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Mídia e migração: uma análise da (in)visibilidade dos migrantes

brasileiros na Europa1

ASSIS, Gláucia Oliveira (doutora)2


SILVA, Leonardo Matheus da (graduando)3
FREDERICO, Manoela Salvador (graduanda)4
UDESC/Santa Catarina

Resumo: As abordagens da mídia em relação aos migrantes brasileiros revelam construções de


representações que tornam visíveis certos aspectos da migração e invisibilizam outros. O presente artigo
tem como objetivo analisar as notícias veiculadas nos periódicos, “O correio da manhã” e “Folha de
São Paulo” entre os anos de 2008 e 2015, que relatam a presença os migrantes brasileiros em Portugal.
O recorte temporal justifica-se pois é o momento de grande fluxo de brasileiros para a Europa e, ao
mesmo tempo, início do processo de retorno ao Brasil. Ao analisarmos os periódicos nesse período,
buscamos evidenciar as representações construídas pelas imprensas portuguesa e brasileira na mídia
sobre os imigrantes homens e mulheres. Tais representações constroem imagens que cristalizam
marcadores que reforçam masculinidades hegemônicas e que, muitas vezes, criminalizam o migrante,
colocando-o como uma ameaça e/ou um perigo para a sociedade de acolhimento. Com base nos artigos
de Paula Togni (2011), Thais França (2012), Glaucia Assia (2014) e Tania de Lucca (2005, 2008)
buscamos compreender esse processo e proceder a análise dos jornais. Procuramos questionar esse perfil
construído que se constituiu ao longo dos anos e é reforçado pela mídia e desvincular a imagem
heteronormativa e masculina do migrante. Através do sentimento da ausência de reportagens que
vinculem outros perfis de migrantes, questiona-se o fato de que um migrante que fuja dessa
normatividade torna-se ainda mais indesejável.

Palavras-chave: mídia digital; migração; periódicos; heteronormatividade; gênero.

1
Trabalho apresentado no GT de História da Mídia Digital integrante do 6º Encontro Regional Sul de
História da Mídia – Alcar Sul | 2016.
2
Doutora em Ciências Sociais/Unicamp. Professora no Programa de Mestrado em História e no Programa de
Mestrado Profissional em Planejamento Territorial e Desenvolvimento socioambiental da Universidade do
Estado de Santa Catarina (UDESC). Tem pesquisado e publicado na área de migrações, relações de gênero e
família. E-mail para contato: glaucia.assis@udesc.br
3
Graduando em História (licenciatura) pela Universidade do Estado de Santa Catarina e bolsista de iniciação
cientifica colaborador do Laboratório de Relações de Gênero e Família (LABGEF). Email para contato:
leonardo_matheuss@hotmail.com
4
Graduanda em História (licenciatura) pela Universidade do Estado de Santa Catarina e bolsista de iniciação
cientifica pela PROBIC - UDESC do Laboratório de Relações de Gênero e Família (LABGEF). Email para
contato: manoelahhhh@gmail.com
As mídias de uma forma geral, através da sua escrita e de suas figuras de
linguagem, constituem narrativas acerca de determinados agrupamentos ou
acontecimentos como no caso das notícias veiculadas sobre o movimento migratório e
as/os migrantes. Esse discurso, da forma como é construído, pode produzir
representações visibilizando-as, ou não, desconsiderando quaisquer personagens que
fujam da norma instituída pela imprensa. Atualmente na historiografia produzida
acerca da trajetória dos periódicos, é constante a preocupação midiática em narrar a sua
perspectiva da história através de suas notícias e, quando analisadas, não se deve
desconsiderar o peso do tradicionalismo imputado na produção das notícias veiculadas
(LUCA, 2005).
Esse movimento tradicional pode ser visto na história da fundação da “Folha
de São Paulo” que apesar de fugir das narrativas truncadas, optando por uma
linguagem coloquial que atingia as camadas médias da população, acabavam por
produzir notícias sensacionalistas e de cunho conservador, voltadas a uma classe média
branca e letrada (LUCA, 2008). Essa produção conservadora continua existindo, como
observaremos no decorrer do artigo, a partir da análise do posicionamento desses
jornais em relação a migração e as/os migrantes brasileiros para Portugal. No caso
“Correio da Manhã”, periódico português criado em 1979 podemos observar que sua
linha editorial se assemelha a linha da Folha de São Paulo.
A partir do posicionamento que tomam, serão levantados questionamentos
norteadores que visam demarcar qual é o perfil que se constitui da/do migrante
brasileira(o) na mídia portuguesa e brasileira através das notícias veiculadas e das
ausências percebidas. Os questionamentos que vão orientar as discussões visam
debater: quais as perspectivas políticas e sociais que constroem o perfil da/do
migrante? Quais as imagens veiculadas às/aos imigrantes? Quem são essas/esses
imigrantes? Quais as ferramentas de linguagem utilizadas para isso? É a partir dessas
perguntas que se pretende debruçar este artigo, visando compreender os discursos
atrelados a migração e às/aos migrantes brasileiros nas mídias jornalísticas digitais de
grande circulação produzidas no Brasil e em Portugal. No período analisado foram
localizados 60 noticias que se referiam a migrantes brasileiros nos dois periódicos. As
palavras-chave na busca foram migração, deportação e a crise econômica mundial.
Ao analisar um recorte jornalístico deve-se considerar o momento político e
econômico que o país no qual o periódico está circulando. A condição que o país se
encontra influencia o teor da notícia, as palavras que vão compô-la, a receptividade ou
não da/do migrante e a positivação ou não dos movimentos migratórios. O recorte
temporal utilizado na análise compreende o período que vai de 2008 a 2015, época em
que a crise econômica atingia em cheio os “países ricos”, conforme relata a Folha.
Então, partindo desse olhar cuidadoso e critico, é possível compreender e levantar
alguns debates sobre os principais pontos tratados. Além de considerar o período de
distribuição do jornal, o recorte de gênero, raça e classe, existentes ou não, na locução
das matérias veiculadas nos jornais deve ser levado em consideração no decorrer das
análises.
Ao longo das produções da mídia brasileira e portuguesa, pode-se observar um
aumento da difusão de notícias sobre o movimento de pessoas nesse início de século.
Se no início dos anos 2000 tivemos um aumento do fluxo de brasileiros para Europa,
particularmente para Portugal, Espanha e Inglaterra, esses chegam a Europa, fugindo
da crise norte-americana e da dificuldade de entrada naquele pais. No entanto, a partir
de 2008 há uma intensificação da crise econômica na Europa, que atinge Portugal,
Espanha e Itália de maneira significativa, o que leva os periódicos a abordarem a
migração como problema Tendo em vista isso, é perceptível nas reportagens que
abordam as/os migrantes e a migração, se num primeiro momento há uma positivação
desse movimento, há ao mesmo tempo a construção de representações que vinculam
o/a migrante, principalmente as/os brasileiros e os oriundos de países da África, ao
aumento da criminalidade no país de chegada.
Tais construções se apresentam quando analisamos as notícias que os associam
à criminalidade, como pode-se observar no jornal português Correio da Manhã, com a
publicação sobre o bairro intitulado Jamaica, onde existe um número significativo de
pessoas em situação indocumentada, que “Gangs dominam a Sul do Tejo São os jovens
delinquentes e as comunidades imigrantes quem mais preocupa as polícias que
investigam os crimes e patrulham a Costa de Caparica, Monte de Caparica, Charneca,
Trafaria, Almada, Corroios, Seixal, Barreiro ou Moita, na Margem Sul.”
um problema grave pelo número de situações de crime violento em que
surgem envolvidas. Pelas condições naturais da Costa instalou-se lá uma
grande comunidade imigrante, nomeadamente de cidadãos brasileiros, e que
de facto está relacionada com muitos dos crimes graves praticados em toda a
Margem Sul. 5

Além disso, no decorrer da notícia são citados todas as ligações e organizações


criminosas às quais alguns personagens brasileiros e brasileiras estão envolvidas, seja
no país de origem ou em Portugal, conforme consta no relatório anual de segurança
Interna e fontes polícias que adiantaram informações ao Correio da Manhã sobre o
combate a criminalidade nos bairros majoritariamente ocupados por imigrantes. O
próprio nome dado ao bairro pode indicar/sugerir uma população migrante marcada
pela insígnia da cor e pelo seu lugar de emigração, vindos de vários países da África e
do Brasil, atrelando e justificando a criminalidade não só a sua origem migratória, mas
também a cor da pele dos sujeitos que ocupam o bairro.
Em outra notícia do ano de 2010 é possível notar, através dos recursos
linguísticos utilizados, a contribuição da mídia na criação dos “esteriótipos e
preconceitos sobre a emigração brasileira” quando utiliza conceitos como “terrorismo”
e “gang” (ASSIS, 2014, p. 2). Ao noticiar que “DIAP solta dois detidos da Judiciária
A Polícia Judiciária, através da Unidade Nacional de Contra-Terrorismo, anunciou
ontem a detenção de três assaltantes brasileiros que fazem parte do gang” 6, o jornal
Correio da Manhã, apresenta os assaltantes como jovens e brasileiros, contribuindo
para uma visão negativa da migração. Ao informar que fazem parte de uma gang de
imigrantes sem detalhar que grupos é, quantos sãos, sua condição migratória, enfim
situar esse grupo em relação ao conjunto dos imigrantes, ocorre uma generalização que
evidencia o que estamos chamando de criminalização da migração e dos migrantes.
Nas notícias que se difundiram, os migrantes estavam sempre envolvidos em
situações que colocam em risco a comunidade portuguesa. Isso demonstra o esforço
midiático e suas reais intenções através das manobras linguísticas utilizadas, ao
veicular notícias com esse teor. Essas noticias visam criar um movimento contrário a
migração, principalmente no período de crise, mostrando seu posicionamento político e
ideológico quando se refere aos imigrantes dessa maneira. Nesse caso em sua maioria
são representados como homens, já que as mulheres aparecem em menor escala

5
O Bairro da Jamaica é conhecido pelo tráfico de droga e pelos confrontos. Disponível em: <
http://www.cmjornal.xl.pt/nacional/portugal/detalhe/gangs-dominam-asul-do-tejo.html>. Acesso em: 20 nov.
2015.
6
PSP travou roubo a carrinha Disponível em: <http://www.cmjornal.xl.pt/nacional/portugal/detalhe/diap-
solta-dois-detidos-da-judiciaria.html >. Acesso em: 23 de mai.. 2015.
quando se trata de criminalidade, o inverso do que acontece quando se tratam de
casamentos ou golpes do baú.
Em novembro de 2008, a Folha publicou uma matéria acerca do tratamento que
a imprensa portuguesa dá a/ao imigrante brasileiro.7 De acordo com o periódico, um
estudo realizado em 2007, levantou notícias relacionadas a imigração e chegou à
conclusão de que o imigrante brasileiro homem é visto como criminoso pela imprensa
de Portugal. Homens são julgados como assaltantes e mulheres como prostitutas.

No estudo, realizado anualmente desde 2004 por encomenda do Alto


Comissariado para a Imigração e o Diálogo Intercultural de Portugal, são
analisadas as notícias relacionadas com a imigração publicadas ao longo do
ano em seis jornais de circulação nacional e em canais de televisão. As
reportagens são divididas por temas e nacionalidades.
Segundo a pesquisadora, há uma ligação entre as citações de brasileiros e as
matérias sobre criminalidade, o que se reflete na imagem dos brasileiros na
imprensa portuguesa.

A Folha, no entanto, apresenta os dados relativos à população carcerária brasileira em


Portugal, que na época se constituía de apenas 246 brasileiros, em sua maioria
cumprindo pena por tráfico de drogas (presos no momento em que tentavam entrar no
país). Com isso, contraria o perfil do imigrante brasileiro masculino que a mídia
portuguesa criou, buscando uma contraposição aos estereótipos exibidos nas matérias
produzidas pelo Correio da Manhã.
É possível compreender o discurso midiático “sutil” em Portugal que trata os
migrantes como um bloco hegemônico de criminosos, homens e majoritariamente
negros, se analisarmos as datas de publicação considerando o momento político e
econômico que o país vinha passando. O maior número de notícias portuguesas
publicadas no Correio da Manhã que associam a criminalidade às comunidades
migrantes em Portugal estão diretamente ligada ao período de crise econômica. Uma
vez que a maior parte das notícias negativizando a migração acontece no ano 2009, os
economistas apontam que durante o primeiro trimestre do mesmo ano, a economia

7
Imprensa portuguesa liga brasileiros à criminalidade, diz estudo. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/bbc/ult272u471884.shtml>. Acesso em: 20 nov. 2015.
portuguesa começava a se movimentar em direção a recuperação da crise econômica. 8
A partir desse momento é evidenciado as políticas estatais de auxilio a sociedade
portuguesa em situação de precarização, incluem-se aí os migrantes.
A partir do momento crítico que passava a economia portuguesa, os auxílios
fornecidos pelo governo aos imigrantes9 bem como o fato desses ocuparem vagas de
empregos no setor de serviços e no comércio transformaram-se, nas notícias veiculadas
pelo jornal Correio da Manhã, em causadores da crise em Portugal. Esses argumentos
converteram-se em um discurso midiático amplamente difundido entre as massas,
intensificando a discriminação, racismo, xenofobia e a negativação dos fluxos
migratórios. Segundo análise das matérias do Correio da Manhã10, a presença dos
imigrantes elevava a taxa de desemprego entre os portugueses e “tirava” dinheiro dos
cofres públicos para auxiliar estrangeiros que, invariavelmente, ameaçavam a
segurança de bairros portugueses.
A palavra “crise” foi uma das mais recorrentes nas notícias analisadas da Folha
de São Paulo, assim como “ilegalidade” e “onda migratória”. Tal fato demonstra o
interesse da mídia brasileira em falar sobre migração nos momentos em que os fluxos
migratórios atingem altas taxas de mobilidade humana, alterando o cenário político,
econômico e social dos países de chegada. É perceptível durante a análise dos
periódicos no recorte temporal escolhido, que a rotatividade de pessoas deu-se
principalmente pela crise financeira que atingiu a economia capitalista como
demonstram a manchete do Correio da Manhã de 2012, que afirma que “A crise
econômica e o desemprego em Portugal estão a levar muitos imigrantes a regressar aos
seus países.” sendo que esse “aumento se verificou de 2009 para 2010” 11, segundo a
OIM - Organização Internacional de Migração.

8
Ver mais em:
<http://ec.europa.eu/competition/consultations/2010_temporary_framework/portugal_1_pt.pdf>. Acesso em:
21 mai. 2016.
9
Ver mais em <http://www.cmjornal.xl.pt/nacional/sociedade/detalhe/sobe-numero-defamilias-a-receber-
abono-de-familia.html >
10
Ver mais em <http://www.cmjornal.xl.pt/nacional/economia/detalhe/imigrantesdesemprego-aumenta-
50.html >
11
A crise económica e o desemprego em Portugal estão a levar muitos imigrantes a regressar aos seus
países. Disponível em: <http://www.cmjornal.xl.pt/nacional/portugal/detalhe/pedidos-de-ajuda-deimigrantes-
para-regressar-a-casa-aumentam.html > Acesso em: 20 nov. de 2015
Além disso, a questão da legalidade (ou ilegalidade)12 dos imigrantes
brasileiros é uma preocupação constante, aparecendo frequentemente no decorrer das
notícias. Esse tema na maioria das vezes é tratado com um teor de urgência, sendo
apresentado como um problema para ambos os países. Outro fator observado é que,
predominantemente quantitativas, as matérias geralmente falam sobre o aumento ou
diminuição de determinados números e porcentagens, tais como número de imigrantes
ilegais ou o número de crimes em que estão envolvidos. Esse tratamento dificilmente
diferencia grupos específicos, raça e gênero e outros marcadores sociais transformando
o migrante em um número ou porcentagem, construindo assim o perfil do migrante
brasileiro indesejável. Evidencia-se dessa maneira qual é o posicionamento do jornal
em relação ao migrante, difundindo um discurso que invariavelmente é repetido pelas
massas causando uma onda discriminatória.
Com isso, é possível observar o modo como “a mídia impressa e televisiva [...]
têm tido papel fundamental na negativação dos processos migratórios, fortalecendo a
falsa ideia de que esse é um processo novo e naturaliza o tratamento do mesmo como
um „problema a ser resolvido‟.” (ASSIS, 2014, p. 8). A visão de migrantes brasileiros
como criminosos por parte da imprensa portuguesa, portanto, reforça preconceitos e
esteriótipos, acarretando na discriminação dos imigrantes que residem no país.
Em abril de 2009, a Folha publicou uma notícia sobre um estudo da União
Europeia que dizia que 44% dos brasileiros em Portugal haviam sofrido algum tipo de
discriminação durante os últimos doze meses. 13 Essa marginalização do migrante
brasileiro pode ser percebida também através da difusão de noticias do jornal
português, demonstrando a preocupação com a discriminação dos imigrantes em
Portugal. Em que avalia a necessidade de “Educar para Prevenir”. Um estudo da
Agência Europeia dos Direitos Fundamentais mostra que 44% dos brasileiros que
vivem no país sentem-se discriminados em Portugal.”14 e em decorrência disso,

12
Os conceitos de “legalidade” e “ilegalidade” são empregados pelos periódicos Folha de São Paulo e
Correio da Manhã. Por essa razão os mesmos são utilizados no presente artigo.
13
Estudo da UE diz que 44% dos brasileiros em Portugal já sofreram discriminação. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/bbc/2009/04/554954-estudo-da-ue-diz-que-44-dos-brasileiros-em-portugal-ja-
sofreram-discriminacao.shtml>. Acesso em: 20 nov. 2015.
14
“Educar para Prevenir” Um estudo da Agência Europeia dos Direitos Fundamentais mostra que
44% dos brasileiros que vivem no país sentem-se discriminados em Portugal. O presidente da Casa do
Brasil questiona a Alta Comissária para a Imigração e o Diálogo Intercultural. Disponivel em:
<http://www.cmjornal.xl.pt/domingo/detalhe/educar-para-prevenir.html > Acessado em 23 nov. 2015.
estudam medidas para minimizar o impacto das ondas discriminatórias ligadas ao
racismo e a xenofobia.
No decorrer da notícia citada anteriormente, o entrevistado Rosário Farmhouse,
presidente da Casa do Brasil, ressalta as medidas políticas e sociais tomadas pelo
governo Português para minimizar os efeitos das questões raciais que afetam
diretamente os imigrantes. Quando questionado pelo entrevistador quais as medidas
que deveriam ser tomadas para o enfrentamento de situações como essa, ele afirma que
a educação para a interculturalidade é o paradigma em que a prevenção do
racismo deve sempre começar. A Comissão para a Igualdade e contra a
Discriminação Racial aprovou recentemente um plano de acção com várias
iniciativas, designadamente visionamento de filmes e debates sobre esta
temática nas escolas.

Apesar de veicular noticias como essa, a maioria dos discursos atrelados aos migrantes
relaciona-os com criminalidade ou prostituição quando se trata das mulheres
brasileiras, tanto cisgênero quanto transgênero 15. Esse recorte também serve para
demonstrar ainda mais as situações que as/os imigrantes tendem a enfrentar em países
europeus que ainda difundem a ideia hierárquica e colonizadora de que são mais
civilizados e educados do que os países considerados de terceiro
mundo/subdesenvolvidos.
Em contrapartida ao tratamento dado ao imigrante brasileiro indesejado nas
mídias de Portugal, na matéria “Fugindo da crise, portugueses engrossam onda
migratória para o Brasil „aquecido‟”16, publicada em abril de 2011 na Folha, destaca-se
como o número de imigrantes portugueses vindo para o Brasil aumentou desde 2008,
com o início da crise econômica em Portugal. Através de alguns exemplos e
entrevistas, o periódico traça um perfil desse imigrante desejável: possuindo curso
superior, geralmente engenharia ou arquitetura, vem ao Brasil em busca de emprego
em sua área. Esse perfil é antagônico ao construído pelo jornal português em relação ao
migrante brasileiro. Isso demonstra o reflexo de uma estrutura hierárquica, colonial e
eurocêntrica que vai afetar diretamente a construção dos perfis que são desejados ou
não dentro dos países de migração.

15
Uma pessoa cisgênero é aquela que se identifica com o gênero que lhe foi atribuído no seu nascimento.
Transgênero se constitui como o oposto: a pessoa não se identifica com o gênero atribuído.
16
Fugindo da crise, portugueses engrossam onda migratória para o Brasil “aquecido”. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/bbc/900927-fugindo-da-crise-portugueses-engrossam-onda-migratoria-para-o-
brasil-aquecido.shtml>. Acesso em: 20 nov. 2015.
Essa diferenciação pode ser notada tanto na Folha de São Paulo quanto no
Correio da Manhã, onde são publicadas notícias que ressaltam a superioridade de uma
classe, raça e gênero através da escolha das palavras que vão compor as chamadas das
matérias. Um exemplo é a publicação em que afirma que a mão de obra que sai de
Portugal é qualificada - “Brasil estuda incentivo à migração de estrangeiros
qualificados”.17 Nela, o Correio coloca os portugueses como qualificados “para actuar
no mercado do país”, reforçando e retomando as políticas imigrantistas que trouxeram
imigrantes no século XVI para desenvolver o Brasil. Isso fica evidente no momento em
que a notícia informa que
O ministro-chefe da SAE, Moreira Franco, realçou que apenas 0,3 por cento
da população brasileira são imigrantes, número que já foi de mais de 7 por
cento no passado, e contribuiu para o desenvolvimento da agricultura e da
indústria no país, segundo uma nota da secretaria. Moreira Franco defendeu
a importância da revisão da política brasileira de imigração, para que o país
absorva a mão-de-obra qualificada estrangeira, especialmente neste
momento de crise económica, em que há profissionais altamente
qualificados sem oportunidade de trabalho. "Se nós pegarmos Portugal e
Espanha, que têm um ambiente cultural muito favorável, não tem porque
nós não sermos uma grande fonte para absorver toda essa mão-de-obra que
está formada e procurando emprego"

Isso tudo reforça a narrativa colonialista que países tidos como desenvolvidos e de
primeiro mundo tem para com os países considerados subdesenvolvidos e de terceiro
mundo. Tal fala segue sendo repercutida tanto no Brasil quanto em Portugal. O
imigrante português - homem, branco e graduado - é, portanto, desejado. Esse tipo de
reportagem somado a análise acaba por apresentar “distintos marcadores de diferença”,
nesse caso a nacionalidade, “somado ao discurso colonial”, que acaba diferenciando o
migrante (FRANÇA, 2011 p. 84).
A criação desse perfil hegemônico do imigrante, independente de serem
tratados como desejados ou não, se dá devido a abordagem midiática do imigrante, seja
no Brasil ou em Portugal. O tratamento dado ao estrangeiro retira a identidade e
características do mesmo, deixando subentendido que o perfil retratado é
hegemonicamente masculino, heterossexual, branco e de classe média no caso do
Brasil e substitui-se as duas últimas características por negro e pobre em Portugal. Essa
imagem criada pela imprensa brasileira parece ignorar a modificação do perfil dos
imigrantes brasileiros para a Europa ao longo do século XXI. Se nos anos 90 esse perfil

17
Ver mais em: <http://www.cmjornal.xl.pt/mundo/detalhe/brasil-estuda-incentivo-amigracao-de-
estrangeiros-qualificados.html>.
era masculino branco e de classe média, a partir dos anos 2000, temos uma
feminização, uma maior diversidade de classe, gênero e raça que não são observados
nas matérias veiculadas na Folha de São Paulo. A desconsideração desses aspectos pela
Folha é o oposto da abordagem do Correio da Manhã, que negativa essa diversidade,
através da criminalização do imigrante negro e de classes mais baixas, por exemplo.
Essa referência a homens cisgênero e jovens, exclui e silencia as mulheres
cisgêneros, as travestis, as mulheres transexuais ou qualquer perfil que fuja da
heteronormatividade criada pelos periódicos. Em decorrência dessas formas de lidar
com a migração “colocam sob suspeita [ainda maior] aqueles/as que buscam circular
no mundo contemporâneo, mas não se encaixam nas representações de viajantes
desejáveis: como os homens de negócio, turistas, jogadores de futebol” (ASSIS, 2014,
p. 3). Essas análises se dão pelo fato de a maioria das notícias tratarem do assunto no
masculino. Isso representa a sociedade em que a mídia e os imigrantes estão inseridos,
que se baseiam no patriacardo, machismo, transfobia, racismo, misoginia e pode-se
acrescentar a xenofobia de imigrantes de outros países como os oriundos de países da
África.
Apesar de poucas noticias falando sobre a mulher imigrante, é visível
silenciamento da importância das mulheres no fluxo migratório. Mesmo que o
silenciamento ocorra é importante lembrar que mesmo fugindo a norma criada pela
mídia de homens que migram, os discursos produzidos pela mídia criam uma visão
sobre a “mulher brasileira” (TOGNI, 2011). Ou seja, apesar de pouco se falar nas
mulheres, o pouco que se fala constrói um perfil para elas que está, na maioria das
vezes, atrelando “as mulheres das ex-colônias como hipersexualizadas, as associa ao
sexo fácil, à prostituição e ao mercado do sexo, posicionando-as como sujeitos
inferiores e marginais, contribuindo para processos de exclusão e segregação social”
(FRANÇA, 2011, p. 84). O fato de a mulher brasileira carregar conotação sexual
devido a exotificação do seu corpo a exclui e a negligencia numa cultura machista e
patriarcal que ultrapassam fronteiras, ressaltando marcadores de distinção entre a
experiencia de homens e mulheres no pais de migração, compreendendo-as como um
conglomerado hegemônico de mulheres que imigram.
Essa questão não contempla as diferentes experiências das diferentes mulheres
nos países de chegada, pois as matérias que concernem a esse assunto não levam em
consideração marcadores de opressão e homogeneízam as diferentes formas de
discriminação, racismo, segregação, misoginia e machismo que elas sofrem. Isso
acontece devido a construção do perfil feminino de imigrantes que “encobrem suas
diferenças culturais, políticas e sociais, e desconsideram as experiências subjetivas de
cada uma delas” (FRANÇA, 2011). Ou seja, não analisam essas mulheres dentro dos
seus vários marcadores de diferença que estão pautados, na raça, nacionalidade, classe
social, etnia ou grau de escolaridade, construindo assim o imaginário de que as
experiências das diferentes mulheres são sentidas da mesma forma. Esse perfil é
construído a partir de noticias que atrelam mulheres cisgêneros ou transexuais ao
mercado do sexo, golpes do baú e casamentos por interesse.18
A análise do recorte de gênero nas matérias publicadas nas mídias digitais,
revelam que a criação do estereótipo da mulher brasileira está ligado a difusão de
telenovelas, de imagens estereotipadas sobre o carnaval e principalmente sobre as
mulheres negras, difundida pela mídia brasileira para aumentar o fluxo de turistas
estrangeiros. Com esse tipo de discurso acabam sexualizando a mulher brasileira e
construindo um mercado do sexo rentável, ou seja, o Brasil, através da mídia, vende as
suas mulheres para, além de agregar dólares/euros à sua economia, embranquecer a sua
população marcada pela cor negra. A partir da criação do estereótipo da mulher
brasileira que a conecta diretamente à prostituição no país de migração tornam essas
mulheres visitantes indesejadas e são, majoritariamente alvo de deportações. (ASSIS,
2014). Além de naturalizar uma “„cultura‟ sexual brasileira” (TOGNI, 2011, p. 428), a
mídia, juntamente com o discurso colonizador dos europeus, dá mais abertura para que
os homens, nesse caso os “gringos”, acreditem ter o direito de possuírem os corpos das
mulheres, principalmente os das mulheres negras.
Tendo em vista essa abertura, somado a cultura machista e misógina, uma
noticia publicada em junho de 2010, afirma que “Brasileiras são 40% das vítimas de
tráfico de pessoas em Portugal” apresenta o resultado do Relatório Anual de 2009 do
Observatório do Tráfico de Seres Humanos.19 Além disso, é traçado um perfil da
vítima: mulher solteira, de até vinte e cinco anos, que vai a Portugal com uma proposta

18
Ver mais em <http://www.cmjornal.xl.pt/domingo/detalhe/o-fenomeno-do-negociocompleto.html>
19
Brasileiras são 40% das vítimas de tráfico de pessoas em Portugal. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/bbc/2010/06/757574-brasileiras-sao-40-das-vitimas-de-trafico-de-pessoas-
em-portugal.shtml>. Acesso em: 20 nov. 2015.
de trabalho. Ou seja, a cultura do estupro e da posse do corpo das mulheres pode
acarretar no aumento dos níveis de violência contra a mulher como apontam os índices
da noticia da Folha de São Paulo. Com essas notícias é possível perceber como, o
tratamento dado às mulheres pela imprensa, “as categorias oscilam entre a vitimização
e a culpabilização, assim as mulheres migrantes quando não são invisibilizadas na
migração internacional são tratadas como ameaça, ou seja, como prostitutas” (ASSIS,
2014, p. 13). Ou seja, a mulher imigrante, independente da sua situação, é um
problema para a sociedade.
Além de ligarem a figura da mulher ao mercado do sexo, algumas noticias
auxiliam na criação de outros estereótipos. No decorrer das análises dos periódicos
Correio da Manhã e Folha de São Paulo, nota-se ausência em matérias que tratam das
mulheres migrantes com ensino superior ou, como gostam de chamar, qualificadas. A
partir da percepção da ausência, o padrão da migrante é exclusivo de mulheres pobres,
subdesenvolvidas que vão para os países ricos “em busca melhores condições de vida”,
ou seja, essa lacuna dá margem para que se analise o movimento de mulheres a partir
de um binarismo reforçando um discurso em que as migrantes encarnem o papel de
“primitivas, vitimizadas, indefesas, ignorantes e apolíticas incultas e com baixos níveis
de qualificação.” (FRANÇA, 2011 p.85 ). Mesmo que se busque desvincular a mulher
de um estereótipo, as noticias acabam as enquadrando em outros perfis, mas que estão
sempre ligados ao reforço de um padrão de feminilidade, subdesenvolvimento,
prostituição ou tratadas como mulheres que vão dar o golpe da barriga como sugerem
matérias do jornal Correio da Manhã20 e Folha de São Paulo21 quando tratam dos
casamentos e testes de paternidade entre casais formados majoritariamente por mulher
brasileira e homem português.
Através dessas análises é possível perceber determinados comportamentos da
imprensa brasileira portuguesa em relação ao migrante e à migração. O periódico Folha
de São Paulo tende a tratar os emigrantes brasileiros, através da ausência de atribuição
de características identitárias, como homens, brancos e de classe média. Já o Correio da
Manhã, realiza uma estereotipação dos imigrantes brasileiros - tratando-os como

20
Ver mais em <http://www.cmjornal.xl.pt/nacional/sociedade/detalhe/testes-de-paternidade-
aumentam.html>
21
Casamentos com brasileiros aumentaram 50% em Portugal. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/bbc/2008/01/364490-casamentos-com-brasileiros-aumentaram-50-em-
portugal.shtml>. Acesso em: 20 nov. 2015.
homens, negros, pobres e criminosos -, por meio de figuras de linguagem e manchetes
sensacionalistas. Ignorando modelos que fujam desse padrão patriarcal e
heteronormativo, há uma completa invisibilização de migrantes homossexuais, negros
e/ou transgêneros.
Uma pequena exceção se constitui na figura da mulher cisgênero. Entretanto,
apesar de haver notícias que discorram sobre tópicos relativos a esse grupo, são em
pouca quantidade e geralmente apresentam uma mulher vitimizada, ligada ao mercado
do sexo ou a golpes a barriga em homens portugueses.
Esse artigo buscou analisar e compreender algumas questões acerca do
tratamento dado ao migrante pelas imprensas portuguesa e brasileira, avaliando a
importância desses meios de comunicação para a formação de opinião a cerca da
migração e do imigrante. Ainda é possível notar que o posicionamento politico e
ideológico da mídia interfere diretamente na positivação ou negativação de qualquer
imigrante. Além disso, não se pode negar a importância do peso da cultura que cada
notícia carrega, e quais as influências dela na construção de uma imagem seja ela
coerente ou não com a realidade.
Nessa perspectiva, é presumível que essas características de identificação dos
sujeitos devem ser minimamente verossímeis para que o leitor compre e difunda uma
ideia/ideal. Essas formas de narrativa são permeadas por inúmeras figuras de
linguagem que possuem intencionalidades e dirigem-se a um grupo especifico que a
mídia pretende atingir. Não é a toa que muitos estereótipos foram amplamente
discutidos e repercutidos nas sociedades portuguesas e brasileiras no decorrer de todas
as notícias que foram publicadas nos periódicos selecionados. Através dessas análises é
perceptível que há vários fatores que vão influenciar o teor da noticia sobre os fluxos
migratórios que vão desde a situação econômica em que o país está passando, as
heranças históricas de discursos machistas, colonizadores e preconceituosos, até o meio
que utilizam esses países para a difusão da notícia.

Referências Bibliográficas

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