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Mary Sue PEREIRA

Luis Eduardo RAULINO

História da educação

1ª Edição

Brasília/DF - 2018
Autores
Mary Sue PEREIRA
Luis Eduardo RAULINO

Produção
Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e
Editoração
Sumário
Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa...................................................................................................... 4

Introdução.............................................................................................................................................................................. 6

Aula 1
OS PRIMEIROS TEMPOS.............................................................................................................................................. 7

Aula 2
A EDUCAÇÃO NA GRÉCIA E EM ROMA.................................................................................................................. 19

Aula 3
A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA E NO RENASCIMENTO.................................................................................37

Aula 4
A EDUCAÇÃO NA IDADE MODERNA.......................................................................................................................58

Aula 5
A EDUCAÇÃO NOS SÉCULOs XX E XXI.................................................................................................................. 80

Aula 6
A EDUCAÇÃO NO BRASIL...........................................................................................................................................94

Referências........................................................................................................................................................................ 109
Organização do Caderno de
Estudos e Pesquisa
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos,
de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com
questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável.
Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras
e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de
Estudos e Pesquisa.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

Cuidado

Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o
aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado.

Importante

Indicado para ressaltar trechos importantes do texto.

Observe a Lei

Conjunto de normas que dispõem sobre determinada matéria, ou seja, ela é origem,
a fonte primária sobre um determinado assunto.

4
Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa
e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio.
É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus
sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas
conclusões.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Posicionamento do autor

Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o
aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado.

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Introdução
A História da Educação não estuda o passado como um tempo ultrapassado, mas antes como
explicação do estágio atual de Educação.

Neste sentido, entendemos nesta disciplina a necessidade de oferecer conteúdos que possibilitem
um repensar de concepções do que foi a educação ao longo da história para promover uma
melhor compreensão das suas funções na sociedade em que vivemos.

Estas páginas permitirão conhecer um pouco melhor as contribuições para o campo pedagógico
de grandes nomes como René Descartes, Francis Bacon, Jean-Jacques Rosseau, Immanuel Kant,
Johann Pestalozzi, Friedrich Frobel, Georg Hegel e muitos outros. A parte final deste caderno é
dedicada ao estudo da História da Educação Brasileira desde a chegada dos jesuítas até as grandes
reformas educacionais que esta sofreu para chegar até seu modelo atual.

Objetivos

»» Entender o sentido da palavra educação.

»» Refletir sobre o conhecer o ontem e entender o hoje.

»» Perceber a evolução, a finalidade, conteúdo e a organização da educação das primeiras


sociedades ao Renascimento.

»» Desenvolver uma visão histórica, crítica e reflexiva sobre todos os que fizeram e fazem
a educação possível.

»» Permitir um aprofundamento no estudo da História da Educação e as influências sofridas


por esta desde o século XVII até o momento atual.

»» Introduzir o aluno no estudo da História da Educação Brasileira, destacando seus


principais estágios e os postulados teóricos determinantes vigentes nestes.

»» Favorecer uma análise crítica da história da Educação como um todo em seus diferentes
momentos historicamente construídos e a adoção de medidas político-pedagógicas
nesses períodos.

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OS PRIMEIROS TEMPOS
Aula
1
Formar educadores para trabalhar em diversas licenciaturas não é uma tarefa fácil. A complexidade
é fruto de dois fatores: o primeiro se refere à própria atividade educacional tendo em vista que
educar significa:

dar a (alguém) todos os cuidados necessários ao pleno desenvolvimento de


sua personalidade; transmitir saber a; dar ensino a, instruir, fazer (o animal)
obedecer; domesticar, domar, aclimar (adaptar) e procurar atingir um alto grau
de desenvolvimento espiritual; cultivar-se, aperfeiçoar-se, (HOUAISS, 2009).

Em resumo, educar é uma atividade difícil de realizar que exige métodos e técnicas especiais
para se alcançar o desempenho esperado.

Outro fator imprescindível para comprovar a complexidade da educação está no grande número
de propostas educacionais, possíveis de serem utilizadas no processo de ensino-aprendizagem
que um educador possui.

Lembra-se que a educação “é a prática mais humana, considerando-se a profundidade e amplitude


de sua influência na existência dos homens” (GADOTTI, 2003, p. ?).

Luzuriaga (1967, p. 9) complementa estas primeiras linhas afirmando que “A história da educação
(...) por isso não estuda o passado pelo passado, tal coisa morta, por pura erudição, mas antes
como explicação do estágio atual”

Larroyo, em tradução livre de um dos autores deste caderno de estudo, transcreve no capítulo I
(El Objeto de Estudo de la História de la Pedagogia), a importância da história da educação
quando diz:

Uma história completa da educação se expande em duas direções: tem


profundidade e extensão. A profundidade direciona seu olhar inquisitivo ao
passado mais remoto: tempos e latitudes são explorados e há um critério seletivo
que permite-lhe captar o que existe de mais interessante sem se perder em pontos
superficiais (LARROYO, 1967, p. ?).

Mas “por que” estudar a história da educação? Aranha (2006)nos dará a resposta quando afirma:
“Se o homem é um ser histórico, nada escapa à dimensão do tempo”.

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AULA 1 • OS PRIMEIROS TEMPOS

E a autora complementa com:

A história resulta da necessidade que o homem tem de reconstituir o passado,


relatando e interpretando os acontecimentos em uma ordem cronológica e por
meio da seleção daqueles considerados relevantes. (ARANHA, 2006, p. ?)

Lembramos que o homem atua sobre o mundo para modificá-lo. As gerações passam adiante sua
herança cultural, promovendo mudanças, mostrando algo muito significativo que é a inserção
do homem no tempo. Vamos entender melhor isto: estando no presente o homem supera-se em
ações que fazem sentido pelo que foi vivido no passado.

O reconstruir o passado é uma tarefa complexa. Imagine a hipótese da pessoa que vai pesquisar
e construir a história, inclusive como ela vai “contar” essa história. Ela precisará saber como
selecionar fatos, analisar como se sucederam no tempo, relatar as ações dos grandes homens
ou mesmo destacar aspectos econômicos e sociais independentes dos atos das pessoas.

Mais importante do que saber O QUE o historiador estuda, é perguntar-se COMO


ele o estuda, porque em toda seleção de fatos existem sempre os pressupostos
teóricos, ou seja, uma FILOSOFIA DA HISTÓRIA subjacente ao processo de
interpretação (ARANHA, 2006).

A história da educação pertence à história geral, já que o fenômeno educacional se desenrola


no tempo. Assim, estudaremos a educação no contexto histórico geral, não apenas para que
caminhe em paralelo aos fatos econômicos e sociais da história do homem, mas para entendermos
como as questões da educação estão mescladas às próprias ações constituídas pelo homem no
estabelecimento de sua existência de “aspectos biológicos, psicológicos, sociológicos, históricos
e filosóficos da educação”.

A educação e a sua história

A palavra EDUCAÇÃO (do latim educare, do grego paidagogos) tem um sentido humano e social.
É uma ação que se realiza desde as origens da sociedade humana. Consiste num processo
mediante o qual as gerações mais jovens vão adquirindo os usos e costumes, as práticas e hábitos,
as ideias e crenças dos mais antigos. Nas primeiras sociedades, a educação se manifesta como
uma influência inconsciente do adulto sobre a criança e adolescente. Com o tempo, o homem
descobre a importância dessa ação. O caçador inicia seus filhos no penoso ofício de capturar ou
matar animais; nos povos agrícolas, a mãe transmite rudimentos das artes do cultivo da terra etc.

Sobre esta educação nas primeiras sociedades, de caráter geral e espontâneo, foi surgindo,
com o correr do tempo, um conjunto de atos e organizações endereçado a desenvolver
conscientemente a vida cultural dos jovens. Nesta etapa do processo, a educação, que antes
era uma influência espontânea, toma agora a forma de uma influência intencionada, quer

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OS PRIMEIROS TEMPOS • AULA 1

dizer, realizada voluntariamente sobre as gerações jovens, e chega a ser exercida por pessoas
especializadas, em lugares apropriados e de acordo com certos propósitos religiosos, políticos
e econômicos.

Embora a educação intencionada signifique um avanço inegável no desenvolvimento da sociedade,


a educação primitiva e espontânea nunca desaparece. Luzuriaga (1967) afirma:

“Junto à educação intencional da escola hoje temos a ação difusa do lar, da igreja,
da comunidade, do país, além de outros fatores específicos como os livros, jornais,
cinema e teatro, que constituem a educação geral institucionalizada.”

O estudo da História da Educação é fundamental na formação do educador, pois o fenômeno


educacional se desenrola no tempo e é nesse contexto que ele precisa ser compreendido.
É fundamental estudar a educação sempre em ação com o contexto histórico, entretanto, a
educação não é um fenômeno neutro.

Vamos a um detalhe que é entender a Teoria da Educação como sendo a Pedagogia, ou seja:
tem conteúdo próprio, mas precisa de outras ciências humanas que a auxiliem, tais como a
sociologia, a psicologia, a filosofia e outras mais. A contribuição da filosofia é muito significativa,
acompanhando crítica e reflexivamente a prática educativa. Então: sociologia, psicologia,
filosofia, pedagogia... não podemos pensar nelas sem que outra teoria esteja presente:
a história!

A teoria da educação não se confunde com a política educativa, ainda que esta, para alcançar
seus desígnios e não cair em utopias, deva recorrer àquela. A teoria é obra dos pedagogos, dos
teóricos profissionais da educação; a política é tarefa dos homens de Estado.

A ideologia afeta e interfere na teoria, na ação e no processo educacional, não podendo ser
ignorada.

Para refletir

Vamos pensar um pouco sobre ideologia


Embora empregado extensamente (em geral referindo-se a pontos de vistas marxistas), o termo ideologia é equivocado; tem
múltiplos significados, às vezes distanciados, às vezes até diferentes.

Algumas definições são neutras (conjunto de convicções filosóficas, sociais, políticas etc. de um indivíduo ou grupo de
indivíduos), outras contêm juízos de valor (a ideologia equivale à falsa consciência).

1. Definição segundo a origem histórica:

“Ciência proposta pelo filósofo francês Destrut de Tracy (1754-1836) nos parâmetros do

materialismo iluminista, que atribui a origem das ideias humanas às percepções sensoriais

do mundo externo”.

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AULA 1 • OS PRIMEIROS TEMPOS

2. Definição segundo o marxismo:


Conjunto de ideias presentes nos âmbitos teóricos, cultural e institucional das sociedades,
que se caracteriza por ignorar a sua origem materialista nas necessidades e interesses
inerentes às relações econômicas de produção e, portanto, termina por beneficiar as classes
sociais dominantes.
Em outras palavras:
Totalidade das formas de consciência social, o que abrange o sistema de ideias que legitima
o poder econômico da classe dominante (ideologia burguesa) e o conjunto de ideias
que expressa os interesses revolucionários da classe dominada (ideologia proletária ou
socialista).

3. Definição segundo a sociologia:


“Sistema de ideias (crenças, tradições, princípios e mitos) interdependentes, sustentado por
um grupo social de qualquer natureza ou dimensão, o qual reflete, racionaliza e defende os
próprios interesses e compromissos institucionais, sejam estes morais, religiosos, políticos ou
econômicos (ideologia conservadora, cristã, nacionalista)”.

4. Definição proposta
Adam Schaff (data?) propõe a seguinte definição funcional (descritiva e neutra, portanto mais aceitável a pontos de vista
diversos):
“A ideologia é um sistema de opiniões que se baseando num conjunto de valores admitidos,
determina as atitudes e os comportamentos dos homens para com os objetivos desejados do
desenvolvimento da sociedade, do grupo ou do individuo”.

Somente no século XIX os historiadores começaram a interessar-se por uma história sistemática e
exclusiva da educação. Além disso, conhece-se melhor a história da pedagogia, ou das doutrinas
pedagógicas, do que propriamente das práticas efetivas de educação. Nesse último caso, alguns
graus de ensino, como o médio e o superior, preservaram documentação mais abundante do
que, por exemplo, o fundamental e o técnico, situação que explica em parte as dificuldades para
a reconstrução destes últimos.

Era uma vez um tempo em que a educação não era feita na escola, como ocorre atualmente.

A afirmação acima é para ser lida com a devida reserva. Certamente se pode falar de educação sem
escola: fato que, nas sociedades tribais, continua a acontecer ainda hoje. Continuam existindo
em todo o mundo regiões sem escola, mas, nem por isso a educação deixa de acontecer, ainda
que por processos peculiares.

Entre os povos passados, a educação é simples em sua estrutura. As crianças ajustam-se física e
socialmente ao seu ambiente por meio do conhecimento que lhes é passado pelas experiências
das gerações anteriores.

Imitação e aprendizagem

Talvez o “brincar de casinha” tenha começado com as meninas preparando comida... Como a
imitação nos primeiros anos é inconsciente, as crianças assim adquirem conhecimentos e

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OS PRIMEIROS TEMPOS • AULA 1

brincam com reproduções de objetos usados pelos adultos. Basta uma tora de madeira na água
para que aprendam a remar e equilibrar-se.

Aos poucos a imitação transforma-se em algo consciente. Participando de atividades dos adultos,
as crianças imitam os mais velhos e pouco a pouco aprendem as ocupações da tribo: construção
de utensílios; cuidar do gado, entre os povos pecuaristas; caça e pesca, entre os povos caçadores.

Em tempos passados, numa sociedade menos complexa que


a nossa, com facilidade pode-se determinar desde a natureza Para refletir
geral até o resultado da educação. Esta abordagem abrangente
é que nos ajudará a compreender os estágios futuros, mais
Será que realmente podemos
falar em sociedades
complexos, da atividade educacional. Se você leu com atenção primitivas?
os parágrafos acima, percebeu que o objetivo dos adultos não
Ao analisarmos os exemplos da
era simplesmente educar a criança, mas obter resultados do cultura característica dos grupos
trabalho que esta aprendia e reproduzia. Os observadores denominados tribais, percebemos que
estes possuíam um sistema complexo
científicos, estudando sociedades “primitivas” sobreviventes,
de hábitos e costumes, e mesmo seu
continuam encontrando as duas formas de aprendizagem – próprio processo educativo.
inconsciente e consciente – mencionadas acima. Ainda citamos
É importante sempre lembrarmos do
os jogos e passatempos, quando atirar num alvo ou jogar bola exercício antropológico de “relativizar”
são apenas imitações das práticas esportivas dos adultos. essas diferenças, não acha?

Por vezes, os chamados “primitivos”


Cerimônias de iniciação e educação podem ter muito mais a nos ensinar do
que nós imaginamos.
Danças rituais, práticas de feitiçaria e outras cerimônias têm
grande valor educativo entre os povos antigos. Os rituais, de curta ou de longa duração, são
representações simbólicas que constituem o culto religioso desses povos. Acontecem em prol de
melhores colheitas e antes das caçadas, das atividades de guerra e eventos sociais importantes.
Os rituais, desde que contenham explicações de lendas ou expressem dogmas religiosos, mitos,
crenças intelectuais e/ou científicas ou tradições e histórias da tribo, têm função educativa.

As cerimônias de iniciação têm especial valor educativo. Vamos encontrá-las em todos os


povos, tanto para os meninos quanto para as meninas. As cerimônias de iniciação dos meninos,
conduzidas por homens, são mais importantes e mais complexas que as das meninas, conduzidas
por mulheres. Há diferenças quanto à duração e à época em ocorrem as cerimônias, mas, de
qualquer forma, são especialmente notórias no início da adolescência do noviço, culminando
com a entrada do iniciado na comunidade adulta da tribo.

Saiba mais

Ritos de passagem
Certas etapas do ciclo de vida do ser humano, como nascimento, casamento e morte, são solenizadas realizadas em todas as
sociedades por meio de rituais. Chamam-se RITOS DE PASSAGEM as cerimônias que marcam a passagem de um indivíduo
ou grupo de uma fase do ciclo para outra.

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AULA 1 • OS PRIMEIROS TEMPOS

Como sabemos disso? Basta observar a iniciação praticada ainda no século XX em tribos no
centro da Austrália, no interior do Brasil e na África. Os ritos de passagem, como podemos
denominar esses eventos, marcam passagens, não só da adolescência para a vida adulta, mas
também nascimentos e mortes – passagem para este ou para um outro mundo.

Valores educativos das cerimônias de iniciação


a. Moral – na iniciação, os meninos suportam dor, toleram fome, enfrentam circunstâncias
difíceis. Aprendem a obedecer aos mais velhos e a reverenciá-los. O iniciado descobre o
que dele se espera: servir aos idosos, ser o mantenedor de um grupo familiar do qual vai se
tornar membro (seja por casamento ou adoção). Percebe-se também valor sociocultural
nessas cerimônias, ao constatar-se que um dos seus fins é assegurar a posição dos mais
velhos no controle da sociedade.

b. Social/político – os iniciados são pintados com símbolos totêmicos, que, interpretados,


contam histórias e tradições da tribo. Desta e de maneiras semelhantes explicam-se as
complexidades da sociedade genética que permeiam sua política, religião e ciência –
enfim, a ordem social.

c. Religioso – nos totens estão centralizados os mitos religiosos. O totem é o polo do


culto. Os símbolos cerimoniais que formam o totem representam animais. Também
aí encontramos função educativa, principalmente para explicar, pelos mitos, como as
forças da natureza operam. Mesmo os procedimentos relacionados à aprendizagem do
acender o fogo, preparar alimentos ou capturar animais são definidos e rígidos, com
caráter de importância mais religiosa do que prática. Percebe-se com clareza que os
primeiros professores foram os curandeiros, os feiticeiros, os Xamãs, responsáveis pela
direção da cerimônia de iniciação, no papel de sacerdotes.

d. Animismo – presença constante em sua educação, o animismo é característica comum


a todos os povos.

O animismo consiste na crença de que todas as coisas possuem uma alma.


As pedras, as árvores, os animais, enfim, todas as formas de existência possuem
alma ou espírito. (...) Assim, na busca dos meios necessários para sobrevivência,
o homem primitivo procura agir de maneira a não ofender o espírito que habita
os objetos de que precisa (PILETTI; PILETTI, 2003).

Lendo e aprendendo

A educação nas primeiras sociedades


Primeiro momento

Sobreviver é o que importa; são nômades; organização político-social baseada


no clã; regime patriarcal; arte e religião expressas magicamente; educação

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OS PRIMEIROS TEMPOS • AULA 1

espontaneamente voltada para a transmissão das atividades de vida prática.


Principal elemento educador: o PAI.

Segundo momento

Passam a existir povoações; sobrevivência baseada na agricultura; o matriarcado


predomina; a religião está voltada para a agricultura; a arte é mais prática e
menos inspirada; a educação continua a serviço da comunidade, transmitindo
conhecimentos agrícolas, como confeccionar roupas e utensílios. Principal
elemento educador: a MÃE.

História do Egito Antigo

Não é uma história de “Era uma vez”! A história Egito Antigo é uma história real, das mais
fascinantes, que povoou os sonhos de muitos ao longo dos séculos. Vamos relembrar um pouco
desta que já foi uma história que você estudou na educação básica.

A civilização egípcia antiga desenvolveu-se no nordeste africano às margens do rio Nilo {entre
3.200 a.C. [unificação do norte e sul] a 32 a. C. (domínio romano)}.

Como a região é desértica, o rio Nilo ganhou uma extrema importância para os egípcios. O rio
Nilo era utilizado como via de transporte (por meio de barcos) e mercadorias e pessoas. As águas
do Nilo também eram utilizadas para beber, pescar e fertilizar as margens, nas época de cheias,
favorecendo a agricultura.
Figura 1. Faraó.

Fonte: https://ca.wikipedia.org/wiki/Amenofis_II.jpg.

a. A SOCIEDADE EGÍPCIA: estava dividida em várias amadas, sendo que o faraó era a
autoridade máxima, chegando a ser considerado um deus na terra. Sacerdotes, militares
e escribas (responsáveis pela escrita) também tinham importância na sociedade.
Esta sociedade era sustentada pelo trabalho e impostos pagos por camponeses, artesãos
e pequenos comerciantes. Os escravos também compunham a sociedade egípcia e,
geralmente, eram pessoas capturadas em guerras. Trabalhavam muito e nada recebiam
por seu trabalho, apenas água e comida.

b. A ECONOMIA EGÍPCIA: era baseada principalmente na agricultura, que era realizada


principalmente, nas margens férteis do rio Nilo. Os egípcios também praticavam o

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AULA 1 • OS PRIMEIROS TEMPOS

comércio de mercadorias e o artesanato. Os trabalhadores rurais eram constantemente


convocados pelo faraó para prestarem algum tipo de trabalho em obras públicas (canais
de irrigação, pirâmides, templos, diques).

Figura 2. Pirâmides.

Fonte: https://ca.wikipedia.org/wiki/Amenofis_II.jpg.

c. A religião egípcia: era repleta de mitos e crenças interessantes. Acreditavam na existência


de vários deuses (muitos deles com corpo formado por parte de ser humano e parte de
animal sagrado) que interferiam na vida das pessoas. As oferendas e festas em homenagem
aos deuses eram muito realizadas e tinham como objetivo agradar os seres superiores,
deixando-os felizes para que ajudassem nas guerras, colheitas e momentos da vida. Cada
cidade possuía deus protetor e templos religiosos em sua homenagem. Como acreditavam
na vida após a morte, mumificavam os cadáveres dos faraós, colocando-os em pirâmides,
com o objetivo de preservar o corpo para a vida seguinte. Esta seria definida segundo crenças
egípcias, pelo deus Osíris em seu tribunal de julgamento. O coração era pesado pelo deus
da morte, que mandava para uma vida na escuridão aqueles cujo órgão estava pesado (que
tiveram uma vida de atitudes ruins) e para uma outra vida boa aqueles de coração leve.
Muitos animais também eram considerados sagrados pelos egípcios, de acordo com as
características que apresentavam: chacal (esperteza noturna), gato (agilidade), carneiro
(reprodução), jacaré (agilidade nos riso e pântanos), serpentes (poder de ataque), águia
(capacidade de voar), escaravelho (ligado à ressurreição).

Figura 3. Deus Anubis.

Fonte: https://ca.wikipedia.org/wiki/Amenofis_II.jpg.

14
OS PRIMEIROS TEMPOS • AULA 1

d. A ESCRITA EGÍPCIA: também foi algo importante para esse povo, pois permitiu a
divulgação de ideias, comunicação e controle de impostos. Existiam duas formas de
escrita: a demótica (mais simplificada) e a hierográfica (mais complexa e formada por
desenhos e símbolos). As paredes internas das pirâmides eram repletas de textos que
falavam sobre a vida do faraó, rezas e mensagens para espantar possíveis saqueadores.
Tinham uma espécie de papel chamado papiro que era produzido a partir de uma planta
de mesmo nome. Era utilizado para escrita.

e. A CIVILIZAÇÃO EGÍPCIA: destacou-se muito na área das ciências. Desenvolveram


conhecimentos importantes na área da matemática, usados na construção de pirâmides
e templos. Na medicina, os procedimentos de mumificação proporcionaram importantes
conhecimentos sobre o corpo.

Quadro 1. Cronologia do Egito antigo.

Anos Períodos/Dinastia Principais Eventos


3100 a Primeira e » Surgem as primeiras escritas hieroglíficas.
2950 a.C. Segunda Dinastias » Fundação do Estado Egípcio..

Período Dinástico » Criação da cidade de Mênfis.


2950 a
Primitivo » Intenso contato com a Palestina.
2575 a.C.
(1ª a 3ª Dinastias) » Construção da primeira pirâmide, a Pirâmide Escalonada de Sakkara..

2575 a Antigo Reino » As Grandes Pirâmides são construídas em Dahshur e Gizé.


2150 a.C. (4ª a 8ª Dinastias) » As Pirâmides e as tumbas da elite são as primeiras a receber inscrições murais..

2125 a 1º Período Intermediário » O Egito é dividido em dois pequenos estados, governado por Mênfis no
1975 a.C (9ª a 11ª Dinastias) norte e Tebas no sul.

» Mentuhotep reunifica o Egito.


1975 a Reino do Meio » Amenhotep I constrói um novo palácio real próximo a Mênfis.
1640 a.C. (11ª a 14ª Dinastias) » Conquista do Egito na Baixa-Núbia sob Sen-usert I e III.
» Período clássico da arte e literatura.

1630 a 2º Período Intermediário » Reis hicsos medem o poder no norte.


1520 a.C. (15ª a 17ª Dinastias) » 17a Dinastia Tebana no sul..

» Império egípcio no noroeste e Núbia.


» Construção das tumbas do Vale dos Reis.
1539 a Novo Reino » Reinado de uma mulher faraó: Hatshepsut.
1075 a.C. (18ª a 20ª Dinastias) » Akhenaton tenta introduzir uma religião monoteísta.
» Breve reinado de Tutankhamon.
» Ramsés II reina por 67 anos.

1075 a 3º Período Intermediário » Divisão e estabelecimento Líbio no Egito.


715 a.C (21ª a 25ª Dinastias) » A Núbia conquista o Egito (final do 8o século).

» Breve conquista do Egito pelos assírios.


Último Período (20ª a » Renascimento cultural sob os reis saítas.
715 a
30ª Dinastias, 2º Período
332 a.C. » Conquista persa do Egito (525 a.C.).
Persa)
» O Egito recupera a sua independência (404-34 a.C.).

15
AULA 1 • OS PRIMEIROS TEMPOS

Anos Períodos/Dinastia Principais Eventos


» Alexandre, o Grande ocupa o Egito.

332 a. Período Greco-Romano » General de Alexandre, Ptolomeu, torna-se rei e funda uma dinastia.
C. a (Macedônios, Ptolomeus, » Gravação da Pedra de Rosetta (196 a.C.).
395 d. C.. e Romanos) » Reinado de Cleópatra VII (51-30 a.C.).
» O Egito passa a ser uma província do Império Romano (30 a.C.).

Nota: Esta tabela foi preparada em parte com base numa cronologia estabelecida por John A. Wilson em seu livro
A Cultura do Egito Antigo (The University of Chicago Press, 1951, EUA). As datas foram calculadas de antigos documentos,
especialmente o papiro real de Turim, e de várias outras fontes.

Fonte de Consulta: http://www.starnews2001.org/egypt/timeline.htm

A Esfinge, as Pirâmides, o Vale dos Reis, o Rio Nilo, as múmias e os mistérios: todos estão lá, no
Egito que fascina e continuará fascinando o homem.

A nossa intenção é mostrar-lhes que,

... parece então legítimo começar nosso estudo pelo Egito, unanimemente
reconhecido como berço comum da cultura e da instrução. No IV milênio vamos
encontrá-lo já maduro: mas qual a infância e qual adolescência históricas se
escondem atrás desta maturidade? (MANACORDA, 1989).

No seu passado remoto, o povo do Egito acumulou riquezas culturais e as transmitiu, sobretudo
as ciências subjacentes à produção dessas riquezas, isto é, a geometria, a astronomia e a
matemática. Esta direcionada para as primeiras (geometria e astronomia). Vislumbramos aí
uma civilização desenvolvida, com funções hierarquizadas, proficiente na agricultura e, mais
tarde, na construção de edifícios e de barcos, na medicina, no vestuário, na cerâmica etc.
Assim, é inevitável deduzir que havia também a transmissão formal das habilidades práticas
e das noções científicas.

Nossa imaginação “constrói” a possibilidade de dois tipos de escola: uma escola intelectual, para
a matemática, geometria, astronomia e ciências esotéricas e sagradas; e uma escola prática, para
a aprendizagem dos ofícios. Tratando-se da antiguidade, essa escola prática seria uma escola de
sacerdotes e de artesãos, na qual incluiríamos o treinamento dos guerreiros.

Na verdade, para os tempos antigos faltam-nos provas diretas da formação intelectual e profissional,
que só mais tarde assumiu forma orgânica. Mas há provas que nos sugerem o aprendizado do
trabalho agrícola ou artesanal.

Temos, porém provas do processo de inculturação reservado às classes dominantes:


isto é, a escola de formação para a vida política, ou melhor, para o exercício do
poder. Mas, embora também esta formação obviamente compreenda muitos
elementos da instrução formal ou instrumental, não é destes nem de sua
didática que os antigos documentos nos falam, mas apenas da introdução aos
comportamentos e à moral do poder (MANACORDA, 1989).

16
OS PRIMEIROS TEMPOS • AULA 1

O antigo império

Os “ensinamentos” mais velhos nos levam ao antigo reino de Mênfis (século XXVII a.C.),
apresentando-nos preceitos e comportamentos de acordo com as estruturas das castas dominantes.
O termo “filho” indica discípulo em geral. As características fundamentais desta educação são a
imutabilidade e a autoridade do adulto.

Os autores desses primeiros ensinamentos tornaram-se clássicos da literatura egípcia, chegando


até nós por meio de coletâneas escolásticas mais recentes. Sua literatura, profética e erudita,
assemelha-se à que encontramos na Bíblia. Alguns de seus representantes: Kares, Ptahhotep
(seu livro Doutrina, é o primeiro livro escolar de que se tem notícia), Gedefor e outros.

O médio império

Aqui o uso do livro-texto (já vamos chamá-lo assim) torna-se mais frequente e generalizado.
Do início do Médio Império, isto é, do primeiro período intermediário ou período tebano (11ª
e 12ª dinastias, de 2133 a 1786 a.C.), chegam-nos textos, confirmando que a instrução era algo
pertinente à vida interna da família, mesmo que se tratasse de aprendizado profissional, como
um escriba formando seu aprendiz, sempre considerado filho.

Outros documentos mostram uma escola coletiva e indicam o acesso à profissão de escriba como
possibilidade de ascensão social.

A progressiva transformação da sabedoria em cultura, isto é, em conhecimento


erudito e em assimilação da tradição com seus rituais e a correlativa constituição
da escola com seus materiais didáticos, os rolos de papiro (os atuais livros),
é confirmada tanto pelas inscrições fúnebres como pelos textos literários,
em particular por uma fábula deste período, contida no papiro Westcar
(MANACORDA, 1989).

Documentos do segundo período intermediário (época dos hicsos, isto é, da 13ª à 17ª dinastia,
de 1785 a 1580 a.C.) apresentam novos temas, mas testemunham a manutenção da tradição
educativa.

A preparação física (visando à guerra) aparece mais evidente. No palácio do faraó, existia também
uma forma de educação física, a natação. Documentos icônicos apresentam-nos atividades de
arco e flecha, caça às feras, corrida e pesca. Somente as classes dominantes têm acesso a essas
atividades, assim como à educação oratória. De agora em diante, comece a prestar bastante atenção
como a oratória vai tornando-se cada vez mais importante na vida do homem, na antiguidade.

O novo império

É o período de consolidação e generalização da escola. Podemos reunir, ainda que fragmentariamente,


algumas indicações de reflexões pedagógicas.

17
AULA 1 • OS PRIMEIROS TEMPOS

Observe o ensinamento de Any a seu filho Konsuhotep:

“Não digas: todo homem é segundo sua natureza, ignorante e sábio ao mesmo
tempo... O ensinamento é bom e não cansa”.

Saiba mais

Onomástica
É o nome do parente mais antigo de nossas enciclopédias, um documento que permitia aos escribas controlar uma
complexa administração estatal. Como o interesse não era filológico, mas de conteúdo, os “verbetes” tratavam de coisas reais
e não apenas de palavras, como em nossos dicionários.

A educação na civilização egípcia

A civilização egípcia

A religião era toda poderosa; grande preocupação com a vida após a morte; moral baseada em
conselhos práticos. A arte também refletia o caráter religioso da cultura. Nas ciências, a medicina,
matemática, astronomia e agricultura eram desenvolvidas.

Educação

Ligada à religião; disciplina rigorosa; instrução superior para os filhos das classes altas. O papiro
de Moscou relata problemas relativos ao cálculo de frações e de volumes e contém até a avaliação
do mestre:

“Encontraste a resposta exata.”

Sintetizando

Vimos até agora:

»» Que a História da Educação é vista como o caminho para o entendimento da educação de hoje, por ser capaz de apontar
em duas direções: a profundidade e a extensão do fenômeno educacional.

»» Que compreender a importância do contexto histórico no estudo da educação e entender a magnitude da História da
Educação como disciplina é imprescindível para a melhoria da ação educacional.

»» Como a educação ocorreu nas sociedades tribais.

»» Que é possível compreender que, para o povo primitivo, imitar é aprender, algo que foi se tornando consciente.

»» O resultado advindo do aprendizado da criança das sociedades primitivas imitando os mais velhos.

»» O aprendizado consciente e inconsciente.

»» Os valores educativos dos rituais iniciáticos.

18
A EDUCAÇÃO NA GRÉCIA E EM ROMA
Aula
2
Apresentação

Falar da Grécia Antiga é falar de um povo que perguntou: “O que é o Homem?”. Assim, nesta aula, você
conhecerá parte significativa da história da educação. Conhecerá a Grécia, o berço da pedagogia. Identificará
as muitas “Grécias”. Saberá o que é a Paideia. Aprofundará seu conhecimento sobre o período Homérico
e como a educação se apresentou nesta época.

Veremos as características de Esparta e Atenas, identificando suas diferenças. Conheceremos os sofistas e


sua atuação na educação. Discutiremos as filosofias de Sócrates, Platão e Aristóteles e, por fim, refletiremos
sobre o surgimento das instituições educativas: dialética, filosofia e retórica.

Grécia e Roma são duas histórias que se cruzam. Vamos descobrir por quê? Como conquistadora do
povo grego, a civilização romana foi profundamente influenciada por este. Assim, apresentaremos:
o legado grego e os práticos romanos conquistadores. Refletiremos sobre as divisões da história
romana: Realeza, República e Império. Analisaremos o ideal romano de educação: direitos
e deveres. Conheceremos o conceito de família, educação e o lugar de mulher na sociedade
romana. Por fim, refletiremos sobre a influência da educação grega no povo romano, o declínio
da educação romana e a queda desse incrível Império.

Objetivos

»» Identificar um novo conceito de educação.

»» Perceber os ideais gregos que influenciaram toda a humanidade.

»» Distinguir os sofistas dos filósofos.

»» Reconhecer nos grandes filósofos a base de nossa própria educação.

»» Identificar o ideal romano de educação.

»» Reconhecer a família como centro da educação romana.

»» Observar como a educação grega foi importante para as escolas romanas.

»» Conhecer os motivos do declínio da educação romana.

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AULA 2 • A EDUCAÇÃO NA GRÉCIA E EM ROMA

Falar da Grécia Antiga é falar de um povo com a visão universal, o primeiro a fazer a pergunta:
”O QUE É O HOMEM?”.

Embora com características diferentes, vamos encontrar na Grécia, em assuntos de educação,


pontos de vista similares aos do Egito Antigo. O conhecimento desses pontos de vista nos chegou
pelos escritos de Platão, Diodoro de Sicília e Heródoto.

Você sabia que o termo pedagogia é de origem grega? Pedagogia deriva de paidagogos, nome dos
escravos que levavam as crianças às escolas.

Consideramos a Grécia clássica como o berço da pedagogia, já que ali surgiram as reflexões
iniciais sobre a ação pedagógica, reflexões que por muitos séculos influenciarão a educação e a
civilização ocidentais.

Como sabemos, a Grécia está localizada na parte leste do mar Mediterrâneo, na península
balcânica. Tem relevo acidentado, com um litoral de muitos golfos, banhado pelos mares Egeu
e Jônio. O golfo de Corinto corta o país pelo meio: ao Norte, fica a Grécia continental; ao Sul, a
Grécia peninsular. O relevo montanhoso dificultava a prática da agricultura, esta se restringia a
apenas um quinto das terras. O comércio tornou-se a atividade econômica básica.

A formação do povo grego

“Pré-Homérico” ou “da Grécia Primitiva” é o nome dado ao período anterior à formação do


povo grego. Neste período desenvolveu-se ali a civilização creto-micênica, que tinha como seus
principais centros a ilha de Creta e a cidade de Micenas.

Cnossos, capital de Creta, exibia pujança econômica. Seus reis (Minos) habitavam grandes palácios.

O primeiro império marítimo de que se tem notícia foi fundado pelos cretenses. Eles utilizaram a
madeira para construir navios de até vinte metros de comprimento. Eram excelentes artesãos,
trabalhando principalmente com cerâmica e metais. Graças ao cultivo da uva, da oliveira e de
cereais, tinham o que consumir e exportar.

Constituída por diversos povos, a civilização micênica floresceu no fim do segundo milênio a.C.
Uma aristocracia militar forma-se; a figura do guerreiro torna-se cada vez mais importante;
os chefes que se destacam habitam palácios em Tirinto e Micenas. No século XII a.C., Ulisses,
Aquiles e Agamenon partem para a guerra de Troia, no litoral da Ásia Menor (na Turquia de hoje).

O vigor cultural creto-micênico foi abalado pelas sucessivas invasões de tribos nômades de
origem indo-europeia. Esses saqueadores (dórios, eólios, jônios e aqueus) assolaram a região,
mas assimilaram seus costumes e instituições, dando assim origem, pela miscigenação cultural
e racial, ao povo grego.

20
A EDUCAÇÃO NA GRÉCIA E EM ROMA • AULA 2

O período homérico: 1100-800 a.c. (A Ilíada e A Odisséia)


Figura 4. Homero.

Fonte: https://qen.wikipedia.org.wiki.Homer.jpg

O período homérico estende-se de 1100 a 800 a.C., embora você também possa encontrá-lo
registrado como 900 a 750 a.C. Nesse período, a educação apresenta caráter eminentemente prático.

Homero foi tão importante para a cultura e a educação gregas que muitos estudiosos consideram
que as sementes do desenvolvimento posterior estão todas contidas no período que leva seu nome.

Os poemas homéricos – A Ilíada e A Odisséia – falam dessa educação (de caráter


prático), que compreende um duplo ideal de homem. Ou seja, o homem de ação
e o homem de sabedoria. Esse duplo ideal – sabedoria e poder de ação – tinha
que ser atingido por todos os gregos livres (PILETTI; PILETTI, 2003).

Nos poemas homéricos encontramos a concepção mítica do homem e do mundo – quer dizer,
as ações humanas são explicadas pela interferência divina, pelo sobrenatural. Os cantores
ambulantes, Aedos e Rapsodos, recitando de cor em praça pública, davam forma poética a essa
concepção e a transmitiam. Como provável autor das grandes epopeias – A Ilíada e A Odisséia –,
Homero é o grande destaque entre esses artistas, embora não tenhamos certeza de que realmente
existiu. Há mesmo quem creia que seriam vários os autores das epopeias, isto é, homens que as
escreveram mais ou menos na mesma ocasião ou autores sucessivos, em épocas diversas.

Os gregos homéricos estavam passando do barbarismo para a civilização. As habilidades mais


simples da vida eram aprendidas em casa, mas, para os deveres superiores – os do serviço público
em geral –, o treino era recebido na guerra e no concílio. O concílio consistia no que mais se
aproximava de uma instituição educativa.

Monroe (1983, p. ?) afirma:

O ideal homérico, entretanto, continha o germe da teoria do desenvolvimento


da personalidade. Compreendia o duplo ideal do homem de ação e do homem
de sabedoria. O primeiro foi personificado por Aquiles, o último, Ulisses.

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AULA 2 • A EDUCAÇÃO NA GRÉCIA E EM ROMA

Embora esses ideais fossem personificados superiormente por esses dois tipos
diferentes, ambos, sabedoria e poder de ação, tinham que ser atingidos por
todos os gregos livres. (...) Esta união de pensamento e conduta numa vida de
ação guiada pela razão, permanece o ideal grego, mesmo quando formulado no
último estágio filosófico.

Educação espartana

Antes de falarmos da educação espartana, é fundamental se conhecer Esparta.

Observe:

Esparta era uma das cidades-estado da Grécia Antiga. situada nas beiras do rio
Eurotas na parte sudeste do Peloponeso, conquistou a vizinha Messénia cerca
do ano 700 a.C. e, duzentos anos mais tarde, iria coligar-se com os seus outros
vizinhos, formando a Liga do Peloponeso. Na Guerra do Peloponeso, no século
V a.C., Esparta derrotou Atenas e passou virtualmente a governar toda a Grécia,
mas em 371 a.C. os outros estados revoltaram-se e Esparta foi derrubada, apesar
de manter-se poderosa ainda durante mais duzentos anos. Enquanto Atenas era
a capital politica, Esparta era a capital militar.

Em Esparta os homens eram na sua maioria soldados e foram responsáveis por


um avanço das técnicas militares, melhorando e desenvolvendo com treino,
organização e disciplina intensivos nunca vistos até então.

Relativamente ao poder, Atenas era a principal rival de Esparta e foi ela que
liderou as cidades-estado gregas na luta contra os invasores persas, em 480 a.C.
(WIKIPEDIA).

A educação espartana voltava-se a dar a cada pessoa alto nível de perfeição física, muita coragem
e tal vontade de sempre obedecer às leis, de modo que um homem poderia se tornar um soldado
ideal. A princípio, porém, o preparo militar era entremeado com música e esportes (as mulheres
também passavam por este tipo de educação).

Foi um legislador chamado Licurgo, o responsável pela participação do Estado na educação.


Assim, o povo espartano, antes forma primitiva de cultura grega, já na época de Homero,
sobressaía-se entre os demais povos helênicos. E foi graças à Constituição de Licurgo (demonstrando
a necessidade do controle governamental sobre a educação), que toda a sociedade se transformou
numa escola e todo membro adulto participava na educação dos jovens.

Fica fácil percebermos que os espartanos não tinham a educação voltada para a intelectualidade,
sensibilidade e delicadeza, nem faziam longos discursos ou debates como os atenienses. Aranha
comenta: “Aliás, a palavra laconismo, que significa ‘maneira breve, concisa, de falar ou escrever’,
deriva de Lacônia, região onde viviam os espartanos” (ARANHA, 2006).

22
A EDUCAÇÃO NA GRÉCIA E EM ROMA • AULA 2

Figura 5. Licurgo.

Fonte: https://it.wikipedia.org/wiki/Licurgo.jpg

Voltando às mulheres, as cidades espartanas proporcionavam a elas atividades como dança,


lançamento de disco, corrida, mostrando corpos belos e vigorosos quando da ocasião de festas.

Educação ateniense
Figura 6. Atenas.

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Arte_da_Grécia_Antiga.jpg.

Com intuito de posicionar o leitor com relação a Atenas, apresentamos uma descrição da referida
cidade, retirada da Wikipédia.

Atenas (em grego Αθήνα) é a capital da Grécia e também a capital da região


grega da Ática. Além de ser uma cidade moderna, Atenas também é famosa por
ter sido uma poderosa cidade-Estado e um centro de cultura muito importante
nos tempos antigos.

Em grego antigo, Atenas era chamada Αθήναι em homenagem à deusa Atena.


No século XIX, este nome foi retomado formalmente como nome da cidade,
mas desde o abandono oficial do grego katharévussa em 1976 a forma popular
Αθήνα tornou-se o nome oficial da cidade (WIKIPEDIA).

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AULA 2 • A EDUCAÇÃO NA GRÉCIA E EM ROMA

Sem quase nada em comum com Esparta, foi em Atenas que descobrimos o nascimento de um
ideal para a formação completa do homem.

Para ficar mais interessante e objetivo para você, vamos destacar alguns pontos:

1. No que diz respeito à organização familiar, a educação ateniense, ao contrário da espartana,


que deixava a família de lado, procurou conservá-la, dando-lhe a responsabilidade da educação
(incluindo desenvolvimento e formação da personalidade). As escolas eram particulares, e o
Estado responsabilizava-se apenas pela educação entre 16 e 20 anos, quando se voltava para o
preparo do serviço militar.

Amas e escravos cuidavam das crianças, o que não acontecia em Esparta, com as mães
ocupando-se pessoalmente da educação, treino moral e físico delas. Jogos infantis, parecidos
com os que as crianças têm hoje, são encontrados em textos literários da época. Em casa ou na
rua, a educação ia se dando de maneira incidental.

Os pedagogos eram servos ou escravos que recebiam os meninos quando estes não eram
mais cuidados pelas amas. As palavras paidós (criança) e agein (conduzir) levam-nos ao
vocábulo pedagogo, ou seja, ao condutor que levava as crianças à escola. A educação começava
aproximadamente aos sete anos, para os meninos de classes mais abastadas, que, desligados das
mães, seriam alfabetizados. Muito diferente de nossas escolas hoje, existiam dois tipos de escola:
a escola de música e escola de ginástica ou palestra. As meninas permaneciam no gineceu,
lugares da casa dedicados aos trabalhos domésticos, que pouco interessavam aos meninos.
Pedotriba ou instrutor físico, iniciava o menino no pentatlo, famosa competição de jogos. Os
meninos também eram conduzidos ao professor de cítara (sempre levado pelo pedagogo),
considerando-se o fato de que os gregos eram grandes amantes da arte da música. A leitura e a
escrita eram ensinadas pelo gramático, que reunia seus alunos em lugares diversos como praça
pública, tenda, uma esquina ou uma sala. Esse gramático (grammata=letra) também era chamado
de didasko, que significa EU ENSINO. As crianças aprendiam de cor os poemas de Homero
e Hesíodo, as fábulas de Esopo etc. A aprendizagem não era das mais fáceis, considerando o
método que utilizava além da declamação, a memorização, a repetição e silabação.

Quanto aos mais pobres, ao complementarem a educação elementar aos treze anos, buscavam
ofícios. Os mais abastados, como já comentamos anteriormente, eram encaminhados ao
ginásio, que, com o tempo, abriram espaço para estudos mais generalizados como astronomia,
matemática, geometria, influenciados, no todo, por filósofos. Repare que temos uma ideia de
educação secundária. Já encontrávamos na Grécia três níveis de educação esquematizando-
se: elementar, secundária e superior.

2. Agora já estamos nos anos 450-400 a.C.! Vejamos o que diz Paul Monroe (1983):

Em primeiro lugar, com o desenvolvimento da liberdade na esfera política,


passou-se a reclamar da educação maior liberdade individual de pensamento

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A EDUCAÇÃO NA GRÉCIA E EM ROMA • AULA 2

e ação. Em segundo lugar, impôs-se a necessidade de um treino ou educação


que habilitasse o indivíduo a aproveitar-se das oportunidades sem precedentes
que se ofereciam para o engrandecimento e realizações pessoais (...) Porém, na
sociedade ateniense, organizada sob o velho regime, não havia meios para
ministrar a educação que proporcionasse ao indivíduo condições de êxito
pessoal. Toda a educação existente preparava apenas para o exercício cívico.
Aparece, então, o instrumento necessário, sob a forma de uma nova classe de
professores – os sofistas.

Com a expansão do comércio, do crescimento das cidades, das artes militares e do artesanato,
Atenas era o referencial da vida política, social e cultural da Grécia. Atenas que estava vivendo
seu momento maior de esplendor filosófico.

A Constituição de Clístenes (democrática) havia substituído a antiga constituição aristocrática


que vigorava desde 509 a.C. É claro que o padrão da educação também se modificou, sendo
substituído por outro. Vejamos como Chauí (2000), escreve: “...esse ideal educativo vai sendo
substituído por outro. O ideal de educação do século de Péricles é a formação do cidadão”.

Primeiros filósofos do período clássico (este que você está descobrindo), os SOFISTAS surgiram
vindos de várias partes do mundo, compondo uma nova classe de professores, aquela que a
sociedade exigia. Sophós significa sábio. Eles eram professores ambulantes que perambulavam
pelas grandes cidades, ensinando artes e ciências, voltadas para a prática (em especial a eloquência)
e recebiam excelente retorno financeiro. Como eles mesmos se denominavam sábios, isto não
era bem visto pelos gregos mais conservadores. Também pesava o fato de que isto contrariava
dois pontos valorizados pelos gregos: harmonia e reverência, voltadas para uma relação
professor-aluno mais afetiva e não para a busca de salário alto.

O que os sofistas transmitiam: expressões inteligentes para serem usadas em momentos


de necessidade, preparação mais superficial para desenvolverem discursos em processos
nos tribunais. Alguns eram mais criteriosos em seus ensinamentos do estudo das ciências e
treinavam dialética e retórica por meio de discussões e discursos públicos. Individualistas,
de alguma maneira deram grande contribuição para a sistematização da educação.
E, lamentavelmente, isto contribuiu para a desmoralização de Atenas, considerando que para
eles, sofistas, a moralidade devia basear-se na razão e não, como anteriormente, no costume e
na tradição.

Sócrates

A educação grega já se preocupava com:

»» O que é melhor ensinar?

»» Como é melhor ensinar?

25
AULA 2 • A EDUCAÇÃO NA GRÉCIA E EM ROMA

A reflexão de tais questões promoveu diversas buscas para a melhor forma de educar. A filosofia
grega, cujo eixo central é Sócrates, pode ser dividida em três períodos:

»» Período pré-socrático (séculos VII e VI a.C.): os filósofos das colônias gregas que iniciam
o processo da separação entre a filosofia e o pensamento mítico.

»» Período socrático (séculos V e IV a.C.): Sócrates, Platão e Aristóteles. Os sofistas são


contemporâneos e alvo de suas críticas.

»» Período pós-socrático (séculos III e II a.C.): época helenística, após a morte de Alexandre.
Fazem parte ainda as correntes filosóficas mais famosas: o estoicismo e o epicurismo.

Os sofistas tinham um ponto básico em sua doutrina – O homem é a medida de todas as coisas
– que Sócrates tomou como ponto de partida, levando-o a concluir que o homem tem como
obrigação primeira conhecer-se a si mesmo. Profundamente distante da superficialidade ainda
que brilhante dos sofistas, Sócrates percebia a educação do homem tendo em si capacidade
de conhecimento e apreciação de verdades (como sabedoria, fidelidade, honestidade, honra,
amizade, virtude, verdade) ou adquirir essa capacidade. Fazendo perguntas ao interlocutor (seu
método), obtinha opiniões que, por meio de outras tantas, levavam o indivíduo a descobrir por
si próprio contradições e absurdos em suas respostas.

Método socrático

O método socrático tem a seguinte concepção:

o método socrático do elenchos (que significa escrutínio, refutação, interrogação)


consiste num encadear de perguntas e respostas sobre as definições ou logoi (o
singular é logos), procurando caracterizar as características gerais partilhadas por
várias entidades particulares. Esta é uma técnica refutativa (também conhecida
como ironia socrática): os interlocutores de Sócrates partem de definições que,
depois de vários exemplos, acabam por entrar em contradição, o que permite
compreender até que ponto conhecemos mal as coisas (incluindo as nossas
certezas). À generalização deste método inquisitivo, que procura fazer emergir
na consciência as definições implícitas nas crenças pessoais de cada um, para
que cada um conheça melhor a si mesmo, deu-se o nome de maiêutica, ou seja
a arte de dar à luz ideias (supostamente, Sócrates seria filho de uma parteira:
descoberta do método da definição e indução, essência do método científico
aristotélico. Estranhamente, Aristóteles negou que este método fosse aplicável
à Ética.

Sócrates aplicou seu método para examinar os principais conceitos morais do


seu tempo, as VIRTUDES de PIEDADE, SABEDORIA, TEMPERANÇA, CORAGEM
e JUSTIÇA. Tal exame desafiava as crenças morais implícitas dos interlocutores,
fazendo aparecer incoerências e inconsistências em suas crenças, sempre
resultando em uma charada conhecida como aporia. Em vista de tais incoerências,

26
A EDUCAÇÃO NA GRÉCIA E EM ROMA • AULA 2

o próprio Sócrates professou sua ignorância, mas outros ainda mantinham a


certeza de seu conhecimento, assim Sócrates afirmava que estando consciente de
sua ignorância era mais sábio que aqueles que, apesar de ignorantes, afirmavam
ter o conhecimento – uma afirmação que parecia paradoxal em um primeiro
momento. Essa afirmação foi conhecida pela anedota do pronunciamento do
Oráculo de Delphos que Sócrates era o mais sábio dos homens.

Sócrates costumava citar a sabedoria como sendo a base de sua exortação moral.
Da mesma maneira, ele enfatizava que a maior das virtudes consistia em cuidar
das coisas da alma, que deveria preocupar-se com a busca da verdade e do
entendimento, e que “a riqueza não traz felicidade, porém a bondade traz riqueza
e toda sorte de bençãos, tanto para o indivíduo quanto para o país”, e que “a vida
sem provações não vale a pena ser vivida”. Sócrates também argumentava que
“estar errado é melhor do que fazer errado” (WIKIPEDIA).

Veja como os professores Piletti nos ajudam a sintetizar os conhecimentos básicos sobre Sócrates:

A primeira parte do método de Sócrates – fazer perguntas para obter a opinião


do interlocutor – é a IRONIA. Ironia, do grego EIRONEIA, significa perguntar,
fingindo ignorar, para rir-se dos outros. A segunda parte = fazer outras perguntas
para levar o interlocutor a descobrir a verdade é a MAIÊUTICA, que significa parto
ou partejamento (do grego MAIEUTIKÓS). Maiêutica é a arte de fazer nascer as
ideias (PILETI; PILETI, 2003).

As principais contribuições de Sócrates para a educação foram as seguintes:

»» O conhecimento possui um valor prático ou moral, isto é, um valor de natureza universal


e não individualista;

»» O processo objetivo para obter-se conhecimento é o de conversação; o subjetivo é o de


reflexão e organização da própria experiência;

»» A educação tem por objetivo imediato o desenvolvimento da capacidade de pensar, não


apenas de ministrar conhecimento (PILETTI; PILETTI, 2003).

Platão

Filho de família nobre, foi mestre de Aristóteles e discípulo de Sócrates, aceitando e desenvolvendo
a dialética socrática que ele definiu como “contínuo discurso consigo mesmo”. Para Platão, o
papel do educador era promover o processo de interiorização no educando, para que ele pudesse
sentir suas ideias. O despertar para essas ideias vem por meio de processo gradual, no qual são
levados em conta corpo e espírito (A boa educação é a que dá ao corpo e à alma toda a beleza,
toda a perfeição de que são capazes).

Quanto a adquirir conhecimentos, Platão e Sócrates tinham suas divergências. Sócrates dizia
que todos tinham essa capacidade, mas Platão afirmava que nem todas as pessoas a possuíam.

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AULA 2 • A EDUCAÇÃO NA GRÉCIA E EM ROMA

Outra diferença dizia respeito ao fato da influência de Sócrates ter se adaptado às tendências
democráticas da época, enquanto a influência de Platão foi mais reacionária.

Pensamento platônico

O pensamento platônico tem a seguinte concepção:

Platão desenvolveu a noção de que o homem está em contato permanente com


dois tipos de realidade: os inteligíveis e os sensíveis. Os primeiros são realidades,
mais concretas, permanentes, imutáveis, iguais a si mesmas. As segundas são
todas as coisas que nos afetam os sentidos, são realidades dependentes, mutáveis
e são imagens das realidades inteligíveis.

Tal concepção de Platão também é conhecida por Teoria das Ideias ou Teoria
das Formas. Foi desenvolvida como hipótese no diálogo Fédon e constitui
uma maneira de garantir a possibilidade do conhecimento e fornecer uma
inteligibilidade relativa aos fenômenos.

Para Platão, o mundo concreto percebido pelos sentidos é uma pálida reprodução
do mundo das Ideias. Cada objeto concreto que existe participa, junto com todos
os outros objetos de sua categoria, de uma Ideia perfeita. Uma determinada
caneta, por exemplo, terá determinados atributos (cor, formato, tamanho etc).
Outra caneta terá outros atributos, sendo ela também uma caneta, tanto quanto
a outra. Aquilo que faz com que as duas sejam canetas é, para Platão, a Ideia de
Caneta, perfeita, que esgota todas as possibilidades de ser caneta.

A ontologia de Platão diz, então, que algo é na medida em que participa da Ideia
desse objeto. No caso da caneta é irrelevante, mas o foco de Platão são coisas
como o ser humano, o bem ou a justiça, por exemplo.

O problema que Platão propõe-se a resolver é a tensão entre Heráclito e Parmênides:


para o primeiro, o ser é a mudança, tudo está em constante movimento e é uma
ilusão a estaticidade, ou a permanência de qualquer coisa; para o segundo, o
movimento é que é uma ilusão, pois algo que é não pode deixar de ser e algo
que não é não pode ser, assim, não há mudança. Ou seja (por exemplo), o que
faz com que determinada árvore seja ela mesma desde o estágio de semente até
morrer, e o que faz com que ela seja tão árvore quanto outra de outra espécie, com
características tão diferentes? Há aqui uma mudança, tanto da árvore em relação
a si mesma (com o passar do tempo ela cresce) quanto da árvore em relação a
outra. Para Heráclito, a árvore está sempre mudando e nunca é a mesma, e para
Parmênides, ela nunca muda, é sempre a mesma e é uma ilusão sua mudança.

Platão resolve esse problema com sua Teoria das Ideias. O que há de permanente
em um objeto é a Ideia, mais precisamente, a participação desse objeto na sua Ideia
correspondente. E a mudança ocorre porque esse objeto não é uma Ideia, mas uma
incompleta representação da Ideia desse objeto. No exemplo da árvore, o que faz

28
A EDUCAÇÃO NA GRÉCIA E EM ROMA • AULA 2

com que ela seja ela mesma e seja uma árvore (e não outra coisa), a despeito de
sua diferença daquilo que era quando mais jovem e de outras árvores de outras
espécies (e mesmo das da mesma espécie) é sua participação na Ideia de Árvore; e
sua mudança deve-se ao fato de ser uma pálida representação da Ideia de Árvore.

Platão também elaborou uma teoria gnosiológica, ou seja, uma teoria que explica
como se pode conhecer as coisas, ou ainda, uma teoria do conhecimento. Segundo
ele, ao vermos um objeto repetidas vezes, uma pessoa lembra-se, aos poucos, da
Ideia daquele objeto, que viu no mundo das Ideias. Para explicar como se dá isso,
Platão recorre a um mito (ou uma metáfora) que diz que, antes de nascer, a alma de
cada pessoa vivia em uma Estrela, onde localizam-se as Ideias. Quando uma pessoa
nasce, sua alma é “jogada” para a Terra, e o impacto que ocorre faz com que esqueça
o que viu na Estrela. Mas ao ver um objeto aparecer de diferentes formas (como as
diferentes árvores que se pode ver), a alma recorda-se da Ideia daquele objeto que
foi vista na Estrela. Tal recordação, em Platão, chama-se anamnesis. (WIKIPEDIA).

O projeto inicial de Platão é antes de tudo político, preocupação que se reflete em seus escritos
principais, entre eles A República e Leis.

Aristóteles

O genial Aristóteles, nascido na Macedônia (384-322 A.C.), ingressou na Academia de Atenas


aos 17 anos, ali estudou e lecionou por 20 anos, até a morte de Platão, que foi seu mestre.
A sua visão de conhecimento diferia da visão de Platão e Sócrates. Estes afirmavam que “a posse
do conhecimento pelo indivíduo constituía a virtude. Aristóteles afirmava que a virtude está na
conquista da felicidade e do bem” (PILETTI; PILETTI, 2003).

Percebemos em Aristóteles outro ponto da pedagogia grega. Não basta conhecer o bem, mas
sim conquistá-lo. É o bem ser (bem do intelecto, voltado para a posse da verdade universal da
escola platônica) e o bem fazer (é o bem da ação, que adquirido por meio do hábito representa
o ideal aristotélico em seu aspecto social).

Realização plena, em termos racionais humanos, implica realização diversificada como saúde, status,
fortuna, outros. Para Aristóteles, o homem converte em arte o que é atividade imitativa nos animais,
copia a maneira como os adultos estruturam sua vida, atualizando suas energias, educando-se.

Vejamos como os autores Piletti (2003) comentam:

Para Aristóteles, os fatores da educação humana são os seguintes: as disposições


naturais (NATURA), para aprender (ARS) e a prática ou hábito para afirmar o
assimilado (EXERCITATIO).

Assim, o processo de ensino deve corresponder ao seguinte plano metódico:

»» O mestre deve, em primeiro lugar, expor a matéria do conhecimento.

29
AULA 2 • A EDUCAÇÃO NA GRÉCIA E EM ROMA

»» Em seguida tem de cuidar que se imprima ou retenha o exposto na mente


do aluno.

»» Por fim, tem de buscar que o educando relacione as diversas representações


mediante o exercício.

»» Dante Alighieri (1265-1321) denominou Aristóteles “o mestre daqueles


que sabem”. Realmente Aristóteles foi o primeiro grande cientista, o maior
sistematizador que o mundo conheceu.

Vamos aos exemplos da enorme influência e importância de Aristóteles em nossa linguagem:


meio, categoria, hábito, motivo, faculdade, energia, matéria, entre outros. As expressões “causa
eficiente” e “causa final”. Percebeu que você provavelmente usa alguns destes termos?

Após a morte de Aristóteles, vieram as mudanças na educação grega.

No período helenístico, a paideia transforma-se em enciclopédia, educação geral que proporciona


ao homem os conhecimentos necessários para tornar-se culto. Os exercícios físicos vão perdendo
espaço para os estudos teóricos, o saber erudito predomina, e temas éticos substituem questões
metafísicas e políticas.

Conheçamos a organização da ciência grega na época Saiba mais


Alexandrina, base da cultura científica e a educação ocidental:
Paideia
»» Gramática, dialética e retórica (conhecimentos
filológicos). A origem grega do conceito de paideia,
entendida como a busca do sentido
»» Aritmética, geometria, música e astronomia de uma teoria consciente da educação

(conhecimentos reais). e do agir do homem em sociedade,


permanece como um ideal para a
»» Filosofia e teologia (mais tarde, na era cristã). Filosofia.
Fonte: http://www.fe.unicamp.br/paideia/
objetivos.html
Surgiram, então, novos tipos de instituições educativas como
as escolas de dialética e filosofia, as escolas de retórica e as universidades (fruto das escolas
de filosofia e retórica). Duas únicas escolas receberam o título de universidade: Universidade
de Atenas e Universidade de Alexandria (que nos primeiros séculos da era cristã tornou-se
centro intelectual do mundo).

Império romano

Estamos nos encaminhando para a educação romana! Em 146 a.C., os conquistadores rapidamente
absorveram a cultura grega, mostrando-nos a educação romana, em parte, como uma mostra
da educação grega cosmopolita.

30
A EDUCAÇÃO NA GRÉCIA E EM ROMA • AULA 2

E disse Horácio: “A Grécia conquistada conquistou por sua vez seu selvagem vencedor e trouxe
a civilização ao rude Lácio”. E assim foi. Mas mérito dos romanos e sua facilidade na assimilação
dos costumes das outras civilizações, em especial a grega.

Figura 7. Roma antiga.

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Escultura_da_Roma_Antiga.jpg.

Muito práticos, os romanos preocupavam-se e julgavam tudo pelo critério da utilidade ou da


eficácia. Monroe (1983, p. 77) comenta:

Por isso os romanos sempre consideraram os gregos como um povo visionário


e ineficiente, enquanto os gregos consideravam os romanos como bárbaros
sórdidos, com força de caráter e valor militar, mas incapazes de apreciar os
aspetos superiores da vida.

Aranha (2006, p.?) para nos situar na Antiguidade Romana:

No século VII a.C., os gregos começam a colonização do sul da península itálica,


que passa a ser conhecida como Magna Grécia. Bem ao norte, na Etrúria, atual
Toscana, o povo é adiantado e conhecedor da escrita. Por volta ainda do século
VII, os etruscos iniciam sua expansão, conquistando inclusive a região do Lácio,
onde o regime gentílico se achava em processo de desagregação.

Podemos dividir a história romana em três períodos:

»» Realeza (de 753 a 509 a.C.): da fundação de Roma à queda do último rei etrusco.

»» República (de 5509 a 27 a.C.): de início, prevalece a luta entre patrícios e plebeus, depois
ocorre o expansionismo militar.

»» Império (de 27 a.C. a 476 d.C.): da instauração do Império à sua queda, com a invasão
dos bárbaros.

Apresentando o Império Romano:

O Império Romano é o termo utilizado por convenção para definir o estado romano
nos séculos que se seguiram à reorganização política efectuada pelo primeiro

31
AULA 2 • A EDUCAÇÃO NA GRÉCIA E EM ROMA

imperador, César Augusto. Embora Roma possuísse colónias e províncias antes


desta data, o estado pré-Augusto é conhecido como República Romana. A diferença
entre império e república está sobretudo na forma como os corpos governativos
são instituídos. Pode-se definir como República um sistema de governo que leva
em consideração os interesses dos cidadãos, estes elegem os seus representantes
que irão governar a nação por um determinado período de tempo. No Império
o governante, neste caso o imperador, é legitimado muitas vezes através de um
golpe militar, ou de uma «suposta» descendência divina. Diferente da República,
o cargo do governante do império é vitalício (só cessa com a morte do mesmo).

Os historiadores fazem a distinção entre o Principado, período de Augusto à crise


do terceiro século, e o Domínio ou Dominato que se estende de Diocleciano ao
fim do império romano do ocidente. Durante o Principado (da palavra latina
princeps, que significa primeiro), a natureza imperialista do governo estava
escondida atrás de conceitos republicanos, e os imperadores eram muitas vezes
relutantes - por falsa modéstia - em se assumir como tal. No Domínio (palavra
com origem em dominus, senhor), ao contrário, os imperadores mostravam
claramente a sua condição, usando coroas, púrpuras e outros ornamentos
imperiais (WIKIPEDIA).

Nossa primeira informação foi a de que Roma não permaneceu imune ao helenismo. Agora
trazemos mais um dado importante: muito antes do Império, os etruscos, já bastante influenciados
pelos gregos, deles aproveitaram o alfabeto e técnicas visando à aprendizagem da leitura e escrita.

Mas qual era o ideal romano de educação? Um ideal decorrente da concepção de direitos e
deveres. E quais eram os direitos do cidadão romano?

»» Pátria Potestas = direito do pai sobre o filho.

»» Manus = direito do marido sobre a esposa.

»» Potestas Dominica = direito do senhor sobre os escravos.

»» Manus Capere = o direito de um homem livre sobre o outro que a lei lhe dava por contrato
ou por condenação judiciária.

»» Dominium = o direito sobre a propriedade.

Os deveres correspondiam a estes direitos, e para cumpri-los o cidadão romano necessitava de


determinadas aptidões e virtudes. O papel da educação era desenvolver aptidões.

Agora vamos conhecer as principais aptidões e virtudes:

»» A PIEDADE ou a OBEDIÊNCIA ou a obediência, que incluía a ideia religiosa de reverência


como a noção de respeito à autoridade paterna.

»» A VARONILIDADE ou FIRMEZA, que atualmente chamamos de caráter (CONSTANTIA);


era uma virtude muito valorizada entre os romanos.

32
A EDUCAÇÃO NA GRÉCIA E EM ROMA • AULA 2

»» A PRUDÊNCIA, que devia ser usada principalmente na direção dos negócios particulares.

»» A HONESTIDADE, que consistia principalmente na perfeita conduta em todas as relações


econômicas.

»» A SERIEDADE (GRAVITAS), que incluía a sobriedade na conduta, a compostura.

Para o indivíduo, todas essas virtudes estavam reunidas no ideal do dever: para o Estado, no ideal
da justiça (PILETTI; PILETTI, 2003, p.43).

A família e a educação
É em Roma que encontramos a mulher em situação mais elevada do que em todos os outros
Impérios da Antiguidade. Mesmo o pai sendo o responsável pela educação dos filhos, como já
dissemos anteriormente, a praticidade do povo romano destinava à mulher lugar de importância
(na educação e em tarefas relacionada ao lar). Lembramos apenas que sua autoridade estava
restrita à casa, pois não participava da vida pública.

No século II a.C., é concedido o PATER FAMILIAS à mãe, matrona romana que, gozando de uma
autoridade desconhecida para os gregos, detinha os direitos sobre a educação de seus filhos na
primeira infância. Aos sete anos, o pai assumia a educação e na falta deste, um tio.

Em Roma, os ancestrais eram considerados modelos ideais na educação, vindo em primeiro


lugar o ancestral da família e depois o da comunidade. Nas famílias tradicionais, os antepassados
representavam os modelos do comportamento repetidos de geração em geração. Se na Grécia
os semideuses eram os imitados, em Roma, eram os heróis os imitados por todos os meninos.

Nos primórdios (753-250 a.C.), o lar era quase que a única escola. Logo o menino começava
a acompanhar o pai nos negócios fora de casa (públicos, privados, na rua e no Fórum, nos
acampamentos). Imitativa, mas essencialmente prática, eis a educação do “aprender o que se
vai fazer”. A toga infantil – praetexta – era deixada aos dezesseis anos, quando o jovem vestia a
toga viril e então saía para o aprendizado da vida pública.

No final desse período, surgiram as escolas elementares (LUDI), passando a ensinar rudimentos
de ler, escrever e contar.
Figura 8. Rômulo e Remo.

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Escultura_da_Roma_Antiga.jpg.

33
AULA 2 • A EDUCAÇÃO NA GRÉCIA E EM ROMA

A adoção da educação grega (250-50 A.C)

Em 146 a.C., ao transformar-se em província romana, a Grécia exerce influência definitiva sobre
a cultura de seu conquistador. E ali estavam elementos culturais necessários aos diplomatas,
militares e comerciantes que precisavam conhecer a língua grega para suas atividades,
cada vez estavam mais complexas. E a velha LUDI-MAGISTER estava longe de resolver
este problema!

Preceptores gregos, de formação ou de nascimento, começam a dar suporte à educação familiar


dos jovens romanos. Estes mestres, filósofos, retóricos, gramáticos, fugitivos do Oriente ou atraídos
pela rica clientela, tornar-se-iam os responsáveis pelo ensino de jovens e adultos. A retórica,
é claro, melhoraria a eloquência e a fluência dos políticos, aliada à formação literária que lhe
servia de base. A influência grega se estenderá para a religião e artes, tendo o teatro adotado os
temas, padrões e modelos gregos.

Na educação, é importante ressaltar que, para o desenvolvimento da escola, Roma vai buscar na
Grécia o termo “Paedagougos” para designar o escravo que acompanhava a criança àquele local.

Império (início: de 27 a.C. – 200 d.C.)

O panorama social agora é o seguinte: luxo e clara visão das classes sociais, resultantes da
prosperidade material. Ex-escravos libertos tornam-se poderosos. Escravos com atividades
produtivas (artesãos, artistas, mestres) vivem à custa dos ricos, rendendo-lhes homenagens.
É óbvio que a educação e cultura gregas continuam impondo-se nos mais diversos setores, com
as mudanças históricas ocorridas.

No período imperial, o saber que exercia maior fascínio era a retórica. Já sabemos que os gregos
eram os grandes mestres nessa arte. Os romanos entendiam que pela oratória tornariam seu
saber útil aos seus semelhantes. A Escola do Retórico ministrava treino completo nesse setor.
Mas e o conteúdo? Os pensadores começaram a desaprovar a atividade.

Surgiram então estudos do direito e da filologia. Os juristas e os magistrados não podiam


abrir mão desses ensinamentos. As retóricas latinas e gregas ficam mais parecidas quando
o triunfo dos Césares desvia a eloquência latina da vida política e a deixa restrita à arte do
conferencista ou advogado. É nesse momento que os retóricos do Ocidente “latinizam” temas
propostos a seus discípulos, obrigando-os também a estudar clássicos romanos, como por
exemplo, Cícero.

Junto aos centros docentes já citados, surgiram em grande escala as escolas de filósofos e,
ainda, institutos helenísticos, em que as ciências particulares eram desenvolvidas. Roma e
Constantinopla tiveram os melhores centros docentes desse gênero. Os autores Piletti assim
escreveram a respeito do assunto:

34
A EDUCAÇÃO NA GRÉCIA E EM ROMA • AULA 2

Atenção

Você poderá encontrar a expressão “segunda sofística” designando a fase (século II a.C.) do cultivo do discurso bem
elaborado e/ou improvisado, perante vasta audiência de romanos.
Com frequência, os estudos dos jovens estudantes latinos, já no nível terciário ou superior, eram completados em Alexandria
ou Atenas (principalmente).

Tais instituições, por sua vez, tornaram possível o surgimento das universidades
em Roma. A fundação do Ateneu – centro de cultura no qual retóricos e poetas
instruíam a juventude – pelo imperador Adriano foi o primeiro passo para
organização das universidades.

As universidades romanas surgiram não apenas para reunir diversas disciplinas,


mas principalmente para reunir professores e alunos que a elas se consagravam.
Na época imperial o sistema de ensino romano compreendia os seguintes graus:

1. as escolas dos LUDI-MAGISTER, que ministravam a educação elementar;

2. as ESCOLAS DO GRAMÁTICO, que ensinavam grego e latim e que correspondem


ao que hoje chamamos curso secundário;

3. os estabelecimentos de educação terciária, que se iniciaram com a escola do


retórico e que, acolhendo o ensino de Direito e de Filosofia, converteram-se
numa espécie de universidade (PILETTI; PILETTI, 2003 pp.46-47).

Quanto à educação física, os romanos viam-na de maneira diferente: a atenção era mais voltada
para as artes marciais e menos para o esporte. Em vez de frequentar ginásios, lutavam nos
anfiteatros e circos. Era o preparo para soldados.

Declínio da educação romana e a queda do Império


Ao apagar as luzes do Império, a educação não é muito diferente, apesar de apresentar uma
organização mais complexa. Há uma procura pela taquigrafia, modo de notação rápida cuja
origem talvez remonte ao século IV a.C. Os notários (tabeliães de hoje) eram seus usuários.

Limitada à classe alta de uma sociedade que se apresenta geralmente corrupta, quase que
servindo de enfeite para os indivíduos favorecidos, aqueles que possuem educação têm apenas
uma ligação com a primitiva Roma Imperial: sua cultura.

Decadente, a educação romana foi sendo substituída pela educação ministrada pela primitiva
Igreja Cristã.

Sintetizando

Vimos até agora:

»» A origem da palavra pedagogia, que o berço dessa ciência foi a Grécia Clássica e como influenciou toda a educação e
civilização ocidental.

35
AULA 2 • A EDUCAÇÃO NA GRÉCIA E EM ROMA

»» A importância de Homero, as diferenças entre Atenas e Esparta e a identificação dos sofistas/filósofos completam seus
estudos desta aula.

»» O conhecimento da dialética socrática, da preocupação política de Platão e da importância de Platão para a nossa
linguagem moderna.

»» O conhecimento da divisão da história romana em três períodos e dos ideais romanos de educação, decorrentes da
concepção de diretos e deveres.

»» O declínio da educação romana, coincidindo com a queda do Império e a educação ministrada pela Igreja Primitiva Cristã.

36
Aula
A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA E NO
RENASCIMENTO 3
Apresentação

Nesta aula, discutiremos o cristianismo e seu novo ideal educacional. Analisaremos o significado de
medieval. Refletiremos juntos sobre os primeiros padres e as escolas cristãs primitivas. Conheceremos a
relação entre monarquismo, escolástica e o surgimento das universidades. Relembraremos as características
da Alta e Baixa Idade Média. Conheceremos a filosofia de Santo Agostinho. Discutiremos a educação
cavalheiresca e os senhores feudais. Perceberemos, neste contexto, as sementes da moderna escola pública,
das universidades e seu método de ensino.

A educação renascentista reflete os conflitos de uma época, momento marcante da transição entre
um pensamento medieval com fortes feições religiosas e o pensamento humanista emblematizado por
pensadores como Vives, Montaigne, Rabelais, Erasmo e De Feltre. Será também um período de ressurgimento
da educação filiada a uma confissão religiosa por meio da Reforma Protestante, principalmente nas
figuras de Lutero e Melanchton. Movimento que será contrabalançado pela reação católica, a chamada
Contrarreforma.

O realismo pedagógico se caracteriza por uma profunda transformação epistemológica levada a cabo
durante o Renascimento e que será tematizada como a busca de uma “natureza humana”. Esta busca
terá como instrumento a razão e a observação articuladas sob a nomenclatura de ciência e a serviço
de um gradual desvelamento da verdade. A educação tornar-se-á proeminente na medida em que um
crescente processo de secularização responsabilizará os esforços educacionais pelas características morais
e intelectuais dos indivíduos. Os ideais científicos orientarão este esforço investigativo e educativo em
prol de uma pedagogia realista. Pensadores como Newton, Bacon e Comênio.

Vamos conhecer algumas das ideias que orientavam os racionalistas franceses. Conheceremos as ideias
de Locke, ancoradas na escola empirista com forte crítica ao racionalismo. Locke criticará a educação
enciclopedista dos racionalistas afirmando que educar não é somente preencher o indivíduo com uma
profusão de informações, mas que terá um papel fundamental na formação cognitiva, intelectual e moral
dos indivíduos. Outro grande vulto será Rousseau. Grande crítico do racionalismo em educação, proporá
uma atenção especial às próprias necessidades e aptidões do aluno com vistas a desenvolver seu potencial.
Por fim iremos explorar algumas das ideias de Kant.

37
AULA 3 • A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA E NO RENASCIMENTO

Se nos séculos anteriores o maior diálogo da educação foi com a filosofia, no século XIX, vamos finalmente
conhecer as implicações políticas do pensamento pedagógico. Tal vertente acentuar-se-á devido a uma
série de fatos históricos que transformará a vida social como um todo. Destaca-se neste período a relação
entre as repúblicas então nascentes com a ideia de uma educação laica e gratuita. Também é período
de grandes sistematizações pedagógicas como a de Pestalozzi na linhagem de Rousseau. A educação se
aproxima cada vez mais da população e do cotidiano, redesenhando seus objetivos e seu papel social.
Outras figuras importantes como Frobel e Herbart serão fundamentais na implementação destas ideias
e também no processo de emancipação da pedagogia como uma ciência específica, com objeto e
saber próprios.

Objetivos

»» Compreender que a educação dos povos europeus da Idade Média tem como ponto de
partida a doutrina da igreja.

»» Definir escolástica como a união das crenças cristãs com a lógica aristotélica.

»» Identificar a universidade como primeiro exemplo de organização puramente democrática.

»» Reconhecer as características do conflito que marcou a passagem da Idade Média para o


Renascimento. O surgimento do ensino laico separado do saber religioso. O pensamento
humanista.

»» Ter acesso a algumas das noções que orientavam os chamados livres pensadores e como
estas influenciaram as ideias.

»» Compreender o que pregava a Reforma Protestante e quais foram as principais ideias


pedagógicas de Lutero e Melanchton.

»» Identificar as características e a história da educação jesuítica e suas conotações políticas.

»» Saber o que se entende por realismo e sua relação com a educação. Construir um discurso
informado sobre as relações entre ciência e verdade, e o tipo de transição histórica que
então se desenhava.

»» Reconhecer quais são as principais características da “revolução científica” então em


curso, inclusive atentando para as inovações tecnológicas que fomentaram este processo.

»» Compreender as bases do nascente método científico moderno como explicitado por


Bacon.

»» Conhecer as principais características do ideário pedagógico de Comênio.

38
A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA E NO RENASCIMENTO • AULA 3

A Idade Média é um período compreendido entre o declínio do Império Romano (século V d.C.)
e o Renascimento (século XV d.C.). Nesses dez séculos, a igreja cristã romana despontou como
uma grande força na Europa, tanto em seu sentido original de orientação espiritual como em
um sentido institucional, com fortes conotações políticas. A história da Idade Média é a história
do cristianismo, principalmente no tocante à educação.

No período medieval, a igreja preservou uma série de


Saiba mais
conhecimentos herdados da antiguidade clássica e os transmitiu
Medieval no interior da doutrina cristã por meio da evangelização e da
Tem como origem etimológica a educação formal. Nesse processo “pedagógico” cristão, há um
junção das palavras latinas MÉDIUM contínuo conflito nas tentativas de conjugar os conhecimentos
(média) e AEVUM (idade). pagãos (civilização grega e romana) e a doutrina cristã.

Como aproveitar a base filosófica, estética e literária desse valioso conjunto de conhecimentos
sem contradizer os ensinamentos bíblicos? Tratava-se de transformar o cristianismo de um
“modo de vida” em uma teologia. Para tanto, foram fundamentais as interpretações dos grandes
padres da igreja sobre os textos de filósofos gregos, como as de Santo Agostinho sobre Platão e
as de São Tomás de Aquino sobre Aristóteles.

Claro que a ética cristã será o fio condutor destes novos arranjos de conhecimentos, e é o que fará
do medievo uma era mais ocupada na “salvação da alma” do que em investigar o funcionamento
da natureza e da sociedade, o que se reflete na educação.

O período geralmente é dividido na Alta Idade Média, que vai do século V d.C. até por volta do
século XI d.C., e a Baixa Idade Média, que vai deste até o começo do Renascimento no século XV.

No século XII, ocorre uma espécie de renascimento dentro da Idade Média, em parte devido à
revitalização do comércio que havia regredido durante os séculos anteriores, auge do feudalismo.
As aglomerações urbanas voltaram a prosperar economicamente e crescer demograficamente.
Surgiram as universidades, primeiramente como associações de mestres e alunos.

Ao nos debruçarmos sobre as diretrizes que orientavam a


Saiba mais
formação da pessoa dentro do cristianismo, não encontraremos
uma “pedagogia” propriamente dita (pelo menos não no
Artes liberais
sentido moderno do termo). Não havia uma concepção do
Era um conjunto de conhecimentos
processo educacional, de transmissão de um determinado
que compunha a educação clássica.
conjunto de conhecimentos, atitudes e habilidades, Era formada pelo Trivium (Gramática,
destacado das doutrinas da igreja. A educação tinha um Retórica, Dialética ou Lógica) e o

objetivo muito bem definido: evangelizar. Decorre desta Quadrivium (Aritmética, Geometria,
Astronomia e Música).
ênfase a grande suspeita que os clérigos tinham em relação às
artes liberais. Estas constituíam a base da educação clássica romana que era então aproveitada
na educação cristã.

39
AULA 3 • A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA E NO RENASCIMENTO

Primórdios da doutrina cristã

Quando os ensinamentos cristãos começaram a ganhar


Saiba mais
espaço dentro do Império Romano, surgiu a necessidade de
se elaborar uma doutrina cristã apoiada em uma cosmologia
Cosmologia
(uma metafísica). O cristianismo tornou-se a religião oficial do
Império Romano com a conversão do imperador Constantino É a ciência que trata da estrutura do
universo.
em 313 d.C. A associação entre a Igreja e o Estado transformou
o seu alcance e seu papel social.

Apresentava-se um dilema: recusar a mistura entre saberes pagãos e teologia cristã ou elaborar
uma síntese aproveitando inegáveis valores contidos nesses ensinamentos (como a filosofia de
Platão por exemplo).

Santo Agostinho (354-430) foi o mais importante articulador dessa nova síntese. Foi professor
de retórica em Cartago, Roma e Milão. Nas suas Confissões, esboça um quadro da educação de
seu tempo ao descrever o seu processo de conversão. Escreve ainda duas obras em que trata
diretamente de educação: O Mestre e Da Ordem.

Santo Agostinho afirma o valor da cultura humanística greco-latina, incorporando-as à formação


religiosa. A educação deve fomentar a capacidade de autocontrole, de submissão dos instintos,
das paixões, ao juízo e à vontade, fazendo com que os valores mais elevados da doutrina se
estabeleçam como uma forma de vida. Formar pessoas era então basicamente formar uma
consciência moral cristã, este era seu objetivo pedagógico.

A educação medieval: os monastérios

A educação medieval está intimamente ligada ao monaquismo. Ela acontece principalmente dentro
ou nos arredores dos monastérios que foram se espalhando pela Europa. A vida monástica tem
como premissa a ideia de uma espiritualidade pura, onde todas as atividades da vida doméstica
e social estariam voltadas para a busca de Deus. Para tanto, era preciso criar condições especiais
que propiciassem a contemplação, o silêncio, o estudo, a oração, o ascetismo, meios para realizar
um profundo mergulho religioso.

A educação se baseava na leitura de textos sagrados e no trabalho manual ou literário. A ociosidade


era considerada um inimigo da alma (cabeça vazia, panela do diabo), daí se preencher as horas
do dia com trabalho, oração e estudo.

O monarquismo foi um fenômeno tão central para a Idade Média que, só para se ter uma ideia,
no seu auge (século XI), estima-se que havia um milhão de indivíduos vivendo em mosteiros
cristãos. É uma instituição que atravessará toda a Idade Média servindo ao propósito da educação,
sem interrupções.

40
A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA E NO RENASCIMENTO • AULA 3

O conteúdo da educação ministrada nos monastérios era uma combinação de textos da formação
clássica romana e textos sagrados cristãos. Havia ainda os autores chamados de “enciclopedistas”,
eruditos cristãos que organizavam extensos compêndios sobre uma variedade de saberes herdados
da antiguidade clássica.

O fim do Império Romano tornou impossível a constituição de um governo centralizado que


pudesse dar uma direção comum aos povos que habitavam a Europa, o que se refletia na
educação. Neste período, houve uma crescente decadência dos ideais cívicos e educacionais da
civilização romana.

Em meio aos povos bárbaros, a Igreja exercia sua influência por meio de missionários e homens
de letras que serviam aos reinados em serviços administrativos, de tradução e consultoria.

O renascimento carolíngio

Carlos Magno (742-814) foi um imperador que unificou a Europa Ocidental em fins do século
VIII. Os carolíngios eram uma família de reis francos que governaram do século VIII até 987 d.C.

Com esta nova disposição política (centralização), inédita desde o término do Império Romano,
novamente foram resgatados os valores civilizatórios esquecidos desde alguns séculos.

Figura 9. Carlos Magno.

Fonte: https://it.wikipedia.org/wiki/Carlo_Magno.jpg.

Carlos Magno pretendia realizar uma reforma religiosa e uma reforma da educação. Primeiramente
organizou uma escola em seu próprio palácio (Escola Palatina) que era frequentada por nobres,
seus familiares e por ele mesmo. Ensinavam-se as línguas, poesia, aritmética, astronomia e teologia.

Para coordenar seus projetos educacionais, o imperador convidou o monge inglês Alcuíno (735-
804), que se tornou uma figura central da educação medieval. Iniciou-se a implementação de
uma educação financiada pelo Estado e dirigida pela Igreja. Por influência de Alcuíno, Carlos

41
AULA 3 • A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA E NO RENASCIMENTO

Magno baixou um édito em 789 para que “se criassem escolas em todas as paróquias, onde as
crianças pudessem aprender a ler. Nos mosteiros iria se ensinar os salmos, a escrita, os cânticos,
a gramática e os livros sagrados” (LUZURIAGA, 1967).

Em 802 ordena aos senhores do reino que mandem seus filhos à escola para estudar as letras e
que os façam permanecer nela até que tenham se instruído. Trouxe mestres de Roma e instituiu
cargos públicos de ensino como o de inspetor de ensino.

O ensino era dividido em três graus: o primeiro grau era constituído pelo ensino de gramática,
matemática, música e salmos. O segundo grau era basicamente o programa das “artes
liberais”: gramática e retórica, aritmética e música, geografia e geometria. O terceiro grau,
hierarquicamente superior, era constituído pelo estudo da Bíblia e seus comentadores (formação
teológica).

A educação cavaleiresca

Com o fim do período Carolíngio, no final do século X, a Europa novamente se fragmentou.


Os reis perderam o poder de fato, que se encontrava distribuído entre seus vassalos: senhores
proprietários de terra (feudos) que ostentavam títulos de nobreza tais como o de príncipe, conde,
barão ou duque. Este período é conhecido como feudalismo.

Os senhores feudais acumulavam o poder político, econômico, judicial e militar. Podiam se


agrupar em torno de um senhor, de quem se tornavam vassalos e eram protegidos. O senhor
garantia proteção e justiça, em compensação, o vassalo disponibilizaria sua milícia para as
guerras impetradas pelo senhor contra outros reinos.

A Igreja participava do sistema feudal na medida em que era a maior proprietária de terras.
Muitos senhores feudais doavam terras para a Igreja em troca de serviços prestados pelo clero
ou mesmo sob ameaças de excomunhão ou retirada da Igreja do território, o que gerava um
grande descontentamento popular, e tal fato era usado como instrumento de pressão política
pelas autoridades eclesiásticas.

Este modo de organização social valorizou um tipo específico de formação: a educação cavalheiresca
que era de origem germânica.

A Baixa Idade Média: as universidades

A partir do século XII algumas mudanças sociais vão caracterizar a chamada Baixa Idade Média.
O feudalismo declina, e as cidades (ou burgos) prosperam. Dentro ou próximo dos centros
urbanos, formam-se as universidades, que têm uma relação diferenciada com a Igreja.

A educação superior ganhava terreno fora do monastério. A Igreja tinha uma grande influência,
algum controle e muito interesse sobre o desenvolvimento das universidades, mas nem por

42
A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA E NO RENASCIMENTO • AULA 3

isso o saber ali desenvolvido sempre caminharia de acordo com os dogmas fundamentais da
doutrina cristã.

O crescente liberalismo intelectual e a organização institucional das universidades estão


intimamente relacionados à prosperidade das cidades. No feudalismo, a terra era a única
riqueza com poder de troca ou de geração de riqueza. As cidades possibilitam outras trocas:
econômicas, políticas e culturais. Algumas autoridades eclesiais viam com grande desconfiança
o ressurgimento das cidades.

Figura 10. Catedral de Canterbury.

Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Canterbury_Cathedral.jpg.

A cidade representava, antes de mais nada, uma nova divisão social do trabalho. Os ofícios, o
comércio e o artesanato começaram a se organizar em entidades de classe. Esses trabalhadores
se associavam em entidades profissionais com um estatuto próprio que regulamentava
sua profissão e defendia os interesses de seus membros. Instituía regras e graus de
aprendizagem e de proficiência (aprendiz, valet, mestre) dentro de cada ramo de atividade.
Essas corporações tornavam esses trabalhadores mais independentes da Igreja e dos senhores,
forjando uma certa consciência liberal de associação e livre iniciativa às possibilidades de
organização coletiva.

As escolas e a demanda por educação cresciam na medida em que cresciam as cidades e seus
trabalhadores especializados. Até então a Igreja controlava quase que a totalidade das iniciativas
pedagógicas, fosse ministrando a educação diretamente nas escolas catedrais, paroquiais ou nos
monastérios, ou ainda dando o aval legal (oficial) ao funcionamento de estabelecimentos de
ensino por meio da licença docendi. As universidades se institucionalizam dentro desse espírito
liberal urbano em que profissionais se unem para formar associações.

Ao longo do século XIII ocorreram várias disputas em torno das universidades. Disputas entre
membros das universidades e membros da Igreja, e mesmo dentro da própria Igreja.
Todos anteviam na universidade o futuro da educação.

43
AULA 3 • A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA E NO RENASCIMENTO

Em 1231, o papa Gregório IX edita a bula Parens Scientiarum apoiando e legitimando a universidade.

Em 1245 é criado o cargo de reitor.

A primeira geração de universidades medievais pode ser dividida em três tipos:

»» universidades “espontâneas”;

»» universidades criadas por migração, e

»» universidades criadas deliberadamente pela autoridade do Papa ou do Imperador.

As universidades “espontâneas” surgiram como uma associação de mestres e alunos como a da


universidade de Paris ou mesmo como uma associação só de alunos como a da universidade de
Bolonha, que tinha poderes sobre os professores.

Quando essas grandes universidades espontâneas entravam em conflito com o poder local das
cidades, seus mestres e alunos tinham duas formas de fazer valer seus direitos, a greve e a dispersão.

A dispersão consistia em alunos e mestres se espalharem por cidades vizinhas para negociar
a sua volta para a cidade de origem e dar continuidade ao funcionamento da universidade. Só
que nessas dispersões acabaram criando novas universidades nos arredores de grandes centros
urbanos. A universidade de Cambridge surgiu de uma dispersão da universidade de Oxford em
1208 (ainda que só tenha sido oficializada em 1318).

Havia ainda aquelas universidades criadas deliberadamente por decreto, pelo papa ou por um
imperador, e que visavam defender os interesses destas instituições: Estado e Igreja.

As universidades eram divididas em faculdades e nações. As faculdades correspondiam aos


principais ramos do conhecimento ministrados: teologia, direito, medicina e artes liberais
(Trivium e Quadrivium).

As nações eram organizações de ajuda mútua que incluíam mestres e alunos. As universidades
no século XIII não tinham ainda uma estrutura física fixa, as aulas eram ministradas em salas
alugadas, em igrejas ou monastérios. As universidades tinham um caráter internacional, isto
é, vinham pessoas de várias partes da Europa para estudar nos centros universitários mais
importantes.

O debate era um exercício fundamental da pedagogia escolástica. Nele, os alunos podiam testar
e desenvolver sua capacidade de exposição de ideias, rapidez de raciocínio e engenhosidade de
argumentação.

Outra consequência do desenvolvimento das universidades foi o aumento considerável da


circulação de livros, principalmente pela necessidade que os estudantes tinham de lê-los. Não
havia muitas bibliotecas, não eram comuns nem na universidade nem nos colégios. Os estudantes

44
A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA E NO RENASCIMENTO • AULA 3

tinham que formar uma biblioteca pessoal, até porque muitos deles voltariam para sua terra
natal, onde não teriam acesso aos livros. A primeira impressão por métodos mecânicos, que irá
revolucionar o processo de circulação e transmissão da informação, só vai se dar em 1455 com
a impressão da Bíblia por Guttenberg. Até então era preciso recorrer aos copistas.

Em relação às graduações ou títulos universitários, até o século XIII se resumiam à licença docendi,
em que se averiguava se o candidato preenchia as condições de escolaridade e, posteriormente,
ele era testado professando uma aula para uma banca de mestres. No século XIII, inauguram-se
os graus de estudante, bacharel e doutor.

As universidades medievais eram também um dos principais meios de mobilidade social da


época. Primeiramente só os estudantes mais ricos as frequentavam, mas na medida em que
foram se tornando mais comuns e mais espalhadas pela Europa, passaram a ser frequentadas
também pela pequena nobreza, burguesia e camponeses abastados.

Para muitos estudantes, a entrada na universidade devia corresponder não


somente a uma vocação intelectual, mas a uma esperança de promoção social.
Os graus universitários permitiam ao pequeno nobre necessitado pôr-se ao
serviço do rei, ao filho de artesão tornar-se médico, ao filho do lavrador tornar-se
cônego ou bispo (VERGER, 1990, p. 63).

A universidade tinha uma função social importante. Além de difundir a Educação Superior,
promovia alguma mobilidade social em uma sociedade rigidamente estratificada.

Seria no interior das universidades, no decorrer dos séculos XIII


Saiba mais
e XIV, que surgiriam as primeiras manifestações da busca de um
saber ou de um método de conhecimento apoiado na razão e
Ontologia
na observação empírica. O primeiro impulso nessa direção são
Parte da filosofia que trata do ser
as novas leituras de Aristóteles, que ofereciam um sistema de
enquanto ser, isto é, do ser concebido
como tendo uma natureza comum mundo coerente, e o modelo de um saber que, estabelecido na
que é inerente a todos e a cada um base das ciências “naturais” (incluindo as ciências do homem),
dos seus. levava à ontologia e à cosmologia. No começo do século XIII,
Fonte: dicionário Aurélio
a leitura deste filósofo era proibida em diversas universidades.

São Tomás de Aquino afirmava, com Aristóteles, que seria possível e legítimo um conhecimento
das coisas sensíveis, isto é, das coisas que se apresentavam aos sentidos, à sensibilidade do
homem. Seria inclusive possível, por meio de uma investigação do jogo racional das causas,
obter algum conhecimento de Deus. O projeto de uma ciência empírica, segundo São Tomás,
poderia aproximar o homem dos desígnios de Deus.

No século XIV, a medicina e o direito crescem dentro das universidades. O direito romano se torna
muito popular e é frequentado principalmente por membros do clero. A igreja vai se tornando
pouco a pouco uma espécie de tribunal das ações humanas.

45
AULA 3 • A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA E NO RENASCIMENTO

Também no século XIV, surgem novas tentativas de síntese articulando a relação entre o
conhecimento empírico da natureza e a verdade da fé, revelada pela Bíblia.

O final da Idade Média assistiu a uma expansão das universidades, que passaram a fornecer
mão de obra qualificada para impérios e cidades-estado cada vez mais burocratizados.
Com isto era possível obter Educação Superior sem se precisar viajar muito, reduzindo os custos
e popularizando a Educação Superior.

Figura 11. Universidade Oxford.

Fonte: http://www.geograph.org.uk/photo/2215163.jpg.

Renascimento

Toma-se como marco histórico do início do Renascimento a queda do Império Bizantino quando
da tomada de Constantinopla pelos turcos no ano de 1453.

Renascimento é um período festejado, alvo de descrições apaixonadas, lugar privilegiado da


projeção de uma humanidade politicamente ativa, esteticamente sensível e racionalmente
afiada. As prósperas cidades-estado do norte da Itália são consideradas o epicentro cultural
de um terremoto humanista, que irá preparar o terreno de uma nova concepção do homem e
do universo, a partir de um resgate da cultura clássica grega e romana. À monotonia religiosa
medieval sucede-se o alvoroço humanista da renascença. Descartes e sua dúvida metódica são
os personagens emblemáticos desse período, em que a razão começa a ocupar indubitavelmente
o centro do palco das considerações sobre o homem, o conhecimento e a natureza.

Mas o Renascimento também guarda em si perspectivas nem tão liberais ou seculares.


Na interpretação de Lutero (1483-1546), monge agostiniano e professor da universidade de
Wittenberg, a Igreja cristã romana se encontrava em franca decadência moral, tornando necessária
uma reforma que resgatasse valores essenciais do cristianismo. Uma nova consideração dos
dogmas da fé cristã. A reforma se transformou em um extenso movimento político-religioso que
abalou as estruturas da igreja tradicional. Esta percebeu que a aderência maciça ao protestantismo
provinha de uma insatisfação bastante difundida. Em reação à moralização proposta por Lutero,
a igreja romana tomou uma série de medidas que visava fortalecer sua influência política e

46
A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA E NO RENASCIMENTO • AULA 3

resgatar alguns valores de sua espiritualidade e sua ética, movimento que ficou conhecido como
a Contrarreforma.

O humanismo renascentista

Sobre o Renascimento, aprendemos em nossos livros escolares que é o período em que se faz a
transição do teocentrismo para o antropocentrismo. Mas o que isto significa exatamente?

Primeiramente uma mudança de valores. Até então, Deus ocupava o centro das preocupações
humanas, fundamentando a organização social. O “indivíduo” começa a despontar como um novo
valor social, como um fundamento das disposições éticas, políticas, legais e mesmo espirituais.
O humanismo é a tentativa de contemplar o homem, saber do homem, fazer o homem, reformar
o homem. Diante disto, não é difícil deduzir o papel preponderante da educação dentro do
pensamento renascentista. Não só em seu sentido formal, escolar, técnico, mas também no
sentido de uma formação integral, humana.

A base da realidade deixa de ser a transcendência de Deus para ser a imanência da Natureza
(Naturalismo), não nos surpreendendo as várias conjugações destes dois conceitos em diversos
pensadores (Deus e Natureza). Conjuga-se também Natureza e Verdade (como antes se conjugava
Deus e Verdade), o que é natural é verdadeiro e vice-versa.

O renascimento pedagógico

Os livres-pensadores do Renascimento se perguntavam como poderiam formar uma sociedade


em consonância com seus ideais humanistas. A educação parecia ser o caminho mais adequado
para a realização de seus ideais no mundo, a realização de uma “utopia”, um modelo ideal
de sociedade.

Nesse período, o livro passa a ser considerado um fundamento essencial do processo educacional.
Assistimos à passagem de uma ênfase na relação mestre-aluno para uma ênfase na relação
aluno-conhecimento.

Vitorino de Feltre (1378-1446) fundou a Escola Giocosa (Escola Alegre), em Mântua, onde
educava os filhos da nobreza. Criou uma outra escola, anexada a esta, para educar alunos pobres.
Feltre era um educador conhecido por sua erudição e pela liberdade que reinava em sua escola, uma
das primeiras a atentar para a influência das condições de ensino no processo de aprendizagem.
Uma experiência pioneira em educação liberal. Considerava o exemplo do mestre o mais poderoso
fator educativo e, como método disciplinar, preferia as recompensas aos castigos.

Os jeromitas ou “irmãos da vida comum” constituíram uma congregação religiosa fundada por
Gerardo de Groote (1340-1384) em Roterdã (Holanda). Na congregação, o tempo era dividido
entre a oração e o estudo, vindo posteriormente a se dedicar à educação. Os estudantes pobres

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AULA 3 • A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA E NO RENASCIMENTO

trocavam seu trabalho como copistas de manuscritos pelas lições. Com a invenção da imprensa,
os jeromitas imediatamente começaram a publicar textos relativos à educação, manuais escolares
e edições de obras clássicas úteis aos alunos. Sua escola era dividida em primária (educação
elementar) e secundária (humanidades, ciências e escrituras). Fundaram numerosas escolas na
Holanda, Alemanha e França.

Os jeromitas são os pioneiros do humanismo pedagógico cristão, que posteriormente influenciará


os jesuítas e a educação dos reformadores protestantes, apesar de estes os terem perseguido.

Desidério Erasmo (1467-1536) nasceu em Roterdã e foi aluno de um colégio jeromita, tornando-se
membro dessa ordem. Destacado pensador do Renascimento, abandona a vida religiosa para
percorrer a Europa fazendo uma apologia das ideias humanistas, tornando-se posteriormente
professor em Cambridge. Era um crítico da educação escolástica decadente e do formalismo
retórico, que formatava os debates da época.

Erasmo afirma que a educação começa com o despertar da razão, sendo importante a experiência
da criança com sua mãe. Repele completamente os métodos coercitivos e violentos, acreditando
em uma disciplina a partir do respeito mútuo.

Luis Vives (1492-1540) é considerado um dos precursores de várias das ideias pedagógicas
modernas e sua influência foi, sobretudo, na educação inglesa.

Vives era humanista, mas mantinha fortes ligações com a tradição cristã. O método deve se
basear sobre a experiência infantil, partir do conhecido em direção ao desconhecido, do mais
elementar para o mais complexo. Vives demonstra também uma preocupação com a formação do
professor e uma atenção diferenciada sobre cada aluno. Propôs que os professores se reunissem
periodicamente para analisar e trocar impressões sobre seus alunos.

François Rabelais (1483-1553) é um dos principais pensadores franceses da época.


Foi sucessivamente frade franciscano, monge beneditino, médico, professor de anatomia e
pároco. Alma inquieta, humor sarcástico, tom irônico que irá se voltar contra a escolástica, os
frades, a corte, os reis, a magistratura e tantas outras figuras.

Rabelais prenuncia o realismo ou naturalismo pedagógico em franca oposição ao formalismo


dialético da escolástica. Reconhece o valor das ciências na educação, o valor da observação direta
conjugada com o conhecimento dos clássicos e das artes liberais. Enfatiza também a educação
física, ginástica e trabalhos manuais.

Michel de Montaigne (1533-1592) é considerado um dos grandes pensadores da educação em


seu tempo. Criticava o pedantismo intelectual, o abuso da dialética, a erudição demasiada, a
violência da disciplina escolar, ressaltando que o objetivo da educação era “formar o homem”.
Nisto compreendia o preparo para a vida, para o seu tempo, a educação era um instrumento

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A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA E NO RENASCIMENTO • AULA 3

de preparo da criança para a vida real. Nota-se um acento utilitarista que será precursor do
pragmatismo presente em tantas correntes pedagógicas modernas.

Para ser eficaz, o ensino deve ser atraente e interessante, para isto competem a boa formação
do professor (que deve ter uma cabeça formada e não apenas uma cabeça cheia) e o ambiente
onde ocorrem as lições. É função do educador é despertar no aluno uma “honesta curiosidade
por todas as coisas”.

O período renascentista assiste a uma forte tomada de posição dos liberais em matéria de
educação. Todos os grandes educadores do século XVI criticam a educação escolástica, a sua
falta de ligação com as questões imediatas da existência, a excessiva severidade e violência
disciplinar e o infrutífero método de decorar uma infinidade de informações. Acreditam em uma
educação compreensiva e em uma parceria mestre-aluno. Ressaltam a importância da formação
do professor e de uma atenção mais focal sobre os alunos individualmente.

A Reforma Protestante
Figura 12. Martinho Lutero.

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Martinho_Lutero.jpg.

A Reforma foi um movimento religioso iniciado no interior da igreja romana pelo monge alemão
Martinho Lutero no início do século XVI. Meio século depois, o protestantismo já se estabelecera
em quase metade da Europa cristã.

A insatisfação que motivou a Reforma e sua rápida expansão está relacionada a uma série de
questões políticas e religiosas que a igreja romana vinha enfrentando desde a Baixa Idade Média.
Entre elas, destaca-se a crítica de Lutero à imoralidade reinante na comunidade eclesiástica.
A venda de cargos da igreja, o incentivo à doação de riquezas e a vida de luxo que os papas levavam
faziam crer que os ideais ascéticos do cristianismo estavam obscurecidos.

49
AULA 3 • A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA E NO RENASCIMENTO

Havia uma maior independência entre esta e as nações que começavam a se constituir.

Em 31 de outubro de 1517, o monge agostiniano Martinho Lutero fixou suas Noventa e Cinco
Teses na porta da igreja do castelo de Wittenberg, Alemanha. Essas teses consistiam em uma série
de afirmações que condenava a venda de indulgências (perdão de parte das penitências pelos
pecados). Mais tarde, Lutero fez outras críticas.

Em 1521 o papa Leão X excomungou Lutero e ele foi classificado como um foragido, o que
significava que poderia ser assassinado sem que o assassino fosse punido. Nesse período, foi
protegido pelo príncipe da Saxônia, que, como vários outros do norte da Europa, apoiava as suas
críticas. Em 1555 o Sacro Império Romano reconhece oficialmente as igrejas luteranas.

Lutero acreditava que os homens podiam ser salvos pela fé em Jesus Cristo. Sua visão de religião
colocava o homem diretamente perante Deus, confiando e dependendo de sua graça. Divergências
teológicas e doutrinárias provocaram o surgimento de diversas vertentes dentro do protestantismo.

O protestantismo coincide com os ideais renascentistas no tocante a uma valorização do


indivíduo. A relação direta com Deus valoriza a personalidade autônoma, diminui a coação
intelectual exterior e enfraquece a autoridade dogmática. Neste sentido, o reformismo tem um
tom iconoclasta, antiaristocrático e popular.

A educação protestante

A educação luterana pressupunha a leitura da Bíblia, o que tornava a alfabetização uma prioridade
básica em seus projetos. Por isso não organizam apenas os colégios de grau médio, mas também
a escola primária pública. Por colocarem o poder secular acima do poder religioso, competia ao
Estado a gerência da educação de sua população, o que levaria à educação pública.

No final do século XVI havia se constituído uma educação pública na Alemanha, que se dividia
em escolas primárias (ensino popular, alfabetização e ensino religioso), escolas secundárias mais
voltadas para a burguesia, que juntava a tradição humanista e a religião, preparando clérigos e
profissionais liberais, e a escola superior ou universidade.

Notemos que a ênfase novamente recai sobre a formação moral do indivíduo, não havendo ainda
espaço para as matérias de ciências, que eram algumas das propostas de autores como Erasmo,
Montaigne e Rabelais.

Os sistemas de escolas públicas dos Estados Alemães foram os primeiros do


tipo moderno. Em 1565 é aprovada uma lei que institui uma escola elementar
vernácula em cada aldeia com o intuito de ensinar a leitura, escrita, religião e
música sacra.

Em 1773 o ensino obrigatório estendeu-se dos cinco aos catorze anos e foi
efetivado. O ano escolar tinha a duração de dez meses e as crianças eram obrigadas

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A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA E NO RENASCIMENTO • AULA 3

a frequentar a escola todos os dias úteis da semana, de 9 às 12 horas e de 13 às


16 horas. Os pais eram inclusive multados pela falta de frequência dos filhos
(MONROE, 1983, p. 209).

Lutero enfatizava que a tarefa da educação não era uma prerrogativa exclusiva da igreja, a família
e o Estado tinham responsabilidade sobre a formação de sua juventude. Afirmava que o ensino,
além de ser estatal e gratuito, deveria ser obrigatório. A escola deveria ter um caráter prático,
no sentido de preparar a criança para viver em sociedade, aprendendo ofícios ou a economia
doméstica (mulheres).

A educação era também um meio de exercer influência duradoura sobre uma população.
Com a separação entre católicos e protestantes, passava a ocorrer uma competição pela conquista
de novos fiéis. Os protestantes saíram na frente. As propostas de Lutero provocaram mudanças
imediatas na educação da época e, no final do século XVI, suas escolas se expandiram por todo
norte e centro da Europa.

Os católicos precisavam reagir. Este movimento de reação ao crescimento do reformismo europeu


ficou conhecido como a Contrarreforma.

A Contrarreforma na educação

Nas disputas sobre a hegemonia na formação das almas, católicos e protestantes tiveram na
educação uma valiosa arma. O combate ao protestantismo se dava como uma luta política direta,
por um lado, e como uma reformulação interna da Igreja Católica, por outro.

No tocante à sua reformulação interna, podemos destacar como fatos significativos de largo
alcance histórico o (celebrado entre 1545 e 1563) e a criação da Companhia de Jesus (jesuítas). O
Concílio de Trento recomendou a criação de escolas e a fundação de associações para o ensino
religioso, o que incentivou a criação de várias ordens religiosas. Contudo, seu efeito mais direto
e visível foi a Inquisição, com a criação de um Index (obras e autores proibidos). A Inquisição
tinha por objetivo instalar tribunais eclesiásticos para investigar e condenar obras e pessoas
acusadas de heresia.

A Companhia de Jesus foi fundada por Inácio de Loyola (1491-1556) e reconhecida pelo papa em
1540. Os jesuítas se tornaram um poderoso grupo dentro da igreja católica, substituindo outras
instituições educacionais que se encontravam em decadência, como as escolas monásticas
e catedrais.

A companhia se dedicou vivamente à educação, criando os colégios jesuítas. A educação é


orientada pelo Ratio Studiorum (plano de estudos).

A Contrarreforma tinha o intuito de restaurar a autoridade da igreja, e este esforço manifestava-se


na Companhia de Jesus como uma aferrada disciplina e uma enorme disposição de trabalho. Nas

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AULA 3 • A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA E NO RENASCIMENTO

escolas jesuíticas, usava-se a competição como um estimulante da aprendizagem. Estimulava-se


a competição individual entre alunos e entre grupos, dividindo a classe em dois grupos rivais.
Havia também competições entre escolas, e os vencedores desses embates recebiam honrarias e
prêmios. Isto tornou comum a delação e a espionagem, em que membros de um grupo entregavam
os de outro grupo em busca de vantagens, prática não muito recomendável em se tratando da
formação moral de crianças.

Existia uma grande preocupação com a preparação dos mestres, havendo seleção e preparação
para ocupar este cargo, o que fez com que a ordem dispusesse de um grande efetivo de professores
bem preparados.

Outra ordem de destacada atuação no período foi a Congregação das Escolas Pias, fundada
pelo espanhol José de Calazans (1556-1648), em 1597. Especializada no ensino elementar
e de caráter popular, destinado às crianças pobres. Alfabetizava e ensinava a aritmética e o
latim, mas tinham como foco principal a evangelização. Posteriormente, a Congregação das
Escolas Pias implementou a educação secundária e profissional, expandindo-se por toda
Europa. As escolas pias representaram para a escola primária o que os jesuítas representaram
para a escola secundária no sentido de demarcação e expansão do catolicismo por meio
da educação.

O Instituto dos Irmãos das Escolas Cristãs foi uma congregação fundada por São João Batista
de La Salle (1651-1719) para educar crianças abandonadas e muito pobres. Segundo La Salle, a
ignorância é a fonte de todos os males, e deve-se educar incentivando a curiosidade do aluno.

Foi La Salle quem fundou a primeira escola normal, em 1685, voltada exclusivamente para a
formação de professores. Fundou, ainda, outros tipos de escola, como as escolas dominicais
(aperfeiçoamento de operários), escolas secundárias de caráter técnico (preparo para o comércio e
indústria), escolas de reforma, os reformatórios (para crianças indisciplinadas e rebeldes), escolas
de alfabetização de adultos e escolas técnico-profissionais. Foi pioneiro no estabelecimento da
educação simultânea, onde muitos alunos são educados ao mesmo tempo.

As escolas de Port-Royal ou jansenistas foram criadas por São Cirano (1581-1643), em 1637,
baseadas nas ideias do bispo Cornélio Jansênio. Faziam um contraponto doutrinário às escolas
jesuíticas dentro do catolicismo. Era uma educação ascética mas nem por isso pouco afetiva. Ao
contrário dos jesuítas, os jansenistas já contemplavam alguns traços do que será denominada
a “pedagogia realista”.

Para a doutrina jansenista, os homens nascem essencialmente maus, mas se forem bem educados
(com métodos rígidos) podem adquirir um novo caráter. O educador deve vigiar incessantemente
a expansão dos “impulsos naturais” dos alunos. Alguns deles tornaram-se famosos pensadores
como La Fontaine (1621-1695) e Pascal (1623-1662).

52
A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA E NO RENASCIMENTO • AULA 3

Além dessas ordens, devemos destacar algumas outras: a ordem das Ursulinas, fundada por Santa
Ângela de Mérici em 1535; Congregação de Jesus, em 1558, na Itália; Congregação da Doutrina
Cristã fundada por Bus em 1592; Irmãs de Nossa Senhora criada por Fourier, em 1598, para a
educação de meninas.

Na esfera protestante, Francke (1663-1727) tentava operar uma reforma dentro da reforma por
meio da educação religiosa pietista. Fundou diversas instituições educacionais a partir da escola
de Halle (1695).

Neste momento realiza-se um corte na história da educação, vindo a se constituir a chamada


“educação realista”. Os primeiros teorizadores desse modelo foram os pensadores renascentistas
como Montaigne, Rabelais, Erasmo etc. Mas temos com Bacon, Comênio e Ratke uma maior
sistematização da corrente realista em educação.

O realismo pedagógico
Paralelamente e em estreita relação com as transformações
Saiba mais
políticas ocorridas no século XVI e XVII, há uma transformação
epistemológica em curso. Epistemologia é uma teoria do
Epistemologia
conhecimento. Tal transformação se traduz como a formação
de uma nova maneira de compreender o mundo. Movimento Epistemologia (do grego, episteme,
“conhecimento”; logos, “teoria”), é um
que vem sendo ensaiado desde o Renascimento, mas que
ramo da filosofia que trata sobre os
vai conhecer suas consequências práticas nas teorizações de problemas filosóficos relacionados à
alguns filósofos e nas criações de alguns “cientistas”. teoria do conhecimento.
Fonte de Consulta: http://pt.wikipedia.org/
wiki/Epistemologia
O realismo pedagógico não pode ser analisado destacadamente
do movimento de se debruçar e investigar a realidade que vem tomando grande vulto no século
XVII. A observação e a construção de uma teoria racional como método de conhecimento
começavam a se sobrepor sobre a ideia da verdade baseada na autoridade tradicional (eclesiástica
ou imperial).

As descobertas do astrônomo polonês Nicolau Copérnico (exposto em Sobre a Revolução dos


Mundos Celestes) sobre o sistema solar e as conclusões do anatomista belga André Vasálio (exposto
em Sobre a Organização do Corpo Humano) sobre o funcionamento da fisiologia corporal se deram
a partir da observação e da intuição racional. Posteriormente suas teorias serão reformuladas
por Kepler e Harvey, respectivamente. No século XVII, Gilbert sintetizou os conhecimentos sobre
eletricidade, Bacon formulou o que seria a teoria do método experimental, e Boyle introduziu
o método científico na química, definindo o elemento químico e propondo uma teoria sobre a
natureza da matéria. Galileu usava a observação, a medição exata e as experiências planejadas
como fonte de conhecimento. Assim descobriu vários princípios da física, especialmente da
mecânica, que contradiziam as teorias de Aristóteles aceitas até então. Isaac Newton chegou à
teoria da gravidade contemplando diversos problemas da física de seu tempo, demonstrando

53
AULA 3 • A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA E NO RENASCIMENTO

a aplicação do método científico. Mostrou sua utilização por meio de explanações gerais que
abrangiam um grupo amplo de fenômenos separados.

Estes são apenas alguns fatos históricos que nos permitem vislumbrar a crescente valorização
da busca de um conhecimento apoiado em fatos, passível de comprovação ou de compreensão
por meio de um discurso racional.

O que será então uma educação realista? Segundo Monroe (1983): “Este termo é aplicado ao
tipo de educação em que se dá preferência ao estudo dos fenômenos naturais e das instituições
sociais, em detrimento das línguas e literaturas”.

As primeiras manifestações desse modelo, ainda não saturados dos modelos científicos, serão o
realismo humanista e o realismo social. No primeiro grupo, encontramos Rabelais, John Milton
(1608-1674) e outros pensadores renascentistas. No segundo, encontramos Montaigne, na França,
e Ascham na Inglaterra.

Foram os precursores renascentistas do realismo pedagógico, formulado no século XVII por


Francis Bacon, Wolfgang Ratke e João Comênio, principalmente.

Francis Bacon (1561-1626) tem as suas ideias sobre a busca do conhecimento que ajudaram a
promover uma grande transformação pedagógica. As ciências físicas tornar-se-iam o centro, o
fundamento da busca do conhecimento, já que por intermédio delas poderia se adquirir um
conhecimento da natureza. Este conhecimento viria de um estudo metódico, que futuramente
poderia inclusive fundamentar uma filosofia moral e a organização da sociedade de uma forma
aperfeiçoada.

O século XVII assiste à passagem do formalismo ao realismo do saber baseado em palavras e


abstrações ao conhecimento a partir de objetos e ideias. O mérito de Bacon foi o de ter codificado
este novo modelo.

Bacon afirmava que havia uma relação direta entre conhecimento e poder, já que o conhecimento
adquirido sobre a natureza tornaria possível atuar sobre ela e promover transformações (melhorias,
a princípio) entre os homens.

No pensamento teológico e metafísico medieval, as conclusões estão determinadas aprioristicamente


pelos axiomas. A tentativa agora seria tentar buscar no próprio objeto do conhecimento as leis
de seu funcionamento, não partindo de um axioma preestabelecido, mas seguindo um método
confiável. Claro que não seria tão simples destituir todo um modelo epistemológico socialmente
incorporado em favor de seu novo método.

Ratke (1571-1635) foi o responsável pela aplicação dos novos princípios, teorizados por Bacon, na
esfera da educação. Com Ratke ganha força a vertente que defende o ensino na língua materna e
não no latim. Tanto por questão de método quanto por uma questão política, já que na Alemanha

54
A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA E NO RENASCIMENTO • AULA 3

da época, fragmentada, havia uma infinidade de dialetos. A construção dos Estados Nacionais
estava intimamente ligada à criação de uma identidade linguística.

Em seu método, tudo deveria ser conhecido por meio da experiência, investigação ou
experimentação. Havia a ideia de uma ordem natural, um modo correto (correto porque natural,
natural porque verdadeiro) de conduzir o aprendizado.

João Comênio (1592-1671) foi um dos maiores pedagogos da história da educação. Só foi
redescoberto depois de dois séculos e teve pouca influência na educação até o tempo de Frobel.

Em sua grande obra Didactica Magna expõe suas ideias pedagógicas: o maior objetivo da educação
é possibilitar a união do homem com Deus. Até então os educadores haviam fornecido e atuado
por meio de uma disciplina moral e mental que reprimia o indesejável no aluno. Para Comênio,
a educação deveria ser um caminho de autoconhecimento e não de repressão, já que o controle
tão almejado só poderia brotar do conhecimento de si. O conhecimento, a virtude e a piedade
eram os objetivos da educação.

Comênio queria dar continuidade ao projeto baconiano de uma grande sistematização do


conhecimento.

Observamos diversas semelhanças entre as diretrizes educacionais de Ratke e Comênio, isto


porque ambos estavam tentando adaptar as ideias de um novo método (idealizado por Bacon)
à educação. Comênio sintetizava e apresentava este novo método elaborando livros didáticos.

Comênio também teve influência sobre a organização das escolas. É o primeiro a idealizar o
“jardim de infância” (kindergarten), apresentado em seu livro A Escola Maternal, que versava
sobre a educação na relação mãe e filho. A Didactica Magna apresentava suas ideias pedagógicas
integralmente, mas só foi publicada em sua língua original no século XIX, o que tornou sua
influência tardia.

O século XVIII: os enciclopedistas, Locke e


Rousseau

As grandes contribuições do século XVIII para a história da pedagogia vêm de John Locke,
Jean-Jacques Rousseau e os enciclopedistas franceses. Todos propuseram uma teoria da educação
baseada em uma certa concepção do humano. Ainda que não haja uma coincidência de seus
métodos, podemos afirmar que refletem as preocupações ou a visão de mundo que abarcam
seu tempo.

No século XVIII, as chamadas “revoluções liberais” provocaram transformações políticas


e culturais que abalaram profundamente as duas grandes instituições sociais dos séculos
precedentes, a monarquia e a Igreja. A crescente burguesia inglesa, fruto da revolução industrial

55
AULA 3 • A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA E NO RENASCIMENTO

pioneira neste país, a independência americana com a formação de um estado constitucional


e democrático e a Revolução Francesa, em 1789, são os marcos fundamentais deste processo. A
hegemonia religiosa vinha sendo substituída pela racionalidade, a verdade, que um dia já havia
sido prerrogativa teológica e metafísica, agora se tornava um atributo da experiência conjugado
com a racionalidade. A monarquia foi destituída, a nobreza já não era característica distintiva
do governante. Formavam-se os Estados Nacionais, secularizados e burocratizados, apoiados
nos três princípios da revolução francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. Assim o poder
financeiro e político começava a se concentrar na classe burguesa.

A valorização da vida urbana com seus atrativos, o teatro, os salões, os saraus, o passeio público,
a ópera, os concertos sinfônicos, a leitura de romances, irão prosperar no final do século XVIII
e especialmente ao longo de todo o século XIX.

Além da valorização e do cultivo de uma vida cultural, a burguesia se caracterizava pela valorização
da família. Ela se torna o lugar do afeto e também da educação. As famílias extensas vão sendo
cada vez mais substituídas pela família nuclear (pai, mãe e filhos) como marco de identificação.
A família passa a ser o lugar de “dentro”, de proteção, intimidade e acolhimento, ao mesmo
tempo em que o mundo ganha feições ameaçadoras (a rua é tida como “perigosa”, “suja”, não se
deve falar com “estranhos”). Juntamente com este novo arranjo familiar, surge a criança como
uma figura destacada, indivíduo valorizado como categoria específica. Isto é, os séculos XVII e
XVIII criam um lugar social específico para a infância, ela se torna um valor social diferenciado
(ARIÈS, 1981).

A pedagogia será um dos instrumentos para a formação deste novo homem, racional, emancipado
e politicamente ativo. Há inclusive uma certa inflação dos limites aos quais a educação poderia
levar o homem. Esta inflação aparecia em dois argumentos principais, um positivo e um negativo.
O primeiro afirmava que se tudo dependia da educação na formação da pessoa, poderíamos
sonhar com uma sociedade utópica se soubéssemos como educar. O segundo, ao perceber que
o mundo não se adequava aos parâmetros de uma sociedade ideal, culpava a educação pelo
mesmo motivo. Isto é, a educação parecia ser a responsável pelos fracassos e sucessos sociais.
Ainda hoje esse discurso frequenta a arena política, quando a educação aparece como uma
panaceia, capaz de evitar todos os tipos de problemas sociais.

Sintetizando

Vimos até agora:

»» A formação do homem de fé. Como Santo Agostinho foi fascinante com relação ao objetivo pedagógico.

»» A importância de Carlos Magno e da educação cavaleiresca, no sentido do surgimento das primeiras Universidades.

»» O Renascentismo que nasce com a queda do Império Bizantino.

»» O movimento político-religioso que foi a Reforma e o movimento da Contrarreforma.

56
A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA E NO RENASCIMENTO • AULA 3

»» As línguas locais começam a ser usadas no lugar do latim, e o livro é considerado fundamento essencial do processo
educacional.

»» O protestantismo (vindo da Reforma), pela educação luterana, tornava a alfabetização básica.

»» Os jesuítas, com a Companhia de Jesus, contra-atacaram. Escolas gratuitas, material de qualidade, mestres bem
preparados. Mas você pode ler também sobre as outras ordens católicas que, de alguma maneira, são facilmente
identificadas ainda hoje.

57
A EDUCAÇÃO NA IDADE MODERNA
Aula
4
Apresentação

Nesta aula vamos conhecer algumas das ideias que orientavam os racionalistas franceses.
Conheceremos as ideias de Locke, ancoradas na escola empirista com forte crítica ao racionalismo.
Locke criticará a educação enciclopedista dos racionalistas, afirmando que educar não é somente
preencher o indivíduo com uma profusão de informações, mas que terá um papel fundamental
na formação cognitiva, intelectual e moral dos indivíduos. Outro grande vulto da pedagogia será
Rousseau. Grande crítico do racionalismo em educação, proporá uma atenção especial às próprias
necessidades e aptidões do aluno em vista a desenvolver seu potencial. Por fim, exploraremos
algumas das ideias de Kant que influenciarão a pedagogia.

Se nos séculos anteriores o maior diálogo da educação foi com a filosofia, no século XIX,
vamos finalmente conhecer as implicações políticas do pensamento pedagógico. Tal vertente
acentuar-se-á devido a uma série de fatos históricos que transformará a vida social como um
todo. Destaca-se neste período a relação entre as repúblicas então nascentes com a ideia de
uma educação laica e gratuita. Também é período de grandes sistematizações pedagógicas
como a de Pestalozzi na linhagem de Rousseau. A educação se aproxima cada vez mais da
população e do cotidiano, redesenhando seus objetivos e seu papel social. Outras figuras
importantes como Frobel e Herbart serão fundamentais na implementação dessas ideias e
também no processo de emancipação da pedagogia como uma ciência específica, com objeto e
saber próprios.

Objetivos

»» Saber quais são as principais ideias que orientam os chamados enciclopedistas franceses.

»» Conhecer o sistema pedagógico de Locke, seus pressupostos empiristas e como eles


se aplicam ao ideário de uma educação não só informativa, mas que vise formar o
indivíduo cognitivamente.

»» Entrar em contato com o modelo de indivíduo defendido por Rousseau, sabendo


identificar seus efeitos dentro da antinomia natureza e cultura.

58
A EDUCAÇÃO NA IDADE MODERNA • AULA 4

»» Conhecer alguns aspectos do sistema filosófico kantiano e algumas de suas implicações


na educação.

»» Reconhecer os principais movimentos e transformações sociais que atravessaram o


século XIX. Secularização, laicização, estatização serão termos recorrentes e importantes
para compreender esse período.

»» Identificar as principais características da pedagogia de Pestalozzi. A ideia de uma


educação baseada no “coração, mente e mão”, ressaltando a prática como um modo de
aprendizado e um objetivo do ensino.

»» Reconhecer as ideias de Herbart e a sua ênfase nos aspectos psicológicos e éticos na


educação.

59
AULA 4 • A EDUCAÇÃO NA IDADE MODERNA

Os iluministas franceses

Diderot, D´Alambert e Voltaire são alguns dos mais destacados intelectuais franceses do começo
do século XVIII. São os iluministas ou racionalistas, que têm como pretensão intelectual e
projeto político a centralidade da razão. A Enciclopédia seria a encarnação física deste ideal
intelectualista de clareza, precisão e acúmulo exaustivo de conhecimentos.

Com profundas raízes aristocráticas e sem mostrar esforço algum para a democratização da
educação, esses filósofos a concebiam como a transmissão de conhecimentos racionais e
empíricos, apoiados nas novas descobertas científicas. Combatiam veementemente as igrejas
e seus modelos educacionais, principalmente Voltaire, que via a religião como um “atraso”, algo
a ser devidamente superado quando a razão pudesse explicar as leis da natureza. Iluminista
ou racionalista é ainda um modo corrente de se caracterizar um argumento que se apoia
completamente em prerrogativas racionais, sem ceder às opiniões que, ainda que não racionais,
fundamentam a vida social humana.

Os iluministas faziam um contraponto às escolas religiosas da época, enfatizando o que chamavam


“conhecimentos reais”, isto é, que se apoiavam em descobertas científicas. Por isso viam com
desdém o ensino da religião, da literatura clássica e das línguas, reforçando o ideal de uma
educação de base científica.

A educação disciplinar de Locke

John Locke (1632-1704) foi o fundador do empirismo com o Ensaio sobre o entendimento humano
(1690), tendo influenciado a história da filosofia, da organização social e da educação. O princípio
que rege o empirismo é o de que toda afirmação deve ser submetida à prova da experiência,
atacando concepções preestabelecidas e tradicionais que não estão baseadas na razão. Em 1693
escreve alguns pensamentos sobre educação em que ataca o inatismo e a predestinação nas
concepções educacionais vigentes. Duas importantes influências de seu pensamento podem
ser observadas na pedagogia:

»» a concepção de uma relação necessária entre a instrução proveniente do mundo exterior


e o desenvolvimento das funções intelectuais internas da mente;

»» a defesa da tolerância como princípio político, o que implica em uma crítica ao


autoritarismo e às punições corporais como métodos educativos, exaltando os princípios
da liberdade e da autonomia. No terreno da educação, alguns autores o qualificam como
o representante da “educação disciplinar”.

60
A EDUCAÇÃO NA IDADE MODERNA • AULA 4

Figura 13. John Locke.

Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/John_Locke.png.

No século XVII, a Inglaterra passava por profundas


transformações sociais e econômicas, destacando-se o início Saiba mais

da Revolução Industrial, que teria um forte impacto cultural


e na educação. O fortalecimento da burguesia urbana (classe O ensaio sobre o entendimento
humano
patronal e profissionais liberais) demandava novos modelos
de formação para seus membros. Modelos que satisfizessem Este trabalho comporta quatro livros,
que versam respectivamente sobre
as novas condições sociais em que circulariam seus membros.
a inexistência de princípios e ideias
Isto leva Locke a colocar no centro de suas reflexões a figura inatas, sobre as ideias como matéria
do “gentlemen” ou “fidalgo”. Em diversos escritos, ele aponta do conhecimento, sobre as palavras
como signos das ideias, sobre o saber
as características desse novo papel social que já não será
e a probabilidade. O objeto da obra
determinado apenas pelo fato de pertencer a uma classe, mas é mostrar como o espírito adquire as
pela posse ou aquisição de determinados conhecimentos, noções que possui sobre as diversas

hábitos e virtudes. A figura do gentlemen é uma mistura de realidades, e em que consiste e até
onde se estende o saber certo e quais
racionalidade e humanismo, de controle e liberdade, temas
podem ser os fundamentos de nossos
caros ao iluminismo do século XVIII. juízos prováveis. Trata-se de fixar ao
entendimento do homem os limites no
Com esta nova concepção da virtude, não mais religiosa, mas interior dos quais sua atividade pode
política, na qual a educação deve ser também um lugar de legitimamente se desenvolver e, para
isso, determinar como se edificam nossos
aprendizagem das “maneiras”, dos “bons modos”, atenta-se
conhecimentos.
para a proeminência das relações humanas como foco
(DUCHESNEAU in CHÂTELET, 1974, p.22)
da educação.

61
AULA 4 • A EDUCAÇÃO NA IDADE MODERNA

Saiba mais

O modelo educacional proposto por Locke segue os princípios do mens sana in corpore sano (a atividade física como
condição do bem-estar existencial), e a ideia de que o educador deve raciocinar com as crianças (deve explicitar como se
chegou a tais conclusões). A educação deve visar objetivos práticos e se basear na experiência, o que será uma garantia de
despertar o interesse e a curiosidade das crianças

A educação deve ser um caminho que leve à virtude. Para tanto, o educador deve servir
de exemplo, espelhando o respeito, a justiça, coragem e compaixão. Locke explora a
curiosidade natural das crianças e seu instinto de jogo. Afirma que sua instrução deve estar
relacionada com suas necessidades concretas, que são muito mais físicas e motoras do
que intelectuais.

Os ideais educacionais de Locke espelham os elementos fundamentais da educação burguesa,


baseada nas virtudes sociais e na autodeterminação. Valoriza a consciência moral e a racionalidade
como disposições que a educação deve influenciar e desenvolver. A maior contribuição do
chamado “conceito disciplinar da educação” foi a percepção de que o fator principal do
processo educativo não é o conteúdo do que é aprendido, mas a forma como é aprendido.
Uma capacidade ou habilidade, quando devidamente desenvolvida, pode ser utilizada em
diversas atividades e experiências. A educação não é apenas um acúmulo de informações,
mas tem a função de, no processo de evolução da criança, ajudar a maturar suas capacidades
cognitivas, intelectuais e emocionais. Esta, aliás, é uma pequena divergência de Locke em
relação a outros educadores realistas (como Comênio), já que afirma que o conteúdo não é o
mais importante na educação:

Surpreenderá, talvez, que eu fale de raciocinar com as crianças. As crianças


sabem raciocinar desde quando começam a falar e, se bem observei, gostam
de ser tratadas como criaturas racionais, muito antes do que se imagina.
Esta é uma ambição que deve ser cultivada nelas, para tornar-se, tanto
quanto possível, o instrumento mais válido de sua educação (AUTOR,
data, página).

A ideia empirista de que os indivíduos ao nascerem são como uma tabula rasa, quer dizer, não
trazem ideias preconcebidas, torna a educação um elemento fundamental na formação das
pessoas. Os hábitos determinam o homem, o que torna o treino e a disciplina os fundamentos da
aquisição do autocontrole que possibilitará o pleno desenvolvimento dos potenciais humanos.
A educação é no fundo uma FORMAÇÃO DE HÁBITOS. Aspecto que não é corroborado por
Rousseau, apesar da grande e reconhecida influência que exerceu Locke sobre seu sistema
de pensamento.

62
A EDUCAÇÃO NA IDADE MODERNA • AULA 4

A pedagogia naturalista de Rousseau


Figura 14. Jean-Jacques Rousseau.

Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File-Jean-Jacques_Rousseau_(painted_portrait).jpg.

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), eminente educador nascido em Genebra, foi e continua


sendo uma grande influência na pedagogia, filosofia e ciências sociais. Influenciado diretamente
por Locke e filiado à tradição crítica francesa, que vem de Rabelais e Montaigne, teve uma vida
inquieta, tendo sido gravador, seminarista, secretário, professor de música, copista de música,
compositor e escritor. O naturalismo como escola filosófica ganhou impulso na segunda
metade do século XVIII, fazendo um contraponto ao pensamento racionalista, que na França
era representado principalmente por Voltaire e os enciclopedistas. O naturalismo apoiava-se em
uma concepção do homem como ser natural (e daí uma certa concepção da natureza humana)
que perdia sua autenticidade devido aos artificialismos da vida social. Este modelo de homem
tinha nos sentimentos um poderoso guia, mais confiável do que a pura razão. O naturalismo
se apresentava como um contraponto ao racionalismo extremado do começo do século mas
também pode ser considerado como um movimento interior ao Iluminismo.

O inimigo privilegiado dos iluministas era a igreja com sua concepção metafísica do mundo que
atentava contra os critérios racionais do entendimento e busca da verdade. Com o naturalismo,
a crítica é menos filosófico-teológica do que social, isto é, há um desejo revolucionário no
movimento. A razão passa a ser interpretada como mais uma possível forma de tirania, além de
ser identificada como uma prerrogativa das classes aristocráticas. O naturalismo, apoiado nas
emoções, tinha um apelo mais popular e de transformação social.

Rousseau se posicionou publicamente contra as desigualdades sociais de sua época, fundamentou


os ideais de fraternidade entre os homens e fé na humanidade. O humanismo ganhava as
feições de uma religião natural, baseada na moralidade cristã, mas expurgada dos elementos
sobrenaturais, que não condiziam com os ditames racionais. Enquanto os enciclopedistas, como
Voltaire, tinham a religião como pura ilusão, os naturalistas entendiam que ela era uma parte
essencial da sociedade humana porque era característica da experiência humana. Rousseau era

63
AULA 4 • A EDUCAÇÃO NA IDADE MODERNA

um revolucionário porque suas ideias remetiam a uma crítica mordaz do atual estado de coisas
em sua época. Sua concepção de educação passava por uma profunda crítica social:

...a felicidade e o bem estar humanos são direitos naturais de todo o indivíduo,
não o privilégio especial de uma classe favorecida; e que a organização social e a
educação legítimas existem somente para efetuar a realização deste desiderato.
A isto ele acrescentou como argumento principal, o fio que havia de fazer explodir a
bomba, - que a ciência, a arte, o governo, a educação como estavam constituídos
naquela época impediam esta realização e, portanto, deviam ser objeto de
destruição (MONROE, 1983).

A educação ganhava cada vez mais uma feição reformista. A crítica de Rousseau à sociedade
francesa de seu tempo parte da percepção de que o puro avanço da razão só havia levado a um
formalismo estéril e a um artificialismo e erudição vazios. A crítica era dirigida à empertigada e
afetada aristocracia parisiense, que, para Rousseau, estava encarnada na figura de Voltaire, seu
maior inimigo intelectual.

A ideia de uma volta à natureza está relacionada à ideia de satisfazer as verdadeiras necessidades
e não as que seriam criadas artificialmente nessa sociedade opulenta. A partir desta crítica,
constrói uma teoria política e uma concepção pedagógica.

Na pedagogia, destacam-se dois modelos educativos, o pedagógico propriamente dito, que seria
a “educação negativa”, como exposto no Emílio, e a educação do cidadão, como exposto em seus
escritos políticos. A política e a pedagogia são ligadas, uma é o pressuposto e o complemento da
outra, e juntas tornam possível a reforma integral do homem e da sociedade.

Os escritos pedagógicos de Rousseau estão condensados em seu livro Emílio, ao mesmo tempo um
romance psicológico e um manifesto educativo, que teve larga circulação na Europa. Ali apresenta
as ideias de uma educação do homem como um “retorno à natureza”, no sentido de focalizar as
necessidades mais profundas (naturais) da criança. Isto implicava em respeitar seus ritmos de
crescimento, a direção de seus interesses e a valorização da condição de criança, apontando a
infância como uma fase importante na constituição do homem adulto. É um modelo educativo
que entende que a imposição dos saberes na tenra idade não produz bons efeitos, que o próprio
caráter natural criança deve ter espaço para se desenvolver desvencilhado das amarras sociais
que o conhecimento livresco representava.

“Natureza” em Rousseau carrega pelo menos quatro significados:

»» que a infância é uma idade específica com suas próprias vicissitudes e com divisões internas;

»» como oposto a social;

»» como instintos e necessidades espontâneas da criança;

»» um ambiente não urbano.

64
A EDUCAÇÃO NA IDADE MODERNA • AULA 4

As quatro acepções são características de sua crítica social. Rousseau tem como foco principal de
seus ataques, na esfera educacional, os colégios jesuíticos, com sua educação livresca, autoritária
e pedante, e a educação aristocrática, preocupada com questões de etiqueta que afastam a criança
de suas verdadeiras necessidades.

A formação do “homem natural” se realiza em cinco etapas, que estão divididas nas cinco partes
do Emílio.

A primeira parte trata da primeira infância na qual discursa sobre a higiene, as condições da
criação, o modo como se deve tratar a criança etc.

A segunda parte dedica-se a puerícia (3 aos 12 anos), que caracteriza como uma idade
pré-moral e pré-racional. Nessa fase, a criança deve aprender coisas ligadas à sua experiência
direta, exemplificadas concretamente. A ênfase deve ser sobre o fortalecimento do corpo e das
capacidades sensoriais.

Na terceira parte apresenta-se a educação do hoje chamado “pré-adolescente” – e que o autor


chamará de “a idade do útil”, em que se preserva a curiosidade natural da infância – ainda não foi
assediado pelas paixões desestabilizadoras da adolescência. Nesse período, irá adquirir algumas
noções de física e aprender o ofício de carpinteiro (como uma garantia econômica). Terá como
leitura única o clássico do século XVII: Robinson Crusoé, de Daniel Defoe.

A quarta parte (a mais conhecida) trata da adolescência de Emílio, caracterizada pelo despertar
das paixões e pelo interesse genuíno pelos companheiros, que se manifesta pelos sentimentos
de amizade e piedade. Neste momento deve aprender história, moral e religião.

A quinta parte é dedicada à procura de Emílio pela mulher ideal, que fará com ele e dará um final
feliz à história. Nesta parte também se inclui o projeto de uma “educação da mulher” (subalterna
ao homem, apreciada porque “casta, submissa e laboriosa”) e a educação política de Emílio por
meio de viagens, do estudo de outras culturas e outras línguas. Este romance é uma espécie de
mito, de protótipo em que Rousseau apresenta as suas ideias a partir de um modelo ideal. Mais
do que uma receita pedagógica, o Emílio é uma petição de princípios.

Em conjunto com a ideia de “educação natural”, Rousseau nos apresenta os conceitos de “educação
negativa” e “educação indireta”.

A educação negativa apresenta um modelo no qual o professor deve ter a mínima intervenção
possível na educação da criança, sua função é muito mais a de protegê-la da “corrupção social”
do que fomentar nela um ideal de caráter. Esta prerrogativa apoia-se na premissa de que deixada
“ao natural”, faz-se da criança um homem.

A primeira educação deve se puramente negativa. Ela consiste não em ensinar


a virtude e a verdade, mas em proteger o coração do vício e a mente do erro. Se

65
AULA 4 • A EDUCAÇÃO NA IDADE MODERNA

puderdes não fazer nada e não deixar fazer nada; se puderdes levar vosso aluno
sadio e robusto até a idade de doze anos... sem preconceitos, sem hábitos...
muito logo tereis entre as mãos o mais sensato dos homens; e, começando com
não fazer nada, tereis feito um prodígio de educação (ROUSSEAU apud CAMBI,
1999, p.351).

A educação é indireta no sentido de que ela deve se dar por um contato com as “coisas do mundo”.
O educador deve se manifestar a partir de coisas concretas, mas elas mesmas devem provocar a
sensibilidade da criança. Não existe a necessidade da criação de um esquema artificial de ordenação
e explicação do mundo como apresentado nas escolas de então. A criança é naturalmente curiosa
sobre o mundo, e o mundo naturalmente se apresenta como mistério instigante para a criança.
O educador faz uma mediação entre eles. A curiosidade cria uma demanda de formação, inverso
é o efeito de entupir a criança de informações.

Nenhum outro livro a não ser o mundo, nenhuma outra instrução a não ser os
fatos... Tornai vosso aluno atento aos fenômenos da natureza, e muito logo o
tornareis curioso; mas para alimentar sua curiosidade, não vos apresseis jamais
em satisfazê-la (ROUSSEAU apud CAMBI, 1999, p.352).

A não intervenção e o controle parecem duas prerrogativas contraditórias de sua pedagogia.


Controle e liberdade, sugestão e limite, até onde vai a influência do educador? Segundo Rousseau,
a criança deveria fazer exatamente o que quer o preceptor, achando que estava apenas seguindo
a sua vontade. Temos aí um dos primeiros modelos do que virá a ser denominado “a disciplina
interiorizada”, um fenômeno social e psicológico presente nos séculos XVII e XVIII. A ideia de
que a disciplina deve se instalar como dispositivo na consciência e não mais como um artifício
exterior ao indivíduo (punição física). Fenômeno que seria parte da interiorização crescente, da
separação entre a esfera pública e privada alavancada principalmente pela ascensão da burguesia
e o elogio do individualismo. Norbert Elias em O Processo Civilizador e Michel Foucault em Vigiar
e Punir, dois estudos históricos, mas de forte caráter antropológico, descrevem brilhantemente
este processo, que irá desembocar na “sociedade disciplinar” como conceituou Foucault.

A vontade de educar e de reformar a sociedade é um impulso de liberdade (com todos os lemas


utópicos que os impulsionam), mas é também, inevitavelmente, um modo de controle. Essas são
as contradições típicas do século XVIII e, podemos bem dizer, da modernidade. Onde se pretendia
a liberdade ao findar o monopólio do pensamento pela religião e o monopólio da política com
a monarquia, se encontra uma série de complexas questões. Dilemas da educação iluminista,
porém mais ainda das propostas de organização política do século XVIII.

Temos em Rousseau, na verdade, duas pedagogias: uma educacional propriamente dita e a outra
política, que visa formar o cidadão. Fazendo um contraponto ao modelo exposto no Emílio,
temos em Considerações sobre o governo da Polônia, apoiado em ideias lançadas em seu tratado
político O Contrato Social, as ideias que vão fundamentar sua visão de uma educação política.

66
A EDUCAÇÃO NA IDADE MODERNA • AULA 4

Com a formação dos Estados Nacionais, as ideias nacionalistas se manifestam como um dos
fundamentos da educação. Ela se responsabilizará pela interiorização dos ideais da República,
pelo amor à pátria, expresso, sobretudo, em seus símbolos (hino, bandeira, língua). Uma sociedade
democrática e igualitária pressupõe no mínimo uma igualdade de condições ao acesso à educação.
A consciência racionalmente orientada, pressuposta no modelo de pessoa das sociedades liberais
(onde se tem que votar, escolher), tem como premissa uma alma cultivada, isto é, “educada” no
sentido extenso do termo, conhecedor de sua cultura.

Aproposta do Emílio influenciará fortemente a pedagogia moderna, sugerindo alguns de seus


principais mitos como o da bondade da infância (que será atacado no século XX) e o da não
intervenção educativa. Rousseau pode ser considerado, então, o pai da pedagogia moderna, não
exatamente pelo sucesso de sua proposta pedagógica (que de fato teve), mas por ter apresentado
as questões que orientariam os debates pedagógicos posteriores.

As ideias de Kant
Immanuel Kant (1724-1804) é um dos grandes nomes da filosofia moderna, tendo suas três críticas
(Crítica da razão pura, 1781; Crítica da razão prática, 1788; Crítica do juízo, 1790) se tornado um
marco na concepção do que é a razão, o homem e a vida em sociedade. As ideias pedagógicas de
Kant estão apresentadas nas anotações que um aluno fez de um curso de pedagogia oferecido
em 1776 na universidade de Koenigsberg (Alemanha). Estas e outras obras permitem traçar o
perfil das ideias pedagógicas de Kant, que irão influenciar principalmente Pestalozzi e Herbart
no século XIX.

Kant é influenciado por Rousseau no tocante à pureza da infância e necessidade de uma reforma
social. Acentua o papel da educação na formação moral e entende a necessidade da autoridade e
da disciplina. O objetivo da educação para Kant é transformar a “animalidade” em “humanidade”
pela razão. A educação tem um papel destacado na “evolução” da humanidade, no seu anseio
por atingir na prática os ditames de um comportamento ético.

Esta educação apoia-se em quatro aspectos: a disciplina, a cultura, a educação das boas maneiras
(civilidade) e moralidade. Reitera a necessidade de uma educação física, do uso de jogos da
aprendizagem do trabalho. Tem nas regras e nas “máximas” um meio para a formação moral,
que entende ser o objetivo principal da educação e o aspecto falho na educação de seu século.
A pedagogia de Kant é puramente teórica, baseada em toda uma antropologia filosófica que
fundamenta sua concepção do homem. Assim, poderemos observar suas aplicações e dificuldades
práticas nas aplicações realizadas por pedagogos do século XIX.

O século XVIII funda a moderna pedagogia em meio a uma série de conflitos ideológicos.
A educação religiosa protestante e católica continua em ação, reformulada, mas certamente
ainda dentro de sua ênfase na formação moral e herdeira dos estudos clássicos. Os iluministas
franceses propagam o ideal de uma formação intelectual, baseada na razão e atenta aos métodos

67
AULA 4 • A EDUCAÇÃO NA IDADE MODERNA

e descobertas das novas ciências. O empirismo inglês de Locke ressalta o papel da educação na
formação do aparato cognitivo e a importância não do acúmulo de informações, mas da qualidade
e da forma do aprendizado. E finalmente Rousseau que, com sua educação negativa e indireta
exposta no Emílio e a sua educação política, lança as bases de uma nova teoria pedagógica
(juntamente com uma teoria da infância) em estreita relação com uma nova teoria do vínculo
social, como exposto no Contrato Social.

É preciso ainda citar os teóricos da pedagogia política como La Chalotais (1701-1785) e Condorcet
(1743-1794). Tinham como propósito tornar a educação uma função do Estado, apoiados nos
ideais da universalidade e da gratuidade do ensino, o que estabelecerá as bases da educação
leiga francesa.

Não há uma síntese final dessas posições. Suas influências, continuidades e descontinuidades,
misturas, mortes e renascimentos serão observadas ao longo do século XIX e XX.

A educação no século XIX

Podemos dizer que o século XIX começa culturalmente com a Revolução Francesa (1789).
A escola estatal, pública, laica, de caráter nacionalista se firma como modelo, que será exportado
da França para os outros países do ocidente.

O século XIX é o século de um espantoso crescimento demográfico, em parte devido a um crescente


êxodo rural que inchou as cidades (algumas cidades europeias duplicaram sua população em
menos de 50 anos). A Revolução Industrial (que se espalhava pela Europa) criava uma nova
classe social, o operariado, que se mudava para trabalhar nas fábricas e virara o novo alvo do
discurso de reforma social. É o que se observa na esfera política com Marx, com sua pragmática
transformação pela “ditadura do proletariado”, ou na esfera literária, com Vitor Hugo e outros
escritores, que enfocavam as condições de vida das classes trabalhadoras, formando a escola
do “romance social”.

A classe operária viverá em duras condições de vida e suas crianças também farão parte do
sistema industrial, não tendo direito a viver a sua própria infância, que dirá estudar. Não tardará
a que vozes se levantem para que haja uma regulamentação quanto à questão do trabalho
infantil. Mas por outro lado, os patrões (classe burguesa) estão cada vez mais convictos de sua
identidade burguesa.

O século XIX é o século da burguesia, e a educação será certamente uma das instâncias
privilegiadas de sua reprodução. Reprodução técnica e ideológica, no sentido de apresentar e
cultivar os saberes necessários à posição burguesa mas também disseminadora de um saber
culto e erudito, de piadas internas e jogos intelectuais que farão do ensino uma forma de
distinguir as classes sociais.

68
A EDUCAÇÃO NA IDADE MODERNA • AULA 4

Essa polarização ideológica entre classes trabalhadoras e classes burguesas ou entre socialistas
e liberais permeará a vida política e também as iniciativas pedagógicas do século.

A pedagogia de Pestalozzi, Fichte, Herbart e Frobel

O romantismo será o movimento cultural mais influente


Saiba mais
na Alemanha do fim do século XVIII e influenciará todas as
áreas da cultura, inclusive a pedagogia. Uma nova concepção
Romantismo
da formação do indivíduo, em que o termo “espiritual” seria
O Romantismo foi um movimento
agora aplicado aos bens culturais, usado como um adjetivo.
artístico e filosófico surgido nas
Assim teremos o “espírito de uma época” ou o “espírito do últimas décadas do século XVIII, na
povo”, caracterizando uma cultura e submetendo a religião a Europa, que perdurou durante grande
um aspecto desta cultura. parte do século XIX. Caracterizou-se
como uma visão de mundo contrária

O papel de formação moral antes reservado às religiões ganha ao racionalismo que marcou o período
neoclássico e buscou um nacionalismo
agora um impulso secular (após diversas teorizações, pensemos
que aparentemente se perdera.
em Rousseau) e ligado aos produtos da cultura. A filosofia, as Fonte de Consulta: http://pt.wikipedia.org/
wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_industrial
artes e as ciências poderão então suprir as almas dos homens
dos anseios que sempre estiveram depositados na religião. Bildung ou “cultivo” é o termo alemão
que irá designar esta qualidade e este processo de formação. Este também é um reflexo direto da
centralidade que o indivíduo vem tomando desde o Renascimento. Indivíduo como valor social,
fonte de agência, sede da racionalidade, desbravador dos labirintos da história e dos mistérios
da natureza.

Johann Pestalozzi (1746-1827)

Johann Heinrich Pestalozzi foi um dos grandes pedagogos do século XIX. Começa sua carreira
em 1767 como empresário educador, educando a população agrícola em um cantão da Suíça.
Funda uma espécie de fazenda-escola denominada Neuhof (Fazenda nova), na qual acolheu e
educou jovens pobres. Nesta fazenda, estudavam e trabalhavam, plantavam e teciam.

A ideia de Pestalozzi era tornar a fazenda-escola autossuficiente e servir de exemplo para outros
países. Mas o projeto fracassou completamente. Posteriormente irá fundar várias escolas famosas,
entre as quais destaca-se seu Instituto Internacional de Iverdon, fundado em 1805. Publica diversas
obras ligadas às questões pedagógicas, entre outras: Leonardo e Gertrude (romance pedagógico),
em 1781; Minhas pesquisas sobre o curso da natureza no desenvolvimento do gênero humano, de
1789; e Destinos da minha vida (autobiografia) em 1826.

O pensamento pedagógico de Pestalozzi apoia-se sobre três alicerces.

»» O primeiro, sob a direta influência de Rousseau, é o postulado de que o homem é


naturalmente bom e deve apenas ser assistido em seu desenvolvimento. De que a criança

69
AULA 4 • A EDUCAÇÃO NA IDADE MODERNA

já tem em si todo o potencial necessário para se tornar um homem completo, realçando


o que se denominou a “educação negativa”.

»» O segundo é que a formação do homem compreende três aspectos indissociáveis,


“coração”, “mente” e “mão”, que devem ser desenvolvidos pela educação moral, intelectual
e profissional respectivamente.

»» O terceiro é a instrução, o modo pelo qual se transmite o conhecimento. No ensino, é


necessário sempre partir da intuição, do contato direto com as diversas experiências que
cada aluno deve concretamente realizar no próprio meio. Essas ideias estão expostas
em seu livro Como Gertrudes instrui seus filhos (1801).

Procede gradativamente da intuição de simples objetos para a sua denominação


e desta para a determinação das suas propriedades, isto é, a capacidade da sua
descrição e desta para a capacidade de formar-se um conceito claro, isto é, de
defini-los (PESTALOZZI, 1946).

O pensamento pedagógico de Pestalozzi é complementado por uma ampla crítica sociopolítica


que se manifesta no campo da educação como uma defesa da escola popular. A reforma social
passa pela educação, já que esta humaniza o homem, tornando-o apto a desenvolver seus
potenciais em busca de plenitude. Até Pestalozzi, os pobres recebiam uma educação pobre,
quando recebiam, e isto parecia não provocar nenhum desconforto.

O trabalho era uma importante parte do cotidiano nas escolas fundadas por Pestalozzi. Aprendia-se
fazendo ou fazia-se aprendendo, isto porque acumular conhecimentos que não tivessem
nenhuma utilidade prática era um contrassenso em sua opinião. Também não aprovava o papel
proeminente que o livro começou a ter desde que estes se tornaram de mais fácil acesso no século
XVI. Criticava a educação reformada e também a escola clássica humanista, que consideravam
como projeto de educação as crianças saberem as palavras contidas em seus livros. Pestalozzi
queria unir escola e vida. Era comum usar objetos concretos nas lições ou fazer pequenos passeios
para pesquisar os objetos do ambiente.

A educação intelectual assenta na intuição, um dos princípios essenciais da


pedagogia de Pestalozzi. Mas por intuição não quer entender a mera visão passiva
dos objetos sensíveis, a contemplação de coisas, e sim a atividade de espírito
mediante a qual as formas do pensamento se põem em contato, de modo direto,
com seus conteúdos, sejam de ordem material, sejam de ordem ideal. É o próprio
conhecimento em ação ou realização. Esse conhecimento pode reduzir-se às
três formas elementares, do número, da forma e da palavra, que são “produtos
da inteligência, criados por intuições maduras, e devem ser considerados meios
para a precisão progressiva de nossos conceitos” (LUZURIAGA, 1967, p.177).

Os princípios que orientavam sua prática educativa eram:

»» Uma educação humana baseada na natureza espiritual e física da criança.

70
A EDUCAÇÃO NA IDADE MODERNA • AULA 4

»» A educação como desenvolvimento de potencialidades internas que naturalmente


desabrocham só precisa de uma direção.

»» Educação em estreita relação com o meio em que se dá.

»» Escola popular, acessível a todos.

»» Educação profissional como parte importante da educação geral.

»» Educação religiosa íntima, não confessional. Isto é, guardando valores morais contidos
nas religiões, mas sem professar um credo específico.

As escolas pestalozzianas se expandiram ao longo de todo o século, na Alemanha, Inglaterra e


Estados Unidos. Sua influência também será sentida em outros eminentes teóricos da educação
atuantes no século XIX, como Fichte, Herbart e Frobel.

Johann Fichte (1762-1814)

Johann Gottlieb Fichte continua a tradição idealista de Kant e fortalece a ideia de uma educação
nacional, que ressalte e aprimore as características da cultura nacional. Em seu famoso Discursos à
nação alemã (1807-1808), apresenta as ideias básicas que orientam sua pedagogia, inclusive a de que
só a educação poderá manter coesa uma nação. Para tanto, é necessário que ela seja geral e irrestrita.

Fichte é um dos primeiros representantes do voluntarismo em pedagogia, colocando como


centro de suas preocupações a vontade, a iniciativa do aluno. Segue Pestalozzi, a quem conheceu
pessoalmente, na ideia de reunir na escola o trabalho manual e o trabalho intelectual.

Friedrich Froebel (1782-1852)

Friedrich Froebel trabalhou em Iverdon com Pestalozzi, cujo método de ensino elementar veio
posteriormente a criticar. Publica em 1826 sua principal obra, A educação do homem, no qual
desenvolve um diálogo teórico com Rousseau, Pestalozzi e Richter. Em 1839 abre um “jardim de
infância”, posteriormente publicando um guia para mães e professoras do jardim.

No tocante à concepção da infância, Froebel acreditava que as crianças são naturalmente boas, e
a educação deve apenas facilitar o seu desenvolvimento natural. Acreditava na função educativa
do jogo, afirmando que a função do jogo na infância seria substituída pelo trabalho na vida adulta.

O jogo e a espontaneidade no aprendizado serão valorizados na organização dos jardins de


infância, que não devem ter programas rígidos e prédeterminados. Deve-se seguir os interesses
das crianças. O jardim de infância deve dispor de canteiros e áreas verdes que estimulem as
atividades infantis.

Froebel desenvolveu a teoria dos “Dados”, que consiste em algumas formas geométricas básicas
(esfera, cubo, cilindro, e outros) que ajudariam a criança a compreender as “formas básicas do

71
AULA 4 • A EDUCAÇÃO NA IDADE MODERNA

real”. Por meio da manipulação dessas formas, a criança aprenderia as relações parte-todo e
comporia novas possibilidades de forma pela conjugação dessas formas básicas. Posteriormente
este será um aspecto bastante criticado na teoria froebeliana pelo seu aspecto formalista.

Apesar disso, Froebel fixou uma imagem da infância como uma idade criativa e fantástica e a
educação como fator decisivo na formação do homem adulto.

Diversos outros autores românticos influenciarão a pedagogia direta ou indiretamente na


Alemanha do século XIX. Schleiermacher (1768-1834) entende a educação como promotora da
autonomia do indivíduo. Em suas Lições de pedagogia (1813), desenvolve uma educação que tem
como objetivo a união da teoria e da prática, onde a teoria nasceria da prática, e posteriormente
influenciaria a própria prática. Jean Paul Richter (1768-1825) coloca a educação estética como
base da formação. Ressalta a importância da educação familiar e o respeito pela espontaneidade
da criança. É antiautoritário e acredita que o jogo é um excelente dispositivo educacional. Schiller
(1759-1805) apresenta nas suas Cartas sobre a educação estética da humanidade (1795) o seu
ideal de formação que conjuga sensibilidade e razão, e a moral como um meio da felicidade, se
opondo às tendências utilitaristas em voga na educação da época. Advoga uma “educação da
sensibilidade” já que entende a liberdade como um atributo da beleza. Goethe (1749-1832) é
considerado o pai do movimento romântico. Delibera sobre a educação na segunda parte de seu
livro Wilheim Meister (1801) no qual faz projeções de uma educação ideal. Wilhelm von Humboldt
(1767-1835) foi ministro da educação da Prússia onde elaborou um “plano escolar de reforma”.
Valorizou a educação humanística, principalmente o ensino das línguas clássicas (latim e grego),
o valor formativo do ensino das ciências, especialmente da matemática.

Hegel e Herbart fazem uma crítica ao subjetivismo e ao intuicionismo das tendências pedagógicas
influenciadas pelo romantismo. Acreditam ser necessária uma valorização da história e da ciência
complementando a formação moral tão acreditada pelos pedagogos “românticos”.

Georg Hegel (1770-1831)

Georg Wilhelm Friedrich Hegel é o grande representante da filosofia idealista alemã. Reelaborou
a dialética na famosa fórmula da “tese-antítese-síntese” que irá influenciar diversos pensadores
nas gerações seguintes (vide Marx). Hegel pode ser considerado um contrapeso racionalista às
diversas teorias intuicionistas, baseadas no “sentimento”, que vinham ganhando terreno pelo
menos desde Rousseau. Hegel é um profícuo pensador que cria um novo sistema filosófico,
no qual não poderia faltar também uma teoria concernente à educação. Suas preocupações
são, sobretudo, voltadas para a formação do homem, na qual tenta aplicar os princípios
da dialética.

O homem, na filosofia de Hegel, é um produto histórico, inserido em um tempo e um espaço


específicos, em uma comunidade humana. Sua formação compreende a tomada de consciência
dos determinantes históricos que estruturam sua realidade.

72
A EDUCAÇÃO NA IDADE MODERNA • AULA 4

O desenvolvimento da consciência passa da naturalidade à objetividade do espírito


mediante um contato cada vez mais rico e amplo com a realidade histórico-social,
que gradativamente se torna uma “segunda natureza” do homem. Em tal processo
o ponto de chegada é constituído pela realização de uma síntese harmônica entre
o eu e o mundo histórico, que é atingida pelo empenho da vontade em ligar-se
ao plano da ética social, pela participação na vida da cultural (estética e religiosa,
jurídica e filosófica) e o reconhecimento do trabalho como atividade específica
do homem como gênero (CAMBI, 1999, p.428).

Há um forte componente evolucionista no pensamento


Saiba mais
hegeliano. A história se sucede em etapas que vão sendo
superadas, em um contínuo aumento da consciência. A bildung Bildung
se realiza no contato com as produções culturais humanas, a Seu significado está relacionado a
arte, a religião e a filosofia, parte do processo de adquirir uma cultivo ou formação.

consciência de sua condição na história (uma autoconsciência, A bildung denota um processo que
consciência de si, reflexividade). se dá também de forma dispersa,
distribuída nas várias esferas da vida

A “vontade” terá um papel fundamental nesse esforço de social: família, escola, sociedade civil
e estado.
formação, já que esta não é um processo “espontâneo” e
Fonte: ?
“natural”. Ela se dá por intermédio de um grande esforço para
formar hábitos, modos de vida socialmente compartilhados e moralmente competentes.

Para Hegel, a formação deve transformar o “homem natural” em um novo homem. Homem “social”
por excelência, determinado e orientado pelas condições e objetivos compartilhados socialmente.
Há toda uma corrente de teorização que atravessa o século XVIII pensando a esfera jurídica como
uma construção social que ressignifica o modo natural do homem. Isto é, os determinismos e as
regras que orientam as ações humanas estão codificadas em um código jurídico que se justapõe
ao plano da natureza.

Johann Herbart (1776-1841)

Johann Friedrich Herbart é influenciado por Kant e Leibniz e é um dos primeiros filósofos que, ao
se debruçar sobre a pedagogia, busca fazer desta uma ciência, ainda que uma “ciência filosófica”.
O objetivo final continua sendo a formação moral devido a sua forte influência humanista.
O diferencial são os meios, já que quando se afirma o caráter científico desta nova proposta
pedagógica, há um esforço para forjar conceitos capazes de articular este pensamento.

Herbart critica diversas correntes pedagógicas anteriores, como as de Locke e Rousseau, se


posicionando mais sob a herança de Pestalozzi. A pedagogia é uma ciência que deve refletir com
a maior precisão possível sobre seus conceitos e tem como objetivo “o governo das crianças”.
A base da ciência pedagógica será a psicologia e a ética, não podendo se basear somente nas
ciências naturais. Isto porque tem como objeto os assuntos humanos e está, portanto, determinada
por disposições que escapam ao âmbito da natureza.

73
AULA 4 • A EDUCAÇÃO NA IDADE MODERNA

Três princípios orientam a educação herbartiana: o governo, a instrução e a disciplina. O governo


é relativo à manutenção da ordem, ao bom comportamento das crianças, que deve ser estimulado
mantendo-as ativas, ocupadas. O amor, a autoridade, a vigilância, a ameaça e o castigo também
são meios eficazes. No tocante à instrução, seu meio é o interesse, ou melhor, a multiplicidade
de interesses para os quais a criança está voltada. Os interesses são os estímulos que permitem o
aprendizado, que mobilizam e abrem o espírito aos conhecimentos sobre a natureza e o mundo
social. A instrução compreende quatro passos formais que são a clareza (percepção distinta
do objeto do conhecimento), a associação (ao que este objeto se associa), o sistema (como se
ordena) e o método (aplicação na realidade prática).

A disciplina difere do governo no sentido de que é uma educação da consciência, conferindo ao


estudante uma autonomia moral, não estando relacionada diretamente com o controle relativo
ao bom comportamento.

Algumas ideias de cunho psicológico fundamentam a pedagogia de Herbart:

»» A ideia de a percepção, de que um novo elemento apresentado à consciência irá se ligar


por associação aoselementos já conhecidos. Isto tem como consequência metodológica
a apresentação gradual e associativa ao aluno, indo do conhecido ao desconhecido.

»» A concepção de que a criança tem múltiplos interesses, tornando a educação diversificada


e apostando no interesse como motivação para o conhecimento.

Outros educadores deram continuidade à pedagogia de Herbart, entre eles se destacam Ziller
(1817-1882), Stoy (1815-1885), Rein (1847-1929), Sallwurk (1839-1926), Otto Willman (1839-1920).
A pedagogia herbartiana perdeu sua força ao longo do século XIX, principalmente devido aos
ataques teóricos dos defensores da pedagogia ativa, liderados por John Dewey.

Aspectos do desenvolvimento institucional da educação

No recorte histórico proposto, focamo-nos sobre os personagens mais importantes que


fundamentaram teoricamente e implementaram práticas pedagógicas de relevo. Paralelamente é
necessário ressaltar uma série de mudanças políticas e sociais que transformaram profundamente
a educação, principalmente no século XVIII e XIX. Estas transformações foram teóricas mas
também vivamente palpáveis, que transformaram o cotidiano de populações inteiras. Também não
abordamos a história da educação nas colônias americanas, que será tratada na seção seguinte.

No século XVIII, as principais transformações no aspecto institucional da educação foram:

»» O desenvolvimento da educação estatal, de um caráter nacional da educação.

»» O estabelecimento da instrução primária, universal, gratuita e obrigatória.

»» A laicização do ensino e a internacionalização do pensamento pedagógico.

74
A EDUCAÇÃO NA IDADE MODERNA • AULA 4

»» E ainda o reconhecimento da razão como característica de todos os homens e base da


educação, tendência contrabalançada pelos ideólogos da educação baseada na intuição
e na natureza.

O crescente processo de secularização do ensino que viemos acompanhando desde o final da


Idade Média tem seu momento crítico no século XVIII. A educação pública estatal é pensada
como uma necessidade da nova organização política. A especialização do trabalho, a ascensão
da burguesia e a crescente democratização dos estados que as revoluções liberais vão promover
exigem um dispositivo público que forme cidadãos, que possibilite a emergência de um tipo
de sujeito formado para lidar com as novas posições subjetivas e políticas. Assim será um traço
mais ou menos comum aos pedagogos do século XVIII-XIX dedicar uma parte de seus esforços
à educação formal e escolar, mas que será complementada por uma educação política, relativa
à vida social.

Os interesses estatais na educação passam pela sua própria reprodução. Tanto no sentido de
formar um conjunto de indivíduos tecnicamente competentes para administrar sua crescente
burocratização quanto no sentido de inculcar uma ideologia de Estado, em que seus símbolos
sejam valorizados e até mesmo cultuados.

Na Alemanha, particularmente na Prússia, assistimos aos mais importantes movimentos em


direção à constituição de uma educação estatal. Em 1717, Frederico Guilherme I (1688-1740)
baixa um decreto tornando obrigatória a instrução escolar. O fato de um grande Estado oferecer
educação pública é um ato inédito até então. Posteriormente o Estado organizará as primeiras
escolas normais de formação de professores e criará diversas leis reguladoras e incentivadoras da
educação. Em 1794 é promulgada a Allgemeinnes Landrecht, lei que versa sobre a educação estatal:

As escolas e universidades são instituições do Estado, que têm por fim a instrução
da juventude nos conhecimentos úteis e científicos. Todas as instituições escolares,
públicas e privadas, estão submetidas à inspeção do Estado e se acham sujeitas,
em qualquer tempo, aos exames e visitas de sua inspeção... A ninguém pode
ser negada a admissão à escola pública pela diferença de confissão religiosa...
As crianças que devem ser educadas, pelas leis do Estado, em outra religião que
não ensinada na escola pública, não podem ser obrigadas ao ensino religioso
dessa escola (LUZURIAGA, 1967, p.153).

Saiba mais

A supressão da Companhia de Jesus


Compayré explica a antipatia generalizada aos Jesuítas:
... sob o pretexto de servir o Papa, pretendia reger o mundo; que açambarcava a religião, da
qual fazia propriedade; que governava os reis pelos confessores que lhes dava, quando não
os suprimia pela mão de algum fanático; que substituía a ideia de pátria por uma espécie de
cosmopolitismo religioso (COMPAYRÉ apud LUZURIAGA, 1967, p.154).

75
AULA 4 • A EDUCAÇÃO NA IDADE MODERNA

Na França, país que se manteve católico, a educação era majoritariamente administrada pelos irmãos
da doutrina cristã (educação primária) e pelos jesuítas (educação secundária). Em 1762 o Vaticano
decide desmembrar a Companhia de Jesus, provocando um grande hiato que levará à entrada de
cena do Estado na educação. Na França, a educação pública surgiu de ataques à educação religiosa,
principalmente de políticos como La Chalotais (1701-1785) e Rolland D´Erceville (1734-1793). Entre
os intelectuais ativos politicamente, destacaram-se Turgot (1727-1781), que propunha a criação de
um “Conselho de Instrução Nacional” para dirigir e unificar o ensino nas universidades e colégios, e
Montesquieu (1689-1755), que afirma a necessidade de uma educação estatal no governo republicano.
Diderot e Rousseau também tiveram um papel importante nessa luta política.

Saiba mais A Revolução Francesa (1789) é um marco na criação da escola


nacional. Seus ideais democráticos pressupõem uma educação
cívica capaz de formar cidadãos. O antigo louvor à monarquia
Revolução Francesa
e aos clérigos devia se voltar agora para a República, por meio
Revolução Francesa é o
do patriotismo. Um dos princípios básicos da República é a sua
nome dado ao conjunto de
acontecimentos que, entre 5 de “meritocracia”. A todos devem ser dadas as condições iniciais
maio de 1789 e 9 de novembro de básicas para que, por meio do mérito e do esforço individual,
1799, alterou o quadro político
os mais brilhantes se destaquem. A educação pública não
e social da França. Em causa
estavam o Antigo Regime e a compreendia apenas as escolas, mas diversas instituições de
autoridade do Clero e da Nobreza. cunho educativo e cultural. Na Revolução Francesa, criaram-se
Foi influenciada pelos ideais do instituições como o Museu de História Natural, o Conservatório
Iluminismo e da Independência
de Música e a Biblioteca Nacional, importantes instituições
Americana (1776).
culturais. A revolução lançou os princípios do que será a
A Revolução é considerada como
o acontecimento que deu início à educação estatal do século seguinte, mais do que realizações,
Idade Contemporânea. Aboliu a idealizou uma nova educação.
servidão e os direitos feudais em
França e proclamou os princípios Com a ascensão de Napoleão I ao poder após o curto período
universais de “Liberdade,
revolucionário, novas regras se instalam na França. A educação
Igualdade e Fraternidade”
(Liberté, Egalité, Fraternité). primária é relegada aos religiosos, a educação secundária se
Fonte de Consulta: http://pt.wikipedia.org/ torna muito centralizada, e Napoleão funda a Universidade
wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_francesa
Imperial, que terá o monopólio sobre toda a Educação Superior.
Posteriormente entram em cena novas tendências políticas. Em 1833, Guizot (1787-1874), ministro
da Instrução Pública, lança as bases do ensino primário francês, criando as escolas primárias
superiores, ampliando a ação dos colégios secundários e reformando a Escola Normal Superior.

A partir de 1870 ocorrem uma série de reformas que consolidará a educação nacional na França.
Entre 1880 e 1883, o ministro Ferry (1832-1893) reorganiza o ensino, tornando a escola leiga gratuita
e obrigatória. Institui-se a obrigatoriedade do título de professor para se lecionar nas escolas
primárias, substitui-se o ensino da religião pela instrução “moral e cívica”. Em 1886, definiu-se que
os profissionais da escola deveriam ser leigos e, em 1904, as ordens religiosas foram proibidas de
oferecer ensino. Nesse período, ocorreu uma grande expansão do número de escolas estatais que

76
A EDUCAÇÃO NA IDADE MODERNA • AULA 4

se espalharam por todo o país. Criaram-se escolas para a formação de professores e inspetores,
introduziram as ciências a as línguas vivas no currículo do ensino secundário e foi dada autonomia
às universidades. Desse período, destacam-se, ainda, Buisson (1841-1932), autor de um Dicionário
de Pedagogia; e Pécaut (1828-1898), diretor da Escola Normal Superior de Professoras.

Na Alemanha, destacam-se os esforços de reconstrução nacional após a derrota para as forças


napoleônicas, emblematizadas nas figuras de Humboldt, Fichte e Suvern (1775-1829). A fundação
da Universidade de Berlim, em 1821, é um marco da história intelectual e política alemã. Diversos
famosos autores do século irão lecionar ou se formar nessa universidade.

Influenciados pela pedagogia pestalozziana, Dinter (1760-1831), Harnisch (1781-1864) e Diesterweg


(1790-1866) realizam uma reforma do magistério, mas será somente no final do século XIX que
a Alemanha criará uma rede de escolas estatais.

Na Inglaterra, seguindo a tradição liberal, a educação era organizada pela livre iniciativa, o que
significava dizer que em boa parte era função de clérigos e sociedades beneficentes. Mas, ao
longo do século XIX, o Estado o assumiu cada vez mais o papel de patrocinar a educação, ainda
que em parceria com a sociedade civil. A educação inglesa foi influenciada por nomes de vulto
como Dickens (1812-1870), Carlyle (1795-1881) e John Stuart Mill (1806-1873).

A Revolução Industrial teve seu epicentro na Inglaterra, o que a tornou o primeiro país a possuir
uma “classe operária”. Em relação à educação popular e dos operários, destaca-se o líder trabalhista
Robert Owen (1771-1858), que fundou as escolas infantis para os filhos de operários. Um pequeno
exemplo de como as políticas educacionais estavam carregadas das correntes ideológicas que
agitavam o cenário da época.

Na realidade, focamo-nos principalmente sobre a França e a Alemanha no tocante à história


institucional da educação. Isso porque são os centros mais importantes de criação e irradiação das
ideias pedagógicas daquele tempo. Ao longo do século XIX, muitos países europeus promoveram
a sua própria revolução liberal (tendo como modelo a Revolução Francesa) em que todos os ideais
cívicos e morais com os quais a educação ficaria identificada viriam a reboque. A formação dos
sistemas educacionais nacionais possibilita também a influência de autores locais, que darão
uma conotação própria para as ideias pedagógicas das correntes principais.

A educação se sistematiza na Espanha, em Portugal, na Itália, mas como não poderíamos contar
cada uma destas histórias, preferimos focar nas fontes que irão irradiar as transformações.

A educação nas Américas

No século XV, as Américas são “descobertas” pelos europeus e se tornam suas colônias.
A América Central e do Sul são divididas entre espanhóis e portugueses, e a América do Norte,

77
AULA 4 • A EDUCAÇÃO NA IDADE MODERNA

majoritariamente entre ingleses e franceses. Só que nestas terras já viviam diversas populações,
com culturas próprias, eram os indígenas.

A história da colonização das Américas passa pela guerra contra os nativos ou pela sua evangelização
e, nesse aspecto, a educação era a principal ferramenta. As ordens que mais se dedicaram à
educação colonial na América espanhola foram a dos jesuítas e a dos agostinianos.

Com a recente cisão da igreja entre católicos e protestantes, as colônias da América do Norte
sofreram a influência da educação reformada. Seu processo de implementação foi mais
demorado do que na América espanhola porque a colonização como um todo demorou mais
para começar. Somente em 1633 registra-se a aparição da primeira escola primária e, em 1636,
o primeiro colégio universitário, o de Harvard. Todas, instituições particulares. Aos poucos
o poder público começou a participar das iniciativas educacionais. Nos países americanos
colonizados por católicos, o impacto da supressão da ordem dos jesuítas, em 1767, foi grande.
Como consequência, as transformações da chamada pedagogia realista tiveram espaço para
se instalar.

Na América do Norte, a educação vai ganhando cada vez mais um caráter civil, passando das mãos
da Igreja para a mão do Estado. Após a independência, deliberou-se que a educação deveria ser
regulamentada por cada estado. Quase todos os estados incentivaram a educação, ressaltando
a sua necessidade na manutenção de um Estado democrático republicano. George Washington
(1732-1799), fundador da República, afirma em um discurso de 1796:

“Promover, pois, como assunto de primordial importância, instituições para a


difusão geral do conhecimento. Na medida em que a estrutura de um governo dá
importância à opinião pública, é essencial que a opinião pública seja ilustrada”
(WASHINGTON apud LUZURIAGA, 1967, p.160).

Na América também se advogava a necessidade da educação para que os princípios democráticos


tivessem uma real eficiência. Liberdade e igualdade política dependiam da educação.

No século XIX, organiza-se a educação pública, sempre sistematizada por leis de cada estado.
Havia em geral uma disputa política entre liberais e trabalhadores, de um lado, e conservadores
e eclesiásticos, de outro. As questões em debate abrangiam a influência do Estado na educação,
a gratuidade do ensino, a extensão do sistema escolar etc. Em 1837, Massachusets é o primeiro
estado a criar uma Secretaria de Educação (State Board of Education), cujo gestor, Horace
Mann, será o autor de uma reforma fundamental na educação americana. Defendeu a educação
universal, gratuita, laica e afirmava que os objetivos da educação eram a eficiência social e a
virtude cívica. No final do século, os Estados Unidos contariam com uma forte rede pública de
ensino, inclusive universitária.

No século XIX, diversos países da América Latina estavam vivendo seus processos de independência
e junto com estes os ideais democráticos e modernos que animavam o povo americano e francês

78
A EDUCAÇÃO NA IDADE MODERNA • AULA 4

principalmente. Ao final do século XIX, todos já possuem algum tipo de educação patrocinada
pelo Estado.

Na América espanhola e portuguesa, os processos de independência que foram se sucedendo ao


longo do século XIX trouxeram consigo os ideais democráticos e republicanos que se refletiam como
valorização da educação pública. Neste momento a educação é elevada a uma condição da vida
política, já que sem ela parecia impossível o funcionamento de um verdadeiro Estado democrático.

Sintetizando

Vimos até agora:

»» Como o movimento iluminista do século XVIII influenciou a história da educação.

»» A influência da educação disciplinar de Jonh Locke e da pedagogia naturalista de Rosseau para o desenvolvimento.

»» A contribuição de Kant e os teóricos da pedagogia política destacando, segundo caso, o papel do Estado apoiado nos ideais
de universalidade e gratuidade do ensino.

»» A análise da contribuição dos grandes teóricos desse período para o desenvolvimento da educação.

»» As inovações trazidas no campo pedagógico por Pestalozzi, Fichte, Herbart e Frobel.

»» Os principais aspectos do desenvolvimento institucional da educação nesse período e finalmente.

»» Estudamos como se deu a educação nas Américas após a Revolução Francesa e seus impactos na educação como um todo.

79
A EDUCAÇÃO NOS SÉCULOs XX E XXI
Aul a
5
Apresentação

A educação contemporânea é abordada nesta unidade. A escola nova enfatiza o sentimento


de solidariedade social (você começa a reconhecer a relação da escola com a comunidade), o
principio psicológico da atividade como recurso educativo (daí o termo ESCOLA ATIVA) bem
como educação para a vida. O desenvolvimento da sociologia da educação e da psicologia
educacional contribuiu para essa renovação da escola. A teoria da escola nova propunha que a
educação fosse instigadora da mudança social e, ao mesmo tempo, se transformasse porque a
sociedade estava em mudança. O caminho aberto pela escola nova (que até hoje tenta mudar
instrumentos e recursos usados para o ensino) vai se impondo: na concepção da educação, o
aluno passa a ser visto como o centro e o sujeito do processo educativo; os métodos ativos de
aprendizagem passam a ser cada vez mais considerados como os mais adequados para a eficiência
do processo pedagógico.

Objetivos

»» Identificar os pontos significativos que mostram evolução da escola tradicional em


escola ativa.

»» Reconhecer os princípios básicos da escola nova.

»» Reconhecer as ideias de alguns dos mais significativos representantes do movimento


da escola nova.

»» Poder compará-los, considerando suas convergências ainda que os caminhos não sejam
iguais.

80
A EDUCAÇÃO NOS SÉCULOs XX E XXI • AULA 5

Introduzindo a escola nova

O início do século XX é marcado pelo avanço tecnológico, por guerras e revoluções. Há uma
busca por parte dos educadores de ideias e técnicas que possam proporcionar uma educação
mais realizadora e produtiva para o ser humano. É importante que você conheça as propostas
básicas de alguns desses educadores, que nos dão o chamado pensamento pedagógico da escola
nova ou escola ativa.

Da escola nova às tendências atuais: nomes representativos da


educação

Foi-nos contada pelo prof. Lourenço Filho (data?) a história do nascimento da escola nova.
Três itens foram destacados nos parágrafos finais:

»» a escola centrada na criança;

»» a escola centrada na comunidade;

»» o direito à educação.

Vamos acrescentar mais um: métodos ativos.

Métodos ativos

Nelson e Claudino Piletti in História da Educação:

O aluno aprende de forma mais rápida e duradoura quando aprende fazendo. Por
isso, muitos educadores propuseram a transformação dos métodos empregados
na escola. O aluno deveria deixar de ser um simples ouvinte passivo que, na
prova, se limitaria a repetir o que o professor dissera. Muito mais do que isso,
o aluno deveria ter uma participação ativa, fazer experimentos, pesquisas,
procurar ele próprio as respostas para os problemas escolares, que seriam
ligados à sua vida cotidiana, construir ele próprio o conhecimento. O professor
seria um auxiliar, um orientador e não um mero transmissor de conhecimento
(PILETTI; PILETTI, 2003).

Nesta citação, os autores comentam também que o aluno como centro e sujeito da própria
educação e a ênfase atribuída aos métodos ativos parecem ser os dois aspectos comuns a todas
as propostas de educação nova.

Já percebemos como é rica a produção pedagógica do século XX. Você está tendo apenas um
“flash” do que realmente foi acontecendo e que até hoje vivenciamos. Observe o quadro que
ilustra o que você vem estudando, abrangendo várias outras áreas.

81
AULA 5 • A EDUCAÇÃO NOS SÉCULOs XX E XXI

Desenvolvimento da educação através dos tempos


Quadro 2.

ESCOLA TRADICIONAL ESCOLA ATIVA


ORIENTAÇÃO Centralizada no livro Centralizada na vida
OBJETIVOS Conhecimento e cultura Melhoria de vida
PADRÕES DE CURRÍCULOS Assuntos acadêmicos Processos e problemas sociais
METODOLOGIA Solução de problemas para atender às
Exposição, explanação e memorização.
FUNDAMENTAL necessidades sociais e pessoais

VALORES DE
A longo prazo Imediato e longo prazo
APRENDIZAGEM
CHAVE DA DISCIPLINA Assistência passiva e controle repressivo Responsabilidade cooperativa

Estudo da comunidade e materiais da


RELACIONAMENTO Estudo da comunidade e materiais da
comunidade. Uso da comunidade, serviço da
ESCOLA/COMUNIDADE comunidade
comunidade e envolvimento da comunidade.

Fonte: School and Comunity – Edward G. Olsen and Alt Prentice Hall.

Mas quem foi QUEM neste período de nossa história?

A publicação “Educação para o Desenvolvimento”, da Escola Lourenço Castanho, de São Paulo


assim identifica:

John Dewey (1859-1952)


Filósofo americano. Representante significativo dos principais trabalhos da pedagogia ativa.
Ardente defensor da democracia. Recebeu influência de William James. Opôs-se à concepção
herbartiana da “educação pela instrução”.

Ocupou-se da psicologia e sociologia antes de dedicar-se à pedagogia. Fundou, em 1896, a


University Elementary School, onde se proporá experimentar ou comprovar suas ideias pragmatistas
em matéria de educação. Sua escola era baseada nas atividades dos alunos, desde economia
doméstica, tecelagem até literatura.

Dewey rompeu com o plano tradicional de classificação dos alunos pelo desenvolvimento físico
e mental.

Para John Dewey, educação é a soma dos processos pelos quais uma comunidade transmite
objetivos, com o propósito de assegurar sua existência e desenvolvimento. Assim, Dewey faz da
escola uma miniatura da sociedade, onde se aprende a viver.

Entre suas obras principais temos: A escola e a sociedade, Democracia e Educação (tradução de
Godofredo Rangel e Anísio Teixeira), editados pela Cia. Editora Nacional.

Destaca-se entre suas ideias: a educação pela ação como função social e individual.

82
A EDUCAÇÃO NOS SÉCULOs XX E XXI • AULA 5

William Kilpatrick (1871-1965)

Pedagogo americano pragmatista, continuador de Dewey. Influenciou e causou profundas


transformações metodológicas.

Entende aprendizagem como formação de hábitos, habilidades, valores e antecipações, sendo


assim uma parte inerente ao processo de adaptação ao meio. Aprendizagem é a troca ou a
modificação da conduta mediante a experiência.

O papel do professor é dirigir a aprendizagem, que provoca a aquisição de ideias ou a produção


de pensamentos, colocando o sujeito que aprende diante de situações que exijam tais ideias ou
pensamentos como resposta feliz às situações.

Entre suas obras principais, temos: Funcion Social y Cultura de la Escuela, Filosofia da Educação,
Editorial Lousada, Buenos Aires, tradução de L. Luzuriaga, 1957.

Destaca-se entre suas ideias está o Ativismo Experiencial. Kilpatrick dá um sentido vitalista à
educação, juntamente com Dewey.

Ovide Decroly (1871-1932)


Educador, psicólogo e médico, Decroly destaca o caráter global da atividade da criança e a
função da globalização do ensino. Valorizava o respeito à personalidade do aluno e o fato de que
as crianças eram seres sociais e, portanto, a escola precisa ser pensada de forma a favorecer o
desenvolvimento das tendências sociais latentes na pessoa.

Como pressuposto básico de sua proposta, postulava que a necessidade gera o interesse, chave
de toda a aprendizagem eficaz. O interesse está na base de toda atividade, incitando a criança
a observar, associar, expressar-se. As necessidades básicas do homem em sua troca com o meio
seriam: a alimentação, a defesa contra intempéries, a luta contra perigos e inimigos e o trabalho
em sociedade, descanso e diversão.

Seu método mais conhecido como centros de interesse, destinava-se, de forma particular, às
crianças das classes iniciais. Nesses centros, a criança passava por três momentos:

»» OBSERVAÇÃO: deve ser entendida como uma atitude que convida ao exercício constante
da atenção do aluno. Os exercícios de observação, fundamento das aprendizagens, fazem
a inteligência trabalhar com materiais recolhidos pelos sentidos e pela experiência da
criança, levando em conta seus interesses.

»» ASSOCIAÇÃO: permite que o conhecimento adquirido pela observação seja entendido


em termos de tempo e espaço.

»» EXPRESSÃO: por esse meio a criança poderia externar sua aprendizagem por qualquer
meio de linguagem, integrando os conhecimentos adquiridos de maneira globalizadora.

83
AULA 5 • A EDUCAÇÃO NOS SÉCULOs XX E XXI

A expressão seria a culminância do processo manifesta em duas formas: a expressão


concreta voltada para a materialização das observações e criações pessoais por meio
de trabalhos manuais em geral e a expressão abstrata referente à materialização de
símbolos e códigos convencionais, como é o caso da linguagem musical e matemática.

»» No caso de sua pedagogia, não se pode falar na existência de uma síntese «doutrinal»
reunida por ele do conjunto de suas concepções e princípios educativos ou suas
investigações sobre psicologia, o que implica certa dificuldade para estudar o conjunto
de seus textos.

Segundo Zacharias (2005), algumas das principais críticas à pedagogia de Decroly são:

1. as necessidades básicas postuladas por ele são as dos adultos e não as das crianças;

2. o objetivo do trabalho escolar continua sendo a aquisição de conhecimentos


predeterminados, pois os centros de interesse apenas fariam uma reorganização dos
conhecimentos contidos nas matérias escolares, apesar de proporem atividades que
vão do empírico ao abstrato;

3. sua pedagogia deixa de lado a realidade socioeconômica e cultural em que as crianças


estão imersas.

Maria Montessori (1870-1952)

De origem italiana, Maria Montessori foi a primeira mulher a ser formar em medicina em seu país.
É considerada uma das pioneiras da educação pré-escolar e da escola nova. Aos 25 anos começou
a se dedicar ao estudo de crianças portadoras de deficiências e, por isso, banidas da sociedade.

Com o passar dos anos, constatou deficiências na educação de seu tempo e passou a utilizar seu
método em crianças comuns, em escolas regulares, obtendo um excelente resultado. Influenciada
por Rousseau e pelo desejo de adequar a educação às possibilidades das crianças, Montessori
inaugurou, em 1907, em Roma, a famosa Casa dei Bambini, onde experimentou inúmeras
inovações. Foi com ela que surgiram novidades tão básicas como mesas e cadeiras menores para
as salas de educação infantil e a utilização de brinquedos educativos.

O método Montessori foi difundido pela “Pedagogia Científica”, síntese das suas ideias sobre
educação; seu campo de trabalho foi a escola criada por ela em um bairro de operários chamada
“Casa dei Banbini”, onde aplicou seu modelo de ensino, contrariando os procedimentos tradicionais
adotados na época.

A pedagogia montessoriana relaciona-se à normatização (consiste em harmonizar a interação de


forças corporais e espirituais, corpo, inteligência e vontade). As escolas do sistema montessoriano
são difundidas pelo mundo todo. O método montessoriano tem por objetivo a educação da
vontade e da atenção, com o qual a criança tem liberdade de escolher o material a ser utilizado,

84
A EDUCAÇÃO NOS SÉCULOs XX E XXI • AULA 5

além de proporcionar a cooperação. A pedagogia de Montessori insere-se no movimento das


escolas novas, uma oposição aos métodos tradicionais que não respeitavam as necessidades e
os mecanismos evolutivos do desenvolvimento da criança. Ocupa um papel de destaque nesse
movimento pelas novas técnicas que apresentou para os jardins de infância e para as primeiras
séries do ensino formal.

Os princípios fundamentais do sistema Montessori são: a atividade, a individualidade e a liberdade,


bem como enfatiza os aspectos biológicos, pois, considerando que a vida é desenvolvimento,
achava que era função da educação favorecer esse desenvolvimento.

Ela produz uma série de cinco grupos de materiais didáticos que se constituem de peças sólidas
de diversos tamanhos e formas de caixas para abrir, fechar e encaixar; botões para abotoar; série
de cores, de tamanhos, de formas e espessuras diferentes.

»» Exercícios para a vida cotidiana

»» Material sensorial

»» Material de linguagem

»» Material de matemática

»» Material de ciências

Um dos materiais mais conhecidos criados por Maria Montessori é o material dourado despertando
no aluno a concentração, o interesse, além de desenvolver sua inteligência e imaginação criadora,
pois a criança está sempre predisposta ao jogo. Este material baseia-se nas regras do sistema
de numeração, inclusive para o trabalho com múltiplos, sendo confeccionado em madeira.
É composto por: cubos, placas, barras e cubinhos. O cubo é formado por dez placas, a placa por
dez barras e a barra por dez cubinhos. Este material é de grande importância na numeração e
facilita a aprendizagem dos algoritmos da adição, da subtração, da multiplicação e da divisão,
ajudando, enfim, a contar e a calcular.

Segundo Richbieter (2005), como críticas à pedagogia montessoriana, poderíamos destacar:

1. as que apontavam o risco de promover um trabalho excessivamente diretivo e isolado


do contexto cultural das crianças;

2. a concepção de Montessori de que cada brinquedo educativo tem uma função muito
clara (por exemplo, ensinar a amarrar os sapatos, mostrar as formas geométricas etc.),
chegando esta pesquisadora a afirmar que até os gestos da criança devem ser guiados pela
educadora caso não se conformem à função de cada objeto. Atualmente, a importância
dos brinquedos e de brincar é vista de uma maneira diferente e sabe-se também a
importância dos jogos em que os brinquedos podem ser aproveitados de maneira mais
livre pelas crianças, integrando-se aos seus processos de imaginação.

85
AULA 5 • A EDUCAÇÃO NOS SÉCULOs XX E XXI

Zacharias (2005) assim resume os doze pontos do método montessoriano:

»» Baseia-se em anos de observação da natureza da criança por parte do maior gênio da


educação desde Froebel.

»» Demonstra ter uma aplicabilidade universal.

»» Revela que a criança pequena pode ser uma amante do trabalho, do trabalho intelectual,
escolhido de forma espontânea e, assim, realizado com muita alegria.

»» Baseia-se em uma necessidade vital para a criança, que é a de aprender fazendo; Em cada
etapa do crescimento mental da criança são proporcionadas atividades correspondentes
com as quais se desenvolvem suas faculdades.

»» Ainda que ofereça à criança uma grande espontaneidade, consegue capacitá-la para
alcançar os mesmos níveis, ou até mesmo níveis superiores de sucesso escolar, que os
alcançados nos sistemas antigos.

»» Consegue uma excelente disciplina apesar de prescindir de coerções tais como


recompensas e castigos. Explica-se tal fato por se tratar de uma disciplina que tem
origem dentro da própria criança e não imposta de fora.

»» Baseia-se em um grande respeito pela personalidade da criança, concedendo-lhe espaço


para crescer em uma independência biológica, permitindo à criança uma grande margem
de liberdade que se constitui no fundamento de uma disciplina real.

»» Permite ao professor tratar cada criança individualmente em cada matéria e, assim,


fazê-lo de acordo com suas necessidades individuais.

»» Cada criança trabalha em seu próprio ritmo.

»» Não necessita desenvolver o espírito de competência e a cada momento procura oferecer


às crianças muitas oportunidades para ajuda mútua, o que é feito com grande prazer
e alegria.

»» Já que a criança trabalha partindo de sua livre escolha, sem coerções e sem necessidade
de competir, não sente as tensões, os sentimentos de inferioridade e outras experiências
capazes de deixar marcas no decorrer de sua vida.

»» O método Montessori se propõe a desenvolver a totalidade da personalidade da criança


e não somente suas capacidades intelectuais. Preocupa-se também com as capacidades
de iniciativa, de deliberação e de escolhas independentes e os componentes emocionais.

Georg Kerchensteiner (1854-1932)


Para o alemão Kerchensteiner, a proposta educativa é a da escola do trabalho (educativo),
fazendo oposição à escola memorista e intelectualista. Ele propõe também a ideia de que com

86
A EDUCAÇÃO NOS SÉCULOs XX E XXI • AULA 5

um mínimo de matéria instrutiva a escola do trabalho procurará obter o máximo de habilidade.


É o trabalho pedagógico educativo supondo predomínio de interesses objetivos, vistos pelo ângulo
da utilidade. Preparar cidadãos úteis é o que pretende este tipo de trabalho. E Kirchenteiner
pensa na formação do cidadão útil para o Estado.

O educador alemão considera as três tarefas da escola:

»» a educação profissional;

»» a moralização da profissão;

»» a moralização da sociedade.

Makarenko (1888-1939)

Foi o escritor e pedagogo soviético encarregado pelo Departamento de Instrução Pública, em


1927 (três anos depois da revolução, organizou uma colônia para crianças órfãs de pais mortos
na guerra civil). Naquele ano de 1927, ele também dirigiu a Comuna infantil Felix Dzerhinski.

Eis o que Makarenko (data?) fala sobre si próprio:

Em trinta anos de atividade pedagógica, vivi 200.000 horas de tensão de trabalho e


por minhas mãos passaram mais de 3.000 crianças. Como pedagogo, dediquei-me
nos últimos quinze anos à aplicação prática e ao aperfeiçoamento de um sistema
de educação comunista. Criei para ela, com grande trabalho, uma coletividade
viva, que tem evidenciado a vitalidade de todas as minhas teses.

O pedagogo russo criou um sistema inovador para a formação do cidadão soviético, baseado no
trabalho e na produção. As ideias de Makarenko foram muito úteis e predominaram na escola
e em organizações de jovens, como a “juventude comunista”.

Entre as suas principais obras estão: Banderas sobre las torres e Poema Pedagógico (3 volumes).

Celestin Freinet (1896-1966)

Crítico da escola tradicional e das escolas novas, Freinet foi criador, na França, do movimento
da escola moderna. Seu objetivo básico era desenvolver uma escola popular. Para Freinet, as
mudanças necessárias e profundas na educação deveriam ser feitas pela base, ou seja, pelos
próprios professores. O movimento pedagógico fundado por ele caracteriza-se por sua dimensão
social, evidenciada pela defesa de uma escola centrada na criança, que é vista não como um
indivíduo isolado, mas fazendo parte de uma comunidade.

Freinet afirma que o método usado tradicionalmente para o ensino de aritmética, história e
geografia «desvia» a criança dos estudos, e «aniquila» sua vontade de aprender. A criança que sai da
escola tradicional apresenta características de submissão, passividade e ausência de pensamento

87
AULA 5 • A EDUCAÇÃO NOS SÉCULOs XX E XXI

crítico. É o resultado de um regime escolar retrógrado, combatido por Freinet. Ele também propõe
técnicas capazes de integrar o conteúdo à vida, para que não haja uma separação entre a sua
realidade e a escola. Segundo Freinet, a criança submetida a métodos tradicionais está em luta
entre a necessidade de criar e o adulto impondo seus métodos e sua disciplinada, a escola não
vê a necessidade de comunicação e expressão, não respeitando o lado espontâneo da criança.

A «Escolástica» para ele atrapalha o desenvolvimento natural do pensamento, pois impõe de


cima para baixo o pensamento lógico e inteligente. Assim, os adeptos dessa escola bloqueiam
a «ascese natural» que Freinet defende, cabendo à escola moderna desobstruir o caminho para
que o processo ocorra naturalmente.

Com relação à moral, ensinada pela educação tradicional, Freinet destaca que sua finalidade é
justificar as práticas escolares da obediência passiva.

Freinet buscava formas alternativas de ensino, pois não conseguia se adaptar à forma tradicional,
fazia também relatórios diários de cada criança. No que se refere às cartilhas, ele questiona seu
valor, pois os conteúdos nada tinham a ver com a realidade da criança, portanto, não traziam
nenhum estímulo à aprendizagem da leitura.

Célestin dava muita importância ao trabalho, pois este deveria ser o centro de toda atividade escolar,
enfatizando-o como forma do ser humano ascender, exercer seu poder. Ele não desvalorizava o
aprender, mas achava que tudo deveria passar pela experiência de vida, para que o aprendizado
fosse integrado ao que se aprendia, e isso só é possível pela ação, por meio do trabalho. Eis aqui
algumas técnicas de Freinet destacadas por Silva (2005):

»» AULA DAS DESCOBERTAS – Célestin Freinet acreditava muito que os interesses de


seus alunos (assim como nos nossos) não estavam dentro da escola e sim fora dela.
Ele desenvolveu essa técnica educacional visando motivar os alunos, através da ação,
tentando trazer a vida para dentro da escola.

»» AUTOAVALIAÇÃO – são fichas feitas pelo próprio educador. Nessas fichas, o aluno deve
registrar tudo o que aprende sempre que um tema é concluído. Assim, o educador tem a
oportunidade de acompanhar o progresso do seu aluno, e o aluno não se sente avaliado,
o que muitas vezes prejudica.

»» CORREÇÃO – antes de o texto ser enviado para a Impressa Escolar, é necessário que o texto
seja corrigido. A correção pode ser feita pelo educador, coletivamente, individualmente
ou, então, por autocorreção, assim o aluno percebe o erro e aprende com ele, o erro
torna-se significativo.

»» CORRESPONDÊNCIA INTERESCOLAR – nesta atividade, os alunos têm a oportunidade


de conhecer outros alunos de comunidades diferentes, assim eles aprendem um pouco
sobre outros costumes, deparam-se com outras realidades. A pluralidade é bastante

88
A EDUCAÇÃO NOS SÉCULOs XX E XXI • AULA 5

desenvolvida nesta atividade. Pode começar com uma escola vizinha, se estendendo
até mesmo às escolas de outros países, o material a ser enviado pode ser: desenhos, fitas
cassetes, fitas de vídeo e hoje em dia, é claro, o e-mail.

»» FICHÁRIO DE CONSULTA – as fichas são feitas pelos próprios alunos e educadores,


elas servem para facilitar a assimilação de assuntos a serem estudados. São exercícios,
passatempos ou artigos para simples informação. Célestin Freinet acreditava que os
livros didáticos estavam muito fora da realidade dos alunos.

»» IMPRESSA ESCOLAR – na sua época, Célestin Freinet usava o limógrafo para a divulgação
dos textos dos seus alunos, mas tudo ficou mais fácil com a modernidade dos dias de
hoje, podemos usar o computador e as máquinas de xerox. Pode ser um registro sobre
aula das descobertas, uma entrevista, pesquisas, entre outros. A divulgação pode ser
interna, só dentro da escola, ou externa, feito um jornalzinho enviado para outros da
sociedade.

»» LIVRO DA VIDA – ele é muito parecido com um diário, o registro é livre, ou seja, o aluno
escreve no momento em que estiver com vontade e sobre o assunto que quiser, não
precisa ser especificamente assunto escolar. O registro pode ocorrer de diversas maneiras,
com desenhos, escrita, colagens ou outra forma que encontrarem.

»» PLANO DE TRABALHO – são grupos de alunos que se organizam para desenvolver


determinado tipo de trabalho. O educador pode partir do próprio currículo escolar e
escolher o tema. O número de integrantes é livre, fica a critério da classe, o registro do
trabalho do grupo deve ser feito semanalmente para que o educador possa acompanhar
o desenvolvimento até a sua conclusão.

Jean Piaget (1896-1980)

Jean Piaget (1896-1980) foi um renomado biólogo e pesquisador, conhecido por seu trabalho
pioneiro no campo da inteligência infantil. Piaget passou grande parte de sua carreira profissional
interagindo com crianças e estudando seu processo de raciocínio, procurando entender os
mecanismos mentais que o indivíduo utiliza para captar o mundo. Seus estudos tiveram um
grande impacto sobre os campos da psicologia e pedagogia.

A essência do trabalho de Piaget ensina que ao observarmos cuidadosamente a maneira com


que o conhecimento se desenvolve nas crianças, podemos entender melhor a natureza do
conhecimento humano. Suas pesquisas sobre a psicologia do desenvolvimento e a epistemologia
genética tinham o objetivo de entender como o conhecimento evolui.

Piaget formulou sua teoria de que o conhecimento evolui progressivamente por meio de estruturas
de raciocínio que substituem umas às outras através de estágios. Isto significa que a lógica e
formas de pensar de uma criança são completamente diferentes da lógica dos adultos.

89
AULA 5 • A EDUCAÇÃO NOS SÉCULOs XX E XXI

Em seu trabalho, Piaget entende a criança como um ser dinâmico que a todo momento interage
com a realidade, operando ativamente com objetos e pessoas. Ele identifica quatro estágios
essenciais da evolução mental de uma criança. Cada estágio é um período no qual o pensamento
e o comportamento infantil são caracterizados por uma forma específica de conhecimento e
raciocínio. Esses quatro estágios são: sensório-motor, pré-operatório, operatório concreto e
operatório formal.

Fase 1: sensório-motor

No estágio sensório-motor, que dura do nascimento ao 18º mês de vida, a criança busca
adquirir controle motor e aprender sobre os objetos físicos que a rodeiam. Este estágio se chama
sensório-motor porque o bebê adquire o conhecimento por meio de suas próprias ações, que
são controladas por informações sensoriais imediatas.

Fase 2: pré-operatório

No estágio pré-operatório, que dura do 18º mês aos 8 anos de vida, a criança busca adquirir a
habilidade verbal. Neste estágio, ela já consegue nomear objetos e raciocinar intuitivamente,
mas ainda não consegue coordenar operações fundamentais.

Fase 3: operatório concreto

No estágio operatório concreto, que dura dos 8 aos 12 anos de vida, a criança começa a lidar com
conceitos abstratos como os números e relacionamentos. Este estágio é caracterizado por uma
lógica interna consistente e pela habilidade de solucionar problemas concretos.

Fase 4: operatório formal

No estágio operatório formal – desenvolvido entre os 12 e 15 anos de idade –, a criança começa


a raciocinar lógica e sistematicamente. Este estágio é definido pela habilidade de engajar-se
no raciocínio abstrato. As deduções lógicas podem ser feitas sem o apoio de objetos concretos.

No estágio das operações formais, desenvolvido a partir dos 12 anos de idade, a criança inicia
sua transição para o modo adulto de pensar, sendo capaz de pensar sobre ideias abstratas.

Resumindo: em seus estudos sobre crianças, Jean Piaget descobriu que elas não raciocinam
como os adultos. Esta descoberta levou Piaget a recomendar aos adultos que adotassem uma
abordagem educacional diferente ao lidar com crianças. Ele modificou a teoria pedagógica
tradicional que, até então, afirmava que a mente de uma criança é vazia, esperando ser preenchida
por conhecimento. Na visão de Piaget, as crianças são as próprias construtoras ativas do
conhecimento, constantemente criando e testando suas teorias sobre o mundo. Ele forneceu
uma percepção sobre as crianças que serve como base de muitas linhas educacionais atuais.
De fato, suas contribuições para as áreas da psicologia e pedagogia são imensuráveis.

90
A EDUCAÇÃO NOS SÉCULOs XX E XXI • AULA 5

Segundo Zacharias (2005), estas seriam as principais Implicações do pensamento piagetiano


para a aprendizagem:

»» Os objetivos pedagógicos necessitam estar centrados no aluno e partir das atividades


do aluno.

»» Os conteúdos não são concebidos como fins em si mesmos, mas como instrumentos
que servem ao desenvolvimento evolutivo natural.

»» Primazia de um método que leve ao descobrimento por parte do aluno em vez de receber
passivamente do professor.

»» A aprendizagem é um processo construído internamente.

»» A aprendizagem depende do nível de desenvolvimento do sujeito.

»» A aprendizagem é um processo de reorganização cognitiva.

»» Os conflitos cognitivos são importantes para o desenvolvimento da aprendizagem.

»» A interação social favorece a aprendizagem.

»» As experiências de aprendizagem necessitam estruturar-se de modo a privilegiar a


colaboração, a cooperação e intercâmbio de pontos de vista na busca conjunta do
conhecimento.

Lev Vygotsky (1896-1934)


Vygostsky foi o primeiro psicólogo moderno a sugerir os mecanismos pelos quais a cultura se
torna parte da natureza de cada pessoa ao insistir que as funções psicológicas são um produto de
atividade cerebral. Associou psicologia experimental com neurologia e com fisiologia ao relacionar
a dialética aos processos de construção do pensamento e conseguiu explicar a transformação
dos processos psicológicos elementares em processos complexos dentro da história.

Para Vygotsky, a vivência em sociedade é essencial para a transformação do homem de ser


biológico em ser humano. É pela APRENDIZAGEM nas relações com os outros que construímos
os conhecimentos que permitem nosso desenvolvimento mental. Segundo o psicólogo, a criança
nasce dotada apenas de FUNÇÕES PSICOLÓGICAS ELEMENTARES, como os reflexos e a atenção
involuntária, presentes em todos os animais mais desenvolvidos. Com o aprendizado cultural, no
entanto, parte dessas funções básicas transforma-se em FUNÇÕES PSICOLÓGICAS SUPERIORES,
como a consciência, o planejamento e a deliberação, características exclusivas do homem.
Essa evolução acontece pela elaboração das informações recebidas do meio.

Além do fato de ser professor, a preocupação de Vygotsky com a educação tinha também motivos
políticos, pois era um de seus compromissos revolucionários. Ele queria acelerar, pela educação,
o desenvolvimento da Rússia, então atrasada e iletrada. Coerentemente, sua teoria explica a

91
AULA 5 • A EDUCAÇÃO NOS SÉCULOs XX E XXI

evolução intelectual como um processo constante que pode ser impulsionado também com a
ajuda externa.

Para ele, o sujeito não é apenas ativo, mas interativo, porque forma conhecimentos e se constitui
a partir de relações intra e interpessoais. É na troca com outros sujeitos e consigo próprio que
se vão internalizando conhecimentos, papéis e funções sociais, o que permite a formação de
conhecimentos e da própria consciência. Trata-se de um processo que caminha do plano social
– relações interpessoais – para o plano individual interno – relações intrapessoais.

Assim, a escola é o lugar onde a intervenção pedagógica intencional desencadeia o processo


ensino-aprendizagem.

Segundo Vygotsky, a evolução intelectual é caracterizada por saltos qualitativos de um nível


de conhecimento para outro. A fim de explicar esse processo, ele desenvolveu o conceito de
ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL, que definiu como a distância entre o nível de
desenvolvimento real, que se costuma determinar pela solução independente de problemas, e
o nível de desenvolvimento potencial, determinado pela solução de problemas sob a orientação
de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.

Para Zacharias (2005), Vygotsky teve contato com a obra de Piaget e, embora teça elogios a ela
em muitos aspectos, também a crítica, por considerar que Piaget não deu a devida importância
à situação social e ao meio. Ambos atribuem grande importância ao organismo ativo, mas
Vygotsky destaca o papel do contexto histórico e cultural nos processos de desenvolvimento
e aprendizagem, sendo chamado de SOCIOINTERACIONISTA e não apenas de interacionista
como Piaget.

Piaget coloca ênfase nos aspectos estruturais e nas leis de caráter universal (de origem biológica)
do desenvolvimento, enquanto Vygotsky destaca as contribuições da cultura, da interação social
e a dimensão histórica do desenvolvimento mental.

Se fôssemos enveredar por um estudo mais detalhado, agora estaríamos avaliando o escolanovismo.
Mas pela história contada pelo prof. Lourenço Filho, você reconhece que os estudos biomédicos,
psicológicos, neurológicos, entre outros, desenvolvidos pelos escolanovistas, auxiliaram bastante
na introdução da atual postura rigorosa e científica dos projetos pedagógicos. Podemos ter a
certeza da influência da escola nova no Brasil estimulando as primeiras reflexões pedagógicas
sistemáticas, a partir dos anos 1920 e 1930.

Para refletir

Sintetizar o século XX, tão cheio de transformações, é muito difícil. Mas você teve as indicações necessárias para, ao procurar
a História Geral do seu século (pois você nasceu no século XX), associá-la à história da educação e à história geral do homem
primitivo até a entrada deste novo milênio. Sua bibliografia está rica em conteúdo trazido por excelentes mestres, sempre
citados, comentados e com trechos reproduzidos. E agora, o Brasil!

92
A EDUCAÇÃO NOS SÉCULOs XX E XXI • AULA 5

Sintetizando

Vimos até agora:

»» O estudo da escola nova e suas consequências na educação brasileira.

»» A história desse movimento, suas características fundamentais e seus principais teóricos.

»» As diferenças entre as chamadas escolas tradicional e ativa.

»» A contribuição de grandes nomes da Educação para o seu desenvolvimento, tais como: Dewey, William Kilpatrick, Decroly,
Montessori e Makarenko.

93
A EDUCAÇÃO NO BRASIL
Aula
6
Apresentação

Todos nós nos preocupamos em compreender e conhecer a educação brasileira do ponto de vista de sua
história. Nesta apresentação, mais objetiva, queremos contar-lhe que a escola das primeiras letras foi um
dos instrumentos de que lançaram mão os jesuítas para alcançar seu objetivo mais importante: a difusão
e a conservação da fé católica entre os senhores de engenho, colonos negros escravos e índios.

Nesta aula você conhecerá o período pombalino (interesses da fé substituídos pelos interesses
dos fins do Estado), saberá dos feitos de D. João VI, viverá os momentos da Independência e da
1ª República, da 2ª República, das ocorrências entre as duas Grandes Guerras, percorrendo os
caminhos que nos trazem à Lei de Educação mais recente.

Objetivos

»» Identificar as fases que marcaram a evolução da educação no Brasil e seus momentos mais
significativos.

»» Reconhecer os aspectos qualitativos e quantitativos da época imperial.

»» Conhecer os fatos significativos, mundiais, que contribuíram para as transformações das


primeiras décadas.

»» Identificar as diferenças entre as leis de educação que foram se sucedendo até nossos dias.

»» Refletir sobre os caminhos da educação brasileira.

94
A EDUCAÇÃO NO BRASIL • AULA 6

História da Educação no Brasil

Com uma complexidade que você não imagina, os autores e pesquisadores têm suas divergências
na periodização que caracteriza a evolução da educação brasileira.

Os jesuítas (1549-1759)
Figura 15. Igreja jesuítica de um colégio.

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Companhia_de_Jesus.jpg.

Com a preocupação de deter o avanço do protestantismo, os jesuítas desenvolviam suas atividades


educativas voltadas para as novas gerações e por meio da ação missionária, ou seja, procurando
converter à fé católica os povos nativos das regiões que estavam sendo colonizadas, bem como
atendiam aos interesses de domínio da Coroa Portuguesa.

Luiz Alves de Mattos (data?) chama este período de “heróico”, pois vai da chegada dos primeiros
missionários (1549) até a morte do Pe. Manoel da Nóbrega, no Rio de Janeiro, em 1570. Este ano
marca também o início dos cursos regulares de bacharelado em artes no “colégio máximo” da Bahia.

A data 1759 está associada à expulsão dos jesuítas dos territórios portugueses e às novas ordens
que se seguiram e realizaram a reforma do ensino, de responsabilidade do Marquês de Pombal
(Sebastião José Carvalho e Melo). O Marquês de Pombal, primeiro-ministro de Portugal (1750-
1777), além dos atritos com os jesuítas, centralizou administrativamente a colônia, elevou o Brasil
à categoria de vice-reinado, extinguiu as Capitanias Hereditárias e mudou a capital de Salvador
para o Rio de Janeiro. Mas o caso de sua rixa com os jesuítas deveu-se ao fato de estarem contra
o governo português. Vamos ler o comentário de Valnir Chagas em História da Educação1980,
analisando o resultado da expulsão dos jesuítas para a educação no Brasil:

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AULA 6 • A EDUCAÇÃO NO BRASIL

Pior é que, para substituir a monolítica organização da Companhia de Jesus, algo


tão fluido que se concebeu que, em última análise, nenhum sistema passou a
existir. No reino seria instalada uma longínqua e ausente Diretoria de Estudos
que, em rigor, só começaria a operar após o afastamento de Pombal; na Colônia
imensa, uma congerie de aulas régias superentendidas pelo Vice-Rei. Cada aula
régia constituía uma unidade de ensino, com professor único, instalada para
determinada disciplina. Era autônoma e isolada, pois não se articulava com
outras nem pertencia a qualquer escola. Não havia currículo, no sentido de um
conjunto de estudos ordenados e hierarquizados, nem a duração prefixada se
condicionava ao desenvolvimento de qualquer matéria. O aluno se matriculava
em tantas “aulas” quantas fossem as disciplinas que desejasse. Para agravar esse
quadro, os professores eram geralmente de baixo nível, porque improvisados e
mal pagos, em contraste com o magistério dos jesuítas, cujo preparo chegava
ao requinte. Nomeados em regra por indicação ou sob concordância de bispos,
tornavam-se “proprietários”das respectivas aulas régias que lhes eram atribuídas,
vitaliciamente, como sesmarias ou títulos de nobreza (CHAGAS, 1980. P. 9).

Em paralelo, os seminários das ordens religiosas continuavam a ministrar seus estudos.


Um exemplo é o Seminário de Olinda, instalado em 1800 por Dom Azeredo Coutinho, governador
interino e bispo de Pernambuco, que difundia ideias liberais, enfatizando as Matemáticas e as
Ciências Naturais.

Analisando este período, podemos tomar o texto abaixo de Romanelli (2000):

A economia colonial brasileira fundada na grande propriedade e na mão de obra


escrava teve implicações de ordem social e política bastante profundas.
Ela favorece o aparecimento da unidade básica do sistema de produção, de vida
social e do sistema de poder representado pela família patriarcal.

O isolamento e a estratificação sociais, esta a princípio, basicamente dual, aliados


à necessidade de manutenção de um esquema de segurança, favoreceram uma
estrutura de poder fundada na autoridade sem limites do dono de terras.

Foi a família patriarcal que favoreceu, pela natural receptividade, a importação


de formas de pensamento e ideias dominantes na cultura medieval europeia.
Feita através da obra dos Jesuítas. Afinal, o branco colonizador, além de tudo,
se impunha distinguir-se, por sua origem européia, da população nativa, negra
e mestiça, então existente. A classe dominante, detentora do poder político e
econômico, tinha também de ser detentora dos bens culturais importados.

Não é, pois, de se estranhar que na Colônia tenham vingado hábitos aristocráticos


de vida. No propósito de imitar o estilo da metrópole, era natural que a camada
dominante procurasse copiar os hábitos da camada nobre portuguesa. E, assim,
a sociedade latifundiária e escravocrata acabou por ser também uma sociedade
aristocrática. E para isso contribuiu significativamente a obra educativa
dos jesuítas

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A EDUCAÇÃO NO BRASIL • AULA 6

(...) O ensino que os padres jesuítas ministravam era complemente alheio à


realidade da vida da Colônia. Desinteressado, destinado a dar cultura geral básica,
sem a preocupação de qualificar para o trabalho, uniforme e neutro (do ponto
de vista como quer Fernando Azevedo),não podia por isso mesmo contribuir
para modificações estruturais na vida social e econômica do Brasil, na época
(ROMANELLI, 2000, p.33).

Em resumo, esse período de nossa história fica marcado pela distância entre a educação e a
realidade da Colônia de acordo com o próprio interesse de Portugal.

O império, a independência a e educação

O chamado período pombalino foi de 1759 a 1827. No ano do término, duas datas merecem
ser conhecidas: 11 de agosto – os primeiros cursos jurídicos do país eram criados – e dia 15 de
outubro – a primeira lei de Ensino Primário foi promulgada. Em 1808, temos a vinda da Família
Real Portuguesa para o Brasil. Este fato e a Independência, em 1822, trouxeram a preocupação de
uma educação voltada para formação das elites dirigentes do país. O que as reformas pombalinas
haviam proposto, em termos de uma escola útil ao Estado, estavam se concretizando, mas apenas
no que se relacionava ao ensino superior. Assim, vejam os cursos que D. João criou:

»» Academia da Marinha, no Rio de Janeiro, em 1808;

»» Academia Real Militar, no Rio de Janeiro, em 1810;

»» Cursos de Anatomia e Cirurgia, em 1808;

»» Laboratório de Química, no Rio de Janeiro, 1812;

»» Curso de Agricultura, no Rio de Janeiro, 1814;

»» Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, no Rio de Janeiro, 1816;

»» Curso de Cirurgia e Cadeira de Economia, na Bahia, em 1808;

»» Curso de Química e Desenho Técnico, na Bahia, em 1817.

No Rio de Janeiro, d. João criou a nossa primeira biblioteca pública, em 1914, com 60.000 volumes
cedidos por ele próprio. E ainda fundou a Imprensa Régia, em 1808, inaugurando a nossa era
jornalística com a Gazeta do Rio de Janeiro.

Os estudiosos e escritores sobre esse período comentam: uma legislação voltada para o Ensino
Primário, popular e gratuito não atingiu o esperado, pois as condições técnicas e financeiras
foram precárias. Pouco ou nada se fez pela formação de professores durante o Império. As escolas
normais criadas na Bahia e no Rio de Janeiro, na década de 1830, não apresentaram promessas
de futuro alvissareiro.

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AULA 6 • A EDUCAÇÃO NO BRASIL

Quanto ao ensino técnico-profissional, nada foi feito na época do Império. Entretanto, cabe
comentar que o modo de produção escravocrata de produção e a produção essencialmente
agrária exportadora, à época, não necessitavam de uma formação profissional específica.
O trabalho manual ou braçal era “coisa” para escravo.

Um Ato Institucional de 12 de agosto de 1834 conferiu às províncias o direito de legislar


sobre instrução pública e estabelecimentos próprios e promovê-los. Mas as faculdades de
Medicina, Academias, Cursos Jurídicos existentes e Cursos Superiores que viessem a ser
criados por lei geral estariam fora desta lei, permanecendo sob o controle do Império e não das
províncias.

Assim, o poder central cuidou do ensino superior, e as províncias promoveram de maneira


rudimentar o ensino primário e secundário. Após o Ato Institucional, os primeiros estabelecimentos
provinciais públicos de ensino secundário foram os Liceus da Bahia e da Paraíba (1836) e o
Ateneu do Rio Grande do Norte (1835). No Município da Corte, o Seminário de S. Joaquim
transforma-se em estabelecimento de ensino secundário com o nome de Colégio de Pedro II.
Esta foi a primeira tentativa do poder central em organizar o ensino secundário no país. Da
sua fundação, em 1838, até o final do Império, o Colégio Pedro II passou por 8 reformas em
seus estudos.

Como os escritores Piletti (2003) comentam os aspectos qualitativos e quantitativos desta fase:

»» ASPECTO QUANTITATIVO: no fim do Império, para uma população de quase 14 milhões


de habitantes, tínhamos cerca de 250.000 matrículas nas escolas primárias. Se a eles
juntarmos os inscritos em todos os outros cursos, chegaremos próximos a 300.000
estudantes, cerca de 15% da população em idade escolar.

»» ASPECTO QUALITATIVO: (a) Ensino Primário – ministrado em grande parte por


professores leigos; (b) Ensino Secundário – predominância dos cursos avulsos, de
frequência livre, ênfase em humanidades; (c) Ensino superior – reduzido a umas poucas
escolas isoladas, destinadas à formação de profissionais liberais, especialmente no
campo do direito.

Ao final do período Imperial, o Brasil não dispunha de um sistema integrado de ensino:

»» O primário nada tinha a ver com o secundário.

»» O curso secundário, com exceção do Pedro II e outros poucos estabelecimentos, não se


constituía curso seriado, ordenado.

»» Não tínhamos uma universidade, mas apenas escolas isoladas de nível superior, como
as Faculdades de Direito de S. Paulo e do Recife, as Faculdades de Medicina do Rio e de
Salvador, a Escola de Engenharia do Rio de Janeiro.

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A EDUCAÇÃO NO BRASIL • AULA 6

A Primeira República (1889-1929)

Entendendo a Primeira República ou República Velha


A monarquia caiu em 1889, e a Primeira república teve seu início. Em 1891, instaurado o governo
representativo, federal e presidencial, o federalismo autonomiza os estados, mas as distorções
são criadas com crescimento desigual, favorecendo Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Em
função da influência dos “coronéis” e dos interesses dos criadores de gado e plantadores de café
(prevalecendo os interesses de tais grupos no poder), este período recebeu o nome de “política
do café com leite”, referindo-se à alternância de poder das elites mineiras e paulistas.

É nesse período que o modelo educacional herdado do Império, que privilegiava a educação
das elites (secundário e superior), se perpetua, mas a educação popular recebe um tratamento
diferenciado em função da mudança do modo de produção e do fim da escravidão.

Em 1909, o presidente Nilo Peçanha cria uma escola profissionalizante em cada capital de estados
no país com exceção do antigo estado do Rio de Janeiro, onde a escola não foi para Niterói, mas
para Campos (terra do presidente). Estas escolas eram direcionadas ao atendimento dos pobres,
crianças de rua, desocupados e outros “desvalidos da sorte”, como consta do documento oficial.

A educação profissionalizante já apresentava, nesta política pública, o dualismo com relação à


propedêutica para o ensino superior, ou seja, claramente um dualismo educacional.

Terminada a Primeira Guerra Mundial, surge uma burguesia industrial urbana e uma lenta
mudança do modelo econômico agrário econômico se faz sentir. Na década de 1920, os setores
cultural, econômico, social e político da vida brasileira entraram em crise. Na Primeira República,
tivemos várias reformas educacionais, fragmentadas e sem nenhuma conexão com a própria
economia.

Esta crise desemboca na Revolução de 1930, que foi responsável por transformações que levaram
ao avanço o processo educacional brasileiro.

Na realidade, nascia a Segunda República, que podemos estabelecer no período que vai de 1930
a 1937. De 1937 a 1945 com a ditadura de Getúlio Vargas, a do Estado Novo como a Terceira
República.

Projetos de um novo Brasil eram alimentados pelos ideais republicanos “federação democrática
que favorecesse a convivência social de todos os brasileiros, promovesse o progresso econômico
e a independência cultural” (PILETTI; PILETTI, 2003).

A realidade foi outra, porém: os ideais republicanos, frustrados, levaram o Brasil a enfrentar crises
seríssimas às vésperas da Revolução de 1930. E essas frustrações por sua vez, apoiadas pela classe
média, tiveram sua importância em tornar vitoriosa aquela Revolução. Assim, os ideais voltados

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AULA 6 • A EDUCAÇÃO NO BRASIL

para a modernidade e para a democracia foram frustrados e o mesmo grupo que já comentamos
(o do poder) continuou poderoso, estabeleceu a Ditadura do Estado Novo em 1937.

Em 1934, pela primeira vez, aparece o direito à educação, na Constituição, artigo 149. Dizia assim:
“A educação é direito de todos”. Mas, eliminado em 1937, apareceria outra vez, em 1946, para
ficar. Constitucionalmente, este direito é reconhecido.

Em 1934, aparece na Constituição a obrigação pela Educação do Estado e da Família, que


estabelece a responsabilidade solidária da família e dos Poderes Públicos, atribuindo competência
aos estados e ao Distrito Federal (10% de investimento na educação). Imagine que em 1969,
a Emenda no 1 limitou-se a obrigar a aplicação de 20% de sua receita tributária ao ensino
primário (artigo 15).

Em 1934, a Constituição reintroduziu o ensino religioso, mas de caráter facultativo e confessional.


Na Constituição de 1891, não havia ensino religioso, como no Império. As constituições posteriores
mantiveram o ensino religioso.

Em 1934, a liberdade de ensino tornou-se princípio constitucional.

Conhecendo a política educacional do período de 1930 a 1945

A ESCOLA NOVA ainda não era totalmente entendida, e alguns estados já empreendiam reformas,
tomando como base as ideias daqueles que seriam ícones da educação na próxima década.

Vamos conhecê-las:

»» 1920 – Sampaio Dória, em São Paulo;

»» 1923 – Lourenço Filho, no Ceará;

»» 1925 – Anísio Teixeira, na Bahia;

»» 1927 – Francisco Campos e Mario Casassanta, em Minas Gerais;

»» 1928 – Carneiro Leão, em Pernambuco;

»» 1928 – Fernando de Azevedo, no Distrito Federal.

Em 1930 foi criado o Ministério da Educação e Saúde, importante órgão para a estruturação da
universidade e reformas de âmbito nacional. Quem o assumiu foi o mineiro Francisco Campos,
que trouxe ao novo ministério novos ares, em termos de ação planejada como decretos que
trataram da organização da Universidade do Rio de Janeiro, da criação do Conselho Nacional
de Educação, do ensino secundário e do ensino comercial. Podemos observar que os decretos
de Francisco Campos contextualizavam nova orientação para interesse da pesquisa, difusão da
cultura e maior autonomia didática e administrativa.

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A EDUCAÇÃO NO BRASIL • AULA 6

Fernando de Azevedo, bastante inspirado pelos ideais da escola nova, pontuava três ideias
modernas de educação: escola única, escola do trabalho e escola-comunidade ou escola do
trabalho em cooperação. Em 1937, diplomam-se os primeiros professores licenciados para o
ensino secundário. Palavras de Fernando de Azevedo em História da Educação:

Com esse acontecimento inaugurou-se, de fato, uma nova era do ensino secundário,
cujos quadros docentes constituídos até então de egressos de outras profissões,
autodidatas ou práticos experimentados no magistério, começaram a renovar e
enriquecer-se, ainda que lentamente, com especialistas formados nas faculdades
de filosofia que, alem do encargo da preparação cultural e científica, receberam
por acréscimo o da formação pedagógica dos candidatos ao professorado do
ensino secundário (ARANHA, 2006).

Quanto aos objetivos, na reforma de Francisco de Campos (1931) e na reforma de Gustavo


Capanema (1942), ministro da Educação, o ensino secundário tinha uma dupla função: formação
geral e preparação para o ensino superior.

Na realidade é neste período que nasce a universidade no Brasil. A educação passa a ter uma
estrutura que apresentamos no esquema a seguir:

Figura 16.

Fonte: Adaptado da obra de Luiz Antonio Cunha: O Ensino Profissional na Irradiação do Industrialismo.

As políticas educacionais desenvolvidas estabeleciam um nível primário em cinco anos e um


ensino médio dividido em dois segmentos, como apresentados na figura: 1º ciclo - Ginásio (4 nos)
e 2º ciclo – Colegial (três anos), ou seja, ensino secundário com sete (7) anos de duração no total.

A necessidade de industrializar o país implicou o desenvolvimento do ensino técnico-profissional.


Dois fatores são fundamentais: o primeiro é a criação dos cursos técnicos (técnicos de nível

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AULA 6 • A EDUCAÇÃO NO BRASIL

médio atualmente) e o outro, a criação do SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial


para a formação de mão de obra para a indústria que começa a surgir no país. Este segmento
destinado às “classes menos favorecidas” teve sua legislação nacional estabelecida a partir de
1942. As regulamentações principais foram:

»» Decreto-Lei no 4073, de 31 de janeiro de 1942 – o Ensino Industrial;

»» Decreto-Lei no 6141, de 28 de dezembro de 1943 – o Ensino Comercial;

»» Decreto-Lei no 8530, de 2 de janeiro de 1946 – o Ensino Normal;

»» Decreto-Lei no 9613, de 28 de agosto de 1946 – o Ensino Agrícola; e

»» Decreto-Lei no 4048, de 22 de janeiro de 1942 – SENAI.

É importante deixar claro que, embora pela estrutura, existisse equivalência entre o colegial e
os demais ramos do 2o ciclo do ensino médio, na prática, ela não existiu, ou seja, um dualismo
educacional que determinava que os únicos egressos que podiam cursar qualquer curso superior
eram os oriundos do colegial.

Os dos ramos: ensino normal, industrial, comercial e agrícola só podiam seguir para os cursos
superiores de sua área de estudo.

A equivalência só vai aparecer efetivamente com a primeira LDB em 1961.

Assim você tem ideia do que aconteceu no período das Reformas Francisco Campos e Gustavo Capanema.
Percebe que as mudanças na 1a República são decorrentes das contingências socioeconômicas.

Anísio Teixeira (1900-1971)


Considerado o principal idealizador das grandes mudanças que marcaram a educação brasileira
no século 20, Anísio Teixeira (1900-1971) foi pioneiro na implantação de escolas públicas de todos
os níveis, que refletiam seu objetivo de oferecer educação gratuita para todos.

Filho de fazendeiro, estudou em colégios de jesuítas na Bahia e cursou direito no Rio de Janeiro.
Diplomou-se em 1922 e, em 1924, já era inspetor-geral do ensino na Bahia. Viajando pela Europa,
em 1925, observou os sistemas de ensino da Espanha, Bélgica, Itália e França e com o mesmo
objetivo fez duas viagens aos Estados Unidos entre 1927 e 1929. De volta ao Brasil, foi nomeado
diretor de Instrução Pública do Rio de Janeiro, onde criou, entre 1931 e 1935, uma rede municipal
de ensino que ia da escola primária à universidade. Perseguido pela ditadura Vargas, demitiu-se
do cargo em 1936 e regressou à Bahia — onde assumiu a pasta da Educação em 1947. Sua atuação
à frente do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, a partir de 1952, valorizou a pesquisa
educacional no país. Com a instauração do governo militar em 1964, deixou o instituto — que
hoje leva seu nome — e foi lecionar em universidades americanas, de onde voltou em 1965 para
continuar atuando como membro do Conselho Federal de Educação. Morreu no Rio de Janeiro
em março de 1971.

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A EDUCAÇÃO NO BRASIL • AULA 6

Como teórico da educação, Anísio não se preocupava em defender apenas suas ideias. Muitas
delas eram inspiradas na filosofia de John Dewey (1852-1952), de quem foi aluno ao fazer um
curso de pós-graduação nos Estados Unidos.

Dewey considerava a educação uma constante reconstrução da experiência. Foi esse pragmatismo
que impulsionou Anísio a se projetar para além do papel de gestor das reformas educacionais
e atuar também como filósofo da educação. A marca do pensador Anísio era uma atitude de
inquietação permanente diante dos fatos, considerando a verdade não como algo definitivo,
mas que se busca continuamente.

As novas responsabilidades da escola eram, portanto, educar em vez de instruir; formar homens
livres em vez de homens dóceis; preparar para um futuro incerto em vez de transmitir um passado
claro; e ensinar a viver com mais inteligência, mais tolerância e mais felicidade. Para isso, seria
preciso reformar a escola, começando por dar a ela uma nova visão da psicologia infantil.

O próprio ato de aprender, dizia Anísio, durante muito tempo significou simples memorização;
depois seu sentido passou a incluir a compreensão e a expressão do que fora ensinado; por
último, envolveu algo mais: ganhar um modo de agir. Só aprendemos quando assimilamos uma
coisa de tal jeito que, chegado o momento oportuno, sabemos agir de acordo com o aprendido.

Para o pensador, não se aprendem apenas ideias ou fatos, mas também atitudes, ideais e senso
crítico — desde que a escola disponha de condições para exercitá-los. Assim, uma criança só pode
praticar a bondade em uma escola onde haja condições reais para desenvolver o sentimento.
A nova psicologia da aprendizagem obriga a escola a se transformar num local onde se vive e não
em um centro preparatório para a vida. Como não aprendemos tudo o que praticamos, e sim
aquilo que nos dá satisfação, o interesse do aluno deve orientar o que ele vai aprender. Portanto,
é preciso que ele escolha suas atividades.

Nos anos 1920, com a crescente industrialização e a urbanização em todo o mundo, a necessidade
de preparar o país para o desenvolvimento levou um grupo de intelectuais brasileiros a se
interessar pela educação — vista como elemento central para remodelar o país. Inspirados nas
ideias políticas de igualdade entre os homens e do direito de todos à educação, os novos teóricos
viam num sistema estatal de ensino público livre e aberto o único meio efetivo de combate às
desigualdades sociais. Esse movimento chamado de Escola Nova ganhou força nos anos 1930,
principalmente após a divulgação, em 1932, do Manifesto da Escola Nova.

O documento pregava a universalização da escola pública, laica e gratuita, sendo assinado pelos
seguintes signatários de várias linhas políticas e ideológicas: Fernando de Azevedo; Julio Afranio
Peixoto; Antonio Sampaio Dória; Anisio Spíndola Teixeira; Manoel Bergstrom Lourenço Filho;
Edgar Roquete Pinto; José Getúlio da Frota Pessoa; Júlio Cesar Ferreira de Mesquita Filho; Raul
Carlos Briquet; Mário Casasanta; Carlos Miguel Delgado de Carvalho; Antonio Ferreira de Almeida
Júnior; J.P. Fontenelle; Carlos Roldão Lopes de Barros; Noemy Marques da Silveira Rudolfer;
Hermes Lima; Attílio Vivacqua; Franscisco Venâncio Filho; Paulo Maranhão; Cecília Benevides

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AULA 6 • A EDUCAÇÃO NO BRASIL

de Carvalho Meireles; Edgar Sussekind de Mendonça; Armando Álvaro Alberto; Sezefredo Garcia
de Rezende; Carlos Alberto Nóbrega da Cunha; Paschoal Lemme e Raul Rodrigues Gomes.

A atuação desses pioneiros se estendeu por décadas, muitas vezes criticada pelos defensores da
escola particular e religiosa. Mas eles ampliaram sua atuação e influenciaram uma nova geração
de educadores como Darcy Ribeiro (1922-1997) e Florestan Fernandes (1920-1995). Anísio foi
mentor de duas universidades: a do Distrito Federal, no Rio de Janeiro, desmembrada pela
ditadura Vargas, e a de Brasília, da qual era reitor quando do golpe militar de 1964.

Falando da Segunda República e da educação popular

Época de grande esperança de progresso, com governos eleitos pelo povo, foi o período de 1946
a 1964. Organizações representativas dos setores sociais pronunciavam-se razoavelmente livres.
Havia limite? Sim! Os pobres continuavam marginalizados, analfabetos não votavam, o Partido
Comunista voltou para a ilegalidade em 1947. Mas comparado com a Ditadura getulista, estas
quase duas décadas pareciam bem democráticas.

Na educação, o ensino técnico-profissional conseguiu sua equivalência com o secundário; a Lei de


Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada em 1961, durante 13 longos anos foi discutida
no Congresso Nacional (as outras anteriores eram impostas pelo Poder Executivo); ampliou-se a
luta para uma escola pública e gratuita; movimentos e campanhas em prol da educação popular e
destacadamente a alfabetização de adultos coloca-nos frente a frente com o método Paulo Freire.

A organização da educação após a LDB de 1961 ficou assim:

Figura 17.

Fonte: Esquema 2: Adaptado de Luiz Antonio Cunha.

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A EDUCAÇÃO NO BRASIL • AULA 6

É também nesse momento que Darcy Ribeiro inspira-se nas ideias de Anísio Teixeira e funda
a Universidade de Brasília. Realizava a concretização daquilo que se pensava para a renovação
universitária.

Voltando à Lei, o confronto de interesses, durante aqueles treze anos, fez com que já estivesse
ultrapassada na sua promulgação, em 1961. Se a estrutura mantida era a mesma da reforma
Capanema, agora se sentia um ou outro avanço, a saber:

»» possibilidade de mobilidade entre os cursos;

»» redução das disciplinas no secundário;

»» pluralidade de currículos em termos federais;

»» primeira lei que estabeleceu as Diretrizes e bases da Educação do Pré-Primário ao Superior.

Quanto aos conteúdos curriculares, foi admitida alguma diversificação de acordo com a preferência
dos estabelecimentos em relação a matérias optativas. A terceira série do colegial teve currículo
com a possibilidade de ser diversificado, preparando os alunos para o curso superior.

De 1946 a 1964, é preciso destacar a importância de movimentos voltados para a alfabetização


de adultos, patrocinada pelo Governo Federal.

A alfabetização de adultos seria feita por meio do sistema Paulo Freire. Paulo Freire foi nomeado
coordenador do Programa Nacional de Alfabetização, programa este que foi extinto no dia 1o de
abril de 1964, quando os militares tomaram o poder.

Vamos entender pelas palavras de Maria Tosi o que se passa na quarta fase histórica da República,
que chega até 1968, e na quinta fase – a republicana:

Na quarta fase histórica da República, sucedem-se no governo: Juscelino


Kubitschek (período de relativa paz social), Jânio Quadros e João Goulart.

Embora a Constituição tivesse sido proclamada em 1946, somente em 1961 foi


aprovada a Lei federal de Diretrizes e Bases da Educação no 4024, com base em
princípios democráticos cristãos. Importa destacar que essa Lei cria os Conselhos
Estaduais de Educação e articula os níveis de ensino do primário ao superior.

Na quinta fase republicana, de 1968 a 1980, o Brasil passa pelo segundo período ditatorial,
agora militar. Quanto à educação, importa lembrar a Lei Federal Complementar de
Diretrizes e Bases da Educação no 5692/1971.

O modelo dessa Lei é mormente tecnicista e desenvolvimentista (analisamos


o significado disto para você mais adiante). Por ela funde-se o ensino primário
ao secundário, que passa a denominar-se de I Grau que possibilita o acesso a
qualquer curso de nível médio(agora denominado II Grau), e esse é o meio para
para se ingressar em qualquer curso superior(o que era proibido desde a instituição
das Leis Orgânicas), e regulamenta a Carreira do Magistério. Não trata do Ensino

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AULA 6 • A EDUCAÇÃO NO BRASIL

Superior (que foi denominado de III Grau), pois este ficou sob a competência de
outra lei Federal, a no 5540/1968 (TOSI, 2001, pp. 56 e 57).

Leia agora o artigo 1o da Lei no 5692/1971, modificado pela Lei no 7044/1982, estabelecendo o
seguinte objetivo:
O ensino de 1o e 2o graus tem por objetivo proporcionar ao educando a formação
necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de
autorrealização, preparação para o trabalho e para o exercício consciente
da cidadania.

A lei estava longe de ser posta em prática, a maioria dos alunos continuava sem condição
de iniciar seus estudos, preparar-se para o trabalho e exercer a cidadania conscientemente.
Ora, pela reforma de 1971, o 2o Grau tornou-se profissionalizante.

O Conselho Federal de Educação regulamentou mais de 200 habilitações profissionais, obrigando


todos os estabelecimentos de ensino a implantar habilitações, embora não tivessem a mínima
condição para tal. Estava instalado quase o caos no extinto ciclo colegial, e grande número de
estabelecimentos burlava a lei ou a cumpria da maneira mais elementar possível: currículo
oficial para a fiscalização x currículo que preparava alunos para o vestibular; implantação de
habilitações baratas que às vezes nem existiam no mercado. As matérias reflexivas (que podiam
favorecer a discussão crítica), como psicologia, sociologia, filosofia, foram abolidas do 2o grau.
Matérias obrigatórias em todo o território nacional eram muitas e o chamado Núcleo Comum
obrigatório tinha dez conteúdos específicos: um de comunicação e expressão, três de estudos
sociais, dois de ciências e quatro práticas educativas. Resultado: a liberdade dos sistemas estaduais
e dos estabelecimentos em introduzirem outras matérias, ficou prejudicada.

A pesquisadora da Unicamp na área de educação, Maria Raineldes Tosi, citada anteriormente,


vai nos levar à sexta fase republicana, que chega aos nossos dias:

Na sexta fase republicana, de 1980 até nossos dias, há a prática democrática de


eleição livre e direta para cargos administrativos em todos os níveis, a liberdade de
expressão e, quanto ao magistério, as iniciativas de cátedra têm sido garantidas.
A abertura política iniciou-se em 1980. Com ela ficava declarada a criação da
Assembléia Nacional Constituinte, ou seja, a eleição de Câmara de Deputados e
Senadores encarregados de criar ova constituição brasileira.

Estimulada pelos constituintes a sociedade civil organizada passou a influenciar


as atividades dos parlamentares. Essa mobilização fez com que artigo por artigo
fosse extenuantemente discutido e com isso somente em 1988 foi aprovada a
Constituição Federal, que vem sendo reformulada em muitos artigos desde a
década de 1990 (TOSI, 2001).

Para você recordar:

»» 20 DE DEZEMBRO DE 1961 – Lei no 4024, a primeira denominada Lei de Diretrizes e


Bases da Educação Nacional (LDBN);

106
A EDUCAÇÃO NO BRASIL • AULA 6

»» 28 DE NOVEMBRO DE 1968 – Lei no 5540, que reformulou o ensino superior e sua


articulação com a escola média;

»» 11 DE AGOSTO DE 1971 – Lei no 5692, modificando a LDBN de 10 anos antes, modificando


a organização, que passou ser denominado ensino de 1o e 2o graus.

»» 20 DE DEZEMBRO DE 1996 – Lei no 9394, depois de acidentada tramitação, nasce 35


anos depois da primeira com o mesmo nome (LDBN)

Conhecendo a nova lei

A primeira versão do projeto foi apresentada à Câmara dos Deputados em 1988. Em 1993, na
terceira versão, foi aprovado naquela casa. Muito fragmentado, seguiu para o Senado, onde corria,
desde 1992, um projeto alternativo de autoria do senador DARCY RIBEIRO.

Foi o Projeto Darcy Ribeiro, que incorporando 204 emendas, substituiu aquele oriundo da
Câmara, sendo aprovado em fevereiro de 1996. Mais condizente com os novos tempos, ainda
que incorporando propostas de seu antecessor, volta à Câmara para revisão. E assim, debatido,
combatido, emendado e mantendo em seus 92 artigos o espírito Darcy Ribeiro “Legislação que
garantisse espaços e não atrapalhasse”, a lei foi sancionada como Lei no 9394/1996 a nova Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

O rosto da nova lei

Sergio Godinho Oliveira comenta:

A LDB não é uma lei perfeita: apontam-se contradições entre intenção e redação;
aponta-se confusão de conceitos (educação x ensino); apontam-se possíveis
inadequações pedagógicas (adquirir x construir conhecimentos);apontam-se
resquícios de tradicionalismo; apontam-se omissões; indicam-se excessos
(OLIVEIRA, 2003).

É natural que ela não satisfaça plenamente a todos, que contenha falhas, que ainda arraste vícios
do passado. Os legisladores não estão acima da cultura do nosso tempo, do status quo vigente, e
não têm, portanto, o distanciamento e a isenção absolutos que, talvez, fossem ideais. O resultado
final, porém, prova que vivemos em uma nova era: as próprias incongruências detectadas
resultam, muitas vezes, da necessidade de acomodar interesses diversos, o que, em um regime
democrático, é natural e legítimo. Significa que houve debates, negociações, disputas e acordos.
Ou seja, uma lei feita dentro das regras do jogo democrático, refletindo a pluralidade de visões,
paixões e interesses envolvidos. Que não haja unanimidade na avaliação da lei é também um
bom sinal de que a reflexão crítica e pluralidade de visões de mundo persistem. E é certo que, por
seu aspecto crucial para o indivíduo e para a sociedade, a educação sempre despertou paixão,
como se pode perceber no trecho a seguir:

107
AULA 6 • A EDUCAÇÃO NO BRASIL

Não se deve deixar no esquecimento qual deve ser a educação e como se há


de educar. Nos tempos modernos as opiniões sobre este tema diferem. Não há
acordo sobre o que os jovens devem aprender, nem no que se refere à virtude
nem no que se refere à virtude nem quanto ao necessário para uma vida melhor.
Tampouco está claro se a educação deveria preocupar-se mais com a formação
do intelecto ou do caráter (ARISTÓTELES apud Parecer CEB no 15/1998).

Sintetizando

Vimos até agora:

»» Uma análise resumida da história da educação brasileira e seus principais momentos.

»» A contribuição dos jesuítas, o período pombalino, as principais reformas da educação.

»» Nova Lei das Diretrizes e Bases (no 9.394/1996) em seus avanços e retrocessos no tocante à legislação anterior.

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