Sie sind auf Seite 1von 35
JUSTICA COMO EQUIDADE: UMA CONCEPCAO POLITICA, NAO METAFISICA* JOHN RAWLS * Neste trabalho farei algumas observacdes gerais sobre como entendo neste momento a concepgao de justica a que chamei “justica como eqttidade" (fustice as fairness), apresentada no meu livro Uma Teoria da Justia). Faco isso porque pode parecer que tal concepgao depende de proposigées filoséficas que eu desejaria evitar, como por exemplo a presunc’o da verdade universal ou de uma natureza e identidade essenciais das pessoas. Meu objetivo é explicar por que nao depende dessas proposicées. Discutirei em primeiro lugar 0 que me parece ser a tarefa da filosofia politica em nosso tempo, em seguida, examinarei brevemente a maneira pela qual as idéias intuitivas basicas a que me ative na concepgio de justica como equidade combinam-se numa concep¢io politica da justia para uma democracia constitucional. Isso me levard a esclarecer como e por que essa concepgao de justica evita certas proposicdes filosficas e metafisicas. Em sintese, sustento que numa demo- * John Rawls, "Justice as fairness: political not metaphysical. Philosophy and Public Affairs, vol. 14, 3, 1985. ** Tradugdo de Regis de Castro Andrade. cambridge, MA, Harvard University Press, 1971. (N. T.: Uma Teoria da Justia, Editora UnB, 1981, Brasilia, DF, 461 pgs., Colegio Pensamento Politico, Vol. 56, tradug4o de Vamirch Chacon). 26 LUA NOVA N® 25 - 1992 cracia constitucional a concepgao piiblica de justiga deveria ser, tanto quanto possivel, independente das controvérsias doutrina- rias, filosdficas e religiosas. Assim, para formular tal concep¢ao, aplicamos o principio da tolerincia a propria filosofia: a concepgio piiblica de justica deve ser politica, ¢ nao metafisica. Dai o titulo. Quero deixar de lado a questao de saber se o texto de Uma Teoria da Justiga dé margem a leituras diferentes da que esboco aqui. Certamente eu modifiquei meu ponto de vista a respeito de um certo niimero de questées, e sem davida mudei meu modo de ver a respeito de algumas outras sem que me tivesse apercebido disso. Reconhe¢o ainda que certos defeitos de exposigao bem como passagens obscuras e ambiguas de Uma Teoria da Justica levam a mal-entendidos; mas penso que nao é necessario preocuparmo-nos com essas questdes aqui, € nao tratarei delas sendo em algumas notas de rodapé. Para os objetivos deste trabalho, bastaré, em primeiro lugar, mostrar como uma concepgao de justiga com a estrutura e 0 contetido da justica como eqiiidade pode ser entendida como uma concep¢ao politica e nao metafisica e, em segundo lugar, explicar por que devemos buscar tal concepc4o numa sociedade democratica. 2Varias dessas mudangas, ou deslocamentos de énfase, sio evidentes nas trés palestras intituladas "Kantian Constructivism in Moral Theory" in Journal of Philosophy n® 77, Setembro de 1980, Por exemplo, 2 explanagdo do que eu chamei "bens primérios" foi revista, mostrando que eles dependem claramente de uma concepgio panicular das pessoas e seus interesses de ordem superior; segue-se que essa explanagao nao € uma tese puramente psicolégica, sociolégica, ou hist6rica. Ver pp. 526. s. s... Também se encontra nessas palestras uma énfase mais explicita no papel de uma concepgao da pessoa bem como na idéia de que a justificagao de uma concepgio da justica & mais uma tarefa social pratica do que um problema epistemoldgico ou metafisico. Ver pp. 518 € s. s.. A introdugao da idéia de "construtivismo kantiano" est4 relacionada a essa questdo, especialmente na terceira palestra, Note-se, contudo, que néo proponho essa idéia como uma idéia kantiana; 0 adjetivo "kantiana* indica analogia, ndo identidade, isto 6, a similitude existe num nimero Suficiente de aspectos fundamentais para tornar apropriado 0 adjetivo. Esses aspectos fundamentais sio certas caracieristicas da justiga. como eqiiidade e constituem elementos do seu conteddo, tais como a distingo entre 0 que podemos denominar o Razoavel e 0 Racional, a prioridade do direito e 0 papel da concepgao das pessoas como livres € iguais, capazes de autonomia, e assim por diante. Similitudes de caracteristicas estruturais ¢ de conteido nao podem ser confundidas com a visio de Kant sobre questdes de epistemologia € metafisica. Finalmente, devo observar que o titulo dessas palestras, "Kantian Constructivism in Moral Theory’, levou a mal-entendidos: posto que a concepp4o discutida de justiga é uma concepgao politica, um titulo melhor teria sido "Kantian Constructivism in Political Philosophy". A questio de saber se o construtivismo & razo4vel para a filosofia moral é uma questéo separada e mais geral. JUSTIGA COMO EQUIDADE 27 Que a justica como eqiiidade pretende ser uma concepg4o politica da justica € algo que eu nao disse em Uma Teoria da, Justica, ov pelo menos que nao enfatizei o bastante. Uma concepgao politica da justica, claro, € uma concepcio moral, mas é uma concep¢ao moral elaborada para um certo tipo de questao: especificamente, para as instituigdes politicas, sociais e econémicas. Em especial, a justica como eqiiidade € pensada para aplicagdo ao que chamei a “estrutura basica" de uma democracia constitucional moderna}. (Usarei as expressdes “democracia constitucional", “regime democratico" e outras semelhantes como express6es intercambiaveis). A estrutura basica designa as principais instituigdes politicas, sociais ¢ econémicas dessa sociedade, e 0 modo pelo qual elas se combinam num sistema de cooperagao social. As questées de saber se a justica como eqiiidade pode ser estendida a uma concepgio politica geral aplicavel a outros tipos de sociedades existindo em condigées hist6ricas e sociais distintas, ou de saber se pode ser estendida a uma concepgao moral geral ou parte significativa dela, sio questées que nao dizem respeito 4 presente discussao. Evitarei portanto prejulgd-las num sentido ou noutro. Também quero deixar claro que a justica como eqilidade nao se concebe como aplicagio de uma concep¢io moral geral a estrutura basica da sociedade, como se essa estrutura fosse apenas mais um caso ao qual tal concep¢ao moral geral poderia ser aplicada‘. A esse respeilo, a justica como eqiiidade difere das doutrinas morais tradicionais, geralmente consideradas concepgdes gerais. O utilitarismo € um exemplo familiar, pois o principio da utilidade, qualquer que seja a sua formulagao, vale para tudo, como usualmente se supde: desde agoes individuais até as lei das nagdes. O ponto essencial é este: do ponto de vista politico pratico, nenhuma concepgio moral geral pode fornecer uma base publicamente reconhecida para uma concep¢ao de justia num Estado democratico modemo. As Oe ee ee Subject", in Values and Morals, ed. por Goldman, Alvin e Kim, Jaegwon, Dordrecht Reidel, 1978, pp. 47-71. Ver "Basic Structure as Subject”, ibidem, pp. 48-50.

Das könnte Ihnen auch gefallen