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Introdução
Recusa de obediência
Art. 163. Recusar obedecer a ordem do superior sobre assunto ou matéria
de serviço, ou relativamente a dever imposto em lei, regulamento ou
instrução: (Grifei)
Pena - detenção, de um a dois anos, se o fato não constitui crime mais grave.
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Tem como objetivo a tutela da autoridade e da disciplina militar sob o aspecto da
obediência à ordem emanada por superior hierárquico em face do dever militar imposto
em lei, regulamento ou instrução. Cabe salientar que se o crime for praticado em
pluralidade de agentes, ou seja, dois ou mais militares reunidos, configura-se outro tipo
penal, o crime de motim, previsto no art. 149 do CPM.
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3. Causa de exclusão da culpabilidade
a) [...]
Obediência hierárquica
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4. A Teoria das Baionetas Cegas
Essa teoria, também conhecida como princípio da obediência cega, remete a uma
obediência absoluta, não cabendo ao subordinado a análise da legalidade da ordem, como
leciona DAMÁSIO E. de JESUS (1994, p. 73): “Então, se a ordem é ilegal, é ilegal
também o fato praticado pelo subordinado. Mas, como não lhe cabe discutir sobre sua
legalidade, encontra-se no estrito cumprimento do dever legal (dever de obedecer à
ordem)." Para os adeptos dessa teoria como Henri Clerc, para o qual a inobservância desse
sistema faz perigar a coesão da organização militar e a disciplina, existem apenas dois
requisitos para que a ordem possa ser cumprida: a relação hierárquica de direito
público e ordem não manifestamente criminosa. Reiterando, para essa teoria o
subordinado militar não pode nem deve analisar ou discutir se seu superior possui
competência para emitir a ordem, nem se foi atendida a forma legal de sua emissão, sob
pena de incorrer no crime de recusa de obediência (art. 163 do CPM). A ordem
manifestamente criminosa é aquela que se pode comprovar, de plano, a sua ilicitude,
como o conhecimento instantâneo da criminosidade do ato, sem necessidade de outras
reflexões.
É o sistema de Direito Penal Militar acolhido por alguns países da Europa, como
a França. É possível citar o parecer do Procurador-Geral da Corte de cassação francesa:
“uma vez que um soldado recebeu uma ordem de um de seus superiores, ele deve executá-
lo passivamente, sem restrições e sem discussão. O pedido pode ser mal dado, pode ser
injusto: não importa (...) ele deve obedecer imediatamente”.
“Esse delito é propriamente militar, pois não é previsto na lei penal comum
(art. 9º, I, 2ª parte). O mestre Esmeraldino Bandeira assinalava, em sua obra
publicada na Primeira República, que a obediência hierárquica é o princípio
maior da vida orgânica e funcional das Forças Armadas. O ataque a esse
princípio leva à dissolução da ordem e do serviço militar. Entre os romanos era
um dos graves delitos militares, cujo autor não escapava da mais severa
punição, quase sempre a pena de morte, por maior que fosse a vitória do
exército (...). Tomaz Pará lecionava: ‘A insubordinação é um dos mais graves
atentados à disciplina militar, pois que esta se funda, unicamente, na força
moral, e é capaz de conduzir os homens para a luta, para os supremos
sacrifícios’.” (2012, p. 518)
Sob esse prisma, diante de uma ordem ilegal de superior, o militar subordinado
deve cumpri-la, sem questionamentos, pois não cabe ao militar analisar a ordem sob
qualquer outro aspecto, senão o fato da ordem recebida evidentemente constituir crime,
obedecendo a ordem manifestamente ilegal. LOUREIRO NETO (2001, p. 65) denomina
esse sistema como teoria da obediência cega, tornando o subordinado mero instrumento
da vontade do superior.
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5. A Teoria das Baionetas Inteligentes
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militar pagar contas de consumo, de caráter particular, para determinado
superior, visto ser o objeto versado pela ordem ilícito etc.
Coimbra Neves finaliza seu entendimento assinalando que a ordem que não deve
ser cumprida é aquela manifestamente ilegal (verificada de plano e inerente aos requisitos
de validade do ato administrativo). As ordens ilegais (inerentes aos requisitos do ato
administrativo, mas de difícil percepção), “desde que detectadas pelo receptor, também
não devem ser cumpridas; todavia, se o receptor não chegar ao conhecimento da
ilegalidade e cumprir a ordem ilegal, poderá ser esculpado pela obediência
hierárquica.” Neste último caso, se o fato redundar em crime, como assevera a alínea b
do art. 38 do CPM. E conclui que “tanto as ordens manifestamente ilegais como as
meramente ilegais, uma vez descumpridas, não podem fazer com que o subordinado
incorra no delito estudado, ou, do contrário, teríamos um “jogo dos absurdos” em que o
militar, que por essência está compelido a ser legalista, deveria cumprir uma ordem
ilegal sob pena de incursão em recusa de obediência.” (Grifei)
Entretanto o autor deixa uma ressalva, para que a recusa de cumprir uma ordem
ilegal não caracterize uma afronta e não se configure o crime do art. 163, dentro do dever
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de lealdade, cumpre ao subordinado alertar ao superior que sua ordem não será cumprida
por ser manifestamente ilegal ou simplesmente ilegal, “ isso em um padrão mínimo de
respeito à autoridade do superior, ou, do contrário, havendo o alerta de ilegalidade da
ordem de maneira desrespeitosa, poderá haver subsunção do fato pelo crime previsto no
art. 160 do CPM (desrespeito a superior).”
Cumpre esclarecer também, que para essa regra geral, existe uma exceção para se
cumprir uma ordem, em tese, ilegal. São as ordens que em primeira análise possuem
conteúdo ilegal, com arrimo em uma comparação formal à Lei. Entretanto, essa ordem,
desde de que, com respaldo na necessidade de cumprimento do dever, passa a ser despida
de ilegalidade, devendo ser compreendida como mera irregularidade, assumida a
responsabilidade daquele que emitiu a ordem. Nesse prisma, essa ordem entraria nas
ordens ilegais de difícil percepção em face da necessidade do cumprimento dever
instituído constitucionalmente, como ilustra o autor:
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Na mesma linha de pensamento, CÉLIO LOBÃO (2006, p. 240), concorda que a
evidente ilegalidade e não a simples irregularidade exime o dever de obediência. “Logo,
havendo apenas irregularidade, a ordem deve ser cumprida, ainda que essa, a
irregularidade, seja apontada pelo subordinado e o superior insista em seu cumprimento.
O autor assevera que Crysólito de Gusmão era contrário ao sistema de obediência cega,
acrescentando que "a transformação do militar num elemento puramente automático e
mecânico só pode ser compreendida nas eras passadas, no regime de monarquias
absolutas”. Nesse sentido decidiu a Corte de Cassação italiana “no sistema militar o
princípio da obediência cega não é consagrado; em obediência às ordens do superior,
mesmo nas relações entre os militares, encontra um limite na lei criminal''. Célio Lobão
afirma também:
No Código Penal Militar vem expresso no art. 38, § 2°: "se a ordem do superior
tem por objeto a prática de ato manifestamente criminoso, ou há excesso nos
atos ou na forma de execução, é punível também o inferior". Portanto, o direito
brasileiro não consagra o princípio da obediência cega, podendo o
subordinado deixar de cumprir a ordem destinada à prática de ato
manifestamente criminoso, caso contrário responde penalmente juntamente
com o autor da ordem. (Grifei)
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ALVES MARREIROS, concordando parcialmente com a visão de Badaró, ao
lecionar sobre o crime do art. 163 na sua obra Direito Penal Militar – Teoria Critica e
Prática, 2015, assinala “Entendemos que se a ordem for legal e for sobre serviço de
qualquer natureza necessário à organização militar e que possa ser atribuído àquele
militar, caracteriza o crime o seu descumprimento. Assim, ordem sobre faxina, sobre
carregar coisas, sobre levar uma mensagem estão abrangidas, afirma ainda:
O autor responde aos questionamentos que surgem no dia a dia, como a ordem
para sair com uma viatura ou equipamento que não está de acordo com as condições de
segurança previstas pelo código de trânsito, normas federais ou da própria instituição
militar, afirmando: “A recusa, prima facie, não caracterizaria crime, porque, na verdade,
contraria o que está imposto em lei, regulamento ou instrução e mais: porque o Código
Penal Militar adota a teoria das baionetas inteligentes e o militar responderá pelo
cumprimento da ordem manifestamente ilegal.” (Grifei).
Há ainda aqueles que afirmam que o direito penal militar adotou um sistema
intermediário ou sincrético entre as duas teorias, entretanto esse suposto “sistema
intermediário” nada mais é do que a teoria da obediência cega mascarada, uma vez que a
premissa é a mesma: O militar só pode e deve desobedecer a ordem direta do superior
hierárquico em matéria de serviço, sem incorrer no crime de insubordinação, se ela tem
por objeto a prática de ato manifestamente criminoso. As ordens ilegais devem ser
cumpridas.
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6. O princípio adequado ao Direito Penal Militar, baionnettes intelligentes
Dessa forma, “todo ato criminoso é ilegal, mas nem todo ato ilegal é um crime.
Este é a espécie daquele gênero” (ROTH, 2006, p. 91).
Atenuação de pena
Art. 41. Nos casos do art. 38, letras a e b, se era possível resistir à coação, ou
se a ordem não era manifestamente ilegal; ou, no caso do art. 39, se era
razoavelmente exigível o sacrifício do direito ameaçado, o juiz, tendo em vista
as condições pessoais do réu, pode atenuar a pena. (Grifei)
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referência a ordem manifestamente criminosa? Para o militar praticar o crime do art. 163
a ordem tem que ser manifestamente criminosa, mas para atenuar a pena, a mesma ordem
precisa ser meramente ilegal? Não faz nenhum sentido, e já entendemos as diferenças
entre ordem manifestamente ilegal e ordem manifestamente criminosa.
No mínimo, com a inteligência do art. 41, que não está revogado, é possível
concluir que ordem ilegal não deve ser cumprida, já que o texto aduz: se a ordem não
era manifestamente ilegal (ordem meramente ilegal, ou ilegal de difícil percepção).
Dessa maneira, o art. 41, que faz referência ao art. 38 não permite o cumprimento de
ordem ilegal. Em suma:
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atuar a seu livre arbítrio, emitindo ordens para seus subordinados que não satisfaçam o
fim da administração pública, caracterizando, como cita Coimbra Neves “um jogo dos
absurdos”.
Pode compor o conteúdo da ordem o dever imposto em lei, devendo ser entendido
de forma genérica (portarias, manuais, decretos e obviamente, a Constituição Federal e
as leis infraconstitucionais). Como exemplo: o militar recebe ordem para prender
criminoso em face de conduta delitiva em andamento.
Da mesma forma, a ordem pode tratar de dever imposto por instrução, assim
como o dever imposto em lei, deve ser entendido de forma abrangente, podendo ser uma
instrução específica para um determinado grupo de militares (utilização de estande de tiro
em uma OPM) ou de caráter geral (Instrução Normativa). Como exemplo, é possível citar
a Instrução Normativa PMERJ EMG-PM/3 Nº 42, que regulamenta os procedimentos a
serem adotados nas operações policiais militares do tipo AREP 3, parada e busca em
veículos.
Ante o exposto, se o CPM deu “carta branca” para o militar cumprir ordem ilegal,
significa que o superior pode emitir ordem ilegal, e, em consequência disso, a seu livre
arbítrio, desde que não configure crime, o superior pode contrariar cada um dos desígnios
(norma, regulamento, instrução) preconizados no art. 163. Exemplo: contrariando a
Instrução Normativa nº 42, oficial determina que a operação AREP III, que deve ter no
mínimo 04 policiais, seja realizada com apenas 02 policiais.
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Outros exemplos de ordem ilegal citados por Celio Lobão (2006, p. 237):
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Cabe ressaltar que o militares, apesar de não constituírem a categoria de
servidores públicos depois do advento da Emenda Constitucional nº 18/1998, são agentes
públicos, e, portanto, estão sob a égide do Direito Administrativo, Carvalho Filho define:
“A expressão agentes públicos tem sentido amplo. Significa o conjunto de pessoas que,
a qualquer título, exercem uma função pública como prepostos do Estado. Essa função,
é mister que se diga, pode ser remunerada ou gratuita, definitiva ou transitória, política
ou jurídica.” (Grifei).
Ademais, a ordem para ser legal, deve preencher os requisitos de validade do ato
administrativo como assinalado pelo mestre Coimbra Neves.
A não observância do princípio das baionetas inteligentes pode gerar diversos
confrontos legais ante o exercício da atividade policial militar, como é possível observar:
Um Capitão do batalhão “B” determina que setor “d” de patrulhamento faça escolta
particular de seus familiares.
O comandante do batalhão “C” determina que sua tropa de choque atue contra turba,
dispersando e restabelecendo a ordem pública. Entretanto, o comandante do batalhão A,
que não tem competência para dar ordens naquela tropa, determina à mesma que recue,
deixando de atuar naquele evento.
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d) Fato manifestamente criminoso identificado apenas pelo subordinado
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polícia judiciária militar e da Justiça Estadual do Rio de Janeiro, neste link:
https://drive.google.com/open?id=1vTUzEacXxhcdeiKBRDVEQatVr9ffLyqc
7. Considerações finais
Este artigo trouxe uma questão bastante complexa e relevante no Direito Penal
Militar, entretanto muito pouco ou nada debatida nas escolas de formação da Polícia
Militar do Rio de Janeiro. Isso aparenta um receio de mergulhar nas questões dessa
natureza, como os procedimentos adotados diante do crime do art. 205 do CPM contra
civil, omissos no vade mecum e que atualmente tem atuação dos delegados de polícia ao
arrepio da Constituição Federal. Outro tabu, me parece o crime militar praticado por civil
contra as instituições militares, que da mesma forma, tem atuação, praticamente
inquestionável, dos delegados de polícia. O que se houve sobre esses casos é o empirismo
e amadorismo com a seguinte premissa: “não é de competência da justiça militar, então é
crime comum”.
Ficou demonstrado que para ordem ser legal deve se amoldar ao art. 163 do CPM,
não devendo ser cumprida se contraria o que está imposto em lei, regulamento ou
instrução, ou seja, ilegal. Da mesma forma, a ordem legal deve cumprir os requisitos do
ato administrativo: competência, finalidade, forma, motivo e objeto. O policial militar
tem por obrigação prevista em estatuto o dever cumprir e fazer cumprir a lei, sendo dessa
forma, totalmente inaceitável admitir a teoria da obediência cega, além do fato de estar
sob a égide do princípio da legalidade, não podendo atuar à sua livre vontade.
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autoritária, cuja origem remonta à época do absolutismo, e deve ser repudiada do
ordenamento jurídico contemporâneo.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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São Paulo: Juriscrédi, 1972.
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LOBÃO, Célio. Direito penal militar atualizado. Brasília: Brasília Jurídica; 2006.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2000
NETO, José da Silva Loureiro. Direito Penal Militar. São Paulo: Atlas, 2010.
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ROSSETTO. Enio Luiz. Código Penal Militar Comentado. 1. Ed. São Paulo: RT, 2012.
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