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Bianca Dupla nº 653

Um Novo Começo
Yule Tide
Catherine George

Nenhum homem poderia ocupar o lugar de Nick...


Apesar da forte tempestade que caía, Maíra ainda conseguia ver beleza nas águas que
pareciam descer a rua como uma cascata avermelhada. Estava ao lado de Nocholas, e
isso bastava.
Ali, onde a natureza imperava soberana, ambos podiam desfrutar da magia do amor. Não
existiam barreiras nem antagonismos. Maíra conseguia até esquecer que Nicholas era
seu ex, não mais seu amrido. E fazia forã para não se lembrar de que, quando a
tempestade passasse, eles se separariam outra vez!

Digitalização e Revisão Joyce


CAPITULO I

Solidão, chuva e trânsito lento eram os piores companheiros para uma


viagem de carro, ainda mais na noite que antecedia a véspera de Natal.
Maíra suspirou, com desânimo, pensando até em desistir de seus planos.
Havia quase meia hora, lutava para escapar das ruas intransitáveis de
Pennington, sem muito sucesso. Parecia que a população inteira resolvera
sair da cidade após o trabalho.
Teria sido muito mais prudente se tivesse faltado à festa de
confraternização do escritório e partido no dia anterior. Mas, até essa
manhã, não tinha intenção alguma de passar o Natal com os familiares, em
uma fazenda da Inglaterra.
Esse ano, a idéia de celebrar a data natalina junto de Hugh e Margaret
havia lhe parecido insuportável. Afinal, não tinha o direito de prejudicar a
felicidade deles com sua melancolia. Porém, depois de despachar os
presentes dos familiares pelo correio, a dor e a angústia da solidão
ultrapassaram seus limites... Com um gesto impulsivo, ligara para a
cunhada, confessando seu desejo de encontrá-los.
Prática e espontânea, Margaret havia recebido a notícia com tanto
entusiasmo que Maíra chegara a chorar de emoção.
— Estou tão constrangida por mudar de idéia na última hora... — tentara
se desculpar. — Não pretendia causar-lhe nenhum transtorno.
— Que transtorno? Será um prazer!
— Tem certeza de que não vou atrapalhar... Afinal, serei mais uma pessoa
para comer.
— Sempre há lugar para mais alguém em um Natal na fazenda! —
Margaret rira. — Além disso, tratando-se de você, acabarei
recompensada por sua ajuda.
Antes de se despedirem, a cunhada fizera questão de alertá-la para os
problemas que o excesso de chuva vinha causando ao condado de
Gloucester. Vários locais estavam inundados, e, embora a rodovia
continuasse aberta, em alguns trechos, ao longo do rio Sevem, os
motoristas precisavam ter bastante cautela.
Maíra não dera muita importância àqueles avisos. A chuva ininterrupta,
sem dúvida alguma, tornaria a viagem mais demorada, porém, seu carro
compacto possuía excelente estabilidade, e ela sempre fora cuidadosa à
direção.
Quando finalmente conseguiu sair de Pennington, vibrou de alegria,
achando que seus problemas haviam ficado para trás. No entanto, eles mal
tinham começado...
Devido às longas filas de veículos que tomavam conta das estradas, Maíra
levou mais de uma hora para percorrer os quatro quilômetros que
cortavam os subúrbios de Gloucester, a capital do condado. Por fim, uma
barreira de policiais forçava todos os motoristas a parar, indagando-lhes
o destino.
— Lamento, senhorita - o guarda falou, assim que Maíra lhe disse que
iria seguir para Cheptow. —Alguns pontos dessa estrada foram inundados.
Ou desiste da viagem, ou pega um trem para lá.
Sem hesitar, ela seguiu para a estação ferroviária. Agora que decidira
passar o Natal com a família, nada iria impedi-la de chegar à Fazenda
Longhope.
Deixando o carro em um estacionamento, ligou para Hugh e pediu para que
fosse buscá-la em Cheptow. Então, como ainda faltavam vinte minutos
para a partida do trem, resolveu esperar na lanchonete, pois as
plataformas de embarque estavam praticamente alagadas pela chuva
torrencial que caía.
Nem havia tirado a capa de chuva, quando viu no monitor de avisos que seu
trem iria atrasar mais meia hora. Resignada, olhou ao redor, em busca de
um lugar vago entre as dezenas de passageiros que se acotovelavam,
aguardando o momento de embarcar.
Por um instante, seu coração parou de bater e as pernas tremeram ao
identificar um rosto bastante conhecido...
Nicholas Campion estava sentado bem a sua frente. Contudo, por um
verdadeiro milagre, Nick estava tão absorto na leitura de um jornal que
nem erguia os olhos da mesa.
Aproveitando-se da distração dele, Maíra deu meia-volta, decidida a
esperar na chuva, se preciso fosse, para evitar aquele encontro.
Entretanto, no exato momento em que ia sair da lanchonete, Nick resolveu
virar a página do periódico e viu aquela silhueta inconfundível...
— Hei! Maíra! — gritou, fazendo-a gelar.
Sem outra alternativa, ela se virou, tentando sorrir para o ex-marido, que
já vinha a seu encontro.
— Olá, Nick. Quanto tempo...
— Minha nossa! Parece que faz séculos que não nos vemos. O que a trouxe
a Gloucester em um dia como esse?
— Só estou tentando ir para casa.
— Casa? — repetiu, incrédulo.
— Sim, estou a caminho de Longhope.
— É mesmo? — Ele parecia perplexo com a notícia. — Disseram-me que
você não iria passar o Natal com Hugh esse ano.
— Pois é... Mudei de idéia na última hora.
— Bem, venha sentar-se comigo. Nosso trem irá atrasar.
— Nosso trem?
— Sim, também estou indo para Cheptow.
A perspectiva de ter Nick como companheiro de viagem não era nada
animadora. No entanto, ela aceitou seu convite para dividir a mesa. Após
se acomodarem, pediram dois cafés a uma garçonete.
— Eu estava dirigindo quando fui interceptada por um policial, que me
disso que a estrada havia sido fechada. Então, só me restou vir de trem
— falou, para quebrar o silêncio insuportável que se estabelecera entre
eles.
— Aconteceu o mesmo comigo. — Nick cravou os olhos penetrantes no
rosto de Maira, atento a cada detalhe de sua expressão. — Escolhi um
péssimo dia para ir a Pennington.
— Puxa! O que foi fazer lá? Compras de Natal?
— Não. — Fez uma pausa, antes de acrescentar: — Fui visitá-la, Maíra.
Ela quase se engasgou com o café, porém se esforçou para parecer calma.
Queria perguntar-lhe o porquê daquela visita. Mas, reprimindo a
curiosidade, indagou, ao acaso:
— A que horas foi isso?
— Deviam ser quatro e meia ou quinze para as cinco.
— Nossa! Por pouco não me encontrou. Saí de casa às quatro horas.
Trocaram olhares intensos.
— Por que foi me procurar?
— Para desejar-lhe um feliz Natal! Para o que mais poderia ser? -
questionou, irônico.
Maíra enrubesceu, furiosa por ter cedido à curiosidade. Então, fixou os
olhos no monitor, constatando que ainda faltavam quinze longos e
torturantes minutos para a partida do trem.
— Está mais magra e cortou os cabelos... — Nick falou, melancólico. — Eu
os preferia longos.
Por esse exato motivo, ela decidira cortá-los.
— E os seus estão mais grisalhos...
— Isso parece surpreendê-la.
Novamente ficaram em silêncio, apesar do alvoroço da lanchonete.
— Como vai indo, Maíra? — ele indagou de súbito. Havia sinais de
amargura em sua voz.
Ela contemplou o par de botas de camurça preta que comprara para o
Natal, sem coragem de encará-lo.
— Estou ótima! A empresa está com muitos clientes, e acabei de ser
promovida.
— Parabéns.
— Obrigada. E quanto a você? Continua viajando pelo mundo sem parar?
— Não, estou mais tranquilo agora. Já deve saber que papai irá se
aposentar em breve, não é? Por isso, preciso passar mais tempo aqui na
Inglaterra.
Maíra arqueou as sobrancelhas, zombeteira.
— Você, preso em um escritório? Estou perplexa!
— Bem, se isso lhe serve de consolo, também estou surpreso com minha
atitude. — Sacudiu os ombros, sorvendo um bom gole de café. — Mas, na
verdade, sempre soube que acabaria assim.
— Que pena nunca ter mencionado esse fato para mim.
— Mesmo?
— O quê?
— Acha que as coisas teriam sido diferentes entre nós se eu tivesse
tomado essa decisão antes?
— Provavelmente, não... — respondeu, embora não tivesse tanta certeza
disso. Olhou rapidamente para o monitor, levantando-se em seguida. —
Acho melhor sairmos daqui, o trem já deve estar chegando.
O vento forte fazia a chuva invadir as plataformas de embarque,
castigando os passageiros que ousavam permanecer ali, como se fossem
chibatas. Após alguns minutos naquele inferno de gelo e água, Maíra
estava completamente molhada, morta de frio e, o pior, devia estar com
um aspecto horrível!
Os brilhantes cabelos castanhos, cortados na altura do queixo, como os da
modelo Linda Evangelista, depois de toda essa chuva, estavam reduzidos a
uma massa disforme e encharcada. A maquiagem desaparecera, deixando
seu rosto tão pálido quanto papel. Mas, afinal, por que se importava com a
opinião de Nick sobre sua aparência? Não tinham mais nada em comum.
Assim que o trem chegou, um pequeno tumulto tomou conta da plataforma,
com os passageiros lutando para fugir do frio e da chuva ao mesmo tempo.
Na confusão, Maíra sentiu os braços fortes de Nick envolverem sua
cintura, impedindo-a de ser arrastada por um grupo que tentava forçar a
passagem.
— Não fique tão irritada... Só estou tentando protegê-la — murmurou, ao
notar a expressão de fúria no rosto dela.
Por que havia se metido nessa aventura maluca, afinal de contas? A essa
hora, poderia estar tranquila em seu pequeno apartamento, em
Pennington, assistindo aos programas de televisão de sua cama,
confortável e solitária... Maíra moveu a cabeça de um lado para o outro,
com energia, tentando dissipar aquela cena horripilante.
— Relaxe — Nick aconselhou, impaciente, interpretando de forma errada
a reação dela. — Não precisa ficar tão nervosa só porque a estou
tocando... Não somos meros estranhos.
Ela fingiu ignorar o comentário, mantendo uma postura fria e inatingível.
Entretanto, em seu íntimo, a história era outra... Tinha a sensação de que
havia uma fornalha em seu ventre, irradiando calor a todas as partes de
seu corpo. Pela primeira vez, em meses, sentia-se viva. Contudo, ao mesmo
tempo, era doloroso descobrir que, apesar da separação, Nick ainda
exercia um fascínio muito grande sobre ela...
Em silêncio, ocuparam seus assentos, enquanto o trem afastava-se de
Gloucester, rumo ao interior do condado.
Nenhum dos dois parecia disposto a conversar, imersos em seus próprios
pensamentos e recordações tumultuadas.
Após algum tempo de viagem, a velocidade foi diminuindo até que, para
desgosto dos passageiros, o trem parou por completo. Um burburinho
ensurdecedor tomou conta dos corredores, entre lamentos, protestos e
indagações...
Logo, todas as vozes silenciaram, atentas à explicação do maquinista, pelo
alto-falante.
Aquele trem não poderia mais prosseguir, devido ao desmoronamento de
uma ponte, poucos quilômetros à frente. Alguns ônibus levariam os
passageiros que desejassem continuar a viagem até o trecho onde a
ferrovia não sofrera danos. Os que preferissem poderiam retornar para
Gloucester a bordo desse mesmo trem.
— Depois de tudo isso, ainda teremos de andar sob essa chuva... Quem
sabe, estejamos sujeitos até a nadar pelas redondezas... — Nick disse,
jocoso, enquanto ajudava Maíra a descer do trem.
— Pobre Hugh! — ela exclamou, desolada. — Ele iria me esperar em
Cheptow, mas, agora, irá perder a viagem até a estação...
— Meu telefone celular está na maleta. Pode ligar para a fazenda e avisá-
lo desse contratempo.
Antigamente, Maíra nutria um ódio profundo por aquele aparelho,
companheiro inseparável de Nick, que sempre acabava tocando nos
momentos mais inoportunos. Por uma ironia do destino, no entanto, agora
tinha vontade de beijar o telefone.
Enquanto esperavam o ônibus, ela ligou para a fazenda, colocando Hugh a
par dos imprevistos. Mais do que depressa, o irmão se ofereceu para ir
buscá-los, tentando atravessar os trechos interditados.
Maíra procurava dissuadi-lo daquela loucura, sem muito êxito, até que
Nick resolveu tomar a frente da conversa.
Além de cunhados, por um breve e tumultuado período, os dois foram
grandes amigos na universidade.
— Não saia de casa até que eu lhe diga que pode vir nos buscar, Hugh —
falou, autoritário. — Assim que tivermos uma posição concreta, ligarei,
avisando-o. E não se preocupe com sua irmãzinha, cuidarei bem dela.
Muito tempo se passou até que os ônibus de resgate finalmente chegaram
para apanhar os pobres passageiros, submetidos às torturas do clima
gelado de dezembro.
A essa altura, Maíra estava com tanto frio que perdera todos os
escrúpulos ao se encostar em, Nick. Só queria se aquecer um pouco, antes
que congelasse dentro daquelas roupas encharcadas. Por isso, quando
conseguiram se instalar no ônibus, sentou-se bem próxima dele,
aconchegando-se em seu peito acolhedor. Quem os visse, pensaria que
eram recém-casados.
— Espero que não pegue uma pneumonia — murmurou, contrariado, ao vê-
la bater os dentes. Sem pedir autorização, massageou-lhe os braços para
estimular a circulação.
— Não precisa se preocupar com isso, é raro eu ficar doente.
— Eu sei... Aliás, lembro-me muito bem da única vez em que isso
aconteceu... — Seu tom de voz malicioso fez Maíra enrubescer de
imediato.
Ela também jamais se esquecera daquela ocasião... Devido a uma faringite
aguda, o médico lhe receitara alguns antibióticos. Porém, sua resposta ao
medicamento fora totalmente incomum: seu desejo crescera
assustadoramente. Nick, é claro, tirara vantagem do afrodisíaco,
submetendo-a a uma verdadeira maratona sexual. Embora Maíra estivesse
doente, foram dias maravilhosos... Não apenas por fazerem amor infinitas
vezes, mas, principalmente, por ter o marido a seu lado em tempo integral,
coisa rara durante o breve período em que estiveram casados.
— Gostaria de saber até onde conseguiremos ir... —ela disse, retomando
a conversa. — Do jeito que continua a chover, acho que precisaremos de
uma arca para chegar a Longhope.
Na verdade, o que mais a afligia eram os pensamentos tórridos que
invadiam sua mente, tornando o reencontro com o ex-marido ainda mais
difícil.
— O que me preocupa é pensar em Hugh tentando nos apanhar no meio
desse dilúvio — Nick falou.
— Tem razão... — Maíra suspirou, cheia de remorso. — Quantos problemas
estou causando... Deveria ter seguido meus planos iniciais de passar o
Natal em Pennington.
— Iria encontrar-se com amigos?
Ela se sentiu tentada a mentir, mas, além de não levar o menor jeito para
contar mentiras, Nick sempre conseguia perceber quando não estava
sendo sincera...
— Não. Esse ano, teria um Natal calmo e reservado. — O correto seria
dizer "solitário", todavia seu amor-próprio vetou a palavra. — Margaret e
Hugh tiveram um ataque histérico quando lhes contei que não iria para
casa.
Nick parecia estarrecido com a revelação.
— Por que não queria passar o Natal em Longhope, Maíra? Adorava as
reuniões de família na fazenda...
A resposta era que, no ano anterior, pouco depois de sua separação de
Nick, o Natal em Longhope havia se transformado em uma verdadeira
tragédia grega. Entre os rituais natalinos, houve muitas cobranças por
explicações, milhares de tentativas para dissuadi-la daquela decisão,
choro, agonia... Enfim, fora um tormento.
— Estou muito atarefada no escritório — limitou-se a dizer. — Por isso,
queria aproveitar o feriado para descansar. — Sorriu, meio constrangida
com a desculpa boba. — Sabe como meus sobrinhos são levados, e, agora
que o bebê já está andando, o trabalho fica ainda maior. Só queria um
pouco de paz.
— No fim, não resistiu aos apelos de um Natal em família, não foi?
— E o que parece... Só espero conseguir chegar a Longhope inteira e a
tempo!
— Se depender de mim, chegara à fazenda sã e salva— falou, bem-
humorado, procurando animá-la. — Mesmo que Hugh tenha de vir nos
resgatar em seu trator.
Maíra riu. Ele sempre sabia como lhe provocar as emoções que desejava...
— Onde vai passar o Natal? — ela indagou de repente. Nick hesitou por
um instante.
— Em Friar's Haven...
Maíra surpreendeu-se ao ouvi-lo falar da velha casa de campo dos pais
dele. Um fato interessante e tipicamente inglês é que a maior parte das
casas e propriedades antigas recebiam nomes próprios.
— Mas seus pais estão no Caribe! Eles me contaram sobre a viagem na
última vez que nos encontramos... — Sua voz foi diminuindo até sobrar
apenas um sussurro.
— Não precisa se sentir tão culpada por continuar a vê-los... — disse,
sarcástico.
— Bem, isso não é segredo mesmo — reagiu, partindo para o ataque. —
Lidia sempre insistiu em que nossa separação não deveria afetar meu
relacionamento com eles. Portanto, sempre que posso, vou visitá-los em
Friar's Haven.
— Eles também apreciam muito sua companhia, Maíra. Mamãe faz questão
de repetir isso o tempo todo... — Nick informou, com uma mescla de
desprezo e ironia. — Ambos continuam a agir como se eu fosse o
responsável por nossa separação, quando foi você quem resolveu pôr fim
ao casamento!
Ela mordeu o lábio, tentando reprimir toda a dor e a amargura que esse
assunto lhe causava. Logo começou a relembrar os principais fatos de seu
conturbado relacionamento com Nick Campion...
A primeira vez que o vira fora na Fazenda Longhope, onde Maíra havia
nascido e morava com o irmão e a cunhada. Como sempre, Hugh trouxera
um amigo para jantar, sem ter avisado Margaret, confiante de que a
esposa daria um jeito. Daquela vez, o convidado era um grande amigo de
infância, Nicholas Campion.
Ambos estudaram juntos nas escolas da região, até que Nick fora para a
universidade de Edimburgo, onde se formara em engenharia eletrônica,
enquanto Hugh Long fizera o curso de agronomia na faculdade de
Cirencester. Entretanto, Nick fizera carreira na área de marketing,
passando a maior parte do tempo em viagens pelo mundo para divulgar os
produtos eletrônicos da indústria da família.
O jantar na enorme cozinha da fazenda ficara gravado na memória de
Maíra como o momento em que conhecera o homem mais charmoso,
sedutor e fascinante do mundo!
E claro que tinha uma vaga lembrança de Nick da época em que ela ainda
vivia com os pais, a poucos quilômetros da fazenda. Mas, talvez por ser
dez anos mais jovem do que o irmão, nunca dera muita importância a seu
amigos... Até aquele momento...
Por haver se transformado em uma mulher, seus olhos estavam abertos
para os encantos masculinos. Além disso, acabara de concluir o curso de
administração na faculdade de Gloucester e recebera uma proposta de
trabalho em Pennington, o que acrescentara confiança e vitalidade a sua
figura.
Naquela noite, Maíra tinha plena consciência de que também estava muito
atraente... Seu corpo escultural, realçado por um suéter amarelo e uma
calça justa preta, despertaria o desejo de qualquer homem. Sem falar, em
seus sedosos cabelos castanhos, na época, na altura dos ombros, que
aumentavam consideravelmente seu poder de sedução.
Hugh ficara muito feliz por ver que o amigo e a irmã haviam se entendido
bem, contudo, apenas Margaret percebera a grande atração que os dois
estavam sentindo.
Após aquele encontro, Nick fora visitá-la várias vezes em seu novo lar, em
Pennington. Enviava-lhe flores, caixas de bombom e cartões românticos
quase todos os dias. Iam a teatros, cinemas, restaurantes caros e, nos
finais de semana, voltavam para Cheptow para rever as famílias.
Em pouco tempo, estavam completamente apaixonados um pelo outro. Por
fim, o inevitável aconteceu: Maíra entregou-se a Nick, o primeiro homem
de sua vida. Depois disso, ao contrário do que ocorre com muitos casais,
ficaram ainda mais próximos e apaixonados, transformando as despedidas
em momentos de tristeza. Não conseguiam mais viver longe um do outro...
Em consequência, acabaram se casando, para felicidade geral dos
familiares.
Como Maíra trabalhava em Pennington, o jovem casal fixara residência ali,
numa charmosa casa em estilo vitoriano.
Nos dois primeiros meses, tudo parecera maravilhoso e idílico naquele
casamento! Nick passava o dia todo em Gloucester, onde ficava a sede de
sua empresa, mas, ao final da tarde, estava de volta aos braços de Maíra.
Então, incapaz de manter-se trancado dentro de um escritório, ele
retomara suas viagens ao redor do mundo, passando longas temporadas
ausente e curtos períodos ao lado da esposa, em Pennington.
Por causa de seu emprego, Maíra nunca pudera acompanhá-lo, sendo
obrigada a se contentar com telefonemas, cartões-postais e inúmeros
presentes que Nick lhe trazia sempre que retornava. Aos poucos, foi se
cansando da cama vazia nas longas noites de inverno, de não ter com quem
conversar após um dia de trabalho... Enfim, ficou farta de sentir-se
sozinha, mesmo estando casada com o homem que amava.
Ao retornar de uma viagem ao Japão, um dia após o segundo aniversário
de casamento, ele encontrou a casa vazia. Maíra havia partido, levando
toda sua roupa. Deixara apenas um bilhete sobre o criado-mudo,
explicando sua decisão:

"Nick,
Estou partindo. Não consigo mais suportar essa situação. Minha vida
transformou-se em uma longa e dolorosa espera... Não é isso que eu
desejava do homem que escolhi para ser meu marido e companheiro,
futuro pai de meus filhos. Tente me entender."

Não tivera coragem de assinar o bilhete. Como poderia colocar "com


amor, Maíra" ou algo do gênero? Mais tarde, entretanto, arrependera-se
terrivelmente por isso... Talvez esse pequeno detalhe tivesse feito
diferença, a fim de evitar a separação.
Nunca admitira a ninguém, mas, ao sair de casa daquela maneira, não
planejara separar-se do marido. Aquele gesto, juntamente com o bilhete,
fora fruto do desespero em que estava mergulhada. Queria apenas
chamar a atenção de Nick, obrigá-lo a desistir das viagens constantes.
Contudo, nada saíra como esperava...
Magoado com a fuga da esposa, Nick nunca fora buscá-la de volta, nem
tomara nenhuma providência para reatar o casamento, deixando que ela
tomasse as iniciativas que bem entendesse...
Por orgulho, Maíra também se recusara a voltar atrás, levando adiante a
intenção de pedir o divórcio.
Os parentes ficaram estarrecidos com a separação. Margaret e Hugh não
conseguiam entender por que ela estava agindo daquela maneira, sem
nenhum motivo concreto. O irmão exigira saber se Nick a havia
maltratado, enquanto a cunhada indagara se havia outra mulher envolvida
na separação. Diante das respostas negativas de Maíra, Margaret chegara
ao ponto de lhe perguntar se estava apaixonada por outro homem. Tivera
um ataque de nervos ao ouvir aquilo. Gritara que a culpa era sua, que não
tinha forças para suportar as ausências prolongadas do marido. Por isso,
resolvera pedir o divórcio!
Margaret e Hugh nunca mais tocaram no assunto, respeitando sua decisão.
Todavia, não cortaram relações com Nick, continuando a recebê-lo como
se ainda fossem parentes.
George e Lídia Campion tiveram uma reação bastante parecida. Após o
choque inicial, insistiram em saber o que Nick fizera de tão grave para
magoar a esposa profundamente. Contudo, embora Maíra tentasse
explicar-lhes suas razões, a sogra jamais se convencera de que o filho não
havia sido infiel, passando a culpá-lo pela separação.
Ambos gostavam de Maíra como se ela fosse uma filha, por isso, quando
não conseguiram demovê-la daquela idéia, insistiram em que ela
continuasse a vê-los como se nada tivesse acontecido. Por nutrir um afeto
muito grande pelos sogros, ela aceitara.
Mesmo agora, mais de um ano após a separação, a hipotese de vir a se
apaixonar por outro homem lhe parecia extremamente ridícula! Jamais
poderia trocar Nick por outro homem. Continuava a amá-lo com a mesma
intensidade do dia de seu casamento. Mas isso não alterava os fatos.
Os papéis do divórcio chegaram havia uma semana... Agora, bastava
assiná-los para estar oficialmente separada de Nick.
Até o encontro na estação, nunca mais tinham se encontrado, cada um
seguia sua vida como se o outro não existisse.
Maíra continuava morando em Pennington, porém se mudara para um
minúsculo apartamento, na parte central da cidade, mais de acordo com
sua solidão e seu salário. Pois, embora Nick insistisse em lhe pagar uma
pensão, havia se recusado terminantemente a receber qualquer ajuda
dele.
Quanto a Nick, voltara para Gloucester, isso se se considerar que passava
a maior parte do tempo no exterior do que na Inglaterra.
Lídia fazia questão de manter Maíra a par de todas as viagens do filho. E,
apesar de não demonstrar interesse algum por essas informações, no
íntimo, Maíra adorava saber o que ele estava fazendo.

CAPITULO II

De repente, o ônibus parou, obrigando Maíra a abandonar as


reminiscências do passado para voltar à realidade. Ela e Nick eram os
últimos passageiros do veículo. Todos os outros já haviam descido nas
paradas anteriores.
— Fique calma, Maíra — Nick a confortou, segurando-lhe a mão com
carinho. — Prometo que vou levá-la até Longhope.
— Claro que sim... — respondeu, irônica, puxando a mão. — Afinal, ambos
sabemos nadar, não é?
— Espero que não tenhamos de recorrer a isso... — Levantou-se,
visivelmente chateado com o desprezo dela. — Vou falar com o motorista
para saber o que houve.
Após uma rápida conversa, ele voltou, pegando as duas sacolas do
bagageiro.
— Fim da linha... Daqui para a frente, prosseguiremos por nossa conta,
Maíra.
Ela estremeceu. Aquela volta ao lar estava se transformando em um
episódio digno da série Missão Impossível.
— Talvez possamos alugar um bote... — brincou, enquanto um guarda
rodoviário a ajudava a descer do ônibus.
— Nem pense nisso, senhora! Mesmo que alguém lhe ofereça esse tipo de
ajuda, não aceite — o guarda a repreendeu, com energia. — O rio Sevem,
agitado por natureza, está ainda mais perigoso com essa chuva toda.
Ninguém pode prever o que acontecerá aos pequenos barcos que tentarem
navegar por ele agora.
— Está tudo bem, senhor — Nick interveio, descendo do ônibus, após se
despedir do motorista. — Minha esposa só estava brincando... Ela nasceu
na região e conhece os perigos do rio Sevem.
— É um alívio ouvir isso! — O homem sorriu, relaxando os músculos da
face. — Já estamos muito ocupados resgatando pessoas dos automóveis,
imagine se tivermos de nos preocupar com os barcos! Seria uma loucura!
Nick trocou mais algumas palavras com o guarda, em busca de
informações. Então, colocando sua sacola nas costas, como se fosse uma
mochila, afastou-se da barreira policial, acompanhado por Maíra.
— Aparentemente, podemos caminhar até Bamford, pois apenas alguns
trechos da estrada estão alagados. Não será fácil, mas podemos tentar.
— Parece que é nossa única opção. Voltar para Gloucester agora seria tão
complicado quanto prosseguir.
— Certo. Só que, depois da cidade, o caminho foi dominado pelas águas.
— Oh! Meu Deus! Deveríamos ter ficado no trem... — Pálida, encarou
Nick. — Teria se metido nessa aventura se eu não estivesse tão obstinada
para chegar a Longhope?
— Não — respondeu, sincero. — Retornaria para Gloucester e passaria a
noite em um hotel.
Maíra parou de andar, fitando-o, em estado choque. — Quer dizer que
está enfrentando toda essa chuva, o frio e a fome por minha causa?
— Sim... —Puxou-a pelo braço, para continuar a marcha até Barnford.
Ela o seguiu, como um autômato. Estava atordoada com a revelação. Nick
sempre fizera prevalecer suas vontades, não de forma autoritária, mas
apelando para uma série de argumentos lógicos e sábios. Na arte da
oratória, ele era invencível.
— Estive pensando muito sobre nosso casamento, Maíra... — disse alguns
minutos mais tarde. — No passado, teria insistido em que retornasse
comigo e, sem dúvida, acabaria por convencê-la. Contudo, cheguei à
conclusão de que essa não é a melhor maneira de lidar com você...
Portanto, nessa noite, farei o que quiser.
Ela teve um acesso de riso, interrompendo outra vez a marcha para
Bamford.
— O que eu falei de tão engraçado?
— Nada... — respondeu, tentando conter as gargalhadas. — Só estava
pensando em que gostaria de reencontrá-lo, mas, nem mesmo em meus
sonhos mais exóticos, imaginava um cenário como este!
Ele também começou a rir da ironia da situação.
Por um instante, esqueceram a chuva, a lama, a escuridão e todas as
incertezas que os envolviam. Era como se estivessem em um mundo
especial e mágico, longe de todos aqueles problemas que castigavam seus
corpos.
— Bem, é melhor prosseguirmos ou não chegaremos nem a Bamford esta
noite.
Maíra concordou, e ambos voltaram a caminhar, sentindo-se leves e
motivados, embora a chuva ficasse mais forte a cada minuto.
De súbito, depararam-se com um grande imprevisto... Uma gigantesca
poça interrompia a estrada.
— O que me diz agora, madame? — Nick indagou, brincalhão. — Vamos
continuar ou batemos em retirada?
Ela arregalou os olhos, sem saber o que fazer. Respirando fundo, encheu-
se de coragem.
— Voto por continuarmos. É uma pena que eu esteja usando minha botas
novas...
— Então está decidido — afirmou, bem-humorado. Aproximando-se do
obstáculo, ele percebeu que não se tratava apenas de uma poça, mas sim
de um córrego local, que havia transbordado e invadido a estrada. A
profundidade não parecia ser grande, o problema era a correnteza.
— Segure-se bem firme em minha cintura — Nick ordenou, com
seriedade. — Haja o que houver, procure não se soltar de mim. Entendeu?
Maíra fez um sinal aquiescente, enquanto lutava para não deixar
transparecer seu medo. Já que ele estava enfrentando aquelas
adversidades por sua causa, o mínimo que podia fazer era fingir-se de
corajosa.
Com cuidado, Nick entrou na água escura e gelada, que batia em suas
coxas, sentindo o impacto da correnteza. Levava a sacola de Maíra nos
braços, bem à frente do corpo.
Já estavam na metade do caminho, quando ela perdeu o equilíbrio, quase
sendo arrastada pelas águas. Por sorte, Nick conseguiu levantá-la, mas, na
confusão, soltou a sacola, que ficou presa em alguns entulhos, um pouco à
frente.
— Está tudo bem? — ele indagou.
— Sim... Considerando nossa situação...
— Ótimo! Tente se equilibrar aqui, vou apanhar sua sacola.
— Nem pense nisso! — Maíra gritou, agarrando-se ainda mais a Nick. —
Pelo amor de Deus! Esqueça a sacola, e vamos sair daqui!
Ele pareceu ter gostado da resposta, pois, embora não tenha feito
nenhum comentário, recomeçou a caminhada com o dobro de energia.
Inesperadamente, Nick se virou, pegando Maíra no colo.
— O que está fazendo? — ela protestou, enquanto ele a carregava para
fora da poça. — Posso andar!
— Lamento contrariá-la dessa vez. Mas precisamos sair rápido daqui. O
volume de água está aumentando...
Como sempre, Maíra calou-se diante do argumento ponderado. Sabia que
Nick tinha razão, pois a água já estava chegando na cintura dele.
Mais alguns minutos e conseguiram sair de dentro do córrego.
Exausto, ele se sentou em uma pedra, na beira da estrada, tentando
recuperar o fôlego.
Maíra forçou a vista, procurando avistar as luzes de Bamford.
— Não deve faltar muito —Nick falou, abraçando-a.
— Espero que esteja certo.
— De qualquer forma, acho que o pior já passou. Ela procurou sorrir.
Mais vinte minutos de caminhada, debaixo de chuva constante, e
conseguiram chegar à cidade. As ruas estavam desertas e silenciosas.
Tremendo de frio, Maíra pensava se conseguiria se aquecer novamente ou
mesmo escapar da ameaça de pneumonia, que agora acreditava pairar
sobre ambos.
De repente, ao virarem uma esquina, encontraram um guarda municipal,
que fazia a ronda. Mesmo com uniforme escuro, capa e quepe, aquele
homem parecia um enviado dos céus para socorrê-los.
— Boa noite — o guarda cumprimentou, solícito. Observando o estado
lastimável em que se encontravam, indagou:—Como conseguiram chegar
até aqui, debaixo dessa chuva toda?
— Boa noite, senhor. Viemos pela estrada, atravessando poças e lamaçais
— Nick respondeu.
— Para onde estão indo?
— A moça pretende chegar à Fazenda Longhope, em Little Mynd.
O guarda os fitou com uma expressão preocupada.
— Aquela área está ilhada pelas enchentes.
— Pelo menos preciso ligar para meu irmão, para avisar onde estou —
Maíra interveio, com o corpo entorpecido de tanto frio.
— Lamento, mas, depois de toda essa água, será um milagre se meu
telefone ainda estiver funcionando... — Nick falou, tirando a mochila
encharcada das costas.
— Se quiserem me acompanhar até a delegacia, poderão usar o telefone
— o guarda disse, gentil. — Fica a duas quadras daqui.
— Agradecemos muito — Nick aceitou a oferta de imediato.
Maíra estava tão exausta que nem pensava mais em chegar a Longhope. No
momento, só queria esquentar-se e descansar em algum lugar seco.
— Poderia nos conseguir um táxi? — Nick indagou, assim que chegaram à
delegacia.
— Será difícil! Ernie Miller não iria permitir que nenhum de seus carros
saísse da garagem com todas essas enchentes... — O guarda estava aflito,
à procura de uma solução para os viajantes. — O melhor a fazer é esperar
até amanhã cedo, quando as águas tiverem baixado.
— Não pretendia ir longe, só até Upper Highfield. A estrada pode estar
com bastante lama, mas duvido que as águas tenham chegado àquelas
colinas. — Esperançoso, Nick acrescentou: — Meus pais moram lá.
— Ah, isso torna tudo diferente, senhor! — O guarda abriu um sorriso,
satisfeito por ter como ajudá-los.
Enquanto Nick conversava com os policiais sobre um meio de ir para
Friar's Haven, Maíra tentava se esquentar com uma xícara de chá
fumegante e um cobertor, que lhe emprestaram na delegacia.
Pouco depois, já estavam dentro de um táxi, a caminho da casa dos
Campion. Antes de saírem, no entanto, Nick ligara para Hugh, dizendo-lhe
que não se preocupasse.
— Bem-vinda à Friar's Haven! — Nick exclamou, jocoso, ao abrir a porta
da casa. — Devido às circunstâncias, parece inevitável termos de passar a
noite aqui.
Maíra concordou com um leve gesto de cabeça. Mas, apesar do desânimo,
só de sair daquela chuva, sentia-se no paraíso!
Embora os Campion tivessem viajado, a casa estava toda decorada para o
Natal, incluindo uma enorme e reluzente árvore, perto da lareira.
— Não fique aí parada! — ele ralhou, enquanto acendia o fogo. — Suba e
tome um banho quente. Escolha o que quiser do armário de mamãe e vista.
— Obrigada — agradeceu, com timidez. Era estranho estar ali, sozinha
com Nick, após a separação.
— Precisa de alguma ajuda? — indagou, malicioso, ao vê-la imóvel.
— Não! Conheço muito bem a casa — respondeu, convicta, deixando de
lado as divagações. — Aliás, deve se preocupar mais com você... Está tão
encharcado quanto eu!
Sem esperar por resposta, Maíra deu meia-volta e subiu a escada
correndo. Só depois de estar trancada na suíte da sogra, começou a se
despir.
Lídia era uma mulher muito prática e elegante, que apreciava o conforto
acima de tudo. Portanto, havia uma infinidade de xampus, cremes e
sabonetes em seu banheiro, tudo das melhores marcas.
Tremendo de frio, Maíra entrou na banheira. A água estava quase
fervendo. Passado o choque inicial, devido ao contraste de temperatura,
sentiu uma agradável sensação de bem-estar. Os calafrios foram
diminuindo, e, em pouco tempo, parou de tremer. Então, acrescentou
alguns sais de banho e outros produtos perfumados à água, ligando o
sistema de hidromassagem.
Exausta, fechou os olhos, deixando seu pobre corpo relaxar.
De repente, despertou, sobressaltada, com a voz de Nick.
— Hei! Está tudo bem aí? — ele gritou vários vezes até conseguir uma
resposta.
— Tudo ótimo — disse, rouca. Devia ter cochilado dentro da banheira.
— Nossa! Pensei que tivesse se afogado! Já faz quase uma hora que está
aí!
- Estou terminado de lavar os cabelos — respondeu, pegando um vidro de
xampu.
— Certo, espero por você lá embaixo.
Em poucos minutos, terminou o banho, vestindo o roupão branco de Lídia,
que estava pendurado atrás da porta do banheiro. As duas tinham quase o
mesmo corpo, e, por isso, as roupas da sogra não ficavam muito largas em
Maíra.
— Parece melhor! — Nick exclamou, ao vê-la descer a escada. — Estava
tão pálida, quando chegamos, que tive medo de que fosse desmaiar.
— Eu também — falou, sorrindo. Logo um frisson percorreu-lhe o corpo
inteiro. Mas, dessa vez, não fora causado pelo frio...
Vê-lo com os cabelos molhados e a barba feita, vestindo uma calça jeans
velha e um suéter branco, fez Maíra recordar os deliciosos momentos de
intimidade que viveram juntos. Era uma pena que tudo tivesse acabado!
— Ainda não tive a oportunidade de agradecer-lhe por ter me ajudado a
atravessar o córrego. Sei que não foi nada fácil vencer a correnteza,
carregando-me no colo — disse, sentindo o coração bater mais depressa
por causa da proximidade. Esforçava-se para manter o autocontrole e não
se deixar seduzir pelos encantos do ex-marido.
— Ainda bem que estou em forma — brincou, fazendo poses de
halterofilista.
Os dois riram, em uma deliciosa cumplicidade, como nos velhos tempos. De
repente, seus olhares se encontraram, e, aos poucos, foram ficando sérios
e melancólicos.
— Preparei algo para comermos — Nick informou, tentando dissipar a
tristeza que se colocara entre eles.
— Fantástico! Estou faminta! — exclamou, procurando parecer alegre. —
A única refeição decente que fiz hoje foi o café da manhã.
— Desde quando você toma café da manhã? — Virou-se para fitá-la,
arqueando uma das sobrancelhas. — Você costumava beber apenas um
copo de leite gelado e sem açúcar antes de ir para o trabalho...
— Nossa! Você se lembra desses detalhes? — Maíra ironizou. No
momento, a última coisa que desejava era falar sobre a época em que
foram casados. —Bem, mudei muitas coisas em minha vida desde que nos
separamos.
— Pelo menos uma coisa continua igual... — A tom de voz de Nick era
malicioso e arrogante. — Responde a meus toques com a mesma
intensidade e paixão dos velhos tempos.
— Igual? — repetiu, fingindo-se ofendida. — Lamento contrariá-lo, mas
minhas habilidades nessa área estão muito melhores! Venho me
esforçando bastante para aperfeiçoá-las...
— Bom para você, Maíra. — Uma expressão de desprezo e arrogância
cobriu a face dele. — Agora, tome a sopa, antes que esfrie.
Se ela esperava despertar-lhe ciúme, seus esforços foram inúteis. Tudo o
que conseguira com a provocação infantil fora destruir o clima de amizade
que vinham desfrutando até aquele momento. Além disso, dissera uma
grande mentira!
Desde a separação, nem sequer havia beijado outro homem, quanto mais
feito amor. Embora convites não lhe faltassem, Maíra rejeitava todos,
erguendo uma barreira intransponível ao redor dela. Ainda se sentia
emocionalmente unida a Nick, e talvez esse elo nunca fosse destruído...

CAPITULO III
Um século antes de George Campion comprar Friar's Haven para a esposa,
aquela casa imensa fora um monastério. Atualmente, graças ao empenho e
ao bom gosto de Lidia, cada cômodo fora decorado com requinte e
elegância, sem perder a atmosfera de paz e tradição que os
caracterizavam. A cozinha, por exemplo, era equipada com o que havia de
mais moderno, embora o piso e os azulejos originais tivessem sido
preservados.
Maíra lembrou-se da história da casa, enquanto tomava a sopa. Desde que
provocara Nick, ele não dissera mais nenhuma palavra, agindo como se não
houvesse mais ninguém ali.
— A sopa está ótima — Maíra falou, tentando iniciar um diálogo. Estava se
sentindo miserável pelo modo como ele a estava tratando. Aliás, até
mesmo uma discussão era melhor do que aquele silêncio constrangedor.
Nick agradeceu com um mero gesto de cabeça.
— Quer que eu o ajude em algo? — insistiu, ao vê-lo levantar-se para lavar
a louça.
— Poderia fazer café. Isso se conseguir se entender com a cafeteira
elétrica. Esse eletrodoméstico parece que só atende às ordens de mamãe
— disse, áspero. Contudo, para quem se mantivera calado nos últimos
quinze minutos, aquilo já era um grande avanço.
— Posso fazer café instantâneo — ela falou depois de examinar
rapidamente a cafeteira.
— Não, obrigado. Não arranjo substitutos para as coisas de que gosto.
Maíra empalideceu, sentia-se como se houvesse levado uma bofetada. No
fundo, merecia aquele golpe pela provocação que fizera. Contudo, para
salvar o orgulho, recompôs-se depressa.
— Bem, então, vou fazer chá — comunicou, já levando a chaleira ao fogo
para ferver água.
Ficaram em silêncio por mais algum tempo até que Nick tomou a iniciativa
de quebrá-lo.
— Está com uma aparência bem melhor...
— E incrível o que um prato de comida pode fazer por uma pessoa! — ela
exclamou, em tom jocoso. Com medo de sofrer outro ataque verbal,
preferira atacar. Mas, ao perceber que ele fora sincero, tentou consertar
o mal-entendido: — Na verdade, essa é minha primeira refeição do dia.
— Ora, disse que havia tomado café da manhã! Maíra sacudiu os ombros,
sem jeito.
— Menti... Como sempre, tomei apenas um copo de leite gelado e sem
açúcar!
Nick riu, afastando definitivamente o mau humor.
— Não admira que estivesse à beira de um desmaio! Não comeu mais nada
durante o dia?
— Bem, tomei uma taça de champanhe e comi um ou dois canapés na festa
do escritório.
— Desse jeito, vai desaparecer em pouco tempo! Maíra deu um sorriso
amarelo, voltando a atenção para o chá. Desde que se separara de Nick,
perdera todo o apetite, precisando fazer força para comer algo.
— Como prefere o chá?
— Já esqueceu?
— Duas colheres de açúcar e um pouco de leite, não é?
_ Perfeito. — Ele riu, com satisfação, tornando a sentar-se à mesa.
Ela serviu o chá, acompanhado por alguns biscoitos de nata, que achara em
um pote.
— Por que resolveu ir para a fazenda esta noite, debaixo de toda essa
chuva? — Nick indagou, assim que Maíra também se acomodou à mesa.
— Não imaginava que a situação estivesse tão grave por aqui. Margaret
havia me alertado, mas não dei muita importância...
— Não ouviu a notícia sobre as inundações no rádio do carro?
— Não, o meu está quebrado. Estou justamente à espera das liquidações
após o Natal para comprar um.
— Continua a não usar o dinheiro que eu deposito todos os meses em sua
conta? — ele perguntou, impaciente.
— Sabe muito bem que não toco naquele dinheiro! — explodiu, veemente.
Como não queria dar início a outra discussão, tentou controlar o
nervosismo ao acrescentar:
— Aliás, não estou passando por nenhuma crise financeira, Nick. Não há
nada de mau em fazer um pouco de economia, não é?
— Outras mulheres, em seu lugar, brigariam para obter uma pensão do ex-
marido. Você, ao contrário, parece se ofender com essa idéia. Não consigo
entendê-la...
Orgulho era a resposta. Maíra queria provar a ele que era capaz de
sobreviver sozinha.
Nick a observava em silêncio, enquanto tomava o chá.
— Ainda está com fome? — inquiriu, meio preocupado.
— Um prato de sopa não é suficiente para quem passou o dia inteiro em
jejum. Posso lhe fazer uma omelete...
— Não, obrigada. Já estou satisfeita. — Olhou para ele, intrigada. —Você
não costumava mostrar esses dotes culinários quando éramos casados.
— E a necessidade. Além disso, só tive de descongelar a sopa, e qualquer
um pode fazer uma omelete.
— Parece que Lídia deixou comida para um exército na despensa e no
freezer — ela falou, sorrindo.
— Cuidados de mãe.
Maíra concordou, com um movimento de cabeça. Com a aproximação da
hora de dormir, estava ficando tensa e ansiosa. Em hipótese alguma,
queria dividir a mesma cama com ele. Embora, no íntimo, esse fosse seu
grande desejo.
— Tem notícias de Jon? — ela perguntou de repente, lembrando-se do
cunhado que não via desde seu casamento.
Dez anos mais jovem do que Nick, Jonathan Campion era uma versão mais
irreverente e debochada do irmão. Estudava em Harvard, nos Estados
Unidos, e raramente ia à Inglaterra.
— Jon continua o mesmo... Prometeu encontrar-se com meus pais no
Caribe, para apresentar-lhes sua nova namorada. — Contraiu os músculos
da face, adquirindo um ar severo. — Garanti a eles que ficaria bem.
— O que fez no Natal passado? — Maíra mal acabara de fazer a pergunta
e já estava arrependida.
— Ora... Sei muito bem que minha mãe lhe contou que fui para a
Austrália. Queria manter-me bem longe de qualquer lembrança familiar.
Para isso, nada melhor do que um Natal em pleno verão, não acha?
Ela não respondeu, apenas olhava fixamente para sua xícara de chá.
Nick levantou-se, retornando com uma garrafa de uís-que e dois copos.
— Aceita um drinque? — indagou, servindo-se de uma dose dupla.
Em geral, Maíra nunca tomava uísque. Mas, nessa noite, depois de tudo que
haviam passado, achou a idéia excelente.
— Sim, por favor — respondeu, surpreendendo-o. — Ponha um pouco em
meu chá.
— No chá?
— E por que não?
Ele pensou por alguns instantes, acabando por achar graça naquele pedido
incomum.
— De fato, por que não? Diga quanto quer. Logo ambos relaxaram, sob o
efeito da bebida.
— Teve muitas amantes depois que nos separamos?
— ela perguntou, sem o menor constrangimento.
— Não. Aliás, Maíra, não nos separamos. Você saiu de casa, exigindo o
divórcio.
— Estava cansada de ficar sozinha! Só queria que me desse um pouco mais
de atenção!
— Vai fazer o papel de vítima? — Com um olhar malevolente, ordenou: —
Agora conte-me sobre todos esses homens com quem anda aperfeiçoando
seu desempenho sexual.
— Menti sobre isso também — confessou, sorvendo o resto do chá. —
Você me fez perder a calma.
— É um hábito meu deixá-la irritada... — Após alguns instantes, ao se dar
conta do teor da revelação, indagou:
— Está dizendo que não houve mais ninguém em sua vida?
— E você teve?
Seus olhos se encontraram.
— Tentei... — Nick respondeu, com amargura. — Se deseja a verdade,
posso lhe garantir que me esforcei ao máximo para isso.
— Por quê?
— Queria esquecê-la, Maíra! Gostaria de apagar de minha memória como
éramos felizes juntos! Mas isso foi impossível...
Ela se serviu de mais uma xícara de chá, e em seguida ele acrescentou
outra dose de uísque.
— Está tentando me embebedar? — Maíra questionou, embora não fizesse
o menor esforço para recusar a bebida.
— Não. Depois de enfrentarmos todos aqueles perigos, acho que
merecemos alguns tragos, não acha? Além do mais, algumas gotas de
uísque, misturadas ao chá, não podem fazer mal a ninguém.
Ela balançou os ombros, indiferente, observando-o se servir de uma dose
ainda mais generosa do que a primeira.
— Recebi muitos convites para sair — Maíra disse, com honestidade. —
Mas não aceitei nenhum.
— Por quê?
Ela deu um longo suspiro. Aquele era um assunto delicado que não gostava
nem de pensar, quanto mais discuti-lo com Nick! Entretanto, por causa da
bebida e do choque do reencontro, sentia uma necessidade enorme de
esclarecer tudo.
— Não queria que outro homem ocupasse seu lugar, Nick. Para ser sincera,
senti muita saudade de você.
— Nunca lhe ocorreu contar-me isso?
— De modo algum! — Meneou a cabeça, enfatizando a resposta. — Achava
que jamais iria me querer de volta, depois que parti...
Ele se levantou, tomado por uma cólera incontrolável. Os olhos pareciam
soltar faíscas, e o rosto estava vermelho e tenso.
— Como pode ser tão ingênua? — bradou, exasperado.
— Se me queria de volta, por que não foi me buscar?
— Maíra, foi você quem me deixou. Portanto, a única pessoa que podia
consertar a situação era você mesma!
— Ora, Nick! Você não estava disposto a fazer mudança alguma em nossa
vida — explodiu, deixando vir à tona todas as mágoas que guardava no
coração.
— Preferiu seu trabalho a mim, Maíra!
— Não é verdade! Eu estava disposta a abandonar tudo para ter uma
família. Só não aceitava ser um mero complemento seu. Não queria passar
meses viajando, tendo como casa vários hotéis diferentes.
— Que mal havia nisso? Somos jovens, poderíamos deixar a vida
sedentária e tranquila para mais tarde.
— Não vejo as coisas desse modo. Além disso, o que eu faria nos hotéis,
enquanto você estivesse tratando dos negócios? Iria passar a vida
esperando? — Fez uma pausa, antes de tocar em um ponto bastante
polêmico: — Se ao menos tivéssemos um filho...
— Crianças não estavam em meus planos, no momento.
— Ora, você decidiu isso sem me consultar! Para mim, um filho seria a
maior prova de amor que poderíamos dar um ao outro.
— Confesse, Maíra... — começou a dizer, cínico. — Ao partir, esperava que
eu me arrastasse a seus pés, implorando-lhe que voltasse, não é? Queria
apenas me pressionar para que eu fizesse todas as suas vontades.
Sentindo o sangue ferver nas veias, ela deu uma risada nervosa.
— Claro que sim! Era exatamente isso que eu queria. E patético, infantil...
Mas o que mais podia fazer? Estava desesperada!
Nick ficou um bom tempo a contemplá-la, com uma expressão enigmática
no rosto.
— Pensei que Hugh a faria ouvir a voz da razão... Porém, ele se recusou a
me ajudar, preferindo o papel de irmão ao de melhor amigo. Quanto a
Margaret, a simples tentativa para conquistar seu apoio bastou para
deixá-la ofendida!
— Só posso agradecer a Deus por minha família — Maíra afirmou, ríspida.
— Eles jamais aprovaram ou entenderam minha decisão, Nick. Contudo,
souberam respeitar meu direito de escolher meus próprios caminhos.
A tensão estava ultrapassando os limites do suportável. Ambos estavam
exaustos, com o orgulho ferido e bastante alterados pela bebida.
Após uma breve pausa, ela disse:
— Recebi os papéis do divórcio, Nick. Basta assiná-los para que o juiz
oficialize nossa separação.
— Entendo... Apesar de todo esse discurso sobre saudade, não vê a hora
de se livrar de mim, não é, Maíra?
Ela não respondeu. Na verdade, nunca conseguira compreender
exatamente por que seu casamento havia desmoronado daquele jeito. Os
dois se amavam tanto...
— Quem é ele? — A voz de Nick era cortante. — Diga, de uma vez por
todas, quem é seu amante, Maíra!
Aquela pergunta a fez estremecer.
— Não tenho amante algum!
— E espera que eu acredite nessa farsa?
— Claro, pois é a verdade! — Estava desfigurada pelo ódio. — Mas se não
consegue acreditar em mim, isso prova que não há nenhuma chance de
salvarmos nosso casamento, Nicholas Campion. É o fim!
— Um brinde ao fim, Maíra! — bradou, irônico e cruel. Ela tremia tanto
que mal conseguia ficar em pé.
— Depois de tudo isso, só espero conseguir chegar a Longhope amanhã —
murmurou, esvaziando a xícara pela segunda vez.
— Não se preocupe — Nick disse, entre os dentes. — Eu a levarei até lá,
mesmo que morra no caminho!
Maíra nada comentou, mergulhando em seus próprios pensamentos. No dia
seguinte, com ou sem a ajuda de Nick, estava decidida a ir para casa,
mesmo que fosse preciso nadar.
CAPITULO IV

Embora estivessem furiosos, Nick e Maíra limparam toda a cozinha


juntos, deixando o ambiente imaculado, bem ao gosto de Lídia Campion.
— Precisa de algo? — ele indagou, áspero, enquanto subiam a escada para
os quartos.
— Preciso apenas de uma longa noite de sono.
— Otimo! Fique na suíte de meus pais. — Olhou-a de alto a baixo, com
indisfarçável desejo, acrescentando: — Se precisar de alguma coisa,
estarei em meu antigo quarto...
Por um momento, teve vontade de jogar-se nos braços dele, entregando-
se às delícias de uma noite de prazer. Mas, resistindo heroicamente à
tentação, parou diante do quarto da sogra e se despediu:
— Boa noite, Nick.
— Boa noite, Maíra. — Voltou a exibir a expressão de desprezo, que
beirava a crueldade.
Com grande sacrifício, ela entrou na suíte do casal Campion, quando sua
vontade era estar com Nick no último quarto do corredor, onde já haviam
vivido muitos momentos de paixão.
Com o corpo dominado pelo desejo, ela tentou relaxar tomando um banho
rápido. Porém, os efeitos apaziguadores da água morna duraram pouco.
Logo rolava na enorme cama de casal, inquieta, com a sensação de que
havia brasas em seu ventre. Só conseguia se lembrar das carícias
deliciosas de Nick, de seus beijos sedutores, do perfume inebriante de
sua pele... Sem dúvida, seria uma longa e turbulenta noite!
Momentos mais tarde, sem que conseguisse adormecer, Maíra acendeu o
abajur, selecionando um dos livros que Lídia deixava no criado-mudo.
Talvez, lendo um pouco, fosse possível esquecer que Nick estava sob o
mesmo teto que ela, esperando apenas um chamado seu para ir fazer-lhe
companhia...
De repente, uma batida na porta a deixou sobressaltada.
— Pode entrar — disse, em um tom irreconhecível. Sua voz estava rouca
e sensual.
Não precisou de mais nada para que Nick invadisse o quarto, com sua
masculinidade provocante.
— Está tudo bem? Vi a luz acesa e fiquei preocupado. Achei que pudesse
estar doente.
"Só se for de paixão!", pensou, corando de imediato. Ainda bem que a
penumbra do quarto ocultava seu rubor.
— Não consigo dormir — explicou, puxando as cobertas até o queixo para
tentar se proteger dos olhares lascivos de Nick. — Estou tão exausta que
perdi o sono.
—Quer um copo de leite morno? Dizem que é infalível para insônia.
Ele estava terrivelmente sedutor, usando um pijama azul-marinho da
época que ainda eram casados.
— Não, obrigada — respondeu, voltando a si. Por um instante, deixara-se
envolver por seus sonhos de amor, esquecendo-se da realidade. — Vou
continuar com minha leitura. Desculpe-me se o incomodei.
— Acha realmente que eu conseguirei dormir esta noite? — retorquiu, em
tom acusador.
Maíra estava ofegante, sentindo a pulsação se acelerar
incontrolavelmente.
— Pensei que também estivesse exausto. Afinal, tivemos um dia muito
difícil.
— Em mais de um sentido...
Nick estreitou os olhos azuis, que pareciam lançar faíscas de paixão.
— Talvez, se conversarmos um pouco, acabemos com essa tensão. O que
acha?
Maíra engoliu em seco diante da proposta bastante perigosa.
— Está bem — disse por fim.
— Na verdade, não quero conversar, mas sim beijá-la e fazer amor com
você, Maíra.
Ela o fitou, alarmada.
— Sinto muito, Nick. Acho que não estou pronta para esse tipo de
contato.
— Isso é bobagem. Sempre nos entendemos muito bem entre quatro
paredes... Não tem com que se preocupar, Maíra.
Ele não deu um passo sequer em sua direção, permanecendo perto da
porta. Contudo, mesmo a distância, causava sensações enlouquecedoras no
corpo dela.
Deitar-se com Nick era tudo o que mais desejava nesse momento! Não lhe
importava mais as divergências que os separavam nem o passado ou o
futuro... Queria apenas sentir o calor daquela pele junto à sua, apagando o
fogo que incendiava sua alma.
— Não posso, Nick — sussurrou, para desespero de seu próprio corpo que
latejava de desejo.
"Preciso ser forte... Preciso ser forte...", repetia incansavelmente, lutando
para repelir o torpor que ameaçava dominar-lhe os sentidos. De nada teria
adiantado a separação se caísse nos braços dele logo na primeira vez que
se encontravam.
— Você mudou, Maíra — Nick falou, sem ocultar a frustração.
— Estou mais madura.
— Quer dizer que não sente mais atração por mim?
— Claro que sinto — respondeu, sem forças para mentir.
Estimulado pela confissão, quase um convite, ele atravessou o quarto e
sentou-se na cama, bem próximo de Maíra.
— Ah, minha querida! Não percebe que essas inundações fizeram o
milagre de nos unir novamente? — Qualquer traço de ódio, indiferença ou
revolta havia desaparecido por completo de seu rosto. Agora só havia
espaço para amor e ternura. — Fomos feitos um para o outro, Maíra. E
você sabe disso.
— Por favor, Nick... Deixe-me sozinha! — bradou, com tanta energia que
ela mesma se surpreendeu.
— Mas acabou de revelar que ainda me deseja... Não estou entendendo...
— Paixão não é o mesmo que amor! Passar uma noite com você não
resolveria nossos problemas. Eles continuariam a existir!
— Não quero passar "uma" noite com você! — exclamou, cínico. — Pelo
amor de Deus, Maíra! Somos casados, temos uma vida inteira pela frente,
por que insiste nesses detalhes?
— Detalhes? Amá-lo não significa que eu deva abrir mão de minha
personalidade! — Conforme a raiva ia crescendo, ficava mais valente e
obstinada na defesa de sua posição. — Pelo jeito, aquela história de
reavaliar suas atitudes não passava de retórica. Continua o mesmo egoísta
de sempre, Nicholas Campion.
Mortalmente pálido, ele se levantou, olhando-a com desdém.
— Boa noite, Maíra. De fato, não temos mais nada para conversar. —
Antes de sair do quarto, virou-se e concluiu, num misto de fúria e
sarcasmo: — Não se preocupe, não tornarei a importuná-la.
Ela apagou a luz e cobriu a cabeça com o cobertor. Queria esquecer
aquela discussão, apagar de sua mente as emoções fortes e contraditórias
que a estavam levando à loucura! No momento, a melhor maneira de fazer
isso seria dormir, mas, revoltado por não ter seus desejos atendidos, seu
corpo parecia ter ganhado vontade própria, recusando-se a obedecer-
lhe...
Em consequência disso, Maíra continuou rolando na cama por bastante
tempo, até que, finalmente, conseguiu adormecer. Entretanto, essa
felicidade durou pouco...
Toda encolhida e tremendo, ela logo despertou, sentindo-se como se
estivesse dentro de um congelador. As costas doíam, e, de vez em quando,
era sacudida por acessos de tosse.
Precisava tomar um pouco d'água, porém não tinha coragem de sair da
cama. Todavia, quando a garganta começou a queimar, levantou-se, a muito
custo, e deixou o quarto, enrolada no cobertor.
De súbito, tudo começou a girar, e as pernas ficaram bambas, até que veio
a escuridão absoluta.
— Maíra! Maíra! — uma voz longínqua a chamava, enquanto sentia leves
tapas no rosto.
Ela piscou os olhos algumas vezes, sem entender o que estava
acontecendo. Por um instante, não sabia onde estava ou quem era. Mas, à
medida que a visão ia ficando mais clara, a memória também foi
retornando.
—Nick... — murmurou, sem forças para dizer mais nada.
Ele a pegou no colo e a levou de volta para a cama. Então, cobrindo-a com
mais dois acolchoados, deitou-se a seu lado, massageando-lhe o corpo para
tentar aquecê-la.
— Água... — pediu, sentindo aquela sede insuportável. Em pouco tempo, ele
lhe trouxe um copo d'água, aproveitando para medir sua temperatura com
um termômetro.
Ela sorveu todo o conteúdo do copo de uma vez, voltando a se cobrir.
— Está com trinta e oito graus — informou, correndo para pegar um
antitérmico.
Sem protestar, Maíra tomou o medicamento, deixando que Nick lhe
aplicasse algumas compressas frias na testa.
Quinze minutos depois, a febre começou a baixar, e o frio intenso
desapareceu. Mas a tosse prosseguia... . Bastante preocupado, Nick falou:
— Vou chamar um médico.
— Não, por favor. Já estou melhor. É apenas uma gripe, mais nada.
— Gripe?! Parece até uma pneumonia!
—Aí vem você de novo insistindo nessa história! — protestou. — Até
parece querer que eu fique doente!
Nick riu, meneando a cabeça em negativa, cheio de charme.
— Se já está perdendo as estribeiras, é sinal de que não é nada grave. —
Mediu-lhe a temperatura outra vez, notando que já havia baixado mais um
pouco. — Parabéns! De fato, tem uma saúde de ferro!
Ela tentou sorrir, mais foi impedida por um novo acesso de tosse.
— Já que insiste em não querer um médico, ao menos, vou lhe preparar um
leite com açúcar queimado! Minha mãe sempre me dava isso quando eu
tinha tosse ou dor de garganta.
— Nicholas Campion! — ralhou, bem-humorada. — Não sabia que era tão
prendado!
— Há muitas coisas que desconhece sobre mim, Maíra.
"Sim. Suas viagens constantes não permitiam que convivêssemos muito",
acrescentou em pensamento. Porém, guardou a mágoa para si. Aquele não
era o momento para recomeçar a discussão de sempre. Além disso, ele
estava se mostrando tão dedicado e prestativo que não seria justo
criticá-lo.
De fato, após tomar o leite, Maíra sentiu-se melhor, a garganta não
estava mais queimando e a tosse diminuiu consideravelmente.
— Obrigada, Nick. Já estou melhor. — Esboçou um sorriso. — Pode voltar
para a cama.
Pegando-a de surpresa, ele entrou debaixo das cobertas.
— O que pensa que está fazendo?
— Seguindo suas ordens...
— Engraçadinho! — Estava furiosa. Será que ele nunca desistia? — Disse
para voltar para "sua" cama!
— Ah, bom! — exclamou, cínico. — Tivemos um pequeno problema de
comunicação. Mas, já que estou aqui, acho que não faria mal algum se eu
ficasse, não acha?
— Vá para seu quarto, Nick!
Deixando a ironia de lado, argumentou, sério:
— Acha que conseguirei dormir, imaginando se você está bem?
Maíra nada falou, começando a sentir os benefícios daquela proximidade.
Não podia negar que era reconfortante tê-lo a seu lado.
— Boa noite, Nick — sussurrou, pela segunda vez naquela noite.
Durante quase vinte minutos, ficaram calados e imóveis, realmente
empenhados em tentar dormir. Contudo, a cada segundo, tornava-se mais
difícil para ambos manter aquela indiferença.
Aos poucos, Maíra foi se aproximando de Nick, até roçar seu corpo no
dele. O mal-estar fora substituído por uma grande inquietação. Sabia que
estava mexendo com fogo, ao provocá-lo dessa maneira, entretanto, não
se importava mais com as consequências. Os longos e solitários meses de
separação estavam derrotando todas as suas barreiras.
— Maíra... Maíra... — Nick murmurou, enlaçando-a pela cintura. — Eu a
desejo tanto!
Em vez de lutar, ela buscou seus lábios, beijando-o com sofreguidão.
Estava farta de reprimir seus sentimentos e desejos, fingindo que aquela
parte de sua vida não lhe importava mais. Era uma mulher de carne e osso,
perdidamente apaixonada pelo marido!
Nick correspondeu ao beijo com voracidade, enquanto suas mãos
buscavam acariciar-lhe os seios. Maíra gemeu de prazer, ao sentir os
toques hábeis e experientes em seu corpo. Como sentira falta dele!
Excitados, em pouco tempo conseguiram se livrar das roupas incômodas,
que os impediam de tocar-se plenamente. Por fim, entre gemidos e
sussurros, amaram-se sem nenhum pudor, entregando-se de corpo e alma
aos rituais da paixão.
Finalmente, adormeceram, abraçados, temendo que seus sonhos de amor
se acabassem com o nascer de um novo dia.

CAPITULO V

Na manhã seguinte, quando despertou, Maíra sentiu-se leve e feliz, como


não ficava havia muito tempo. Em um segundo, porém, as lembranças de
tudo o que acontecera na noite anterior invadiram-lhe a mente, turvando a
doce felicidade com sombras de medo e culpa.
Pelo menos, Nick já se levantara, poupando-a do vexame de encará-lo nua.
Arrastando-se para fora da cama, tomou um banho demorado, na
esperança de que a água levasse embora todos os seus tormentos e
dúvidas. Contudo, ao sair do banheiro, ainda enfrentava sérios conflitos
interiores.
Mais do que nunca tinha certeza de seu amor e de sua paixão por Nick.
Dificilmente, conseguiria se apaixonar por outro homem, mesmo que
vivesse mais cinquenta anos longe dele! Entretanto, suas diferenças
pareciam irreconciliáveis. Será que estava sendo muito orgulhosa, a ponto
de arriscar perder a única chance de ser feliz?
Era possível... Contudo, ao recordar os longos períodos de espera em que
sua vida havia se transformado antes da separação, concluiu que também
não estava feliz daquele modo...
Se quisessem prosseguir com o casamento, ambos teriam de ceder um
pouco. Caso contrário, por mais que se amassem, não conseguiriam ser
felizes juntos.
Abrindo o armário de Lídia, tentou escolher algo que não desse a nítida
impressão de roupa emprestada. Acabou selecionando uma saia reta, em
xadrez branco e preto, e uma malha de lã vermelha. Vestiu meias pretas,
na esperança de poder calçar sua botas novas. A essa altura, já deveriam
estar secas, embora a aparência estivesse comprometida para sempre.
Antes de deixar o quarto, borrifou um pouco de Uair du Temps atrás das
orelhas e nos pulsos, passando um pouco de blush e batom vermelho.
Então, enchendo-se de coragem, foi ao encontro de Nick, no andar
inferior.
Devido à cantoria e ao aroma delicioso de café, logo percebeu que ele
estava na cozinha.
— Bom dia, querida! Está melhor hoje? — Nick cumprimentou, exultante,
ao vê-la parada na soleira da porta.
— Bom dia. Estou bem hoje... — respondeu, procurando ocultar a emoção
que estava sentindo. Queria parecer indiferente, embora fosse quase
impossível, devido aos calores que a dominavam só de fitá-lo. — Vejo que
conseguiu se entender com a cafeteira de Lídia.
— Nada como uma bela noite de amor para dar um novo colorido à vida!
Ela deu uma risada sarcástica.
— Você não mudou nem um pouco, Nick. Sempre que tínhamos algum
problema, achava que poderíamos resolver nossas diferenças na cama.
Pois, dessa vez, não vai funcionar.
Ele a encarou, perplexo.
— Tem a ousadia de insinuar que fizemos apenas sexo a noite passada? —
A ternura e a gentileza dera lugar à revolta. — Fizemos amor, Maíra!
Amor! E não se pode desprezar esse sentimento como você está fazendo.
— Não estou desprezando nada, Nick! Só me recuso a gravitar em torno
de você, como a Lua ao redor da Terra — explicou, eloquente. — Quero um
companheiro com quem possa dividir todas as minhas angústias, alegrias e
esperanças... E isso nunca aconteceu enquanto estivemos juntos!
— Não quer comer alguma coisa? — indagou mudando de assunto.
Ela se sentou à mesa, obrigando-se a comer uma torrada com mel e tomar
um copo de leite. Não sentia a mínima fome.
— Descobriu alguma maneira de chegarmos a Longhope? — Maíra quis
saber após uma longa pausa.
— As estradas ainda estão inundadas, mas liguei para um amigo, de
Pennington, e ele está vindo para cá de helicóptero. Daqui a pouco, poderá
estar com Margaret e Hugh.
— Fala sério? — Arqueou as sobrancelhas, incrédula. — Meu Deus! Isso vai
lhe custar uma fortuna!
— Não se preocupe, Maíra. Será meu presente de Natal.
— A que horas o helicóptero vai chegar?
Ela engoliu em seco, tomada por remorsos. Por que o estava tratando com
tanta indiferença, quando queria apenas dizer que o amava?
— Daqui a meia hora. Aliás, já liguei para Margaret, avisando que você
estaria lá para o almoço.
— Nesse caso, preciso empacotar minhas roupas e ver se as botas estão
secas. — Levantou-se, disposta a fazer qualquer coisa, exceto continuar a
fitá-lo.
— Não vai comer mais nada? — perguntou, espantado.
— Geralmente, não tomo café da manhã, lembra-se?
— Não admira que tenha tido aquele mal-estar ontem à noite. Pensei que
fosse precisar levá-la às pressas a um hospital. — Nick deu um sorriso
matreiro. — Acaso está treinando para se tornar faquir?
— Nossa! Que horror! — exclamou, caindo na risada, ao se imaginar como
um daqueles indianos, que ficam em jejum por semanas a fio, às vezes,
cercados por cobras ou outros animais peçonhentos.
De repente, ficou séria, virando-se para esconder as lágrimas que
brotavam de seus olhos. Estava com as emoções à flor da pele nesses
últimos dias, ia do riso ao choro com uma facilidade impressionante.
— Bem, deixe-me ver as botas. Terei de calçá-las de qualquer modo, pois
Lídia usa um número maior que o meu — disse da área de serviço,
arranjando uma desculpa para sua retirada estratégica.
Logo retornou, já calçada e com as roupas sujas em uma sacola de
plástico. Antes, porém, tomara a precaução de lavar o rosto para apagar
os vestígios do choro.
— Secaram?
— Sim. Pena que estejam meio deformadas...
— Deveria ter trazido galochas.
Maíra riu de novo, rendendo-se ao bom humor de Nick.
— As roupas também secaram, mas, como estão sujas de lama... — Calou-
se, reticente, alisando o traje que vestia. — Tem certeza de que Lídia não
ficará zangada por eu ter tomado emprestado as coisas dela?
— Ora, Maíra, conhece muito bem mamãe! Ela ficaria furiosa se você
saísse daqui usando roupas sujas, isso sim!
— Devolverei tudo assim que eles retornarem.
Um ruído ensurdecedor interrompeu a conversa por um momento.
— Acho que sua carona acaba de chegar — ele disse, sem esconder a
tristeza que sentia.
Maíra sentou-se, agarrando-se à sacola como se estivesse à beira de um
abismo. Em um minuto, ficou extremamente pálida.
— O que foi? Não está se sentindo bem? Ela o encarou, com os olhos
saltados.
— Não... se... lembra? — gaguejou, trêmula. —Morro de medo de... voar...
Nick aproximou-se, meneando a cabeça, irônico.
— Como eu poderia esquecer esse detalhe? Tive de dopá-la com um
calmante pura irmos à França, em nossa lua-de-mel. Mas pensei que
estivesse tão ansiosa para sair daqui que aceitaria qualquer coisa.
A frase teve o efeito de uma lança cravada em seu coração. Mas Maíra
merecia o castigo pelo modo frio como o tratara.
— Se tenho medo de voar em um avião, imagine em um helicóptero... —
Tomou um pouco d'água, tentando se acalmar.
— Sinto muito, mas agora é tarde para desistir. Não posso fazer Dan
Abbott perder a viagem até aqui. Além disso, é a única maneira de chegar
em Longhope para o Natal.
Com os olhos arregalados, Maíra o fitou.
— Será que poderia ir comigo?
—E minha companhia faria alguma diferença?
— Claro que sim! — Meneou a cabeça afirmativamente, enfatizando a
resposta. Seria capaz de implorar, se fosse preciso, para tê-lo a seu lado.
Nick respirou fundo, resignado.
— Está bem, irei com você. Afinal, não vou deixar o pobre Dan em apuros,
voando com uma pessoa apavorada!
Maíra não cabia em si de felicidade com a decisão de Nick.
— Pode ir lá para fora. Vou apenas vestir uma jaqueta e trancar a casa —
ele comunicou, correndo para cumprir essas tarefas.
Com um nó na garganta, ela se sentou a bordo do engenho, limitando-se a
sorrir para Dan Abbott. Estava tão nervosa que perdera a voz.
Nick desculpou-se pelo comportamento estranho da esposa, explicando ao
amigo que Maíra tinha pavor de voar. Os dois homens riram, e o
helicóptero levantou vôo.
Em menos de dez minutos, estavam pousando diante da casa da fazenda,
para o delírio de Jack e Charlie, os filhos de Hugh.
Todos foram recebidos como heróis pelos meninos, gêmeos de oito anos,
especialmente o piloto.
Hugh e Margaret abraçaram o casal, fazendo questão que Dan entrasse
para um café. No entanto, levou quase uns cinco minutos para que Maíra
voltasse a agir com naturalidade, consciente de que já estava em terra
firme.
— Almoça conosco, sr. Abbott? — Margaret o convidou, gentil. Adorava
receber pessoas em casa.
Para a decepção de Charlie e Jack, Dan recusou o convite:
— Infelizmente, não posso. Preciso buscar alguns passageiros mais ao sul
do rio Sevem. As inundações pegaram muita gente desprevenida.
— Então, não vai poder me deixar em casa? — Nick indagou, preocupado.
— Agora será difícil, amigo. Mas, antes de retornar a Pennington, posso
passar por aqui para apanhá-lo.
— Não poderia fazer uma pequena volta? — insistiu.
— Ora, Nick, fique para o almoço! — Hugh o convidou, lançando um olhar
de reprovação para o silêncio da irmã.
— Mas é claro que ele vai ficar! — Margaret encerrou o assunto. —Nem
pense em dizer não, Nicholas Campion!
Depois dessa exigência da cunhada, Nick combinou com Dan que partiria
ao final da tarde.
Os garotos e os homens assistiam à partida do helicóptero, enquanto
Maíra foi para a cozinha com Margaret e a pequena Tabitha, de dois anos.
Nancy Willians, uma jovem simpática que trabalhava para Margaret,
cumprimentou Maíra com afeto, terminando de enfeitar uma torta de
cerejas.
Incumbindo a cunhada de alimentar Tabitha e pedindo a Nancy que
arrumasse a mesa, Margaret voltou toda sua atenção para o almoço.
— Pode falar... — Maíra incentivou a cunhada, temerosa. Sabia que sempre
que Margaret ficava daquele jeito era sinal de zanga.
— O que houve com você, afinal? Está pálida como um cadáver — disse
por fim. — Além disso, por que tratou Nick daquela maneira?
— De que maneira?
— Sabe muito bem do que estou falando! Parecia que estava diante de um
estranho! Pior, você o tratou como se ele fosse um inimigo!
Maíra ficou em silêncio, brincando com a pequena Tab. —Você nunca
aprovou minha separação, não é, Margaret?
— Talvez porque eu continue achando que está fazendo uma grande
besteira. Você e Nick foram feitos um para o outro. Por acaso, está mais
feliz agora do que quando eram casados?
Novamente, Maíra sentiu as lágrimas escorrerem pela face, obrigando-a a
enxugá-las com rapidez para não assustar a sobrinha.
— Mas o que é isso, meu bem? — Margaret aproximou-se, tentando
confortá-la.
Nesse momento, Nancy retornou com os meninos, e a conversa foi
interrompida. Porém, mais cedo ou mais tarde, Maíra sabia que teria de
concluir aquele assunto com. a cunhada.
— Está delicioso, Margaret! — Nick exclamou, ao repetir o prato. — Já
havia esquecido como você cozinha bem!
— Certamente, esse nunca foi o ponto forte de Maíra — Hugh falou,
provocador.
— E verdade. Porém, ela possuía muitas outras qualidades para compensar
isso — Nick acrescentou, malicioso.
Maíra sentiu o rosto ficar vermelho de raiva e constrangimento. Tinha
vontade de esganar o irmão por ter feito aquilo! Mas o pior ainda estava
por vir...
— Onde pretende passar o Natal, Nick? — Margaret quis saber.
— Em Friar's Haven.
— Maíra nos disse que seus pais estão viajando... — Hugh argumentou,
confuso.
— De fato.
— Está planejando passar o Natal sozinho? Não se atreva a fazer isso
conosco, Nick! Ficaremos eternamente ofendidos!
— Ora, Margaret, não seja tão dramática! — tentou se defender. — Não
há mal algum em ficar isolado por alguns dias.
— Isso é horrível, tio Nick! — Jack exclamou, tomado por pânico.
— Viu! Até uma criança consegue perceber que é um absurdo — Hugh
tornou a falar. — Fique conosco. Será um grande prazer!
Maíra continuava calada, torcendo para que um buraco se abrisse sob seus
pés, antes que todos voltassem suas atenções para ela.
— Já combinei com Dan...
— Não há jeito de se comunicar com ele, pedindo-lhe que não venha? —
Margaret interveio.
— Sim, posso ligar para seu telefone celular.
— Ótimo! Um problema a menos — Margaret voltou a dizer.
— Aceite nosso convite, Nick — Hugh pediu, lançando um olhar de
reprovação para a irmã. — Após o Natal, as inundações já deverão ter
acabado, e eu mesmo irei levá-lo para Friar's Haven.
— O que acha, Maíra? — Margaret provocou a cunhada. Como se
despertasse de um longo sonho, Maíra exclamou:
— Oh! Sim! Fique conosco, Nick.
Ele examinou o rosto da esposa, procurando descobrir se ela estava sendo
sincera.
— É um contra-senso partir na véspera de Natal — Maíra acrescentou,
sem jeito, ao ver que até os sobrinhos a fitavam com ansiedade.
— Não vou incomodá-los?
— Não torne a repetir isso, Nick! — Margaret exclamou, convicta,
buscando o apoio da cunhada. — Não é mesmo, Maíra?
— Sim, claro.
— Nesse caso, ficarei.
Os meninos deram pulos de alegria, enquanto Margaret e Hugh sorriam,
satisfeitos. Apenas Maíra não parecia muito contente com a decisão.
— Estragamos seu Natal? — Margaret perguntou a Maíra, assim que
ficaram sozinhas.
Os homens haviam levado os meninos e Nancy para fazer compras de
última hora em Cheptow. As duas haviam ficado com o bebê e a
incumbência de terminar a decoração da sala para a festa.
— Não... — respondeu, sem saber o que realmente sentia a esse respeito.
— Você realmente queria que Nick ficasse aqui?
— Sinceramente, não sei. Estou tão confusa! — As lágrimas surgiram em
profusão. — Não sei mais o que faço de minha vida!
Abraçando-a, Margaret tentou consolá-la:
— Acalme-se, querida. Tudo vai dar certo, você vai ver. Logo, logo, vamos
rir bastante dessas pequenas confusões.
— Não tenho tanta certeza assim... — falou, fungando.
— Pois eu tenho. Acha que Hugh e eu não passamos por momentos
difíceis?
— Ora, vocês formam o casal mais feliz que eu conheço!
— Sim, somos muito felizes — concordou, com alegria. — Mas já
enfrentamos momentos muito delicados em nossa vida e, algumas vezes,
ainda nos deparamos com alguns obstáculos.
Diante do olhar atônito de Maíra, prosseguiu:
— Só que a vida é isso, meu bem. Momentos bons intercalados com outros
nem tanto.
— Bastante pessimista essa sua teoria...
— Pelo contrário, sou muito otimista! — Sorriu para a filha Tabitha, que
dormia no carrinho. — Só conquistamos a felicidade verdadeira, Maíra,
quando os momentos bons começam a ter mais importância do que os
ruins. Além disso, passa a enfrentar as dificuldades sem desespero ou
angústia, apenas com a fé de que tudo irá passar.
— Quando vou acordar desse pesadelo, Margaret? — indagou,
entregando-se a um choro convulso.
— Logo, querida. Só precisa ter confiança. — Afagou os cabelos curtos de
Maíra com ternura. Então, apelando para sua costumeira vivacidade, disse:
— Agora, trate de secar essas lágrimas e reaja! Há muito trabalho a
nossa espera!
— Desculpe-me se estou estragando seu Natal...
— De onde tirou essa idéia maluca? "Estragaria" nossa felicidade se
tivesse ficado em Pennington sozinha. No entanto, está aqui conosco!
— E com Nick...
— Sim. Talvez essa seja a melhor oportunidade para vocês resolverem
essa questão de uma vez por todas! Não adianta ficar separada e
chorando pelos cantos como
você está, Maíra.
— Ele quer a reconciliação — falou, com voz pausada.
— Mas os papéis do divórcio chegaram por esses dias. O que faço,
Margaret?
— Nick sempre quis voltar. Entretanto, você é a única pessoa que pode
resolver isso. Precisa ouvir seu coração.
— Levantando-se, pôs as mãos na cintura, enérgica. — Ao trabalho?
Maíra sorriu, um pouco mais animada.
— Ao trabalho!
— Temos de aproveitar que Tabitha está dormindo e os outros não estão
aqui.
As duas começaram decorando a sala com guirlandas, ramos de viscos,
sinos e laços de veludo vermelho. Nos enfeites de mesa, acrescentaram
velas e bolas coloridas.
— Já chega de viscos, não acha? — Maíra perguntou, assustada. Segundo
a tradição, se uma pessoa estiver parada exatamente debaixo de um ramo
de viscos, devo beijar quem estiver mais perto.
— Sim... — Olhou ao redor, fascinada com o resultado.
— A sala ficou linda! Merecemos uma boa xícara de café, concorda?
— Perfeitamente!
Foram para a cozinha. Logo em seguida, Tabitha acordara. Maíra a pegou
no colo, oferecendo-lhe um pedaço de bolo.
— Margaret, quem virá para o almoço?
— As pessoas do sempre... Meus pais, meu irmão Harry e a família, Nancy
e os pais, minha irmã Carolyn e o marido. — Serviu o cafe, com bolo de
frutas cristalizadas.
— Nessa noite, iremos receber apenas meus pais.
— Onde irei dormir? — indagou, em pânico, relacionando os cômodos.
Embora a casa fosse grande, havia apenas dois quartos de hóspedes. E,
como os pais de Margaret iriam pousar ali, restava apenas um.
— Não se preocupe, poderá dormir no quarto de Tabitha. Podemos colocar
o berço dela em meu quarto.
Maíra respirou fundo, sentindo um alívio imenso. Então, lembrando-se de
outro empecilho, perguntou:
— Teria alguma roupa para me emprestar? Como minha sacola foi levada
pela inundação, fiquei apenas com algumas peças sujas e as roupas de
Lídia.
— Claro! — Margaret deu uma boa risada. — O problema será encontrar
algo que pare em sua cintura.
— Com agulha e linha, resolvo isso em um segundo.
— Certo.
— Qual é o próximo item da lista de tarefas?
— Por que não dá um banho em Tabitha, enquanto eu dou os últimos
retoques na comida para a ceia?
— Sim, capitão! — Maíra bateu continência. Os preparativos lhe deram
novo ânimo, nem parecia a garota deprimida de poucas horas atrás.
Meia hora depois, Maíra dava mingau para Tab, quando Jack e Charlie
invadiram a cozinha, correndo.
Ela prendeu a respiração por um instante, sabendo que logo teria de se
deparar com Nick.
— Como estava Cheptow? — perguntou, procurando ser simpática, assim
que ele entrou na cozinha.
— Muito agitada. Encontrei pessoas que eu não via há anos!
— Todos vinham cumprimentá-lo, como abelhas atrás de mel — Hugh
brincou, dando um beijo na esposa. — Levamos o dobro de tempo para
comprar o que precisávamos.
— Eram apenas homens? — Margaret perguntou, como se pudesse ler os
pensamentos de Maíra.
— Digamos que eram de ambos os sexos — o próprio Nick encarregou-se
de responder, fazendo mistério.
— Hugh, por favor, tome conta de Tabitha, para que a pobre Maíra possa
descansar um pouco. Ela está tão abatida!
— É verdade. E teve até febre na noite passada — Nick informou, para
horror da esposa.
— Que exagero... Foi uma reação normal diante de toda aquela chuva e do
frio. Já estou ótima!
— Precisa descansar um pouco — Hugh disse, tomando-lhe a filha.
Maíra estava prestes a protestar, mas acabou se calando. Teve de
reconhecer que realmente estava exausta.
Margaret a acompanhou até o andar superior, deixando os homens
conversando lá embaixo.
— Precisamos escolher algo para você vestir. Maíra apenas assentiu com
um movimento de cabeça, seguindo a cunhada até o quarto doía.
Após provar várias peças, acabou optando por um conjunto de calça e
túnica de lã creme, para a ceia,e um vestido de crepe cereja, para o Dia
de Natal.
"Ainda bem que calçamos o mesmo número!", pensou, experimentando um
par de escarpins pretos para usar com os dois trajes.
— Teremos de fazer algumas pequenas pences no vestido — Margaret
falou, perfeccionista como de costume.
— Obrigada, você é um amor.
— Agora tome um banho, antes que os meninos tomem conta do banheiro,
e descanse um pouco — Margaret disse, sorrindo.
— Não precisa de ajuda?
— Já está tudo pronto.
Maíra seguiu oh conselhos da cunhada.
Mais tarde, quando já se encontrava pronta para a ceia, trancou-se no
quarto da sobrinha e vasculhou os armários, à procura de um embrulho que
trouxera para a fazenda no Natal passado. Ao encontrá-lo, alterou a data
do cartão, embora o destinatário continuasse o mesmo: Nick.
Em seguida, desceu para a sala, esgueirando-se até a árvore de Natal, e
colocou o pacote entre os outros, sem ser vista. Logo após cumprir sua
missão, foi justamente Nick quem entrou no recinto.
— Está linda!
Ela agradeceu com um sorriso tímido.
— Você também está ótimo... — Queria dizer fenomenal, sedutor! Mas o
bom senso não lhe permitiu. Afinal, estavam quase divorciados.
— Comprei essa roupa em Cheptow. Não tinha intenção de ficar. Aliás,
queria pedir-lhe desculpas se estraguei seu Natal com minha presença.
— Está tudo bem. Não tinha cabimento você ficar sozinho em Friar's
Haven.
— Como não? Você iria ficar em Pennington...
— Sim. Porém, mudei de idéia. O Natal é uma festa de integração, de
solidariedade.
— Hei, tia, quer ver meu álbum de figurinhas do Rei Leão? Está completo!
— Charlie gritou, invadindo a sala. Logo o irmão juntou-se a ele.
Depois disso, Nick e Maíra não ficaram mais nem um minuto a sós. Beth e
Richard Selton chegaram para passar o Natal com a maravilhosa família
da filha Margaret.
Cantaram alguns tradicionais hinos de Natal, tiveram uma bela ceia,
fizeram as orações e, à meia-noite, abraçaram-se, trocando votos de
felicidade.
Então, surpreendida por uma súbita crise de melancolia, Maíra ficou
quieta e abatida.
— Não quer se deitar, querida? — Margaret indagou, bondosa.
— Parece exausta — Beth acrescentou. — Vá dormir, ou amanhã não terá
forças para aguentar toda a correria!
— Sim. Vocês têm razão. Vou me retirar mais cedo. — Despediu-se de
todos e subiu para o quarto da sobrinha.
Mal acabara de vestir a camisola, ouviu a porta ser aberta. Surpresa,
virou-se, deparando-se com Nick.
— O que faz aqui?
— Vim desejar-lhe uma boa noite a sós...
Não precisava sei vidente para adivinhar-lhe as intenções. Por isso, aflita,
Maíra lutou para expulsá-lo do quarto, antes que acabasse perdendo o
controle, como na noite anterior.
— É melhor você se retirar — disse, com vigor, apesar da voz baixa. —
Estamos na casa de Hugh e Margaret, e não quero causar nenhum tipo de
confusão!
— Qual é o problema? Somos casados.
— Por enquanto — respondeu, conseguindo magoá-lo.
Decepcionado, ele lhe dou um beijo suave nos lábios e saiu.
— Boa noite, amor — ainda disse, antes de fechar a porta.
Ela ficou imóvel, como uma estátua, com o coração acelerado e as pernas
bambas. Queria tanto que Nick fosse embora e, agora, que conseguira,
não suportava a idéia de dormir sozinha, justamente na noite de Natal.

CAPITULO VI

Maíra levou tanto tempo para adormecer -que, quando os sobrinhos foram
acordá-la, na manhã seguinte, ainda estava morrendo de sono. — Podemos
entrar, tia? — Charlie indagou, impaciente, batendo na porta.
— Sim. A porta está aberta — respondeu, sentando-se na cama.
Não precisou dizer mais nada para os meninos entrarem no quarto como
dois furacões, jogando-se nos braços da tia. Os três ficaram algum tempo
na cama, fazendo uma guerra de travesseiros.
— Papai disse que era melhor deixá-la dormir, mas você sempre gostou
que a acordássemos... — Jack tentou se explicar, quando se cansaram da
brincadeira.
— Estavam certos! Ficaria triste se não viessem me chamar. Feliz Natal,
queridos — cumprimentou, abraçando os dois.
— Feliz Natal — disseram em coro.
— Agora, tragam Tabitha aqui para que eu possa trocá-la, assim darei uma
folga para sua mãe.
Em poucos minutos, os dois voltaram trazendo a irmã, que se jogou
carinhosamente no colo de Maíra. De repente, Nick veio juntar-se a eles.
— Feliz Natal, Maíra — falou, beijando-a no rosto.
O beijo singelo bastou para ela se enrubescer, despertando-lhe o desejo
adormecido em seu interior.
— Feliz Natal — retribuiu o cumprimento, aportando Tabitha nos braços.
— Hei! Segure esta, tio Nick! — Jack gritou, atirando-lhe uma almofada
de surpresa.
— Ah! É assim? Pois quero ver agora! — Nick exclamou, atirando de volta
duas almofadas e um travesseiro.
Em pouco tempo, até Tabitha estava participando ativamente da bagunça.
— Minha nossa! O que fizeram aqui? — Margaret indagou, apavorada ao
ver aquela confusão. — Maíra, deveria repreendê-los, não incentivá-los!
A cunhada sacudiu os ombros, rindo.
— Oh, Nick! Deve estar arrependido por ter trocado a paz de Friar's
Haven por essa algazarra, não?
— Que tolice, Margaret! Estou me divertindo muito aqui.
— Bem, crianças, desçam para tomar o café. —- Pegando a filha no colo,
voltou-se para os adultos. — Vocês também!
— Podem ir... Vou trocar' de roupa e já desço Maira disse, olhando
para Nick. Não queria ficar sozinha com ele no quarto.
Entendendo a mensagem, Nick acompanhou Margaret.
Com rapidez, Maíra arrumou o quarto e vestiu-se, indo ao encontro dos
outros. Sabia que as crianças esperavam, ansiosas, pelo final do café para
poderem abrir os presentes.
Hugh alimentava Tabitha, enquanto Margaret servia o café para Nick e os
meninos.
— Feliz Natal, Maíra — Hugh cumprimentou ao vê-la.
— Feliz Natal — respondeu, dando-lhe um beijo afetuoso na testa.
Quando notou que Margaret aprontava uma bandeja com o café da manhã
para os pais, Maíra ofereceu-se:
— Quer que eu dê uma olhada no forno?

— Não, obrigada, está quase tudo pronto. O peru está terminando de


assar... Poderia levar a bandeja para meus pais?
— Claro!
Carregando um farto café da manhã, Maíra voltou para o primeiro andar e
bateu na porta do quarto dos Selton.
— Bom dia — Beth falou, ao abrir a porta. — Feliz Natal. Maíra agradeceu
os cumprimentos e logo retornou para a cozinha.
Os meninos já haviam terminado de comer e continuavam a perguntar
quando poderiam abrir os presentes.
— Todo ano é a mesma coisa... Só vamos abrir os pacotes depois que
todos terminarem o café — Margaret ralhou, perdendo a paciência.
Virando-se para a cunhada, avisou-a: — Fiz uma omelete com salmão para
nós. Não me diga que não vai comer...
— Bem, diante de algo tão especial, como posso resistir?
— Não tinha salmão na nossa, tia... — Charlie se queixou, olhando, guloso,
para a omelete.
Maíra cortou um pedaço e deu para o sobrinho experimentar. No entanto,
ele fez uma careta.
— Prefiro apenas com bacon!
— Eu sei muito bem disso — Margaret afirmou. — Por isso, não pus
salmão na omelete de vocês.
— Quer experimentar, Nick? — Maíra perguntou, procurando ser amável.
Ele estava tão quieto...
— Não, obrigado. Prefiro vê-la comer, está quase desaparecendo!
— O vovô e a vovó acabaram de descer — Jack veio informar,
entusiasmado.
—Já iremos... — Hugh disse, tirando Tabitha do cadeirão.
Em minutos, estavam todos reunidos ao redor da árvore para a
distribuição dos presentes.
As crianças foram as primeiras contempladas, para que dessem um pouco
de sossego aos adultos. Porém, os presentes principais do meninos
estavam na garagem: eram duas bicicletas.
Nick fora pródigo em suas comprasem Cheptow.Os melhores presentes
para todos tinham seus cartões, Não se esquecera nem dos pais de
Margaret..
Para Maíra, havia comprado uma traje completo: sapatos e cinto de
camurça cor de caramelo, camisa de seda creme e conjunto de calça,
colete e casaco de chamois marrom.
— Que lindo! Obrigada, Nick — agradeceu, sorridente e com os olhos
marejados.
— Você merece...
Emocionada, ela procurou se distrair.
— Veja o que ganhei, Margaret!
— Nossa! Adoro chamois. Ê um couro tão fino e macio que até parece
veludo. Que bom gosto, Nick!
— Agora o presente especial, deixado pelo Papai Noel.
— Hugh fez suspense, levando os meninos até a garagem. Todos os demais
os seguiram, é claro. Ninguém perderia a expressão de felicidade o
encantamento no rosto das crianças.
Jack e Charlie deram pulos de alegria ao ver as bicicletas, enquanto a
pequena Tabitha mal conseguia ;segurar a enorme boneca que o Papai Noel
lhe trouxera.
Enquanto os meninos brincavam na garagem, os adultos voltaram para a
sala, levando Tabitha e sua boneca.
— Daqui a pouco, os outros convidados começarão a chegar — Beth falou,
olhando no relógio. Estava ansiosa para cumprimentar os outros filhos.
— Ainda falta um presente... — Maíra informou, buscando a pequena caixa
que escondera atrás da árvore.
— E para você, Nick.
Sob os olhares apreensivos de todos, ele desembrulhou o presente,
soltando uma exclamação ao ver o conteúdo.
Dentro do estojo do couro, havia um par de abotoaduras de ouro,
gravadas com o monograma "N" e "M".
— Onde arranjou isso? — Margaret quis saber, expressando, em uma
pergunta, a curiosidade de todos os outros.
— Mandei fazê-las há algum tempo— respondeu, constrangida, pegando
Tabitha no colo.
Nick atravessou a sala e deu-lhe um abraço carinhoso, para alegria da
menina, que ficou entre os dois.
— Obrigado, querida.
Logo a campainha tocou, e, aos poucos, as outras famílias foram chegando
até que a casa ficou cheia. Então, todos se sentaram ao redor da imensa
mesa da fazenda, que só era usada em ocasiões muito especiais, e deram
graças pelo Dia de Natal.
O almoço foi uma festa, cuja maior atração foi o delicioso peru recheado.
Também havia tortas de camarão e de palmito, arroz com amêndoas,
carne assada e maionese de legumes. De sobremesa, bolos, pudins e
tortas.
Depois, passaram mais algumas horas rindo e cantando, enquanto as
crianças se divertiam com seus novos brinquedos.
No final da tarde, os convidados começaram a partir.
— Minha nossa! Está nevando! — Carolyn disse, espantada, ao ver os
pequenos flocos que se aglomeravam pelo chão.
— Não há motivo para desespero — Hugh repreendeu a cunhada. — Durma
aqui esta noite, assim Tom poderá tomar aquele vinho do Porto que você
não deixou.
— Mas...
— Excelente idéia! — Margaret concordou com o marido. — Não quer
viajar debaixo desse tempo, não é?
Após mais alguns minutos, Carolyn e Tom se deixaram persuadir,
retornando para o interior da casa.
Mais comida, alguns jogos com baralho, músicas e a noite se aproximava
do fim. Só então, Margaret se preocupou com um quarto para os novos
hóspedes...
— Deixe-os no quarto de Tabitha - Murmurou para surpresa da cunhada.
— E onde vai dormir?
— Ficarei com Nick no quarto de hóspedes,
Tinha uma expressão travessa estampada na face.
— Tem certeza?
— Sim! — Um amplo sorriso iluminou-lhe o rosto Agora, restava-lhe
apenas falar com Nick.
— Se não se importar, gostaria de dormir em seu quarto esta noite —
Maíra pediu, com ar inocente.
— O quê?
— Margaret precisava de um quarto extra para acomodar Carolyn e Tom,
por isso achei que não haveria problema se eu ficasse com você.
Sem mais demora, os dois se despediram dos outros e foram para o
quarto. Ainda havia muitas coisas para acertarem...
Assim que ficaram a sós, entretanto, não sabiam por onde começar a
conversa. Andavam do um lado para o outro, constrangidos.
— Importa-se se eu usar o banheiro antes? — ela perguntou, quebrando a
tensão do momento.
— Não. Fique à vontade.
Maíra pegou a bolsa com alguns cosméticos que Margaret lhe emprestara
e trancou-se no banheiro. Então, trocou a roupa por uma camisola sensual
de renda preta, que havia ganhado de Beth no ano passado. Ainda bem que
deixara aquela peça ali, caso contrário, a essa altura, teria de se
contentar com uma camiseta velha. Depois, tirou a maquiarem e escovou
os cabelos, criando coragem para enfrentar o momento da decisão.
Para sua surpresa, Nick continuava vestido, sentado numa poltrona.
— Confeso que não sabia o que fazer diante dessas circunstâncias, por
isso decidi esperá-la.
Sorrindo, Maíra atravessou o quarto e deitou-se na cama.
— Não vai mudar de roupa?
— Não trouxe pijama.
— Pensei que tivesse comprado um em Cheptow. — Seus olhos brilhavam,
cheios de malícia.
— Infelizmente, achei que não seria necessário, já que estava sozinho
aqui. — Aproximando-se, Nick sentou-se na borda da cama. — Tenho algo
importante a lhe dizer, Maíra.
— Vá em frente. Margaret me aconselhou a ouvi-lo. — Serei eternamente
grato a ela! — Ergueu as mãos para o alto. — Para começar, não quero o
divórcio. Somos marido e mulher e pretendo continuar assim. Só posso lhe
dar uma razão: eu te amo!
— Será que seu amor por mim é suficiente? — perguntou, astuta.
— Mal cabe em meu peito. — Cravou os olhos azuis no rosto de Maíra,
fazendo-a estremecer. — Não me importa se quer continuar com seu
emprego ou ter uma dúzia de filhos. Só quero que fique comigo e me faça
pai de todas essas crianças!
— Fala sério? — Estava em êxtase, chegando a duvidar de seus ouvidos.
— Tenho muitos defeitos, Maíra — disse, impaciente. — Mas sabe que não
minto. Aliás, era isso que eu tinha para dizer-lhe quando fui procurá-la em
Pennington.
— Não quero uma dúzia de filhos! — exclamou após uma longa pausa.
Nick sorriu, envolvendo-a com um beijo sedutor e irresistível.
— Isso significa que concorda comigo? — questionou, irônico, afastando-
se um pouco.
— Sim.
Ele tornou a beijá-la, mal cabendo em si de felicidade.
— Por que me tratou com tanto desprezo ontem de manhã? — quis saber
logo depois.
— Porque... Ora, porque estava furiosa com você!
— Pensei que tivesse gostado de nossa noite de amor...
— E gostei, mas, depois de tudo o que havíamos passado, esperava que me
dissesse algo sobre meu trabalho, filhos, sua nova rotina...
— Estava pronto para tocar no assunto, mas você não me deu
oportunidade, foi logo me atacando.
— Desculpe-me. Estava constrangida por ter cedido a seu charme.
— Quando encomendou as abotoaduras? Além de não ter saído daqui
ontem, não teria tempo de mandar gravá-las na véspera de Natal?
— Eu as comprei no Natal passado. Ele recuou, surpreso.
— Não pode ser? Já estávamos separados!
— Eu sei... Porém, estava tão confiante de que iríamos reatar que fiz
horas extras no escritório para poder comprar-lhe algo especial.
Maíra se calou, encarando o marido com um olhar triste.
— Mas você foi para a Australia. Por fim, acabei escondendo o pacote no
fundo de um armário, Curiosa por ter tido essa idéia.
— Não voltei para casa, porque não queria enfrentar o Natal sem você,
meu amor.
Ela o abraçou, chorando.
— Somos dois tolos!
— As pessoas aprendem com seus erros, Maíra. Daqui para a frente,
começaremos uma nova vida, com mais diálogos o cumplicidade. — Alisou
seus cabelos. — Não mudei da noite para o dia. Isso aconteceu no
decorrer do tempo em que estivemos separados.
— Sócios?
— Sócios! - concordou. — Mas tambem amantes e amigos
— Fechado !
Alternando lágrimas com sorrisos, Maíra não se cansava de abraçá-lo.
— Oh, Nick! Estou tão feliz! — De repente, teve um sobressalto. — Será
horrível encarar todo mundo no café da manhã, dizendo que resolvemos
nos reconciliar!
— Posso lhe garantir que ficarão muito contentes com a notícia.
Maíra riu, constrangida.
— Sou uma boba, não é?
— Não, é apenas romântica e sensível. E é por isso que eu te amo. Aliás,
tenho uma proposta a lhe fazer...
— Nossa! O que será? — perguntou, maliciosa. Já não conseguia mais
suportar o desejo que a alucinava.
— Amanhã, logo após o café, pedirei a Hugh que nos leve de volta para
Friar's Haven. Então, pretendo esquecer o mundo e passar uns dez dias lá,
com você, comemorando nossa reconciliação. O que acha?
— Maravilhoso! Precisamos recuperar o tempo perdido...
— Com um olhar apaixonado, confessou: — Eu te amo muito, Nicholas
Campion. Nunca deixei de amá-lo em nem um desses longos dias em que
estivemos distantes.
— Adorei as abotoaduras, Maíra. Contudo, o melhor presente que ganhei
nesse Natal foi ouvir essa declaração.
— Deu-lhe um abraço possessivo, como se temesse perdê-la. — Para mim,
nossa separação foi como enfrentar uma tempestade em alto-mar. Agora,
sinto-me como se tivesse atracado em um porto seguro.
A essa hora, não restava mais nada para ser dito. Faltava apenas
traduzirem em gestos a linguagem do amor. Selaram o pacto com um beijo
lascivo, cativante e voluptuoso, como apenas grandes apaixonados são
capazes de fazer.
Loucos de amor, começaram a se acariciar, envolvidos por uma névoa de
magia e encantamento, própria da época de Natal, em que todos os sonhos
se transformam em realidade...

Fim

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