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01/09/2018 Cassandra - 27/08/2018 - Luiz Felipe Pondé - Folha

Luiz Felipe Pondé (/colunas/luizfelipeponde/)


ponde.folha@uol.com.br (mailto:ponde.folha@uol.com.br)

Cassandra
Seria melhor os jovens lerem os trágicos do que lerem o mimimi generalizado de
hoje

27.ago.2018 às 2h00

EDIÇÃO IMPRESSA (https://www1.folha.uol.com.br/fsp/fac-simile/2018/08/27/)

Haveria mesmo um vínculo necessário entre felicidade e ignorância? As


pessoas mais felizes são as menos inteligentes? Ou isso seria apenas um
discurso para disfarçar a incapacidade de algumas pessoas para a felicidade?
E mais: seria a beleza "excessiva" numa mulher uma maldição para ela e para
os homens à sua volta?

Não vou cair aqui na armadilha de definir felicidade nem beleza. Mantenha
sua ansiedade sob controle quanto a essas definições. Existem definições que
só servem às almas rasas e burocráticas. Como sabem muitos filósofos,
mestres em definições, algumas coisas, quando definidas, ficam mais difíceis
de serem compreendidas.

A intuição imediata, às vezes, é mais clara do que o esforço de dar nomes


complicados para experiências "simples".

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Ricardo Cammarota

Voltemos ao que interessa: haveria mesmo um vínculo necessário entre


felicidade e ignorância? E a beleza "excessiva" numa mulher seria uma
maldição?

Indaguemos a tradição clássica. Você não tem clareza quanto ao que é a


tradição clássica? Trata-se daquele conjunto de textos e autores que
atravessam as época sendo melhores, mais profundos e mais relevantes do
que a maioria dos outros. Sobrevivem a um monte de críticos que
desaparecem, enquanto os clássicos permanecem. Italo Calvino (1923-1985),
em seu "Por Que Ler os Clássicos", deixa isso bem claro.

Eu arriscaria dizer que poderíamos jogar no lixo grande parte do ruído


causado por alguns textos e autores contemporâneos e colocar no lugar
textos e autores antigos. Seria melhor os jovens lerem os trágicos do que
lerem o mimimi generalizado de hoje.

Ouçamos Ésquilo (525/524 a.C-456/455 a.C) em "Agamémnon", primeira


peça da sua trilogia "Oresteia".

Numa conversa entre o Corifeu (personagem líder do coro nas tragédias


gregas) e Cassandra, uma bela escrava troiana recém-trazida a Argos pelo
vitorioso Agamémnon, temos uma ideia da visão grega trágica acerca desses
temas. "Não há dúvida que tens uma grande capacidade de sofrimento e uma

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alma corajosa!", diz Corifeu. Cassandra responde: "As pessoas felizes não
ouvem palavras dessas...".

Cassandra é uma pitonisa (profetisa) nessa cena, isto é, ela conhece o futuro:
Agamémnon será morto pela sua esposa, a rainha Clitemnestra. E Cassandra
mesma será morta —não irei mais longe no enredo.

Ela sofre porque sabe disso tudo. Além do fato de ter sido feita escrava
"sexual" devido à sua beleza, porque sua cidade foi derrotada na famosa
guerra causada pela mulher mais bela da Grécia antiga, Helena de Troia,
apesar de os sofistas Górgias (485 a.C-380 a.C) e Protágoras (490 a.C.-415
a.C.) negarem a culpa de Helena nessa guerra.

A questão de se a beleza "excessiva" numa mulher a destrói, assim como aos


homens à sua volta, é consistente.

O Corifeu sabe da desgraça de Cassandra. De escrava do leito do rei


Agamémnon a pitonisa de seu assassinato pela esposa, Cassandra responde
ao Corifeu que as almas felizes não ouvem elogios acerca de sua capacidade
de sofrimento e sua coragem.

O sofrimento de Cassandra começa pela derrota de sua cidade, Troia,


arrastada a uma guerra causada pela bela Helena. Seu sofrimento avança por
causa de sua condição de mulher jovem desejável. É coroado por seu saber
acerca do que as pessoas normais não sabem, o saber acerca do futuro.

A resposta de Cassandra nos remete à ideia de que a felicidade é fruto da


ausência de conhecimento prático da dor, causada seja por sua condição de
escrava do leito, seja por sua condição de pitonisa.

A ideia de que a prática é a única forma de ter virtudes de fato aparece


também em Aristóteles (384 a.C-322 a.C) em sua "Ética a Nicômaco".

O vínculo entre conhecimento excessivo e infelicidade está, portanto, posto


por Ésquilo.

Não se trata de dizer que ser melancólico seja chique. Trata-se de saber que o
conhecimento pode, sim, gerar uma prática da dor. A ignorância é uma

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forma de proteção contra essa prática.

Outra virtude de Cassandra, a coragem, é também irmã da dor. O que


encanta o Corifeu é justamente sua postura altiva diante da desgraça. Sendo
nós todos mortais, os gregos se encantavam por aqueles que enfrentavam o
destino mortal sem medo. Esses merecem ser lembrados (uma heroína é
exatamente uma pessoa que merece ser lembrada).

A beleza de Cassandra e Helena marcam o vínculo entre sofrimento e beleza.


Qualquer mulher muito bonita sabe disso no silêncio de sua solidão.

Resumo da ópera: não se adquirem virtudes em workshops felizes de fim de


semana. Fuja deles.

Luiz Felipe Pondé


Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em
filosofia pela USP.

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