Sie sind auf Seite 1von 4

LUIZ VILELA

NO BAR
Contos
Lava-pés

A gente era apóstolo pra ganhar a rosca que tinha umas passas dentro
que eu catava com o dedo e comia antes de comer a rosca que eu nem
comia porque o que eu gostava mesmo era as passas que não eram igual
as passas compradas em caixinhas e que a gente podia comer à vontade
pois eram muito mais gostosas porque eu não sei pois era a mesma coisa
mas que eram mais gostosas eram e eu catava com os dedos antes de
comer a rosca que eu nem comia pois eu não gostava muito de rosca e
Mamãe falava você fica catando as passas e a rosca? e eu respondia que
depois eu como mas não comia e a rosca ficava lá dentro daquela lata
grande secando e Mamãe acabava oferecendo para as visitas dizendo que
eu tinha ganhado lá no Lava-pés mas não comia só gostava de comer as
passas que eu catava com os dedos e elas riam dizendo menino é assim
mesmo mas na hora que ela ia dar eu achava ruim pois a rosca era
minha e eu é que tinha ganhado de apóstolo no Lava-pés mas não falava
nada e ficava vendo as visitas comerem minha rosca e aí via que ela
estava gostosa mesmo pela cara que faziam e pelo que diziam e então eu
tinha vontade de comer também mas agora era tarde e só tinha um
farelinho de resto no fundo da lata que eu ainda comia e achava que a
rosca devia estar mesmo muito gostosa e falava que no ano que vem eu
ia comer ela inteirinha mas veio o ano que vem e foi a mesma coisa e eu
comi só as passas que eu catava com os dedos e que eu achava muito
mais gostosas que as passas que a gente compra em caixinhas.
A gente ganhava também uma estampa de Cristo que vinha enrolada
num canudinho e quando chegava em casa Mamãe guardava numa gaveta
junto com outras coisas de igreja e com as estampas de outros anos e
também as de meus irmãos mais velhos que já tinham sido apóstolos
também feito eu só que não sei se tinha rosca no tempo deles mas
estampa tinha porque tem essas que estão guardadas juntas com as
minhas e com outras coisas de igreja como terço missal vela medalhas
fitas de congregação e uma imagem de São Sebastião que parece mulher
e uma vez que Totico veio aqui em casa ele viu na gaveta e ficou olhando
muito tempo e aí eu vi que era porque parecia mulher pelada por causa
dos peitinhos que ela tem feito mulher e é por isso que ele estava gostando
de olhar e depois disso eu também fiquei gostando e de vez em quando
abro a gaveta e olho outra vez e parece mesmo mulher pelada a gente
passa o dedo e é altinho no lugar dos peitos e já pensei que como está
aqui dentro da gaveta há muito tempo e Papai nem Mamãe parecem
importar com ela vou oferecer pro Totico em troca do canarinho belga
dele e é capaz dele aceitar na horinha pelo jeito que ele ficou olhando o
dia que ele veio aqui e quando eu quiser ver é só ir na casa dele que ele
me mostra só que a mãe dele nem o pai podem ficar sabendo senão eles
contam pra Papai e Mamãe e aí que que eu vou falar?
Totico também é apóstolo todo ano no Lava-pés e os pais dele também
gostam de igreja e de padre feito Papai e Mamãe mas a mãe dele
parece ser relaxada e não ligar muito pra ele andar limpo e de cabelo e
unha cortada feito Mamãe vive falando comigo e no Lava-pés da vez
passada quando nós dois sentamos um ao lado do outro na hora que o
padre foi lavar o pé dele eu vi que tinha uma marca de sujeira como se já
tivesse uns dois dias que ele não tomava banho e devia estar fedendo
chulé pois o padre olhou com uma cara ruim pra ele deve ter sido por
causa disso e estava também de unha grande pelo menos esse dia a mãe
dele devia ter falado pra ele lavar o pé e cortar a unha pois era Lava-pés
e o padre ia lavar o pé da gente mas lavar era só passar uma aguinha e
enxugar com uma toalha não tinha sabão a gente ficava os doze sentados
ali em cima nas cadeiras em cima do tablado na frente do altar-mor que
cobriam com pano pois era o sacrário e a gente não pode dar as costas pro
sacrário e o pano era roxo porque era a Semana Santa e então o padre
vinha de um em um e um outro padre vinha segurando a baciinha e a toalha
e ia lavando o pé de cada um até acabar os doze e é nessa hora que a
gente ganhava a rosca e o canudinho que outro padre ia dando e depois
que a gente ganhava a gente ficava segurando no colo com a cara de quem
não está ligando e olhando pra aquela gente toda na igreja cheia e eles
olhando pra nós ali em cima e nem tinha jeito de descobrir direito naquele
povão onde é que estavam os parentes e amigos e a gente ficava até meio
tonto vendo tanta cabeça e tanto olho olhando pra gente só às vezes os pais
e irmãos é que davam um jeito de ficar na frente e aí ficavam mexendo as
sobrancelhas pra gente ver que eles estavam vendo a gente mas agente
mesmo tinha que ficar sério e não podia fazer nenhum sinal mas assim
mesmo tinha uns que faziam sem o padre ver e uma vez mais isso foi outra
coisa que eu lembrei agora na hora que o padre foi lavar o pé dum menino
o Erasmo ele sentiu cócega e puxou o pé e o padre foi pegar de novo o pé
dele e ele puxou de novo e não tinha jeito de lavar e essa hora já estava
quase todo mundo rindo e então o padre olhou pra nós com uma cara ruim
e falou vocês vão ver depois na sacristia e ai ninguém mais riu e ficou
todo mundo morrendo de medo da hora que acabasse a cerimônia e a
hora que acabou o padre foi lá e passou um sermão na gente falando
que nós àquela hora não éramos nós mas os apóstolos e ai falou os
nomes dos doze apóstolos um por um e que ele não era o padre mas
Jesus Cristo e falou que nós éramos uns diabinhos e aí deixou a gente ir
embora pra casa e todo mundo foi alegre porque a gente tinha medo era
dele não deixar a gente levar a rosca pra casa mas nela mesmo ele não
falou nada.
Era na sacristia que a gente arrumava tudo antes de começar a
cerimônia e que a gente punha as túnicas que tinha de várias cores e panos
diferentes pois cada um queria fazer a túnica mais bonita que o outro e tinha
até briga por causa disso o Irmão Vicente é que não deixava senão saía até
tapa ele inventava umas brincadeiras pra todo mundo ficar contente com a
sua túnica e não ter inveja do outro pois tinha uns que tinham pais ricos e
podiam fazer melhor que os outros e era ele também que ajudava a gente a
pregar os alfinetes para prender a túnica e toda vez ele tinha de perguntar
quem é o Judas? quem é o Judas? e todo mundo respondia que não era
pois ninguém queria ser Judas pois era Judas que tinha traído Cristo e depois
arrependido e enforcado numa árvore todos queriam ser é São João que o
irmão dizia que era o preferido de Cristo e São Pedro também ninguém
queria ser porque parecia ser meio burro e tinha uma porção de piadas
sobre ele.
Depois da sacristia a gente saía em fila com a matraca tocando na
frente andando descalço no chão frio da igreja entre as pessoas
cheirando cecê e incenso que iam abrindo caminho pra gente passar e a
gente dava a volta dentro da igreja e depois subia no tablado onde
estavam as cadeiras e o primeiro ia para a última cadeira e ficava em pé
na frente esperando os outros que iam fazendo a mesma coisa e quando
já estavam todos ali em frente às cadeiras a gente sentava duma vez e daí a
pouco começavam as rezas cantadas dos padres que eram três e pareciam
com os cantos dos turcos que moravam perto da casa e a gente tinha
vontade de rir porque as caras dos padres eram muito sérias e tudo aquilo
parecia ser de mentira.
Depois disso vinha o resto que eu já contei até que acabava e o pessoal
começava a sair demorando até sair todo mundo pois era gente que não
acabava mais e a gente ia pra sacristia e lá a gente tirava e embrulhava a
túnica e os pais da gente estavam esperando nos bancos vazios da igreja
e então aí a gente ia embora pra casa passando pelo jardim da matriz com
as magnólias cheirando e o céu todo estrelado e Papai e Mamãe falavam
sobre a cerimônia e sobre o povão que tinha na igreja e como a gente
estava uma gracinha e depois a gente chegava em casa que estava toda
escura como se estivesse dormindo e Papai abria a porta com a chave e
acendia a luz e a gente entrava na sala quentinha e um depois do outro
cada um ia no banheiro fazer xixi e depois Mamãe fazia um cafezinho
quente que a gente tomava sentado na mesa da copa comendo um pedaço
de pão com manteiga e contando mais casos do Lava-pés e depois de
escovar os dentes todo mundo ia dormir e Papai apagava a luz da sala e
ficava tudo escuro e quieto na casa mas eu lá do quarto ainda escutava ele
conversando baixo com Mamãe na cama até que o sono vinha e eu dormia.

1.A edição brasileira: 1968


Copyright © 1968 Bloch Editôres S. A.
Capa de Aluísio Carvão
Contratados todos os direitos de edição por
BLOCH EDITÓRES S. A.
Rua Frei Caneca, 511 — Rio de Janeiro — Brasil
Printed in Brazil

Das könnte Ihnen auch gefallen