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doi: 10.4181/RNC.2012.20.67402.

8p
revisão

Distúrbios da Consciência Humana – Parte 2 de 3:


A Abordagem dos Enfermos em Coma
Disorders of Human Consciousness - Part 2 of 3: The Approach To The Infirm In Coma

Plínio Duarte Mendes1, Marina de Souza Maciel2, Marcus Vinícius


Teixeira Brandão3, Paulo César Rozental Fernandes4, Vanderson Esperidião
Antonio5, Sérgio Keidi Kodaira6, Rodrigo Siqueira-Batista7

RESUMO ABSTRACT
O presente artigo – parte 2 de 3 – apresenta uma revisão sobre a This article – part 2 of 3 – presents an overview of the diagnostic ap-
abordagem diagnóstica do enfermo em estado de coma, destacando a proach of the patient in a coma, highlighting the semiotic research.
investigação semiológica. Geralmente, a avaliação do indivíduo cujo Generally, evaluating patients, whose level of consciousness is im-
nível de consciência encontra-se comprometido é uma tarefa com- paired, is a complex task, considering the difficulties to directly ana-
plexa, tendo em vista as dificuldades para se analisar diretamente a lyze the conscience status. Therefore, their evaluation requires a close
consciência. Portanto, sua apreciação exige a observação atenta de um observation of a set of clinical signs based on a careful and systematic
conjunto de sinais clínicos fundamentados em uma cuidadosa e sis- neurological evaluation of the following aspects: (1) awareness, (2)
temática avaliação neurológica a partir dos seguintes itens: (1) nível diameter and pupillary reflex, (3) extrinsic movement of eyes, and (4)
de consciência, (2) diâmetro e reflexo pupilar, (3) movimentação ex- respiratory pattern, (5) skeletal motor response to different stimuli.
trínseca do globo ocular, (4) padrão respiratório e (5) resposta motora The proper coordination between these items, together with data col-
esquelética aos diferentes estímulos. A adequada articulação entre estes lected from the interview – when it is possible – will allow the pro-
itens, aliada aos dados coletados da anamnese – quando isto é possível posal of diagnostic hypotheses, which will guide the requisition of
–, permitirá a proposição de hipóteses diagnósticas, as quais guiarão additional tests and the therapeutic.
a solicitação de exames complementares e a adoção de medidas tera-
pêuticas.

Unitermos. Transtornos da Consciência, Diagnóstico, Exame Físico. Keywords. Consciousness Disorders, Diagnosis, Physical Examination.

Citação. Mendes PD, Maciel MS, Brandão MVT, Fernandes PCR, Citation. Mendes PD, Maciel MS, Brandão MVT, Fernandes PCR,
Esperidião Antonio V, Kodaira SK, Siqueira-Batista R. Distúrbios da Esperidião Antonio V, Kodaira SK, Siqueira-Batista R. Disorders of
Consciência Humana – Parte 2 de 3: A Abordagem dos Enfermos em Human Consciousness - Part 2 of 3: The Approach To The Infirm
Coma. In Coma.

Trabalho realizado no Centro Universitário Serra dos Órgãos (UNIFESO)


e na Universidade Federal de Viçosa (UFV), Viçosa-MG, Brasil.
1.Médico, Centro Universitário Serra dos Órgãos (UNIFESO), Teresópolis-
-RJ, Brasil.
2.Médica, Centro Universitário Serra dos Órgãos (UNIFESO), Teresópolis-
-RJ, Brasil. Endereço para correspondência:
3.Médico, Centro Universitário Serra dos Órgãos (UNIFESO), Teresópolis- Rodrigo Siqueira Batista
-RJ, Brasil. Universidade Federal de Viçosa
4.Médico, Centro Universitário Serra dos Órgãos (UNIFESO), Teresópolis- Departamento de Medicina e Enfermagem
-RJ, Brasil. Av. Peter Henry Rolfs, s/n. Campus Universitário
5.Médico, Mestre, Professor Assistente do Departamento de Medicina e En- CEP 36570-000, Viçosa-MG, Brasil.
fermagem, Medicina da Universidade Federal de Viçosa (MG), Viçosa-MG, E-mail: rsbatista@ufv.br
Brasil.
6.Médico, Doutor, Professor Adjunto do Departamento de Medicina e Enfer-
magem, Universidade Federal de Viçosa (UFV), Viçosa-MG, Brasil. Revisão
7.Médico e filósofo, Doutor, Professor Adjunto do Departamento de Medicina Recebido em: 15/04/11
e Enfermagem, Universidade Federal de Viçosa (UFV). Professor Visitante, Aceito em: 26/10/11
Centro Universitário Serra dos Órgãos (UNIFESO). Conflito de interesses: não

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INTRODUÇÃO do paciente comatoso. Deste modo, foram selecionados
O estado de coma, caracterizado pela redução do 15 artigos, os quais subsidiaram a presente investigação.
nível de consciência, é uma condição clínica na qual o Além da utilização de artigos, também foram empregados
paciente permanece de olhos fechados, sem responder aos livros-texto de neurologia, neuroanatomia e neurociên-
estímulos externos e sem demonstrar conhecimento de cias, como parte integrante do levantamento bibliográfico.
si próprio e do ambiente (vida de relação)1-3. As causas
do coma podem ser estruturais ou não-estruturais, con- RESULTADOS
forme discutido no primeiro artigo desta série de três, Os artigos foram lidos e as informações organiza-
destacando-se que usualmente o metabolismo cerebral de das de maneira a sistematizar a investigação diagnóstica
pacientes em estado de coma encontra-se cerca de 50% do paciente comatoso.
diminuído4. Para ser claramente distinguido da síncope,
da concussão ou de outros estados transitórios de perda Abordagem Diagnóstica do Paciente Comatoso
da consciência, o coma deve persistir durante pelo menos A avaliação diagnóstica inicial do paciente em
uma hora1,2. Em geral, os pacientes que sobrevivem ao coma inicia-se pela coleta de informações de familiares,
coma começam a despertar e recuperar a consciência gra- amigos e profissionais envolvidos no atendimento pré-
dualmente dentro de duas a quatro semanas3. -hospitalar, sobre o início e a evolução clínica do coma,
O objetivo do presente artigo é apresentar uma re- utilização de medicações e de outras drogas, doenças asso-
visão acerca da abordagem diagnóstica do enfermo em ciadas e em que circunstâncias o paciente foi encontrado.
estado de coma, destacando a relevância do exame físico Deste modo, o médico obtém dados importantes que
sistemático e dos testes diagnósticos. podem ser úteis para determinação etiológica do coma e
para prever a evolução do paciente5-7.
MÉTODO A avaliação do indivíduo cujo nível de consciência
O texto foi construído a partir de revisão narrativa encontra-se comprometido é geralmente uma tarefa com-
da literatura com estratégia de busca definida. Os artigos plexa, tendo em vista que as ferramentas semiológicas dis-
foram pesquisados nas bases de dados LILACS (Literatu- poníveis não permitem analisar diretamente a consciência.
ra Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), Portanto, sua apreciação exige a observação atenta de um
SciELO (Scientific Electronic Library Online) e PubMed conjunto de sinais clínicos fundamentados em uma cui-
(U. S. National Library of Medicine). Os termos utiliza- dadosa avaliação neurológica a partir dos seguintes itens:
dos foram selecionados de acordo com os disponibiliza- (1) nível de consciência, (2) tamanho da pupila e reflexo
dos nos Descritores de Ciências da Saúde (Decs), sendo pupilar, (3) movimentação extrínseca do olho, (4) padrão
aplicados e organizados na busca bibliográfica da seguin- respiratório e (5) resposta motora esquelética1,8.
te maneira: Estratégia 1 – consciência (consciousness) +
neurobiologia (neurobiology); Estratégia 2 – transtorno Nível de Consciência
da consciência (consciousness disorders) + fisiopatologia Um grande número de escalas foi desenvolvido
(pathophysiology). Utilizaram-se como limites de pes- para avaliar o nível de consciência, porém a mais conhe-
quisa, no PubMed, artigos publicados até 30 de junho cida e mais utilizada é, sem dúvida, a Escala de Coma de
de 2011, em português, espanhol, francês ou inglês, em Glasgow (ECG), a qual pode ser observada no Quadro
humanos e em adultos maiores de 19 anos. Obteve-se, as- 2. Esta escala permite avaliar, rapidamente, o estado da
sim, um total de 240 citações (Quadro 1). Destas, optou- consciência e a evolução do quadro, a partir da resposta
-se pela exclusão de editoriais, correspondências, cartas observada nos seguintes parâmetros: abertura ocular, res-
ao editor, relatos de caso e textos que tivessem a terapêu- posta verbal e resposta motora. Contudo, sua utilização
tica como cerne da discussão, elegendo-se estudos que torna-se limitada quando o paciente encontra-se imobili-
detalhassem as bases biológicas da consciência humana zado, traqueostomizado ou com edema palpebral bilate-
e as investigações que abordassem a avaliação diagnóstica ral ou lesões do nervo oculomotor (III nervo craniano)9.
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Quadro 1 mica, o diâmetro pupilar estará na dependência da via


Número de citações obtidas na pesquisa bibliográfica
menos danificada. Uma vez que as regiões responsáveis
BASE DE DADOS CONSULTADA pelo estado de vigília encontram-se próximas as vias do
ESTRATÉGIA DE BUSCA
LILACS PUBMED SCIELO sistema nervoso autônomo no tronco encefálico, torna-se
Estratégia 1 necessário pesquisar alterações pupilares com o objetivo
3 13 30
(consciência + neurobiologia)
de diagnosticar topológica e etiologicamente a provável
Estratégia 2
(transtorno da consciência + 6 168 20 causa do coma6,10.
fisiopatologia) Lesões nas regiões posterior e ventrolateral do hi-
potálamo podem cursar com anisocoria ipsilateral à via
Quadro 2 simpática (lesão da cadeia simpática cervical ou Síndro-
Escala de Coma de Glasgow (ECG)* me de Claude Bernard-Horner). Lesões do mesencéfalo
Parâmetro Pontuação podem originar três formas de alterações da pupila de-
Abertura ocular: pendendo de sua localização: lesão da porção ventral geral-
Espontânea 4 mente compromete tanto a via simpática quanto a paras-
Ao comando verbal 3 simpática levando a pupilas médio-fixas (4 a 5mm); lesão
À dor 2 na região do tecto do mesencéfalo pode levar a chamada
Ausente 1
pupila tectal, representada por pupilas pouco dilatadas (5
Resposta verbal:
a 6mm), sem reflexo fotomotor e flutuações no diâmetro
Orientado 5
pupilar (hippus); lesões do nervo oculomotor (terceiro ner-
Confuso 4
vo craniano) podem levar a uma midríase paralítica com
Palavras inapropriadas 3
reflexo fotomotor negativo. Esta condição é comumente
Sons incompreensíveis 2
Ausente 1
relacionada à herniação transtentorial, pois o uncus do
Resposta motora: lobo temporal pode insinuar-se entre a tenda do cerebelo
Obedece a comandos verbais 6 e o mesencéfalo, encontrando como primeira estrutura o
Ao estímulo doloroso: nervo oculomotor. Lesões do tegumento pontino podem
Localiza o estímulo doloroso 5 levar a uma miose importante, bilateral, com manutenção
Retirada à dor 4 do reflexo fotomotor, como observado na Figura 16,11,12.
Decorticação 3 A motilidade extrínseca do olho é realizada pelos
Descerebração 2 músculos, os quais são inervados pelos nervos oculomotor
Ausente 1 (terceiro nervo craniano), troclear (IV par) e abducente
*Adaptado de Andrade et al., 2007 .6
(VI par), seus núcleos formadores, localizados no tronco
encefálico. Assim, a avaliação dos movimentos oculares
A pontuação obtida é particularmente interessante para torna-se um valioso guia para investigar a presença e nível
acompanhar, de modo comparativo, a evolução dos pa- de lesão no tronco, mais especificamente na substância
cientes em coma8. cinzenta do mesencéfalo (núcleos do III e do IV pares)
e da ponte (núcleos do VI par). Uma vez que o paciente
Reatividade Pupilar e Movimentos Oculares em coma tem uma resposta reduzida aos estimulos, não
O diâmetro e a reatividade pupilar são caracterís- é possível avaliar a motricidade ocular voluntária, situa-
ticas mantidas pela atividade dos neurônios simpáticos ção que restringe o examinador à análise das vias reflexas
e parassimpáticos que inervam os músculos dilatadores encontradas no tronco. A motricidade extrínseca do olho
(provocando midríase) e constrictores (responsáveis pela sem alterações pode significar que a região localizada ao
miose) da pupila, respectivamente. Fisiologicamente, nível do sulco bulbo-pontino (origem aparente no tron-
existe uma atuação tônica e contínua do sistema nervo- co) e os núcleos do nervo oculomotor no mesencéfalo
so autônomo. Caso haja prejuízo de alguma via autonô- estão preservados6,7,13.
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Figura 1. Possíveis achados patológicos das pupilas no coma.

O exame da movimentação extrínseca do olho cos – ou de movimentos em “ping-pong”, nos quais os


consiste na avaliação de três aspectos: (1) desvio do olhar, olhos oscilam horizontalmente –, sugerem lesão de verme
(2) presença de movimentos espontâneos e (3) movimen- cerebelar ou supratentorial difusa, apesar da etiologia ser
tos reflexos. incerta. Contudo, alguns autores referem que esses movi-
Os desvios do olhar podem ser conjugados ou mentos traduzem integridade das vias oculomotoras. O
desconjugados. Os desvios conjugados do olhar lateral nistagmo é um achado raro no paciente comatoso, uma
podem decorrer de lesões em qualquer parte do percur- vez que reflete a interação entre o sistema oculovestibu-
so desde o córtex à formação reticular parapontina. Por lar e o córtex cerebral. O “bobbing” ocular consiste em
outro lado, os desvios desconjugados laterais implicam movimentos de ambos os olhos para baixo com retorno
em lesões do nervo oculomotor, nervo abducente ou por lento para a posição inicial; é visto em lesões destrutivas
causas intrínsecas do tronco cerebral. Anormalidades no da ponte, hemorragias cerebelares ou hidrocefalia6,12,14.
olhar vertical são menos comuns em pacientes em coma, Os movimentos reflexos são testados a partir das
mas o desvio dos olhos para baixo pode ser encontrado respostas oculocefálicas e oculovestibular. O reflexo ocu-
em lesões do tecto do mesencéfalo ou nos estados de locefálico – ou manobra dos olhos de boneca – é pesqui-
coma metabólico. Quando há desvio em que um dos sado através da observação dos olhos durante a rotação
olhos encontra-se acima do outro (desvio Skew), a lesão lateral e vertical passiva da cabeça do paciente, conforme
geralmente localiza-se no tronco cerebral ou cerebelo6,7,14. observado na Figura 2. Em pacientes com o tronco cere-
A avaliação dos movimentos oculares espontâneos bral intacto, os olhos movem-se de forma conjugada no
permite saber se há integridade das vias oculomotoras. sentido oposto ao do movimento da cabeça. Se este re-
A presença de movimentos oculares alternantes periódi- flexo estiver ausente, uma investigação mais precisa pode
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ser realizada a partir da manobra oculovestibular (prova íntegra (Figura 2). Esta manobra deve ser realizada com
calórica)12,15. a cabeceira do leito elevada 30º, a fim de que a resposta
A prova calórica consiste na pesquisa dos reflexos seja mais fidedigna. Em um paciente consciente, este pro-
oculovestibulares, através da injeção de 50 a 200 ml de cedimento provoca nistagmo com batimento rápido para
água gelada nos condutos auditivos externos do pacien- o lado oposto do ouvido estimulado, o que pode indicar
te, depois de se verificar que a membrana timpânica está uma causa psicogênica para o coma.

Resposta Tônica Normal Resposta Assimétrica Resposta Negativa

B
Figura 2. Pesquisa de reflexos oculares no coma. A: Reflexo oculocefálico (manobra dos olhos de boneca) normal; B: Reflexo oculovestibular.

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A resposta tônica conjugada com movimento dos padrão ventilatório é indicativo de lesões em ambos os
olhos para o lado estimulado indica integridade da ponte hemisférios cerebrais, no diencéfalo ou na ponte. Deve-
e do mesencéfalo, sugerindo lesão supratentorial como -se ressaltar, no entanto, que a insuficiência cardíaca con-
causa do coma. Uma resposta desconjugada indica lesão gestiva, a doença pulmonar obstrutiva crônica e a apnéia
do fascículo longitudinal medial, no nervo oculomotor do sono também podem provocar este tipo de respiração
ou nervo abducente. Para testar os movimentos verticais, devendo, por este motivo, serem afastadas6,7,16,17.
ambos os condutos auditivos devem ser estimulados si- Uma pessoa saudável, em repouso, apresenta a fre-
multaneamente com água fria (causando desvio ocular quência respiratória entre 12-20 ipm. No caso de pacien-
para baixo) ou água quente, a 44ºC (causando desvio tes em coma, pode ocorrer um quadro de hiperventilação
para cima). A ausência de resposta pode revelar lesão in- geralmente com frequência respiratória de 40 a 70 irpm.
trínseca do tronco encefálico; sem embargo, deve-se estar Esta condição, denominada hiperventilação neurogênica
atento para a possibilidade da participação de drogas ves- central, é observada em lesões do tegumento pontino ou
tíbulosupressoras, tais como barbitúricos, bloqueadores mesencefálico. A hiperventilação é um sinal que também
neuromusculares e fenitoína12,15-17. pode ser encontrado em pacientes com sepse, coma hepá-
tico, meningoencefalite, cetoacidose diabética e, secunda-
Padrão Respiratório riamente, a hipoxemia decorrente de comprometimento
A regulação do ritmo respiratório é efetuada pela pulmonar. Deste modo, torna-se necessária a medida do
formação reticular do bulbo, local onde se encontra o pH, pCO2 e pO2 para diferenciá-la de situações compen-
centro do controle respiratório. De forma integrada, o sadas6,16,20.
córtex, o sistema límbico (principalmente o hipotálamo e A respiração apnêustica consiste em uma pausa
o septo) e o cerebelo podem alterar o padrão ventilatório inspiratória de 2 a 3 segundos no final da inspiração. É
em decorrência de estímulos visuais, emocionais, doloro- um padrão raro, porém de considerável valor de localiza-
sos ou motores voluntários18. Além disso, os quimiorre- ção. De fato, experiências em animais indicam que a res-
ceptores encontrados no corpo carotídeo e na bifurcação piração apnêustica ocorre em lesões da porção inferior da
das artérias carótidas são sensíveis aos níveis de oxigênio, ponte, comumente devido a infarto pontino por oclusão
dióxido de carbono e pH do sangue arterial, deflagrando de artéria basilar16.
impulsos que, após realização de sinapse no núcleo do A respiração atáxica – também conhecida como
trato solitário, são levados ao centro respiratório por fi- respiração de Biot – é caracterizada por um padrão venti-
bras no nervo glossofaríngeo (IX nervo craniano) e vago latório (ritmo, frequência e amplitude) irregular com pe-
(X nervo craniano)13,19. ríodos de respirações superficiais, profundas e momentos
Em pacientes em estado de coma, uma varieda- de pausa respiratória. Este padrão pode traduzir danos
de de padrões respiratórios anormais pode ser observada, bulbares ou de segmentos superiores da medula e hiper-
podendo-se comentar: ritmo de Cheyne-Stokes, hiper- tensão intracraniana6,17.
ventilação neurogênica central, apnêustica e respiração
atáxica11. Apesar das modernas técnicas de ventilação Resposta Motora
assistida, a investigação do padrão respiratório através A avaliação da resposta motora esquelética do pa-
do exame físico do paciente comatoso em unidades de ciente em coma inicia-se pela observação da postura em
terapia intensiva pode fornecer importantes pistas a res- repouso, movimentação espontânea e da resposta a estí-
peito da topografia do dano cerebral14,16. Sendo assim, se mulos dolorosos.
discutirá, a seguir, as bases neurobiológicas das alterações Durante a avaliação da postura pode-se observar
respiratórias que podem acompanhar o coma. características tanto extensoras quanto flexoras das extre-
A respiração de Cheyne-Stokes é um padrão carac- midades superiores e inferiores dos membros. Apesar da
terizado por períodos alternantes de hiperventilação e hi- maioria destes padrões posturais aparecerem após estímu-
poventilação intercalados por momentos de apnéia. Este los nocivos, eles também podem ser encontrados espon-
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taneamente, principalmente por estímulos endógenos de Há uma tendência de que lesões que provocam
irritação meníngea11,16. decorticação sejam menos graves do que aquelas que cau-
Os estímulos dolorosos devem ser efetuados no sam descerebração. A minuciosa observação e a compara-
leito ungueal, na região supra-orbitária ou no esterno. É ção entre os lados são cuidados importantes, na medida
importante ressaltar que a repetição de estímulos doloro- em que as respostas motoras assimétricas podem, muitas
sos deve ser evitada e, quando possível, ser realizada com vezes, fornecer a única pista clínica para a localização da
sensibilidade para o paciente e a família6,11,12. lesão hemisférica15,16.
A postura de flexão dos membros superiores – Tanto as posturas descerebradas quanto as decorti-
especificamente cotovelos e punhos – e de extensão de cadas, espontâneas ou não, são por vezes confundias com
membros inferiores corresponde a um padrão chamado convulsões. Crises convulsivas tônico-clônicas generaliza-
decorticação. Este é geralmente produzido por extensas le- das, crises parciais e mioclonias podem ser encontradas
sões envolvendo o diencéfalo e o mesencéfalo. Por outro nos pacientes em coma, devendo ser prontamente in-
lado, quando se observa extensão dos membros inferiores terpretadas pelos profissionais responsáveis, pois podem
e superiores acompanhada de adução, extensão e rota- necessitar de tratamento imediato. As crises mioclônicas,
ção interna dos ombros, cotovelos e punhos, trata-se de por exemplo, são comumente vistas em pacientes com
um padrão postural chamado descerebração. Este padrão encefalopatia isquêmica ou anóxica e distúrbios metabó-
ocorre comumente após lesões bilaterais no mesencéfalo licos7,11.
e na ponte (Figura 3). Do ponto de vista fisiopatológico, O exame da motricidade esquelética segue-se, en-
este padrão postural pode ser explicado pela lesão de vias tão, com a avaliação do tônus muscular e dos reflexos.
corticofugais – responsáveis pela inibição da musculatu- Danos estruturais agudos acima do tronco resultam em
ra extensora – e liberação dos tratos vestibuloespinhal e hipotonia assimétrica, enquanto nos casos de distúrbios
reticuloespinhal pontino, que estimulam os extensores e metabólicos tais achados são geralmente simétricos. A
inibem os músculos flexores6,7,15,16,17,21. presença do sinal de Babinski pode contribuir para o

Figura 3. Postura de decorticação (A) e descerebração (B) após estímulo doloroso.

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realizaram a revisão crítica do artigo. raes-Martins G, Fernandes JJ, Assis, MB et al. Neurobiologia das emoções. Rev
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