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Disciplina
Saúde Coletiva
Sumário
Capítulo 1 – Disciplina Saúde Coletiva....................................................................................... 05
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Capítulo 1 Disciplina Saúde
Coletiva
Introdução
Prezado aluno, bem-vindo à disciplina de Saúde Coletiva. Nesta Unidade 1, vamos discutir a
formação e os modelos dos sistemas de saúde.
Política de saúde é concebida como uma política pública, e pode ser entendida como a atribuição
definida politicamente de direitos e deveres legais dos cidadãos. Esses direitos constituem a
transferência de dinheiro e serviços com o objetivo de compensar condições de necessidades
e risco para o cidadão que goza de tal direito e não consegue acesso a esses bens com seus
próprios recursos ou dotes individuais1.
1 OSZALAK, Oscar e O’DONNELL, Guillermo (1976). Estado y políticas estatales en América Latina: Hacia una estrategia
de investigación. Buenos Aires: CLACSO.
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Disciplina Saúde Coletiva
É a ação ou omissão do Estado, enquanto resposta social, diante dos problemas de saúde e seus
determinantes, bem como em relação à produção, distribuição e regulação de bens, serviços e
ambientes que afetam a saúde dos indivíduos e da coletividade (Paim et al., 2006)2.
O termo proteção social é compreendido como a garantia de inclusão a todos os cidadãos que
se encontram em situação de vulnerabilidade e/ou em situação de risco, inserindoos na rede de
proteção social local. A proteção social é hierarquizada em básica e especial (PNAS, 2004)3.
Os modelos mais adotados de sistemas de saúde são os instituídos pelo Estado, e as primeiras
iniciativas estatais nessa direção remontam ao final do século XIX na Alemanha, por iniciativa
de Bismarck (Otto Von Bismarck). Geralmente, a iniciativa estatal abrange outras áreas
submetidas a riscos sociais, como classicamente a do envelhecimento e perda da capacidade
laboral. Os sistemas de saúde compõem juntos os sistemas de previdência, o aparato estatal de
2 Paim, Jairnilson Silva e Carmen Fontes Teixeira. "Política, planejamento e gestão em saúde: balanço do estado da arte."
Rev Saúde Pública 40.Esp (2006).
3 _____. Política Nacional de Assistência Social – PNAS/2004; Norma Operacional Básica – NOB/Suas. Brasília:
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – Secretaria Nacional de Assistência Social, 2004.
O quadro 1, adaptado de Immergut por Lobato & Giovanella, traz a emergência das legislações
em países da Europa de acordo com essas três classificações.
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Disciplina Saúde Coletiva
Quadro 1 - Legislação de proteção social à saúde: ano de criação dos seguros sociais de
saúde e serviços nacionais de saúde.
Os sistemas de saúde compõem-se de estruturas com atividades bastante distintas, mas conexas,
que podem ser classificadas em dois grandes agrupamentos: as estruturas assistenciais e as
estruturas voltadas para a realização das funções do sistema. As estruturas assistenciais são
integradas pela rede de serviços (hospitais, ambulatórios, consultórios, laboratórios clínicos e
radiológicos, entre outros) e o pessoal de saúde (profissionais e técnicos com formação específica
em saúde e trabalhadores da saúde). Suas principais atividades vinculam-se ao acesso e à
produção de serviços de acordo com os parâmetros definidos pelo sistema de saúde.
A dinâmica dos sistemas de saúde pode ser caracterizada por funções e relações que
se estabelecem entre seus componentes, resultam em políticas, ações e serviços prestados,
https://www.youtube.com/watch?v=VoBleMNAwUg..
Funções
Componentes Financiamento
Cobertura Prestação de serviços
Recursos Regulação
Gestão
O financiamento dos sistemas de saúde ocorre exclusivamente por recursos públicos (impostos,
contribuições sociais e renúncia fiscal) ou fundos privados (desembolso direto, copagamento) e,
alternativamente, por um mix dessas fontes, conformando diversos modelos de financiamento.
Destacam-se quatro como os principais meios de financiamento da saúde: modelos assistencialista,
previdencialista, universalista unificado e universalista diversificado.
No modelo previdencialista, as camadas de baixa renda são as mais prejudicadas, pois não
há recursos definidos para custeio de serviços. Os trabalhadores formais são financiados pelas
contribuições sociais sobre a folha de salário, e as camadas de alta renda o são também pelo
pagamento direto aos serviços prestados.
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Disciplina Saúde Coletiva
Apesar de todos os esforços para cumprir com as recomendações do sistema de saúde no
âmbito da prestação da atenção, ainda persistem grandes entraves que impossibilitam a
consolidação dos princípios do nosso sistema de saúde. Dentre eles, os mais relevantes são:
desigualdade de acesso aos serviços de saúde, inadequação dos serviços às necessidades de
saúde da população e da demanda do local, baixo nível de qualidade dos serviços oferecidos,
pouca ou ausência de integralidade das ações (CNS, 1987 ).
Sistemas baseados
Sistemas nacionais de saúde Sistemas de mercado
no seguro social
Acesso universal (para toda a Acesso restrito a grupos especiais Acesso via mercado, mediante
população). (trabalhadores, por exemplo). pagamento.
Sistema financiado com recursos fiscais Sistema financiado com contribuições Sistema financiado com os
provenientes de impostos pagos por sociais pagas por empresas e prêmios pagos às seguradoras.
toda a sociedade. trabalhadores.
Exemplos: Inglaterra; Canadá; Suécia; Exemplos: Alemanha; França; Exemplos: Estados Unidos;
Espanha; Itália. América Latina. Suíça; Austrália.
Contudo, a primeira empresa de medicina de grupo brasileira surge em 1957 para prestar
serviços à Volkswagen, que inaugurava a sua fábrica em São Bernardo do Campo. Esse
arremedo de sistema imperou no Brasil durante 65 anos, sendo voltado à população urbana,
mais especificamente para os trabalhadores formais e para parcelas do funcionalismo
público federal e de alguns estados, como São Paulo. Suas bases de financiamento eram as
contribuições compulsórias sobre as folhas de salário. Aos demais brasileiros, a maior parte da
população, estava reservada a assistência médica privada, por meio das Santas Casas ou a
estatal, realizada pelas poucas instituições públicas de saúde existentes, geralmente vinculadas
ao governo federal e aos estados e municípios mais ricos.
O sistema de saúde brasileiro é constituído por pelo menos dois subsistemas: um governamental,
o Sistema Único de Saúde (SUS), e outro privado, o Sistema Supletivo de Assistência Médica
(SSAM).
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Disciplina Saúde Coletiva
https://www.youtube.com/watch?v=L7NzqtspLpc.
Contexto Principais
macroeconômico Contexto político Sistema de saúde desafios
e socioeconômico de saúde
Império Abertura dos portos Centralismo político e • Estruturas de saúde com ênfase na Doenças
(1808), surgimento do sistema de coronelismo, polícia sanitária pestilenciais e
(1822 − 1889) capitalismo moderno e que dava aos grandes prioridade da
início da industrialização proprietários de terra o • Administração da saúde centrada nos vigilância sanitária
controle político de municípios (portos e comércio)
províncias e localidades
• Criação das primeiras instituições de
controle sanitário dos portos e de
epidemias (1828 e 1850)
Ditadura Industrialização, mas “Estado Novo” − Estado • Saúde pública institucionalizada pelo Predominância de
com manutenção da autoritário entre 1937 e Ministério da Educação e Saúde Pública endemias rurais
Vargas estrutura agrária 1938 identificado com
(1930 − 1945) o nazifascismo • Previdência social e saúde ocupacional (doença de Chagas,
institucionalizadas pelo Ministério do esquistossomose
Trabalho, Indústria e Comércio
ancilostomíase,
• Campanhas de saúde pública contra a malária,
febre amarela e a tuberculose tuberculose, sífilis) e
deficiências
• Institutos de Aposentadoria e Pensão nutricionais
(IAP) estendem a previdência social à
maior parte dos trabalhadores urbanos
(1933 − 1938)
Contexto Principais
macroeconômico Contexto político Sistema de saúde desafios
e socioeconômico de saúde
Contexto Principais
macroeconômico Contexto político Sistema de saúde desafios
e socioeconômico de saúde
Transição Fim da recessão, • Início da “Nova • Inamps continua a financiar estados e • Redução da
reconhecimento da República” (1985) municípios mortalidade infantil
democrática dívida social e planos e de doenças
(1985 − 1988) de estabilização • Saúde incluída na • Expansão das ações integradas de preveníveis por
econômica agenda política saúde (AIS) imunização
• 8ª Conferência • Sistemas Unificados e Descentralizados • Persistência de
Nacional de Saúde de Saúde − SUDS (1987) doenças
cardiovasculares e
• Ampliação do • Contenção das políticas privatizantes
cânceres
Movimento de Reforma
Sanitária • Novos canais de participação popular
• Aumento nas
mortes violentas e
• Assembleia Nacional
relacionadas à Aids
Constituinte
• Epidemia de
• Nova Constituição
dengue
(1988)
Contexto Principais
macroeconômico Contexto político Sistema de saúde desafios
e socioeconômico de saúde
Contexto Principais
macroeconômico Contexto político Sistema de saúde desafios
e socioeconômico de saúde
A reforma sanitária brasileira foi proposta num momento de intensas mudanças e sempre
pretendeu ser mais do que apenas uma reforma setorial. Almejava-se, desde seus primórdios,
que pudesse servir à democracia e à consolidação da cidadania no país. A realidade social,
na década de 1980, era de exclusão da maior parte dos cidadãos do direito à saúde, que
se constituía na assistência prestada pelo Instituto Nacional de Previdência Social, restrita
aos trabalhadores que para ele contribuíam, prevalecendo a lógica contraprestacional e da
cidadania regulada.
A reforma do setor de saúde no Brasil estava na contramão das reformas difundidas naquela
época no resto do mundo, que questionavam a manutenção do Estado de Bem-estar Social. A
proposta brasileira, que começou a tomar forma em meados da década de 1970, estruturou-se
durante a luta pela redemocratização. Um amplo movimento social cresceu no país, reunindo
iniciativas de diversos setores da sociedade – desde os movimentos de base até a população de
classe média e os sindicatos –, em alguns casos associados aos partidos políticos de esquerda,
ilegais na época. A concepção política e ideológica do movimento pela reforma sanitária
brasileira defendia a saúde não como uma questão exclusivamente biológica a ser resolvida
pelos serviços médicos, mas sim como uma questão social e política a ser abordada no espaço
público. Professores de saúde pública, pesquisadores da Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência (SBPC) e profissionais de saúde de orientação progressista engajaram-se nas lutas
dos movimentos de base e dos sindicatos. O Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) foi
fundado em 1976, organizando o movimento da reforma sanitária, e, em 1979, formou-se a
Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva (Abrasco). Ambos propiciaram a
base institucional para alavancar as reformas.
A expressão reforma sanitária foi usada pela primeira vez no país em função da reforma
sanitária italiana. A expressão ficou esquecida por um tempo até ser recuperada nos debates
prévios à 8ª Conferência Nacional de Saúde, quando foi usada para se referir ao conjunto de
ideias que se tinha em relação às mudanças e transformações necessárias na área da saúde.
Essas mudanças não abarcavam apenas o sistema, mas todo o setor saúde, introduzindo uma
nova ideia na qual o resultado final era entendido como a melhoria das condições de vida
da população. No início das articulações, o movimento pela reforma sanitária não tinha uma
denominação específica. Era um conjunto de pessoas com ideias comuns para o campo da
saúde. Em uma reunião na Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) em Brasília, esse
grupo de pessoas, entre as quais estava Sergio Arouca, foi chamado de forma pejorativa de
“partido sanitário”.
Apesar disso, o grupo não se constituía como partido, pois sua mobilização era mais ampla, sendo
considerada uma ação social. Em uma dissertação de mestrado orientada por Sergio Arouca
em 1986, com o título Reviravolta na Saúde: Origem e Articulação do Movimento Sanitário,
a atuação desse grupo foi chamada pela primeira vez de movimento sanitário. Surgiram,
também, outras denominações, como “movimento pela reforma sanitária” e “movimento da
reforma sanitária”. No livro O Dilema Preventivista, uma nota feita por Arouca diz que todos
esses termos podem ser usados indistintamente.
Considerado “o eterno guru da reforma sanitária”, Sergio Arouca costumava dizer que o
movimento da reforma sanitária nasceu dentro da perspectiva da luta contra a ditadura. Existia
uma ideia clara na área da saúde de que era preciso integrar duas dimensões: a de ser médico
e a de lutar contra a ditadura. Os departamentos de medicina preventiva da Universidade de
São Paulo e da Universidade de Campinas e o Instituto de Medicina Social da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro eram os espaços adequados para isso.
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Disciplina Saúde Coletiva
Esses locais abriram brechas para a entrada do novo pensamento sobre a saúde, lançado pelo
movimento da reforma sanitária. Essa mudança começou no final dos anos 1960 e início dos
anos 1970 – o período mais repressivo do autoritarismo no Brasil –, quando se constituiu a base
teórica e ideológica do pensamento médico-social, também chamado de abordagem marxista
da saúde e teoria social da medicina.
A forma de olhar, pensar e refletir o setor saúde nessa época era muito concentrada nas ciências
biológicas e na maneira como as doenças eram transmitidas. Há uma primeira mudança quando
as teorias das ciências sociais começam a ser incorporadas. Essas primeiras teorias, no entanto,
estavam muito ligadas às correntes funcionalistas, que olhavam para a sociedade como um
lugar que tendia a viver harmonicamente e precisava apenas aparar arestas entre diferentes
interesses. A grande virada da abordagem da saúde foi a entrada da teoria marxista – o
materialismo dialético e o materialismo histórico – que mostra que a doença está socialmente
determinada.
No Brasil, duas teses, consideradas um marco divisor de águas, dão início à teoria social da
medicina. São elas: O Dilema Preventivista, de Sergio Arouca, e Medicina e Sociedade, de
Cecília Donnangelo – ambas de 1975. A partir daí, pode-se dizer que foi fundada uma teoria
médico-social para análise de como as coisas se processam no campo da saúde no país. Essa
nova abordagem torna-se conhecimento relevante, reconhecido academicamente, difundido e
propagado.
Dentre esses diversos atores do movimento sanitário, destacam-se ainda: os médicos residentes,
que na época trabalhavam sem carteira assinada e com uma carga horária excessiva; as
primeiras greves realizadas depois de 1968; e os sindicatos médicos, que também estavam
em fase de transformação. Esse movimento entra também nos conselhos regionais, no Conselho
Nacional de Medicina e na Associação Médica Brasileira – as entidades médicas começam a
ser renovadas. A criação do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), em 1976, também
é importante na luta pela reforma sanitária. A entidade surge com o propósito de lutar pela
democracia, de ser um espaço de divulgação do movimento sanitário, e reúne pessoas que já
pensavam dessa forma e realizavam projetos inovadores.
Entre 1974 e 1979, diversas experiências institucionais tentam colocar em prática algumas
diretrizes da reforma sanitária, como descentralização, participação e organização. É nesse
momento que a Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp), da Fundação Oswaldo Cruz, se
incorpora como espaço de atuação da abordagem marxista da saúde. Vários projetos de saúde
comunitária, como clínica de família e pesquisas comunitárias, começaram a ser elaborados, e
pessoas que faziam política em todo o Brasil foram treinadas.
Quando a ditadura chegou ao seu esgotamento, o movimento já tinha propostas. Assim, esse
movimento conseguiu se articular em um documento chamado Saúde e Democracia, que foi
um grande marco, e conseguiu enviá-lo para aprovação do Legislativo. Uma das coisas mais
importantes, segundo Arouca, era transferir o Instituto Nacional de Assistência Médica e
Previdência Social (Inamps) para o Ministério da Saúde.
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Disciplina Saúde Coletiva
Quadro 2 - Base Normativa
No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado pela Constituição de 1988 e se inspira
nos sistemas universais ao afirmar que a saúde é direito de todos e dever do Estado. Essa
Constituição prevê que os serviços de saúde podem ser prestados também pela iniciativa
privada. Desse modo, o sistema de saúde brasileiro é constituído por pelo menos dois tipos
diferentes de sistemas (cada um deles chamado de subsistema): a) um governamental, o
Sistema Único de Saúde (SUS); b) outro privado, o Sistema Supletivo de Assistência Médica
(SSAM). Da maneira como funcionam, há vários pontos de contatos entre eles, principalmente
em relação aos profissionais de saúde (os mesmos profissionais trabalham nos dois sistemas)
e alguns serviços assistenciais (os dois sistemas contratam os mesmos serviços de hospitais e
laboratórios clínicos, por exemplo). No entanto, com relação à possibilidade de a população
poder usar os recursos desses dois sistemas, há uma espécie de muro que barra a utilização do
sistema privado para a maior parte da população – justamente aquela parcela de brasileiros
relativamente mais necessitada.
É importante que seja entendido o conceito desses dois termos para não haver dificuldade
de interpretação. Alguns autores descrevem os princípios do SUS como diretrizes e vice-
Esse princípio deve ser entendido como um É o princípio de maior dificuldade A integralidade das ações de
direito à saúde e à vida, pois garante igualdade de compreensão, pois nos remete saúde é um princípio que reforça
de acesso aos serviços de saúde a todos os à perspectiva de igualdade. a ideia de sistema único de
cidadãos brasileiros – sem distinção de raça, Entretanto, é um erro conceitual saúde, pois garante acesso
sexo, orientação sexual, condição financeira, interpretá-lo sob essa ótica. Esse integral à saúde, que vai das
religião e outras variáveis de segregação – em princípio identifica o espaço da ações preventivas às assistenciais.
todos os níveis de assistência. Foi responsável diferença, e não da igualdade.
pela substituição do modelo contributivo de A Constituição afirma que
seguro social, que vigorou por um longo período É fruto de um dos piores devemos priorizar as ações de
no Brasil e que condicionava o acesso dos problemas da sociedade, que é a prevenção, porém sem prejuízos
contribuintes da previdência social aos serviços inequidade social. curativos. Daí a célebre frase que
públicos e privados credenciados ao sistema melhor exemplifica esse princípio:
Portanto, essa base conceitual do “O indivíduo deve ter acesso
previdenciário.
SUS propõe um desafio de tratar garantido, da vacina ao
A universalidade pressupõe a ideia de direito e “de forma desigual os desiguais”, transplante”.
jamais podemos realizar qualquer menção à isto é, o Estado deverá atender às
ideia de pagamento ou gratuidade. É uma necessidades individuais e Esse princípio também se refere
pegadinha frequente em provas aparecer a coletivas daqueles mais atingidos ao atendimento integral do
associação desse princípio com gratuidade, pelas inequidades sociais. indivíduo do ponto de vista do
portanto, muito cuidado! Para as questões novo conceito de saúde. Não
Isso perpassa pela lógica de criar podemos mais pensar na doença
discursivas, devemos saber que há dois desafios
políticas públicas que englobem o apenas como um modelo
levantados pelo princípio da universalidade, que
espaço regulador de diferenças e biomédico, mas sim incorporado
são:
tentem organizá-las, às diversas dimensões que
1. Garantir o acesso às ações e serviços de reconhecendo a diversidade da determinam a produção de
saúde que, muitas vezes, apresentam uma série condição humana e suas saúde-doença (sociedade/meio no
de dificuldades aos cidadãos. potencialidades e necessidades. qual se vive), e então garantir
acesso a todos os tipos de serviços
2. Garantir boas condições de vida que Geralmente, utilizamos indicadores
que envolvam promoção, proteção
possibilitem boas condições de saúde, epidemiológicos e de distribuição
e recuperação da saúde.
assegurando assim um projeto de construção de de renda como critérios para
sociedade mais justa e igualitária. determinar políticas equânimes.
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Disciplina Saúde Coletiva
•• Política de atenção integral à saúde da mulher.
•• Atenção às DST/Aids.
Outro aspecto abordado pela integralidade está relacionado à formação dos trabalhadores
para o processo do trabalho em saúde. A formação deles leva em consideração a perspectiva
integral de atenção à saúde.
Participação da
Descentralização Regionalização Hierarquização comunidade
(ou controle social)
Pela nossa Constituição, o A rede de serviços do A hierarquização diz Essa diretriz também é definida como
Estado brasileiro é SUS deve ser respeito à organização participação popular ou participação da
considerado uma organizada de forma do acesso da comunidade, ou ainda como participação
federação, e, como tal, regionalizada e população à rede de dos cidadãos e até controle social. Podemos
os princípios hierarquizada, serviços de saúde por considerar essa diretriz como um dos marcos
constitucionais devem ser permitindo um meio da definição de históricos da reforma sanitária brasileira, pois
garantidos e exercidos conhecimento maior dos níveis de atenção à garantiu a participação da comunidade no
em cada esfera de problemas de saúde da saúde. processo de construção e consolidação do
governo. O SUS deve, população de uma área SUS.
portanto, se organizar a delimitada, favorecendo O nível primário de
partir da ações de vigilância atenção deve ser Seria um erro histórico apontar essa diretriz
descentralização, com epidemiológica, qualificado para e não a relacionar com a 8ª Conferência
direção única em cada sanitária, controle de atender e resolver os Nacional de Saúde, pois, durante esse
esfera de governo. vetores e educação em principais problemas encontro em Brasília, no ano de 1986, a
saúde, além das ações que demandam participação popular foi apresentada como
Em outras palavras, o de atenção serviços de saúde. Os um dos princípios organizativos do novo
nosso Sistema Único de ambulatorial e que não forem sistema nacional de saúde, o qual ainda
Saúde (SUS) passa a não hospitalar em todos os resolvidos nesse nível estava por ser aprovado, conforme extraído
ser mais gerido somente níveis de complexidade. deverão ser dos manuais do Ministério da Saúde: “[...]
pelo governo federal. Em outras palavras, referenciados para os participação popular, através de suas
Ocorre uma distribuição essa diretriz deve focar serviços de maior entidades representativas, na formulação da
de poder político, de a organização do complexidade política, no planejamento, na gestão, na
responsabilidades e de sistema em uma noção tecnológica. O nível execução e avaliação das ações de saúde”
recursos para os níveis de território, levando primário (baixa (Matta 2006 apud Brasil, 1996:10). Em
estadual e municipal. De em consideração os complexidade) é 1990, a Lei nº 8.142 trouxe a regulação das
uma maneira mais perfis populacionais, os composto pelas instâncias da participação popular no
simples, podemos ainda indicadores unidades básicas de processo decisório do nosso sistema de
concluir que é uma epidemiológicos, as saúde e pelos saúde, garantindo um caráter permanente de
desconcentração do condições de vida e o programas de saúde formulação e acompanhamento das políticas
poder da União para os suporte social. Assim, a da família, e engloba de saúde no Brasil.
estados e municípios. gestão municipal estará ações de vacinação,
Com essa consultas básicas, etc. As instâncias colegiadas de participação
mais próxima da
descentralização, o Nesse nível, são popular no SUS são: conselhos de saúde
realidade que a cerca e
formato do processo de resolvidos 80% dos (municipais e estaduais) e conferências de
contribuirá para uma
gestão do SUS fica assim problemas de saúde saúde (nacional, estadual e municipal).
melhor resolutividade
definido: dos problemas que da população.
Os conselhos de saúde têm caráter
acometem a população permanente e deliberativo. Estão presentes
União – governo federal: O nível secundário
que está presente nos nos três níveis de governo, representados
Ministério da Saúde. (média complexidade)
distritos e regiões que pelo Conselho Nacional de Saúde, Conselho
resolve 15% dos
Estados e Distrito compõem o município. Estadual de Saúde e Conselho Municipal de
problemas de saúde e
Federal: Secretaria está nos centros de Saúde. São órgãos colegiados compostos por
Segundo Matta (2006),
Estadual de Saúde. especialidades, nos representantes do governo, prestadores de
a lógica proposta é de
hospitais com baixa serviço privado, profissionais de saúde e
Municípios: Secretaria que quanto mais perto
complexidade (clínica usuários. Atuam na formulação de políticas,
Municipal de Saúde. da população, maior
médica, pediatria e estratégias, acompanhamento das ações e
será a capacidade de o
obstetrícia), nas clínicas no controle da execução da política de
A Lei nº 8.080, de 1990, sistema identificar as
de raio-X, USG, nos saúde na instância correspondente, inclusive
apresenta as atribuições necessidades de saúde
laboratórios, entre nos aspectos econômicos e financeiros, cujas
e competências de forma e melhor será a forma
outros (a maioria decisões serão homologadas pelo chefe do
genérica e, segundo de gestão do acesso e
desses serviços está nas poder legalmente constituído em cada esfera
alguns autores, torna a dos serviços para a
Santas Casas e em do governo.
compreensão das população.
especificidades de cada hospitais privados
Os conselhos devem ser formados de forma
instância gestora um A regionalização deve conveniados ao SUS).
paritária entre usuários e prestadores:
pouco difícil. Já as ser norteada pela
hierarquização dos O nível terciário de
Normas Operacionais 50% de participação dos usuários
níveis de complexidade atenção à saúde (alta
Básicas (NOB) definem (população);
requerida pelas complexidade) está nos
claramente as
necessidades de saúde hospitais de referência, 25% de representantes das instituições
competências de cada
das pessoas. O clínicas de tomografia, administradoras do SUS e prestadores de
esfera de governo na
princípio da hemodiálise, serviços de saúde;
organização e
integralidade deve ser quimioterapia, entre
operacionalização do
outros, e resolve os 5% 25% de representantes dos trabalhadores
SUS. Elas definem de levado em
restantes dos da saúde.
maneira estratégica e consideração, pois é a
partir dele que vamos problemas de saúde.
detalhada as condições A Lei nº 8.142 também define que as
organizar o serviço, Atualmente, no SUS, a
que os estados e conferências de saúde (veja o capítulo
desde as ações de maioria desses serviços
municípios precisam Histórico das Conferências Nacionais de
promoção e prevenção é composta pelos
adquirir diante do Saúde) estruturam-se em cada nível de
de doenças até as de hospitais públicos
processo de implantação governo e se reúnem a cada quatro anos,
maior complexidade brasileiros.
e consolidação do SUS. com o intuito de avaliar a conjuntura de
como recursos saúde vivenciada por cada uma das áreas
diagnósticos, de abrangência e propor diretrizes para
internação, cirurgias e formulação política em cada esfera. Elas
transplantes. podem ser convocadas pelo Poder Executivo
ou de forma extraordinária pela própria
conferência ou pelos conselhos.
A gestão do SUS funda-se no comando único em cada esfera de governo, isto é, na União o
comando é do Ministério da Saúde; nos estados, das Secretarias Estaduais de Saúde; e nos
municípios, das Secretarias ou Departamentos Municipais de Saúde. Os estados e municípios
devem solicitar habilitação em uma das modalidades de gestão; no caso dos municípios a Plena
do Sistema ou a Plena da Atenção Básica. Combinado à diretriz da descentralização, esse
dispositivo possibilita, principalmente aos municípios, os meios necessários para a efetivação
de planos de ação adaptados às necessidades locais e/ou regionais. Na atualidade, o Pacto
pela Saúde é o instrumento direcionador no qual diversas ações de saúde são estipuladas
consensualmente. Por meio de compromissos específicos da União, dos estados e dos municípios,
essas ações deverão ser efetivadas pelo SUS em prazos definidos. No que tange à remuneração,
os prestadores, sejam públicos ou privados, são tratados da mesma forma, isto é, remunerados
por produção de serviços, procedimento que induz o subsídio à oferta de serviços nem sempre
de acordo com as necessidades assistenciais e/ou os preceitos técnicos. Mais recentemente,
têm sido introduzidos em setores específicos mecanismos de remuneração por compromisso
assistencial, como os contratos assinados pelo SUS com hospitais universitários e de ensino.
A matriz gerencial do SUS é interessante por permitir a coexistência dos níveis técnico e político
com mecanismos de participação direta. Ela é constituída por três instâncias: instituição gestora,
comissão interinstitucional e colegiados participativos.
Representantes
Nível Ministério da saúde (MS) Comitê tripartite do Conass,
Federal
Conasems e Ms
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Disciplina Saúde Coletiva
As instituições gestoras deveriam ser os organismos encarregados de apresentar as soluções
técnicas para a efetivação das políticas de saúde, além de exercerem as atividades de gestão,
planejamento, controle e avaliação do sistema em seu âmbito de competência. As comissões
intergestores são os espaços em que as esferas de governo realizam os pactos para a
operacionalização do sistema, ou seja, representam um arranjo para enfrentar as dificuldades
advindas do modelo federativo. Compostas por representantes do Ministério da Saúde, do
Conselho Nacional de Secretários Nacionais de Saúde (Conass) e do Conselho Nacional de
Secretários Municipais de Saúde (Conasems), deliberam sobre assuntos técnicos e políticos
diversos, como a definição dos tetos financeiros de repasse para cada estado e a habilitação
de estados e municípios nas modalidades de gestão.
Conforme já preconizado pela Lei nº 8.080/90, o SUS deve ser organizado de forma
regionalizada e hierarquizada. Por isso, o Decreto nº 7.508/2011 cria as regiões de saúde.
Cada região deve oferecer serviços de atenção primária, urgência e emergência, atenção
psicossocial, atenção ambulatorial especializada e hospitalar e, por fim, vigilância em saúde.
A Emenda Constitucional nº 29 (EC nº 29) foi finalmente regulamentada 12 anos depois de sua
promulgação, em 13 de setembro de 2000. Tinha como objetivo estabilizar o financiamento do
setor saúde com recursos das três esferas de governo, provenientes da aplicação de percentuais
das receitas estabelecidos em lei. Definiu, no caso da União, que o valor mínimo seria aquele
apurado no ano anterior, corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB). Para
Em abril de 2008, foi aprovado por unanimidade o PLS 121/2007, de autoria do senador
Tião Viana (PT-AC), que contemplava a destinação de 10% das RCBs para a saúde. Enviado
à Câmara dos Deputados, foi aprovado em forma de substitutivo, com a denominação Projeto
de Lei Parlamentar (PLP) nº 306/2008, em 21 de setembro de 2008, tendo como relator o
deputado Pepe Vargas (PT-RS). Nesse substitutivo, a Câmara rejeitou a proposta do Senado
quanto aos 10% da RCB da União e a do relator Vargas, criando a Contribuição Social para a
Saúde (CSS), resultando em nenhum acréscimo de recursos federais para o SUS. Em devolução
ao Senado, o substitutivo voltou a tramitar como PLS nº 121/2007 e foi aprovado em 7 de
dezembro de 2011, regulamentando a EC nº 29, com a manutenção das mesmas regras de
vinculação presentes na EC nº 29.
Dessa forma, a Lei nº 141/2012 não apresentou qualquer vinculação de recursos federais
para a saúde, frustrando a expectativa de ampliação de recursos para o setor. Ela define o
que pode ser considerado despesas em ações e serviços públicos de saúde, valoriza o processo
de planejamento e o controle social e define a transferência regular e automática por meio dos
fundos de saúde para custeio e investimento.
A referida lei foi sancionada pelo Poder Executivo com alguns vetos e está organizada em
cinco capítulos: Disposições Preliminares; Das Ações e dos Serviços Públicos de Saúde; Da
Aplicação de Recursos em Ações e Serviços Públicos de Saúde; Da Transparência, Visibilidade,
Fiscalização, Avaliação e Controle; e Disposições Finais e Transitórias.
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Disciplina Saúde Coletiva
Vigilância sanitária
Saúde do trabalhador
Assistência farmacêutica
Produção, aquisição e distribuição de insumos setoriais específicos, como medicamentos, imunobiológicos, sangue e
hemoderivados, equipamentos
Atenção especial aos portadores de deficiência e ações administrativas para a execução das ações indicadas nos itens anteriores
Merenda escolar
Saneamento básico
Preservação e correção do meio ambiente, realizadas pelos órgãos de meio ambiente dos entes federativos e por entidades não
governamentais
Ações de assistência social não vinculadas diretamente à execução das ações e serviços de saúde do SUS
Ações e serviços públicos de saúde custeados por recursos não especificados na base de cálculo definida na primeira diretriz
A área da saúde foi pioneira nesse processo devido à efervescência política que a caracterizou
desde o final da década de 1970 e devido à organização do Movimento da Reforma
Essa participação foi institucionalizada na Lei nº 8.142/90, através das conferências que têm
como objetivo avaliar e propor diretrizes para a política de saúde nas três esferas de governo
e através dos conselhos – instâncias colegiadas de caráter permanente e deliberativo, com
composição paritária entre os representantes dos segmentos dos usuários, que congregam
setores organizados na sociedade civil e nos demais segmentos (gestores públicos, filantrópicos
e privados e trabalhadores da saúde) e que objetivam o ‘controle social’.
Vários autores brasileiros vêm trabalhando a temática do ‘controle social’ no eixo das políticas
sociais. Essa é uma expressão de uso recente e corresponde a uma moderna compreensão
de relação Estado-sociedade, em que cabe a sociedade estabelecer práticas de vigilância e
controle sobre o Estado.
Na mesma direção, o ‘controle social’ pode ser entendido como a ação estatal dentro da
perspectiva da democratização dos processos decisórios com vistas à construção da cidadania.
Os autores destacam que, “ao longo de décadas, os governos submeteram os objetivos de sua
ação aos interesses particulares de alguns grupos dominantes, sem qualquer compromisso com
o interesse da coletividade”.
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Disciplina Saúde Coletiva
Nesse sentido é que houve a ‘privatização do Estado’. Em contraponto a essa realidade, o autor
afirma que a concepção de gestão pública do SUS é essencialmente democrática, devendo ser
submetida ao controle da sociedade. A expressão ‘controle social’ vem sendo utilizada para
designar a participação da sociedade prevista na legislação do SUS.
Observa-se que, apesar de serem utilizados referenciais teóricos diferentes nas análises
sobre controle social, eles têm em comum tratar o ‘controle social’ dentro da relação Estado e
sociedade civil, apresentando os conselhos ‘gestores’, ou ‘de gestão setorial’, ou ‘de direitos’,
como instâncias participativas, resultado do processo de democratização do Estado brasileiro.
Deixa-se clara a opção por uma análise dessa temática a partir de uma perspectiva classista,
problematizando o ‘controle social’ dentro das contradições da sociedade de classes.
Além dos conselhos e conferências de saúde, a população pode recorrer a outros mecanismos de
garantia dos direitos sociais, em especial o direito à saúde – por exemplo, o Ministério Público,
a comissão de seguridade social e/ou da saúde do Congresso Nacional, das assembleias
legislativas e das câmaras de vereadores, a Promotoria dos Direitos do Consumidor (Procon),
os conselhos profissionais, etc. A denúncia através dos meios de comunicação – rádios, jornais,
televisão e internet – também é um forte instrumento de pressão na defesa dos direitos.
Saúde
que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário
às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação
Figura 1.3
•• Imposto direto: Imposto de Renda da Pessoa Física ou Jurídica, que é calculado sobre a
renda da pessoa ou empresa.
•• Imposto indireto: Imposto sobre Serviço, que é embutido em quaisquer serviços prestados.
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Disciplina Saúde Coletiva
podem ser destinados conforme cada ente federativo decidir, mas as contribuições sociais são
de destino obrigatório para determinado gasto público. Temos como exemplo de contribuição
a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), que foi destinada ao custeio
da saúde por um tempo no Brasil.
Ao inserir a garantia do direito à saúde na CF/88, houve uma harmonia que foi acompanhada
pela criação do SUS e sua inserção no OSS. Esse orçamento contemplou as contribuições sobre
a folha de salário e sobre o lucro das empresas, e houve, ainda, a criação da Contribuição
para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
Para fazer esse diálogo de oferta de Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS), criou-se
a Comissão de Intergestores Bipartite (CIB) e a Comissão de Intergestores Tripartite (CIT).
Essas comissões analisam, discutem e negociam a execução de políticas de saúde visando à
integralidade no acesso à saúde, bem como o rateio dessas despesas.
CIB Reúne o gestor municipal e o estadual, além de representantes da secretaria estadual de saúde e Cosems.
CONASS Articula a representação política dos estados, fornece apoio técnico às secretarias estaduais de saúde.
COSEMS Articula gestores dos municípios para compartilhar experiências e estratégias de gestão.
A partir da CF/88, a saúde passa a ser um sistema universal, integral e que conta com recursos
que já eram recolhidos. Além disso, passou a contar também com uma contribuição específica,
a CPMF, lucro de empresas, dentre outros.
O orçamento da saúde conta com a participação de vários órgãos relacionados à saúde para
sua elaboração e considera as diretrizes propostas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO),
lei periódica que norteia a elaboração dos orçamentos anuais, e a previsão de gastos do
governo.
Nos anos 1990, foram publicadas as Normas Operacionais Básicas (NOB) e as Normas
Operacionais de Assistência à Saúde (NOAS) que estão resumidas no quadro a seguir. Essas
normas foram elaboradas pelo Ministério da Saúde em conjunto com os gestores do SUS.
NOB SUS 01/91 Definiu que o repasse de recursos seria realizado mediante atendimento às exigências:
NOB SUS 01/92 Criou o Fundo Nacional de Saúde para repasse de recursos aos estados e municípios.
NOB SUS 01/93 Foi elaborada por um grupo de trabalho para progressão da descentralização. Atribui a CIT e a CIB ao
gerenciamento da descentralização da saúde e municipalização. Estabeleceu também níveis de
descentralização que indicavam quanto de autonomia o município teria dependendo do nível em que se
encaixava.
• Gestão plena da atenção básica: o gestor municipal tem como atribuições elaborar a programação
municipal de ASPS, incluindo uma proposta de referência ambulatorial e de atenção hospitalar; operar o
Sistema de Informação Ambulatorial (SIA/SUS), autorizar as internações hospitalares, executar ações de
vigilância sanitária e epidemiológica.
• Gestão plena do sistema municipal: o gestor municipal passa a responder por todas as ASPS, prestar
atenção especializada a todos os casos de referência, sendo do município ou não, fazer a gestão
ambulatorial e hospitalar, operar o Sistema de Internação Hospitalar (SIH/SUS) e o SIA/SUS.
Ao âmbito estadual fica atribuída a função de fazer a gestão do SUS, assumir a gestão da saúde dos
municípios que ainda não se enquadram nas formas de gestão.
• Piso de Atenção Básica (PAB): propõe um valor per capita nacional para transferência automática para o fundo de saúde do
município.
• PAB Variável: recursos extras conforme o município desenvolve programas de saúde. Alguns dos programas eram: Programa de
Agentes Comunitários (PACS), Programa de Saúde da Família (PSF), Ações Básicas de Vigilância Epidemiológica.
A NOB 01/96 trouxe inovações que permanecem até hoje no financiamento da saúde. Uma
delas é o valor per capita repassado aos municípios. Esse tipo de repasse torna parcialmente
equânime a divisão de valores entre municípios, pois os municípios com maior contingente
populacional recebem proporcionalmente. No entanto, as pessoas não têm necessidades iguais
de saúde, tampouco os municípios ou estados. Você se lembra do conceito de equidade? Uma
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Disciplina Saúde Coletiva
divisão de recursos que permita o alcance desse princípio acaba por ser uma divisão desigual,
para que os que tiverem maiores necessidades de saúde recebam maiores recursos.
Quadro 6 - Gasto com consumo de bens e serviços de saúde, como percentual do PIB,
por setor no Brasil no período entre 2000 e 2009.
Setor 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Consumo final das famílias 4,9 5,1 5,0 4,8 4,8 4,8 4,9 4,8 4,7 4,8
Consumo final da 3,1 3,1 3,3 3,2 3,2 3,1 3,4 3,3 3,3 3,6
administração pública
Consumo final das 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1
instituições sem fins lucrativos
Total 8,1 8,3 8,4 8,1 8,1 8 8,3 8,3 8,1 8,5
Nota: são consideradas como instituições sem fins lucrativos apenas estabelecimentos como
ONGs, igrejas, associações profissionais, etc.
Setor 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Consumo final das famílias 339 384 421 459 511 563 620 687 745 820
Consumo final da 214 235 277 304 348 363 428 472 532 607
administração pública
Consumo final das 6 6 9 9 10 10 11 12 14 15
instituições sem fins lucrativos
Total 558 624 707 772 869 936 1059 1171 1290 1442
Notas: valores expressos em reais correntes. São consideradas como instituições sem fins
lucrativos apenas estabelecimentos como ONGs, igrejas, associações profissionais, etc.
Vimos anteriormente que a saúde privada é complementar ao SUS, ou seja, pode ser ofertada,
mas não é a principal fonte de ações e serviços de saúde. Na próxima sessão, estudaremos
como funciona a assistência privada à saúde.
Saúde suplementar
Antes de tudo, o que significa suplementar? Se você lembrou suplemento, você acertou!
Suplemento significa acrescer, adicionar, ser complementar. A assistência médica privada
funciona de maneira suplementar ao SUS, conforme consta na legislação vista anteriormente.
Fiscalização e avaliação Fiscalizar, controlar, avaliar os planos privados de assistência à saúde no que tange
da qualidade ao seu funcionamento, manutenção, qualidade dos serviços e cumprimento de normas.
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Disciplina Saúde Coletiva
Federação destinava a variação do Produto Interno Bruto Será destinado o valor do ano anterior corrigido pela
(PIB) corrigido pela variação da inflação. variação da inflação.
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Disciplina Saúde Coletiva
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