toda geração, eles se mais profunda para rezarmos pela
levantam para aniquilar-nos. E o eliminação de nossos inimigos
Orações pela Santo, Bendito é Ele, nos salva de em Rosh Hashaná. Esses inimigos
eliminação de nossos suas mãos”. Através dos milênios, o não são seres humanos, mas forças
inimigos Povo Judeu tem sido o alvo principal espirituais negativas. Rosh Hashaná
de alguns dos personagens mais é o Dia do Julgamento, quando,
Após comer pedaços de maçã cruéis do mundo. Em Rosh Hashaná, falando metaforicamente, os
molhados no mel ou açúcar, quando D’us decide o destino da “promotores celestiais” apresentam
comemos três alimentos: acelga, humanidade e de cada indivíduo, seus casos perante o Juiz da Verdade.
tâmara e alho-poró ou cebola – e as oramos para que Ele nos livre O Talmud ensina que a Inclinação
preces correspondentes se referem daqueles que nos querem prejudicar. para o Mal – o Yetser Hará ––
a nossos inimigos. Tais orações As orações referentes a nossos seduz o ser humano, instigando-o
contêm um linguajar duro. Pedimos inimigos são recitadas não apenas a pecar e, quando consegue fazê-
que D’us remova, elimine e extirpe em benefício do Povo Judeu, mas de lo, apresenta-se perante o Trono
nossos inimigos. À primeira vista, todas as pessoas de bem no mundo, Celestial para condená-lo. Instigador
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NOSSAS GRANDES FESTAS
e acusador são um só. Em Rosh e disciplina para executar a Sua sonho as romãs estiverem abertas,
Hashaná, Dia do Julgamento, Vontade. Tais súplicas não são se quem sonhou é um estudioso
oramos a D’us para que a Inclinação exclusivas de Rosh Hashaná; nossas da Torá, estudará ainda mais…
para o Mal e todas as forças do mal preces diárias pedem a D’us para enquanto que se não for um
espiritual, que nos fazem sair do depositar nosso coração, nosso estudioso, realizará mais mitzvot”.
caminho do bem para depois nos amor e nossa reverência em Suas Baseando-se em um verso do
acusar perante a Corte Celestial, mãos, para que possamos estudar Cântico dos Cânticos (Shir
sejam removidas, eliminadas e zelosamente a Sua Torá e cumprir HaShirim 4:3), o Talmud conclui
exterminadas, para que assim Seus mandamentos. Mas tal pedido afirmando que “mesmo os judeus
possamos ser inscritos para um ano é enfatizado em Rosh Hashaná, pois mais vazios, também eles estão
bom e doce. é nessa festividade que D’us decide repletos de mitzvot como a romã
não só nossas bênçãos materiais, é carregada de sementes” (Talmud
É interessante notar que, durante os mas também espirituais, para o ano Bavli, Chaguigá 27a).
jantares de Rosh Hashaná, recitamos vindouro.
três orações diferentes acerca de Em Rosh Hashaná, oramos a D’us
nossos inimigos. Um das razões A oração ao comermos a romã – para que Ele nos dê a oportunidade
para serem três e não uma é que, de que nossas mitzvot sejam tão de cumprir muitas mitzvot –
como ensina a Cabalá, nosso mundo numerosas quanto as sementes dessa muitos mandamentos Divinos e
contém três klipot impuras – “cascas” fruta – é bem conhecida. De fato, a boas ações. Então, cabe a pergunta:
– que são a origem de todo o mal. romã é um dos grandes símbolos de por que devemos orar pedindo
Essas três preces expressam nosso Rosh Hashaná. isso? Não cabe exclusivamente
desejo de que essas klipot sejam ao ser humano exercer seu livre
eliminadas do mundo. Isso ocorrerá Essa fruta tem grande destaque na arbítrio e cumprir a Vontade
na Era Messiânica. Essas orações Torá. É uma das Shivat HaMinim – Divina?
são, portanto, um pedido para que Sete Espécies de frutas e grãos que
D’us nos traga a era utópica, que são produtos especiais da Terra de A resposta é que todos
será de paz e prosperidade para toda Israel. Além disso, em uma discussão necessitamos de inspiração e
a humanidade. sobre o significado de ver essa fruta assistência Divina, mesmo se
em sonhos, o Talmud explica que estivermos determinados a cumprir
Orações para termos “quando vemos frutos pequenos, a Vontade de D’us e realizar atos
méritos e praticarmos isso significa que os negócios serão de bondade. Há um conhecido
mitzvot frutíferos como a romã, enquanto ensinamento do Talmud que
que quando vemos os frutos grandes, diz que D’us escolhe as pessoas
As três preces seguintes e seus isso significa que os negócios vão- meritosas para realizar boas ações.
respectivos alimentos compartilham se multiplicar como romãs. Se no Em Rosh Hashaná, rogamos a
um tema comum: méritos e mitzvot D’us para nos escolher como Seus
– ou seja, mandamentos Divinos e agentes da sabedoria, bondade e
boas ações. justiça no mundo: que Ele nos dê
a oportunidade de cumprir Seus
Recitamos essas orações para pedir mandamentos. Esse privilégio
a D’us um veredicto não depende apenas de
totalmente positivo para nosso livre arbítrio, mas
o novo ano. Rogamos a também da Divina
Ele para “apagar” qualquer Providência. Para
decreto Celestial negativo fazer muita Tzedacá,
contra nós e nos julgar precisamos estar
favoravelmente, pesando financeiramente bem. Para
nossos méritos e relevando poder ensinar e disseminar
nossos deméritos. Pedimos a Ele sabedoria e conhecimento,
que nos estimule espiritualmente precisamos ter sucesso
– dando-nos forças, motivação em nossos estudos de
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13 SETEMBRO 2017
NOSSAS LEIS
Algumas leis
relacionadas a Yom Kipur
Neste ano, Yom Kipur se inicia na sexta-feira,
29 de setembro, e termina na noite de sábado,
30 de setembro .
C
ostuma-se fazer caparot – abate de um ou usar o elevador antes do início de Yom Kipur, deverá,
galo, para um homem, e de uma galinha, antes de acender as velas, fazer uma ressalva dizendo
para uma mulher, no dia 9 de Tishrei de que não está recebendo Yom Kipur com o ato de
madrugada, dia 29 de acendimento das velas.
setembro,
por um shochet É, porém, necessário antecipar o
qualificado. Também é possível recebimento de Yom Kipur para
cumprir este costume com dinheiro, antes do pôr-do-sol.
doando-o para tzedacá.
É costume os pais abençoarem os
É proibido jejuar no dia que precede filhos, pedindo que estes sejam
Yom Kipur, mesmo se este jejum for selados no Livro da Vida e que, em
por Taanit Halom. É, ao contrário, seus corações, permaneça sempre o
uma mitzvá fazer uma refeição amor a D’us. Convém também ir à
adicional. A refeição que antecede o sinagoga antes do pôr-do-sol, para
jejum deve ter pão e pratos de fácil poder participar do Kol Nidrei, a
digestão e ser concluída 20 minutos “anulação dos votos”.
antes do pôr-do-sol. Bebidas
alcoólicas são proibidas. Restrições durante
Yom Kipur
As mulheres devem acender as velas
antes de ir à sinagoga, dizendo a Yom Kipur é o Shabat dos Shabatot
bênção “Lehadlik Ner Shel Shabat e, portanto, todo trabalho profano
Veshel Yom HaKipurim”. Se a mulher deve cessar e todas as leis do Shabat
quiser locomover-se de automóvel devem ser respeitadas. Assim como
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REVISTA MORASHÁ i 97
15 SETEMBRO 2017
NOSSAS GRANDES FESTAS
N
o quinto livro da Torá, Deuteronômio, ha-Minim, as “Quatro Espécies”. O outro é habitar em
está escrito o seguinte acerca dessa festa: uma Sucá.
“E te alegrarás na tua festa – tu, teu filho,
tua filha, teu servo, tua serva, o levita, o O mandamento de juntar as Quatro Espécies é
peregrino, o órfão e a viúva, que estão nas mencionado no terceiro livro da Torá, o Levítico. Pois
tuas cidades. Sete dias festejarás a festa do Eterno, teu está escrito: “Contudo, aos 15 dias do sétimo mês,
D’us, no lugar que escolher o Eterno; porque o Eterno, quando recolherdes o produto da terra, celebrareis a
teu D’us, te abençoará em todos os teus produtos e em festa do Eterno por sete dias; no primeiro será dia de
toda obra de tuas mãos, e estarás certamente alegre” descanso solene e, no oitavo, será dia de descanso solene.
(Deuteronômio 16: 14-15). E tomareis para vós, no primeiro dia, o fruto da Árvore
Formosa (Etrog), palmas da palmeira, ramos de murta e
É interessante que o Livro Deuteronômio não mencione de salgueiro de ribeiras, e vos alegrareis diante do Eterno,
o júbilo ao descrever a festa de Pessach, e apenas vosso D’us, por sete dias” (Levítico 23:39-40).
mencione-o uma única vez em relação à festa de Shavuot.
Contudo, no contexto de Sucot, menciona-o duas vezes. Aí está a referência aos Arbaat ha-Minim – as Quatro
Talvez seja isso o que levou nossos Sábios a atribuir a Espécies. A fruta escolhida é o Etrog, o ramo verde
essa festa o epíteto de “Época de nosso regozijo”. E, por é o Lulav, os galhos folhosos são os Hadassim, e o
que o duplo júbilo? Por que razão o conceito de alegria é salgueiro da ribeira são as Aravot. É uma mitzvá – um
mais enfatizado durante Sucot do que nas demais festas? mandamento Divino – juntar essas Quatro Espécies e
sacudi-las em Sucot.
Os dois mandamentos
exclusivos de Sucot Um segundo mandamento da Torá, que também é
exclusivo à festa de Sucot, é a mitzvá de se habitar em
Há dois mandamentos da Torá exclusivos à festa uma Sucá durante os sete dias da festa. Em Sua Torá,
de Sucot. Um é juntar e ter nas mãos as Arbaat D’us ordena ao Povo Judeu “viver em Sucot (cabanas)
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REVISTA MORASHÁ i 97
durante sete dias: “Nas cabanas natureza. Na verdade, esses dois mandamento de habitar em uma
habitareis por sete dias; todo natural mandamentos são aparentemente cabana. A Lei Judaica determina
de Israel habitará nas cabanas. Para contrários entre si. O mandamento que, como a Sucá é uma moradia
que as vossas gerações saibam que das Quatro Espécies e os rituais temporária, seu revestimento não
nas cabanas fiz habitar os Filhos de associados ao mesmo são imbuídos pode ser impermeável: se a chuva
Israel, quando os tirei da terra do de profundo significado e não pode penetrar por seu teto, a
Egito, Eu sou o Eterno, vosso D’us!” misticismo, mas servem, também, Sucá não é válida. E se chover na
(Levítico 23:42-43). a um propósito prático: constituem festa de Sucot – e a chuva for forte
uma súplica por chuvas abundantes. ao ponto de estragar a comida que
Esse mandamento é tão Ao cumprir esse Mandamento está na mesa da cabana –, estaremos
fundamental na festa de Sucot Divino, esperamos que D’us abençoe isentos do mandamento de habitá-
que até empresta seu nome à o novo ano com chuvas, essenciais la. Assim sendo, a chuva é um
mesma. Essa festa é a época anual para a vida e o sustento. Além disso, impedimento para o cumprimento
de recordarmos as Sucot – plural como nos ensina Maimônides, as da mitzvá de Leshev ba-Sucá, isto é,
de Sucá – as moradias temporárias Quatro Espécies eram os produtos “habitar na Sucá” durante os sete dias
e portáteis nas quais os judeus mais disponíveis na Terra de Israel da festividade.
viveram durante sua jornada de – verdadeiros sinais da fertilidade da
40 anos através do deserto, em sua terra. A diferença entre os dois
caminhada para a Terra de Israel. mandamentos exclusivos da festa
Por sua vez, o mandamento de é ainda mais profunda. Por um
É interessante notar que os dois morar sete dias em uma Sucá lado, Sucot é a mais universalista de
mandamentos exclusivos da festa pressupõe a falta de chuva. De fato, todas as festas judaicas. O profeta
– tomar nas mãos as Quatro chover durante a festa de Sucot é Zechariah profetizou que um dia
Espécies e habitar em uma Sucá considerado um mau presságio, essa festa será celebrada por toda
– são muito diferentes em sua pois nos impede de cumprir o a humanidade: “E o Eterno será
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NOSSAS GRANDES FESTAS
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19 SETEMBRO 2017
NOSSAS GRANDES FESTAS
anos do Povo Judeu no deserto, a No entanto, há um segundo ciclo nos Dias Temíveis, que se iniciam
caminho da Terra Prometida. Essas de festas judaicas – as do mês de em Rosh Hashaná e terminam ao
três festividades revivem o passado Tishrei: Rosh Hashaná, Yom Kipur findar o Yom Kipur, D’us determina
judeu. Celebram o significado de ser e Sucot. (Shemini Atseret, a festa o destino de todos os povos e de
judeu. Ainda que as mensagens que celebrada no dia após o término de cada uma de Suas criaturas para o
as mesmas nos transmitem tenham Sucot, de certa forma é o oitavo dia próximo ano. Bem verdade, são os
inspirado um número inusitado dessa festa). Apesar de Rosh Hashaná judeus que acorrem às sinagogas
de pessoas ao longo da História – e Yom Kipur serem festividades nesses dias e que têm que cumprir
particularmente o tema do Êxodo e judaicas, ambas não dizem o mandamento de ouvir o toque do
o dos Dez Pronunciamentos Divinos respeito unicamente a judeus e ao Shofar em Rosh Hashaná e o de jejuar
(os “Dez Mandamentos”) ouvidos judaísmo. Dizem respeito a D’us, à em Yom Kipur, mas eles agem como
no Monte Sinai –, elas contam Humanidade, a todas as criaturas agentes da Humanidade, mesmo
a história do Povo Judeu. Foram vivas e ao destino do mundo todo. não estando, a quase totalidade do
os judeus os escravos libertados O palavreado das orações é diferente mundo, ciente do que ocorre nesses
do Egito; foi aos judeus que D’us nessas duas festas; é diferente do que dias cruciais. Neles refletimos não
escolheu para Se revelar e a quem nas demais festas judaicas. Em Rosh apenas na condição atual e no futuro
Ele confiou a Sua Torá; e foram Hashaná, proclamamos: “Instila o do Povo Judeu, mas também, na do
os judeus os que viveram nas Sucot Teu assombro sobre todas as Tuas mundo e de todos os seus habitantes.
durante a longa jornada em que obras, e temor a Ti em toda a Tua
foram conduzidos por Moshé a criação”. A liturgia é claramente Tendo identificado esses dois ciclos
caminho da Terra Prometida. universal. O Talmud nos ensina que de festividades, vemos claramente
a singularidade de Sucot, que é ser a
única festa que pertence a ambos os
ciclos. É parte do ciclo da História
Judaica - Pessach, Shavuot e Sucot,
mas também da sequência de
festividades do mês de Tishrei – Rosh
Hashaná, Yom Kipur e Sucot. Daí o
duplo júbilo que lhe é associado. Daí
uma das inúmeras razões para ser
chamada de Zman Simchatenu – a
“Época de nosso regozijo”.
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REVISTA MORASHÁ i 97
exílios, as expulsões, a assimilação, como indica o Talmud, que exílio trás exílio, e, ainda assim,
as perseguições, os massacres e, até ninguém pode alegar ser superior não apenas sobrevivendo, mas
mesmo, o genocídio. Ao mesmo ao outro. No entanto, cada povo, triunfando. A Sucá pode ser uma
tempo, o mandamento de viver sob civilização e religião são únicos e moradia frágil e temporária, mas
o Sechach, o revestimento da Sucá, diferentes, e essa diversidade é o que pôde manter nosso povo vivo
remete-nos aos versos iniciais do enriquece o mundo. Assim como durante milênios.
Salmo 91: “Quem habita na Morada cada ser humano tem sua própria
do Altíssimo estará sempre sob Sua missão neste mundo, também a tem A Humanidade é formada por
proteção” – e é curioso que o valor cada um dos povos. nossos pontos em comum e nossas
numérico da palavra Sucá é 91. Isso diferenças. Os primeiros nos
nos ensina e nos faz lembrar que O aspecto universal da festa de Sucot recordam que somos todos seres
os Filhos de Israel sobreviveram e particularmente o mandamento humanos, com necessidades, dores
provações e tribulações sem fim das Quatro Espécies nos ensinam e alegrias, esperanças, desejos e
somente porque habitavam à sombra que nós, judeus, não podemos sonhos semelhantes. Mas nossas
da Divina Presença, assegurando sua nos isolar do restante do mundo. diferenças forjam nossa identidade.
perpetuidade. Se devemos ser uma luz entre E a festa de Sucot reúne a nossa
as nações, como ordenado por singularidade como povo e, ao
De maneira diferente de todas as D’us (Isaías 42:6), temos que nos mesmo tempo, nossa participação
demais festividades, Sucot celebra envolver e tentar influenciar a no destino universal da humanidade.
a natureza dupla do judaísmo: humanidade. Contudo, o aspecto Daí, o duplo júbilo de Sucot, a
a universalidade de D’us e a específico de Sucot – em especial o “Época de nosso regozijo”.
particularidade do Povo Judeu. mandamento de habitar em uma
E, como nos ensina a Torá, todos Sucá – nos ensina que o Povo Judeu
os seres humanos foram criados é herdeiro de uma história que não
BIBLIOGRAFIA
por D’us Uno e Único e todos tem igual entre nenhum outro povo:
Sacks, Rabbi Jonathan, “Leviticus:
descendem dos mesmos dois seres em número pequeno, vulneráveis, The Book of Holiness (Covenant &
humanos: Adão e Eva. Isso significa, sofrendo Conversation 3)”, Maggid.
21 SETEMBRO 2017
DESTAQUE
L
ogo de início, o anfitrião Binyamin comunista chinês Mao Tsetung posavam de líderes do
Netanyahu demonstrou a importância chamado Terceiro Mundo e declaravam, no conflito do
da chegada do visitante estrangeiro. Oriente Médio, apoio ao movimento palestino.
O primeiro-ministro israelense foi
pessoalmente recebê-lo no aeroporto No mundo pós-Guerra Fria, China e Índia se livraram de
Ben Gurion, acompanhado de outros integrantes do amarras ideológicas do passado, optaram pelo caminho
primeiro escalão do governo, em cerimonial reservado do crescimento econômico e encontraram em Israel um
geralmente a presidentes dos Estados Unidos, principal parceiro a oferecer cooperação, por exemplo, no campo da
parceiro político, econômico e militar de Israel. tecnologia. Laços israelenses com os gigantes asiáticos se
expandiram dramaticamente nas últimas décadas.
Netanyahu, seguindo os ventos a moldar o cenário
internacional no século 21, passou a investir na O comércio entre Israel e Índia, em 1992, ano do
aproximação com potências asiáticas, como China e estabelecimento de relações diplomáticas, registrava a
Índia, sem abrir mão do relacionamento estratégico marca de US$ 200 milhões, para alcançar, em 2016,
com os EUA. O dinamismo econômico de Pequim e US$ 4,5 bilhões. Pilares dos laços bilaterais se apoiam nas
Nova Délhi atrai o olhar israelense, afastado daquelas áreas de defesa, agricultura e tecnologia para uso de água.
paragens nos tempos da Guerra Fria devido aos
alinhamentos ideológicos do período encerrado com a A chegada de Narendra Modi a Israel, em julho,
queda do Muro de Berlim, em 1989. representou o capítulo principal de um intenso
calendário de visitas diplomáticas, nos últimos meses.
Foi somente após o desaparecimento do mundo Em 2016, o presidente da Índia, Pranab Mukherjee,
bipolar, dividido em campos norte-americano e transformou-se no primeiro chefe de Estado de seu país
soviético, que Israel estabeleceu laços oficiais com a visitar Israel, enquanto em janeiro passado foi a vez de
China e Índia. Nos tempos da Guerra Fria, dirigentes Reuven Rivlin, presidente de Israel, aterrissar em solo
como o socialista indiano Jawaharlal Nehru e o indiano.
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23 SETEMBRO 2017
DESTAQUE
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1. em visita a Haifa 2. netaniahu e modi em Yad Vashem 3. em visita à fazenda danziger, onde o primeiro-ministro indiano
atribuiu seu nome a uma nova espécie de crisântemos
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HISTÓRIA DE ISRAEL
DECLARAÇÃO BALFOUR
O CENTENÁRIO DE UM MARCO
POR Zevi Ghivelder
E
sta carta transcendeu na medida em que tendo ocupado durante 50 anos uma rara posição de
foi o primeiro passo para a autenticação poder dentro do Partido Conservador britânico.
do sionismo, tal como o objetivo desse
movimento o havia formulado em seu Depois de sua formação em Eton e Cambridge,
primeiro Congresso Mundial, realizado vinte incursionou na política. Bem sucedido, foi Primeiro-
anos antes, na Suíça. ministro de 1902 a 1905 e Chanceler de 1916 a 1919,
um período difícil por causa dos desdobramentos
O texto de Balfour dizia o seguinte: “Caro Lord da Primeira Guerra Mundial. Balfour descendia de
Rothschild. Tenho o prazer de endereçar a V.S., em nome uma família muito rica, recheada de intelectuais e
do governo de Sua Majestade, a seguinte declaração proeminentes homens públicos. Entrou para a política
de simpatia quanto às aspirações sionistas, declaração durante os dois mandatos de Lord Salisbury,
submetida ao gabinete e pelo mesmo aprovada. O governo seu tio, sendo então nomeado Secretário para a
de Sua Majestade encara favoravelmente o estabelecimento na Escócia e depois para a Irlanda, com assento no gabinete.
Palestina de um lar nacional para o povo judeu e empregará Mais tarde foi líder de seu partido na Câmara dos
todos os seus esforços no sentido de facilitar a realização Comuns, onde comandou a oposição durante o mandato
desse objetivo, entendendo-se claramente que nada será de Lord Gladstone.
feito que possa atentar contra os direitos civis e religiosos
das coletividades não judaicas existentes na Palestina, nem Ao buscar a aprovação do Gabinete do governo
contra os direitos e o estatuto político de que gozam os judeus comandado pelo Primeiro-ministro David Lloyd George
em qualquer outro país. Desde já, declaro-me extremamente para a carta que pretendia endereçar a Rothschild, o
grato a V.S. pela gentileza de encaminhar esta declaração ao Chanceler se valeu de diferentes argumentos. Primeiro,
conhecimento da Federação Sionista”. abordou o apoio ao sionismo que se multiplicava,
conforme afirmou, nas comunidades judaicas de todas as
O signatário da carta, Lord Arthur James Balfour, nasceu partes do mundo. Mas, a bem da verdade, os estudiosos
no dia 25 de julho de 1848 em Whittingehame, Escócia, afirmam que o sionismo, naquela época, ainda não
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HISTÓRIA DE ISRAEL
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HISTÓRIA DE ISRAEL
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HISTÓRIA DE ISRAEL
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CAPA
I
naugurada em 1761 para substituir a sinagoga O prédio dá uma boa ideia da disposição espacial das
de madeira que fora destruída por um sinagogas que têm a Bimá1 como elemento arquitetônico
incêndio, tem seu prédio em pedra talhada, central, sendo construída com oito nichos em torno da
com 18m por 15m. Foi construída ao lado do mesma, e quatro pilares de pedra maciça que apoiam o
vasto terreno onde ficava a residência de uma teto e o telhado. Os quatro nichos, que ficam nos pontos
família da alta nobreza polonesa, dona da cidade, sob cardeais, possuem abóbadas cilíndricas. A Bimá e seus
cuja égide viviam os judeus. pilares permitem que o prédio tenha uma estrutura com
essas dimensões. Ademais, havia espaço suficiente para
A modesta fachada externa não condiz com o rico circulação ou colocação de assentos na direção norte
décor de seu interior. Uma das características mais e sul da Bimá. O interior é ricamente ornamentado
impressionantes do prédio é seu piso, rebaixado com trabalhos em policromia e estuco, com pinturas de
bem abaixo do nível térreo para contornar as rígidas cenas da Torá, dos Chaguim, dos instrumentos musicais
limitações impostas pela Igreja acerca da altura das mencionados nos Salmos e do Zodíaco, executados por
sinagogas. O espaço para as mulheres era acima da artistas judeus poloneses.
entrada e o acesso a essa galeria era feito através
de uma escada externa. Após descer vários degraus A história da comunidade judaica de Lancut teve seu
da entrada, pode-se ver um salão de orações, com início no século 16 quando um número pequeno de
extrema luminosidade. Provavelmente os judeus de judeus lá se estabeleceram, mas a existência de uma
Lancut se sentiam tão seguros da proteção dos nobres Kehilá – uma comunidade judaica organizada – foi
proprietários das terras que se permitiam ter janelas mencionada pela primeira vez em 1563.
mais amplas que o usual.
A cidade teve seu real esplendor no século 17 quando
1
Bimá, a plataforma elevada utilizada para a leitura da Torá o Duque Stanisław Lubomirski se tornou seu
durante os serviços religiosos. Na antiguidade era feita de pedra,
mas atualmente é uma plataforma retangular ou redonda de proprietário. Lubomirski contratou um judeu para fazer
madeira à qual se acede através de poucos degraus. a contabilidade de sua propriedade e estendeu aos judeus
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CAPA
da cidade inúmeros privilégios. formato barroco é, até hoje, uma Após 1760, Lancut se torna um
Entre estes, dedicar-se ao comércio das mais magníficas sinagogas da importante centro do Movimento
– com exceção do comércio de Polônia. O único registro do seu Chassídico e os Chassidim passam
peles – e a vários ofícios, assim como interior original é uma aquarela a ser a força dominante na vida
comprar terras e construir casas pintada após 1786 pelo paisagista religiosa da comunidade. A pequena
na cidade. O número de judeus polonês Zygmunt Vogel (que usava sala de orações da Sinagoga era
que lá viviam começa a aumentar, o pseudônimo de Ptashek; 1764- usada como Corte Rabínica e ponto
chegando a mais de 100 em 1662. 1826). A sinagoga foi restaurada em de encontro para os judeus da cidade
Antes de 1648 havia uma sinagoga 1896 e redecorada em 1909-10. e inúmeros Mestres Chassídicos. No
de madeira e a primeira referência final do século 18, residia em Lancut
a um cemitério judeu data de 1671. Rabi Yaacov-Yitzhak Horowitz,
No século 18 a comunidade já tinha conhecido como o Chozé de Lublin,
sua própria escola, uma mikvê, um o Vidente de Lublin. Um dos mais
local de orações e um hospital. importantes Tzadikim ( Justos)
na história do Chassidismo, Rabi
Em 1716, houve um incêndio na Yaacov-Yitzhak Horowitz, tinha
pequena sinagoga de madeira da uma sala separada na sinagoga,
comunidade, que foi reconstruída, onde fazia suas orações, estudava
mas voltou a pegar fogo. Em 1726, a e ensinava. Rabi Yaacov-Yitzhak
Kehilá decidiu empreender esforços Horowitz acabou mudando-se para
para erguer uma nova sinagoga Czechów e, de lá, em 1784, para
de alvenaria, porém, o projeto era Lublin.
custoso e acabou sendo em grande
parte financiado pelo Duque Após a primeira partilha da Polônia
Stanisław. A nova estrutura em (1772), Lancut passa a ser território
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CASTELO DE LANCUT, CIDADE POLONESA CUJA POPULAÇÃO JUDAICA FOI DEPORTADA EM 1942
35 SETEMBRO 2017
ARTE
Em Bezalel nasce
a nova arte israelense
“Então o Senhor disse a Moshé: ‘ Veja, Eu escolhi Bezalel, o
filho de Uri, da tribo de Judá, e Eu o preenchi com o Espírito de
D’us, com sabedoria, compreensão, conhecimento e todas as
ferramentas humanas... para desenvolver todas
as modalidades de arte” (Êxodo 31: 1-5).
E
m 1906, em um edifício alugado na Rua em computação, a Bezalel possui um corpo docente
Abissínia, no centro de Jerusalém, a Escola composto por artistas talentosos. Responsável pela
Bezalel de Artes e Ofícios (Bezalel School formação de centenas de artistas israelenses consagrados,
of Arts and Crafts) iniciava suas atividades, a Escola se tornou o epicentro na vanguarda do cenário
constituindo mais uma das instituições artístico israelense, sendo instrumento essencial na
israelenses criadas antes da fundação do Estado Judeu, formação da identidade cultural nacional.
em 1948. A primeira exclusivamente voltada ao
universo artístico, tornou-se realidade graças à visão e Primeiras influências
determinação de Boris Schatz, escultor e pintor lituano
que morreu em 1932 sem conhecer o sucesso que “sua” Boris Schatz nasceu na cidade de Vorno (atual Lituânia),
instituição alcançara. Começando com um pequeno em 1867. Viveu em Sofia entre 1895 e 1905, onde foi
número de professores e alunos – 30, apenas – a Escola um dos fundadores da Academia de Arte Búlgara, criada
Bezalel cresceu e se desenvolveu tornando-se a mais com o objetivo de desenvolver um senso de unidade e
importante academia de arte em Israel, e uma das mais identidade nacional. Estes objetivos seriam alcançados
prestigiadas do mundo. Na mesma data, foi também através da incorporação de imagens e elementos oriundos
criado o Museu de Arte Bezalel, precursor do Museu de das tradições folclóricas búlgaras e sua integração
Israel, um dos mais importantes do país. com novas tendências artísticas e culturais europeias.
O sucesso e a experiência obtidos nessa empreitada
Uma das principais características da instituição tem contribuíram para fortalecer seu ideal de realizar um
sido sua capacidade de se adaptar às mudanças culturais projeto semelhante em Jerusalém – um centro para a
decorrentes dos vários fluxos imigratórios ao longo nova arte da Terra de Israel que poderia atrair artistas e
da história de Israel e, hoje, aos 110 anos, a Escola estudantes judeus de todo o mundo.
Bezalel é sinônimo de inovação e excelência acadêmica
no país e no exterior. Combinando o conhecimento Manifestações abertamente antissemitas, como o Caso
artístico tradicional com as mais modernas tecnologias Dreyfus na França, em 1894, e os pogroms de Kishinev,
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REVISTA MORASHÁ i 97
PÁTIO DA ACADEMIA BEZALEL, VENDO-SE boris schatZ, DE PALETÓ ESCURO E CALÇA BRANCA, EM PRIMEIRO PLANO, OLHANDO PARA A MAQUINA
em 1903-1905, aproximaram por ele em homenagem a Bezalel Desde o início, a instituição atraiu
Schatz do Sionismo. Para ele, o Ben Uri, primeiro artesão judeu jovens judeus de todo o mundo
fato mais importante da época foi mencionado na Torá e escolhido por e de todas as regiões da então
o surgimento do mesmo como D’us para supervisionar o projeto e a Palestina. As criações dos primeiros
movimento político, com o objetivo construção do Tabernáculo. professores e alunos, no início dos
central de reconstrução de um Lar anos 1900, são consideradas o ponto
Nacional Judaico e a possibilidade de partida para a trajetória das artes
de se criar uma nova cultura judaica visuais israelenses ao longo de todo
em Eretz Israel. Decidiu, então, o século 20.
apresentar sua ideia a Theodor
Herzl, em 1903. Os debates sobre Os artistas formados pela Escola
qual seria a essência da nova cultura sempre tiveram liberdade para
em Eretz Israel estavam na agenda desenvolver sua imaginação e
das reuniões do Congresso Sionista e fundir diferentes estilos em um
Schatz viu seu plano de implantação mesmo trabalho, combinando
de uma escola de artes em Jerusalém temas e figuras de períodos e
ser aprovado, no Congresso Sionista contextos diversos. A combinação
de 1905. de diferentes técnicas, materiais e
dimensões com a fusão de estilos
Para concretizar seu sonho, Schatz antigos e modernos deu origem a
emigrou para Israel em 1906, uma arte singular e heterogênea.
com um grupo de professores e
estudantes, começando a trabalhar O contexto da Terra de Israel
em Jerusalém. Assim nascia a Escola Schatz, em uma exposição dos
de então permitiu às primeiras
de Artes Bezalel, nome escolhido trabalhos da escola bezalel. lvov, 1910 gerações de alunos e professores
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ARTE
embarcar, por um lado, em novas escola de arte, um complexo para Eisenberg, Jacob Pins, Jacob
aventuras explorando todas as seminários e um museu. Na época Steinhardt e Hermann Struck
suas possibilidades e influências da abertura, a escola e o museu são alguns dos estudantes que se
– local, oriental, exótico e bíblico. funcionavam em dois edifícios na destacaram no cenário artístico do
E, pelo outro, acompanhar a esquina das ruas Bezalel e Shmuel país. Marousia (Miriam) Nissenholt,
estética ocidental, seus valores e a HaNagid. As aulas e os ateliês eram que usava o pseudônimo de Chad
demanda dos mercados. Cores ricas, realizados nos vários departamentos Gadya, era, em 1912, a única mulher
diversidade de formas e materiais, da Escola, divididos de acordo com na Bezalel.
um estilo eclético e um senso de as técnicas e materiais utilizados.
alegria na criação caracterizaram a Obras especiais eram desenvolvidas Os primeiros anos, de 1906 até 1914,
produção de Bezalel, dando-lhe um em conjuntos pelos vários às vésperas da 1a Guerra Mundial,
charme singular. departamentos. foram marcados pelo sucesso: a cada
ano abriam-se novos departamentos
Primeiros anos Na época, além de escultura e e novas tendências artísticas
pintura tradicionais, a Escola eram introduzidas. O número de
Para Schatz, a Escola seria o berço oferecia ateliês onde foram estudantes e professores aumentava
da criação de um estilo de arte que produzidos objetos decorativos em anualmente e seus trabalhos eram
conciliaria a arte clássica judaica prata, couro, latão e tecido. Muitos expostos na região e no exterior.
com as tradições artísticas do dos artesãos eram membros da Como vimos acima, o tema central
Oriente Médio e da Europa. Como comunidade judaica iemenita, que das obras produzidas era a vida na
vimos acima, a primeira sede da mantinham a tradição de trabalhar Terra de Israel. Utilizando uma
Escola foi um edifício alugado na metais preciosos como a prata. ampla gama de materiais – prata,
Rua Abissínia. Mas, já em 1907, A ourivesaria era uma profissão cobre, bronze, marfim, madeira
se mudava para um complexo de tradicional e comum entre os judeus e terracota, entre outros, criaram
edifícios, cercados por um muro no Iêmen. Esta comunidade e seus placas e objetivos decorativos,
de pedras, comprados pelo Fundo hábitos, portanto, eram tema muito filigranas, relevos e objetos
Nacional Judaico (Keren Kaiemet comum nos trabalhos artísticos cerimoniais, combinando a arte
LeIsrael). Nesse campus ele viveu produzidos. oriental e ocidental. Os primeiros
com sua esposa e filhos. trabalhos refletem o empenho em
Meir Gur Aryeh, Ze’ev Raban, criar obras que representassem a
Desde a sua fundação, a Escola Shmuel Ben David, Ya’ackov Terra de Israel e seus vínculos com
estava dividida em três setores: uma Ben-Dov, Zeev Ben-Zvi, Jacob o povo judeu. São essas obras que
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REVISTA MORASHÁ i 97
fizeram parte da exposição “Crafting “O Museu já funciona como para reabrir a Escola e assumir sua
a Vision: The Bezalel School” (Criando ferramenta de aprendizagem para direção. A nova Escola de Artes
uma Visão: A Escola Bezalel). a Escola Bezalel e seus seminários e Ofícios Bezalel reabre em 1935,
artísticos... Desejamos reunir em atraindo professores e estudantes
Tempos difíceis um único lugar toda a criação da judeus alemães, muitos vindos da
genialidade do Povo Judeu, local esse Escola Bauhaus, na Alemanha, que
A instituição dependia do onde preservaremos esse acervo...” fora fechada pelos nazistas. Com
Conselho de Diretores sediado em o nome de Nova Escola de Artes
Berlim, e isso era um problema, Mas a Grande Depressão que e Ofícios Bezalel, a instituição
pois eles viviam em conflito atingiu o mundo ocidental, em 1929, passa por várias mudanças,
constante com Schatz em relação e a consequente redução, cada vez adotando objetivos e métodos que
à forma de administrar a Escola e, maior, de recursos vindos do exterior se distanciam das metas iniciais.
principalmente, à questão do tipo de levaram ao fechamento da Escola. Budko contratou Jakob Steinhardt
arte que devia ser desenvolvido. Em Schatz, no entanto, não desistiu e, e Mordechai Ardon para lecionar e
função dessas disputas, em 1915, as mesmo doente, visitou várias cidades ambos ocuparam a direção após seu
verbas de Berlim foram suspensas. norte-americanas em busca de afastamento.
Embora a importância da Escola auxílio financeiro. Mas, em março
Bezalel fosse reconhecida e, apesar de 1932, ainda nos Estados Unidos Após a fundação do Estado de
do apoio das associações de amigos e sem ter conseguido seu objetivo, Israel, em 1948, o tema da formação
em Hamburgo, Praga e Varsóvia, faleceu aos 65 anos em um hospital artística entrou na agenda nacional
a maior parte da responsabilidade em Denver, Colorado. e a Escola passa a ser vista como
recaía sobre Schatz. um elemento fundamental para
Depois que Hitler subiu ao poder, a expansão do ensino das artes
Os últimos anos, de 1917 a 1929, na Alemanha, o Conselho de plásticas, no país. Em 1958, a
quando a então Palestina estava Diretores pediu a Josef Budko, instituição recebeu o Prêmio Israel
sob Mandato Britânico, que fugira da Alemanha em 1933, para Pintura e Escultura, sendo
foram instáveis. Schatz lutou a primeira vez em que a láurea
incansavelmente, procurando foi outorgada a uma instituição.
desenvolver atividades que Em 1968, a maioria de seus
impedissem o fechamento da departamentos são transferidos para
Escola, pedindo apoio e suporte a área da Universidade Hebraica
financeiro aos judeus da Diáspora. de Jerusalém, no Monte Scopus
Sem perder a confiança, deu início e, em 1969, seu nome muda para
a uma série de iniciativas para Academia de Artes e Design
arrecadar fundos, entre as quais, a Bezalel, quando passa a receber
realização de novas exposições nos suporte financeiro do governo.
Estados Unidos dos trabalhos Em 1975, foi reconhecida pelo
dos alunos e professores, e Conselho para Educação Superior
a edição de livros de luxo e de Israel como um instituto de
álbuns, além de incentivar uma educação de nível superior.
nova tendência na Terra de
Israel – a pintura de tijolos de Temas, símbolos e
cerâmica, então muito usados personagens
para decorar as casas de Tel Aviv.
Os temas inicialmente presentes
Apesar das dificuldades, em 1925 nas ilustrações e objetos decorativos
foi aprovada pelas autoridades nos trabalhos da Bezalel eram
do Mandato a abertura do Museu baseados na visão de Schatz e em
Nacional Bezalel – precursor do sua tentativa de criar um “novo
Museu de Israel. Antes da abertura, estilo judaico” que combinasse o
foi publicado o seguinte anúncio: glorioso passado bíblico com o
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ARTE
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1. monumental pia em cobre e latão, jerusalém, c. 1910. 2. Castiçal de parede, metal fundido e decorado em repuxado,
Jerusalém, c. 1920 3. capa de livro em prata répoussé e filigrana, com pedras semi-preciosas, 1924
ideal sionista de retorno à Terra de A representação dos locais industrializados eram erroneamente
Israel. Heróis bíblicos, líderes do sagrados – Torre de David, Muro confundidos com objetos criados
movimento sionista, como Joseph das Lamentações, símbolos de pelos artistas da Bezalel.
Trumpeldor, eram retratados ao Jerusalém, assim como o Túmulo
lado de personagens do dia-a-dia de Raquel e o Monte Sinai, eram A atual Escola
de Jerusalém nas obras dos seus imagens também muito presentes Bezalel
artistas. Inicialmente, os heróis na produção artística da Terra de
bíblicos eram representados trajando Israel no século 19. Os artistas da Sendo a mais antiga escola de
o vestuário dos judeus iemenitas, Bezalel passam a incluir as paisagens artes do país de nível superior, a
persas e curdos, ou como os árabes que os cercavam e locais como Tel Escola Bezalel conta atualmente
de Jerusalém à época, que serviam Hai, Tel Aviv, Yaffo, Tiberíades, a com mais de dois mil alunos nos
de modelo para os pintores da Universidade Hebraica de Jerusalém vários cursos de graduação, entre
Bezalel. Muitos personagens e cenas dos recém-criados kibutzim outros de Belas Artes, Arquitetura,
eram retratados como exemplo do e moshavim. Na visão artística de Comunicação Visual, Política e
“distante espírito do Oriente”, tão Schatz, os edifícios da própria Teoria das Artes, e Design, em
em moda entre os artistas europeus instituição também serviam de várias modalidades. Atualmente, seu
no início do século 20. modelo, ocupando um status similar campus está localizado no Monte
aos locais sagrados. Scopus, na área da Universidade
As inscrições, no estilo da Art Hebraica de Jerusalém, com exceção
Nouveau ou com arabescos, estão Nos primeiros anos, a produção do Departamento de Arquitetura,
quase sempre presentes nas obras, artística da instituição transforma- que ainda funciona no edifício
algumas vezes como parte central da se em souvenirs, rapidamente histórico no centro da cidade. Seu
decoração, outras ao lado de outros imitados pela indústria de ambiente artístico, cursos, exposições
elementos, ou como legenda de uma lembranças da Terra Santa. Em e seminários têm contribuído
ilustração. Era grande o interesse pouco tempo, artistas e artesãos fortemente para o desenvolvimento
pelo alfabeto hebraico, nos primeiros judeus, muçulmanos e cristãos em espiritual e cultural de Israel.
anos, daí a criação de novas fontes, Jerusalém e Bethlehem começam
experimentos com símbolos e a a criar objetos decorativos com os No decorrer dos anos, os artistas da
combinação de diferentes tipos de mesmos temas. As matérias-primas Bezalel empenharam-se em “criar um
letras hebraicas com o uso de letras usadas incluíam madeira de oliveira, estilo próprio da arte judaica” para a
duplas para criar novas formas, madrepérola, flores secas e também nova nação, retratando temas bíblicos
muitas vezes distantes da palavra betume, conhecido como “pedra e sionistas em um estilo influenciado
original e de seu significado. do Mar Morto”. Tais produtos pelo Jugendstil (Art Nouveau na
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REVISTA MORASHÁ i 97
Russo1 foi uma escolha conjunta Diáspora judaica, e continua, até os Early Israeli Arts and Crafts – Bezalel
dias de hoje, a promover o legado e Treasures from the Alan B. Slifka, Collection
do governo de Israel, Prefeitura de in the Israel Museum
Jerusalém e Academia Bezalel, por as crenças de Schatz... Infelizmente,
www.bezalel.ac.il/en/
suas características multiculturais seu fundador não viu o grande
The Bezalel artistic legacy flourishes in
que integram a instituição ao sucesso de sua Bezalel, tampouco Jerusalem, publicado no www.timesofisrael,
ambiente singular e vibrante urbano, viu o Museu de Israel ou os em 22 de novembro de 2014
além de revitalizar a área central
da cidade e atrair as gerações mais
jovens.
1
Complexo Russo, em hebraico “Migrash
ha-Russim”, é um dos bairros mais
antigos de Jerusalém, fora da Cidade
Velha, do qual fazem parte uma
igreja ortodoxa russa, um hospital e
antigos abrigos de peregrinos, alguns
dos quais são usados como edifícios
governamentais de Israel e o Museu
dos Prisioneiros dos Movimentos
Underground (Haganá, Lehi e Irgun).
41 SETEMBRO 2017
HISTÓRIA
Judiarias portuguesas:
um reencontro com o passado
E
m dezembro de 1996, no Parlamento, em 31 de março de 1821. Durante 285 anos, perseguiu e
durante a Sessão Evocativa desse decreto, condenou aqueles considerados “hereges”, um termo que
foi votada, por unanimidade, a sua acabou incluindo seguidores de outras religiões que não a
revogação simbólica. Virava-se, assim, católica, tendo jurisdição sobre todas as colônias do país.
uma página no relacionamento mútuo e
se iniciava um processo contínuo de reconhecimento Dentro dessa perspectiva de reconciliação, em março
e reconstrução da presença judaica e sua influência no de 2011 foi lançada a Rede de Judiarias de Portugal -
país. No ano 2000, o então cardeal-patriarca de Lisboa, Rotas de Sefarad, uma iniciativa do governo em parceria
Dom José Policarpo, fez o mesmo pedido de perdão com o setor privado, cujo objetivo é a preservação
aos judeus. do patrimônio urbanístico, arquitetônico, histórico e
cultural da herança judaica no país, visando implementar,
Uma “Estrela de David” localizada em frente à Igreja de também, o turismo. Com sede em Belmonte, a Rede
São Domingo, na Praça do Rossio, em Lisboa, chama a congrega 37 municípios, incluindo Lisboa e Porto.
atenção por sua inscrição: “Em memória dos milhares
de judeus, vítimas da intolerância e do fanatismo Mais um fato que reforça a nova postura das autoridades
religioso, assassinados no massacre iniciado em 19 de data de fevereiro de 2015, quando foram aprovadas novas
abril de 1506, neste largo”. O memorial foi inaugurado regras que alteraram o Regulamento da Nacionalidade
em 2008 para lembrar uma das mais trágicas páginas Portuguesa, permitindo a concessão da nacionalidade aos
da história dos judeus em Portugal: o assassinato de descendentes de judeus sefaraditas expulsos. Ao anunciar
mais de dois mil “cristãos-novos” – judeus convertidos a medida, a então ministra da Justiça, Paula Teixeira da
à força, em 1497, por uma ordem real. Durante três Cruz, afirmou que a nova lei era o “reconhecimento de
dias – o massacre começou no domingo de Páscoa um direito”.
– frades dominicanos incitaram ataques aos cristãos-
novos. É importante lembrar que o Tribunal do Santo O decreto foi promulgado pelo então presidente Anibal
Ofício, implantado em Portugal em 1536, foi extinto Cavaco Silva, publicado no Diário da República de
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47 SETEMBRO 2017
HISTÓRIA
Belmonte
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Porto
49 SETEMBRO 2017
HISTÓRIA
Tomar
50
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51 SETEMBRO 2017
ISRAEL
O
Krav Maga é uma arte de defesa pessoal, é, atualmente, o sistema de luta escolhido por várias
um sistema de combate corpo a corpo, unidades das elites militares e das forças de segurança
com rápidos contra-ataques e técnicas norte-americanas e europeias. É também adotado no
ofensivas que visam impedir que o Brasil para o treinamento de forças militares e policiais.
agressor atinja seu alvo. Atualmente,
os repetidos ataques terroristas a indivíduos, muitos O criador: IMI LICHTENFELD
realizados com facas, tornaram muito recomendado
o seu aprendizado em Israel e na Europa. Na França, Filho de Channa e Samuel Lichtenfeld, Imrich Sde-
por exemplo, desde que a onda de ataques antissemitas Or ou “Imi”, como era conhecido, nasceu em 26 de
e terroristas tomou conta do país, houve um grande maio de 1910, em Budapeste, na época um dos centros
aumento no interesse pelo Krav Maga, que, aliás, está do Império Austro-húngaro; mas cresceu na capital da
sendo ensinado aos alunos de escolas judaicas. Eslováquia, Bratislava.
É bem verdade que seu domínio exige muito Seu pai, um grande atleta, teve suma influência em sua
treinamento tanto em termos das técnicas como do vida. Aos 13 anos, Samuel começou a trabalhar num
condicionamento físico, mas as técnicas básicas do Krav circo como acrobata e, durante duas décadas, treinou
Maga podem ser aprendidas e aplicadas por qualquer inúmeros esportes, inclusive luta-livre e levantamento
pessoa em um curto espaço de tempo. Diferentemente de pesos. Após deixar o circo, ele se mudou para
das demais artes marciais, não leva anos para ser Bratislava. Lá fundou a primeira academia moderna de
dominado. Desde o início, o intuito de Imi Lichtenfeld atividade física da cidade, onde se dedicava à luta livre,
era criar um sistema de autodefesa que pudesse ser boxe e musculação.
posto em prática o mais rapidamente possível. O Krav
Maga dá as ferramentas para que homens, mulheres e Em Bratislava, Samuel trabalhava na força policial;
até crianças, independentemente da idade, possam se tornou-se detetive e ocupou o posto de Inspetor
defender. E, apesar de existir há menos de 100 anos, Chefe. Conquistou a reputação como o policial que
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fez a prisão e levou a julgamento judeus de Bratislava tornava-se Os judeus buscavam meios de se
o maior número de criminosos cada dia mais difícil. Os ataques defender, de continuar vivos.
violentos. Como Inspetor Chefe, violentos contra indivíduos e contra
periodicamente treinava seus as comunidades passaram a ser Vendo que algo tinha que ser feito
homens nas técnicas de defesa lugar-comum nas ruas de muitas para proteger sua comunidade,
pessoal. O filho, Imi, estava sempre das cidades da Europa Oriental. Imi organizou um grupo de
ao seu lado. Exímio lutador de jovens judeus para patrulhar o
luta-livre quando jovem, Samuel Bairro Judeu e defender seus
estimulou o filho a participar de uma habitantes contra os ataques. Da
variedade de atividades atléticas. noite para o dia, ele se tornou
o líder incontestado de cerca
Imi logo se tornou um excelente de 100 rapazes da comunidade.
ginasta, boxeador e lutador, entrando Juntos, eles defendiam os judeus
para o Time Nacional de Luta de Bratislava contra as gangues
Livre da Eslováquia. Competia antissemitas e as milícias fascistas.
em campeonatos nacionais e
internacionais, ganhando vários Enquanto lutavam nas ruas, Imi
troféus. No período de 1929 a 1939, rapidamente entendeu que as
foi um dos melhores lutadores da lutas competitivas esportivas eram
Europa. totalmente diferentes das de rua.
Além de serem extremamente
No final da década de 1930, violentas, nas ruas não havia
enquanto o fascismo e o regras e nem árbitros. Ele começa,
antissemitismo varriam todo o então, a desenvolver um sistema
continente europeu, a vida dos imi Lichtenfeld de técnicas de autodefesa para
53 SETEMBRO 2017
ISRAEL
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REVISTA MORASHÁ i 97
É nomeado Instrutor Chefe de Imi Lichtenfeld faleceu em 1998, Israel, escreveu que desde os
Preparação Física na Escola de aos 87 anos. Até os últimos anos de tempos da Haganá e do Palmach,
Preparação para Combates das sua vida, continuou a atuar tanto no incluindo todos os anos no Tzahal
FDI. Ele era o principal instrutor mundo militar, como conselheiro, (FDI), a capacidade de luta e o
de combates corpo a corpo. Nesse quanto no civil supervisionando potencial pessoal de Imi tinham
período, aperfeiçoou ainda mais aulas e treinando equipes de sido os pilares de qualidade
suas técnicas de autodefesa; ele segurança de outras nacionalidades. do combatente israelense, e,
queria que fossem rápidas, eficazes Em uma carta oficial pelo “Galardão ninguém mais responsável por esse
e aplicáveis a cenários modernos. de Mérito”, Itzhak Rabin, então desempenho de excelência do que
Acima de tudo, tinham que Chefe das Forças de Defesa de Imi Lichtenfeld.
ser simples, lógicas e fáceis de
aprender; um método que pudesse
transmitir ao soldado israelense,
em poucas semanas, noções reais
de autodefesa, com as mãos nuas,
contra todo tipo de ataques. Após
a Operação Sinai de 1956, o nome
“Krav Maga” passou a ser utilizado
para o novo estilo de combate, já
tendo um formato pronto para
treinamento e ensino.
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ISRAEL
1 2 3
1. Treino de Krav Maga na praia de Copacabana, Rio de Janeiro 2. Curso de Bastão Tático 3. Entrega de faixa, Rio de Janeiro
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ESPORTES
C
inquenta anos após a unificação de nossa lugar em torno do qual os judeus de todo o mundo
Capital Eterna, finalmente devolvemos podem se unir”.
a “Macabiá” ao seu legítimo lugar:
Jerusalém”, disse o prefeito Nir Barkat. O presidente Moshe Rivlin, em sua mensagem,
afirmou: “Hoje estamos aqui, celebrando os jogos
Na noite de abertura, no Estádio Teddy Kollek, em da 20a Macabiá ”, com o tema do 50o aniversário
Jerusalém, mais de 30 mil pessoas, além da presença da libertação de Jerusalém”. Ao saudar os atletas e
dos medalhistas de bronze do judô das Olimpíadas dar-lhes as boas vindas à “Capital Eterna, liberta e
do Rio, os israelenses Ori Sasson e Yarden Gerbi. reconstruída de Israel”, ele declarou: “Queridos atletas,
A emoção tomou conta dos presentes quando os nosso país é seu país; nosso lar é seu lar”.
membros do Movimento Juvenil Sionista Escoteiro
Macabi cercou o estádio carregando bandeiras Seu discurso foi seguido pelo do primeiro-ministro
israelenses, “esquentando” o início do desfile das Bibi Netanyahu, que, após dirigir-se aos atletas, falou
delegações. para todo o Povo Judeu: “Somos, todos, um só povo.
A Macabiá é uma competição em homenagem aos
Após o tradicional desfile das delegações e macabeus e foram eles que libertaram nossa terra
acendimento da tocha, um grande show com artistas enfrentando grandes adversidades. O Povo de Israel
israelenses e mais de 600 dançarinos. Os jogos foram é forte e nosso Estado é forte. Somos, todos nós,
realizados em Jerusalém, Tel Aviv, Ramat Gan, Acre, os descendentes dos macabeus... Sofremos a maior
Natânia, Raanana, no Kineret e em Haifa. tragédia da história da Humanidade. E, ainda assim,
voltamos”, ressaltou.
Na ocasião, afirmou Amir Peled, presidente da
competição: “As Macabíadas são a essência dos Organizadas de quatro em quatro anos pela União
valores em que acredito: sionismo, judaísmo, Mundial Macabi, as Macabíadas são reconhecidas
fraternidade, o povo e os esportes. Este é o melhor pela Federação Mundial de Esportes e pelo Comitê
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REVISTA MORASHÁ i 97
59 SETEMBRO 2017
ESPORTES
Este ano, a delegação brasileira contou Sub-18 (para atletas até 18 anos),
120 na categoria Aberta (engloba
com 500 participantes – 420 atletas e todas as idades) e 80 na divisão
80 da equipe técnica, a maior até então, Master (para atletas a partir
dos 35 anos). Os brasileiros
e trouxe na bagagem de volta 61 medalhas, desfilaram na abertura ao som
além de 3 nas Paraolimpíadas. da música “Open Bar”, de Pablo
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REVISTA MORASHÁ i 97
61 SETEMBRO 2017
SHOÁ
O
estudo desses princípios próprios Rudolf Ramm, médico clínico alemão que escrevia sobre
da nova “ética médica” tornou-se leis médicas, era um dos maiores propagadores da ética
obrigatório no currículo das faculdades médica nazista e do movimento contra a miscigenação
de medicina alemãs entre os anos de racial. Ele criticava o crescimento populacional de
1934 a 1945. Essa ética médica deu “elementos inferiores e patógenos”, incluindo nesse
origem a um documento que pregava que os direitos grupo os portadores de doenças hereditárias e os
coletivos da sociedade eram mais importantes do que os judeus. Preconizava, também, que o nazismo trouxera a
direitos humanos individuais. O conceito de eugenia1 “restauração de um elevado nível de ética profissional”.
passou a ser difundido na cultura nazista, em que se Ele exultava o fato de que “a profissão tivesse sido
prezava o sadio “perfeito” e forte. Havia uma falta de amplamente depurada de elementos politicamente não
apreço pelo doente e o fraco. confiáveis, estranhos à nossa raça” (a dizer, médicos
judeus alemães). Ramm era editor-chefe da revista
Por exemplo, em 1933, foi promulgado um programa da Associação Médica Alemã, Deutsches Ärzteblatt, e
de prevenção de doenças hereditárias, “incentivando” publicou um livro texto, Ärztliche Rechts- Standeskunde
os portadores dessas enfermidades à esterilização (Legislação Médica e Saúde).
involuntária. Em aulas de currículo médico, eram
constantes as noções de “higiene racial”, “eliminação Na ética médica nazista, a força política do partido
de doenças hereditárias da população” e promoção da era o elemento primordial que atropelava os direitos
“raça superior ariana”, em que o coletivo superava o individuais, independentemente do juramento médico.
individual em todos os cenários. Fritz Klein, médico da Artigo recente do médico Florian Bruns, do Hospital
SS, costumava afirmar que assim como um apêndice Charité, da Universitätsmedizin de Berlim, na
inflamado necrosado deveria ser retirado do corpo Alemanha, e Tessa Chelouche, da University of Haifa,
humano para o paciente não ter graves complicações, em Israel, discutiu justamente essa conduta antiética
os judeus, como tal, deveriam ser eliminados da espécie dos médicos durante o período nazista. Em estudo
humana. colaborativo, publicado em Lectures on Inhumanity:
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REVISTA MORASHÁ i 97
o clínico karl BRANDT, no centro, foi um dos 23 médicos alemães julgados em nuremberg, EM 1946, POR CRIMES DE GUERRA E
crimes CONTRA A HUMANIDADE
Teaching Medical Ethics in German Após o término da guerra, entre 1946 desses médicos mostraram remorso.
Medical Schools Under Nazism, e 1947, diversos médicos nazistas Eles acreditavam estar moralmente
os autores fizeram uma pesquisa que praticavam durante a guerra corretos.
histórica de documentos, por meio foram julgados em Nuremberg,
da qual foi possível confirmar onde 23 réus foram condenados. Nem todos os médicos da medicina
a presença de aulas obrigatórias Sete deles, à morte. Rudolf Ramm nazista foram condenados. Alguns
sobre ética médica sob a ótica não sobreviveu para ser um dos conseguiram escapar e, entre
nazista, inclusive na prestigiosa réus no famoso “Julgamento dos eles, Hans Reiter, cujo nome é
Faculdade de Medicina de Berlim. Médicos”, em 1947. Havia sido lembrado hoje por dar título a
Essas aulas eram dadas por jovens julgado por um tribunal militar um tipo de artrite – a doença de
médicos filiados ao Partido Nazista, russo, condenado e executado em Reiter. Outro exemplo é a doença
ideologicamente confiáveis aos olhos 1945. Vale a pena frisar que poucos de Wegener, primeiro descrita por
dos dirigentes nazistas. Friedrich Wegener, que teve seu
nome mudado para Poliangeíte
No artigo, Bruns e Chelouche citam Granulomatosa (GPA) para não
um clínico filiado à medicina nazista, homenagear alguém com tão estreita
que era responsável pelo Grafeneck colaboração com o nazismo. Esse
Castle, centro de tratamento de médico chegou a ser homenageado
doentes mentais. Estima-se que pelo Colégio Americano de Tórax.
mais de 10 mil doentes foram Por seu passado nazista, há pedidos
“tratados” por meio da câmara de de que as doenças mudem de nome,
gás e cremados. Para esse médico, o para que suas histórias como nazistas
quinto mandamento, “Não matarás”, o BLOCO 10 era um bloco de celas, se tornem mais relevantes do que
seria uma ficção judaica e não um no campo de concentração de
auschwitz, onde homens e mulheres
quaisquer descobertas médicas que
mandamento de D’us. eram cobaia na experimentação alemã venham a ter desenvolvido.
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SHOÁ
1
Uma das principais regras da norma ética
médica, o “consentimento informado” Morton Scheinberg É Pesquisador,
imersão em água gelada: experiência Clínico e Reumatologista do Hospital
garante ao paciente o direito de decidir comum no campo de concentração Albert Einstein, é doutor pela
sobre o que lhe é apresentado como de DACHAU, realizada pelos doutores Universidade de Boston e professor
forma de tratamento, respeitando a sua prof. ERNST HOLZLöHNER à esq., E livre-docente, da USP (Universidade de
capacidade de autodeterminação. SIGMUND RASCHER à dir. São Paulo)
64
COMUNIDADES
A POLÔNIA
DA FUNDAÇÃO À PARTILHA
D
esde a fundação de um Estado polonês como nação soberana para apenas ressurgir como estado
na Europa Central e do Leste, no independente – a chamada Segunda República Polonesa,
século 10, e sua partilha entre o Império em 1918.
Russo, o Alemão, e a Áustria, em fins
do século 18, suas fronteiras mudaram No decorrer deste artigo, o termo “judeus poloneses”
consideravelmente. Através de conquistas e alianças, a referir-se-á à população judaica que, num determinado
“Polônia da Coroa”1 (Korona), coração do antigo Estado momento da História da nação polonesa, vivia dentro
medieval, expandiu seus territórios de um núcleo das fronteiras do então Estado e sob sua jurisdição.
entre os rios Odra e Vístula, até o Báltico, o Dnieper, A história dos judeus a partir da criação da Segunda
o Mar Negro e os Cárpatos. Em 1386, a Polônia e República, em 1918, constitui um capítulo à parte, mais
o Grão-Ducado da Lituânia se unem e, em 1569, é penoso para vida judaica polonesa, e não será tratado
assinada a União de Lublin, que acabaria por formar nesta matéria.
a Comunidade Polaco-Lituana ou das Duas Nações.
No início do século 17, esta nação era uma potência Desde a fundação do Reino da Polônia, em 1025, até os
internacional, o maior país da Europa, incluindo toda primeiros anos do estabelecimento da união dinástica,
a Polônia pós-1991, Lituânia, Bielorrússia e Letônia, no final do século 14, os governantes poloneses eram
bem como a maior parte da Ucrânia e Estônia. Mas, conhecidos por sua tolerância religiosa. Chamado de o
entre 1772 e 1795, enfraquecida, a Comunidade “paraíso dos judeus”, o Estado polonês tornou-se abrigo
Polaco-Lituana viu todo o seu território ser partilhado para judeus expulsos de outros locais. No final do século
entre as nações vizinhas. A Polônia deixa de existir 17, a comunidade polonesa era a maior, em termos
numéricos, dentre qualquer outro centro populacional
judaico. De modo geral, os judeus prosperaram em terras
1
Coroa do Reino da Polônia (em polonês, Korona Królestwa
Polskiego) ou, simplesmente, a Coroa, é o nome comumente usado polonesas. Gozavam de ampla autonomia e criaram
para as possessões históricas – mas não consolidadas – do rei da instituições de governança comunitária, bem como
Polônia, na Baixa Idade Média. religiosas e educacionais. Desfrutavam de uma rica vida
65 setembro 2017
COMUNIDADES
religiosa, tendo lá surgido líderes sob seu domínio os territórios da de Boleslau I, no final do século
espirituais de renome, e construíram Grande Polônia2, possivelmente 10, sendo muito bem recebidos
lindas sinagogas. Criaram seus incluindo a Mazóvia3. Ao falecer, pelo Rei. As primeiras referências
próprios padrões culturais, daí em 992, as fronteiras do ducado se documentais sobre a presença
nascendo um jargão judaico-polonês, estendiam por uma área semelhante judaica foram encontradas numa
o iídiche. Gavriel ben Yehoshua à atual República da Polônia. responsa da primeira metade do
Schossburg, cronista judeu daquele século 11, onde há menção a
século, caracterizou a comunidade, Após a cristianização, as já existentes uma decisão da corte rabínica de
em tempos medievais, como ligações comerciais com o Sacro Cracóvia.
“um deleite para todas as terras no Império Romano-Germânico se
Exílio por sua fidelidade à Torá, sua estreitam, dando origem a um No entanto, essa imigração
honra e grandeza” (Petach Teshuvá, aumento no número de mercadores dificilmente teria tido a dimensão
1651 4a). alemães, tanto cristãos quanto que teve não fossem as nefastas
judeus, que se aventuravam em terras circunstâncias que forçaram um
A fundação da nação polonesas. O sucessor de Miecislau, grande número de judeus a buscar
polonesa o duque Boleslau I Chrobry, o refúgio na Polônia. A Primeira
Grande, continuou a expansão Cruzada, em 1096, foi o primeiro
Acredita-se que tribos eslavo- territorial e, no ano 1000, a Polônia catalizador. Em seu “caminho” à
ocidentais tenham chegado à região é reconhecida como Estado pelo Terra Santa os cruzados matavam
que hoje constitui a Polônia nos Sacro Império Romano-Germânico ou convertiam à força as populações
séculos 6 e 7 e que, em meados do (Império Germânico) e por Roma. judaicas. Os massacres, que se
século 10, os Polânios ocupassem as Com a coroação de Boleslau I pouco iniciaram em Rouen, na França,
terras entre os rios Odra e Vístula. antes de sua morte, seu ducado espalharam-se para cidades do
De acordo com a tradição, Piast, torna-se um reino: a Grande Polônia Reno chegando a Praga. Os judeus
o “Forja Rodas” (Piast Kołodziej) (Wielkopolska). da Boêmia decidiram fugir para
uniu diferentes grupos de Polânios a Polônia, apesar da decisão do
formando uma unidade denominada Os limites do reino aumentaram príncipe de confiscar as propriedades
Polska. Piast, que surgiu em torno no início do século 12, quando dos que partiam.
do ano 940 em Giecz, fundou a Bolesłau III subjuga a Pomerânia
dinastia dos Piastos, que reinaria até Ocidental e a região de Gdansk. Tornou-se constante o fluxo de
o século 14. Porém, em 1138, ele comete um judeus das províncias do Reno e
erro que levaria à fragmentação do Danúbio para as terras polonesas.
A maioria dos historiadores data o Estado polonês por quase 150 anos. O número cresceu em consequência
estabelecimento do Estado polonês Em seu testamento, dividiu seus das Cruzadas de 1146-1147 e
somente duas décadas mais tarde, em domínios entregando-os aos filhos. de 1196, e da intensificação das
966, quando o duque Miecislau I se O resultado foi o surgimento de perseguições contra a população
converte ao catolicismo, adotando-o vários principados feudais rivais. judaica, no Império Germânico,
como a religião oficial do Estado. durante os séculos 12 e 13. Vendo
Enquanto a Rússia gravitava em O nascimento da que o poder real era incapaz de
torno do Império Bizantino, a comunidade judaica defendê-los contra a fúria da
Polônia se voltava para o Ocidente multidão cristã fanática ou dos
e para Roma. Miecislau I estabelece Contamos apenas com lendas degradantes cânones da Igreja
sua capital em Gniezno, unificando acerca da presença dos judeus na Católica, grandes levas de judeus
região antes desta se tornar cristã. alemães buscam refúgio nos
Acredita-se que já no século 9 domínios poloneses.
2
A Grande Polônia, que compreende mercadores judeus que viviam nas
grande parte da área banhada pelo rio províncias do Império Germânico Desde o início do século 12 –
Varta e seus afluentes, foi o coração do
antigo Estado medieval polonês, “o berço
comercializassem nas terras às durante o reinado de Boleslau
da Polônia”. margens dos rios Varta e Vístula. III, havia judeus espalhados pela
3
Região histórica e geográfica no leste da Sabe-se que alguns se instalaram Polônia, onde desfrutavam de
Polônia, com sua capital em Varsóvia. na Grande Polônia no reinado considerável paz e liberdade.
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REVISTA MORASHÁ i 97
A cultura medieval cristã, imbuída polonês em vários principados terras e propriedades na Grande
de grande intolerância religiosa, feudais, cada governante Polônia, na Cujávia (Kuyavia)
ainda não fincara raízes entre a empenhara-se em atrair imigrantes e na parte polonesa da Silésia.
população eslava. Mas, mesmo após judeus para seus domínios, Havia comunidades organizadas
se estabelecer em terras polonesas, outorgando-lhes consideráveis em Wrocław, Świdnica, Głogów,
os judeus continuaram a manter um privilégios e direitos. De modo Lwówek, Płock, Kalisz, Szczecin,
estreito relacionamento comercial e geral, os governantes medievais Gdańsk e Gniezno.
fortes laços comunitários, espirituais beneficiavam-se com a presença de
e intelectuais com o Império uma ativa comunidade judaica, e Por volta de 1200, a população
Germânico. De suas terras os judeus isto era particularmente verdadeiro judaica atinge um número
poloneses não herdaram apenas o na Polônia onde a economia crítico que tornaria sua presença
idioma, um dialeto alemão, que, ainda era agrícola e primitiva. permanente, do ponto de vista
como vimos, subsequentemente Os judeus, além de ter ampla demográfico, e, significativa, social
se desenvolveu no jargão judaico- experiência financeira, comercial e culturalmente. Essa permanência
polonês, o iídiche, mas também sua e administrativa, atuavam como envolvia aspectos legais e religiosos,
tradição religiosa e sua organização pioneiros na economia, colocando exigindo uma regulamentação tanto
comunitária, incluindo a aceitação seu próprio capital em circulação. por parte das autoridades judaicas
da autoridade rabínica asquenazita comunitárias quanto das polonesas.
alemã no país. No fim do século 12 e início do
13, os judeus administravam a Durante vários séculos a vida
Na segunda metade do século 12, Casa da Moeda da Grande e da e status jurídico dos judeus
após a fragmentação do Reino Pequena Polônia4 e cunhavam foram determinados por forças
moedas. Chegaram até os dias antagônicas. De um lado, a Coroa,
atuais moedas nas quais os nomes os príncipes e a alta nobreza
4
Pequena Polônia, a parte sul do país, em
polonês, Małopolska; em latim, Polonia dos príncipes foram cunhados em que, julgando a presença dos
Minor. letras hebraicas. Eram donos de judeus economicamente benéfica,
67 SETEMBRO 2017
COMUNIDADES
protegiam-nos. Do outro, a Igreja mais elevados do que o cobrado aos denominações protestantes e
Católica, a pequena nobreza, as cristãos, demolir cemitérios judaicos ortodoxas), os judeus e o judaísmo
municipalidades e os comerciantes e e atacar as sinagogas. Seria punido recebiam menos “atenção” das
artesãos cristãos que os viam como o sequestro de crianças judias com o autoridades eclesiásticas do que em
“um grande perigo” a ser afastado. intuito de batizá-las. Proibia, ainda, outros locais do Ocidente.
acusações de assassinato ritual,
A Igreja queria vê-los reduzidos libelos de sangue, apontando que as A volta da unidade
a párias. O 4º Concílio de Latrão bulas papais já haviam declarado tais política
(1216) promulgara decretos acusações sem fundamento.
permeados de ódio contra eles. No século 13, a Europa foi invadida
O judeu era visto como causador O estatuto foi mal recebido pelas pelos mongóis. Na Polônia, os
de “grande dano” à fé, devendo, autoridades eclesiásticas. Em 1279, principados foram devastados
portanto, viver segregado. E, o Conselho de Buda ratificou pelos exércitos mongóis da Horda
como a conversão polonesa ao a determinação que proibia aos Dourada, liderada por Batu-
catolicismo era algo relativamente cristãos “sob pena de excomunhão” Khan, neto de Genghis Khan, em
novo, enviados eclesiásticos eram socializar com judeus, e obrigava 1240, 1259 e 1287. Vencedores, os
despachados por Roma para se o uso do “símbolo judeu”, descrito mongóis levaram consigo milhares
assegurar que os estatutos canônicos como sendo “um anel de tecido de seus habitantes como escravos,
fossem postos em prática. A pequena vermelho costurado na parte inclusive muitos judeus.
ou baixa nobreza, comerciantes e superior de suas vestimentas, no
artesãos cristãos, principalmente os lado esquerdo do peito”. Porém, até Em 1319, o rei Ladislau I, da
de origem germânica, nutriam um o catolicismo assumir o controle em Grande Polônia, inicia a reunificação
forte antagonismo econômico contra terras polonesas, a Igreja não tinha do Estado polonês, alcançada por
os judeus. Os direitos concedidos poderes de infligir sérios danos aos seu filho Casimiro III, o “Grande”.
pelos governantes haviam aberto a judeus. Além disso, até o século 18, Em seu reinado (1333-1370),
estes últimos novas oportunidades e, em virtude do grande número de Casimiro III duplicou o território
à medida que os judeus expandiam religiões “dissidentes” (inúmeras sob seu domínio e incorporou a
suas atividades e prosperavam, a
população cristã ia-se ressentindo da
competição e atiçava, ainda mais, o
anti-judaísmo.
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REVISTA MORASHÁ i 97
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COMUNIDADES
separados e a usar uma marca o Sejm, o Parlamento. O monarca próspera oferecia a garantia de
distintiva na roupa. Apesar de ainda mantinha as funções de Rei polonês que os empréstimos seriam pagos.
usufruírem de extensa proteção e Grão-duque da Lituânia. Nos A partir da União de Lublin,
das leis, foi crescendo a influência anos seguintes, o Estado polonês os judeus são incentivados a se
da Igreja. Em 1407, em Cracóvia, continuou a se expandir para o estabelecer na Ucrânia, e passam
instigados por padres, os judeus Leste, tornando-se um dos maiores a ter um papel de liderança no
são atacados, suas propriedades e mais populosos da Europa desenvolvimento da Polônia
destruídas, crianças e adultos abrangendo os territórios do que Oriental, do interior da Lituânia e
batizados à força. Muitos morrem, são hoje a Polônia e a Lituânia, a da Ucrânia. O rápido crescimento
outros tantos ficaram feridos. A Bielorrússia e a Letônia, grande da população europeia fora
violência ocorrida em Cracóvia parte da Ucrânia e Estônia, além da acompanhado por uma crescente
se repete em 1464. No entanto, região ocidental da atual Rússia. necessidade de alimentos e a Polônia
apesar do crescente anti-judaísmo era um grande produtor de grãos.
que imperou durante a dinastia dos Atividades econômicas
Jagiello, as terras polonesas pareciam Por volta de 1500, estima-se que
um “paraíso” quando comparadas Na Polônia, os judeus podiam houvesse nos domínios da dinastia
com o crescente anti-judaísmo e a participar de inúmeras atividades Jagiello entre 10 a 30 mil judeus; em
violência sofrida pelos judeus em econômicas, incluindo agricultura 1575, o número salta para 150 mil.
terras alemãs. Isso fez com que e pecuária, artesanato, e comerciais, Judeus vindos de toda a Europa para
um número cada vez maior deles participando do comércio lá se dirigiam.
procurasse refúgio na Polônia. internacional com a Europa, o
Império Otomano e a Rússia. Em sua maioria, estabeleciam-
No decorrer do século 15 e início se nas terras pertencentes à alta
do 16, aprofundara-se o processo de A Coroa, os nobres e as instituições nobreza polonesa. Estes, donos
“polonização” da região sob domínio religiosas, proprietárias de grandes de enormes latifúndios e senhores
das duas Coroas. Este processo é terras, tinham interesse em dos camponeses que neles viviam,
concluído em 1569 com a União promover a segurança dos judeus. passaram a arrendar suas terras a
de Lublin, que transformava o Uma comunidade judaica forte e judeus por vultosas quantias, através
Reino da Polônia e o Grão-Ducado segura trazia benefícios máximos de um sistema chamado “arenda”.
da Lituânia em um único estado, a um custo mínimo. Ademais, É bem verdade que a Igreja era
a Primeira República da Polônia. nesse período há uma redução da profundamente anti-judaica, no
Conhecida, também, como a importância judaica como credores, entanto, inúmeras instituições
Comunidade Polaco-Lituana ou pois se tornam grandes captadores de religiosas eram donas de grandes
das Duas Nações, era governada recursos de prestamistas cristãos e de propriedades de terra e “usavam” os
por um único monarca (eleito pela instituições religiosas para cobrir seus judeus para administrá-las.
nobreza, a szlachta), juntamente com investimentos. Uma comunidade Os latifundiários tinham autoridade
judicial sobre “seus judeus”,
O antigo mercado na cidade de Krzemieniec, na Polônia Oriental
particularmente após 1539, quando
é sancionada uma lei transferindo o
status jurídico e fiscal dos judeus da
Coroa aos donos das propriedades
onde viviam.
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REVISTA MORASHÁ i 97
1 2 3
1. Típico pátio judaico no Séc. 17, em Lublin 2. Sinagoga Suchowla, belo exemplo das sinagogas em madeira, na Polônia
3. Exterior da Antiga Sinagoga Stary, Cracóvia, Polônia
tinham, sempre, que arrendar não administradores judeus e os todos os aspectos de sua vida. A
apenas a terra, mas também todos camponeses cristãos ortodoxos5 profunda religiosidade era fonte de
os ativos fixos, tais como moinhos criava tensões, que eram ainda orgulho e, nos dias tenebrosos, de
e hospedarias, o direito exclusivo de maiores nas relações entre os servos consolo. A sinagoga era uma das
destilar e vender bebidas alcoólicas, e ortodoxos e os judeus. primeiras construções erguidas por
a arrecadação de impostos uma comunidade. Milhares foram
alfandegários. Além disso, havia uma O judeu que arrendava uma construídas, de todos os tamanhos,
transferência total de autoridade do propriedade costumava levar, além algumas em alvenaria, outras
latifundiário para o arrendatário. de sua família, outros judeus que se em madeira. Em cada shtetl, não
tornavam subarrendatários. Surgem importava seu grau de penúria, havia
Em 1594, por exemplo, o Príncipe shtetls6, aldeias e municípios inteiros ao menos um shul, uma sinagoga,
Piotr Zabrzeski arrendou a Efrayim onde a maioria da população era que era o centro da vida religiosa e
de Międzyboż, por 9.000 zloty, judia. Acabou criando-se uma social.
uma soma imensa, todas as suas classe média judaica na zona rural,
propriedades localizadas no distrito e o sistema de arenda tornou-se Era primordial o estudo da Torá,
de Krzemieniec, inclusive “todas as um empreendimento “básico” para do Talmud e de todas as obras
aldeias e assentamentos..., os nobres a comunidade judaica. Cada item sagradas. As crianças aprendiam a
boiardos (membros da aristocracia), do contrato de arrendamento – ler no cheder, a casa de estudos, e os
os burgueses e os servos... todas moinhos, tavernas, arrecadação de mais velhos iam para as ieshivot. A
as suas dívidas, obrigações e impostos alfandegários e assim fama de uma cidade não residia em
privilégios;…tavernas, moinhos por diante – ou cada subunidade sua importância econômica, mas
e seu faturamento,... os dízimos geográfica da propriedade poderia no número de suas ieshivot e na
pagos pelos boiardos, burgueses e ser sublocada para outros. reputação de seus rabinos. Em meio
servos,... bem como todos os demais à população polonesa, na qual 90%
rendimentos...”. Vida comunitária do povo não sabiam nem ler nem
e religiosa escrever, era praticamente nulo o
Os judeus atuavam como analfabetismo entre os judeus.
representantes dos donos junto A vida judaica floresceu na Polônia
aos camponeses, um papel cheio nos século 16 e 17. Historiadores São incontáveis os grandes
de perigos, já que eram eles que, estimam que em meados do século estudiosos, rabinos e líderes
na ausência dos proprietários, 16, cerca de 80% dos judeus do espirituais que viveram em terras
impunham as exigências feudais mundo viviam na Polônia, que se polonesas. Um dos maiores eruditos
e aplicavam a disciplina. O fato tornou o centro cultural e espiritual judeus de todos os tempos foi Rabi
dos nobres serem católicos, os dos judeus asquenazitas. O iídiche Moshé Isserles, conhecido como
era o idioma utilizado por todos os o Rema (ou Remo). Ele nasceu em
judeus, criando uma cultura própria. Cracóvia, em 1520, e sua obra mais
5
A Igreja Ortodoxa Ucraniana está ligada à
história da Igreja Ortodoxa Russa.
conhecida é Mappá (literalmente
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Shtetl - vilarejo, cidade pequena, em
O cotidiano da população judaica “Toalha de mesa”) – um
iídiche. girava em torno da fé, que dominava comentário sobre o Shulchan Aruch
71 SETEMBRO 2017
COMUNIDADES
(“Mesa posta)”, o Código de Lei a de Cracóvia e Lublin), da Rússia figura de Bohdan Chmielnicki, a
Judaica, escrito por Rabi Yossef Vermelha (a de Lemberg), da Volínia situação sai do controle. Chmielnicki,
Caro. Mappá, que trata dos costumes (as de Ostrog e Kremenetz), e da furioso pela conduta das autoridades
asquenazitas, se tornou o Código de Lituânia (as de Brest e Grodno). polonesas de seu lugar natal, incitou
Lei Judaica da grande maioria das os cossacos ucranianos a se juntarem
comunidades desta origem. Os massacres de à resistência armada. Em 1648,
Chmielnicki (1648-1649) encabeçando cossacos do Dnieper
A instituição judaica básica era a e tártaros da Crimeia, ele inflige
Kehilá, a comunidade, que tinha um O sistema de arenda era um barril de grave derrota ao exército polonês.
status legal autônomo. A peculiar pólvora onde o descontentamento Esta derrota serviu como um sinal
posição ocupada pelos judeus na econômico se entrelaçava com para que se rebelasse toda a região
Polônia fez sua autonomia jurídica o antagonismo entre católicos e nas margens orientais do Dnieper. A
ser possível e necessária. A Coroa e cristãos ortodoxos e principalmente revolta banhada em sangue alastrou-
a população consideravam os judeus o anti-judaísmo. Os camponeses se por todo o território da atual
um corpo social independente. ortodoxos viam os judeus, “infames Ucrânia, Volínia e Podólia.
A definição de sua autonomia infiéis e estrangeiros” representantes
foi delineada juridicamente em dos nobres poloneses católicos, como Camponeses ortodoxos e ucranianos
1551, em uma carta de privilégios sendo os culpados por lhe impor moradores da cidade juntaram-
concedida por Sigismundo II pesado ônus econômico. se às forças de Chmielnicki que
Augusto, Rei da Polônia e Grão- semeavam o terror e a morte por
Duque da Lituânia. O ódio religioso e o profundo onde passavam. A região se tornou
descontentamento acabaram um grande matadouro. Nobres e
Como resultado dessa autonomia explodindo. O ressentimento dos padres poloneses católicos foram
jurídica, cada cidade ou aldeia camponeses contra o poder polonês imediatamente assassinados.
era governada por dois conselhos veio à tona em várias revoltas, Mas, apesar de os poloneses
independentes, um cristão e outro rapidamente reprimidas. Mas, em católicos serem o principal alvo
judaico. Enquanto os cristãos maio de 1648, quando surge a do descontentamento, foi sobre os
eram governados por um conselho judeus que se abateu toda a sua fúria.
municipal, regidos pela legislação Citando um historiador russo:
do Reino, os judeus o eram por um “Os assassinatos eram acompanhados
conselho comunal composto de por torturas bárbaras (...), no entanto,
rabinos e líderes comunitários, cuja a mais terrível crueldade era exercida
autoridade se baseava nos privilégios sobre os judeus. Ele eram destinados
concedidos pelo rei ou pelos à aniquilação...”.
latifundiários, bem como na Lei e
tradição judaica. Ambos os conselhos Os massacres de 1648 e1649 são
eram, porém, subordinados à conhecidos entre os judeus como
autoridade supervisória do rei ou do Gzeyres tach vetat (Malignos
proprietário. decretos). A literatura judaica
da época relata os ocorridos em
Já no final do século 16, as inúmeras comunidades, como
comunidades judaicas criaram uma Nemirov, Ostrog, Narol e Polonnoye.
federação de kehilot quase autônoma, Em Tulchin, soldados poloneses
o Conselho de Quatro Nações. entregaram, inutilmente, os judeus
Esse Conselho, que representou a em troca de suas próprias vidas;
comunidade judaico-lituana de 1580 em Tarnopol e Dubno, poloneses
até 1764, era formado pelos rabinos impediram que os judeus que viviam
e representantes comunitários nas redondezas entrassem na cidade.
da Grande Polônia (sendo que Em Dubno, dois mil judeus foram
a principal era a de Posen), da Rabino na Sinagoga de madeira de
Jablonów, 1897-1898. Óleo sobre
massacrados. Um dos relatos descreve
Pequena Polônia (as principais eram madeira, Isidor Kaufmann a devastação: “Muitas comunidades
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REVISTA MORASHÁ i 97
Sinagoga de madeira em Chodorov. Pintura no teto, Israel Lisnicki, 1714. Reconstituição feita no Beit Hatefutsot, Israel
além do Dnieper, como Pereyaslaw, domínio do governo polonês nas condições normais na vida judaica.
Baryszowka, Piratyn e Boryspolê, regiões onde vivia a maior população Em 1655, os suecos – terceiros
Lubin, Lachowce (...) foram judaica. Mas, os cossacos e os inimigos da Polônia – invadem a
atacadas e os judeus tiveram morte ucranianos ortodoxos continuavam Polônia Ocidental (1655-1658).
cruel e amarga. Alguns foram insatisfeitos. Chmielnicki então Seu rei, Charles Gustav, conquista
esfolados vivos e sua carne atirada entabula negociações com o Czar uma cidade após a outra, inclusive
aos cães; outros tiveram as mãos russo Alexis Michaelovich, buscando Cracóvia e Varsóvia. Grande parte
e membros decepados e seus a incorporação ao Império moscovita da Grande e da Pequena Polônia
corpos atirados na estrada só para – com os direitos de uma província caem em mãos dos suecos.
serem destroçados por carroças e autônoma – da parte ortodoxa da
esmagados pelos cavalos (...). Ucrânia, sob o nome de Pequena No final do século 17 boa parte
O inimigo massacrou mulheres e Rússia. Em 1654, realiza-se essa dos territórios da Comunidade
crianças no colo de suas mães (...). incorporação e, no mesmo ano, os Polaco-Lituana estava ocupada por
Atrocidades semelhantes foram russos marcham sobre a Rússia cossacos, russos e suecos. O exército
perpetradas em todos os lugares por Branca e a Lituânia. É, então, a polonês reorganizado consegue fazer
onde passavam...”. vez dos judeus da região noroeste recuar os invasores, mas a nação se
de padecer do seu quinhão de encontrava em estado caótico e era
Não se sabe ao certo o número sofrimento. A captura das principais grande a deterioração econômica.
de judeus mortos nos massacres, cidades polonesas pelas hostes
de acordo com algumas crônicas unidas dos moscovitas e dos cossacos As perdas infligidas aos judeus
judaicas foram 100 mil, mas há foi acompanhada do extermínio ou poloneses na década de
relatos de que teriam sido 300 mil e expulsão dos judeus... 1648-1658 foram terríveis.
que mais de 300 comunidades foram Nos relatos dos cronistas da época
destruídas. No entanto, apesar da magnitude umas 700 comunidades judias
do desastre, muitos judeus retornam foram vítima de massacres e
A situação se acalmou em agosto à região. No final de 1650, o pilhagem e o número de mortos é
de 1649, quando um tratado foi Conselho das Quatro Terras, estimado em 500 mil, excedendo as
assinado entre Chmielnicki e a reunido em Lublin, redige uma série catástrofes das Cruzadas e da Peste
Coroa Polonesa restabelecendo o de regulamentos para restaurar as Negra.
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COMUNIDADES
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REVISTA MORASHÁ i 93
Recebi o exemplar de Morashá com Agradeço pelo excelente número Em nome da Biblioteca do Congresso
o artigo sobre os Judeus da Escócia da Morashá. Magnífico texto, com dos EUA, acuso o recebimento da
e agradeço-lhes por todo o trabalho especial relevo para as matérias Revista “Morashá”, Ano XXIV –
envolvido em torná-la uma Revista referentes à Guerra dos Seis Dias e Junho 2017 – No. 96, e agradeço sua
tão atraente visualmente. Ainda que sua importância para a consolidação valiosa contribuição.
eu não entenda o Português, há muitas histórica do Estado de Israel, com Eva Reyes Cisnero
partes do texto que as pessoas que têm pleno domínio sobre Jerusalém, Bibliotecária, Seção de Aquisições
Depto. Ibéria/Rio, 4213
familiaridade com o Francês capital eterna do Povo Judeu. “Que a Divisão da África, América Latina e
ou Italiano puderam entender. paz desça sobre a Casa de Israel.” Europa Ocidental
Daí eu julgar que vocês fizeram um Inocêncio Coelho,
Biblioteca do Congresso dos EUA
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