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Educação

As Teorias da Leitura Aplicadas ao Texto

Robson Luiz Rodrigues de Lima1

Resumo

A leitura é o principal aspecto constituinte do pensamento crítico. Um bom leitor de mundo, ao travar
contato com um texto, é capaz de relacionar as intenções comunicativas que a ele subjazem. Essa
formação de um bom leitor, isto é, sua proficiência, está ligada à multiplicidade de leitura. Um bom
leitor não é aquele que lê muitas vezes o mesmo tipo de texto, mas é aquele que lê diversos tipos de texto
com certa profundidade (sob várias perspectivas).

Palavras-chave: texto; leitor; leitura; sentido.

1
Licenciado em Letras (Português/Inglês) pela PUC/PR e pós-graduado em Lingüística, Literatura e Leitura de
Múltiplas Linguagens pela PUC/PR. Professor e coordenador de Produção de Texto do Colégio Bom Jesus.
E-mail: robsonlima@bomjesus.br

Rev. PEC, Curitiba, v.3, n.1, p.111-119, jul. 2002-jul. 2003 111
Introdução

A história da leitura confunde-se com a história dos leitores. Muitos são os conceitos de leitura
porque são múltiplos os tipos de texto, os modos de leitura e diversas as histórias de vida dos leitores.
Este artigo pretende pôr em discussão e analisar as diversas teorias da leitura aplicadas a um
texto. Para precisar essa análise e delimitar a discussão, serão definidos alguns conceitos utilizados
no decorrer deste artigo como: leitor, leitura, acervo, horizonte de expectativa e leitor modelo.

Leitor

O conceito de leitor sofreu muitas mudanças no decorrer da história. Essas mudanças foram
sempre acompanhadas pelas transformações históricas que influenciavam a própria definição de leitura.
Para Sartre (apud LÉVY, 2000), o leitor é o recebedor, o alvo de intenções políticas. A esse leitor,
então, cabe o deciframento das intenções políticas do texto. A interação entre texto e leitor ocorre na
medida em que o recebedor entende a intenção do autor, o que o autor quer dizer.
A essa concepção de leitor subjaz uma concepção instrucional e partidária da leitura. Ler seria
tomar partido, pois o objetivo principal da leitura era convocar o leitor à luta política, à defesa de uma
causa social. Para o filósofo existencialista, a relação entre o leitor e a leitura limitava-se à doutrinação.
Em 1923, L. L. Schücking (1947) publica na Alemanha um livro intitulado A Sociologia do Gosto
Literário, que trata da questão da preferência temática. Schücking começa a levar em conta a preferência
do leitor e vê nele um ser ativo que pode interferir no processo de produção do texto. Essa concepção
fecundou, na Inglaterra, estudos sobre as preferências das classes populares, que, inclusive, derrubaram
alguns preconceitos vigentes. Em 1957, Richard Hoggart publica um estudo que mostra a expansão do
letramento entre as camadas populares já indicando as preferências populares. Os cânones não eram
muito aceitos por essas camadas, que preferiam uma literatura mais descartável.
A suspensão do preconceito em relação às leituras das camadas populares esquentou o mercado
editorial, abrindo novas perspectivas de produção. O leitor passa a ser um fator determinante no
sistema literário e esse fato dá origem aos estudos de Sociologia da Leitura.
Esses estudos não se limitam a conhecer o comportamento do público leitor, mas entendem a
leitura como uma ciência que extravasa seus próprios limites, propondo outros. O leitor passa a ser,
assim como a leitura, um agente transgressor de limites de construção de sentidos.
A evolução do conceito de leitor é acompanhada pela evolução do conceito de leitura. São
conceitos amalgamados e interdependentes. Dessa interação nasce a noção de sujeito-leitor.
O sujeito-leitor está inserido no processo histórico de construção de sentidos, interpretando as
suas relações com o mundo e, por vezes, recriando-o. O leitor produz linguagem e é produzido por ela,
tornando-se “produto” de sentidos ideologicamente cristalizados. Nessa perspectiva, ler não é descobrir
um único sentido, “o que o autor quis dizer”, mas saber que o sentido descoberto no processo da
leitura poderia ter sido outro. O leitor é, também, autor do texto lido, num processo de constante
construção de sentidos.

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O Leitor Modelo

Quando o leitor trava contato com um texto, ele traz para o objeto de leitura as suas experiências
pessoais, as ideologias cristalizadas no seu subconsciente e a sua leitura de mundo. Essas estruturas,
em contato com as estratégias e intenções narrativas, conduzem o leitor à fruição. Do contrário, a
leitura não encontra no leitor um colaborador.
Usando um exemplo de Umberto Eco (1994), é como se um leitor fosse ao cinema para assistir a uma
comédia, mas estivesse profundamente triste. Todas as piadas do filme (entendendo o filme como um texto)
teriam um efeito meditativo que o levaria a remexer sua tristeza. Mesmo que esse leitor assistisse ao mesmo
filme dez anos depois, as lembranças da tristeza da primeira vez não o deixariam ver a graça do filme.
Ora, a intenção do diretor do filme era fazer as pessoas rirem. Enquanto trabalhava, o diretor
tinha em mente um espectador que viesse ao cinema para livrar-se do estresse e dar risadas. Em outras
palavras, esse leitor hipotético não colaborou com o texto. Por melhor que fossem as piadas veiculadas
pelo filme, ele não dialogava plenamente com aquela situação comunicativa que vivia o leitor.
Umberto Eco (1994) faz uma distinção entre dois tipos de leitores: empírico e modelo. Entende-
se por leitor empírico o leitor real, aquele que abre o livro e folheia. Trata-se do leitor real em cujas mãos
o livro realizar-se-á enquanto texto. O leitor modelo é o leitor idealizado pelo autor, no momento da
composição textual. No caso do filme, o autor esperava, como dito acima, um espectador afortunado,
disposto a rir. Era para esse leitor presumido que o filme era dirigido.
Um segundo exemplo, mais elucidativo, seria a problemática da composição de um livro de Física
Quântica. O autor supõe que os leitores desse livro são iniciados nessa ciência e, por isso, vai lançar mão
de um vocabulário técnico específico para esse leitor hipotético, modelo. Porém, nada impede que esse
livro chegue às mãos de um estudante de biologia que, mesmo sem corresponder ao leitor modelo
esperado, vai construir um outro sentido para o texto, a partir do seu conhecimento de mundo.

Leitura

Antes de iniciar essa abordagem sobre leitura é preciso salientar que ler é construir significados.
Na leitura, o texto se realiza enquanto significado. É na interação com o leitor que o texto existe,
coexiste ou inexiste.
Durante muitos anos, a concepção de leitura estave atrelada aos estudos do alemão Husserl
(1988) que, com seu essencialismo, delegou ao leitor a mera função de desvendador. Ler se resumia em
descobrir verdades implícitas e explícitas nos textos. Essa tradição deu origem à incessante busca acerca
do que o autor quis dizer. Ou seja, tudo o que pode ser lido foi previsto pelo texto, basta ao leitor
desvendá-lo.
Jean Paul Sartre, filósofo existencialista alemão, inicia, baseando-se nos estudos de Heidegger (1997),
pesquisas sobre o leitor enquanto agente construtor de sentidos. A partir desses estudos, o leitor passa a ser
entendido como um sujeito que evolui com a história e essa evolução está presente no momento da leitura,
a qual passa a ser construída pelo leitor e não apenas desvendada pacificamente ou constatada.

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Essas elucubrações foram vitais para o processo de evolução da concepção da leitura. Outros
estudiosos despenderam esforços na busca de uma identidade maior entre texto, leitura e leitor. Um
deles foi Mikhail Bakhtin (1997), que percebeu que o leitor não apenas constrói os sentidos da leitura,
mas é construído por esses sentidos. A polifonia, inerente a todo texto, é uma das responsáveis pela
construção dos sentidos. O leitor, ao percorrer um texto, aciona inúmeros outros textos que compõem
o seu acervo e promove uma inter-relação entre eles, construindo sentidos. Esses sentidos podem
variar de leitor para leitor porque os acervos constituintes dessa polifonia discursiva são diferentes.
Essa relação texto-leitura-leitor-texto vai, de certa forma, aumentar o acervo polifônico do leitor
e prepará-lo para interagir com outros textos, num processo espiral de construção de sentidos.
Ler, portanto, é acionar dispositivos de leitura para construir sentidos e se construir enquanto
leitor-texto. A amplitude do ato de ler vai depender da proficiência do leitor. Quanto maior for o seu
acervo, suas inferências e visão de mundo, maior será sua compreensão do texto e sua interação com ele.

Acervo

Entende-se por acervo todo o conhecimento que o leitor possui, todo o repertório que se adquire
durante o processo de interação com o mundo.
O acervo compreende lembranças, sensações, impressões, desejos, conhecimentos, enfim, tudo
o que compõe a história do leitor. É essa configuração historiográfica, somada ao tempo histórico de
composição do texto e do processamento efetivo dos atos de leitura, que produz os sentidos.
Um leitor que possui um repertório mais vasto poderá acionar um processo de dialogismo mais
apurado e, portanto, depreenderá muito mais sentidos do texto.

Horizonte de Expectativa

Segundo H. R. Jauss et al. (1979), o horizonte de expectativa de um texto diz respeito às


expectativas que o leitor nutre em relação ao texto. Um leitor que encontra um título como O coração
delator, de Edgar Allan Poe, projeta uma certa expectativa diante da obra, que vai variar de acordo com
o seu acervo e a sua história de formação. Por exemplo: um leitor incauto poderia, pelo título da obra,
dizer que se trata de uma história de amor. Agora, se conhecesse o autor, sua expectativa seria acerca
de uma história fantástica, de horror. É o conhecimento em relação ao estilo do autor que faz com que,
nesse caso, o leitor faça essa leitura.
Na hipótese de que ele conheça o autor e encontre uma edição muito antiga desse título, com
capa preta, desenhos macabros e páginas amarelecidas, reforçando a atmosfera de horror, a sua
expectativa perante o texto se intensificaria.
O universo de leitura de um texto dialoga muito intimamente com o horizonte de leitura que ele
projeta. Nenhum leitor se aproxima ingenuamente de um livro. Toda a aproximação é intencional,
para suprir uma expectativa.

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Educação

A Multiplicidade de Leituras

Como já apresentado, todo texto é polifônico, ou seja, é composto de inúmeras vozes que permeiam
todo o discurso. Ora, se são múltiplas as vozes, múltiplos os textos e múltiplos os leitores, as leituras
também devem ser múltiplas.
Cada texto exige um leitor modelo e, portanto, um tipo de leitura. Para cada tipo de texto, um
tipo de leitura. Aqui se pode falar em modos de leitura.
Os modos de leitura são as maneiras de proceder à leitura de diferentes tipos de texto. Não se
pode ler o cinema, por exemplo, como se lê um teatro. Cada texto tem suas especificidades que são
elementos determinantes do processo de leitura.
Partir para um trabalho de reconhecimento de diferentes modos de ler é ampliar a proficiência
de leitor. Um leitor proficiente não é aquele que lê muito a mesma estrutura textual, mas é aquele que lê
diferentes tipos de texto com uma certa profundidade. Por isso, a multiplicidade de leituras de um
único texto deve ser explorada, a fim de preparar leitores versáteis e críticos.
A seguir, é apresentado um texto que será estudado com o intuito de demonstrar como é possível
promover diferentes leituras de um único texto. Uma análise que abordará aspectos psicologizantes,
sociologizantes e simbólicos do texto.
O Homem Sitiado

Sempre fora um introvertido, mais à vontade entre os livros do que entre os homens, e à
medida que o tempo passava ia introvertendo-se cada vez mais.
Morava numa casa em Botafogo, a mesma casa onde tinha nascido e que agora era a
última casa da rua, espremida entre dois grandes edifícios, na frente de um terceiro maior
ainda, atrás de outro ainda maior.
Costumava dar longas caminhadas pelo bairro. Ia buscar o jornal e o pão, olhar as pessoas,
exercitar as pernas. Agora não podia fazer mais isto. Era perigoso atravessar as ruas. E
havia os assaltos. Mesmo de dia. Depois do sétimo assalto, desistiu de dar suas longas
caminhadas.
Desistiu do jornal. De qualquer maneira, preferia os livros.
Não olhava mais as pessoas do bairro. Todas lhe pareciam feias e agressivas. E sempre
prestes a assaltá-lo de novo.
Agora o pão quem lhe trazia era a empregada que estava com ele há 20 anos. Lourdes ou
Aparecida, ele nunca se lembrava direito.
Ainda experimentou caminhar na calçada em frente à casa, à tardinha. Desistiu depois
que uma moto, dirigida por um jovem obviamente dopado, subiu na calçada e quase o
imprensou contra uma parede.
Passou a caminhar no jardim dos fundos da casa. Mas não gostava de ser observado das
áreas de serviço dos edifícios em volta. As crianças atiravam bolas de papel, mirando na
sua cabeça. Desistiu de caminhar no jardim.
Também desistiu de ficar na sala da frente da casa, depois que houve uma mudança no
trânsito e pesados ônibus começaram a passar na sua rua. O chão tremia, as velhas
vidraças tremiam, o ruído era de enlouquecer.
Recuou para a biblioteca.
Não tinha família. Vivia da renda de algumas propriedades que o pai deixara. Na
mocidade fizera o possível para ter uma vida social. Apesar dos colegas acharem que ele
era meio esquisito – “esse aí prefere livro à mulher” –, chegou a ter um bom círculo de
amigos, até namoradas. Mas as pessoas, cedo ou tarde, o decepcionavam. Com Marina –
ou Mara, ou coisa parecida – até falara em noivado. Mas ela era uma pessoa muito
exigente. Exigia que ele prestasse atenção no que ela dizia, por exemplo. Estava pedindo
demais. Na certa, depois do casamento, seria uma daquelas mulheres que querem um
mínimo de atenção. Nunca casou.

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Nunca chegou a pensar na frase, mas, comparando a vida com os livros, coisa que fazia
sempre, poderia dizer que a vida era realista demais. Mal-estruturada, com uma linha
narrativa caótica, personagens mal resolvidos, situações de péssimo gosto, cenas chocantes.
A vida era naturalista e ele nunca gostara do naturalismo. Já nos seus livros tudo fluía
como ele queria. Mesmo porque, só lia os livros que já conhecia e amava. As grandes sagas
de família do século XIX. Sabia o nome de todos os personagens de cor, desde o patriarca
até o mais humilde cocheiro. Aquele era o seu mundo, intocado pelo tempo. Sentava-se na
poltrona mais funda da biblioteca, no canto mais longe da rua, onde o barulho do trânsito
só chegava como um ronco abafado, e mergulhava no...
Anastácia, ou Ernestina, ou como quer que se chamasse, o interrompia com a notícia de
novos avanços do inimigo.
– Tem uma infiltração de água no banheiro, doutor. O teto vai cair.
Ou:
– Ratos na sala! Ratos na sala!
Ou:
– Tem um moço aí da prefeitura. Vão alargar a rua e tirar todo o pátio da frente.
Ele se comprimia contra o espaldar da poltrona, como se quisesse desaparecer. Dava
ordens vagas. Chame o bombeiro para cuidar dos ratos. Dê veneno para o moço da
prefeitura. Me deixe em paz!
Um dia a empregada entrou na biblioteca com a última catástrofe – ratos no pátio ou
tratores na sala – e não o encontrou. Encontrou o seu copo de leite vazio, o farelo de pão,
mas ele não. Depois de uma semana sem sinal do doutor, ela fez suas malas e foi embora.
Não sabia a quem avisar do desaparecimento. Não havia parentes. A polícia? Era muito
arriscado. Fechou a casa, enfiou a chave por baixo da porta e desapareceu também.
Ele vive, feliz, nas páginas de um romance inglês. Mora numa enorme casa de campo, sem
edifícios em volta, com velhos amigos. Sabe exatamente tudo que vai acontecer, dia a dia,
pois já leu o romance dezenas de vezes. Nada o surpreende, nada o ameaça. O romance para
o qual fugiu – não me pergunte como – está numa estante da velha biblioteca, encadernado.
Nada ultrapassa as suas grossas capas. Nem o barulho dos ônibus, nem a algazarra das áreas
de serviço. Ele passa seus dias acompanhando a vida dos seus personagens queridos, às
vezes até dando palpite, discretamente. E quando quer ficar sozinho...Bem, a casa de campo
do livro também tem a sua biblioteca, com grossos volumes encadernados. É lá que ele está
agora, cochilando com um livro sobre o peito, um copo de cherry do lado, sorrindo antes do
jantar.
Ainda não ouviu o ruído que em breve o acordará. São traças. Traças gigantescas, maiores
do que ele, que já devoraram as estrebarias, os parques, toda uma ala do casarão e 17
personagens e em breve chegarão ao seu pé.
Luís Fernando Veríssimo.

Abordagem Teórica

Utilizando-se do texto apresentado, dar-se-á seqüência a uma análise textual a partir de algumas
teorias da leitura. Essas teorias procuram focalizar a leitura em seus múltiplos aspectos.
O francês Jaques Derrida (1991) vê no ato da leitura uma constante dialética de desconstrução
e reconstrução. No texto, podemos perceber essa relação dialética se processando de várias formas.
Uma delas é a oposição entre o passado e a modernidade.
O “sítio” dava-se justamente na intersecção entre o mundo imutável desejado pela personagem
e a voracidade da vida moderna. Dessa oposição resulta, como síntese, o desaparecimento das duas
forças opostas e o nascimento de uma nova situação: o homem moderno, reinventado.
Em O Ato da Leitura, o alemão Wolfgang Iser (1996) defende a livre atribuição de sentidos ao
texto. Essa teoria da recepção propõe que o efeito estético é o resultado do impacto que a obra causa no
leitor. A construção livre do sentido não é mais que a busca pelo efeito, pelo estético.

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Educação

No texto O homem Sitiado, a teoria de Iser (1996) pode ser aplicada de inúmeras formas, inúmeras
leituras. Numa abordagem sociologizante, pode-se perceber o avanço do progresso que age como um
rolo compressor, arrasando tudo o que está em seu caminho: os jardins, a casa, o próprio homem. O
protagonista se vê isolado, perdido num mundo que não mais lhe pertence. Essa sensação de exclusão
pode ser percebida em várias passagens: “Não olhava mais as pessoas do bairro. Todas lhe pareciam
feias e agressivas. E sempre prestes a assaltá-lo de novo” e “Ele se comprimia contra o espaldar da
poltrona, como se quisesse desaparecer”.
A vontade de desaparecer é mais uma oposição entre o material e o humano. Na lógica capitalista,
o humano fica relegado ao segundo plano. O homem perde a identidade e transforma-se em um número,
descartável e passível de exclusão. Uma exclusão que anula a própria percepção de ser humano.
“[...] Narciso acha feio tudo o que não é espelho [...]”, de Caetano Veloso. Numa perspectiva
psicologizante, a aversão ao novo é evidente ao longo de todo o texto. A personagem conserva a mesma
casa de quando era pequeno, numa tentativa de reter o passado, segurar o tempo: “Morava numa casa
em Botafogo, a mesma casa onde tinha nascido...”.
O medo de mudar qualquer coisa em sua vida era tão aterrorizante que nunca se casou. Tinha
medo que uma esposa o tirasse da rotina, da vida conhecida e pacata à qual ele estava acostumado.
“Com Marina – ou Mara, ou coisa parecida – até falara em noivado. Mas ela era uma pessoa muito
exigente. Exigia que ele prestasse atenção no que ela dizia, por exemplo. Estava pedindo demais. Na certa,
depois do casamento, seria uma daquelas mulheres que querem um mínimo de atenção. Nunca casou.”
Outro aspecto que fundamenta a tese da fobia ao novo é o fato de o protagonista preferir ler
sempre o mesmo livro. A narrativa pressupõe tempo e movimento. Logo, ao preferir os romances que já
conhecia, ele fica restrito a um tempo e um movimento já conhecidos e, portanto, sem surpresas: “Já
nos seus livros tudo fluía como ele queria. Mesmo porque, só lia os livros que já conhecia e amava”.
A recusa ao novo o aturdiu, pois num “mundo novo” globalizado e desumano a diferença
parece ser crime, e de morte.
São inúmeros os símbolos que se inter-relacionam nessa obra. A começar pelo elemento casa.
Ela é um símbolo do espaço psíquico pessoal, da psique. A fachada da casa simboliza a persona, a
máscara que o indivíduo usa em sociedade; o telhado simboliza a cabeça, a sede da consciência; o
andar de baixo está relacionado ao inconsciente e aos instintos; a cozinha é o local onde se processam
as transformações, o equivalente ao laboratório da alquimia. Elas aparecem, então, em sonhos como
símbolos da própria psique, uma vez que podem ser consideradas como sendo um “estado psíquico”.
Essa máscara em forma de casa oculta o “eu” da personagem. Um eu sufocado por tensões
psíquicas em relação ao tempo. Nem mesmo o casamento escapou dos conflitos pessoais.
O casamento simboliza de forma sutil a conjunctio. A união dos opostos na psique, do feminino
com o masculino, os hierosgamos. Na Antigüidade, costumava-se celebrar casamentos ditos sagrados
entre deuses e mortais com a finalidade de propiciar a fertilidade para a terra, animais e homens. Esses
casamentos simbolizavam, ainda, a união espiritual com Deus. Havia o hábito de se consagrar virgens,
como consortes a imagens, com a mesma finalidade de símbolo da união com o divino. Nos templos das
deusas da lua, as virgens que tinham sua iniciação no templo, entregando-se ao papel de hieródulas, de
prostitutas sagradas, visavam representar a união divina da deusa, representada no ato por uma mortal,
com o deus, o falo, representado no ato pelo homem que procurava o templo, união essa que garantiria a

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fertilidade e que a iniciava nos mistérios do sexo e da feminilidade. A cerimônia do casamento humano
reproduz o hierosgamos, qual seja, esse casamento divino, a união do céu com a terra.
O protagonista também se nega a unir céu e terra. Era pretender demais. Ele não casa, preferindo
a segurança que o seu individualismo antimaniqueísta poderia lhe proporcionar.
Numa outra abordagem teórica elaborada por Stanley Fish (1993), o verdadeiro autor do texto é
o leitor. O texto só se realiza à medida que é lido e o leitor se realiza à medida que lê o mundo: ”não leio
para formar-me; eu me formo também lendo” (FREIRE, 1984).
A ampliação do sentido de intertextualidade e a incompletude do texto aparecem com o francês
Pêcheux. Segundo ele, todo texto é incompleto, cheio de lacunas que serão completas pelas inferências
do leitor, logo o leitor é o co-autor do texto.

O Texto Não-Verbal

Todas as teorias de leitura trabalhadas anteriormente podem, também, ser aplicadas aos textos
não-verbais. O “texto” apresentado abaixo pode ser analisado de inúmeras maneiras, por exemplo
aplicando-se a teoria da livre interpretação de Iser (1996).
Numa ótica social, observam-se os despojos do imperialismo. A criança negra representa a
tênue sobrevida de muitos povos africanos, vítimas do imperialismo norte-americano e europeu. O
abutre, nessa perspectiva, é a figura que antagoniza a águia norte-americana. Sua presença opressora
prostra ainda mais a já abatida raça negra africana.

FONTE: Disponível em: www.intermega.com.br/telemania/fome.htm

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Educação

Numa perspectiva simbólica, observa-se que o abutre, símbolo da putrefação, representa o


limiar da condição humana. A podridão de um sistema econômico que vitima, diariamente, milhares
de pessoas. A podridão do próprio homem.

Conclusão

A pluralidade de leitura de um texto deve ser almejada como uma forma de construção de
sentidos múltiplos. Não é apenas a quantidade de leitura que vai garantir a proficiência de um leitor,
mas a qualidade dela.
O leitor, numa concepção mais moderna, deve ser um agente ativo no processo de construção de
sentidos. Dessa interação entre texto-autor-texto-leitura-leitor-texto nasce o leitor crítico. Um leitor
capaz de encontrar múltiplos sentidos num texto e estar convencido de que poderia haver outros.

Referências

BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na idade média e no renascimento. São Paulo; Brasília:
Hucitec, 1993.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
BARTHES, Roland. O prazer do texto. Tradução de Maria de Santa Cruz e Ana Mafalda Leite. Lisboa:
Edições 70, 1970.
DERRIDA, Jacques. Margens da Filosofia. Campinas: Papirus, 1991.
ECO, Umberto. Pós escrito a O Nome da Rosa. Tradução de Letizia Zini Antunes e Álvaro Lorencini.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.
ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. Tradução de Hildegard Feist. São Paulo:
Companhia das Letras, 1994.
FISH, Stanley. Como reconhecer um poema ao vê-lo. Palavra, Rio de Janeiro: Departamento de Letras -
PUC/RJ, n. 1, p. 47-52, jul. 1993.
FREIRE, Paulo. Concepção dialética da educação. 9.ed. São Paulo: Cortez, 1984.
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. 5.ed. Petrópolis: Vozes, 1997.
HUSSERL, Edmund. Investigações lógicas - sexta investigação: elementos de uma elucidação
fenomenológica do conhecimento. São Paulo: Nova Cultural, 1988 (Coleção Os Pensadores).
ISER, Wolfgang. O ato da leitura. Tradução de Johannes Kretschmer. São Paulo: Ed. 34,
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JAUSS, Hans Robert et al. A literatura e o leitor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
LÉVY, Bernard-Henri. O século de Sartre. Paris: Grasset, 2000.
PÊCHEUX, M. O discurso - estrutura ou acontecimento. Tradução de E. P. Orlandi. Campinas:
Pontes, 1983.
SCHÜCKING, L. L. Shakespeare und der Tragödienstil seiner Zeit. Bern: Francke, 1947.

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