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A Socialização
Construção das Identidades Sociais
Orientada por
Maria Teresa Estrela e Albano Estrela
Título: A Socialização
Construção das identidades sociais e profissionais
Para cada estádio, esta adaptação é descrita por Piaget como a resultante
e a articulação de dois movimentos complementares ainda que de natureza
diferente:
Quadro 1.1.
Desenvolvimento mental e socialização em seis estádios
(2) segundo Piaget (1964)
(2) A partir dos finais dos anos 60, Piaget passou a referir-se a um
desenvolvimento em quatro estádios: sensório-motor (I II e III), pré-
operatério (IV), operatório concreto (V) e formal (VI).
:::::::
Os estádios de desenvolvimento (versão 1964) -- Dimensão individual:
estruturas mentais -- Dimensão social:
formas de socialização
Esquema 1.2.
:::::::::
Posição social dos pais
*
*
*
Estatuto
socioprofissional
do pai (CSP)
(alto/médio/baixo)
:o Causalidade
Estruturação das
tarefas e dos papéis na
divisão do trabalho
Ambiente familiar
*
*
*
Tipo de
estruturação das
regras educativas
(flexível/rígido/fraco)
:o Correlação
Quadro 1.3.
Categorias de análise da socialização de A. Percheron reutilizando J.
Pinget
:::::::
Categorias de análise da socialização:
Processo essencial
PIAGET:
Equilibração adaptações sucessivas entre o Eu e o Mundo
PERCHERON:
Transacção Indivíduo/instituições:
compromisso entre desejos individuais
e valores colectivos
PERCHERON:
Pertença + Relação
Identidade social
PIAGET:
Estruturação de uma inteligência formal
permitindo a construção de
um programa de vida
"possível"
PERCHERON:
Construção/selecção de um
código simbólico "especializado" :,
::::::::::
Esta passagem de uma forma de equilíbrio para outra implica uma primeira
fase de desestruturação que corresponde a uma crise das formas de
transacção anterior, uma segunda fase de desequilíbrio que corresponde a
uma acomodação sem assimilação (simples adaptação sem reequilibração) ou
a uma assimilação sem acomodação (simples crescimento sem reequilibração)
e uma última fase de reestruturação que corresponde a um novo equilíbrio
dos dois processos. Este "modelo" pode ser considerado como o contributo
mais importante de Piaget para a análise dos processos da socialização.
ERIKSON, E. H. (1950), *Childhood and Society*, New York and C.o, trad.
*Enfance et société*, Neufchâtel, 1957.
A socialização na antropologia
e o funcionalismo
A este estudo pioneiro seguiram-se muitos outros, alguns dos quais tinham
pretensões mais teóricas. Todos eles se organizaram à volta de uma tese
comum: *a personalidade dos indivíduos é o produto da cultura onde
nasceram*. Mais precisamente, "as instituições com as quais o indivíduo
está em contacto no decurso da sua formação produzem nele um tipo de
condicionamento que, a longo prazo, acaba por criar um certo tipo de
personalidade" (Lefort, 1969, p. 49). E esta posição, explicitada,
matizada e ilustrada por Kardiner, que serve de fio condutor à sua obra
intitulada pertinentemente *L'individu et sa société* (1939) e que começa
por uma critica argumentada às teses de Freud sobre a universalidade do
complexo de Édipo. Retomando, a propósito das ilhas Marquesas (cf.
encaixe 2.1.), a ideia aceite, alguns anos antes, por Malinowski a
propósito das ilhas Trobriand (9), Kardiner constata que nestas
sociedades, não aparece nenhuma manifestação de um qualquer complexo
edipiano porque não existe nenhuma instituição susceptível de o
engendrar. Mas o que é uma instituição? É um "conjunto de esquemas de
conduta, de *modelos* (pattern) de comportamentos fixados pela repetição
de acções individuais, uma formalização do comportamento humano" (Lefort,
p. 36). O conjunto destas instituições constitui a cultura de uma
sociedade que é também, segundo a célebre definição de Linton, "a
configuração geral dos comportamentos aprendidos e os seus resultados,
cujos elementos são adoptados e transmitidos pelos membros de uma dada
sociedade" (1945, p. 13).
(9) Foi, sem dúvida, Malinowski, graças às suas notáveis pesquisas sobre
os habitantes das ilhas Trobriand, quem, pela primeira vez, criticou
empiricamente a universalidade do complexo de édipo, formulado por Freud,
enunciando, simultaneamente, os princípios de uma abordagem "científica"
funcional da cultura (Malinowski, 1944). Mas, contrariamente a Kardiner e
a Linton, ele não atribuiu à socialização a importância que lhe deram,
posteriormente, os teóricos da antropologia cultural.
Linton, que realizou um longo inquérito nas ilhas Marquesas (cf. encaixe
2.1.), chega à conclusão de que não há "nenhuma ou poucas disciplinas de
base". O recém-nascido não é confiado à mãe mas aos maridos secundários
daquela, de tal forma que "a criança cresce no meio de vários pais de
entre os quais nenhum reivindica prerrogativas nem exerce uma autoridade
rígida, não existindo assim uma inflação anormal da imagem parental". A
amamentação dura pouco tempo (menos de quatro meses) porque "os
habitantes das ilhas Marquesas acreditam que ela torna a criança difícil
de educar e menos submissa" e sobretudo, segundo Linton, porque as
mulheres têm um grande orgulho na firmeza e na beleza dos seus seios" e
estão "convencidas de que um amamento prolongado estraga os seios". A
forma de alimentar é brutal: "deita-se o bebé no chão da casa enquanto a
mãe fica perto dele com uma mistura de leite de coco e de fruta com pão
cozido... ela pega numa mão cheia desta mistura e, mantendo firme o rosto
da criança, enfia-lhe a comida na boca". Não se esforçam por obter um
controlo anal do bebé antes de ele perfazer um ano de idade: "o homem
limita-se a mudar o tecido de casca de árvore no qual a criança está
deitada. Mais tarde, a criança é levada em braços pelo homem para perto e
posta em posição para fazer as suas necessidades". As crianças passam a
maior parte do dia na água e aprendem a nadar antes de aprender a andar.
Estão nuas e nunca sozinhas mas são constantemente vigiadas (embora sem
muita preocupação, segundo o autor) pelos maridos secundários. Se os
adultos estão ocupados, deixa-se a criança chorar. No caso de ela gritar
e se tornar muito incómoda, "pode acontecer que um adulto a acalme
masturbando-a". Aliás, prossegue Linton, "a masturbação das meninas
inicia-se muito cedo: logo que nascem, manipulam-se sistematicamente os
lábios para que estes cresçam e se tornem mais longos e, pensava-se, mais
bonitos" (Kardiner, *id.*, pp. 226-227).
Encaixe 2.1.
-- este risco pode ser evitado pela emergência de um novo tipo de cultura
proveniente da "necessidade de um conjunto de ideias e de valores
mutuamente compatíveis aos quais todos os membros possam aderir para
justificar a sua pertença comum". Esta emergência implica a
reconstituição de um novo núcleo cultural a partir de uma reorganização
de elementos antigos e novos provenientes de inovadores culturais;
pressupõe, simultaneamente, a reconstituição de uma nova estrutura do Eu
(personalidade de base) assegurada através de uma socialização comum.
(13) Para uma apresentação global e uma síntese crítica das diferentes
correntes funcionalistas, podemos consultar o capítulo que G. Rocher lhes
consagra na sua obra *Introduction à la sociologie générale* (1968, t. 2,
pp. 160-176) assim como o artigo de Merton publicado em *Éléments de
méthode et de théorie socialogique* (1965, trad. francesa, pp. 65-139).
O que interessa a Parsons é construir uma teoria geral que integre todos
os elementos da acção humana e dê conta das suas singularidades e
variações. Partindo do acto individual, ele depara-se, em primeiro lugar,
com a *interacção*, dado que qualquer acção humana pressupõe, de qualquer
forma, uma relação com o outro. Ora, a interacção só é possível segundo
Parsons, quando "uma *norma* comum se impõe simultaneamente aos dois
actores". Só se pode comunicar (tendo em conta o que Parsons chama de
"dupla contingência") se se possuir um código comum mínimo (eventualmente
uma linguagem gestual interpretada da mesma forma por todos...). Esta
norma comum, de acordo com Parsons, só pode derivar de uma cultura
partilhada que implique "um sistema de *valores* que subentenda as normas
que orientam os actores" (1937, p. 15).
Esquema 2.1.
:::::::
A: Adaptação
a4: maturidade (8-16 object systems)
b4: manipulação das sanções
Adolescência (c4)
a: fases da socialização
b: mecanismos específicos
c: fases e crises :,
::::::
A querela da hipersocialização
(15) Parece que Parsons teve de suportar reacções hostis em Harvard pelo
facto de criticar vigorosamente P. Sorokin, titular da cadeira de
Sociologia. Parece também haver uma relação entre esta rejeição relativa
e o envolvimento de Parsons na análise da prática médica no hospital de
Boston. Agradeço a Béatrice Appay por me ter feito descobrir estes
aspectos importantes da biografia do mais impressionante dos teóricos da
sociologia do século XX (Appay. 1989). Cf. também o livro de Gouldner
*The Coming Crisis of Western Socialogie* (1970), onde se poderá
encontrar uma biografia de Parsons e uma critica equilibrada da sua
teoria.
(18) Esta abordagem dos cursos nocturnos por C. de Montlibert tem de ser
situada na sua época: os anos 60 em França onde o modelo da "promoção
social" predomina em matéria de formação continua As análises dos
comportamentos em formação dos adultos franceses serão, de futuro,
complexificadas, nomeadamente, pelo papel crescente das empresas e pela
subida do desemprego (Dubar, 1983).
(19) O termo paradigma é utilizado aqui num sentido mais lato do que no
capítulo 1: designa as representações de um fenómeno (aqui: a
socialização) características de algumas "correntes" transversais às
várias disciplinas das ciências humanas e fornece "modelos de
inteligibilidade" do funcionamento deste fenómeno.
Bibliografia do Capítulo II
KARDINER, A. (1939), *The Individual and his Society*, New York, Columbia
University Press, trad. *L'individu et sa société*, Paris, Gallimard,
1969.
LINTON, R. (1936), *The study of man*, New York, Appleton Century, trad.
Y. Delsaut. *De
l'homme*, Paris. Éd. de Minuit 1968.
PARSONS, T. (1937), *The Structure of Social Action*, New York, Mac Graw-
Hill.
PARSONS, T.; BALES, R. F. (en coll. avec Zelditch, M., Olds, J., Slater,
P. (1955), *Family, Socialization and Interaction Process*, Glencoe, The
Free Press.
Ora, será exactamente isto o que Bourdieu quer dizer? Na maioria dos
textos em que expõe a concepção do *habitus*
-- em todo o caso posteriores à *Reproduction* (1970) - tem o cuidado de
lembrar, várias vezes (nomeadamente: 1974, pp. 4, 5, 10, 28; 1980, pp.
103, 104, 105, 134...), que o *habitus* tende somente a reproduzir as
estruturas das quais é o produto "na medida em que as estruturas nas
quais funciona são idênticas ou homólogas às estruturas objectivas das
quais é o produto". Esta distinção entre "condições de produção" e
"condições de funcionamento" do *habitus* introduz um elemento
fundamental de incerteza na teoria do *habitus*.
Tal como faz P. Bourdieu em várias ocasiões (1974. pp. 5, 19, 22; 1980,
pp. 102 e seguintes), pode-se também fazer do *habitus* não o produto de
uma condição social de origem, mas o produto de uma *trajectória social*
definida através de várias gerações e mais precisamente através da
"orientação da trajectória social da linhagem" (1974, pp. 5 e 29); neste
caso já não podemos definir de uma forma sincrónica as "estruturas
objectivas" que produzem *habitus*. O filho de um operário, sendo este
filho de camponês e propenso à ascensão social e ao abandono da condição
operária, não será educado da mesma maneira que o filho de um operário,
também este filho de operário, e persuadido que não se pode sair da
condição operária. Enquanto o primeiro arrisca ter um "*habitus* de
pequeno burguês" -- sendo de origem operária mas com uma socialização
antecipatória de pequena burguesia --, o segundo terá um *habitus*
operário "tradicional". A estrutura das situações que ambos encontram não
será percepcionada da mesma maneira pelo primeiro e pelo segundo. Assim,
o primeiro poderá ter um bom sucesso escolar, poderá investir nos estudos
para "não ser operário como o pai", enquanto que o segundo sairá da
escola mais cedo com, por exemplo, um diploma do ensino técnico curto
"para ter um bom ofício (de operário) como o do pai". Na segunda
interpretação, o *habitus* não é essencialmente a cultura do grupo social
de origem, mas a orientação da família (a "vocação" corresponde à
"orientação" da trajectória familiar -- cf. 1974, p. 16), a identificação
antecipada a um grupo de referência cujas condições sociais não são as da
família ou do grupo de origem.
::::::::::::
(Burguês)
(Pequeno-burguês)
(Povo)
Uma das questões mais delicadas que coloca esta versão da teoria dos
campos é a do grau de autonomia de cada um dos campos em relação ao
espaço global das classes sociais e à sua estruturação essencial
(dominante/dominada) e secundária (ascendente ou com
pretensões/descendente ou ameaçada). Se o volume do capital cultural está
cada vez mais dependente do volume global do capital da família de origem
-- reconvertendo o capital económico em capital cultural à medida da
"ascensão" do campo escolar na hierarquia dos campos --, não se
compreende como é que os mesmos agentes provenientes das fracções
dominantes da classe dominante não conseguem dominar todos os campos em
que investem os seus capitais. A introdução em algumas análises, como
aquelas que são feitas na parte final do *Le sens pratique*, de uma nova
espécie de capital, o capital simbólico, que tem por principal função "a
legitimação do arbitrário", permitindo transformar "relações arbitrárias
de domínio em relações legitimas" (1980, pp. 210-2113, vai no mesmo
sentido: cada um dos campos tende a ser estruturado de acordo com
posições de poder que são sistematicamente ocupadas pelas mesmas classes
e fracções de classes. :,
(23) É o que faz, parece, J.-C. Passeron (1986) quando distingue a auto-
reprodução escolar da reprodução social. Na sua opinião, "é ao
historiador o não ao sociólogo que compete descrever a renovação das
configurações produzidas polo encontro heterogéneo do processos que não
se podem tratar como evoluções sistemáticas desde que se considerem como
independentes" (p. 76).
Quadro 4.1.
::::::::::::
Categorias -- Mundo objectivo -- Mundo subjectivo -- Mundo social
Mediações entre sujeito e objecto -- Dialéctica do trabalho
--Dialéctica da representação -- Dialéctica da interacção
Quadro 4.2.
::::::
Tipos de acção:
*Vergemeinschaftung* (Socialização "comunitária ") --
tradicional/emocional racional em valor
*Vergesellschaftung* (Socialização "societária") -- racional em
finalidade
Fundamento da regularidade:
*Vergemeinschaftung* (Socialização "comunitária ") -- costume
*Vergesellschaftung* (Socialização "societária") -- interesses
específicos
Ordem legítima:
*Vergemeinschaftung* (Socialização "comunitária ") -- Crença religiosa;
Abandono ao líder; Fé nos valores
*Vergesellschaftung* (Socialização "societária") -- convenções; direito
fundamento de legitimidade:
*Vergemeinschaftung* (Socialização "comunitária ") --
tradicional/carismática
*Vergesellschaftung* (Socialização "societária") -- Legal/racional
Tipos de agrupamentos:
*Vergemeinschaftung* (Socialização "comunitária ") -- Família; Outras
comunidades afectivas; Nação
*Vergesellschaftung* (Socialização "societária") - Instituição (Anstalt);
Associação (Verein) ; Empresa (Betrieh)
-- a relação entre uma mãe e o filho ("a relação maternal mais profunda
enraizada no instinto e no prazer");
É, sem dúvida, George Herbert Mead, na sua obra intitulada *Self, Mind
and Society* (1934), quem pela primeira vez descreveu, de forma coerente
e argumentada, a socialização como construção de uma identidade social
(um *self* na terminologia de Mead) na e pela interacção -- ou a
comunicação -- com os outros. Complementar e não antagonista da
perspectiva de Piaget (cf. capítulo 1), esta teorização tem o mérito de
colocar "o agir comunicacional" (e não "instrumental") no centro do
processo de socialização e fazer depender a lógica da socialização das
formas institucionais da construção do Eu e, nomeadamente, das relações
comunitárias (e não somente "societárias") que se instauram entre os
socializadores e o socializado.
Como Max Weber, Mead considera que "o facto mais importante é o acto
social que implica a interacção de diferentes organismos, isto é, que
implica a adaptação recíproca das suas condutas na elaboração do processo
social" (trad., p. 39). O acto elementar é o :, gesto que constitui uma
adaptação à reacção do outro. Mas há dois tipos de gestos. Quando um
barulho muito intenso ecoa atrás de si, você desata a correr (Mead),
quando chove, abre o guarda-chuva (Weber): são gestos reflexos que não
implicam nenhuma intenção relativamente a outrem. Quando alguém lhe
estende a mão, você estende-lhe a sua, se ele faz menção de o agredir com
um murro, você recua: são gestos simbólicos (30), "símbolos
significativos que têm um sentido definido" (*id.*, p. 40). Neste último
caso, Mead designa-os por linguagem e define-os a partir do facto de eles
fazerem "nascer implicitamente naquele que os realiza a mesma reacção que
produzem, explicitamente, naqueles a quem eles se dirigem" (*id.*, p.
41). Esta reacção significativa e simbólica, que "tem a mesma
significação para todos os indivíduos de uma dada sociedade ou de um
grupo social" e origina a mesma atitude naqueles que a realizam e
naqueles que a ela reagem, constitui, para Mead, a origem da consciência
ou daquilo que ele designa por espírito (Mind) e que ele caracteriza como
"a adopção da atitude do outro relativamente a si ou relativamente à sua
própria conduta" (*id.*, p. 41).
Bibliografia do capítulo 4
Assim vista, será que a noção de identidade pode ser incluída numa
perspectiva sociológica? Certamente que não se nos mantivermos numa
perspectiva fenomenológica da relação interindividual Eu-Outro, ou numa
perspectiva psicanalítica redutora que considera o Eu como o elemento de
um sistema fechado em relação dinâmica mas "interna" com o Id e o
Superego que rejeita no "ambiente envolvente" o conjunto das instituições
e das relações sociais (35). Certamente que
(36) Não era a posição do próprio Freud que escreve: "Todas as relações
que foram até agora objecto de investigações psicanalíticas podem, de
direito, ser consideradas como fenómenos sociais" (Freud, trad. 1981, p.
76). Portanto, seria preciso diferenciar e distinguir as diversas
correntes psicanalíticas; já que os escritos mais sociológicos de Freud
foram considerados, durante muito tempo, pela maioria dos psicanalistas
como os menos científicos e os menos pertinentes (cf. Enriquez, 1983, pp.
32 e seguintes).
Quadro 5.1.
Categorias de análise da identidade
:::::::
Processo relacional
*Actos de atribuição*:
"Que tipo de homem ou de mulher você
é" = diz-se que você é
Alternativa entre:
-- cooperação-reconhecimentos
-- conflitos/não-reconhecimentos
\\\
Processo biográfico
Identidade para si
*Actos de pertença*:
"Que tipo de homem ou de mulher
você quer ser" = você é que diz que é
Alternativa entre:
-- continuidades :o reprodução
-- rupturas :o produção
(45) Mas também imagens do eu que se privilegia num dado momento da sua
biografia: elas podem dizer respeito ao
espaço de habitação mais do que ao espaço de profissão (O. Benoft-
Guilhot, 1986), ou sobre o espaço associativo
na ausência do espaço profissional (a.-M. Guillemard,
1972).
Bibliografia do capítulo 5
LAING, R.-D. (1961), *Self and the others*, trad. française *Le sei et
les autres*, Paris, Gallimard, 1971.
II
:as "abordagens" da
socialização profissional
-- observar as regras;
-- guardar os segredos;
Encaixe 6.1.
A carta patente redigida por Henrique III em 1585 revela um outro aspecto
característico da comunidade moral corporativa. Ratificando os estatutos
dos mercadores de vinho e dos estalajadeiros, o rei estabelecia "de forma
perpétua o dito estado...". Noutros termos, o estado juramentado, uma vez
criado, passava a existir a titulo definitivo como "corpo, confraria e
comunidade". Esta perenidade da comunidade era entendida de duas formas.
Uma delas era que, logo que instituída pela autoridade real, a comunidade
com os seus direitos e privilégios era reconhecida como um corpo
permanente no Estado, e os seus estatutos já não tinham de ser de novo
ratificados pelos monarcas posteriores. A segunda era que aqueles que
entravam nesta comunidade continuavam membros dela até ao fim da :, vida
-- pelo menos em princípio. Esta ideia de que a pertença a uma corporação
era o compromisso para uma vida encontrava-se sob diferentes formas na
linguagem corporativa. Estava subentendida no termo estado, tal como era
empregue pelo rei na célebre carta patente e de uma forma mais
generalizada no vocabulário social do Antigo Regime que designava a
profissão de um artesão. Segundo o jurista Loyseau, o estado era "a
dignidade e a qualidade" que eram "os atributos mais imutáveis e os mais
inseparáveis de um homem". Em consequência, quando um artesão entrava no
ofício adquiria um estado particular, uma condição social e uma qualidade
ontológica permanente que partilhava com aqueles que exerciam o mesmo
ofício e que o distinguia dos membros das outras profissões. O estado de
um artesão determinava definitivamente o seu lugar na ordem social e
definia os seus direitos, as suas dignidades e obrigações, de uma forma
bastante similar à da pertença de um indivíduo, a um outro nível, a um
dos três estados do reino: o Clero, a Nobreza e o Terceiro Estado.
Considerava-se, portanto, o
ofício como um meio de assegurar a posição na vida.
Na sua obra de síntese, R. Nisbet (1966) mostra até que ponto todos os
fundadores da sociologia, na sua reflexão teórica e nos seus trabalhos
empíricos, concederam um lugar central à análise das actividades
profissionais. Assim, por exemplo, Le Play, nos seis tomos da obra *Les
ouvriers européens* (primeira edição, 1855), considerada por Nisbet "a
primeira obra de sociologia científica do século XIX" (trad., p. 85),
analisa 45 tipos de situações operárias, combinando não só três formas
fundamentais de famílias (patriarcal, instável, família de raiz), mas
também seis níveis de estatutos internos à classe operária (domésticos,
jornaleiros, tarefeiros, chefes de ofício, proprietários simples,
proprietários operários) assentes em três critérios essenciais: 1. o
ofício exercido; 2. o lugar ocupado no interior da profissão; 3. a
natureza do contrato que liga o operário ao patrão. Em meados do século
XIX, Le Play refere-se, constantemente, às bases económicas e
profissionais da família e da vida comunitária e considera que "só a
actividade que exerce permite ao homem dar um sentido ao meio envolvente"
(Nisbet, p. 89). Assim, aos seus olhos "as associações profissionais
constituem uma das glórias da Inglaterra e explicam em grande medida a
supremacia intelectual que esta goza nessa época, especialmente no
domínio científico" (*id.* , p. 91).
Podemos ver, através destes quatro exemplos, até que ponto as análises,
reflexões ou propostas dos "primeiros sociólogos", no que se refere às
actividades e às associações profissionais, se inscrevem na continuidade
da prática comunitária dos ofícios. Não para desenvolver, como o fizeram
tantos outros pensadores conservadores da sua época, uma denúncia
nostálgica do individualismo interesseiro ou dos conflitos sociais, mas
sim para enraizar a relação dos homens com o seu trabalho numa
perspectiva comunitária e tentar definir as condições de uma organização
económica socialmente viável.
Eis a razão por que esta sensibilidade e este tipo de abordagem não se
opõem verdadeiramente nem ao ponto de vista de um Spencer, que via na
elaboração e no desenvolvimento das "profissões" a característica
essencial de uma sociedade civilizada (1896), nem, e sobretudo, às
perspectivas de um Max Weber que, como já vimos (cf. capítulo 4),
considerava que a "profissionalização" (*Verberuflichtung*) constituía um
dos processos essenciais da modernização, isto é, da passagem de uma
"socialização principalmente comunitária" em que o estatuto é atribuído a
uma "socialização fundamentalmente societária" onde o estatuto social
"depende das tarefas efectuadas e dos critérios racionais de competência
e de especialização" (1920, capítulo 2). Esta oposição entre a
transmissão hereditária dos estatutos e dos ofícios (*ascription*) e a
livre escolha individual das formações e das profissões (*achievement*) é
uma das justificações clássicas da diferença entre "ofício" e "profissão"
e um dos argumentos mais frequentes da superioridade atribuída às
"profissões" na sociologia anglo-saxónica dominante (Boudon-Bourricaud,
1982, pp. 437 e seguintes). Mas esta oposição não impede que uma parte
dos sociólogos envolvidos transfiram para as "profissões" de hoje uma
parte ou a totalidade das suas representações dos ofícios de ontem. A
profissão adquire neste caso uma dimensão comunitária estruturante do
sistema social global. :,
Numa recolha de artigos intitulada *Men and their work* (1958), Everett
Hughes analisa, por várias ocasiões, a relação entre o "profissional" e o
seu cliente no que se refere à relação entre o sagrado e o profano, o
clero e o laico, o iniciado e o não-iniciado. Insiste no facto de que o
termo "profissional" deve ser tomado como categoria da vida quotidiana e
"que não é descritivo mas implica um julgamento de valor e de prestígio"
(p. 42) Se não se encontra em Hughes uma "teoria da profissão", encontra-
se uma multiplicidade de indicações e de pistas para reflexão baseadas ou
não em trabalhos empíricos que desenham um quadro de abordagem muito
sugestivo. :,
Bibliografia do Capítulo VI
HUGHES, E. C. (1958), *Men and their work*, Glencoe, The Frce Press, 2.e
éd., 1967.
7. 3. Profissionalização e desprofissionalização:
Debate permanente e duplo movimento recorrente
(50) Esta dualidade do espaço está ligada por alguns autores à manutenção
das duas fontes julgadas irredutíveis de poder na organização económica:
o poder do capital c o poder do saber ("logocracias") que não pode ser
totalmente apropriado pelo capital (Derber, Schwartz, Magrass. 1989, pp.
5 e seguintes).
Não existe, no entanto, nenhuma "lei geral" que permita concluir uma
profissionalização generalizada ou uma de profissionalização maciça dos
assalariados na empresa capitalista. Desde há muito tempo que se observam
movimentos cruzados e complexos de *integração* de "profissionais" que
mantêm ou aumentam o seu poder de *expertise* nas organizações de tipo
burocrático, de desprofissionalização ou "*desqualificação*" de
profissionais de ofício perdendo a sua autonomia e o seu controlo devido
ao progresso :, técnico e ao enfraquecimento da organização interna, de
profissionalização ou "*requalificação*" de novas categorias de
assalariados conseguindo organizar e fazer reconhecer o monopólio da
competência; sem falar das "*reconversões*" de um outro tipo de
profissionalidade que permita manter estatutos profissionais pelas
transformações estruturais das empresas. Estas diferentes dinâmicas
profissionais podem sempre analisar-se como resultados incertos e frágeis
das transacções salariais entre os indivíduos em causa e os parceiros das
relações de trabalho: os seus empregadores mas também os seus clientes ou
o seu público, as suas organizações profissionais ou sindicais mas também
as suas instituições de formação. Esta abordagem revelou-se
particularmente fecunda para compreender o movimento secular da
socialização profissional (51).
Esta tripla análise daquilo a que os autores não chamam "sistema" mas
antes "relações sociais" definidas como "conjunto estruturado de relações
de cooperação, competição e domínio, que os trabalhadores mantêm entre
eles, na produção ou na sua preparação" põe em evidência as "coerências
societais" (p. 240). Segundo eles, um conceito-chave desta análise é o de
"socialização" definido como "aprendizagem das relações sociais nos
processos de mobilidade (espaços de qualificação)" (MSS, p. 242). É
porque estes espaços (chamados também "espaços profissionais") estão
estruturados de uma forma diferente em França e na Alemanha que os modos
de socialização profissional são também profundamente diferentes e mesmo
opostos entre os dois países: nível de instrução geral/formação
profissional, experiência e profissionalidade/antiguidade e eficácia,
homogeneidade do ramo/localização dos conflitos na empresa, lógica
administrativa/lógica produtiva
(quadro 7.1.). :,
Quadro 7.1.
:::::::
França:
DELBOS, G.; JORION, P. (1974), *La transmission des savoirs*, Paris, Éd.
de la MSH, Coll. Ethnologie de la France.
GOLDTHORPE, J. H.; LOCKWOOD, D.; *et alii* (1968), *The Affluent Worker*,
trad. I.-P. Chomazzi, *L'ouvrier de l'abondance*, Paris, Seuil, 1972.
Esta é uma das razões essenciais pelas quais a atenção dos sociólogos se
deslocou claramente da análise do *trabalho* e das profissões para a
análise do funcionamento dos *mercados do trabalho*. Foi assim que os
sociólogos se reencontraram com as mais antigas preocupações dos
economistas e os seus múltiplos esforços para produzirem teorias novas do
(ou dos) mercado(s) do trabalho. A tónica deslocou-se também, ao mesmo
tempo, para as formas de funcionamento das organizações. Neste capítulo,
veremos de que modo estas novas orientações contribuíram também para
renovar as problemáticas da socialização profissional.
Este "modelo" apareceu como um modelo de tal forma geral que chegou a
servir de suporte a numerosas concepções "substancialistas" da
qualificação baseadas na ideia de uma "correspondência estreita entre o
grau de complexidade das tarefas e as competências desencadeadas pelos
trabalhadores na sua execução" (Campinos e Marry, 1986, p. 199). Esta
formalização, seja ela entendida "por referência a uma situação
arquetípica" realizando "a identidade do trabalho e do trabalhador"
através da figura do artesão (Rolle, 1988, p. 46) ou interpretada em
termos de estratégia patronal, destinada a integrar os trabalhadores na
empresa e a assegurar a mobilização produtiva, põe em evidência o
lugar :, estratégico da formação concebida como socialização no trabalho,
na empresa e na carreira gestão do emprego. De facto, é em torno do
controlo das formas e das regras, assegurando as correspondências entre
formação e mobilização no trabalho, por um lado, e formação e progressão
de emprego, por outro, que se estabelecem, sem dúvida, as relações
sociais de trabalho mais decisivas: entre a contribuição salarial
(mobilização no trabalho) e a retribuição patronal (esperanças objectivas
de progressão no emprego). A formação na empresa constitui, assim, a
mediação essencial que assegura, simultaneamente, as condições da
mobilização e as esperanças subjectivas de promoção.
Encaixe 8.1.
:::::::::::
1. Sector primário "tradicional" :o exemplo: pesca/agricultura:
Quadro 8.2.
:::::::
Continuidade de tipo de emprego
- (menos de 42%):
-- Fechamento do Mercado do Trabalho:
(+30% no mesmo sector)
7. Mercados profissionais
Bibliografia do capítulo 8
EDWARDS, M.; GORDON, D.; REICH, M. (1973), "A theory of Labor Market
Segmentation", *American Economic Review*, Mai.
MARUANI, M.; NICOLE, C. (1987), *Mais qui a peurdu travail des femmes?*,
Paris, Syros.
PIORE, M.; SABEL, C. (1984), *The Second Industrial Divide*, New York,
Basic Books, Inc. Riblioshers.
III
Por essa razão, não podem imaginar diferenciarem-se dos seus pares ("os
compinchas", "as companheiras", "os outros"...), para irem sozinhos para
uma formação voluntária que não seja imediatamente necessária ao trabalho
e que corre o risco de levar a um insucesso. Aceitam perfeitamente a
ideia de uma formação como obrigação interna e :,
colectiva, ligada, por exemplo, à introdução de novas máquinas ("formam-
nos") mas as formações "inovadoras" não entram neste quadro. Aliás, na
grande maioria dos casos, o seu superior ("o chefe") não lhes propôs
pessoalmente estas formações: não são excluídos voluntariamente das
formações "inovadoras", não se sentem implicados nelas não só porque elas
não têm nenhuma relação visível com o seu trabalho, mas porque eles não
podem esperar nada em contrapartida... e, pelo contrário, têm tudo a
recear (o insucesso).
Esta análise é confirmada por um estudo recente que incidiu sobre duas
amostras de assalariados vítimas de despedimentos colectivos, que põem em
evidência lógicas típicas de reacção salarial (Cherain e Demazière,
1989). Os assalariados que partilham a identidade de executante ligada à
estabilidade e pouco implicados no seu trabalho são também aqueles que
vivem mais dolorosamente o processo de exclusão de que são alvo. Sofrem o
despedimento como uma sanção, "procurando a origem da exclusão num
conjunto de erros que poderiam ter cometido, negando, em simultâneo, a
possibilidade de os ter cometido". Sentem a supressão do posto como um
abandono pessoal ("eu já não agradava à sociedade") e de forma nenhuma
estabelecem ligação entre esta decisão e o sistema de atitudes no
trabalho que era o deles antes do começo dos despedimentos. Vivem, de
imediato, o despedimento como uma exclusão e não como uma retirada. :,
Será que acontece o mesmo, uma geração mais tarde, aos jovens que saem do
sistema escolar sem diploma? Será que partilham ainda esta mesma
identidade? Na investigação :,
colectiva realizada sobre os jovens da região Nord-Pas-de-Calais que não
têm diploma e cuja idade se situa entre os 16 e os 18 anos (C. Dubar *et
alii*, 1987), constatou-se que apenas uma categoria de jovens -- das
quatro que também foram distinguidas -- partilhava esta identidade
centrada na concepção instrumental do trabalho e na valorização de uma
aprendizagem prática que implicava uma dúvida radical sobre a utilidade
da formação escolar e uma dependência passiva nas relações de trabalho
(*id.*, pp. 146-152). Estes jovens eram rapazes e raparigas originários
de famílias operárias entre as quais praticamente nenhum dos membros
tinha qualificação; tinham deixado a escola aos 16 anos -- o "college" ou
o "lycée" profissional -- sem qualquer diploma e sem pena de não o terem
adquirido, com uma forte interiorização do insucesso escolar e uma
profunda desvalorização de si próprios. Qualquer ideia de exame ou de
selecção tornara-se insuportável. O seu espaço de reconhecimento estava
limitado ao posto de trabalho, descrito apenas a partir dos efeitos
físicos (barulho, cadência, dureza...) e o seu tempo biográfico estava
limitado apenas ao horizonte de acesso problemático a um emprego precário
que eles consideravam como um meio de ganhar a vida. Três anos após o seu
abandono da escola, encontravam-se praticamente todos ainda no
desemprego, depois de se terem submetido a um ou vários estágios de
inserção e alguns terem conhecido empregos de duração limitada. A
exclusão era, para eles, a primeira experiência profissional, com
tendência a ser incorporada à sua identidade sob a forma de uma
precarização durável da sua vida profissional.
10
(58) Cf., a propósito deste ponto, as análises de B. Zarca que põem esta
transmissão no cerne da identidade de grupo e que a interpretam como
"trama simbólica do processo de identificação" (1988, p. 267). Cf. também
as análises estimulantes de Delbos e Jorion (1984).
A hipótese mais provável que sobressai dos trabalhos mais recentes é que
"longe de eliminar os saberes de ofício, longe de apagar as fronteiras
entre os procedimentos de fabrico, a automatização faz apelo a um
conhecimento ainda mais aprofundado e analítico das reacções da matéria-
prima" (Zarifian *et alii*, 1988, p. 43). A investigação aprofundada
levada a cabo por Jeantet e Tiger, junto de operários (e da sua família)
confrontados com as diferentes fases de automatização de uma oficina de
acabamentos mecânicos de uma grande empresa de material eléctrico,
confirma este resultado completando-o. Mesmo que os operadores "encontrem
nos novos equipamentos uma nova forma de autonomia operatória" e que "o
lugar do problema resida mesmo na relação do instrumento com a :,
matéria", todos estão de acordo em reconhecer que "não é o mesmo ofício"
e que se tornou "um trabalho mental" cuja aprendizagem consiste, antes de
mais, em "fazer compreender uma lógica" (leantet, Tiger, 1985, pp. 11-
13). A análise realizada por Y. Lucas junto dos antigos profissionais e
técnicos da aeronáutica leva igualmente a colocar o domínio de novos
saberes profissionais no centro das novas-carreiras técnicas (Lucas,
1989). A pesquisa levada a cabo por M.-C. Vermelle numa unidade de
fabrico de componentes realça também a importância da estratégia do
acesso aos "saberes de procedimento" tanto para a *performance* económica
do serviço como para a construção de identidades profissionais
reconhecidas (Vermelle, 1989).
Para aqueles que não saíram da escola e que foram orientados para o
ensino profissional encontra-se, doravante, potencialmente aberta a
perspectiva de obter um *baccalauréat* (BAC). Pela primeira vez na sua
história, desde 1987, o sistema escolar francês produz *baccalauréats*
profissionais que não foram escolarizados liceus do ensino geral ou do
ensino técnico e que tiveram estágios em empresas. Qual é a identidade
destes jovens neoprofissionais que as empresas dizem procurar, agora,
para alimentar as suas novas carreiras que nós insistimos em designar "de
ofício"? Será que vão reproduzir o percurso identitário dos mais velhos
(pais? mães?) saídos dos centros de aprendizagem nos anos 50/60 ou saídos
dos CET, em seguida dos LEP com um CAP ou BEP nos anos 70/80? Em caso
afirmativo, é preciso decidir-se a considerar a identidade de ofício como
definitivamente bloqueada na sociedade francesa. Em caso negativo, será
preciso analisar, com muito cuidado, os mecanismos desta produção
conjunta (escola/empresa) de uma identidade que é estratégica para o
sucesso económico da maioria das empresas comuns e para as relações
profissionais de uma sociedade moderna. Será que um modelo francês da
qualificação operária é possível?
11
O conjunto dos assalariados que possuem esta identidade nas seis empresas
da amostragem (LASTREE, 1989, pp. 388-389) têm em comum o facto de terem
conhecido, no passado, mobilidades diversas no interior da empresa ou,
por vezes, antes de ter dado entrada nesta. Menos frequentemente de
origem operária que os precedentes, mais frequentemente diplomados (aos
níveis V, IV ou m), eles insistem, antes de mais, no percurso interno na
empresa e nos conhecimentos que têm quanto ao seu funcionamento técnico e
social (60). Um dos termos-chave do discurso deles a propósito da
trajectória -- :, interessar-se" -- resume bem
A maior parte dos assalariados que partilham esta identidade insistem nas
boas relações que mantêm com a hierarquia da empresa: "recorrem a mim".
Quer incida sobre problemas técnicos, relacionados com as avarias, os
imprevistos, as melhorias permanentes ou problemas de gestão relacionados
com a animação dos grupos, as atitudes dos responsáveis a seu respeito
são o testemunho do reconhecimento das suas capacidades e atitudes de
cooperação que favorecem a socialização antecipatória ao universo dos
operários :, especializados, dos técnicos superiores, e até mesmo ao
universo dos chefes de *atelier* ou de serviço. Por este facto, os
assalariados em causa já não se definem como executantes, mas sim como
técnicos, colaboradores, contramestres ou quadros *responsáveis*. Pode-
se, portanto, falar de uma dimensão gestionária da sua identidade
profissional: eles são os únicos a expressar preocupações económicas na
realização do seu trabalho: preocupação da qualidade, do cliente, da
rendibilidade Mas, sobretudo, valorizam as tarefas de animação, de
contacto, de formação recíproca: tendo sido reconhecidos e promovidos, ou
estando subjectivamente seguros de o ser, eles apresentam-se como os
prosélitos das experiências em curso que suscitam reacções
diversificadas. Interiorizaram muito a lógica da reciprocidade e
restituam-na de formas diversas: "o que é bom para a empresa não é mau
para nós, o inverso também" (LASTREE, 1989, Dubar-Gadrey, p. 238);
"Utilizo a política da empresa para evoluir e, ao mesmo tempo, dou-lhe
qualquer coisa em troca" (*id.*, p. 351).
Estas questões colocam-se com tanta mais premência quanto são quase
exclusivamente os homens que levam a identificação à sua empresa até ela
invadir completamente a sua vida fora do trabalho. *á la limite*, a
transacção objectiva abole-se totalmente na transacção subjectiva quando
o futuro da empresa coincide com o futuro do indivíduo. No fim do
processo já não há outro para reconhecer a sua própria identidade. Como
afirma Laing: "Experimenta-se, assim, um sentimento intenso de frustração
se já não se consegue encontrar esse outro do qual precisamos para
estabelecer uma identidade satisfatória" (1961, p. 105).
No inquérito que realizou, no fim dos anos 50, junto de jovens operários
parisienses, N. Abboud (1968, pp. 64 e seguintes, pp. 197 e seguintes)
distinguia já, nos jovens profissionais diplomados das grandes empresas
modernas, a presença de um horizonte de mobilidade apoiado na esperança
de melhoria do estatuto social e a ambição de se "tornar chefe", de SER
alguém (por oposição às categorias do TER e do FAZER).
O que acontece aos jovens que entram no mercado do trabalho sem diploma
ou pouco escolarizados? Uma parte deles aprendeu, a partir da sua
socialização familiar, escolar ou pós-escolar e/ou a partir da primeira
confrontação com o mercado externo do trabalho, que a formação inicial
não bastava para actualmente se construir uma identidade profissional.
Estes jovens têm estratégias de emprego e de formação multidireccionais
(Dubar *et alii*, 1987, pp. 157-162) que combinam estágios múltiplos,
empregos de espera e formas pessoais de acesso a saberes profissionais.
Utilizam intensamente as redes de relações, nomeadamente as familiares
(C. Mairy, 1983), para aceder a empregos mesmo que precários e a
formações mesmo que pouco qualificantes. Concebem a vida profissional
como uma evolução permanente no decurso da qual jamais terão finalizado a
aprendizagem e na qual terão de forjar uma identidade aberta a todas as
progressões possíveis. Como definir :, esta identidade de espera que não
pode organizar-se em tomo de uma especialização profissional de ponta sob
pena de ser desacreditada antes mesmo de ser experimentada a identidade?
Como construir uma futura identidade de empresa antes de ser admitido por
ela? A questão colocada é, uma vez mais, a da produção conjunta da
qualificação através da activação de formas diversificadas de alternância
que garantam a função identitária, assegurada à sua maneira pelo Duales
System alemão. Para lá da "qualificação" ou da "competência", é, sem
dúvida, a construção das identidades profissionais e sociais que envolve,
simultaneamente, as instituições escolares e as instituições produtivas,
a produção e a reprodução das gerações de assalariados.
12
"Temos problemas com alguns dos jovens diplomados. Estão desapontados com
os empregos que ocupam e a empresa não lhes pode oferecer as carreiras
que desejam. Seguem muitos estágios de formação, muitas vezes sem o nosso
conhecimento e alguns acabam por se demitir para procurar emprego noutro
lado. De facto, eles estão aqui à espera..."
Esta constatação de um director dos recursos humanos de uma grande
empresa de telefones sanciona o fracasso relativo, na maior parte das
empresas analisadas, de uma política de recrutamento de jovens
"universitários" sobrediplomados relativamente aos empregos que ocupam e
fortemente desfasados relativamente a eles. Estes jovens trazem problemas
às direcções das empresas por dois motivos: por um lado, nenhuma das vias
de progressão profissional existentes parece ser-lhes adequada e o seu
futuro na empresa é problemático; por outro, eles não partilham as
atitudes no trabalho dos assalariados em promoção interna: mais
individualistas, menos mobilizados para a empresa, são muitas vezes mais
críticos e parecem mais instáveis. Não é, manifestamente, na empresa, que
eles querem construir ou consolidar a sua identidade inconstante. :,
Duvida-se, por vezes, que eles tenham lugar na empresa do futuro, que
embora lhes reconheça um potencial pessoal pensa excluí-los. De facto
eles são dificilmente classificáveis sendo este desvio parte integrante
da sua identidade para outro. Rigorosamente eles não fazem nada como os
outros, razão pela qual se lhes atribui identidades de excepção.
É por esta razão que um dos momentos-chave das entrevistas realizadas com
eles é o momento em que, por vezes com meias-palavras e muitas vezes
ironicamente e sempre depois de terem ganho confiança no entrevistador,
desvendam o projecto que acarinham ou que realizam fora da empresa; este
"outro lugar", por vezes indeterminado, para onde "estão de partida" ou
que, por vezes, já está presente numa esfera escondida, tão íntima como
social: "criar uma PME", "tornar-se cabeleireira por conta própria", "ser
um dia professora do 1.o ciclo", "criar o meu gabinete de estudos",
"tornar-se jurista", etc. A confidência não é sistemática, a relação com
a origem social ou o ambiente familiar é raramente explicitada, o grau de
envolvimento no projecto é, muitas vezes, fluido, mas toda a entrevista
toma uma coerência nova quando se revela a "lógica afectiva" (Michelat,
1975, p. 232) que a subentende e lhe dá a sua significação identitária.
BERNOUX, P.; MAGAUD, J.; RAVEYRE, M.-F.; RUFFIER, J.; SAGLIO, J.;
VILLEGAS, G. (1984), *Les connaissances que les salariés ont des machines
qu'ils utilisent ou pourraient utiliser*, GLYSI, Commissariat Général au
Plan.
DELBOS, G.; JORION, P. (1984), *La transmission des savoirs*, Paris, MSH.
DUBAR, C.; DUBAR, E.; FEUTRIE, M.; GADREY, N.; HEDOUX, J.; VERSCHAVE, E.
(1987), *L'autre jeunesse. Des jeunes sans diplôme dans un dispositif de
socialisation*, Lille, PUF, Coll. Mutations.
LAING, R. D. (1961), *Self and the others*, trad. *Le soi et les autres*,
Paris, Gallimard, 1971.
lastree (1989), DUBAR, C.; DUBAR, E.; ENGRAND, S.;
FEUTRIE, M.; GADREY, N.; VERMEILLE, M.-C ., *Innovations de formation et
transformation s de la socialisation professionnelle par et dans
l'entreprise*, Lille, ronéoté, 457 p.
conclusão
::::::
Identidade para si:
-- Transacção subjectiva
transacção objectiva:
-- reconhecimento
promoção (interna) identidade de empresa (capítulo 11)
-- Não reconhecimento
bloqueamento (interno) identidade de ofício
(Capítulo 10)