Sie sind auf Seite 1von 10

1   mais    Próximo blog»

Início Sobre o Lorde Velho Sobre as Reminiscências Filmoteca do Lorde Velho

Pistas, Sonhos e (Auto) Ilusões ­ Uma Defesa do Último Episódio de
"Twin Peaks"
Escrito por Lorde Velho    +1   Recomende isto no Google

ATENÇÃO: ALERTA MÁXIMO DE SPOILERS (Esse artigo foi escrito para um público
específico: gente que assistiu todos os episódios de Twin Peaks ­ de preferência mais de
uma vez ­ e ainda não se cansou de especular a respeito da série. Se você não assistiu
Creative Commons ­ Atribuição­
Twin Peaks nem uma vez, faça um favor a si mesmo: baixe tudo e assista, depois pode
NãoComercial­CompartilhaIgual
4.0 Internacional. voltar aqui)

Notícia daquelas que caem como uma bomba no universo da cultura pop. Depois de 25
Contos, Mini­Contos, anos, Mark Frost e David Lynch anunciam o lançamento de uma nova série Twin Peaks,
Novelas
dando continuidade a uma trama que, para o bem ou para o mal, todos já consideravam
Partes encerrada. Impossível não ter sentimentos ambíguos a respeito. Talvez, em outra época,
Fragmento de uma Vida pudesse ser motivo de júbilo incondicional, afinal David Lynch era um daqueles cineastas
Possível raros que só lançavam obras­primas, uma atrás da outra (o choro é livre, seguidores de
Tentativa Paradoxal de (Mais) Rubens Edwald Filho). Mas agora, quando o cinema de massa parece estar devorando a si
Uma Tradução mesmo numa obsessão por remakes, prequels e sequencias tardias de grandes obras do
Segredos passado é difícil deixar de engolir em seco. Por todo lado pipocam anúncios de "revivals" de
Fragmento de uma Reflexão filmes e séries lendários, a grande maioria cheirando ao mais puro oportunismo e
Chapada (hiper)exploração de marcas já consagradas. O fato de vários deles serem realizados pelos
Amor ? mesmos autores dos originais já deixou de ser garantia de respeito e qualidade a muito
Solitário Entre Nós tempo, vide o abominável "quarto" Indiana Jones, a "versão do diretor" picareta de O
A Encruzilhada dos Mundos Exorcista ou o trash­movie mais caro da história, Prometheus.
(Novela de Horror)
Superfície Imaculada Por outro lado, ainda que o velho Lynch
não lance nenhum longa desde o já
longínquo Inland Empire, é fato que ele
Artigos, Ensaios, Resenhas
nunca desapontou. Saber que ele e Mark
Afinal, Qual é o Áudio Original? Frost vão cuidar pessoalmente de toda
Memórias de Madrugadas essa nova série, com Lynch dirigindo
Malditas: "O Primeiro Medo" todos os episódios (vale lembrar que ele
Ghost Stories for Christmas ­ dirigiu apenas seis dos 30 da série
Pequenas Joias do Horror original) é suficiente para manter o
Gótico Britânico interesse de ao menos pagar pra ver (ou
"Déjà Vu" ­ E as histórias que baixar pra ver, rs). Mas acima disso, há é
nos dão forma...
claro o elemento enigmático que já fazia
MEMENTO MORI ­ Um Ensaio Uma promessa?
parte da própria série e que sempre
Para a Morte ­ Um espetáculo
de Teatro de Sombras da deixou os fãs com a pulga atrás da orelha: a frase que o "fantasma" de Laura Palmer disse
"Companhia da Sombra"
ao Agente Cooper no fabuloso último episódio: "Eu o verei novamente em 25 anos". É...
Pistas, Sonhos e (Auto) Ilusões não tem como não ficar no mínimo curioso.
­ Uma Defesa do Último
Episódio de "Twin Peaks"
Memórias de Madrugadas
Mas independente de tudo isso, me incomoda um pouco que o anúncio dessa nova série
Malditas: "A Vila dos Ghouls" passe a impressão de que um antigo debate entre os fãs foi encerrado de fora pra dentro:
The Babadook ­ O Horror de Afinal de contas, Twin Peaks teve um final? Para uma quantidade significativa de fãs, não,
Ser Mãe não teve, o series finale seria na verdade apenas um season finale que fracassou em seu
Penny Dreadful ­ objetivo de resgatar a audiência perdida durante a segunda temporada, fazendo com a
Redescobrindo o Horror Gótico série fosse cancelada sem um final definitivo, como muitas outras. Para esse conjunto de
do Século XIX
fãs, a aterradora última cena, na qual descobrimos que o Agente Cooper foi possuído pelo
Cavalheiros do Horror "espírito maligno" de BOB, simplesmente não podia ser o fim. Nos fóruns, convenções e
Hellboy ­ Como me Rendi ao conversas de boteco, esses fãs lamentam e criam suas próprias versões de como teria
Demônio
sido a terceira temporada abortada, onde veríamos as consequências da sinistra
Planetary ­ Escavando a
pergunta/promessa: Como está Annie? Como está Annie?
História Imaginária do Século
XX
Espaços Extraordinários ­ Para esses fãs, a nova série não apenas
Ensaio Sobre a Representação confirma o que sempre sentiram, que Twin
do Espaço Geográfico na HQ Peaks nunca teve um final, como sequer
“A Liga Extraordinária” de Alan
Moore & Kevin O’Neill
seria uma "nova" série de fato, mas sim a
tão desejada terceira temporada, onde a
Reflexões Sobre a Literatura
Epistolar... história inacabada finalmente teria seu
Drácula ­ A Sombra da Noite desfecho. Oficialmente, nem o IMDb e nem
Antonin Artaud ­ Um Breve
qualquer outra fonte tratam a nova
Vislumbre produção como uma "terceira temporada", Tweets
Moonshadow ­ Um Conto de mas isso pouco importa para fãs convictos
Fadas Para Adultos de que uma espera de 25 anos vai enfim
Corto Maltese ­ A Balada do ser recompensada.
Mar Salgado Uma das imagens mais aterradoras que a TV já produziu.
  Quando Eli
J. Kendall ­ Aventuras de uma Queria aqui nadar mais um pouquinho "Alien", a ge
Criminóloga contra a corrente (pra variar) e finalmente fazer por escrito a minha defesa do último atenção (e 
Os Companheiros do ela conside
episódio da segunda temporada de Twin Peaks como, sim, o final da série. Não um final em
Crepúsculo ­ Uma Obra Prima
das HQs do Velho Mundo
aberto fruto de um cancelamento, mas sim como um desfecho definitivo, digno, coerente e,
na minha sincera opinião, perfeito para essa série que transformou os paradigmas das
Estórias Gerais ­ Um Épico do
Quadrinho Brasileiro séries de TV. Digo mais: independente do que vier a acontecer na nova série, não alterará
o status do "Episódio 29" (na contagem oficial o piloto é o "Episódio 00") como o melhor final
que Twin Peaks poderia ter tido (até porque ninguém se mantém o mesmo depois de 25 Eis que, do
Blogs
anos, incluindo Frost e Lynch, e o que quer que eles façam agora será algo novo e anuncia um
diferente da série original, independente até de suas intenções). Hellboy! Nã
Boca do Inferno
Confira Jennifer Lawrence no
primeiro pôster de Mother! ­ Dizer que essa é uma opinião polêmica é pouco. Uma fuçada rápida no google já
Filme de terror psicológico tem demonstra quão grande é o número de fãs que amam Twin Peaks, mas odeiam o final com
direção de Darren Aronofsky Filmoteca
todas as forças (os mais radicais defendem que o "verdadeiro" final é o "Episódio 16", que
Escreva Lola Escreva fecha o caso Laura Palmer, e desconsideram tudo o que vem depois). E mesmo os que
DE TANTO amam o series finale (normalmente fãs de David Lynch e/ou cinéfilos mais avançados em
GRITAREM "VAI
geral) ainda assim lamentam que a série tenha parado ali. "O último episódio é fantástico,
PRA CUBA", EU
TÔ INDO! ­ Hoje talvez o melhor da série toda, não podia acabar ali, dá uma puta vontade de ver o que vai
não vai ter textão. acontecer depois!" é o que costumam dizer, resumidamente. Esse é o ponto em que divirjo:
Só textinho pra expressar não só não tenho vontade de ver o que aconteceria depois, como sequer acho que deveria
minha felicidade, fuzilar alguns
haver um depois daquela arrasadora cena final.
de inveja e reforçar os
argumentos de quem me chama
de comuna. Sabem a... Mas vamos por partes. Sendo você, que
Acervo pesso
está me lendo, um fã de Twin Peaks que Old School
A janela encantada
As Docas de Nova Iorque, 1928
viu a série inteira de cabo a rabo, o filme e mais obscuro
­ Bill Roberts (George Bancroft) tudo o mais, existe uma grande na nuvem do
é um dos fogueiros da barcaça probabilidade estatística de que esteja em
a vapor, sob o comando do um dos dois grupos que acabei de
cruel Andy (Mitchell Lewis). … Postagen
descrever. Assim, certamente você tem
Continuar a ler →
uma série de argumentos para justificar
Blog do Teimoso porque não é aceitável considerar o
Entre Deus e o
"Episódio 29" como o final da série e é
Pecado
(1960_Elmer bem possível que já esteja procurando o
Gantry) ­ DVD­R ­ campo de comentários pra joga­los na
*Up By:* Fabio Mesmo depois de 25 anos, muitos não se conformam com
minha cara. Segure as pontas um pouco,
Rocha *Gênero:* Drama *Ano os créditos finais nessa cena.
pois vou resumir esses argumentos em
de lançamento:* 1960 *Áudio:*
ing/esp/port + legendas dois grandes tópicos que me servirão de guias na minha defesa. Vamos ao primeiro:
*Duração:* 146 minutos
*Tamanho:* 4.35 GB 1) Não há nem porque discutir. Os próprios autores afirmaram em um monte de entrevistas
*Extensão:* VOB *S... e documentários que o season finale da segunda temporada foi planejado pra tentar
My Duck Is Dead reacender o interesse da série para uma renovação.
The Sexual
Liberation of Anna Talvez você se surpreenda, pois não vou negar isso. Ainda que David Lynch seja famoso
Lee (2014) Jacky
por raramente responder perguntas diretas sobre suas intenções com seus trabalhos, Mark
St. James ­ *The
Sexual Liberation Frost, por outro lado, é um grande linguarudo. De fato, ele afirma com todas as letras no
of Anna Lee (2014)* Genre: documentário "Secrets From Another Place" que o finale foi escrito para ser um cliffhanger,
Adult | Drama Country: USA |
uma última e desesperada tentativa de sustentar o interesse da audiência o suficiente para
Director: Jacky St. James
Language: English | Subtitles: conseguir a aprovação da terceira temporada aos 45 do segundo tempo. Na verdade, Frost
None Aspect ratio: ... diz que sua intenção era repetir a mesma estratégia que usara no final da primeira
temporada: "A minha visão daquele último episódio da primeira temporada era de que
Rarelust
Baby Face (1933) ­ Directed by:
precisávamos de um recurso de vendas para que eles comprassem a segunda temporada.
Alfred E. Green Stars: Barbara Porque, claramente, havia mais que queríamos fazer. Então eu tentei usar todos os
Stanwyck, George Brent, ganchos em que consegui pensar." O objetivo do roteiro escrito para o finale da segunda
Donald Cook Language: English temporada, supostamente, seria a mesma coisa: criar dúzias de ganchos, não concluir
| Subtitles: English (embed)
nada, fazer a audiência implorar pra voltar. "E o que montamos foi um grande dilema para a
Country: Usa | Imdb Info | A...
3a temporada, com Cooper se transformando em herói e vilão que é o caminho que
HQ Vintage seguiríamos. (...) E, de novo, tentamos criar todo tipo de gancho para as pessoas quererem
Melhores do
voltar e ver o que acontece. Fizemos a nossa parte.".
Mundo 176 ­
Superman vs
Batman! ­ *Clique Caso encerrado? Não tão rápido, caro padawan. Pra começo de conversa é complicada
AQUI para baixar* essa história de analisar uma obra artística pelo prisma do que "era pra ter sido". Intenções
World's Finest, os Melhores do
de autor são interessantes para um estudo histórico, de contexto, etc, mas a obra acabada
Mundo, volta, trazendo mais
uma aventura desenhada pelo já não tem mais relação com o que o autor queria ou não fazer. A obra acabada
lendário NEAL ADAMS! Nessa simplesmente é! Está no mundo, pertence agora ao público, à cultura. Ainda que hoje
edição, Supe... vivamos num contexto em que o discurso sobre a obra se tornou quase que uma mídia em
si (a famosa cultura dos extras de DVD/Bluray, que admito que adoro), teoricamente
Rapadura Açucarada ­ No
Dia Mais Claro, Na Noite ninguém precisa entrevistar o autor para se apropriar de um filme, uma série, um livro ou
Mais Densa uma HQ. A obra é que está em questão, não o discurso do autor e não é nada incomum
Coleção Marvel
que um filme entre para a história do cinema por méritos (e deméritos) que sequer foram
Salvat: 1602 ­
*COLEÇÃO previstos. Se a intenção do autor fosse mesmo tão determinante, "Plam 9 for Outer Space"
MARVEL seria um clássico do horror, não uma das mais hilárias comédias cult que o cinema já
SALVAT: 1602* produziu (Ok, peguei pesado aqui, rss).
*Digitalização e Tratamento:
Renato Ptl/HORDA Comics*
*PARA BAIXAR, CLIQUE
Agora, se isso não te
AQUI* *"Quando foi anunciado convence, beleza, vamos
que Neil Gaiman escre... então, por um momento,
considerar que a intenção do
SPACE MONSTER
SUPERMAN autor seja sim determinante e
AND THE MOLE­ vamos olhar com ainda mais
MEN ­ 1951 ­ atenção para o documentário
*POSTADO
"Secrets From Another Place".
PRIMEIRAMENT
E EM 22/04/2011* *SINOPSE:* Logo depois da fala de Frost
*Somos levados a Silsby, uma seguem­se três depoimentos
pequena cidade no interior do de outros artistas envolvidos
Texas, com 1430 habitantes, Bastidores do series finale. na produção da série.
orgulhosamente a...
Primeiro Carel Struycken, que
HORROR ALTERNATIVO interpreta o Gigante no "Episódio 29": "O último episódio foi a mais desvairada produção
Mother! | Filme de terror que já presenciei. E acho que nunca mais verei nada igual. E até onde posso dizer, foi
Psicológico com Jennifer
Lawrence ganha Pôster oficial ­
tudo no improviso. Filmamos noite adentro. Acho que acabamos de manhã. E havia um
Mamãe querida, meu coração monte de coisas estranhas acontecendo no set.". Logo depois vem Harley Peyton, escritor
por ti bate… Filme de Darren e produtor da série, co­autor do roteiro do "Episódio 29": "Havia a sensação, talvez
Aronofsky, um filme de terror baseando­se na audiência, que este seria o último. Mas David entrou lá e encarou e fez o
psicológico veio de surpresa
episódio. O roteiro que tínhamos montado, não sei se ele jogou fora ou deixou na mesa.
para os fas do gênero. Intitulado
Moth... Mas o que fez foi muito diferente e brilhante. Então, acho que David sabia, de certa forma
Mostrar todos
que era como se despediria.". E, finalmente, Robert Engels, também escritor e produtor e
também co­autor do roteiro do episódio final: "Não pensamos que haveria a 3' temporada.
Você faz planos para o caso, tínhamos algumas boas idéias. Todos tinham idéias legais
para a possível 3a temporada, mas eu acho... acho que acabamos." (grifos meus, claro).

Ou seja, aparentemente Mark Frost era o
único trabalhando com vistas a uma
terceira temporada. Todos os demais
tinham consciência que estavam
encaminhando a série para seu desfecho.
Infelizmente eu nunca encontrei um
depoimento do próprio Lynch a respeito do
episódio final. Como disse antes, ele
detesta comentar esse tipo de coisa. Mas
quem conhece bem a obra dele sabe que
a possibilidade do roteiro ter sido "largado
na mesa" e a história ter sido recriada
É só um decorador de sets tentando não aparecer na 
durante o próprio processo de direção é filmagem, não precisa ter tanto medo. ;)
algo muito fácil de imaginar. A própria
mitologia de Twin Peaks foi, em grande parte, criada dessa forma, basta lembrar que BOB,
Mike, o Black Lodge e suas "entidades", tudo isso surgiu no improvisado desfecho da
versão européia do piloto, uma sequencia de quase meia hora que sequer fazia parte do
roteiro.

Se há alguma dúvida, sugiro prestar atenção no próprio tom que Lynch impôs para o
episódio e comparar com o season finale da primeira temporada. Frost dirigiu o "Episódio 7"
realmente como um capítulo aberto, não há nada lá que sequer sugira qualquer tipo de
fechamento, seja narrativo ou estético. O episódio é um desfile de frases terminadas em
reticências, num ritmo acelerado e vibrante que culmina com Cooper sendo baleado por um
pistoleiro desconhecido. É quase inconcebível imaginar como seria se, por qualquer razão
louca, Twin Peaks tivesse sido cancelada ali (não que essa possibilidade existisse, com a
série na crista da onda como estava).

O "Episódio 29" é completamente diferente. Desde os primeiros minutos o tom é outro. Se
há reticências, são "reticências finais", não insinuam mudanças ainda por vir, mas sim um
destino manifesto, inevitável, travado. Os supostos "ganchos" não parecem funcionar como
tais, como no "Episódio 7", talvez porque Frost os escreveu como "ganchos", mas Lynch os
filmou como "pontos finais". Durante os 30 primeiros minutos vemos um desfile de
desenlaces para as últimas subtramas ainda em aberto da segunda temporada (as demais
foram sendo fechadas no decorrer dos episódios anteriores, uma a uma, nenhuma delas
foi deixada sem ao menos um último comentário). Podem não ser as conclusões que a
audiência esperava ou queria, mas não há dúvida de que o tom com que foram
apresentadas não dá margem para continuações.

Nadine recupera a memória, frustrando as
esperanças de Ed e Norma finalmente
resolverem sua relação e trazendo
novamente à baila os trilhos de cortina.
Frustrante? Sem dúvida, tão frustrante
quanto a vida, mas sem dúvida é um
desenlace para toda aquela bizarra
situação de retorno à adolescência, como
um círculo completo. Gancho mesmo foi
quando Nadine terminou a temporada
anterior tentando se suicidar e sendo
encontrada por Ed. Se fosse como no
Ganchos ou pontos finais?
"Episódio 7", o misterioso presente de
Thomas Eckheart teria sido deixado em
aberto, no mais puro "se querem saber o que é terão que voltar temporada que vem". Ao
invés disso foi revelado numa cena literalmente explosiva, que fechou de uma vez por
todas as trajetórias de vários personagens importantes: Andrew, Pete (e, com eles, tudo o
que ainda restava em aberto da subtrama de Josie e os Packards) e Audrey, cuja história,
sejamos francos, já havia acabado a muito tempo. Ben Horne chegou ao ponto culminante
de sua irônica transformação de um adorável e assumido crápula para um hipócrita auto­
iludido cujos arroubos de bondade causam ainda mais dor e destruição do que suas
canalhices prévias. Um tema central em Twin Peaks: as duas faces que, no fim, se revelam
a mesma coisa, uma verdade que nem uma família aparentemente perfeita como
os Hayward poderia escapar. Todos tem segredos e a reaparição súbita da Senhora Horne,
sumida desde o início da série, vem nos lembrar disso, nesse episódio cheio de rimas
narrativas e aspas que se fecham.

Como entender a irônica reaparição de
Heidi, a garçonete do Double R, que só
apareceu pra trabalhar no piloto e no finale
(atrasada nas duas vezes e repetindo a
mesma desculpa) senão como um fechar
de aspas, bem no estilo de humor negro
de Lynch? É perturbador, sem dúvida.
Assim como Bobby e Shelly basicamente
repetindo suas falas do piloto, Andy e Lucy
alheios a tudo em seu romance ingênuo
que deu voltas e mais voltas e acabou da
mesma forma que começou. A sensação
Cenas e falas que se repetem, aspas que se fecham.
que se destaca no "Episódio 29" é que
depois de tudo o que aconteceu, nada
mudou, como num pesadelo. Os que não morreram continuaram os mesmos, os
caminhões de madeira continuam passando, o vento ainda uiva nas árvores, tudo está
como sempre foi em Twin Peaks. Quando Sarah Palmer, trazida pelo Dr. Jacoby, entrega a
mensagem de Windom Earle para o Major Brigs, a expressão de resignada aceitação no
rosto do Major diante daquela voz vinda do abismo é significativa. Não há urgência, o fim
sempre foi inevitável. Havia pistas por toda parte, como disse a Senhora do Tronco numa
de suas introduções: "Mas o criador do jogo é esperto. As pistas, apesar de nos cercar, são
de alguma maneira confundidas com outras coisas. E estas outras coisas, a interpretação
errada destas pistas é o que chamamos de nosso mundo."

E aqui chegamos na segunda grande objeção dos fãs em considerar o "Episódio 29" como
o final de Twin Peaks: 

2) Não faz sentido. O Agente Cooper era um símbolo de tudo o que há de melhor e mais
positivo no ser humano, como a série pôde terminar com ele se tornando BOB?! Isso
contradiz tudo o que a série foi e não condiz com o personagem.

Aqui defender o meu ponto de vista não
será tão simples como no primeiro tópico,
pois entra em questão a livre interpretação
de uma obra artística e seria muita
pretensão de minha parte afirmar que a
minha interpretação de Twin Peaks é a
"correta" e outras estão "erradas".
Apreciação artística simplesmente não
funciona assim. Mas quero chamar a
atenção para "pistas" (que estão na
própria série, não em supostas intenções
dos autores) espalhadas por inúmeros
Contradição... ou inevitabilidade?
episódios, que permitem ao menos um
tencionamento dessa interpretação mais corrente de que o fim da trajetória do Agente
Cooper é abrupto e não­condicente com o que a série havia trabalhado antes com o
personagem.

Um dos temas centrais de Twin Peaks sempre foi a dualidade, os horrores ocultos por trás
de uma aparência de civilidade e bons costumes. A fachada de perfeição e inocência da
jovem Laura Palmer, conhecida e querida de todos na cidade, mas cujos gritos internos de
desespero jamais foram notados por ninguém (exceto pelos "estranhos", como Harold
Smith, a Senhora do Tronco, etc.). A cena do funeral no "Episódio 3" é marcante nesse
aspecto, com Bobby apontando a hipocrisia na cara de todos. Como poderiam não ter
notado que Laura estava em perigo? Como podiam ser tão cegos? Basta olhar para Leland
Palmer se jogando melodramaticamente sobre o caixão. Ou para Sarah Palmer, um
verdadeiro retrato da mãe que se recusa a enxergar o abuso acontecendo dentro de sua
própria casa. Mas com uma sagacidade ímpar, o episódio corta da cena do funeral
diretamente pra Shelly Johnson fazendo piada do horror e desconforto que acabáramos de
presenciar... e Shelly, com sua cara de anjo, era uma das personagens de "bom coração".
A genialidade da série estava em pequenos detalhes como esse, muito mais do que nos
grandes eventos.

A reação em cadeia desencadeada pelo
investigação do assassinato vai revelando
mais e mais segredos sinistros na
supostamente pacata vida de Twin Peaks.
Há corrupção, jogos de poder, incesto,
relacionamentos abusivos, falsidade,
culpa, violência, abandono. Até mesmo os
personagens que pareciam mais íntegros
ou ao menos equilibrados, como o Dr.
Hayworth ou o Xerife Truman, revelam­se
fraturados em algum momento. E a
recíproca também é verdadeira:
O funeral de Laura Palmer.
personagens que pareciam maus até o
último fio de cabelo, sem esperança
alguma de redenção, acabam revelando aspectos inesperados, como o abobado Leo
Johnson sacrificando­se para salvar a esposa que tanto abusara, Ben Horne e seu surto
esquizofrênico de bondade, ou o Major Briggs, que parecia uma caricatura de militar/pai
reacionário e acaba se revelando um poço de sabedoria mística. E o que dizer do
deliciosamente arrogante Albert e seu indescritível "Eu te amo, Xerife Truman"? Antes de
mais nada, Twin Peaks jamais perdeu seu senso de ironia nonsense. 

E em meio a tudo isso, chega à cidade esse agente do FBI que adora um bom café e
parece a própria personificação de tudo o que existe de mais puro, singelo e positivo na
humanidade. Não tem como não se encantar com ele, não? Seu otimismo é
inquebrantável, sua amabilidade sem limites, sua confiança em suas faculdades e intuições
é absoluta, como costuma acontecer com os grandes detetives da ficção, embora, ao
contrário de um Sherlock Holmes, Cooper confie muito mais nos sonhos e mensagens do
inconsciente do que na fria lógica racional.

Não parece perfeito demais pra ser verdade?

Cooper não parece real, parece uma
caricatura de "positividade". E já que
falamos em Sherlock Holmes, é
interessante notar quão imediatamente o
amável (mas intelectualmente limitado)
Xerife Truman se torna o seu Watson. E,
assim como Holmes, Cooper se mostra
bem arrogante para com o suposto amigo
em várias ocasiões, ainda que suas
maneiras cordiais tendam a disfarçar
condescendência com amabilidade. Mas a
primeira pista real de que Cooper não é
(ou, ao menos, não é apenas) o que
parece ser, vem de sua aparente
incapacidade de enxergar Twin Peaks
como ela realmente é. Encantado com o
cheiro dos pinheiros e o canto dos
passarinhos, parece não notar que as
vidas de quase todos ao seu redor está
desmoronando, que ninguém mais além
dele considera Twin Peaks um paraíso na
Terra. Cooper mal presta atenção quando
o Xerife o alerta sobre a presença de algo
Bom demais pra ser verdade. antigo e maligno naquelas matas. Nada
abala sua empolgação ingênua e
urbanóide com cada variação de pinheiro que conhece. Laura Palmer faria qualquer coisa
pra fugir daquele lugar se tivesse tido a chance. Cooper quer se mudar para lá.

Há um diálogo no "Episódio 11" que torna essa estranheza evidente. O recém chegado Juiz
Sternwood, claramente uma figura paterna muito querida por Truman e todos na delegacia,
pergunta: "Sr. Cooper, o que acha do nosso cantinho do mundo?". O agente responde com
seu tom positivo característico: "É um paraíso.". O juiz franze a testa e retruca, com ironia:
"Esta semana, o paraíso inclui incêndio criminoso, vários homicídios e atentado à vida de
um agente federal". Aqui é preciso prestar atenção na sutileza da reação de Cooper. Ele
hesita, mas muito rapidamente complementa o comentário com um forçado "O paraíso é
um lugar grande e interessante". O juiz apenas o ignora, com certo desdém.

Já ouviu a expressão: "Se você consegue se manter calmo e sereno quando todos já
entraram em desespero... é sinal que você não entendeu a gravidade da situação". É por
aí.

É interessante notar que
Cooper passa a aparentar
desconforto na presença do
juiz. Prestando atenção no
"Episódio 12", nota­se que ele
até comete a desfeita de não
beber o drinque que o juiz
oferece a ele e ao xerife
durante o julgamento de Leo
Johnson. Na verdade, ele mal
dirige a palavra ao juiz, a não
ser quando perguntado. Ainda
assim, recebe um último
conselho: "Eu o aconselho a Cooper apenas encara a bebida, amuado.
tomar cuidado com o bosque.
O bosque daqui é maravilhoso... mas é estranho".

Outras personagens abalaram a confiança aparentemente inabalável do Agente Cooper.
Foram raros, por isso mesmo é bem significativo observar quais. Lembram da visita à
cabana da Senhora do Tronco? Foi no "Episódio 5". Uma visita não programada, o objetivo
da expedição era encontrar a cabana de Jacques Renault, mas no caminho o agente, os
policiais e o doutor acabam topando com Margaret, que lhes oferece chá e biscoitos.
Cooper não queria fazer essa parada e já ia recusar o convite quando é repreendido pelo
policial Hawk (o que claramente o irrita). Toda a sequencia é muito interessante.
Truman, Hawk e o doutor não só estão super a vontade (mesmo com o comportamento
ríspido de Margaret) como aparentam compreender insinuações que o Agente Cooper, o
único estranho naquela cabana, ignora totalmente. A Senhora do Tronco diz estar
esperando por eles a três dias e insinua que o atraso era culpa dele. O tempo todo o
agente é tratado com condescendência, como uma criança (chega a tomar um tapa na
mão por tentar pegar os biscoitos na hora errada). Permanece amuado por toda a visita,
fechado, inseguro, de uma forma que destoa do excesso de otimismo e falastrice que
demonstrara até poucos minutos antes. O motivo me parece óbvio: Margaret tomou o seu
controle da situação. Ela detém uma sabedoria que ele não compreende. Esse homem que
fala com desenvoltura sobre intuição e "método tibetano", tão confiante a ponto de fazer
toda a delegacia participar de um jogo de acertar a garrafa como método de investigação,
agora parece incomodado com a ideia de fazer perguntas para um tronco. Curioso, não?
Ainda mais se lembrarmos que ninguém na delegacia jamais questionou seus métodos
bizarros. Por que tanta hesitação em devolver a cortesia?

Apenas uma vez em toda a série o Xerife
Truman duvidou dos métodos de Cooper.
No "Episódio 15", quando o agente muda
de repente de ideia em relação à prisão de
Ben Horne, sem apresentar nenhuma
razão lógica, coisa que já havia se tornado
um hábito. Chega a ser espantoso que
Truman não tivesse perdido a paciência
antes, mas nesse ponto a situação
chegou no limite, porque o xerife tinha
acabado de dar voz de prisão a Horne!
Como poderia voltar atrás sem mais nem
menos, baseado apenas na intuição de
Cooper? "Eu o apoiei até aqui. Mas chega
"Vou ter mesmo que falar com um tronco?"
de palavrório. Chega de sonhos, e visões,
de anões e gigantes do Tibete e de toda a conversa fiada. Temos provas concretas contra
Ben Horne." A reação do agente me soa quase como uma birra: "Tem razão, Harry. É o seu
território. Às vezes, como alguém de fora, eu esqueço isso", em seguida dá as costas e vai
embora, emburrado.

Reparem que, até agora, tirei tudo isso de episódios que antecedem a resolução do caso
Laura Palmer, ou seja, antes dos episódios que muitos defendem que devem ser
desconsiderados. Ou seja, independente de sua opinião sobre o "ponto de virada" em que
a série começou a sair dos trilhos, as contradições de Cooper já estavam presentes, não
foram desvios tardios de percurso. Além disso, do mesmo modo que defendo que as
intenções de Mark Frost a respeito do finale não devem influir na sua leitura, o mesmo vale
para os rumos que a série tomou após a fatídica revelação imposta pela ABC. É sabido que
Lynch achava que o assassinato de Laura jamais deveria ter sido solucionado, e é um
exercício interessante especular como teria sido se a ABC não tivesse pressionado tanto.
Mas o fato é que não foi assim que aconteceu. O mistério que deu combustível ao seriado
foi definitivamente fechado no "Episódio 16" e, de algum modo, a série precisava continuar
apesar disso (naquela época não existia o conceito de cancelar uma série enquanto a
audiência estivesse em alta, pouca importa se fosse melhor para a trama ou não). Não há
como negar que, dali em diante, a coisa desandou. Não havia mais linha mestra para
seguir, os mistérios se diluíram e a sequencia de episódios entre o 17 e o 23 teve
momentos intragáveis de tão constrangedores. Do 24 em diante a coisa começa a
melhorar novamente, embora a ideia de um "arqui­inimigo" do Agente Cooper tenha sido
uma saída bem clichê como fio condutor. 

Entretanto, esse foi o rumo que a serie
efetivamente seguiu e minha leitura do
episódio final não pode deixar de levar
essa fase em consideração. Dito isso, eu
afirmo que nem tudo foi perdido nesses
episódios. Ainda que com menos brilho,
Twin Peaks continuou tendo momentos
isolados de grande força, especialmente
quando os astros convidados eram
deixados de lado e a história retomava as
trajetórias dos personagens principais.
Afinal, embora as pessoas tendam a O "arqui­inimigo" Windom Earle.
esquecer, inúmeras subtramas
interessantes que estavam em andamento desde o começo da série continuaram em
aberto quando o caso Laura Palmer foi encerrado. Inclusive, esse é um dos motivos para
não ser possível aceitar o "Episódio 16" como o "verdadeiro" final, como querem os radicais.
Só a trama do assassinato foi fechada nele (e ainda com pontas soltas). Por mais que
parecesse, Twin Peaks nunca se resumiu a apenas esse mistério. 

(Um aparte: Essa não é minha única ressalva a respeito do "Episódio 16". Sempre me
pareceu que, sem a participação direta de Lynch no roteiro e na direção, o episódio em
vários momentos parece desesperado para "explicar" o que aconteceu, definir o que é o
BOB e como funcionava a "possessão" de Leland, sacrificando toda a ambiguidade no
processo. Alguns diálogos são constrangedores de tão expositivos: "Talvez seja isso que
BOB seja, o mal que os homens fazem". Chega a doer. O contraste com o maravilhoso e
sensível "Episódio 14", onde Lynch finalmente revelou ­ mas não explicou ­ a identidade do
assassino, é gritante. Lynch é um artista que sabe que o mero realismo não dá conta da
realidade e que, para quem vivencia, nada nunca é simples. Não, jamais poderia aceitar o
"Episódio 16" como final da série. Seria um final convencional demais para uma série tão
maravilhosamente não­convencional)

Uma dessas histórias em aberto teve seu fechamento no "Episódio 20", quando Jean
Renault, o gangster que havia escapado após o resgate de Audrey do Jack Caolho, tomou
Cooper como refém numa casa isolada. Durante a tensa espera enquanto a polícia cerca o
lugar, um diálogo inesperado ocorre entre o agente e o vilão. Permitam­me cita­lo na
íntegra:
"Antes de você chegar aqui, Twin Peaks
era um lugar simples. Meus irmãos
vendiam drogas para adolescentes e
caminhoneiros. O Jack Caolho recebia
bem os empresários e turistas. Pessoas
calmas viviam uma vida calma. Então,
uma moça bonita morreu, você chegou
e tudo mudou. Meu irmão Bernard
levou um tiro e morreu na floresta. Um
pai em luto sufocou meu outro irmão
com um travesseiro. Seqüestro. Morte.
De repente, as pessoas calmas não
"Antes de você chegar aqui, Twin Peaks era um lugar simples"
estão mais calmas. De repente, o
sonho simples tornou­se um pesadelo. Então, se você morrer, talvez seja o último a morrer.
Talvez tenha trazido o pesadelo consigo. E talvez o pesadelo morra com você." 

Talvez pudéssemos descartar tudo isso como a lógica distorcida de um bandido... mas não
é tão simples quando levamos em consideração as outras contradições de Cooper que
mencionamos até aqui. No fim desse mesmo episódio, Windom Earle entra de vez na
história, um ex­parceiro psicopata que seguiu o agente até Twin Peaks. Difícil não associar
isso com a ideia de "trazer o pesadelo consigo". Posteriormente entendemos que Cooper
não foi inteiramente inocente no seu passado com Earle, embora os detalhes nunca
tenham ficado muito claros. Mas o que mais impressiona na sequencia com Renault é a
atmosfera sinistra da cena, envolta em escuridão, iluminada apenas pelas luzes dos carros
de polícia e a expressão de Cooper. Não há a irritação demonstrada com a Senhora do
Tronco, nem a insegurança diante do juiz. A expressão de Cooper é de serena aceitação,
como se aquele discurso atingisse algo bem em seu íntimo. Cooper parecia concordar com
Renault.

Momentos como esses foram raros na
série, é claro, durante 90% do tempo o
personagem realmente parecia um
arquétipo de tudo o que um ser humano
deveria almejar ser e é evidente que todos
amávamos Cooper. Havia algo de
profundamente acolhedor nele, nos
sentíamos bem sempre que o
personagem estava em cena. Mas, por
isso mesmo, esses momentos de quebra
são marcantes, desconcertantes mesmo.
Tanto que tendemos a descarta­los ao
"Talvez tenha trazido o pesadelo consigo. 
lembrar da série, o que é um erro. Não só
E talvez o pesadelo morra com você."
porque nos deixa despreparados para o
impacto do episódio final, mas também porque compromete uma leitura mais profunda dos
temas que a série trabalha. Ainda que com fases ruins e algumas subtramas sem muito
interesse, Twin Peaks manteve sua essência nos detalhes, nas pistas, como diria a
Senhora do Tronco, cuja interpretação errada poderia levar tudo a perder, especialmente
no que se referia aos personagens centrais.

Pra ser sincero, eu mesmo não prestava muita atenção nesses momentos que estou
colocando em destaque aqui. A maioria me passou batido quando vi a série pela primeira
(e até pela segunda) vez. Até que, numa das vezes que revi o seriado desde o começo,
topei com uma cena enigmática no "Episódio 6". O Dr. Hayward pergunta para o Agente
Cooper se ele gostaria de alimentar Waldo, o pássaro cagueta. Nada mais natural fazer
essa pergunta para um cara que vivia falando do cheiro dos pinheiros e querendo saber o
nome das espécies nativas, não? Surpreendentemente, a resposta de Cooper é tão seca
que até deixa o doutor sem graça: "Não gosto de pássaros".

Foi um susto pra mim, quase como se eu tivesse tomado um tapa: "Como assim Cooper
não gosta de alguma coisa? Especialmente pássaros?" pensei primeiro. E depois: "Como
eu não tinha prestado atenção nesse cena antes?". Não sei se existe algum significado
especial nessa cena em particular, provavelmente não, mas o fato é que é estranha,
destoa completamente daquilo que fomos levados e pensar sobre o Agente Cooper, ainda
mais no contexto da primeira temporada, antes dos desvios e problemas da segunda. Era
como uma nota destoante, um fio de cabelo fora de lugar naquela cabeça cheia de gel.
Esse pequeno momento esquisito foi o que me chamou a atenção para todas as outras
notas destoantes que comentei até aqui.

Tudo isso pra afirmar: não, a
transformação de Cooper em BOB no
episódio final não foi algo que surgiu do
nada. A face sinistra de Cooper, o outro
lado do espelho, o doppelganger, tudo
isso esteve presente na série desde o
início. As pistas estavam todas lá, nós é
que não prestamos a devida atenção.
Nós... e Cooper. Se resta ainda alguma
dúvida, vejamos a cena (essa sim
comumente bem lembrada pelos fãs) em
que o policial Hawk chama a atenção do
agente a respeito do White Lodge, no
"Episódio 18": 
 
"Cooper, você pode ser destemido neste
mundo. Mas existem outros mundos. Meu
povo acredita que o White Lodge é um
"Se você confrontar o Black Lodge com a 
coragem imperfeita, ele aniquilará sua alma." lugar onde os espíritos que governam o
homem e a natureza residem. Também
existe uma lenda sobre um lugar chamado Black Lodge, que é o lado sombrio do White
Lodge. Diz a lenda que todos os espíritos devem passar por lá a caminho da perfeição. Lá,
você encontrará seu lado sombrio. Meu povo chama de o Habitante do Limiar. Mas dizem
que se você confrontar o Black Lodge com a coragem imperfeita, ele aniquilará sua alma."

Percebam: Hawk (outro personagem que, mesmo tendo poucas falas como a Senhora do
Tronco, sempre demonstrou ter algum tipo de sabedoria especial) está tentando avisar
Cooper de que ele não está preparado para lidar com isso. Nessa fala ele descreve
exatamente o que acabou acontecendo no episódio final. Cooper foi avisado, várias vezes,
mas ignorou o aviso. Em parte porque ele tinha a motivação clichê de resgatar a mocinha
em perigo (jamais negarei que Twin Peaks escorregou bastante em seus últimos
episódios), mas principalmente porque ele jamais considerou Hawk e a maioria de seus
amigos em Twin Peaks como pessoas cuja opinião deveria ser levada a sério, não de
verdade. Cooper se mostrava tão confiante e tão magnânimo diante de todos na delegacia
justamente porque se considerava superior a cada um deles. Bastava o aparecimento de
alguém com tamanha força como o juiz para que ele se ressentisse.

Para mim é muito significativa a
impaciência que a Senhora do Tronco
sempre demonstrou com ele: ela sabe que
Cooper está se iludindo. Ele não é tão
evoluído e sábio quanto quer acreditar. Ele
não enxerga a realidade como ela de fato
é. Cooper está perdido, desde o começo,
numa auto­ilusão. Num mundo de sonhos
e fantasmas. Ele só vê o que quer ver. Sua
mente é aberta para o fantástico, para os
mundos além, para a intuição, mas lhe
falta respeito, cautela, verdadeira atenção
"Um e o Mesmo"
aos sinais. Ele encara todas as pistas
como intrinsecamente positivas, jamais lhe
ocorre que, especialmente depois da morte de Leland Palmer, o mal no bosque estaria lhe
conduzindo como um patinho para sua própria perdição. Na verdade, ele sequer
desvendou o caso Laura Palmer, todas as respostas vieram de sonhos, visões e
entidades, muitas das quais, como o anão dançarino, o velhinho caduco e o Gigante (cujas
pistas ele seguiu cegamente) se mostraram assustadoramente ambíguas em sua aparição
final no Black Lodge. Cooper arrogantemente ignorou todos os alertas de que o mal no
bosque era algo a se temer e respeitar, ignorou Truman, ignorou o juiz, ignorou a Senhora
do Tronco. Não seria de se duvidar que ele jamais considerou seriamente a possibilidade
de que enfrentaria o Black Lodge "com a coragem imperfeita". Mas diante do duplo
demoníaco, sua reação imediata foi entrar em pânico e fugir (uma fuga sem esperança,
claro). Muitos fãs pensam que a presença de Annie no Black Lodge foi o fator que abalou a
"coragem perfeita" do agente. Até faz sentido... se a série não tivesse nos dado tantas
pistas de que o buraco era mais embaixo. De fato, Cooper não fugiu de seu duplo apenas
no episódio final. Ele esteve fugindo durante toda a sua vida.

Há uma cena, no "Episódio 17" em que Audrey diz para Cooper: "Você só tem um
problema: é perfeito". Nem me atreverei a comentar a sabedoria expressa nessa fala.

Toda a rejeição ao episódio final é compreensível.
Desolador é a palavra que mais se aplica. Sem
dúvida, Twin Peaks teve um dos finais mais
sombrios da história das séries de TV, é claro que
é muito mais reconfortante imaginar que deveria
ter havido uma continuação onde Cooper
vencesse o mal e voltasse para a luz que sempre
pareceu caracteriza­lo. Não duvido que Frost e,
talvez, outros roteiristas tentassem isso se
pudessem. Lynch, entretanto, é mais honesto,
mais sincero, ele sabia, claro, que não havia
nenhuma outra forma honesta de Twin Peaks
terminar sem trair a si mesma. Ainda que
descarrilhando em muitos momentos, Twin Peaks
teve um final honesto. Desolador sim, mas não
mentiroso, como teria sido um medíocre final feliz.
Se há uma "moral da história", pra quem acha que
histórias precisam de moral, seria aquela presente
na própria obra de Lynch como um todo: muito
pior do que descobrir que sob o gramado verde
há insetos monstruosos, é fingir que eles não
estão lá. A tragédia de Cooper é a mesma
tragédia de Fred Madison, em "A Estrada
Perdida", de Betty Elms/Diane Selwyn, em
"Mulholland Drive", de Nikki Grace, em "Inland
Empire", a tragédia de se descobrir perdido nos
labirintos do próprio inconsciente, entre sonhos,
sombras e fantasmas, um lugar da mais absoluta
solidão pois ninguém pode segui­lo ali. A tragédia
da auto­ilusão, do auto­engano: um tema
O auto­engano como tema central na obra  recorrente em toda a obra de Lynch. Seus filmes
de David Lynch. costumam ser ditos como confusos e até
indecifráveis, mas não é bem assim: são confusos
por serem, invariavelmente, narrados do ponto de vista de personagens perdidos, auto­
iludidos. Nós compartilhamos sua desorientação, sua visão nonsense do mundo ao redor.
Quando conseguimos nos desvencilhar do ponto de vista deles, observa­los de fora, aí sim
nos damos conta da tragédia (é relativamente mais fácil perceber isso em "Mulholland Dr.").
Por outro lado, se você se identifica completamente com o personagem (o que, afinal, é
nosso hábito ao consumir áudio­visual) pode acabar acreditando, por exemplo, que Twin
Peaks é uma série essencialmente otimista e positiva, nunca percebendo que os
"momentos felizes" que a série nos mostra são sempre carregados com uma estética do
absurdo, do exagero, da caricatura, tão grotescos quanto os momentos de horror (pense
na estranheza dos primeiros flertes de Cooper e Annie, nas micagens malucas de Bobby e
Shelly ou nas epifanias do Major, não são apenas as danças desesperadas de Leland que
denunciam rompantes de "felicidade forçada"). Quanto mais você acreditar no ponto de
vista distorcido de Cooper a respeito de Twin Peaks, (e nós queremos acreditar, queremos
muito, não só em Twin Peaks, mas na Hollywood de sonhos em que Diane se perde em
Mulholland Dr.) mais desolador e incompreensível será o episódio final. 

(Essa não é a única forma de entender o trabalho de David Lynch, não vou entrar aqui em
aspectos mais formais e estéticos pois acabaria me perdendo e deixando esse artigo ainda
mais longo do que já é, mas recomendo fortemente a clássica análise de Vladimir Safatle:
David Lynch ou a arte de construir estradas com ruínas) 

A grande ironia é que nos últimos anos
Lynch tem viajado o mundo todo
vendendo ilusões, repetindo mantras de
auto­ajuda com convicção fanática,
insistindo que os problemas do mundo se
resolveriam simplesmente se todos
fizessem meditação transcendental todos
os dias, duas vezes ao dia, quem sabe até
jogando pedras em garrafas nas horas
vagas? Lynch e Cooper sempre foram
alter­egos e não é nada incomum que
artistas obsessivos estejam sempre, ao fim
e ao cabo, falando de suas próprias
fraturas. Felizmente, é a obra que pertence
Alter­Egos?
ao mundo, não a vida pessoal do artista e
se na vida Lynch talvez se iluda ou mesmo
se traia, na arte, como já disse aqui, ele nunca conseguiu deixar de ser verdadeiro (talvez
até a despeito de si mesmo, algo muito comum na história da arte). Esperemos que
continue assim e, nessa nova série "Twin Peaks", o artista não traia a própria obra como
tantos cineastas que sucumbiram à onda dos remakes e releituras. Mas se acabar
acontecendo, tudo bem. Não abalará a Twin Peaks original, que já teve sua merecida
conclusão, perfeita, definitiva e ressoante a ponto de manter sua força mesmo depois de 25
anos.

P.S. Quase não mencionei o filme "Twin Peaks ­ Os Últimos Dias de Laura Palmer" porque
nele Cooper não é mais o protagonista e as poucas cenas em que aparece não
contradizem em nada a análise que fiz a partir dos episódios da série (muito pelo contrário,
eu diria, lembram de Phillip Jeffries apontando o dedo pra ele e gritando: "Quem vocês
pensam que esse cara é?"). Mas achei melhor acrescentar esse pos­script pra que
ninguém pense que eu sou da turma que desconsidera o filme como parte do "Universo
Twin Peaks". Pelo contrário: sou da turma que ama o filme de paixão. ;) 

Das könnte Ihnen auch gefallen