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BRASIL: N U N C A M A I S

Prefácio de
D o m Paulo Evaristo Arns

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação ( C I P )


(Câmara Brasileira do L i v r o , SP, Brasil)

B r a s i l : nunca mais / Arquidiocese de São Paulo :


prefácio de D o m Paulo Evaristo Arns. - 4 1 . ed. -
Petrópolis, RJ : Vozes, 2014.
ISBN 978-85-326-0030-1
1. Brasil - política e governo - 1964-1985 2. Ditadura -
Brasil 3. Militarismo - Brasil 4. Prisioneiros políticos - Brasil
5. Repressão política - Brasil 6. Tortura - Brasil I . Arns, Paulo Evaristo.

07-2134 CDD-323.0440981

índices para catálogo sistemático:


I . B r a s i l : Regime de repressão e tortura : W EDITORA
Ciência política 323.0440981 VOZES
Petrópolis '"'''•-'í 'í
p
ARTE

£ A S T I G O CRUEL, D E S U M A N O E D E G R A D A N T E
1 '

A U L A S D E T O R T U R A : OS PRESOS-COBAIAS

o estudante Ângelo Pezzuti da Silva, 23 anos, preso e m Belo H o r i z o n t e e


torturado n o Rio, n a r r o u ao Conselho de Justiça M i l i t a r de Juiz de Fora, e m
1970: , • > v; . . , .

[ . . . ] ; que, na PE [Policia do Exercito] da GB, verificaram o interro-


gado e seus companheiros que as torturas são uma instituição, vez
que, o interrogado f o i o instrumento de demonstrações práticas
desse sistema, em uma aula de que participaram mais de 100 [cem]
sargentos e cujo professor era u m Oficial da PE, chamado Tenente
A y t o n que, nessa sala, ao tempo em que se projetavam slides sobre
tortura, mostrava-se na prática para a qual serviram o interrogado,
Mauricio Paiva, Afonso Celso, M u r i l o Pinto, P. Paulo Bretas, e, o u -
tros presos que estavam na PE-GB, de cobaias [...V.

A denúncia é c o n f i r m a d a n o mesmo Processo, p o r depoentes acima cita-


dos, como o estudante, de 25 anos, Maurício V i e i r a de Paiva:
[...] que o método de torturas f o i institucionalizado em nosso País
e, que a prova deste fato não está na aplicação das torturas pura e
simplesmente, mas, no fato de se ministrarem aulas a este respeito,
sendo que, em uma delas o interrogado e alguns dos seus compa-
nheiros, serviram de cobaias, aula esta que se realizou na PE da
GB, f o i ministrada para cem [100] militares das Forças Armadas,
sendo seu instrutor u m Tenente Hayton, daquela U . M . ; que, à con-
comitância da projeção dos slides sobre torturas elas eram de-
monstradas na prática, nos acusados, como o interrogado e seus
companheiros, para toda a plateia [...]^.

Na mesma l i n h a , depõe M u r i l o P i n t o da Silva, de 22 anos:

I H N M n . 158, V . 3°, p. 929-932,

i . H N M n . 158, V . 3°, p. 950 e 951.

29
[.,.] que, quando esteve na PE-GB, o interrogado e seus compa- o estudante Afonso Celso Lana Leite, 25 anos, preso e m M i n a s e transferido
nheiros serviram de cobaia a demonstrações práticas de torturas para o Rio, d e n u n c i o u ao Conselho M i h t a r que o i n t e r r o g o u , em 1970, ter sido
em aulas ministradas a elementos das Forças Armadas [...]^. torturado em instruções ministradas a oficiais n o quartel da PE e na Vila M i l i t a r :
E a denúncia desse episódio f o i reiterada, ainda u m a vez, n o d e p o i m e n t o [...] que, no dia 8 de o u t u b r o , na PE 1 , posto de Segurança Nacio-
j u d i c i a l d o estudante JúUo A n t o n i o B i t t e n c o u r t de A l m e i d a , de 24 anos: nal, quando era ministrada uma aula, na presença de mais de cem
[...] que durante o período em que o interrogado esteve na PE foi pessoas foram trazidos para aquela aula companheiros e, nesta
dado u m curso sobre tortura para cerca de oitenta a cem membros ocasião, passaram filmes de fatos relacionados com torturas e em
para o qual os presos serviram de cobaias. Que os professores e a seguida era confirmada com a presença do denunciado, sendo, na-
plateia desse curso eram de elementos das Forças Armadas l...]'^. quela ocasião também, torturados; ocasião esta coincidente com o
De abuso cometido pelos interrogadores sobre o preso, a tortura n o Brasil seu depoimento; que estas torturas, ou seja, as acima descritas, se
passou, c o m o Regime M i h t a r , à condição de "método científico", incluído em repetiram na Vila M i l i t a r [...]^.
currículos de formação de militares. O ensino deste método de arrancar confis- J á o professor J o s é Antônio Gonçalves Duarte, 24 anos, preso em Belo H o -
sões e informações não era meramente teórico. Era prático, c o m pessoas real- rizonte, revelou e m seu d e p o i m e n t o , prestado em 1970, ter sido seviciado i n -
mente torturadas, servindo de cobaias neste macabro aprendizado. Sabe-se que clusive p o r u m a l u n o d o Colégio M i l i t a r : io^;, : ; n H L tnsa:!' Í
u m dos p r i m e i r o s a i n t r o d u z i r tal pragmatismo n o Brasil f o i o policial nor- (...) que f o i torturado e espancado pelo Encarregado do Inquérito
te-americano D a n M i t r i o n e , posteriormente transferido para M o n t e v i d e u , onde Capitão J o ã o Alcântara Gomes, pelo Escrivão do mesmo Inquéri-
acabou sequestrado e m o r t o . Quando i n s t r u t o r e m Belo H o r i z o n t e , nos p r i m e i - to, Marcelo Araújo, pelo cabo Dirceu e por u m aluno do Colégio
ros anos do Regime M i h t a r , ele u t i l i z o u mendigos recolhidos nas ruas para ades- M i h t a r cujo o nome o interrogado não sabe e por u m pohcial da
trar a polícia l o c a l . Seviciados e m salas de aula, aqueles pobres h o m e n s p e r m i - Delegacia de Furtos e Roubos, cujo nome é Pereira; que causou es-
tranheza ao interrogado u m aluno do Colégio Mihtar, a título de
t i a m que os alunos aprendessem as várias modalidades de criar, n o preso, a supre-
prestar estágio no I P M , participar de uma coisa infame, como a i n -
ma contradição entre o corpo e o espírito, atingindo-lhe os pontos vulneráveis^.
fligência de torturas a u m ser humano [...]^.
A estudante D u l c e Chaves P a n d o l f i , 24 anos, f o i obrigada também a servir
Os torturadores não apenas se gabavam de sua sofisticada tecnologia da
de cobaia n o quartel da Rua Barão de Mesquita, n o Rio, de acordo c o m petição
tliM, mas também alardeavam estar e m condições de exportá-la ao sistema re-
anexada aos autos, e m 1970: , . , i
piissivo de o u t r o s países, c o n f o r m e a carta-denúncia do Engenheiro H a r o l d o
[...] Na Polícia do Exército, a supte. f o i submetida a espancamento
' ' "' ' inteiramente despida, bem como a choques elétricos e outros suph- llotges Rodrigues L i m a , 37 anos, datada de 12 de a b r i l de 1977:
cios, com o "pau de arara". Depois de conduzida à cela, onde foi as- [...] As torturas continuaram sistematicamente. E a essas se alia-
sistida por médico, a supte. foi, após algum tempo, novamente sevi- vam as ameaças de me levarem a novas e mais duras sevícias, a
ciada com requintes de crueldade numa demonstração de como de- m i m descritas minuciosamente. Diziam, com m u i t o orgulho, que
•rn veria ser feita a tortura [...]^. sobre o assunto j á não t i n h a m nada a dever a qualquer organização
E m seu d e p o i m e n t o na J u s t i ç a M i h t a r , D u l c e reitera a d e n ú n c i a : [...] que estrangeira. Ao contrário, informaram-me, j á estavam exportando
n o dia 14 de o u t u b r o f o i r e t i r a d a da cela e levada o n d e estavam presentes mais Know-how a respeito f...l^°.
de v i n t e oficiais e f i z e r a m d e m o n s t r a ç ã o de t o r t u r a c o m a depoente [ . . . ] ' ' .

3. B N M n. 158, V . 3°, p. 952-954.

4. B N M n, 158, V . 3°, p. 941-943.


5. Cf. L A N G G U T H , A.J. A face oculta do terror. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. N IINM ri. 195, V . 3 ° , p. 692-693.

6. B N M n. 022, V . 1°, p. 351. M ItNM II. 147, V . 2 ° , p . 441-444.

7. B N M n . 0 2 2 , V . 2 ° , p . 599. ,:0-' ' ': 10 IINM I I . 043, V . 13°, p. 2.871-2.879.

m 31
e que, por sua vez, era introduzida debaixo de seus joelhos e entre as
suas mãos que eram amarradas e levadas até os joelhos [...]^.

2
O choque e l é t r i c o ,
tÁODOS E I N S T R U M E N T O S D E T O R T U R A
[...] O eletrochoque é dado por u m telefone de campanha do Exército
que possuía dois fios longos que são ligados ao corpo, normalmente
nas partes sexuais, além dos ouvidos, dentes, língua e dedos [...]^.
[...] que f o i conduzido às dependências do D O I - C o d i , onde foi tor-
turado n u , após tomar u m banho pendurado no pau de arara, onde
recebeu choques elétricos, através de u m magneto, em seus órgãos
Reza o artigo 5° da Declaração U n i v e r s a l dos D i r e i t o s H u m a n o s , assinada genitais e por todo o corpo, [...] foi-lhe amarrado u m dos terminais
do magneto n u m dedo de seu pé e no seu pênis, onde recebeu des-
pelo Brasil: Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel,
cargas sucessivas, a ponto de cair no chão [...]"*.
desumano ou degradante.
E m v i n t e anos de Regime M i l i t a r , este princípio f o i i g n o r a d o pelas a u t o r i -
A " p i m e n t i n h a " e dobradores de t e n s ã o
dades brasileiras. A pesquisa revelou quase u m a centena de m o d o s diferentes
de t o r t u r a , mediante agressão física, pressão psicológica e utilização dos mais [... ] havia uma máquina chamada "pimentinha", na linguagem dos
variados i n s t r u m e n t o s , aplicados aos presos políticos brasileiros. A d o c u m e n - torturadores, a qual era constituída de uma caixa de madeira; que
no seu interior tinha u m ímã permanente, no campo do qual girava
tação processual recolhida revela c o m riqueza de detalhes essa ação criminosa
u m rotor combinado, de cujos terminais uma escova recolhia cor-
exercida sob auspício do Estado. Os depoimentos a q u i parcialmente transcri- rente elétrica que era conduzida através de fios que iam dar nos
tos d e m o n s t r a m os p r i n c i p a i s m o d o s e i n s t r u m e n t o s de t o r t u r a adotados pela terminais que j á descreveu; que essa máquina dava uma voltagem
em torno de 100 volts e de grande corrente, ou seja, em torno de 10
repressão n o Brasil.
amperes; que detalha essa máquina porque sabe que ela é a base do
princípio fundamental: do princípio de geração de eletricidade;
que essa máquina era extremamente perigosa porque a corrente
O " p a u de a r a r a "
elétrica aumentava em função da velocidade que se i m p r i m i a ao
'' ' [... ] O pau de arara consiste n u m a barra de ferro que é atravessada rotor através de uma manivela; que, em seguida, essa máquina era
entre os punhos amarrados e a dobra do joelho, sendo o "conjun aphcada com uma velocidade m u i t o rápida a uma parada repenti-
t o " colocado entre duas mesas, ficando o corpo do torturado pen na e com u m giro no sentido contrário, criando assim uma força
contra eletromotriz que elevava a voltagem dos terminais em seu
durado a cerca de 20 ou 30cm do solo. Este método quase nunca (
dobro da voltagem inicial da máquina [ . . . ] ' ;
utilizado isoladamente, seus "complementos" normais são eletro
[...] u m magneto cuja característica era produzir eletricidade de
choques, a palmatória e o afogamento [...]^.
baixa voltagem e alta amperagem; que, essa máquina por estar
[...] que o pau de arara era uma estrutura metálica, desmontável,
[...] que era consUtuído de dois triângulos de tubo galvanizado em
que u m dos vértices possuía duas meias-luas em que eram apoiado-. j jiiM- Milton Ferreira de Almeida, 31 anos, engenheiro, Rio; auto de quaUficação e interrogatório,
|0/0: BNM n, 43, V . 2°, p. 421-430.

\1 , nota 1. , . , .

1. Augusto César Salles Galvão, estudante, 21 anos, Belo Horizonte; carta de próprio punho, 1970 4 jiisc Milton Ferreira de Almeida. O p . cit. , ^. . .

liNM n, 1 5 0 , V , 2°, p, 448-450, % Ihid. j .

32 33
condicionada em uma caixa vermelha recebia a denominação de Iv um dos terminais da máquina de choque chamado magneto; que,
" p i m e n t i n h a " [...]^. além disso, a cadeira apresentava uma travessa de madeira que em-
[...] que existiam duas outras máquinas que são conhecidas, na purrava as suas pernas para trás, de modo que a cada espasmo de
linguagem técnica da eletrônica, como dobradores de tensão, o u descarga as suas pernas batessem na travessa citada, provocando
seja, a partir da alimentação de u m circuito eletrônico por simples ferimentos profundos [...]^^.
pilhas de rádio se pode conseguir voltagem de 500 ou 1000 volts, n.. [...] também recebeu choques elétricos, cadeira do "dragão" que é
mas, c o m correntes elétricas pequenas, como ocorreu nos cinescó- uma cadeira elétrica de alumínio, tudo isso visando obtenção de
pios de televisão, nas bobinas de carro; que essas máquinas possu- suas declarações [...V^.
íam três botões que correspondiam a três seções, fraca, média e [...] Despida brutahnente pelos pohciais, f u i sentada na "cadeira

r
forte, que eram acionadas i n d i v i d u a l ou em grupo, o que, nesta do dragão", sobre uma placa metálica, pés e mãos amarrados, fios
dada hipótese, somavam as voltagens das três seções [...V. elétricos ligados ao corpo tocando língua, ouvidos, olhos, pulsos,
[...] dobradores de tensão alimentados à pilha, que, ao contrário seios e órgãos genitais [...1^"^. i
do magneto, produzem eletricidade de alta voltagem e baixa ampe-
ragem, como as dos cinescópios de TVs; que, esta máquina produ-
zia faísca que queimava a pele e provocava choques violentos l...]^. cadeira do d r a g ã o " , do R i o ^i ii

O "afogamento" 'it;.. r ' !• ; > ;

,.( ' ,^ I , [...] O afogamento é u m dos "complementos" do pau de arara. Um


; ; , , pequeno tubo de borracha é introduzido na boca do torturado v
[...] o interrogado foi obrigado a se sentar em uma cadeira, tipo
j : i . , passa a lançar água [...]'^.
barbeiro, à qual f o i amarrado c o m correias revestidas de espumas,
i .11*11 [...], e teve introduzido em suas narinas, na boca, uma mangueira
além de outras placas de espuma que cobriam seu corpo; que
,)< ,1 • ij " , de água corrente, a qual era obrigado a respirar cada vez que rece-
amarraram seus dedos c o m fios elétricos, dedos dos pés e mãos,
bia uma descarga de choques elétricos [ . . . ] ' " .
iniciando-se, também, então uma série de choques elétricos; que,
" *' [...] afogamento por meio de uma toalha molhada na boca qiK
ao mesmo tempo, outro torturador com u m bastão elétrico dava
' • constitui: quando j á se está quase sem respirar, recebe u m jain
choques entre as pernas e o pênis do interrogado'^;

(
* ' • d'água nas narinas [ . . . ] ^ ^
[...] uma cadeira de madeira pesada c o m braços cobertos de zinco
A "geladeira"
j ou flandres, onde havia uma travessa que era utilizada para empur-
A " c a d e i r a do d r a g ã o " , de São Paulo ;, , , ; [...] que por cinco dias foi metida numa "geladeira" na polícia do
^ [...] sentou-se numa cadeira conhecida como cadeira do dragão, Exército, da Barão
rar para trás de Mesquita
as pernas [ . . . ] ' ^ , [...]
dos torturados
'''''''''' ' que é uma cadeira extremamente pesada, cujo assento é de zinco, i '

{
''" ' " que na parte posterior tem uma proeminência para ser introduzido
JIINO Milton Ferreira de Almeida. O p . cit. - ; i

6. Gildásio Westin Cosenza, 28 anos, radiotécnico, Rio; auto de qualificação e interrogatório, •


B M N n. 684, V . 3 9 ° , p. 24-33.
7. José Milton Ferreira de Almeida. O p . cit. ' Muiioel Cyrillo de Oliveira Netto, 23 anos, estudante. São Paulo; auto de qualificação e interroga-
8. Gildásio Westin Cosenza. O p . cit. , , . • };Í f 41, 1973: B N M n. 645, V . 6°, p. 1.318.

9. I d . , nota 1. ' . i' 'i Mtuicne de Souza Soccas, 35 anos, dentista, São Paulo; carta ao j u i z auditor, 24 de m a r ç o de 1972:
llt^M M -12, V. 16°, p. 4.660. , , , i , . , ,í. . - J: •'
10. J o s é Milton Ferreira de Almeida. O p . cit.
\ |ii'.(> Augusto Dias Pires, 24 anos, jornalista. Rio; auto de qualificação e interrogatório, 1977:
I 1. Leonardo Valentini, 22 anos, instrumentador metalúrgico, Rio; auto de qualificação e I n l i i i n r •
H'iMii 700, V . 2°, p, 509v e 510,
loilo, 1<-)7Í: BNM n. 75, V . 5", p. 1.277.
III I .ilil.isioWestin Cosenza. O p . cit. i ; . , , - t , . . , . • = 1 ; , . • . „ . - ;
[...] que f o i colocado n u em u m ambiente de temperatura baixíssi- Algo semelhante à "geladeira" da Pohcia do Exército, à Rua Barão de Mes-
ma e dimensões reduzidas, onde permaneceu a maior parte dos
t|uila, na T i j u c a , Rio, era a cabine do Cenimar, na mesma cidade:
dias que lá esteve; que nesse mesmo local havia u m excesso de
sons que pareciam sair do teto, m u i t o estridentes, dando a impres- [...] colocado em uma cabine, local absolutamente escuro, asseme-
são de que os ouvidos i r i a m arrebentar [ . . . ] ' ^ ; lhado a uma cela surda; que, no mencionado local havia u m como
sistema elétrico que reproduzia sons dos mais diversos, lembrando
[...] que, sendo, de novo, encapuzado, f o i levado para u m local to-
sirenes, ruídos semelhantes a bombardeios, e t c , tudo isto, com pe-
talmente fechado cujas paredes eram revestidas de eucatex preto,
ríodos intercalados de absoluto silêncio [...]^^.
cuja temperatura era extremamente baixa; [...) que, naquela sala
ouvia sons estridentes, ensurdecedores, capaz até de produzir a
loucura [ . . . ] ' ' ' . , ^ /; ,;; , A I , Insetos e a n i m a i s
[...] conduzido para uma pequena sala de aproximadamente dois
[...] havia também, em seu cubículo, a lhe fazer companhia, uma
metros por dois metros, sem janelas, com paredes espessas, revesti-
jibóia de nome "Míriam" [...]^^;
das de fórmica e com u m pequeno visor de vidro escuro em uma das
[...] que lá na PE existe uma cobra de cerca de dois metros a qual
paredes; [...] a partir desse instante, somente podia ouvir vozes que
foi colocada j u n t o com o acusado em uma sala de dois metros por
surgiam de alto-falantes instalados no teto, e que passou a ser xinga-
duas noites [...]^'^;
do por uma sucessão de palavras de baixo calão, gritadas por várias
vozes diferentes, simultâneas; que, imediatamente, passou a protes [...] que, ao retornar à sala de torturas, f o i colocada no chão com
tar também em altos brados contra o tratamento inadmissível de u m jacaré sobre seu corpo n u [...]^^;
que estava sendo vítima e que todos se calaram e as vozes foram [...] que apesar de estar gravida na ocasião e disto ter ciência os
substituídas por ruídos eletrônicos tão fortes e tão intensos que não seus torturadores [...] ficou vários dias sem qualquer alimentação;
escutou mais a própria voz; [...] que havia instantes que os ruídos ele [...] que as pessoas que procediam os interrogatórios, soltavam
trônicos eram interrompidos e que as paredes do cubículo eram ba cães e cobras para cima da interrogada [...]^^.
tidas com muita intensidade durante muito tempo por algo seme [...] que f o i transferida para o D O I da PE da B. Mesquita, onde f o i
lhante a martelo ou tamanco e que em outras ocasiões o sistema de submetida a torturas com choque, drogas, sevícias sexuais, exposi-
ar era desligado e permanecia assim durante muito tempo, tornando ção de cobras e baratas; que essas torturas eram efetuadas pelos
a atmosfera penosa, passando então a respirar lentamente [...]^^\ próprios ohciais [...]^''; M-Í;:
[...] que inúmeras foram as vezes em que foi jogado a u m cubículo [... ] a interroganda quer ainda declarar que durante a primeira fase
que denominavam de "geladeira", que tinha as seguintes caracte- do interrogatório foram colocadas baratas sobre o seu corpo, e i n -
rísticas: sua porta era do tipo frigorífico, medindo cerca de 2 mc troduzida uma no seu ânus [...]^^.
tros por u m metro e meio; suas paredes eram todas pintadas óv
preto, possuindo uma abertura gradeada ligada a u m sistema de ai
frio; que, no teto dessa sala, existia uma lâmpada fortíssima; que. íl jiisc Ix-rreira Lopes, 30 anos, operário. Rio; auto de qualificação e interrogatório, 1972: B N M n.
JdO, V L-, p. 4 1 0 v e 4 1 1 .
ao ser fechada a porta ligavam produtores de ruídos cujo som vari
ava do barulho de uma turbina de avião a uma estridente sirene ck M I iiiiiardo Valentini. O p . cit.

fábrica [ . . . l ^ i . i I I •.iliiiii Godinho Pires, 31 anos, auxiliar de escritório. Rio; auto de qualificação e interrogatório,
!<•/\M n. 75, V . 5°, p. 1.224.

J l I >iil(i- Chaves Pandolfi, 23 anos, estudante. Rio; auto de qualificação e interrogatório, 1971: B N M
18. J o s é Mendes Ribeiro, 24 anos, estudante de Medicina, Rio; auto de qualificação e interrogatório II -Kl. V, I", p. 328v.
1977, B N M n. 700, V . 2°, p. 586v e 587. st;: i ! r.,
I n Mn i.ini de Almeida Leitão Netto, 20 anos, jornaHsta, Rio; auto de qualificação e interrogatório,
19. José Augusto Dias Pires, 24 anos, jornalista. Rio; auto de qualificação e interrogatório, 197 ( |U/ 1 IINM n. 674, V . 3° p. 782v e 783.
B N M n. 700, V . 2°, p. 509v e 510.
è1 líiiirle de Oliveira Carvalho, 23 anos, secretária, Rio; auto de quahficação e interrogatório. 1973:
20. José Miguel Camolez, 31 anos, engenheiro civil e capitão-tenente, engenheiro naval reformado « N M n 75. V. 5°, p. 1.226.
Rio; auto de quahficação e interrogatório, 1976: B N M n. 701, V . 6°, p. 1.970v e 1.971v. ,
Jtl I Ml i.i Maria Murat Vasconcelos, 23 anos, estudante. Rio e Salvador; auto de qualificação e inter-
21. (lildãsio Westin Cosenza. O p . cit. i,.|MiMO,i, 1^)72: B N M n. 112, V . 1°, p. 386.

36 3í'.
Produtos q u í m i c o s |...| Amarraram-no numa forquilha com as mãos para trás e come-
çaram a bater em todo corpo e colocaram-no, durante duas horas,
[...] que levou ainda u m soro de pentotal, Substância que faz a pes- em pé com os pés em cima de duas latas de leite condensado e dois
" ' soa falar, em estado de sonolência [...]^^. tições de fogo debaixo dos pés [...P'*.
[...] havendo, inclusive, sido jogada uma substância em seu rosto [...] obrigaram o acusado a colocar os testículos espaldados na ca-
que entende ser ácido que a fez inchar [..J^"; deira; que Miranda e o Escrivão Holanda com a palmatória procu-
ravam acertar os testículos do interrogado; [...] o acusado sofreu o
[...] torturas constantes de choques elétricos em várias partes do
castigo chamado "telefone", que consiste em tapas dados nos dois
corpo, inclusive, nos órgãos genitais e injeção de éter, inclusive
ouvidos ao mesmo tempo sem que a pessoa esteja esperando; que,
com borrifos nos olhos, [...] que de 14 para 15 t o m o u uma injeção
em virtude deste castigo, o acusado passou uma série de dias sem
de soro da verdade "pentotal" [ . . . ] ^ ' . estar ouvindo; que três dias após o acusado ao limpar o ouvido no-
tou que este havia sangrado [...]^^.

L e s õ e s físicas • >'•'•• > \ ' [...] f o i o interrogado tirado do hospital, tendo sido novamente
pendurado em uma grade, com os braços para cima, tendo sido lhe
'•' ' ' [...] que em determinada oportunidade foi-lhe i n t r o d u z i d o no arrancada sua perna mecânica, colocado u m capuz na cabeça,
ânus pelas autoridades policiais u m objeto parecido com u m l i m - amarrado seu pênis com uma corda, para impedir a urina; [...] que,
' ' • pador de garrafas; que em outra oportunidade essas mesmas auto- ao chegar o interrogado à sala de investigações, f o i mandado amar-
ridades determinaram que o interrogado permanecesse em pé so- rar seus testículos, tendo sido arrastado pelo meio da sala e pendu-
bre latas, posição em que vez por outra recebia além de murros, rado para cima, amarrado pelos testículos [...]^^.
queimaduras de cigarros; que a isto as autoridades davam o nome
' d e "Viet N a n " ; que o interrogado mostrou a este Conselho uma
Oiilros m o d o s e i n s t r u m e n t o s de tortura
marca a altura do abdómen como tendo sido lesão que fora p r o d u -
zida pelas autoridades policiais (gilete) [...]^^. [...] A palmatória é uma borracha grossa, sustentada por u m cabo
,j . [...] o interrogado sofreu espancamento com u m cassetete de alu- de madeira; [...] o enforcamento é efetuado por uma pequena cor-
mínio nas nádegas, até deixã-lo, naquele local, em carne viva, [...] da que, amarrada ao pescoço da vítima, sufoca-a progressivamen-
, o colocaram sobre duas latas abertas, que se recorda bem, eram de te, até o desfalecimento l...]^^.
, .., massa de tomates, para que ali se equilibrasse, descalço, e, toda vez
[...] que passou dois dias nesta sala de torturas sem comer, sem be-
em que ia perdendo o equilíbrio acionavam uma máquina que pro-
ber, recebendo sal em seus olhos, boca e em todo o corpo, de modo
duzia choques elétricos, o que obrigava ao interrogado à recupera-
que aumentasse a condutividade de seu corpo [...]^^.
ção do equilíbrio [...]^^.
[...] que a estica a que se referiu, como u m dos instrumentos de
tortura, é composta de dois blocos de cimento retangulares, como
argolas às quais são prendidas as mãos e os pés das pessoas ali colo-

29.01derico Campos Barreto, 31 anos, lavrador, Salvador; auto de qualificação e interrogatório,


1979: B N M n, 52, V 1°, p, 640v e 641,
^ '

30. Jussara Lins Martins, 24 anos, cabeleireira. Minas Gerais; auto de qualificação e interrogatório, H |(isé Genuíno Neto, 27 anos, estudante. São Paulo; auto de qualificação e interrogatório, 1973:
1972: B N M n, 54, V, 2°, p. 443v. ItNM I I . 693, V . 2 4 ° , p. 8.995-8.997. ,„';:,,,,^«,., . . . Í ! . ; ,

31. Alex Polari de Alverga, 21 anos, estudante. Rio; auto de qualificação e interrogatório, 1972: BNM n rc-dro Coutinho de Almeida, 20 anos, estudante, Pernambuco, auto de qualificação e interrogató-

n. 581, V . 1°, p. 1 5 9 v e 160. II.. I')70: B N M n, 507, V, 2°, p, 387v e 388,


I h M.iiioel da Conceição Santos, 35 anos, agricultor. Ceará, auto de interrogatório, 1972: B N M n,
32. Apio Costa Rosa, 28 anos, bancário. Belo Horizonte; auto de qualificação e interrogatório, 1970:
BNM n. 143, V . 7°, p. 2.304-2.306. í \ V, r , p , 560-561, , , _ ,.,1

33. J o s é Afonso de Alencar, 28 anos, advogado. Juiz de Fora; auto de qualificação e interrogatório, \l lliiil., nota 1. , . . .

1970: B N M n. 177, V . 7°, p. 1574-1576. »M |osé Milton Ferreira de Almeida. O p . cit. . ,

38 ,39
cadas c o m pulseiras de ferro, onde o interrogando foi colocado e
onde sofreu espancamentos durante vários dias, ou seja, de 12 de
maio a 17 do mesmo mês [...]^^.
[... ] As torturas psicológicas eram intercaladas com choques elétri-
cos e uma postura que chamavam de "Jesus Cristo": despido, em
' pé, os braços esticados para cima e amarrados n u m a travessa. Era T O R T U R A E M CRIANÇAS, MULHERES
para desarticular a musculatura e os rins, explicavam [...l'*".
E GESTANTES
[...] continuaram a torturá-lo com processos desumanos, tais co-
m o : posição "Cristo Redentor", c o m quatro volumes de catálogo
telefónico em cada mão, e na ponta dos pés, n u , com pancadas no
estômago e no peito, obrigando-o a erguer-se novamente 1...]"^^
[...] que várias vezes seguidas procederam à imersão da cabeça do
,'' interrogando, a boca aberta, n u m tambor de gasolina cheio d'água,
A t o r t u r a f o i i n d i s c r i m i n a d a m e n t e aplicada n o Brasil, i n d i f e r e n t e a idade,
''' conhecida essa modalidade como "banho chinês [...1"*^.
sexo o u situação m o r a l , física e psicológica e m que se e n c o n t r a v a m as pessoas
" T o r t u r a chinesa" era também o n o m e u t i l i z a d o pelos agentes do D O l -
suspeitas de atividades subversivas. Não se tratava apenas de p r o d u z i r , n o cor-
C o d i de São Paulo para designar o tipo de suplício a que f o i s u b m e t i d o o u t r o o da vítima, u m a d o r que a fizesse entrar e m c o n f l i t o c o m o próprio espírito e
preso político, j á n o final de 1976: 'SH . v--''';=^^ v - pronunciar o discurso que, ao favorecer o desempenho do sistema repressivo,
[...] C o m a aplicação destas descargas elétricas, meu corpo se con- significasse sua sentença condenatória. Justificada pela urgência de se obter i n -
traia violentamente. Por iniimeras vezes a cadeira caiu no chão e
lormações, a t o r t u r a visava i m p r i m i r à vítima a destruição m o r a l pela r u p t u r a
eu bati com a cabeça na parede. As contrações provocavam u m
constante e forte atrito com a cadeira, causa dos hematomas e das lios limites emocionais que se assentam sobre relações efetivas de parentesco.
feridas constatadas em meu corpo pelo laudo médico. Não conten- Assim, crianças f o r a m sacrificadas diante dos pais, mulheres grávidas t i v e r a m
tes com este tipo de torturas, meus algozes resolveram subme- m-us Rlhos abortados, esposas sofreram para i n c r i m i n a r seus maridos.
ter-me ao que chamavam "tortura chinesa". Deitaram-me n u e en-
capuçado n u m colchão, amarraram minhas pernas e braços e pren-
diam estes ao meu pescoço. Para não deixarem marcas dos cho-
Menores torturados ••,,,,••,;:•••,:„:'• ,.^.1'//),-•;•.'
ques, colocaram pequenas tiras de gase nos meus dedos do pé. M o -
•,íi lharam meu corpo com água, por várias vezes, para que a descarga |p Ao depor c o m o testemunha i n f o r m a n t e na J u s t i ç a M i l i t a r d o Ceará, a cam-
elétrica tivesse maior efeito. Os choques se sucederam até o f i m do
ponesa Maria J o s é de Souza Barros, de Japuara, c o n t o u , e m 1973:
dia. [...] Durante as descargas elétricas, os torturadores faziam ga-
lhofa com a m i n h a situação de saúde, afirmando que os choques ^ [...] e ainda levaram seu filho para o mato, j u d i a r a m com o mesmo,
i r i a m fazer-me louco o u curar a m i n h a epilepsia [...]"^^. K com a finalidade de dar conta de seu marido; que o menino se cha-
K ma Erancisco de Souza Barros e tem a idade de 9 anos; que a polícia
B levou o menino às cinco horas da tarde e somente voltou com ele
39. Renato Oliveira da Motta, 59 anos, jornalista-vendedor, São Paulo; auto de qualificação e interro- p às duas da madrugada mais o u menos [ . . . ] ' .
gatório, 1975: B N M n. 26, V . 8 ° , p. 1.765-1.766. A professora M a r i a Madalena Prata Soares, 26 anos, esposa d o estudante
40. Renato Oliveira da Motta, Ibid., carta, V . 4", p. 986-996. ' ' ' ' -
|ni(' Carlos Novaes da Mata Machado, m o r t o pelos órgãos de segurança, nar-
41. Fernando Reis Salles Ferreira, 48 anos, aeroviário. Rio; auto de qualificação e interrogatório,
inii ,11) Conselho da A u d i t o r i a M i l i t a r de M i n a s Gerais, em 1973:
1970: B N M n. 23, V . 9", p. 2.155.
que f o i presa no dia 21/10/73, juntamente com seu filho me-
42. J o s é Machado Bezerra, 25 anos, professor. Fortaleza; auto de qualificação e interrogatório, 1973:
nor Eduardo, de 4 anos de idade; que o m o t i v o da prisão era que a
BNM n. 92, V . 1°, p 196v e 197v.
43. Aldo Silva Arantes, 38 anos, advogado. São Paulo; carta de próprio punho anexada ao processo,
1977: B N M n. 43, V . 13°, p. 2.887-2.896. I ItNM ii.82,V. 5°, p. 1.188.

m 41
interroganda desse o paradeiro de seu esposo; que, durante 3 dias, [...] fazendo ameaças aos seus filhos menores, do que resultou, i n -
em Belo Horizonte, f o i pressionada (para dizer) onde estava Jose clusive, a necessidade de tratamento médico-psiquiátrico no me-
Carlos, da seguinte maneira: que, se não falasse, seu filho seria j o - n i n o Sérgio, então c o m três anos de idade [...]^.
gado do 2° andar, e isso d u r o u 3 dias, [ . . . ] ; que na última noite que Na tentativa de fazerem falar o motorista César A u g u s t o Teles, de 29 anos, e
seu filho passou consigo, j á estava bastante traumatizado, pois ele sua esposa, presos e m São Paulo em 28 de dezembro d o 1972, os agentes do
não conseguia entender porque estava preso e pedia para ela, inter- D O I - C o d i buscaram em casa os filhos menores deles e os levaram àquela depen-
roganda, para não dormir, para ver a hora que o soldado viria bus- dência policial-militar, onde v i r a m seus. pais marcados pelas sevícias sofridas:
cá-los; [...] ele não consegue entender o motivo do desaparecimen- [...] Na tarde desse dia, por volta das 7 horas, foram trazidos se-
to meu e de J o s é Carlos; que o m e n i n o está traumatizado, c o m sen- questrados, também para a Oban, meus dois filhos, Janaina de
timento de abandono [...]^. Almeida Teles, de 5 anos, e Edson Luiz de Almeida Teles, de 4
A o d e p o r n o Rio, e m 1969, declara o c a r p i n t e i r o paranaense M i l t o n Gaia anos, quando fomos mostrados a eles c o m as vestes rasgadas, su-
Leite, 30 anos: jos, pálidos, cobertos de hematomas [...]. Sofremos ameaças por
I [...] f o i preso e torturado com tentativa de estupro, inclusive os algumas horas de que nossos filhos seriam molestados [...]''.
seus filhos e esposa, tendo os filhos de 5 anos e 7 (sido) presos, não A companheira de César, professora M a r i a Amélia de A l m e i d a Teles, t a m -
só no Paraná, e aqui (também) [.. J^. 'n^Mn d e n u n c i o u n o mesmo processo:
E m São Paulo, a estudante lára A c k s e l r u d de Seixas, de 23 anos, v i u seu i r - [...] que, inclusive, ameaçaram de tortura seus dois filhos; que tor-
mão m e n o r , c o m evidentes sinais de torturas, ser levado à sua casa pela polícia, I luraram seu marido também; que seu marido f o i obrigado a assistir
c o n f o r m e n a r r o u e m seu d e p o i m e n t o , e m 1972: ' , todas as torturas que fizeram consigo; que também sua irmã f o i
obrigada a assistir suas torturas [... ] ^.
, . [...] "alguns seres" que invadiram a casa, passando a agredi-la e aos
, , j ; demais, derrubando tudo, estando seu irmão, na ocasião, ensan- A semelhante constraíigimento f o r a m submetidos os filhos do ferroviário
, guentado, mancando e algemado, tendo ele apenas 16 anos de ida- iiposentadojoão Farias de Souza, 65 anos, ao ser preso em Fortaleza, em 1964:
^ . , dci..]\ ,^ , , [...] deveria declarar tudo quanto ele soubesse, sob pena de, se as-
A l g u m a s crianças f o r a m interrogadas, n o i n t u i t o de se obter delas i n f o r m a - s i m não o fizesse, ele ( p r o m o t o r ) tinha autoridade para prender
toda a sua família; que, no dia em que fizeram busca em sua resi-
ções que viessem a c o m p r o m e t e r seus pais. O ex-deputado federal Diógenes
dência, a polícia havia levado dois de seus filhos, permanecendo
A r r u d a Câmara d e n u n c i o u , e m seu d e p o i m e n t o , e m 1970, o que o c o r r e u à filha naquela repartição até a hora em que o interrogado v o l t o u à sua re-
de seu c o m p a n h e i r o de cárcere, o A d v o g a d o Antônio E x p e d i t o Carvalho: sidência [...]^.
[...] ameaçaram torturar a única filha, de nome Cristina, c o m 10
Nao há indícios de que seriam menores os f i l h o s citados na denúncia aci-
anos de idade, na presença do pai; ainda assim, não intimidaram o
iiiii, bem como nos seguintes casos registrados nos autos de qualificação e i n -
' ' advogado, mas, de qualquer maneira, foram ouvir a menor e, evi
li I iiigatório, das A u d i t o r i a s M i l i t a r e s brasileiras.
dentemente, esta nada tinha para dizer, embora as ameaças feitas-
inúteis, p o r se tratar de uma inocente que, jamais, é óbvio, poderia No Rio de Janeiro, consta n o d e p o i m e n t o prestado, e m 1970, pela operária
saber de alguma coisa [...]^. M i H 1,1 Eloídia Alencar, de 38 anos: ;<;;Í5 i Í . • í < v-» . , • ;^
A o p r e n d e r e m , e m São Paulo, e m 24 de j u n h o de 1964, o publicitário JosC [...] que a altas horas da noite f o i levada à sua residência; que a por-
Leão de Carvalho, não p o u p a r a m seus f i l h o s mais novos: ta f o i arrombada e a depoente entrou acompanhada desses homens

H IINM I I 008, V . 13°, p. 2.793.


2. B N M n . 684, V . 3 4 ° , p. 1.356ve 1.357. ' í ' : • ./-•) i '

f IINM I I , 693, V . 2 4 ° , p. 8.971v e 8.973v.


3. B N M n . 93, V . 2°, p. 1.921.
i IIMM I I 257, V . 1°, p. 128v.
4. B N M n . 180, p. 2.467. '^^
» H i M i i 09 5, V . 2 4 ° , p. 8 . 9 1 7 v e 8.918 V .
5. B N M n. 299, V . 2°, p. 324-474. • t

42 43
e, lá, foi novamente espancada; [...] que prenderam e espancaram [...] que a interrogada f o i submetida a choques elétricos em vários
o filho da depoente [ . . . ] ' " . lugares do corpo, inclusive nos braços, nas pernas e na vagina; que
o marido da interrogada teve oportunidade de presenciar essas ce-
T a m b é m o radiotécnico N e w t o n Cândido, de 40 anos, d e n u n c i o u na Justi-
nas relacionadas com choques elétricos e os torturadores amplifi-
ça M i l i t a r e m São Paulo, e m 1977: cavam os gritos da interrogada, para que os mesmos fossem o u v i -
" [...] que, em São Paulo, foi, juntamente com sua esposa e filhos, dos pelo seu marido [ . . . ] ' ^ .
torturado |...|". A bancária Inês Etienne R o m e u , 29 anos, d e n u n c i o u :
Os arquivos processuais das Auditorias Militares registram outros casos de se- [...] A qualquer hora do dia ou da noite sofria agressões físicas e mo-
vícias envolvendo relações de parentesco, como o do Advogado J o s é Afonso de rais. "Márcio" invadia minha cela para "examinar" meu ânus e veri-
Alencar, de 28 anos, conforme seu depoimento à Justiça Militar de Minas, em 1970: ficar se "Camarão" havia praticado sodomia comigo. Este mesmo
"Márcio" obrigou-me a segurar o seu pênis, enquanto se contorcia
[... ] que a esposa de Carlos Melgaço f o i trazida para ver os espanca-
obscenamente. Durante este período f u i estuprada duas vezes por
' mentos sofridos pelo interrogado, Melgaço, Ênio, Mário e Ricardo,
"Camarão" e era obrigada a limpar a cozinha completamente nua,
sendo de notar que a esposa de Melgaço, diante de tais cenas, des-
ouvindo gracejos e obscenidade, os mais grosseiros [...V^. - t
maiou algumas vezes [...]^^.
Maria do Socorro Diógenes, de 29 anos, e Pedro, sofreram vexames sexuais
O mesmo ocorreu c o m o estudante L u i z A r t u r T o r i b i o , 22 anos, q u a n d o
iorno forma de tortura, segundo denúncia dela à J u s d ç a M i h t a r do Rio, em 1972:
preso em São Paulo, e m 1972: , ; / r , * ^
[...] que, de outra feita, a interrogada, juntamente com o acusado
[...] Como se isso não bastasse, f o i torturado na frente de sua na- neste processo por nome de Pedro, receberam aplicação de cho-
morada, Lúcia Maria Lopes de Miranda e, ela, torturada em sua ques, procedidos pelos policiais, obrigando a inerrogada a tocar os
presença [ . . . ] ' ^ .
órgãos genitais de Pedro para que, dessa forma, recebesse a descar-
E m Fortaleza, consta, n o d e p o i m e n t o prestado e m 1972 pelo estudante ga elétrica [ . . . ] ' ' ' .
J o s é Calistrato Cardoso F i l h o , 29 anos: V-Í^--~H':--: 'r^í:.?!:^: v:
Violentada no cárcere, a estudante de M e d i c i n a M a r i a de Fátima M a r t i n s
-

[.. J Que foi levado a assinar referidas declarações por ter sofrido tor-
l't i r i r a , 23 anos, c o n t o u , n o Rio, ao Conselho de J u s t i ç a , e m 1977: '
.; turas e maus-tratos, aplicados não apenas na pessoa do interrogando,
[...] que, u m dia, i r r o m p e r a m na "geladeira", ela supõe que cinco
como também à noiva do interrogando e às irmãs destes
homens, que a obrigaram a deitar-se, cada u m deles a segurando de
braços e pernas abertas; que, enquanto isso, u m outro tentava i n -
M u l h e r e s torturadas troduzir u m objeto de madeira em seu órgão genital [...]^^.
Em M i n a s Gerais o mesmo se deu c o m a Professora M a r i a Mendes Barbosa,
O sistema repressivo não fez distinção entre homens e mulheres. O que variou
tic IH anos, segundo seu d e p o i m e n t o , e m 1970:
foi a forma de tortura. Além das naturais diferenças sexuais da m u l h e r , u m a even-
tual gravidez a torna especialmente vulnerável. Por serem do sexo masculino, os [...] nua, f o i obrigada a desfilar na presença de todos, desta ou da-
quela forma, havendo, ao mesmo tempo, o Capitão Portela, nessa
torturadores fizeram da sexuahdade feminina objeto especial de suas taras.
oportunidade, beliscando os mamilos da interrogada até quase
A Engenheira Elsa M a r i a Pereira Lianza, de 25 anos, presa n o Rio, n a r r o u produzir sangue; que, além disso, a interrogada f o i , através de u m
cassetete, tentada a violação de seu órgão genital; que ainda, na-
em seu d e p o i m e n t o , e m 1977:
quela oportunidade, os seus torturadores faziam a autopromoção
de suas possibihdades na satisfação de uma mulher, para a interro-

10. B N M n. 205, V . 6°, p. 1.580-1.581.


11. B N M n . 5 5 1 , V . 1 0 ° , p . 2.960V. n IINM n. 700, V . 2°, p. 407v e 409.
12. B N M n . 177, p. 1.574-1.576. " ' lo. Cf. Pasquim, Rio, 12 (607), 4 a 18 de janeiro de 1981
13. B N M n. 224, V . 3°, p. 657v-658v. 1/ IINM n. 156, V . 2°, p. 474v.
14. B N M n. 461, V . 1°, p. 191v. IM IINM n. 700, V . 2°, p. 588v e 589.

45
gada, e depois fizeram uma espécie de sorteio para tiue ela, inierro Idêntica situação e n f r e n t o u , também n o Rio e n o mesmo ano, o estudante
gada, escolhesse u m deles [...]^'^.
)ose Luiz de Araújo Saboya, de 23 anos:
N o Rio, a funcionária pública Maria Auxiliadora Lara Barcelos, de 25 anos, nar-
rou, em 1970, como a forçaram a atos degradantes com outros prisioneiros políticos: [...] que durante o período em que esteve no Dops, em seguida no
C o d i , a sua esposa se encontrava em estado de gestação e perma-
[...] que nesta sala foram tirando aos poucos sua roupa; [...] que
neceu dedda cotno elemento de coação m o r a l sobre o interrogan-
u m policial, entre calões proferidos por outros pohciais, ftcou à
do \
sua frente, traduzindo atos de relação sexual que manteria com a
declarante, ao mesmo tempo em que tocava o seu corpo, tendo esia No Recife, o Conselho de Justiça o u v i u , em 1970, este d e p o i m e n t o da estu-
prática perdurado por duas horas; que o policial profanava os seus dante Helena M o r e i r a Serra A z u l , de 22 anos:
seios e, usando uma tesoura, fazia como iniciar seccioná-los; [...|
[...] que o marido da interrogada hcou na sala j á referida e ela o u -
que, na Polícia do Exército, os três presos foram colocados numa
v i u , do lado de fora, barulho de pancadas; que, posteriormente, f o i
sala, sem roupas; que, inicialmente, chamaram Chael e fizeram-no reconduzida á sala onde estava o seu marido, que se apresentava
beijar a declarante toda e, em seguida, chamaram Antonio Roberto com as mãos inchadas, a face avermelhada, a coxa tremendo e com
para repetir esta prática, [...] o Cabo Nilson Pereira insistia para que a as costas sem poder encostar na cadeira; que o Dr. Moacir Sales, d i -
declarante o fitasse, sem o que não lhe entregaria a refeição rigindo-se à interrogada, disse que, se ela não falasse, ia acontecer
E m 1973, n o Rio, o t r i b u n a l m i h t a r o u v i u da revisora gráfica M a r i a da Con- o mesmo com ela; [...] na Delegacia, todos j á sabiam que a interro-
gada estava em estado de gestação [...]^^.
ceição Chaves Fernandes, de 19 anos:
[ ] sofreu violências sexuais na presença e na ausência do marido Também no Recife, a mesma ameaça sofreu a vendedora Helena M o t a Q u i n -
.. . • • liJa, de 28 anos, c o n f o r m e d e n u n c i o u , e m 1972:
[...] que f o i ameaçada de ter o seu filho "arrancado ã ponta de faca"
G r a v i d e z e abortos
E m Brasíha, a estudante Hecilda M a r y Veiga Fonteles de L i m a , de 25 anos,
Para as forças repressivas, as razões de Estado p r e d o m i n a v a m sobre o direi
revelou, em 1972, c o m o ocorreu o nascimento de seu f i l h o , sob coação psicoló-
to à v i d a . M u i t a s mulheres que, nas prisões brasileiras, t i v e r a m sua sexualidade
giia e c o m acentuados reflexos somáticos:
conspurcada e os f r u t o s do ventre arrancados, certamente p r e f e r i r a m calar-sc,
para que a vergonha suportada não caísse em domínio p ú b h c o . H o j e , n o anoni [...] ao saber que a interrogada estava grávida, disse que o filho
dessa raça não devia nascer; [...] que a 17/10 f o i levada para prestar
m a t o de u m passado marcante, elas g u a r d a m em sigilo os vexames e as viola
outro depoimento no Codi, mas f o i suspenso e, no dia seguinte,
ções sofridas. N o entanto, outras o p t a r a m p o r denunciar na J u s t i ç a M i h t a r o
por estar passando mal, f o i transportada para o Hospital de Brasí-
que padeceram, o u t i v e r a m seus casos relatados p o r maridos e companheiros. lia; que chegou a ler o prontuário, por distração da enfermeira,
O auxihar a d m i n i s t r a t i v o J o s é Ayres Lopes, 27 anos, preso n o Rio, decla constando do mesmo que f o i internada em estado de profunda an-
gústia e ameaça de parto prematuro; que a 20/02/72 deu à luz e (24
r o u , e m 1972: ' *
horas após o parto, disseram-lhe que ia voltar para o PIC [...]^^.
[...] que, por vezes, foram feitas chantagem com o depoente em rc
lação à gravidez de sua esposa, para que o depoente admitisse as A mera coação psicológica é suficiente para p r o v o c a r o a b o r t o , c o m o acon-
declarações, sob pena de colocar sua esposa em risco de aborto i (í-ceu à estudante de M e d i c i n a Maria J o s é da C o n c e i ç ã o D o y l e , de 23 anos, t a m -
consequentemente, de vida [...]^^. • 5 hcMn em Brasília, em 1971:

19. B N M n. 143, V . 7°, p. 2.199. :t l\M n. 112, V . 1°, p. 390 e 391.

20. B N M n. 30, V . 3°, p. 703 a 706 e B N M 95, V . 2", p. 2.409-2.412. íf I t N M n . 507, V . 2°, p. 381v.

21. B N M n. 701, V . 4°, p. 1.027. h IINM n. 156, V . 2°, p. 472v.

22. B N M n. 688, V . 3°, p. 756v. (wj , itt IINM n. 18, V . 3°, p. 798v e 799.

46 47
[...] que a interroganda estava grávida de 2 meses e perdeu a crian-
ça na prisão, embora não tenha sido torturada, mas sofreu ameaças

o mesmo deu-se e m São Paulo c o m a professora M a r i a Madalena Prata Soa-


res, de 26 anos, c o n f o r m e seu d e p o i m e n t o prestado e m 1974:
[...] que, durante sua prisão em Minas, foi constatado que estava \
i grávida e, em dia que não se recorda, abortou na Oban [...]^®.
Outras mulheres abortaram em consequência das torturas físicas sofridas,
c o m o f o i o caso da secretária M a r i a Cristina U s l e n g h i Rizzi, de 27 anos, que,
e m 1972, d e n u n c i o u à J u s t i ç a M i l i t a r de São Paulo:
'\ , [ • • • ] sofreu sevícias, tendo, inclusive, u m aborto provocado que lhe
causou grande hemorragia [...]^^. i
E m 1970, n o Rio, a Professora Olga D'Are P i m e n t e l , de 22 anos, fez constar
de seu d e p o i m e n t o :
[...] sevícias, as quais tiveram, como resultado, u m aborto; que
) . presenciou, também, as sevícias praticadas em seu marido [...]^".
O Professor L u i z Andréa Favero, de 26 anos, preso e m Foz d o Iguaçu, de
clarou na A u d i t o r i a M i l i t a r de C u r i t i b a , e m 1970, o que ocorrera a sua esposa:
[...] o interrogando o u v i u os gritos de sua esposa e, ao pedir aos
1, policiais que não a maltratassem, uma vez que a mesma se encon
trava grávida, obteve como resposta uma risada; [...] que ainda,
neste mesmo dia, teve o interrogando notícia de que sua esposa so
frera uma hemorragia, constatando-se posteriormente, que a mes
ma sofrera u m aborto [...P^.

T a m b é m em 1970, em seu d e p o i m e n t o n o Rio, a estudante Regina Maria


Toscano Farah, de 23 anos, c o n t o u :
[...] que molharam o seu corpo, aplicando consequentemente cho
ques elétricos em todo o seu corpo, inclusive na vagina; que a de
clarante se achava operada de fissura anal, que provocou hemorra
' gia; que se achava grávida, semelhantes sevícias lhe provocaram
aborto

27. B N M n. 18, V. 4", p. 1.191.

28. B N M n. 684, V . 3 4 ° , p. 13.516v.

29. B N M n. 602, V . 1°, p. 171v. I


30. B N M n . 1 8 6 , V . 2°, p. 512.

31. B N M n. 125, V . 1°, p. 187v e 188.

32. B N M n. 76, V . 5°, p. 1.138.

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