As pancadas das botas contra a superfície faziam seus sentidos imergirem
gradualmente no caminho. O som das pegadas era abafado pela terra coberta de espessa neve e ecoava grave pelas árvores que se erguiam altas e circundavam a trilha, escurecendo-a com o verde escuro de suas folhas geladas. Ao longe, várias montanhas brancas e afiadas rasgavam o céu de Jötunheimr e marcavam o destino: a fortaleza de Utgard. Não havia ave nos céus e nem animais na terra. Apenas os passos de Erlendur seguiam ritmados à semelhança de um tambor de batalha quando ouvido ao longe, sendo emparelhados pelo assobio do vento que escorria pelas curvas das montanhas e vazava por entre os troncos e os galhos dos grandes pinheiros, como vários rios de ar que agitavam o capuz que revelava apenas a palidez da parte inferior do rosto do caminhante e o manto negro que cobria seu corpo alto. A medida em que as árvores corriam para trás, a Lua forçava sua aura prateada por cima dos picos dos montes até sair completamente sobre eles, quando Erlendur já não era mais envolvido na solidão da jornada, pois o soar de seus passos já não se espalhava ao redor, mas eram absorvidos por outra presença próxima. As grandes rochas afiadas retiravam-se na escuridão e se rebaixavam diante dos céus noturnos – eram substituídas por uivos que preenchiam de um ponto a outro a cordilheira. Do lado esquerdo da trilha, a quarenta passos de distância de Erlendur, uma grande pata coberta de pêlos longos brancos invadia a estrada, anunciando tão logo a cabeça majestosa e o corpo enorme, que chegava acima da altura do peito de Erlendur. A visão de uma besta daquele tamanho não poderia senão aconselhar à cessão dos movimentos. Nenhum passo adiante ou em qualquer outra direção. O jovem não portava armas. Mas em seu coração, ao contrário do esperado, não havia espaço para o desespero ou o medo. Nada ali, incluindo sua própria existência da forma que agora se apresentava e o novo mundo que o cercava, era esperado. Tendo se projetado das árvores por inteiro, banhando-se na luz da Lua, o animal virou sua cabeça fitando Erlendur e pisoteou a terra em sua direção. No homem, apenas restavam a aceitação da possibilidade da morte sem perturbar- se e, por isso, também a disposição para lutar contra a criatura do jeito que pudesse. Esse estado de espírito que se apossava mantinha os olhos dele ligados aos do lobo, o qual não interrompia sua aproximação, até a distância ser curta o bastante para fazer ouvir a respiração pesada e ver os dentes à semelhança de pequenas adagas, que, sob os olhos negros de Erlendur, logo tornaram a ser embainhadas na terrível boca. O coração do animal tornou-se conhecido pelo homem. Abria-se assim o primeiro tesouro da herança de Gullveig. Agora, ao lado do grande lobo, seguiram em direção aos portões de Utgard.